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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.637.257 - RJ (2016/0296957-0)

RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS


RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RECORRIDO : PATRICIA DA SILVA
RECORRIDO : THAMARA GOMES DA SILVA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO


RIO DE JANEIRO, com fulcro no art. 105, III, alínea "a", da Constituição Federal, de
acórdão do Tribunal de Justiça da mesma unidade federativa, que deu provimento ao apelo da
defesa para "absolver ambas as apelantes, com o reconhecimento da ilicitude da prova, quer
por violação de domicílio, quer por violação ao direito da não autoincriminação quanto à
Patrícia e por incomprovação da finalidade mercancial quanto à Thamara, expedindo-se
alvarás de soltura quanto a ambas".
O recorrente sustenta negativa de vigência dos arts. 157, caput , e § 1º, 186,
283, § 2º, 301 e 303, todos do Código de Processo Penal. Afirma que "as provas colhidas não
são nulas por inviolabilidade do domicílio, já que o tráfico de drogas é crime permanente".
Defende, também, que "se afigura desnecessária a advertência do direito ao silêncio em
momento anterior à prisão, notadamente em se tratando de hipótese de estado de flagrância de
crime permanente".
Requer, assim, seja cassado o acórdão recorrido, "afastando-se a alegação de
ilicitude da prova, com o retorno dos autos ao Tribunal de Origem para prosseguimento do
julgamento do recurso defensivo em relação ao crime de tráfico de drogas".
Contrarrazões apresentadas (e-STJ, fls. 537-551).
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso
(e-STJ, fls. 591-602).
É o relatório.
Decido.
O Tribunal de origem absolveu as recorridas pelos delitos de tráfico de drogas
e associação para o tráfico sob a seguinte motivação:

"E tal se dá porquanto, no que tange a PATRÍCIA, se constata a inequívoca


ilegitimidade da diligência efetuada pelos policiais militares e que culminou
com a prisão em flagrante desta, a quem foi atribuída a prática da ilícita
mercancia, a partir da arrecadação de indeterminada quantia de material
estupefaciente no interior de sua própria residência.
Sucede que, segundo narram os agentes da lei em sede judicial (gravação em
mídia), estes teriam adentrado àquele domicílio seguindo THAMARA, que
teria se posto em fuga ao avistar os milicianos, no exato momento em que
esta conversava com um indivíduo quem conduzia um veículo de cor prata e
vindo a mesma, durante a evasão, a deixar cair junto à porta da frente, mas
do lado de fora daquela residência, 02 (dois) invólucros contendo
"maconha" e 01 (um) invólucro contendo cloridrato de cocaína e vindo, após
tal ato, a ingressar na residência de PATRÍCIA, mas quando, repise-se, já se
encontrava desprovida da posse de qualquer substância ilícita.
Ora, ainda que se repute como verídica a versão apresentada por aquelas
testemunhas, mostra-se inequívoca a violação à garantia constitucional da
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inviolabilidade do domicílio, a qual, ao contrário do que se argumenta, não
há de ser afastada, a partir do encanecido argumento de que se esteja diante
de estado flagrancial, notadamente porquanto se trate de um crime
permanente. E tal se dá porquanto é cediço que tal estado somente se
credencia a permitir a mitigação daquela segura condição, quando se tenha
concretizada a imprescindibilidade de o agente da lei - ou quem quer que
seja - ingressar em determinado domicílio, a fim de fazer cessar a prática de
um fato criminoso, em face do qual se tenha estabelecido uma efetiva
certeza de que esteja sendo realizado no interior daquele imóvel. No caso
em comento, o que houve foi o exato inverso, porquanto tenham os
milicianos assistido ao momento da interrupção por THAMARA de sua
própria conduta ilícita - ao se desvencilhar do estupefaciente que portava -
sepultando aí a legitimidade daqueles quanto ao desautorizado ingresso no
imóvel, o qual, de qualquer forma, nunca poderia acontecer como esteio à
realização de uma "varredura" investigativa no seu interior.
Ou seja, a existência de legítima condição à realização da prisão em
flagrante, por si só, não ampara a efetivação desta no interior de um
domicílio. E tanto assim o é que tal truculenta prática policial de violação de
domicílios se encontra de forma lastimável amplamente difundida, mas tão
somente em comunidades mais pobres e de indigência cultural, social e
política, nas quais se tem por facilmente identificado o apartheid social que
vivemos, e onde impera o desconhecimento dos valores e das proteções
constitucionais da cidadania - ou, simplesmente, as pessoas dali
desconhecem os pilares práticos e concretos deste conceito, e,
principalmente como devem lutar para fazer vale-la. Sendo assim, não é
incomum que milicianos venham a defender sua conduta com as mais
disparatadas "justificativas", como, por exemplo, o fato de que as
residências existentes em comunidades possuem uma frágil estrutura, muitas
vezes até sem uma adequada e firme porta de acesso, o que, no desvirtuado
raciocínio daqueles, autorizaria seus ingressos no local. Entretanto e quando
situação análoga a esta ocorre em outros centros populacionais, como por
exemplo, a zona sul da capital deste Estado, a conduta policial se mostra
amplamente diversa. Isto porque certamente o acesso aos domicílios ali
existentes não se encontra tão exposto ou simples como no primeiro caso e
os indivíduos sobre os quais paira a suspeita - ou até mesmo aquela
alcançada certeza visual da prática do fato criminoso - certamente se
mostram dotados de um outro perfil, conhecendo os seus "direitos" e
reunindo condições de fazer vale-los, inclusive, a partir do acesso a diversos
meios de comunicação, até mesmo redes sociais, em que não tarda a se ter
por incontrolavelmente divulgada a ilegal atuação policial. E neste caso,
evitando correr os "riscos" de um julgamento público, os agentes da lei
certamente realizam todo o percurso necessário ao ingresso no imóvel, ou
seja, previamente realizando um cerco a este e requerendo uma autorização
judicial para o pretendido acesso ao interior do mesmo, cujo mandado de
busca e apreensão domiciliar, se concedido, trará ainda em si detalhados os
limites de atuação daqueles, de molde a legitimar a pretendida diligência.
Ora, por que, então, os agentes da lei não tomam tais providências também
em se tratando de uma residência mais humilde ???!!! E reputam suficiente a
alegação de que se encontrariam em perseguição a um suposto criminoso?
Mas não é só. Insatisfeitos em invadir o domicílio em questão, no que
residia PATRÍCIA e sob o pretexto de deterem THAMARA, os milicianos
ainda iniciaram uma verdadeira "varredura" no local, atividade não

