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Cleonice Berardinelli
V1 + V2 + V3 + … + Vn = aV
Como se vê, há uma distribuição muito equilibrada das partes: das vinte e quatro
estrofes, quatro se destinam a introdução, transição e epílogo; as vinte restantes, divididas
ao meio, apresentam o herói da seqüência. Tanto Vasco da Gama como o Adamastor
aparecem como narradores e como personagens. Pelo mesmo sistema de encaixe7 que
inseriu a narrativa de Vasco da Gama (Narrador 2) na grande narrativa do Narrador l, a do
Adamastor (Narradorl se insere naquela. Um simples gráfico no-lo mostrará:
ou o desejo expresso pelo próprio Camões, sabedor de que os amores são falsos:
Será demais insistir nas semelhanças entre o gigante e o povo que o afronta? Ambos
são capitães do mar, ambos defendem com bravura o próprio solo, ambos sabem fazer a
crua guerra, mas também são ambos sensíveis à beleza feminina, capazes de amar com
extremos e contentar-se com enganos de amor.
Parece-nos que assim se resolve a incoerência a que nos referimos atrás, da presença
de um ser mitológico no discurso de Vasco da Gama, a qual seria agravada pelas últimas
palavras deste ao rei de Melinde, confrontando a verdade que conta "nua e pura" (V, 89, v.
7) com os fingidos semideuses, Circes e Polifemos. (V, 88, vv. 2-3) O Adamastor é mais que
um ser mitológico, preexistente ao poema: é o mito, que se manifesta através da criação
artística, no nível da enunciação.16
Notas
I HORACE. Art poétique. In: Oeuvres d': texte latino 13e. éd. Paris: Hachette, s.d., p. 599, v.
2 TODOROV, Tzvetan. Les catégories du récit littéraire. ln: Communications (8). Paris: Seuil, 1966,p. 142.
3 PESSOA, Femando. Mensagem, 4. ed. Lisboa: Ática, 1950, p. 54: "immenso e possivel oceano". Utilizo a 4'
edição da Ática, de 1950, que mantém a ortografia usada por Femando Pessoa, já ultrapassada ao tempo do poeta,
mas que considero expressiva especialmente nesta obra.
4 BAR THES, Roland. Introduction à l' analyse structurelle des récits. In: Communications (8). Paris: Seuil, p. 10.
5 PESSOA, op. dt., p. 52.
6 lh., p. 57.
7 TODOROV, op. dt., p. 140.
8 Quando nos referimos aos vários narradores do poema, chamamos NarradorJ a Paulo da Gama; aqui, onde
excepcionalmente só estamos falando dos dois narradores maiores (N1 e 2)' usamos NJ para o Adamastor.
9 Usamos sjgnificante no sentido saussuriano do termo.
10 DUCROT, Oswald et TODOROV, Tzvetan. Dictionnaire encyclopédique des sciences du langage. Paris: Seuil,
1972, p. 427-9.
11 Ib., p. 428.
12 C( FRETIGNY, Roger et VlREL, André. L'apport des techniques d'imagerie mentale ã l'étude de
l'imaginaire. In: CIRCÉ (1): Études et recherches sur I'imaginaire réunies par Jean Burgos. Paris: Lettres Modernes,
1969, p. 141: "[L'lmaginaire) rétablit Ia perméabilité entre I'individu et le collectif et ce n' est pas lã sa moindre fonction
- car I'lmaginaire est, avant tout, collectif'. C( também p. 142 e 144.
13 C( PALMIER, Jean-Michel. lAcan: le Symbolique et l'Imaginaire. 2.éd. Paris: Editions Universitaires, 1970, p. 20
SS.
14 DUROZOI, Gérard et LECHERBONNIER. Le Surréalisme. Paris: Larousse, 1972, p. 147.
15 Último verso das "Voltas próprias" à "Cantiga velha", cujo incipit é "Apartam-se os meus olhos". (Rh, fo. 161 v)
16 Cf. nota 12.