Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
VICE REITOR
Ludoviko Carnasciali dos Santos
Vários autores.
Disponível em: lutas-londrina.blogspot.com/?m=1
ISBN 978-85-7846-532-2
Bibliotecária: Ivana de Fátima Peres de Oliveira – CRB- 9/1018
PROGRAMAÇÃO
II CONGRESSO DIREITO VIVO
Manhã 05/05/2017
CONFERÊNCIA Manhã
Conferencista: Marildo Menegat OFICINA:
A Organização do Sujeito Coletivo em tempos Teatro do Oprimido e Direitos Humanos
de barbárie. Coordenador: Fabio Henrique Araújo Martins.
GRUPO DE TRABALHO 1
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo propor um olhar sobre as ocupações
das escolas públicas de Londrina/PR pelos alunos secundaristas, que ocorreram no
ano de 2016, que as veja como expressão do Movimento Estudantil, na busca da
concretização da democracia e dos valores e direitos fundamentais consolidados na
Carta Constitucional Brasileira de 1988, em consonância com o Estado Democrático
de Direito e com a democracia participativa.
Palavras-chave: Democracia; Direito; Poder.
Abstract: The present work has the purpose of proposing a look at the occupations
of the public schools of Londrina/PR by the secondary students, which occurred in
the year of 2016, that sees them as expression of the Student Movement, in the
search of the concretization of the democracy and of the values and the
Fundamental rights consolidated in the Brazilian Constitutional Charter of 1988, in
consonance with the Democratic State of Law and with participatory democracy.
Keywords: Democracy; Law; Power.
Introdução
1
Luana Angelica Merlis Pereira, Universidade Estadual de Londrina, luanamerlis@hotmail.com,
graduanda do 5º ano do Curso de Direito.
12
Por que é tão importante falar sobre democracia? Esta é como um motor, um
instrumento que tem a capacidade de provocar os indivíduos na sua mais profunda
subjetividade e os levar à racionalidade de que, uma vez inserida em um Estado
16
Democrático de Direito (CF/88, Art. 1º), a pessoa humana emana poder, sendo
detentora do direito e do dever de participação nas decisões políticas que serão
tomadas, vez que estas quando transformadas em normas jurídicas, produzirão
reflexos e implicarão em imposições na vida dos indivíduos.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz em seu
preâmbulo a instituição de um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, como a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, tendo-os como valores supremos
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida com a solução pacífica das controvérsias.
Ocorre que, a democracia tal qual vem sendo exercida, dá sinais de cansaço, e
as manifestações sociais, aqui com recorte no movimento estudantil, mais
especificamente sobre o caso das ocupações das escolas públicas, são uma forma
de reação a esta situação.
O conceito e o entendimento sobre o que é Democracia pode se modificar ao
longo do tempo. Temos que, esta se perfaz em meio e instrumento de realização de
valores essenciais de convivência humana, é um processo de afirmação do povo e
forma de garantir os direitos por estes conquistados (SILVA, 2012).
Com o fim do século XIX, marcado pela Revolução Industrial, a democracia até
então meramente política se mostrou insuficiente, tendo em vista a necessidade de
implantação de um Estado Social que se voltasse ao indivíduo e suas necessidades.
A sociedade purgava por um direito que lhe voltasse os olhos, neste sentido veio a
atual Carta Magna brasileira, que busca consubstanciar um Estado Democrático de
Direito.
Neste cenário a lei tem papel de destaque, devendo-se observar os anseios
sociais quando da sua elaboração, sobretudo em um Estado Democrático de Direito
e em consonância com a Constituição Federal de 1988, que coloca em destaque a
busca pela concretização de direitos fundamentais e a soberania popular. Assim é
que o governo deve ser executor das leis que emanam do povo, o governante tem o
poder de agir, mas de forma a fazer valer a vontade soberana, ou seja, a vontade
geral do povo.
É sabido que na democracia representativa, vivenciada, em partes, no Brasil,
visto que a Constituição contém alguns mecanismos de democracia participativa, a
exemplo do plebiscito, referendo e iniciativa popular, existe uma delegação de
17
não atendeu ao caminho dialético, não ouviu discutiu com Alter, e assim, não está
em consonância com o que garante a carta constitucional. Segundo Roberto Lyra
Filho (1982, pg. 8), “A lei sempre emana do Estado e permanece, em última análise,
ligada à classe dominante”, e se liga à classe dominante porque o seu processo de
formulação não foi dialógico, mas fruto das estruturas de poder.
Esta falibilidade nas comunicações, são fruto da contaminação das decisões
coletivas por interesses particulares e da racionalização instrumental, por isto se faz
necessário que, para que o poder dos cidadãos possa refletir nos atos que regulam
suas vidas, haja o entendimento entre as partes, de forma que se possa garantir
força aos anseios populares, executando-se, então, a razão comunicativa no lugar
da instrumental (HABERMAS, 2003).
Razão instrumental seria aquela que leva à desumanização do homem e à
manipulação das relações sociais, as ações humanas são tomadas com fins
predeterminados, o que vai de encontro com o sistema econômico capitalista, seria
a mecanização do homem, que pode ser manipulado para que se atinjam
determinados fins. A seu turno, a razão comunicativa, se baseia no mútuo respeito e
na solidariedade, viabiliza a participação democrática dos sujeitos envolvidos no
diálogo, estimulando um sentimento de pertencimento, visto que os sujeitos têm o
mesmo poder de fala, ligando-se assim à integração social. O produto da discussão
não será coincidência, nem fruto de poder ou violência, mas sim um consenso.
Conduz a um processo interativo de ideias.
O momento da construção seria delineado na forma discursiva, ou seja, por
meio da comunicação, com a produção de debates públicos e abertos aos
interessados, este seria um meio fértil, conforme o pensamento habermasiano, para
a busca do entendimento, vez que figuraria entre indivíduos que possuem uma
identidade cultural (Habermas, 2003).
O direito é mediador das relações de poder, atuando para se fazer realizar esta
comunicação. Mas, como o poder se legitimaria então? As teorias foram se
modificando ao longo do tempo, Aristóteles ainda na Grécia Antiga, indicou a “Teoria
da Naturalidade da Hierarquia e Predestinação”. Em seguida, na Idade Média a
religião era o grande motor da vida humana, e na Idade Moderna aparecem os
iluministas, carregados de cientificismo, onde a religião não mais bastava para as
explicações dos fatos da vida humana. Nos séculos XVI ao XVII, com os
contratualistas, a origem do poder seria convencionada pelos homens em algum
19
momento entendido como pacto entre estes, utilizado para gerar um poder político.
Habermas, na busca da explicação do poder político e reconstrução da relação
interna entre direito e política, apesar de crítico dos contratualistas, não consegue
afastar-se da doutrina contratual no que tange à legitimação do poder, considerando
que este emana de um pacto, ou seja, de um momento de racionalidade, quando se
exerce um agir comunicativo, não existe apenas dominação, mas um procedimento
em que se faz possível encontrar um processo democrático, em que se encontra
opinião e vontade, condicionando o pacto à união dos homens.
Desta feita, o poder possui algumas facetas, podendo ser visto como domínio
ou como força da soberania dos indivíduos, dependendo do modo como se dará seu
exercício e no que estará fundado.
Uma vez entendido que o direito é mediador das relações de poder, o que seria
então o Direito? O Direito, apesar da norma positivada, também apresenta uma
interface dinâmica, visto que busca se amoldar às novas realidades e demandas,
justamente para que cumpra seu papel de proporcionar uma convivência humana.
As reflexões socialistas mais modernas têm buscado uma relação dialética do
Direito, o que o tiraria do extremismo de ser encarado como mera ideologia jurídica
ou positivista ou jus naturalista, tendente a buscar assim uma maior flexibilidade
“que o liberte daquela noção de Direito como, antes de tudo, direito estatal, ordem
estatal, leis e controle incontrolado” (FILHO, 1982, pg. 37). Para atingir o fim de
acabar com contradições socioeconômicas e a utilização do direito pelas estruturas
de poder, há de se caminhar para a democracia.
Desta maneira, um direito mais dialógico seria emancipatório e não meramente
descritivo, incorporando reflexões sociológicas na construção do Direito, para que
este não seja apenas instrumento de controle social.
Conclusão
ou, ao menos, não visam o entendimento e a construção coletiva de ideias. Isto faz
com que os indivíduos se questionem em seus direitos e deveres participativos.
Assim é que, deve-se prezar pelo entendimento sobre o mundo factual através
da axiologia de seus atos. As ocupações são uma reação ao exercício do poder,
que, sobre o leito do Direito, se exerce de forma antidemocrática.
Fechar portões neste caso, pode significar abrir muitas janelas, para uma
reflexão geral, não só dos participantes dos movimentos ou do poder público, mas
de toda a comunidade.
Referências
INSTITUTO cpfl cultura. Café Filosófico cpfl especial com Luiz Felipe Pondé,
Mario Sergio Cortella e Leandro Karnal. Transmitido ao vivo em 03.out.2016.
