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As obras de arte a retratam como uma prostituta arrependida; os polemistas modernos, como esposa de
Jesus. Agora é a vez de Hollywood… e as especulações parecem não ter mais fim. Onde se encontra, afinal, a
verdadeira Maria Madalena?
Sobre “Maria Madalena”, lançado no Brasil no último dia 15 de março, é importante que você saiba uma coisa
importante: não era a intenção nem das roteiristas nem do diretor, Garth Davis, fazer um filme de acordo com os
Evangelhos canônicos.
Em entrevista a um site australiano, Davis declarou que, quando recebeu o roteiro, ele descobriu “que não era um filme
bíblico, mas sim uma incrível história espiritual dessa mulher extraordinária, cuja história — eu depois entendi — não havia
sido realmente contada”. O retrato de Maria Madalena como uma “mulher imoral” teria sido “uma invenção do Papa
Gregório, em 591 d. C.”.
Essa mesma alegação consta no final do filme, como um post scriptum, acompanhada de uma informação que os
espectadores talvez não conhecessem: recentemente, da mesma Roma onde vivera São Gregório Magno, o Vaticano teria
“reabilitado” Maria Madalena, dando-lhe o título de apostola apostolorum (“apóstola dos apóstolos”) e reconhecendo nela
uma pessoa “em nada diferente” dos outros Apóstolos.
Antes de qualquer coisa, vamos à verdade dos fatos.
Por desejo expresso do Papa Francisco, a Congregação para o Culto Divino estabeleceu em 2016 que “a celebração de Santa
Maria Madalena” fosse “inscrita no Calendário Romano Geral, com o grau de festa em vez do de memória”, como era até
então. No mesmo decreto consta o título “apóstola dos apóstolos”, dado a Maria Madalena, mas a expressão está longe de
ser uma novidade, como Hollywood quer fazer as pessoas acreditarem; seu autor é Santo Tomás de Aquino, que viveu ainda
no século XIII.
A Igreja nunca teve dificuldades em reconhecer a santidade e os méritos de Maria Madalena.
“Noli me tangere”, de Giulio Romano.
Isso significa que a suposta “reabilitação” de Maria Madalena é muito mais antiga do que se
pensa… A começar pelo fato de que dizer simplesmente “Maria Madalena” já está errado. Nós,
católicos, lhe chamamos santa, e não é de hoje. “A Igreja, tanto no Ocidente como no Oriente
— diz ainda o decreto do Culto Divino —, teve sempre em grande consideração e louvor Santa
Maria Madalena, celebrando-a de diversos modos, pois ela foi a primeira testemunha
evangelizadora da Ressurreição do Senhor”.
Mais correto seria dizer, portanto, que foi o próprio Senhor quem “reabilitou” Maria Madalena.
Quando “andava pelas cidades e aldeias anunciando a boa-nova do Reino de Deus”, não só os
Apóstolos iam com Ele, “como também algumas mulheres”, dentre as quais menciona-se “Maria, chamada Madalena” (Lc 8,
1-2). Ela também esteve aos pés da Cruz (cf. Mt 27, 56; Mc 15, 40; Jo 19, 25) e, o mais importante de tudo, foi a primeira
testemunha de Jesus após a Ressurreição (cf. Mt 28, 1-10; Mc 16, 1-11; Lc 24, 1-10; Jo 20, 1-18). Tudo isso é mais do que o
suficiente para fazer de Santa Maria Madalena uma figura importantíssima para a nossa fé.
Mas, aparentemente, para os fãs da polêmica e os inimigos da religião — especialmente da católica —, o que consta nos
Evangelhos canônicos não basta. Em um passado não muito distante, houve até quem idealizasse um verdadeiro casamento
entre Jesus Cristo e Maria Madalena, com filhos e tudo. Garth Davis não chega a esse ponto, mas as imprecisões e os
exageros da trama saltam aos olhos.
