(1964-1974) – Denise Rollemberg Introdução: Segundo a autora, durante o processo de abertura política foi formulado a memoria do que teria sido os últimos anos, e a partir disso a sociedade construiu a imagem de si mesma como essencialmente democrática, que repudiara o arbítrio numa luta intransigente contra os militares. Na verdade, o golpe tinha sido militar, a ditadura militar, imposta a uma sociedade que tinha sido apenas vítima de todo o processo. Memoria essa criada a partir do mito da resistência, mito esse que absolve a sociedade civil de qualquer responsabilidade e nega que o autoritarismo tenha sido produto da sociedade. A linha interpretativa que consolidou essa memoria surgiu no fim dos anos 70, mas consolidou-se na década de 80, buscou enfatizar o papel dos movimentos sociais de oposição ao regime militar, que segundo essa linha interpretativa teriam sido decisivos para a chamada “crise da ditadura”. Dessa forma, os movimentos da sociedade civil favoráveis ao regime militar foram deixados de lado/esquecidos. Segundo a autora, para estudar esses movimentos civis que atuaram durante o regime militar é preciso analisa-nos não estando em campos delimitados de “a favor” ou “contra” e sim naquilo que o historiador francês Pierre Laborie chamou de “zona cinzenta”, que seria um espaço entre os dois polos de a favor ou contra, um lugar de ambivalência no qual os dois extremos se diluem na possibilidade de ser um e outro ao mesmo tempo. Tendo isso exposto, a autora vai analisar a trajetória de umas das associações consideradas mais importantes para a derrubada do regime militar: a associação brasileira de imprensa. Tese: A tese da autora é de que existia na ABI, uma ambivalência de posicionamento de seus membros que fundiam apoio e rejeição a ditadura (zona cinzenta), dessa forma a ABI não poderia ser considerada apoiadora ou rejeitadora da ditadura até 1974 quando essa diversidade de opiniões se dilui, muito diferente do que a memoria consolidada nos anos 80 demonstrou. Indícios da tese no texto: “O que é mais desafiador, entretanto, é, sem dúvida, compreender as ambivalências que fundiam apoio e rejeição; as posições que diluíam as fronteiras rígidas entre uma coisa e outra, que não cabem nos campos bem demarcados com os quais a historiografia vem trabalhando.” (Pg. 08) “A objetivo do artigo é, então, recuperar as discussões internas, nos dez primeiros anos da ditadura, na ABI, que se tornou, com a OAB e a CNBB, símbolo da resistência no pós-1979; acompanhar a diversidade que desapareceu ou se diluiu, posteriormente; compreender as posições em suas ambivalências para melhor perceber o que foram a vivência da instituição sob o regime de exceção e a sua memória.” (Pg. 08/09) Principais argumentos: A argumentação da autora é embasada quase completamente pelas atas das reuniões da ABI. “Na reunião de julho de 1967, o conselheiro (da ABI) Oswaldo Paixão propôs o voto de pesar pela morte de Castelo Branco. Apesar dos “acalorados debates”, quando os que se manifestavam contrários à proposta alegaram, “entre outros motivos a perseguição movida pelo ex-presidente aos homens de imprensa”, foi aprovada com um único voto contrário, do conselheiro Miguel Costa Filho.” (Pg. 11) “Ainda em relação às homenagens a homens do regime, um momento especial ocorreu quando das comemorações do 60º aniversário da ABI, em abril de 1968. O general- presidente que promulgaria, em dezembro, o AI-5, colocando um ponto final no que ainda restara dos direitos civis, fora recebido com entusiasmo, na ABI. Para tal, o presidente Danton Jobim, senador pelo MDB entre 1971 e 1978, figura que aparece em destaque na memória da resistência democrática, muito se empenhou. [...] A recepção-homenagem, ao que parece, teve o apoio da maioria do Conselho, que não a via em contradição com a luta pela liberdade de imprensa, como expôs o jornalista Jocelin Santos.” (Pg. 11-13) “Outro ponto importante a destacar é a incorporação pela ABI de símbolos dos governos militares. Assim, em 19 de novembro, a menos de um mês do AI-5, prestava-se homenagem ao “Dia da Bandeira”.” (Pg. 14) “Com o afastamento de Costa e Silva e a posse de Médici, a ABI e seu presidente saudavam o novo general-presidente com esperança e entusiasmo. Na ocasião, foi-lhe enviada mensagem, assinada por Danton Jobim (presidente da ABI).” (Pg. 14) “Entretanto, ao mesmo tempo em que participava da festa do regime, a ABI usou-a para falar de liberdade de imprensa, recuperando outros períodos da História nos quais os jornalistas atuaram sob censura. Assim, recorria também ao passado para aludir ao presente. [...] Neste mesmo sentido, era possível atuar contra a censura prévia sem hostilizar o governo que a promovia.” (Pg. 19) “Na verdade, era através das relações como o governo que os problemas seriam resolvidos: “Esclarece [Fernando Segismundo] que a Diretoria está cuidando de estabelecer melhor relacionamento com as altas autoridades do país, para o correto atendimento de assuntos relevantes para a classe dos Jornalistas, como liberdade de imprensa, o funcionamento da Comissão de Defesa da Pessoa Humana etc.”. (Pg. 20) “O desempenho da ABI na defesa da liberdade de imprensa e de jornalistas atingidos pelo regime parece não ter sido uma unanimidade nas discussões das reuniões da instituição. Em junho de 1966, o conselheiro Raul Floriano “fazia restrições à Diretoria da ABI quanto à ação da entidade em defesa da liberdade de imprensa e de jornalistas atingidos por medidas restritivas ao desempenho da profissão”. Elmano Cruz, então presidente do Conselho, rebateu as acusações: “jamais a Diretoria da ABI ou a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e do Livro se omitiram no que toca a sua atuação em defesa dos jornalistas presos ou ameaçados”. (Pg. 23) “Alguns meses depois, em maio, o conselheiro Ivo Arruda propôs “que o Conselho se congratule com o jornalista Roberto Marinho por haver recebido o título de Cidadão Honorário de Belo Horizonte”. Assim, o responsável pela rede de meios de comunicação mais importante do país, que desempenhou um papel destacado de apoio aos militares no momento do golpe e na implantação da ditadura, era, uma vez mais, merecedor dos aplausos da ABI.” (Pg. 25) “Inspirada em Laborie, diria que a ABI não foi, primeiro, defensora dos militares e, depois, resistente à ditadura. A recuperação das discussões e embates, cujo eixo foi a liberdade de expressão e de jornalistas, até o desencadeamento do projeto de abertura política Geisel-Golbery, indica que esteve bem mais próxima da zona cinzenta do que da trincheira inexpugnável. Não era coesa, abarcava embates que desapareceram na memória. Mas, sobretudo, era ambivalente, capaz de ser a favor e contra os governos militares ao mesmo tempo.” (Pg. 34) “Assim, se a ABI denunciava as prisões de jornalistas, perseguidos por suas idéias, atuava para que fossem libertados, mantinha relações com os governos militares, os celebrava em homenagens, banquetes etc., e identificava-se com valores e princípios que os definiam. Durante a ditadura e depois do seu fim, muitos que estiveram no campo da resistência democrática argumentaram que esta duplicidade fora um recurso encontrado para combater o regime por dentro. Esta posição, entretanto, não pode ser entendida exclusivamente pela impossibilidade de se fazer de outra maneira sob uma ditadura ou para evitar o isolamento da Instituição, visando a uma atuação concreta.” (Pg. 34)