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=4Uk1T9ZswUw>. Acesso em
11.nov.2016
MELLO, Káthia. Governo não promoveu debate sobre reforma do ensino, diz
conselheiro do CNE. 2016. Disponível em: <
http://g1.globo.com/educacao/noticia/governo-nao-promoveu-debate-sobre-reforma-
do-ensino-diz-conselheiro-do-cne.ghtml>. Acesso em 19.nov.2016.
PRONZATO, Carlos. Acabou a paz! Isto aqui vai virar o Chile! Escolas ocupadas em
SP. Disponível em:
< https://www.youtube.com/watch?v=LK9Ri2prfNw&list=WL&index=4>. Acesso em
21
19.nov.2016.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35ª Edição.
Malheiros Editores: 2012.
22
Flávio Bento2
Marcia Hiromi Cavalcanti3
Introdução
2
Universidade Estadual do Norte do Paraná, campus de Cornélio Procópio. Doutor em Educação.
prof.flaviobento@gmail.com
3
Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Filosofia Política e Jurídica.
marciacavalcantibento@gmail.com
23
normativos vigentes.
O clima político tenso, especialmente após o impeachment de Dilma Rousseff,
e tantas outras questões educacionais, políticas, sociais, econômicas e jurídicas
levou a esse tipo de conflito direto entre estudantes e Governos, envolvendo
também, direta ou indiretamente, associações estudantis, professores, demais
trabalhadores da área do ensino, pais de alunos, enfim, toda a sociedade.
O objetivo desse estudo é analisar os argumentos invocados pelas “partes”
envolvidas, inclusive os que foram apresentados em alguns processos judiciais em
trâmite perante o Poder Judiciário do Estado do Paraná, ajuizados em razão da
“ocupação” de escolas públicas por estudantes, e apresentar os principais “valores”
e “direitos” que são invocados pelas partes envolvidas em defesa de seus
interesses.
Alertamos que a questão trazida ao debate é bastante complexa, com
repercussões em direitos e obrigações previstos na ordem civil, constitucional e até
mesmo no Estatuto da Criança e do Adolescente, pela “ocupação” envolver
adolescentes.
O termo “ocupação” significa, como regra, apoderar-se de alguma coisa,
apropriar-se de um bem, tomar o controle de alguma coisa, invadir um lugar ou
espaço e lá permanecer de modo arbitrário. É certo que, para os estudantes, o mais
adequado para a situação tratada neste artigo seria apenas “estar em um espaço”,
ou mesmo até mesmo persistir ou insistir na defesa de seus valores e interesses.
Neste estudo, por uma questão de opção terminológica, utilizaremos a expressão
“ocupação”.
4
Que tem efeito ou vale para todos.
5
“O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força,
contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à
manutenção, ou restituição da posse”.
25
ocupações6.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já decidiu que: “PROCESSO.
Bem público. Escola. Reintegração. Posse. Alunos. Ocupação. Legitimidade
passiva. É esbulho a ocupação de prédio público impeditiva do uso normal para o
qual está legalmente destinado” (SÃO PAULO, 2017).
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...]
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...]
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença; (BRASIL, 2017b)
6
“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” [Constituição Federal, artigo 205] (BRASIL,
2017b).
26
que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo
apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” (BRASIL, 2017b).
Entidades estudantis criticaram a falta de tempo para um debate mais amplo
sofre a reforma do ensino médio. Em nota publicada sobre o adiamento do Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM) a União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas (UBES), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Associação
Nacional dos Pós-graduandos (ANPG) assim se manifestaram:
nas escolas - mantêm uma relação positiva com a escola pública, nela
reconhecem um fundamental espaço de aprendizagem e de sociabilidade, e
por isso se mobilizaram para salvá-la. Lutaram contra a precarização do
ensino; contra a falta de bibliotecas, de laboratórios destinados ao ensino
das ciências e das artes, de espaços para desenvolvimento do esporte e
das atividades artísticas; mobilizaram-se contra a jornada excessiva e o
baixo salário de seus professores, a ausência de tempo destinado às
atividades lúdicas e culturais; denunciaram a baixa qualidade da
alimentação que lhes é servida. Enfim, reinvindicaram o direito
constitucional à universalidade de uma educação de base de igual
qualidade, comum a todos os brasileiros, com respeito à diversidade de
posições e de interesses de estudantes, professores e comunidades.
7
(2016)
7
Nesse artigo os autores indicam dois outros trabalhos que estudaram o conflito de ocupação de
escolas públicas por alunos no Estado de São Paulo: “Ocupar e resistir: a insurreição dos estudantes
paulistas”, de Ana Paula Corti, Maria Carla Corrochano e José Alves da Silva, e “Escolas de luta,
educação política: reflexões sobre o sentido da ocupação das escolas públicas no Estado de São
Paulo”, elaborado por Carolina Catini e Gustavo Mello (MORAES, XIMENES, 2016).
29
negociação entre as partes envolvidas, e essa é uma das opções que o Poder
Judiciário pode adotar desde o início, antes de decidir por qualquer medida de força,
como a reintegração imediata, geralmente conduzida com apoio policial. A busca da
conciliação é um dos princípios do direito processual moderno.
Nesse contexto, cabe ao Poder Judiciário traçar orientações justas para a
solução do embate, considerando que estamos diante de um evidente conflito de
direitos, no qual deve prevalecer o princípio da razoabilidade.
As poucas ações judiciais pesquisadas neste estudo, entretanto, não nos
permitem apresentar uma posição segura como solução do problema. Há evidente
divergência em decisões de primeiro e segundo graus (juízes das comarcas e
desembargadores dos tribunais), ora a favor da reintegração de posse, ora
considerando válida a “ocupação” como exercício do direito de livre manifestação de
parcela da sociedade. Essa divergência entre decisões do Poder Judiciário também
ocorreu no Estado de São Paulo no ano de 2015, quando das “ocupações” que
combatiam a reorganização da rede de escolas que previa o fechamento de 94
unidades e o remanejamento de alunos de outras 754 unidades:
Referências
CORTI, Ana Paula de Oliveira, CORROCHANO, Maria Carla, SILVA, José Alves da.
“Ocupar e resistir”: a insurreição dos estudantes paulistas. Educação & Sociedade,
v. 37, n. 137, Campinas, out./dez. 2016. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
73302016000401159&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 19 jun. 2017.
COSTA, Dilvanir José da. O sistema da posse no Direito Civil. Brasília a. 35, n.
139, jul./set. 1998. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/391/r139-08.pdf?sequence=4>.
Acesso em: 19 jun. 2017.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 24 ed. v. 1. São Paulo: Saraiva,
1994.
Abstract: The presente essay approaches about the imminet threat above the
existence of the n. 14.808/2005 Parana’s state law, wich protects the student’s
representatios rights in all the universities of the state. The Private Universities
Confederation proposed to the Constitucional Court a direct action of
unconstitutionality, whats brings some important discussions about the reality of the
student’s representation in the law graduations in Londrina and above, just as the
legacy in this situation.
Key words: student’s representation, Law n. 14.808/05, ADI 3757
Introdução
8
Acadêmica do 5º ano do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina. E-mail:
caroline.delmonico@hotmail.com
9
Advogada, formada em direito pela Universidade Estadual de Londrina; pós-graduanda do curso de
Especialização em Direito do Estado da Universidade Estadual de Londrina. E-mail:
isabella.alonso17@gmail.com
32
10
Nota explicativa: Há direitos que, para que se concretizem, pressupõe que o Estado se abstenha, a
passo que, há outros que necessitam que o Estado de alguma forma aja para que possam ser
respeitados. Oportunamente, tratar-se-á desse assunto neste trabalho.
11
Nota explicativa: Apenas a título de esclarecimento, as diferenças entre Centro Acadêmico (CA),
Diretório Acadêmico (DA) e Diretório Central dos Estudantes (DCE) residem na quantidade de cursos
que representam. O CA representa os alunos de apenas um curso, o DA representa os alunos de
dois cursos ou mais de uma mesma área (por exemplo, um DA poderia abranger os cursos de
jornalismo e relações públicas, ambos da área de comunicação social) e o DCE representa todos os
estudantes de uma instituição de ensino superior.
34
conduzem financeiramente.
Por fim, em seu penúltimo artigo (art. 5º), estabelece a Lei que as instituições
privadas de ensino superior, descumprindo as disposições legais então
estabelecidas, sujeitam-se à aplicação de multa cujo valor reside entre R$ 5.000,00
(cinco mil reais) e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Em seguida, evoca que a Lei questionada legisla sobre matérias que não
seriam de competência do Estado do Paraná. Assim aduz, fundamentando-se nos
artigos 22, inciso XXIV e 211, parágrafos 1º e 3º da Magna Carta (BRASIL, 1988),
segundo os quais a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação
é privativa da União, bem como seria de atribuição desse mesmo ente a
organização do sistema federal de ensino, ao qual as instituições privadas
pertencem – o que respalda também com fundamento no art. 16 da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (BRASIL, 1996).
Conforme traz a Confederação, a Lei n. 14.808/05 seria eivada de vício de
competência quando da sua elaboração, vez que o legislador paranaense estaria
invadindo a competência de outro ente federativo.