Maria Madalena, interpretada pela atriz Rooney Mara.
Em primeiro lugar, a possessão de Santa Maria Madalena antes de seguir a Cristo, confirmada por dois dos Evangelhos
canônicos (cf. Lc 8, 2; Mc 16, 9), é totalmente relativizada no filme. A família de Maria teria simplesmente interpretado mal a
sua audácia e destemor. Em seu primeiro encontro com a mulher de Magdala, o Jesus interpretado por Joaquin Phoenix diz-
lhe que não via demônio nenhum presente nela.
Pode ser falta de fé na existência do demônio, necessidade de “romantizar” a história de Maria Madalena, ou mesmo as
duas coisas juntas. O fato é que essa tendência, que não é de agora, de tentar eliminar todas e quaisquer manchas possíveis na
vida pregressa de Maria Madalena, passa uma impressão muito errada a respeito do que sejam a conversão e a santidade
para a religião cristã.
Veja-se, por exemplo, a tempestade que os exegetas modernos fazem em torno da hipótese de Maria Madalena ter sido uma
prostituta. Para negar essa informação — que, embora não conste expressamente nas Escrituras, foi amplamente aceita pela
Igreja no Ocidente —, eles chegam a atribuir más intenções aos santos e padres católicos, inventando histórias as mais
estapafúrdias.
Mas, controvérsias exegéticas à parte, seria preciso perguntar: que diferença faria ela ter sido prostituta ou não? Por acaso
Deus não pode resgatar as pessoas de todos os tipos de pecado? Figuras como um Santo Agostinho ou uma Santa Maria
Egipcíaca (esta, sim, tirada da prostituição) deveriam receber menos prestígio e veneração, só porque levaram uma vida de
pecados antes de conhecer a Cristo? Ou não é justamente a mudança que se operou em suas vidas o motivo maior de sua
glória, como diz o Apóstolo: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20)?
Em segundo lugar, o filme retoma uma falsa dicotomia retirada de um antigo apócrifo gnóstico: haveria uma revelação feita a
Maria Madalena e uma outra aos Apóstolos, ou melhor, Jesus teria anunciado o Evangelho a todos eles, mas só a “apóstola
dos apóstolos” — que está mais para superapóstola — o teria compreendido verdadeiramente.
Na história de Hollywood, Jesus pede a Maria que “seja suas mãos”, abençoando o povo que o circunda; manda que ela vá
com Pedro, só os dois, pregar em outras aldeias; põe-na entre os convivas da Última Ceia, à la Dan Brown; e é ela, por fim,
quem, em retribuição, tenta defender Nosso Senhor dos soldados romanos no Horto das Oliveiras — e não Pedro, como diz o
Evangelho de São João (Jo 18, 10).
Aqui é chegado o momento de explicar a compreensão correta da expressão “apóstola dos apóstolos”, atribuída a Santa
Maria Madalena por ninguém menos que Santo Tomás de Aquino. Para tanto, deixemos que o próprio Doutor Angélico fale. O
contexto de seu ensinamento é a passagem em que Jesus manda Maria avisar os Apóstolos de sua ressurreição:
Deve-se reconhecer aqui um tríplice privilégio concedido a Madalena. Em virtude do primeiro, de caráter profético, ela
mereceu ver os anjos; o profeta, com efeito, é quem serve de mediador entre os anjos e o povo. Em virtude do segundo,
consistente na elevação angélica, ela viu a Cristo, a quem desejam contemplar os anjos. Em virtude do terceiro, que é o ofício
apostólico, ela tornou-se apóstola dos Apóstolos, e por causa disso lhe foi confiada a tarefa de anunciar aos discípulos a
Ressurreição do Senhor, a fim de que, assim como no princípio a mulher levara ao homem palavras de morte, assim também
uma mulher anunciasse agora palavras de vida (Comentário ao Evangelho de São João, c. XX, l. 3, n. 2519).