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compreendida, nem muito menos autorizada ou legitimada, pela
supostamente inocente e putativamente legítima perseguição desenvolvida a
THAMARA até o interior do domicílio de PATRÍCIA, sem prejuízo de
ainda compelirem esta a não só a confessar que armazenava material
entorpecente, como a indicar onde este se encontrava ocultado, cristalizando
uma conduta que ainda traz a violação a outro primado constitucional, qual
seja, o direito a não autoincriminação, que tem como uma de suas vertentes
o direito ao silêncio, o qual foi inequivocamente sonegado àquela pelos
agentes da lei, notadamente o miliciano ROGÉRIO, quem ainda
demonstrou, em seu depoimento um indisfarçável orgulho do ilegítimo
resultado alcançado. Senão, vejamos:
[...]
Ou seja, não satisfeitos em desautorizadamente ingressarem no domicílio de
PATRÍCIA, os policiais militares ainda incrementaram suas arbitrárias
condutas, ao interpelarem esta quanto à veracidade da delação anteriormente
recebida, não se ocupando em revestir seus atos da legalidade necessária a
tanto, qual seja, a expressa advertência de que aquela não estava obrigada a
responder à pergunta formulada, constituindo prova contra si mesma.
Neste contexto, o que se tem nos autos é a ilicitude de raiz quanto a este
ingresso desautorizado dos policiais militares na residência da imputada
PATRÍCIA, bem como quanto à conduta arbitrária de compelir esta
implicada a confessar a prática de crime, de molde a nulificar tudo o que daí
tenha advindo. Vale dizer: em sendo ilícita a origem da diligência geradora
das provas, sobrevirá, por derivação, o reconhecimento da imprestabilidade
de todos os demais elementos de convicção que a partir dela se
estabeleceram e o que, no caso dos autos, se configura como a integralidade
dos elementos probatórios manejados para condenar PATRÍCIA pela prática
da ilícita mercancia.
Destarte, a única solução adequada quanto a PATRÍCIA, é a decretação de
sua absolvição, no que tange àquela imputação, o que ora se aplica, com
fulcro no art. 386, inc. n° VII do Diploma dos Ritos.
Agora e no que tange a THAMARA e à imputação em face desta
desenvolvida pela prática da ilícita mercancia, o que se constata é que os
milicianos, num primeiro momento, a teriam avistado se comunicando com
o motorista de um veículo de cor prata, mas não podendo estes
estabelecerem minimamente o teor de tal comunicação e, muito menos,
avistando aquela entregar qualquer objeto, seja lícito ou ilícito, ao condutor
daquele automóvel. Posteriormente a isto e quando esta Recorrente se pôs
em fuga, ao que parece, teria deixado cair ao chão 03 (três) invólucros
contendo material entorpecente, sendo 02 (dois) destes contendo "maconha"
e o remanescente preenchido por cloridrato de cocaína. Sucede que a
imputação sequer estabelece, de forma individualizada o peso total daquele
quantitativo de material ilícito, vindo a indicar tão somente que o somatório
deste com o restante que foi apreendido na residência de PATRÍCIA, seria
de 25,5g (vinte e cinco gramas e cinco decigramas) de "maconha" e de 4,0g
(quatro gramas) de cloridrato de cocaína.
Ora, evidente se mostra que tal montante, mesmo que considerado em sua
totalidade, figura longe de se classificar como expressivo, já que aquelas 03
(três) trouxinhas que teriam sido descartadas por THAMARA formam uma
pequena parcela daquele universo total do estupefaciente arrecadado,
descrito no Laudo de Exame de Entorpecentes (fls. 18/19), porquanto este
dá conta de um quantitativo total dc 61 (sessenta e um) invólucros contendo