35
12
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão.
13
Importante ressaltar demais incisos do art. 7º da Lei de Diretrizes e Bases:
Art. 7º O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino;
II - autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público;
III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição
Federal.
14
Nota explicativa: A igualdade é um princípio constitucional previsto como um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil (art. 2º da Constituição Federal. O princípio da razoabilidade, por sua
vez, não encontra previsão constitucional expressa, sendo uma construção doutrinária e
jurisprudencial em face da prática de atos autoritários pelo Estado.
36
Quer nos parecer que a adoção do presente remédio processual foi eleita
como medida de precaução na eventualidade de virem a ser descumpridas
normas advindas justamente para propiciar um amparo ao movimento
estudantil, luta travada igualmente há longa data, permitindo uma
participação absolutamente democrática nas decisões que lhe afetam
diretamente, como incentivo ao exercício da cidadania, amparado
constitucionalmente.
15
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
16
Interessante observar a página do facebook do Centro Acadêmico de Direito da PUC
Londrina. Em que pese ser um meio informal de comunicação, é um espaço onde suas
atividades são divulgadas. https://www.facebook.com/casd.puc
41
Em que pese haja dados prejudicados, tendo em vista o ideal que a Lei
Estadual paranaense n. 14.808/05 prevê e a realidade que se apresenta, é bastante
claro que o movimento estudantil nas universidades carece de maior fomento. Frise-
se, ademais, que o quadro que se apresenta é demasiado deficitário diante da
vigência da Lei 14.808/05 – verifica-se que a lei é válida e vigente mas carece de
eficácia.
Apenas a título de reflexão, a validade é o vínculo estabelecido entre a
proposição jurídica e o sistema de Direito posto, a passo que a vigência representa a
obrigatoriedade de observância da norma (COUTO, 2014, p. 7-12). Assim, a Lei
14.808/05 é válida e vigente. Contudo, por que se observa que ainda há instituições
de ensino superior que não possuem Centro Acadêmico ativo e institucionalizado?
Assim se explica – dentre vários outros fatores que também corroboram para
tal quadro – pela ausência de eficácia da norma, que se traduz na sua “idoneidade
para provocar [...] as reações prescritas no seu consequente ou no ordenamento
jurídico” (COUTO, 2014, p. 7-12). A Lei em apreço, vigente e válida, carece de
mecanismos que a tornem mais eficaz, a fim de que, um dia, todas as instituições de
ensino superior, públicas e privadas, possam ter uma representação discente forte e
operante.
A universidade, em decorrência das crescentes privatizações – que acabam
também por influenciar as instituições públicas – e do crescente desvio de sua
finalidade, vem transformando-se em organização social em vez de instituição
social, conceito trazido pela professora Marilena Chaui (CHAUI, 2003) em seus
estudos sobre a função da Universidade. As organizações são práticas sociais
42
Conclusão
O que se vê, pela Lei Estadual do Paraná n. 14.808/05, é uma módica tentativa
de concretizar valores constitucionais como democracia, participação e acesso à
administração pública, ao institucionalizar e proteger a representação discente nas
instituições de ensino superior.
Por ora, não é possível saber qual desfecho Luis Roberto Barroso.
Contudo, deve-se pensar: se na vigência da Lei n. 14.808/05 já se observa, ao
menos na amostra dos cursos de Direito de Londrina e região, que a maioria dos
cursos não possui representação legal institucionalizada, a retirada da lei do mundo
jurídico por meio do julgamento procedente da ADI extinguiria de vez a
representação estudantil/?
Os movimentos sociais, em que pesem alguns fiquem sob a égide do estado
legal, não nascem dele, e não deveriam deste depender para existir. Assim também
é o movimento estudantil.
A legalidade não esgota o direito – muito pelo contrário, frequentemente se
mostra como instrumento de dominação, na exata contrapartida do que é justo.
Em que pese a existência da Lei n. 14.808/05 acarrete alguns ganhos reais
17
Nota explicativa: Assim se coloca porque os direitos sociais, vez que dependem de uma prestação
estatal positiva, geram ônus , gastos, para a sua efetivação. O exercício do ensino pela iniciativa
privada, posto que se mantém como serviço público, não escapa a essas incumbências, das quais
muitas instituições buscam esquivar-se no intuito de manter seus lucros.
44
Referências
Abstract: The social movements are important political actors in the contemporary
world. The environmental movement stands out in relation to the proposals to protect
the environment. It’s proposed a discussion about the location of this movement in
the context of the new social movements. From a bibliographical review about this
subject, it was observed that analyzing theoretically the social movements it’s
possible that some of these characteristics are attributed to the new social
movements. However, it can also be seen that some of these characteristics that are
considered new, could already be found in the old social movements. That way, few
18
Mestranda do Programa de Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina. Bolsista
CAPES. Especialista em Direito do Estado, área de concentração em Direito Constitucional e em
Gestão, Licenciamento e Auditoria ambiental. Graduada em Direito e em Ciências Sociais.
Pesquisadora vinculada aos projetos de pesquisa: “A aplicação da Justiça Ambiental nos Negócios
Jurídicos Urbanos e Rurais” e “A Propriedade Privada e sua Proteção Ambiental”. E-mail:
jussararomerosanches@gmail.com
47
“new” social movements could be considered as new, as is the case with the
environmental movement.
Keywords: Social Movements; New Social Movemenets; Enviromental Movement.
Considerações Introdutórias
compartilhada.
É o que se compreende das palavras de Maria da Glória Gohn (2003, p. 13) ao
afirmar que os movimentos sociais são “ações sociais coletivas de caráter
sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e
expressar suas demandas”. Ainda de acordo com a autora, esses movimentos
sempre existiram e, provavelmente, sempre existirão.
Anthony Giddens (2013, p. 1151) analisa os movimentos sociais a partir do seu
local de atuação e afirma que eles “são esforços coletivos para promover um
interesse comum ou defender um objetivo comum fora da esfera das instituições
estabelecidas”, a saber o Estado e os partidos políticos.
A partir das análises desenvolvidas na Europa sobre os movimentos sociais,
principalmente as que tiveram como inspiração os estudos de Marx, se
convencionou classificar os movimentos sociais da classe trabalhadora e os
sindicais, surgidos principalmente no século XIX, concentrados nos conflitos da
produção e da distribuição das riquezas, como clássicos. A análise teórica
desenvolvida se fundamenta, essencialmente, na perspectiva do conflito, e tem em
Marx sua principal referência.
No entanto, Maria da Glória Gohn (2004, p. 176) adverte que “Marx não se
preocupou em criar uma teoria específica sobre os movimentos sociais, sobre a
classe operária, o Estado ou qualquer outro ponto específico”. Dessa forma, a
análise dos movimentos sociais se embasam em proposições teóricas que não se
referem, especificamente, aos movimentos sociais.
De acordo com a autora, as principais categorias que podem se relacionar com
os movimentos sociais são as categorias de práxis: a práxis significativa, que se
refere à práxis transformadora do social, realizada através da conexão entre
atividade teórica (relacionada à crítica, interpretação e ao desenvolvimento de
projetos de transformação), e a atividade produtiva/política (relacionada
fundamentalmente com o mundo do trabalho) (GOHN, 2004).
Maria da Glória Gohn (2004, p. 177) afirma que Marx explorou mais
intensamente a questão da práxis política dos movimentos, que “surge como
articulação entre a práxis teórica e a práxis produtiva propriamente dita, mediada
pelas condições estruturais de desenvolvimento do processo social”. De acordo com
a autora, para Marx não existe movimento político que não seja, ao mesmo tempo,
social.
49
Nos Estados Unidos, a Escola de Chicago pode ser apontada como uma das
principais referências nos estudos sobre os movimentos sociais desde a década de
1920. De acordo com Anthony Giddens (2013, p. 1153), para os membros da Escola
de Chicago, de forma geral, “os movimentos sociais são agentes da mudança social
e não meramente os seus produtos”, uma das questões centrais dos movimentos
sociais para essa abordagem seria a inquietação social, ou seja, a base de
desenvolvimento deles estaria assentada em uma insatisfação social.
Diante do exposto, é possível perceber que não existe um consenso entre os
autores em torno de uma definição única de movimentos sociais. Dada a diversidade
na qual os movimentos se desenvolvem, a teoria, em certa medida, reflete essa
diversidade. Sendo que, para cada teórico, determinados aspectos dos movimentos
se tornarão mais ou menos significativos, fazendo com que cada um deles traga
elementos distintos para sua caracterização. Porém, ainda é possível pensar em
movimentos sociais como formas de ação coletiva que buscam algum tipo de
transformação social.
A partir do final década de 1960 e início da década 1970, tanto nos Estados
Unidos quanto na Europa, as sociedades viveram uma ebulição social. Ângela
Alonso (2009, p. 51) afirma que, inicialmente, os teóricos pensaram em tratar de um
ressurgimento dos movimentos operários, porém estes “não se baseavam em
classe, mas sobretudo em etnia (o movimento pelos direitos civis), gênero (o
feminismo) e estilo de vida (o pacifismo e o ambientalismo) para focar nos mais
proeminentes”.