Note-se, portanto, que a expressão tem todo um contexto, relacionado ao fato de ela ser a primeira testemunha da
Ressurreição, o que está muito longe da afirmação, falsamente imputada ao próprio Vaticano, de que Santa Maria Madalena
não seria “em nada diferente” dos demais Apóstolos. Isso colocaria em xeque o fato, já confirmado recentemente pelo Papa
São João Paulo II e reiterado pelo próprio Francisco, de que Nosso Senhor escolheu apenas homens como Apóstolos, para
compor a hierarquia de sua Igreja.
Em que essa escolha de Cristo diminui as mulheres, são os céticos e críticos da Igreja que precisam responder. A Igreja,
afinal, nunca teve dificuldades em reconhecer a santidade e os méritos de Santa Maria Madalena, bem como o de inúmeras
outras mulheres ao longo de toda a história:
o Santa Cecília, a primeira em que se observou o fenômeno da incorruptibilidade após a morte;
o Santa Hildegarda de Bingen, proclamada doutora da Igreja pelo Papa Bento XVI;
o Santa Catarina de Sena, mãe e mestra em sua época de uma multidão de leigos, religiosos e sacerdotes (chegando a
aconselhar em cartas o próprio Papa!);
o Santa Joana d’Arc, no fim da Idade Média;
A criatura mais perfeita criada por Deus, a propósito, foi uma mulher: seu nome, assim como o da mulher de Magdala, é
Maria, e por causa da devoção que lhe temos até de idólatras somos acusados.
Nenhuma dessas mulheres, no entanto, ousou fixar um protesto na porta de uma igreja ou convocar uma marcha
questionando o porquê de as mulheres não serem ordenadas sacerdotisas. Porque, no fim das contas, a coisa mais
importante dentro da Igreja não é fazer parte da hierarquia, mas, sim, cumprir a vontade de Deus, onde quer que Ele nos
chame.
Em que a decisão de Cristo de escolher somente homens como Apóstolos diminui as mulheres, são os céticos e críticos da Igreja
que precisam responder.
Além disso, o sacerdócio católico não é uma posição de poder, mas um serviço. Foi o que explicou Nosso Senhor um dia,
conversando com seus discípulos: “Sabeis que os chefes das nações as subjugam, e que os grandes as governam com
autoridade. Não seja assim entre vós. Todo aquele que quiser tornar-se grande entre vós, se faça vosso servo. E o que quiser
tornar-se entre vós o primeiro, se faça vosso escravo.” (Mt 20, 25-27)
Estamos dispostos a isso? Santa Maria Madalena, como santa que foi, esteve. E, no fundo, o que mais importa, ao entrarmos
em contato com sua biografia, não é tanto saber o que ela fez ou deixou de fazer fora do que está nos Evangelhos canônicos,
mas sim o que ela tem a nos ensinar justamente a partir deles. Quem ainda não foi aos cinemas assistir a “Maria Madalena”,
portanto, faça melhor: abra a Bíblia e deixe-se instruir pelo que as páginas inspiradas do Evangelho têm a nos transmitir.
Hollywood e suas narrativas fantasiosas e recheadas de causas políticas passarão; as palavras de Deus não.
Recomendações
Por que Maria Madalena aparece com tanta freqüência em O Código da Vinci? Que nos diz a Bíblia sobre esta
mulher?
O Evangelho de São Lucas apresenta-nos Maria Madalena como uma seguidora de Jesus, de quem Ele tinha
expulsado sete demônios. Fazia parte do grupo de mulheres que, com recursos próprios, proviam às necessidade de
Jesus e dos seus discípulos, e os acompanhavam nas viagens do seu ministério (cfr. Lc 8, 1-3). Seguiu Jesus em todo o
seu percurso a caminho de Jerusalém e esteve presente nos momentos-chave que rodearam a sua Morte e
Ressurreição. Foi testemunha da crucifixão de Cristo no Calvário (Mt 27, 56), esteve presente no seu sepultamento
(Mt 27, 61) e foi a primeira testemunha da Ressurreição.