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"maconha" e 04 (quatro) invólucros contendo cloridrato de cocaína.
Certo é que o panorama construído nos autos, a partir da própria narrativa
prestada pelas testemunhas de visual somente se credencia a estabelecer a
ocorrência da posse de material estupefaciente, não se tendo, senão como
presumida pelos agentes da lei, a identificação da prática de qualquer ato de
mercancia por THAMARA.
Sendo assim, tem-se como mais viável a perspectiva de que aquele material
ilícito que se encontrava sob a responsabilidade desta se destinasse ao
consumo próprio desta, o que permite tão somente a comprovação da prática
do delito previsto no art. 28 da Lei dos Entorpecentes. Entretanto e em se
constatando a inexistência de imputação neste sentido, não há que se falar
na realização de uma desclassificação da conduta atribuída para esta ora
indicada, pena de violação do princípio da congruência entre a Denúncia e a
Sentença. Destarte, a única solução adequada é a absolvição desta
Recorrente, diante da insuficiência probatória a balizar o teor da narrativa
denuncial e o que se faz também nos termos do art. 386, VII, do Diploma
dos Ritos.

A decisão impugnada está em harmonia com a jurisprudência pacífica deste


Tribunal Superior, motivo pelo qual não há como acolher o recurso ministerial (Súmula n.
83/STJ).
Sobre o tema, esta Corte já se manifestou que, sendo o crime de tráfico de
drogas de natureza permanente, assim compreendido aquele cuja a consumação se protrai no
tempo, não se exige a apresentação de mandado de busca e apreensão para o ingresso dos
policiais na residência do acusado, quando se tem por objetivo cessar a atividade criminosa,
dada a situação de flagrância, conforme ressalva o art. 5º, XI, da Constituição Federal.
Contudo, na esteira do decido em repercussão geral pelo Pleno do Supremo
Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 603.616/RO, para a adoção da medida de busca e
apreensão sem mandado judicial, faz-se necessária a caracterização de justa causa,
consubstanciada em razões as quais indiquem a situação de flagrante delito.
A propósito:

"Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral.


2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão
domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente.
Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para
ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime
permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período
noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável
apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos
demais casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – a
Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle
judicial a posteriori . Necessidade de preservação da inviolabilidade
domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências
arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso
forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada
judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à
execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a
inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra
ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo
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11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O
controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição,
quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais
sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas
internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido
processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma
justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a
constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que
justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia
elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a
medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em
domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno,
quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a
posteriori , que indiquem que dentro da casa ocorre situação de
flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal
do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso
concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de
tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso"
(RE 603.616/RO, Relator Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno,
julgado em 5/11/2015, DJe 10/5/2016, grifou-se).

No caso em exame, segundo se infere do acórdão impugnado, os policiais


ingressaram na residência da recorrida PATRÍCIA DA SILVA sem se fundar em elementos
válidos ou investigações prévias, que demonstrassem a ocorrência de algum delito naquele
local. Dessa forma, ainda que o crime de tráfico drogas seja permanente, diante da ausência
de fundadas razões que indicassem a situação de flagrância na residência da ré, é ilícita a
prova colhida mediante violação domiciliar.
No mesmo sentido:

"RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE.


DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE.
ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA
POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS
PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE
ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. RECURSO NÃO
PROVIDO.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental
relativo à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável
do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
2. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à
intimidade do indivíduo, o qual, na companhia de seu grupo familiar
espera ter o seu espaço de intimidade preservado contra devassas
indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que
a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exigem.
3. O ingresso regular de domicílio alheio depende, para sua validade e
regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem
para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É
dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a
conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se
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mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
4. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o
ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela
legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno -
quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas
circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no
interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel.
Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010).
5. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu
relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e
garantias fundamentais, a exemplo da Convenção Americana de Direitos
Humanos, cujo art. 11.2, destinado, explicitamente, à proteção da honra e
da dignidade, assim dispõe: "Ninguém pode ser objeto de ingerências
arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu
domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou
reputação."
6. A complexa e sofrida realidade social brasileira sujeita as forças
policiais a situações de risco e à necessidade de tomada urgente de
decisões no desempenho de suas relevantes funções, o que há de ser
considerado quando, no conforto de seus gabinetes, realizamos os juízes
o controle posterior das ações policiais. Mas, não se há de desconsiderar,
por outra ótica, que ocasionalmente a ação policial submete pessoas a
situações abusivas e arbitrárias, especialmente as que habitam
comunidades socialmente vulneráveis e de baixa renda.
7. Se, por um lado, a dinâmica e a sofisticação do crime organizado exigem
uma postura mais enérgica por parte do Estado, por outro, a coletividade,
sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias
economicamente, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus
mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a
residência invadida, a qualquer hora do dia, por policiais, sem as cautelas
devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos
de convicção, de que o local supostamente seria um ponto de tráfico de
drogas, ou que o suspeito do tráfico ali se homiziou.
8. A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos
agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de
situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode
fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar.
9. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em transformar o domicílio
em salvaguarda de criminosos, tampouco um espaço de criminalidade.
Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso no domicílio
alheio a situação fática emergencial consubstanciadora de flagrante delito,
incompatível com o aguardo do momento adequado para, mediante
mandado judicial, legitimar a entrada na residência ou local de abrigo.
10. Se é verdade que o art. 5º, XI, da Constituição Federal, num primeiro
momento, parece exigir a emergência da situação para autorizar o
ingresso em domicílio alheio sem prévia autorização judicial - ao elencar
hipóteses excepcionais como o flagrante delito, casos de desastre ou
prestação de socorro -, também é certo que nem todo crime permanente
denota essa emergência.
11. Na hipótese sob exame, o acusado estava em local supostamente
conhecido como ponto de venda de drogas, quando, ao avistar a guarnição
de policiais, refugiou-se dentro de sua casa, sendo certo que, após revista

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em seu domicílio, foram encontradas substâncias entorpecentes (18 pedras
de crack ). Havia, consoante se demonstrou, suspeitas vagas sobre eventual
tráfico de drogas perpetrado pelo réu, em razão, única e exclusivamente, do
local em que ele estava no momento em que policiais militares realizavam
patrulhamento de rotina e em virtude de seu comportamento de correr para
sua residência, conduta que pode explicar-se por diversos motivos, não
necessariamente o de que o suspeito cometia, no momento, ação
caracterizadora de mercancia ilícita de drogas.
12. A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo recorrido,
embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para
averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em
seu domicílio, sem o consentimento do morador - que deve ser mínima
e seguramente comprovado - e sem determinação judicial.
13. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em
domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há
de se aceitar com muita reserva a usual afirmação - como ocorreu na
espécie - de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para
a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de
qualquer preocupação em documentar e tornar imune a dúvidas a
voluntariedade do consentimento.
14. Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia
elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de
domicílio. Assim, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore
Envenenada (ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous
tree doctrine , de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da
nossa Constituição da República, é nula a prova derivada de conduta
ilícita - no caso, a apreensão, após invasão desautorizada do domicílio do
recorrido, de 18 pedras de crack -, pois evidente o nexo causal entre uma
e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de
ilicitude) e a apreensão de drogas.
15. Recurso especial não provido, para manter a absolvição do recorrido."
(REsp 1.574.681/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA
TURMA, julgado em 20/04/2017, DJe 30/05/2017).