Estes movimentos sociais, surgidos no contexto de um mundo globalizado, que
abarcam questões de reconhecimento, de etnia, de gênero, de nacionalidade,
ambientais, entre outras, são classificados como novos movimentos sociais, uma
vez que se deslocam da esfera da produção para a esfera da cultura, bem como por,
supostamente, possuírem características novas que os antigos movimentos não
possuíam.
Neste sentido, Ângela Alonso (2009, p. 51) aponta que se tratavam de:
quarta característica está relacionada àesfera política que, de acordo com Maria da
Glória Gohn (2004, p. 123), ganha centralidade e é significativamente redefinida,
“deixa de ser um nível numa escala em que há hierarquias e determinações e passa
a ser uma dimensão da vida social, abarcando todas as práticas sociais”.
Com relação às teorias que analisam os movimentos sociais nas sociedades
contemporâneas, Andréia Galvão (2011, p. 108) afirma que elas surgiram “buscando
negar a relevância da dimensão de classe e a centralidade da luta de classes: quer
seja a teoria dos novos movimentos sociais, da mobilização de recursos, da
mobilização política (em menor medida) e do reconhecimento”. O objetivo se torna
cultural, pós-materialista, no sentido de colocar em foco as identidades, o
reconhecimento, de maneira que não é possível vincular essas questões ao
pertencimento de classe dos atores.
Anthony Giddens (2013) também aponta alguns elementos que caracterizariam
os novos movimentos sociais. O primeiro se refere à introdução de novas questões
nos sistemas políticos, questões que, como já foi apontado, fogem da esfera
puramente material, questões essas que envolvem a qualidade de vida, conforme já
mencionado. Outra característica apontada pelo autor, são as novas formas de
organização, ou seja, muitos deles se organizam informalmente e recusam
organização formal, elemento que os teóricos da mobilização de recursos
identificavam como essencial para o sucesso (GIDDENS, 2013).
A forma de ação também é apontada pelo autor como uma das características
inéditas dos novos movimentos sociais. A adoção de posturas pacifistas em suas
ações diretas e a utilização ostensiva dos meios de comunicação para angariar
apoio. Outra característica apontada por Anthony Giddens (2013, p. 1161), a partir
de estudos realizados sobre os membros desses novos movimentos sociais que
revelam “a predominância da <<nova>> classe média no seu seio, desde
funcionários do aparelho burocrático do Estado-Providência do pós-guerra a
profissionais nos domínios da criação, da arte e da educação, incluindo ainda muitos
estudantes”.
No entanto, o próprio autor já identifica algumas críticas em relação à teoria
dos novos movimentos sociais, pautada nas novas características que foram
elencadas acima. Anthony Giddens (2013, p. 1165) afirma que “todas as supostas
características ‘novas’ acima identificadas foram encontradas nos ‘antigos’
movimentos sociais”. E o autor elenca algumas dessas constatações.
52
Durante muito tempo, a natureza não foi compreendida pelo homem como uma
questão que viesse a ser núcleo de grandes questionamentos práticos.
Filosoficamente, como afirma Paulo de Bessa Antunes (2002, p. 6), ela “foi uma
parceira constante na longa e emocionante epopeia do pensamento helênico, em
todas as suas múltiplas dimensões”. Mas não foi objeto de preocupações que
demandavam cuidados especiais, uma vez que “os recursos ambientais não eram
escassos”.
A modernidade marca sensivelmente uma mudança no modo como o homem
se relaciona com natureza, e diante da insustentabilidade que essa relação
demonstra ter, desperta na humanidade a percepção de que ela deve ser alterada.
Paulo de Bessa Antunes (2002) aponta alguns pensadores que foram precursores
dos movimentos que se preocuparam com a natureza e o primeiro deles é Jean-
Jacques Rousseau.
Paulo de Bessa Antunes (2002, p. 34) afirma que Rousseau “foi, certamente,
um dos críticos mais acerbados do processo de construção do mundo moderno que
se verificou a partir do Século XVI e das grandes navegações, da construção dos
estados nacionais e da paulatina e constante construção da ordem individualista”.
54
Considerações Finais
como “novos movimentos sociais” não seriam tão novos assim. Apenas alguns deles
poderiam receber de forma adequada essa rotulação e o movimento ambientalista é
um deles.
Os movimentos que se voltam para questões ambientais refletem as
preocupações que surgem no contexto de expansão e consolidação da
industrialização e intenso desenvolvimento tecnológico. Colocam-se como
preocupações recentes na história do homem, marcadas principalmente a partir da
modernidade e intensificadas de forma significativa a partir da década de 1970.
Dessa forma, aspectos que classificariam os “novos movimentos sociais” como
novos, destacando-se o aspecto cultural, questionamentos de gênero e etnia, novas
formas de organização e apelo a novos meios de comunicação, não
necessariamente podem ser utilizados como meios de caracterização de novidade,
uma vez que esses aspectos, em menor ou maior grau, já poderiam ser identificados
nos movimentos sociais considerados como antigos.
Referências
FRANK, André Gunder; FUENTES, Marta. Dez teses acerca dos movimentos
sociais. Lua Nova. Jun. 89, nº. 17, São Paulo, p. 19-48.
PONTES, Amanda Oliveira da Silva. A espiritualidade feminina dos séculos XII, XIII
e XIV – as beguinas. Expressões da liberdade de gênero e crença. Anais 2º
Simpósio Nordeste da ABHR – Associação Brasileira de História das Religiões,
Recife, 2015.
Wellington Tiago19
Integração de amor
querendo você flor
venha comigo pra onde for
Sinta comigo esse calor
19
Contato: wellingtonlima85@gmail.com
59
OCUPAR OU RESISTIR?
Wellington Tiago20
20
Contato: wellingtonlima85@gmail.com
60
21
Movimento dos Artistas de Rua de Londrina (MARL). Contato: artistasderuadelondrina@gmail.com
61
Kaingang, povo originário desta terra, que vem sendo boicotada e pressionada a
deixar o local.
Exigimos a imediata revisão do projeto de reforma da Praça Pedro Bezzarini,
no Jardim Igapó e a apuração das irregularidades que permeiam todo o processo.
Exigimos que as periferias deixem de ser palco de chacinas e violência do
Estado. Defendemos que a violência seja combatida através de políticas pública de
cultura, educação e saúde e não de repressão. Arte pública é saúde pública,
educação pública e segurança pública.
Convidamos todos os fazedores e militantes da Cultura a unir esforços na
garantia da ocupação para que ela se torne um ponto público e autogerido de
fomentação e trocas artísticas.
Convidamos também as autoridades do Município para conhecerem nosso
projeto e abrirmos um canal de diálogo.
Introdução
1 O que é slam
Slam ou poetry slam (batida de poesia) são encontros gratuitos que ocupam
teatros, praças, escolas, presídios, ruas ou centro culturais com a finalidade de
divulgar a poesia falada (spoken word). Assim sendo, “o Slam tem jogado fora as
algemas que dizem quando e como a poesia deve ser apresentada, além de trazer
de volta a prática da arte de ouvir, e da apreciação da riqueza da língua”, (ZAP,
2010, p. 02).
Nesses encontros ocorrem batalhas de poesia com o microfone aberto para
quem quiser participar, não há público-alvo, fazendo-se presentes crianças, jovens e
idosos, com diferentes crenças, orientações filosóficas e posicionamentos políticos,
67
Na França, esse movimento ganhou força nos anos 90, com a missão de
“promouvoir les performances et les créations de poésie, en cultivant la créativité,
d'ouvrir les esprits, de renforcer l'éducation, d'encourager les artistes, et d'engager
les communautés du monde entier dans l'art du langage”. (FFDSP, 2015, p. 01).24
Embora não tenha sido tema de reflexão do autor Milton Santos, o movimento
se fortalece na descrição por ele apresentada quando discute a mundialização
perversa das transformações do espaço, onde por inferência, se inclui o cenário
urbano com sua carga de opressão e desigualdade que levam a manifestações de
tal natureza:
24
Fédération Française de Slam Poésie
68
resistência.
Segundo a página do Slam Resistência nas redes sociais:
As vozes das ruas ecoam através dos muros, que embora altos não são
surdos. […] O que resta de gosto das tantas bocas famintas é a fome de
transformação. Mesmo desgostosa, a palavra grita, cria, vocifera o anseio
por libertação. As vozes das ruas podem soar estridentes para os ouvidos
indiferentes. Para os que são silenciados cotidianamente não há grito agudo
suficiente. Poetizar é ação! [...] Slam Resistência é esse ato expurgante,
que transforma por um instante a voz oprimida em palavra ressoante.
(FORTES, 2016, p. 01).
Ressalta-se que o foco do “Slam” não está nas batalhas, mas sim na poesia,
na mensagem passada, na troca de experiências e no aprendizado, “A poesia é
mais importante que a competição e a batalha em si. A poesia sempre vence”,
(CHAVES, 2016, p. 03).
Nessa perspectiva, o Slam Resistência lançou o livro intitulado “Vandalismo
Lírico”, a primeira obra da equipe que reúne as poesias vitoriosas mais importantes
de vinte autores.