Os Evangelhos relatam que, no domingo de Páscoa, Maria dirigiu-se ao sepulcro de Cristo com outras mulheres,
levando aromas para ungir o corpo do Senhor, mas viram que o sepulcro estava vazio (Mc 16, 1; Lc 24, 1-2). Segundo
Lucas, as mulheres viram duas figuras angélicas com vestes deslumbrantes, que lhes disseram que Jesus tinha
ressuscitado. Maria Madalena foi quem correu a comunicar aos Apóstolos aqueles acontecimentos dramáticos (Lc
24, 3-10). E o evangelista São João oferece-nos o relato da coisa mais surpreendente que aconteceu com Maria
Madalena no dia da Páscoa: foi a primeira pessoa que se encontrou com Jesus ressuscitado (Jo 20, 11-18).
Muita gente pensa que Maria Madalena era uma prostituta. A Bíblia ensina isso?
Quanto ao passado de Maria Madalena, a Bíblia diz unicamente que dela tinham saído sete demônios (Lc 8, 2). Como
o número sete é o número bíblico que indica perfeição (ou plenitude), pode deduzir-se que o fato de Maria Madalena
ter tido sete demônios indica a gravidade da possessão diabólica que sofrera no passado. Mas a Escritura não diz
qual foi esse passado nem que ela tivesse sido uma prostituta.
Uma das primeiras pessoas que relacionaram Maria com a prostituição foi o Papa Gregório Magno, numa homilia
que pronunciou no ano 591. Nessa homilia, o Papa identifica Maria com a pecadora anônima que unge os pés de
Cristo em Lc 7, 36-50. O modo como Lucas descreve a mulher arrependida (“uma mulher da cidade, que era uma
pecadora”) sugere que provavelmente era uma prostituta. Mas por que o Papa identificou essa mulher pecadora com
Maria Madalena? Primeiro, porque o relato da mulher pecadora em Lucas 7 vem imediatamente antes da passagem
em que Maria Madalena aparece com o seu nome, em Lucas 8. Em segundo lugar, porque a cidade natal de Maria
Madalena, Magdala, tinha má fama por causa da sua imoralidade e libertinagem.
A interpretação de Maria Madalena como a prostituta arrependida de Lucas 7 difundiu-se amplamente no Ocidente
cristão. Mas não prosperou no Oriente, onde se considerava que a mulher anônima e Maria Madalena eram duas
pessoas diferentes. Embora não existam nos Evangelhos objeções à opinião de que Maria Madalena era uma
prostituta, também não há provas bíblicas concretas que permitam afirmá-lo. Este pode ser o motivo pelo qual, em
1969, quando a Igreja Católica reviu as leituras da Bíblia empregadas na Missa, decidiu não continuar a usar o relato
da pecadora arrependida em Lucas 7 como leitura na festa de Santa Maria Madalena. Deixou claramente em aberto
a questão da identidade da mulher sobre a qual Lucas escreve.
Livro “A fraude da Vinci” do qual o artigo foi retirado.
Então O Código da Vinci tem razão quando diz que a Igreja Católica dirige uma “campanha de difamação” contra
Maria Madalena, caluniando-a ao fazê-la aparecer como uma prostituta.
Não, a Igreja Católica honra Maria Madalena como uma santa! E dedica-lhe uma festa no calendário litúrgico. Os
católicos dirigem-lhe com freqüência as suas orações, pedindo-lhe que interceda por eles. Muitas igrejas em todo
o mundo têm o seu nome. Inúmeras estátuas, vitrais e quadros representam a sua santidade. Os cristãos fazem
peregrinações para rezar nos lugares onde se acredita que se guardam as suas relíquias. Isto tudo soa a
“campanha de difamação”?