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . TRÁFICO DE


ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO. PRÉVIO MANDAMUS
DENEGADO. PRESENTE WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO
ORDINÁRIO. INVIABILIDADE. VIA INADEQUADA. NOTICIA
CRIMINIS ANÔNIMA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.
DETERMINAÇÃO. ANTERIOR COLHEITA DE PROVAS.
INEXISTÊNCIA. PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO PRÉVIOS À
REQUISIÇÃO DE QUEBRA DO SIGILO. NÃO OCORRÊNCIA.
FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas
corpus , em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional e em
louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a
ordem como substitutiva de recurso ordinário.
2. Não se descurando do direito à intimidade e da vedação do anonimato,
previstos na Constituição Federal, ecoa nos tribunais o entendimento de que
possível se mostra a inauguração de investigações preliminares para
averiguar a veracidade de comunicação apócrifa, desaguando em um cenário
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que sirva como supedâneo para um subsequente procedimento investigatório
formal - inquérito policial -, caso existentes indícios da autoria e
materialidade delitiva.
3. Conquanto não possa servir como parâmetro único da persecução penal, a
delatio criminis anônima pode servir para dar início às investigações e
colheitas de elementos acerca da possível prática de infração penal, de sorte
a desencadear medidas cautelares de maior peso.
4. Na hipótese em apreço, constata-se que a comunicação anônima foi o
único dado que serviu para embasar a interceptação telefônica autorizada
judicialmente, que ensejou as quebras de sigilos de outros terminais, bem
como as prorrogações posteriores, inexistindo a realização de diligências
prévias à medida constritiva extrema.
5. Evidente a flagrante ilegalidade, visto que, em decorrência da suposta
prática de tráfico de entorpecentes e associação, a quebra do sigilo, a prisão,
a denúncia e a condenação do paciente estão intimamente amparadas nos
informes apócrifos recebidos pela autoridade policial, que não se esmerou
em realizar procedimentos investigatórios preliminares, antes da requisição
da interceptação telefônica.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de
declarar nula a evidência resultante da interceptação telefônica, com a
consequente anulação da decisão condenatória; e, afastada a prova ilícita,
determinar a prolação de nova sentença pelo magistrado singular,
garantindo-se ao paciente o direito de aguardar em liberdade o trânsito em
julgado do feito, se por outro motivo não estiver preso."
(HC 229.205/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
SEXTA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 24/04/2014).

Vale lembrar que "a denúncia anônima é meio hábil a dar início a persecutio
criminis, desde que corroboradas por outras circunstâncias, obtidas em diligências
complementares efetivadas a fim de apurar os fatos nela noticiados" (HC 133.148/ES, rel.
Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 21.2.2017).
Por fim, verifica-se que o recorrente não impugnou o fundamento delineado no
acórdão de que não haveria prova da mercancia, quanto à recorrida THAMARA GOMES DA
SILVA.
Este Superior Tribunal de Justiça, por analogia, com esteio na Súmula
283/STF, possui jurisprudência uniforme no sentido de ser inadmissível recurso quando a
decisão recorrida possuir mais de um fundamento suficiente, por si só, para mantê-la e o
recurso não ataca todos eles.
Ilustrativamente:

"PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ART. 387, IV, DO CPP.
AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO NA DENÚNCIA. IMPUGNAÇÃO
ESPECÍFICA. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULAS 283 E 284/STF.
AGRAVO DESPROVIDO.
1. A ausência de impugnação específica de fundamento suficiente para
manter o acórdão local impede o conhecimento do recurso especial.
Incidência das Súmulas n. 283 e 284 do STF.
2. "Este Superior Tribunal, em relação à fixação de valor mínimo de
indenização a título de danos morais, nos termos do art. 387, IV, do Código
de Processo Penal, entende que se faz indispensável o pedido expresso do
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ofendido ou do Ministério Público, este firmado ainda na denúncia, sob
pena de violação ao princípio da ampla defesa.". (AgRg no REsp
1.626.962/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA
TURMA, DJe 16/12/2016).
3. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no REsp 1664978/MS, de minha relatoria, QUINTA TURMA,
julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017.)

"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO


RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA
DE FUNDAMENTO SUFICIENTE DA DECISÃO RECORRIDA.
SÚMULA N. 283 DO STF. ROUBO TENTADO. DESCLASSIFICAÇÃO
PARA LATROCÍNIO TENTADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7
DO STJ.
1. Em observância ao princípio da dialeticidade recursal, é dever do
recorrente impugnar todos os fundamentos que sejam, por si sós,
suficientes para manter a decisão recorrida, sob pena de incidência da
Súmula 283 do STF.
2. Com base nas provas coligidas aos autos, o Tribunal de origem concluiu
pela inexistência do animus necandi , de modo que rever tal entendimento
demandaria a inevitável incursão no acervo fático-probatório, o que se sabe
inviável em sede especial, conforme dispõe a Súmula n. 7 do STJ.
3. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no REsp 1675268/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK,
QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2017, DJe 22/09/2017, grifou-se.)

Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, I e II, do Regimento Interno
do STJ, conheço parcialmente do recurso especial e, nesta parte, nego-lhe provimento.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 12 de dezembro de 2017.

Ministro RIBEIRO DANTAS


Relator

Documento: 79313619 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 15/12/2017 Página 9 de 9

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