Diversos são os temas abordados nas composições: violência policial,
igualdade de gênero, machismo, desigualdade social, racismo e política, sendo os
temas mais recorrentes.
Por meio das composições os apresentadores criticam, sugerem, levantam
denúncias, opinam e criam uma atmosfera reflexiva indicando que as poesias ali
faladas possuem o poder de transformar o mundo.
Fonte: http://cidadeludica.com.br/2016/08/13/slam-resistencia-batalha-de-poesia-conecta-
publico-a-poetas-na-praca-roosevelt/
Fonte: http://cidadeludica.com.br/2016/08/01/e-dia-de-slam-resistencia-na-roosevelt/
expandindo.
Combatendo esse pensamento restritivo, a spoken word surgiu numa tentativa
de divulgar a poesia além dos muros que a separavam de toda a coletividade.
Assim, a poesia falada foi criada:
4 Poesias
Essa ocupação nos espaços virtuais faz com que a poesia ganhe cada vez
mais repercussão, publicidade e força de comunicação, apresentando realidades
esquecidas, por intermédio de mensagens refletivas.
O primeiro poema é da poetisa Jade Fanny, ganhadora das batalhas do mês
de novembro/2016.
Então cença aqui, eles vivem dizendo que sou folgada, mas Ó, hoje até
licença eu pedi. Já ouvi vários deles rimar sobre poder pras minas, mas me
intriga, por que após vem sempre aquela frase … "Ela poderia ser sua filha”
mãe, esposa, irmã, prima. Parece ser algo de 50 anos atrás, mas não, ainda
hoje se estivermos sozinhas no espaço público ou privado, sem que um
homem nos acompanhe, há algo de errado. Até que ponto é inconsciente
seu psiu na rua? Até que ponto é considerada normal sua conduta?
Atração? Imposição, socialização? Impulso? Abuso! Me recuso. Ma tenho
que sair de casa todos os dias traçando rotas mentais mais seguras, tendo
que calcular segundos, minutos, horas. Pra que dê tempo de chegar em
casa ao final do dia sem ter sido violentada FISICAMENTE. Porque no
primeiro passo que dou pra fora, sou bombardeada por agressões, as
faladas, as olhadas, as silenciadas… Mas ok, de acordo com a poesia se eu
não for da sua família, MERECIA. Afinal quem mandou sair de casa
sozinha? Normalmente eu não presto, mas prestei atenção no seu verso
que dizia, se ela quer dar, deixe que dê mesmo, sem dó, sem medo e
entendi nas entrelinhas que você só é à favor disso se também estiver
comendo e cês adora dizer que deve se respeitar uma mulher por ela poder
ser mãe se na real quem merece palmas são vocês que podem ser pais.
Que se não quiser assumir tem liberdade de mete o pé e sai vazado em
paz. Se não fosse trágico, seria engraçado. Chegou no sarau, em uma mão
o mic na outra ergueu o punho serrado, gritou pra todo mundo ouvir que era
pelo "FIM DO PATRIARCADO". Falou de primavera feminista na camiseta?
escrito #ficaquerida. Mas conhece, um cara que quando bebê fica agressivo
já bateu na companheira duas vezes, mas fazer oque se ele é seu amigo...
Faz now pow, deixou a barba crescer, acredita na luta de classes. E pra
lavar uma louça? Os bonito num tem coragem. Já leu Simone de Beauvoir,
admira Dandara, fala de Maria Bonita acredita em Iemanja e não tem
vergonha na cara. Não admite receber não de mulheres e alimenta a
disputa, se é contrariado sai chorando e diz que é tudo puta. Seus
relacionamentos são a base do amor livre Magnetiza mulheres de baixa alto
estima pro ranking. Usa como desculpa pra manter sua masculinidade
aflorada e perfeita, se a proposta dela for com outra mulher tem fetiche e se
for com outro homem não aceita? É, a sua máscara caiu, a sua atuação de
desconstruído faliu, a sua construção te destruiu, tu viu? Que não adianta
querer ganhar biscoito por ser o melhor do coito, pica das galáxias, o rei
delas, porque a gente sabe, o autor do seu livro sobre feminismo é
conhecido como Dado Dolabella. (FANNY, 2016).
Era uma vez… Não, para! Que isso aqui não é conto de fadas! E a história
que vai ser relatada é só realidade. Conta as memórias de uma vida pacata
que esmagou a maldade. 1996, quatro horas da manhã, dilatação de 4
dedos, mas não tinha parteiros. A saúde onde eu moro me dá nos nervos.
Nome da mãe? Andréia, preta, nesse mundo é treta. Quando madura via
que a vida era dura, parecia que Deus olhava e dizia: - Poucas ideias.
Prazer! Sou sim o desgraçado, como o engravatado tinha me falado. É, mas
ele ficou impressionado, porque além de ser negro drama também sou um
negro estudado. Porém na academia da hipocrisia, a matéria que eu não
entendia eles querem tirar, mas um dia, um dia eu chego na universidade.
Eles nem tão ligado que a vida serviu de faculdade, tinha apenas três
matérias: Miséria, Escravatura e Infelicidade, pois é Brasil, eu nunca tive um
“but” de mil, mas no sistema eu vou tentar dar uma bota, por que eu quero
ver meu bem, quando no ENEM eu tirar 100 eles falarem que foi cota.
(KÓGA, 2016).
mas eu sei, vocês sabem quem são. Um salve a todos que nuca deixarão
de cantar ou gritar o que vivem. Contra o genocídio da população preta,
pobre e periférica. Movimento rock, rap, funk, afroreggae, skate, poesia,
porque por mais que não satisfaça, se tem amor, que tenha quem faça. São
mais guerreiros que ficaram na memória e esse é só o outro lado da
história, o que a porra da Globo nunca nos mostra. (CARNEVALI, 2015).
Conclusão
Referências
AZEVEDO, Plauto Faraco. Ecocivilização. 3.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. 2014. ISBN 978-85-203-5287-8
SANTOS, Lucas Moreira. 2004. Beat Bat Bump! Bebop! Dig it?? Ensaiando com
Beatniks: A Musicalidade Jazzística de uma Poética Espontânea.
ZAP um Slam Brasileiro. Mas que Raios é SLAM?!? 2010. Disponível em:
<http://zapslam.blogspot.com.br/2009/05/mas-que-raios-e-slam.html> Acesso em: 20
mar. 2017.
79
GRUPO DE TRABALHO 2
Introdução
O Movimento Brasil Livre (MBL) surgiu no final de 2014 como um coletivo que
se autodenominava apartidário e a solução para os problemas políticos brasileiros,
pregando pela “liberdade” do país que, segundo os líderes do movimento, estaria
preso pelo governo do PT. O objetivo deste trabalho é fazer uma análise
comparativa do discurso deste coletivo com a sociedade do espetáculo, descrita no
livro “A sociedade do espetáculo” de Guy Debord, apontando as semelhanças dos
mesmos, utilizando como corpus da pesquisa o vídeo de divulgação do canal do
Movimento no YouTube, “filie-se ao mbl!”. Segundo Debord, o espetáculo seria a
relação social de pessoas mediatizadas por imagens e, tendo em vista que o
principal canal de comunicação entre o MBL e seus seguidores é a internet, o
movimento utiliza imagens e vídeos como sua principal fonte de informação e
disseminação de conteúdo, criando assim sua própria sociedade mediatizada, ou
25
Trabalho orientado pelo professor Dr. Manoel Dourado Bastos, Departamento de comunicação da
UEL.
26
Universidade Estadual de Londrina (UEL). juliafdmoura@gmail.com.
81
27
https://www.youtube.com/watch?v=yf5JRNdaew4
28
Dado coletado no dia 21 de abril de 2017
83
29
http://tv.estadao.com.br/politica,movimento-brasil-livre-inicia-marcha-de-sao-paulo-a-
brasilia,398794
84
Análise comparativa
30
https://www.youtube.com/watch?v=q0AJ66Rb-1o
85
(brasileiro), pode-se analisar seu discurso segundo esse poder teocrático que torna
o movimento uma espécie de messias.
Como dito anteriormente, o discurso também é o local onde se observa a
relação de ideologia com a língua. Pensando na transmissão de ideologias através
de discursos, pode-se destacar o trecho do livro onde Debord expõe que:
31
“por ciberativismo podemos denominar um conjunto de práticas em defesa de causas políticas,
socioambientais, sociotecnológicas e culturais, realizadas nas redes cibernéticas, principalmente na
Internet”. (SILVEIRA, 2010, p.31).
87
Considerações finais
Referências
32
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/12/politica/1418403638_389650.html
89
Introdução
33
Especialista em Comunicação Popular e Comunitária pela UEL e graduado em Comunicação Social
– Habilitação em Jornalismo pela mesma universidade. Membro do Comitê pelo Passe Livre de
Londrina. E-mail: williancfusaro@gmail.com
90
revolucionário único para toda a Rússia, que seria produzido pelas mãos dos
militantes mais qualificados para atuarem como agitadores e propagandistas pelo
partido.