A tradição católica reconhece Maria Madalena como uma das mulheres mais importantes que seguiram Jesus. É
chamada “apóstolo de apóstolos”, porque foi a primeira pessoa que anunciou aos Apóstolos a Ressurreição de Cristo
no dia de Páscoa, e é saudada como a primeira testemunha da Ressurreição. Se a Igreja Católica pretendia
maliciosamente apagar a memória de Maria Madalena como uma importante e santa seguidora de Jesus, fez um
péssimo trabalho. O que Brown qualifica como “campanha de difamação” na Igreja Católica revela-se como uma
celebração de Maria Madalena como uma das maiores santas da Bíblia.
Quanto à associação que o Papa Gregório Magno estabeleceu de Maria Madalena com a prostituição, devemos ter
presente o contexto em que se fez. Foi numa homilia numa igreja de Roma, não numa declaração dogmática que
fosse vinculante para todos os fiéis católicos. O principal objetivo dessa homilia não era fazer uma análise histórica
da identidade de Maria Madalena, mas oferecer uma interpretação espiritual e alegórica da pecadora em Lucas 7 e
Lucas 8, com o fim de animar os cristãos a seguir um nobre exemplo de arrependimento, amor, devoção e virtude.
Por exemplo, o Papa associa os sete demônios de Maria Madalena aos sete pecados capitais, mas depois continua a
mostrar como cada um desses vícios se converteu nela em virtude, graças ao seu arrependimento e à sua fidelidade a
Cristo. É possível que o laço que o Papa estabelece entre a pecadora desconhecida e Maria Madalena não nos tenha
convencido, mas daí a dizer que a sua interpretação se deveu a um malicioso plano com o propósito de caluniar
Maria Madalena é esquecer completamente que o Papa a apresenta como modelo de arrependimento. E a imagem
que dela nos transmite a Igreja não insiste nos seus pecados ou na sua hipotética prostituição, mas põe sempre a
ênfase na sua conversão, no seu amor por Jesus e no fato de ter sido a primeira testemunha da Ressurreição.
O Código da Vinci diz que Jesus se casou com Maria Madalena e que isso está “documentado historicamente”. É
verdade?
Nos milhares de páginas escritas pelos primeiros cristãos, não aparece um só texto que afirme que Jesus se tivesse
casado com Maria Madalena. Nem nos Evangelhos do Novo Testamento, nem nas Cartas de São Paulo, nem nos
Padres da Igreja. Como também não nos evangelhos gnósticos!
Todas as provas apontam em outra direção: na de que Jesus nunca se casou. Por exemplo, se Jesus tivesse tido uma
esposa, certamente não teriam faltado aos evangelistas muitas oportunidades de falar-nos disso. Mencionam
freqüentemente os parentes do Senhor (o seu pai, a sua mãe, os seus primos), mas nunca nos falam de uma esposa.
Coisa que seria muito estranha se Jesus realmente se tivesse casado.
Por outro lado, o Novo Testamento nunca menciona Maria Madalena como “esposa de Jesus”. As mulheres que
figuram nos Evangelhos estão associadas com muita freqüência a homens importantes, quando realmente houve
esses homens nas suas vidas. O que chama a atenção é que o nome de Maria Madalena aparece geralmente unido
aos de outras mulheres cujos nomes estão relacionados com homens conhecidos. É o caso de Maria, a Mãe de Jesus
(Jo 19, 25), de Maria, mulher de Cléofas (ibid.), de Joana, mulher de Cusa (Lc 8, 3). Mas, no caso de Maria Madalena,
o que chama a atenção é que, cada vez que se menciona o seu nome, costuma-se identificá-lo com o seu lugar de
nascimento, Magdala, mas nunca com um homem. Por outras palavras, nunca é apresentada como “Maria, esposa
de…”, mas exclusivamente como “Maria Madalena”. Este pequeno pormenor diz tudo. Indica que Maria Madalena
nunca se casou, e muito menos que esteve casada com Jesus.
Por último, nenhum dos outros escritores cristãos da Igreja primitiva, nem mesmo os gnósticos, nos informam de que
Jesus estivesse casado com Maria Madalena.
O gnóstico Evangelho de Filipe chama a Maria Madalena “companheira”de Jesus, e O Código da Vinci diz que a
palavra “companheira” significa esposa em aramaico. Não é certa prova de que esteve casada com Jesus?
Teabing, personagem do livro, comenta assim a passagem do Evangelho de Filipe: “Como lhe diria qualquer
estudioso do aramaico, nessa época a palavra companheira significava esposa”. O principal problema com essa
afirmação de Teabing é que o Evangelho de Filipe não foi escrito em aramaico! Foi escrito em copta, e a palavra
companheira que se emprega nessa passagem é, na verdade, o termo grego koinonos.
Ora, koinonos não significa especificamente “mulher” ou “esposa”. Indica simplesmente companheirismo, e cobre um
vasto leque de relações. A palavra pode significar um sócio de negócios, um colaborador ou um homem cristão.
Poderia incluir também parentesco, mas, se o autor do Evangelho de Filipe pretendesse especificar que se tratava de
esposa ou mulher, podia ter escolhido uma palavra grega mais concreta: gyné. O mais provável é que a
palavra koinonos que se lê nessa passagem descreva Maria Madalena como irmã espiritual de Cristo.
No entanto, O Código da Vinci indica que, na antiga cultura judaica, se condenava o celibato. Por que Jesus se
absteve de casar-se? O celibato não fez dele um “mau judeu”?
O celibato não estava condenado na antiga cultura judaica. Estar casado e ter filhos era o caminho normal para a
maioria dos homens judeus…, como aliás é para os cristãos. Mas o celibato, em determinadas circunstâncias, era
olhado com enorme respeito.
Alguns dos homens mais venerados da história judaica não se casaram. Por exemplo, Deus disse ao profeta Jeremias
que renunciasse ao matrimônio, e ninguém o acusou de ser um “mau judeu” por isso; pelo contrário, gozou de
grande estima como um dos maiores Profetas enviados por Deus ao povo judeu (Jer 16, 1-2).
Nos tempos de Jesus, um grupo de judeus conhecidos como essênios considerava o celibato como um ideal para os
seus membros, e muitos deles viviam numa espécie de comunidade monástica perto do Mar Morto; não eram
criticados pelo seu celibato, mas extraordinariamente respeitados pelas suas práticas piedosas.
Segundo as evidências bíblicas, João Batista viveu só, como fez São Paulo, o antigo zeloso fariseu, que defendia o
celibato como um ideal religioso para os que quisessem fazer essa opção por amor ao Senhor (cfr. 1 Cor 7). Portanto,
se o celibato não era comum no judaísmo do século I, também não era insólito nem considerado desprezível, ilegal ou
condenado. Como vimos, era extraordinariamente apreciado em determinadas pessoas.
Segundo O Código da Vinci, o Evangelho de Filipe diz que Jesus amava Maria Madalena mais do que a todos os
discípulos e “costumava beijá-la na boca”. Isso não demonstra claramente que ao menos os primeiros cristãos
acreditavam que Maria Madalena e Jesus tinham uma relação sentimental?
Em primeiro lugar, devemos mencionar que o Evangelho de Filipe não diz que Jesus “costumava beijar Maria
Madalena na boca”. Neste ponto, O Código da Vinci engana os leitores. O autêntico manuscrito desse evangelho
apócrifo não apareceu completo, mas fragmentado, e não diz onde Jesus beijava Maria Madalena nem com que
freqüência o fazia. O manuscrito que se achou diz: “E a companheira [koinonos] de […] Maria Madalena […] a amava
mais que a todos os seus discípulos e costumava beijá-la […] em […]”. Os colchetes indicam falhas no manuscrito.