Mesmo que de forma não intencional, Lenin lançou as primeiras bases para
uma comunicação voltada aos trabalhadores, sistematizada e afinada com a
ideologia do comunismo. Esse fato torna a concepção lenineana de agitação e
propaganda (agitprop) muito relevante para os estudos e práticas de comunicação
que disputam hegemonia com a comunicação burguesa, pois foi uma das teorias
que embasaram uma tradição de jornalismo militante nas esquerdas em todo o
mundo, durante todo o século XX.
Propor uma análise mais acurada com o objetivo de utilizar-se da agitprop na
atualidade, seja como arcabouço teórico ou como práxis política, traz um duplo
desafio a esta pesquisa, já iniciada pelo autor durante o curso de Especialização em
Comunicação Popular e Comunitária, da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Na ocasião, a agitação e a propaganda em Lenin foram instrumentos de análise e
arcabouço teórico para a construção da monografia de conclusão de curso. Este
trabalho é um excerto da referida pesquisa.
O primeiro desafio é se propor a avaliar uma das teorias que serviram de
embasamento teórico a uma das experiências revolucionárias mais marcantes da
história, a Revolução Russa de 1917, justamente neste momento de rebaixamento
dos horizontes políticos da esquerda socialista, evidenciado por partidos,
movimentos sociais, sindicatos e organizações em todo o mundo. Os socialistas
sabem que são tempos difíceis.
O segundo desafio é propor uma continuidade a essa teoria, utilizando-se da
dialética para esse fim. A agitação e propaganda concebidas por Lenin no início do
século XX não podem e não devem ser replicadas tal qual o revolucionário as
concebeu na época, afinal os marxismos necessitam de contextualização histórica.
Propor uma atualização da agitação e propaganda como alternativa à comunicação
da esquerda socialista significa, portanto, superar dialeticamente as experiências
políticas fracassadas sem ignorar as virtudes da teoria revolucionária.
Este artigo se concentrará, no entanto, somente no ponto de partida: a
definição sistematizada dos conceitos de “agitação” e “propaganda”, tal como
concebidos pelo dirigente do Partido Bolchevique. Para tanto, será preciso recorrer a
autores, além do próprio Lenin, que refletiram criticamente o pensamento lenineano
91
1 A Rússia pré-revolucionária
O projeto lenineano de “jornal político para toda a Rússia” exigiria que cada
região do país tivesse um número satisfatório de militantes profissionalizados, que
reservassem uma parte de seu tempo na construção de um periódico para todo o
país. A partir da organização do jornal, uma organização política de vanguarda
surgiria, no interior do partido, com a intenção de realizar a revolução socialista e de
oferecer ao proletariado uma tribuna à qual pudesse falar e ser ouvido. Sobre isso,
escreve Lenin que
isso, esse proletariado não tinha experiência alguma na luta de classes, diferente do
proletariado francês ou alemão, que já havia se incursionado por diversos levantes
revolucionários durante o século XIX. Lenin comprovou de forma empírica sua tese
ao confirmar que havia a necessidade de a inteligentsia do movimento revolucionário
– os intelectuais – “elevarem a consciência” do proletariado.
Tal concepção assume outra perspectiva nas formulações de Marx sobre o
partido operário. A figura de um “partido comunista” não aparece como possível:
para Marx, os comunistas são somente “a fração mais adiantada do partido operário,
o setor mais decidido, que conta com uma vantagem teórica de sua clara visão dos
cursos e dos resultados gerais do movimento operário” (CLAUDÍN, 2013, p. 713).
Além disso, e o que é mais importante para estabelecer a diferença entre as duas
visões a respeito do partido operário revolucionário, os comunistas não devem,
segundo Marx, “tentar moldar o movimento operário conforme suas visões e
perspectivas” ou “estabelecer uma ditadura de lideranças antidemocrática”,
aproveitando-se do fato de ter acesso à teoria do socialismo científico (2013, p. 713).
Para Marx, por fim, a consciência de classe proletária se forma no curso das
várias formas de luta, enquanto o partido é só mais uma das formatações da luta de
classes, a mais vital para a tomada do poder político do proletariado e instauração
da sua ditadura de classe como primeiro passo para o comunismo. Tanto que o
autor não chega a formular a ideia de um “partido único”, assumindo que o partido
operário deve, inclusive, dissolver-se sem demora ao constatar que está
“antecipando a revolução”. O partido é, para Marx, uma realização do movimento
comunista, e não o contrário.
Diante disso, estabelecidas as diferenças entre as duas concepções de partido,
marxiana e lenineana, é sintomático que a comunicação tome, para Lenin, uma
função tão importante: como instrumento político centralizado do partido operário e
revolucionário, no sentido de fazer a agitação e a propaganda revolucionária.
sinônimos.
Nossa tarefa fundamental consiste, por uma parte, em atrair o maior número
possível de seguidores e, por outra, em aprofundar as informações e os
conhecimentos daqueles camaradas que adotaram com firmeza nossa
plataforma. Para o primeiro objetivo, é necessário realizar a agitação, tanto
oral quanto mediante a distribuição de literatura e periódicos do partido, e,
para o segundo, é necessário criar um grupo propagandístico para o estudo
das verdades marxistas (1979, p. 119)
Conclusão
Referências
SERGE, Victor. O Ano I da Revolução Russa. São Paulo: Ensaio, 1993. 479 p.
35
Jornalista. Discente do curso de especialização em comunicação popular e comunitária na
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Nos últimos 7 anos participou da rede Fora do Eixo como
articulador nacional e internacional. Participou da fundação e desenvolvimento da Mídia NINJA,
atuando como produtor e repórter em manifestações em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte
e como ativista e articulador em núcleos de comunicação de frentes, em campanhas nacionais e em
movimentos sociais. Contato: mandamailproruiz@gmail.com
36 O Fora do Eixo surge em 2005 conectando produtores de festivais e coletivos culturais de cidades
como Londrina (PR), Rio Branco (AC), Uberlândia (MG) e Cuiabá (MT). Durante vários anos atuou de
forma plena em festivais independentes, ajudando a desenvolver a cadeia produtiva do mercado
médio da música nacional, criando projetos de artes integradas, turnês, shows e redes de alcance
internacional, como o Festival Grito Rock e o ELLA. No início de 2013, o Fora do Eixo funda a Mídia
NINJA com o objetivo de mesclar o ofício da comunicação e do jornalismo à prática ativista, buscando
realizar coberturas sobre movimentos sociais, manifestações e temas ligados aos direitos humanos.
108
imprensa corporativa, passando a procurar por outras fontes nas redes sociais e na
internet que as representassem, que não apenas as chamasse de “vândalos”. Nessa
busca, as publicações em tempo real e a coragem dos ninjas – cinegrafistas,
fotógrafos, ativistas e produtores do Fora do Eixo, designados para cobrir as
manifestações –, ganharam a empatia do público e preencheram um vácuo de
informações sobre os conflitos cada vez maiores.
Entre as chamadas “Jornadas de Junho e Julho”, o movimento “Não vai ter
Copa”, a Mídia NINJA esteve presente na cobertura dos principais levantes sociais
no Brasil e também estabeleceu uma rede e núcleos ninjas em vários outros países.
Dentro desse período podemos citar a cobertura das manifestações durante a Copa
do Mundo realizada no Brasil em 2014; o debate em torno das eleições presidenciais
no mesmo ano; participação na criação dos Jornalistas Livres em São Paulo;
cobertura das manifestações – da “direita” e da “esquerda” no primeiro semestre e
durante todo o ano de 2015; os protestos nos jogos olímpicos Rio 2016; a cobertura
de 1 ano do crime da Samarco, após o rompimento da barragem de rejeitos em
Mariana (MG); os atos “Fora Cunha”; as principais mensagens e manifestações tanto
nas ruas, como nas redes sociais, no Brasil e no mundo denunciando o golpe
midiático e parlamentar que culminou com o impeachment da ex-presidenta Dilma
Rousseff; e a cobertura das votações do impeachment na Câmara dos Deputados e
Senado; os levantes contra a PEC 51; além de dezenas de pautas sobre violações
de direitos humanos e grupos estratégicos, como negros, mulheres, LGBTs,
indígenas, etc.
Hoje, com a ampliação da rede da Mídia NINJA e com núcleos que se
desenvolveram em outros países e em cidades do interior do Brasil, os ninjas são,
muitas vezes, ativistas, manifestantes, videomakers, blogueiros, “midialivristas”,
jornalistas, atores outros. São pessoas de referência conectadas ao núcleo editorial
ninja, que operam pela internet diretamente de suas localidades e amplificam os
temas para além de seus municípios, através das timelines e do site da Mídia
NINJA. É um método que se aproxima do que o escritor e teórico Manuel Castells
denomina de “autocomunicação de massa, baseada em redes horizontais de
comunicação multidirecional, interativa, na internet”. Ou ainda uma percepção a qual
“podemos trocar a estratégia de dar voz aos que não têm voz pela estratégia de
deixar as pessoas falar por si mesmas”, conforme explica o escritor John Downing
em seu livro “Mídia Radical”.