Portanto, o próprio manuscrito do Evangelho de Filipe não diz onde Jesus beijava Maria Madalena. Podia ser um
simples beijo de paz. Podia ser um beijo na mão, na testa ou no rosto, sem nenhum matiz sexual. Por outro lado, para
os gnósticos, um beijo não era romântico nem sexual. Por quê? Porque os gnósticos consideravam a alma prisioneira
do corpo, e viam o sexo como meio de aprisionar novas almas. A meta da espiritualidade gnóstica era a libertação do
corpo e dos seus desejos sexuais.
Para os gnósticos, um beijo era um símbolo de companheirismo entre os crentes, e por ele o alimento espiritual
passava de uma pessoa para outra. Por isso, em outro documento gnóstico intitulado Segundo Apocalipse de Tiago,
Jesus dirige-se ao seu primo Tiago como: “Meu querido!” e parece beijá-lo. Esse gesto, sem conteúdo sexual,
pretende mostrar a posição privilegiada do discípulo e a especial condição dele (ou dela) como “receptor da
sabedoria secreta”.
Por conseguinte, o Evangelho de Filipe não diz que Maria Madalena estivesse casada com Jesus. Por esse e outros
documentos gnósticos, Maria Madalena pôde ter tido uma amizade mais estreita com Jesus, e ter chegado a uma
maior percepção dos mistérios do reino de Cristo. Mas em nenhum lugar desse e de outros textos gnósticos consta
que Maria Madalena tivesse sido a esposa de Jesus nem que tivesse tido uma relação sentimental com Ele.
Se, como diz O Código da Vinci, nem Jesus nem Maria Madalena eram divinos, por que o “autêntico cristianismo”
estava disposto a prestar culto a Maria Madalena e ao “sagrado feminino”?
O Código da Vinci é prolífico em afirmações que à primeira vista são surpreendentes, mas que não têm nenhum
fundamento, quando se pensa nelas. Este é um bom exemplo. Não tem sentido falar do propósito de Jesus de
restabelecer o equilíbrio entre o “sagrado masculino” e o “sagrado feminino” se, como afirma o livro, Jesus e Maria
Madalena eram uns meros mortais a quem nenhum dos seus seguidores prestava culto.
Brown simplesmente contradiz-se e espera que ninguém o perceba. Consegue-o argumentando que a “hierarquia
chauvinista” oprimiu Maria Madalena. Nesta época em que vivemos, dominada pelas teorias conspiratórias e pela
retórica feminista, essa afirmação poderia parecer de certo modo digna de crédito, embora não haja nada que a
apoie nem tenha sentido.
No fim das contas, tudo o que Brown tenta transmitir-nos é a “apaixonante realidade”, a “verdadeira” história de um
rabi morto que tinha uma namoradinha, e que a Igreja ocultou isso com a absurda história de que esse rabino
ressuscitou, de que Maria Madalena o viu e se converteu na primeira pessoa na história da raça humana a anunciar
a boa nova de que Deus tinha enfrentado, combatido e vencido o poder da morte.
Agora compreendo por que a Igreja honra Maria Madalena como “apóstolo de apóstolos”.
Exatamente! Venerar Maria Madalena como uma grande santa e honrá-la como a primeira testemunha da
ressurreição de Cristo e como “apóstolo de apóstolos” é um modo curiosamente esquisito de caluniá-la e de apagá-la
da memória dos seus seguidores. Por outro lado, se a Igreja pretendia demonstrar a superioridade de Pedro sobre
Maria Madalena, por que manter cuidadosamente (e nos quatro Evangelhos) a horrível imagem de um Pedro que
promete fidelidade eterna a Jesus e pouco depois o nega num momento crítico? Por que mostrar Maria como a única
testemunha corajosa da Ressurreição que suporta as dúvidas dos Apóstolos, se o ponto central dos Evangelhos é
fazer ver a inferioridade de Maria Madalena e a superioridade deles?