109
Resumo: O cerne deste estudo se caracteriza pela análise das relações que as
inovações tecnológicas, no âmbito da comunicação, possuem com o comportamento
e o cotidiano da sociedade, através do conceito de determinismo tecnológico e do
fenômeno da interação humana pelo ambiente multimídia contido na internet. Desse
modo, sua análise se norteará, portanto, no novo ambiente humano, criado por
inovações tecnológicas dos meios de comunicação, essas consideradas como
extensões do homem, além da capacidade de modificação social contida na ágil
troca de informação pelos usuários, com ênfase nas lutas sociais contemporâneas
impulsionadas pela internet, na socialização da rede e o embate entre as correntes
pró e contra a regulação do meio virtual.
Palavras-chave: Mídia; Redes sociais; Tecnologia; Regulação; Sociedade; Lutas
sociais.
Abstract: The heart of this study is characterized by the analysis of the technological
innovations, about communication, face to demeanor and everyday life of society,
through the concept of technological determinism and the phenomenon of human
interaction through the multimedia environment. Therefore, this study looks for to the
new human environment result of technological innovations, theses considered as
extension of man, besides the social modification capacity being in the nimble
information exchange by the users, with emphasis on the contemporary social fight,
driven by the internet, the network socialization and the discussion between the
regulation of the internet or not.
Keywords: Media; Social networks; Technology; Regulation; Society; Social
37
Universidade Estadual de Londrina; marcossoleo@gmail.com
38
Faculdade Pitágoras; demoraesmazia@gmail.com
111
struggles.
Introdução
1 Desenvolvimento
[…] Ao se operar uma sociedade com uma nova tecnologia, a área que
sofre com a incisão não é a mais afetada. A área da incisão e do impacto
fica entorpecida. O sistema inteiro é que muda. O efeito do rádio é visual, o
efeito da fotografia é auditivo. Qualquer impacto altera as ratios de todos os
sentidos. O que procuramos hoje é controlar esses deslocamentos das
proporções sensoriais da visão social psíquica. (McLuhan, 1964, p. 84)
Desse modo, por essa ótica, o membro do organismo social, o qual submeteu-
se a usufruir da nova tecnologia, substitui seus sentidos, tornando assim a inovação
uma extensão de seu corpo.
1.4.3 Revolução
ao acesso à internet.
O cerne dessa discussão orbita na garantia de ampla concorrência,
favorecendo a inovação no que condiz à criação de tecnologias.
Tais pensamentos advieram das teorias acerca da regulamentação da rede,
amparada pelo embate dos pensamentos do Individual, face ao pensamento do
Social, os quais estudam formas diferentes de se analisar os fatos sociais.
1.5.2 Tradicional
1.5.3 Específica
2 Socialização
Considerações Finais
Referências
LESSIG, Lawrence Lessing. Code version 2.0. New York: Basic Books. 2006,
Disponível em <http://codev2.cc/download+remix/Lessig-Codev2.pdf>Acesso em:
28abr 17.
ROHRMANN, Carlos Alberto. Curso de direito virtual. Belo Horizonte: Del Rey,
2005.
THOMPSON, John b. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos
meios de comunicação de massa. Trad. Grupo de Estudos sobre Ideologia,
126
Resumo: Com o decorrer dos anos e a vinda de novas gerações, a mídia ficou cada
vez mais acessível à população, um exemplo disso foi a disseminação da Internet,
meio eficaz de rápida propagação de informação. Contudo, essa ferramenta pode
ser utilizada por pessoas mal-intencionadas ou negligentes. Nesse aspecto, salienta-
se o dano que a mídia pode causar em situações em que as informações são
precipitadas ou não condizem com a realidade, sem qualquer consideração aos
princípios inerentes à pessoa humana, especialmente quanto ao contraditório e à
ampla defesa. Nesse sentido, informações relativas à suspeita de fatos criminosos
têm que ser divulgadas com muita cautela por todo e qualquer meio de veiculação
de informação, sobretudo na mídia virtual, uma vez que uma notícia falsa pode
acarretar em diversos prejuízos para o acusado, que vão desde danos patrimoniais
a cerceamento da liberdade e, em casos extremos, a morte. O objetivo, portanto, do
presente estudo é analisar o impacto social que os meios de informação podem ter
nas relações sociais e, sobretudo, abordar a influência da mídia como fator
predominante para condenações na seara do Direito Penal Brasileiro. Além disso,
através de pesquisa bibliográfica e exploração de casos concretos, busca-se discutir
o papel social da mídia na sociedade.
Palavras-chave: Influência. Mídia. Condenação.
Abstract: With the passing of the years and the coming of new generations, the
media has become more and more accessible to the population, an example of this
39
Bacharela em Direito pela Universidade Filadélfia (UNIFIL), pós-graduanda em Prática em Direito
Penal pela Faculdade Arthur Thomas (FAAT). E-mail: malia_helena11@hotmail.com
40
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), aluno especial de Mestrado da
Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: marcosmunhoz3007@gmail.com
128
Introdução
O presente estudo visa abordar um tema pouco tratado pela doutrina brasileira,
porém vivido diariamente por toda a população: a influência da mídia nas relações
sociais e sua relevância na condenação de acusados no Direito Penal Brasileiro.
Inicialmente, será abordado os aspectos constitucionais acerca do Estado
Democrático de Direito, de modo a diferenciá-lo do mero Estado de Direito, que se
faz mais legalista e objetivo em relação àquele.
Nesse sentido, serão abordados os principais princípios e garantias
relacionados à personalidade dos indivíduos e ao processo penal. Tratará, portanto,
do princípio da dignidade da pessoa humana, base dos direitos humanos, além do
princípio do contraditório e da ampla defesa, que conferem direito de resposta às
acusações imputadas contra o sujeito, e do princípio da presunção de inocência, que
garante a todos o direito de não ser considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória, conforme preceitos constitucionais.
Em contrapartida aos princípios constitucionais supracitados, serão abordados,
ainda, os direitos individuais trazidos pela Carta Magna em virtude do Estado
Democrático de Direito, que concedem a liberdade de expressão individual,
129
todos são iguais porque a lei é igual para todos e nada mais. No plano
concreto e social não existe intervenção efetiva do Poder Público, pois este
já fez a sua parte ao assegurar a todos as mesmas chances, do ponto de
vista do aparato legal. De resto, é cada um por si (CAPEZ, 2012, p. 22).
mídia deveria ter para exercer sua função na sociedade democrática, sobretudo no
que concerne a
Em relação a esse assunto, resta esclarecer que agir com imparcialidade não é
o mesmo que exigir neutralidade, pois não há neutralidade do juiz. “O objetivo é
garantir ao juiz a possibilidade de tomar decisões autônomas, livres do poder que
busca uniformizar a opinião pública, e também decisões imunes às pressões
culturais e ideológicas da sociedade” (FERNANDES, 2015, p. 1).
Sendo assim, é notório que o papel do magistrado vai muito além da mera
análise do caso concreto, é necessário o aprimoramento pessoal e profissional do
juiz, uma vez que ele está cercado de posicionamentos tendenciosos que visam
interferir em sua decisão.
Entretanto, o exercício da magistratura independente da opinião pública ou do
senso comum, pressupõe a busca incessante pelo conhecimento, privilegiando a
racionalidade e não as “paixões da opinião pública”, objetivando, portanto, evitar que
tal influência retire do Poder Judiciário sua competência de julgar (FERNANDES,
2015).
136
não poder ser considerado culpado – pela mídia ou por qualquer indivíduo – antes
da sentença penal condenatória. E o magistrado, como encarregado de manter a
ordem, deverá garantir a efetiva aplicação dos direitos do acusado, protegendo-o
contra arbitrariedades processuais.
Por fim, em análise à influência social que a mídia tem sobre as pessoas e à
ocorrência de fatos negativos envolvendo a veiculação de notícias falsas, Salomão
apresenta uma proposta análoga às práticas reguladoras existentes nos Estados
Unidos:
De acordo com essa análise, conclui-se que, além da cautela na recepção das
informações formuladas pela mídia, há também a necessidade desse ato ser feito
com plena responsabilidade, respeitando os direitos e garantias individuais de todos
os indivíduos, a fim de não agir de forma negligente, visto que isso pode resultar em
danos inestimáveis para as vítimas.
Adiante, será visto, de forma mais específica, casos em que notícias veiculadas
na mídia causaram graves danos às vítimas, que tiveram a vida prejudicada ou
ceifada por conta de notícias que tomaram grandes proporções.
[…] uma jovem de 24 anos relatou, por meio das redes sociais, ter sido
estuprada pelo segurança durante a festa. A vítima postou o registro do
boletim de ocorrência, feito na Deam, e os medicamentos recebidos durante
o atendimento hospitalar, além de uma carta dando detalhes do que teria
ocorrido naquela madrugada de 1º de janeiro deste ano. De acordo com o
139
Conclusão
sentido, fora concluído que o Poder Judiciário possui duas espécies de garantias: a
independência política e a independência jurídica. No primeiro caso, trata-se das
garantias funcionais dos membros do Judiciário, como vitaliciedade, inamovibilidade,
irredutibilidade de vencimentos e vedação do exercício de determinadas atividades,
que garantem às partes a imparcialidade do juiz. Já a independência jurídica está
vinculada à não subordinação hierárquica dos magistrados no desempenho de suas
atividades, subordinados, exclusivamente, à Lei.
Nesse caso, verificou-se que, apesar dos aspectos sociais e midiáticos que
possam pressionar os magistrados em determinada posição, os julgadores são livres
e autônomos, por força de preceito constitucional, em suas funções, sem qualquer
vinculação ou interferência de terceiros. Tal direito é, portanto, mais que uma
garantia somente do Poder Judiciário, mas também uma forma de garantir o bom
desenvolvimento da Justiça para a sociedade.
Em relação, especificamente, à influência da mídia, tratou-se, inicialmente, dos
aspectos relevantes da mídia e da imprensa, atuando com papel fundamental na
disseminação de informação, visto que a mídia vai além da mera liberdade de
expressão, em que se visa a livre expressão do pensamento, mas tem o papel social
de informar as pessoas e contribuir para o pensamento crítico de cada uma.
Entretanto, conclui-se que, em virtude da grande abrangência e influência
midiática na vida da população, os meios de comunicação, de forma geral, devem
ser tratados com cautela, a fim de evitar exposições desnecessárias que possam
prejudicar direitos das pessoas, seja por extrapolarem as garantias constitucionais
dos cidadãos, pela forma, muitas vezes, manipulada ou sensacionalista de passar a
informação, ou mesmo, para atender interesses econômicos e políticos, através da
seleção e veiculação de notícias tendenciosas.
Como visto, infelizmente, é cada vez mais comum que notícias veiculadas nos
meios de comunicação sejam amplamente divulgadas sem qualquer cuidado com a
preservação dos direitos individuais do acusado e, muitas vezes, o dano pode ser
irreparável, como nos casos práticos demonstrados no presente estudo, nos quais
pessoas inocentes foram acusadas de cometerem crimes e tiveram suas vidas
prejudicadas ou ceifadas em virtude disso.
Nesse aspecto, conclui-se que, além da cautela na recepção das informações
formuladas pela mídia, também há a necessidade desse ato ser feito com plena
responsabilidade e ética pelos jornalistas e por todos os meios de comunicação,
143
Referências
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1995 apud
FERNANDES, Daniela. A influência da mídia nas decisões do Poder Judiciário.
2015. Disponível em:
<https://danielafernandes03.jusbrasil.com.br/artigos/200716928/a-influencia-da-
midia-nas-decisoes-do-poder-judiciario>. Acesso em:20 mar 2017.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (arts. 1º a 120). 16. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012, v.1.
CARONE, Carlos. Polícia Civil conclui que não houve estupro de jovem no
Réveillon. Metrópoles, Distrito Federal, 12 fev. 2016, p. 1. Disponível em
<http://www.metropoles.com/distrito-federal/policia-civil-conclui-que-nao-houve-
estupro-de-jovem-no-reveillon>. Acesso em: 20 abr 2017.
144
JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2011,
v. 1
MORAES; Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª edição. Editora Saraiva: São
Paulo, 2002. p. 303.
ZANIN, Cesar. A imprensa e o papel das mídias no Brasil. 2015. Disponível em:
<http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/a-imprensa-e-o-papel-das-midias-
no-brasil.html>. Acesso em:18 mar 2017.
146
GRUPO DE TRABALHO 3
Ementa: Serão aceitos trabalhos que tratem dos seguintes temas: genocídio negro
e indígena, militarização e violência na repressão de manifestações populares,
militarização no combate à pobreza, encarceramento em massa.
Introdução
41
Aluna do Mestrado em Desenvolvimento Humano – UNITAU. Membro da RENAP (Rede Nacional
de Advogados e Advogadas Populares).
42
Professora do Mestrado em Desenvolvimento Humano – UNITAU
148
historicamente criminalizados pelo poder instituído, passam a sofrer cada vez mais
com o punitivismo estatal. Em 2008, diversos movimentos sociais da América Latina
se reuniram para discutir as experiências de criminalização em países como
Argentina, Chile, México, Paraguai. Desse encontro resultou um relatório que,
43
http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-08/justica-usa-lei-de-organizacao-criminosa-para-
prender-membros-do-mst-em-goias
http://www.brasil247.com/pt/247/sp247/263826/Pol%C3%ADcia-prende-dirigentes-e-invade-escola-
do-MST-que-v%C3%AA-%E2%80%98ilegalidade%E2%80%99.htm . Acessados em 24 de abril de
2017.
152
No caso dos movimentos sociais isso se torna ainda mais claro. Enquanto
classe organizada para exigir o cumprimento de políticas públicas, suas ações
153
políticas são voltadas para esse fim. Ou seja, para a ação efetiva do Estado nas
garantias mínimas de sobrevivência dessas pessoas (seja no caso da luta pela terra,
ou por moradia, por exemplo). Que legitimidade teria esse Estado, que não cumpre
sequer suas próprias legislações (que determinam a realização da reforma agrária e
da reforma urbana) e ainda reprime e condena os que lutam por esses direitos?
É justamente nesse contexto político-legal que a legislação da “Guerra ao
Terror” surgirá, corroborando com o aumento do punitivismo, por meio do já citado
Direito Penal do Inimigo. Entretanto, a mesma possui contornos específicos, que
atingem diretamente os movimentos sociais e a sociedade civil organizada. Para
entender esta afirmação é necessário que se compreenda a conjuntura política
atual, no que diz respeito ao terrorismo, assim como sua definição.
3 Sobre o terrorismo
Por fim, o tema do terrorismo, em voga nos dias atuais, e sua tentativa de
conceitualização. É certo que no mundo jurídico, não existe um conceito
determinado do termo terrorismo. Existem leis que determinam punições para atos
terroristas ou financiamento do terrorismo, mas sua definição não consta de nenhum
instrumento jurídico.
Desta forma, é fundamental que se esclareça, a partir da concepção
materialista dialética, qual o papel deste termo na sociedade atual em que vivemos.
Para tanto, a visão crítica do linguista Noam Chomsky nos parece a mais coerente
no esclarecimento do tema do terrorismo, e suas diversas abordagens. Outro autor
referência para as discussões sobre o terrorismo é o historiador Eric Hobsbawn.
De acordo com Noam Chomsky44, as palavras sempre possuem dois
significados: um literal, que seriam as definições de dicionários ou até as definições
legais, e outro que é o utilizado na guerra política, por meio do discurso. Todas as
terminologias políticas, como liberdade, democracia, mercado, dentre outras,
possuem os dois sentidos. Por isso, deve-se ter cautela quando são utilizadas. Com
o termo terrorismo não é diferente.
Inicialmente é fundamental que se esclareça que o terrorismo a que se referiam
as legislações anteriores ao 11 de setembro difere do utilizado atualmente. Isto
44
Noam Chomsky, em entrevista à TV portuguesa RTP em maio de 2015
https://www.youtube.com/watch?v=SKeGCpe2VRI .
154
porque até 1989, com a queda do muro de Berlim, o mundo vivia o período da
Guerra Fria45. E neste contexto histórico-político o termo terrorismo era utilizado para
se referir a grupos de esquerda.
No Brasil, por exemplo, seja na preparação para a ditadura de Getúlio Vargas
(1937-1945) ou durante ditadura militar (1964-1985), o terrorista era o comunista ou
anarquista que, mediante a “incitação das classes sociais”, visavam a “tomada do
poder através de meio violento” (termos utilizados nas referidas legislações).
Com o fim da Guerra Fria, e consequentemente da polarização do mundo entre
capitalistas e comunistas, esta definição, ou “identificação” perde o sentido. Desta
forma, diferente do século XX, onde o inimigo era o comunismo, no século XXI, o
inimigo, o terrorista é outro. Isto porque os conceitos possuem um sentido político.
As palavras possuem força, inclusive, para legitimar uma política internacional, como
é o caso da política estadunidense pós 11 de setembro.
No Direito Internacional, desde 1937 o terrorismo tem estado da agenda da
ONU. São 14 instrumentos jurídicos internacionais e 3 emendas que, desde 1963,
tratam da questão do terrorismo (ver no anexo). Com diversos sentidos de acordo
com o contexto histórico em que era aplicado, interessa neste trabalho o sentido
atual que tem sido aplicado o termo terrorismo.
A resolução da ONU de 1995, que elege medidas para erradicar o terrorismo
considera
45
Guerra Fria – o termo refere-se à disputa (militar, política, econômica e principalmente ideológica)
pela hegemonia mundial entre Estados Unidos (bloco capitalista) e União Soviética (bloco socialista),
que se iniciou após a Primeira Guerra Mundial, tendo seu fim na extinção da União Soviética em
1991.
46
Resolução 49/60 de 17 de fevereiro de 1995. Em
http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/49/60&referer=/english/&Lang=S .
155
New York Times ou do Washignton Post, por defenderem o bombardeio do Irã. Caso
o Irã o fizesse, seria considerada a maior campanha terrorista do mundo. Os EUA
fazem isso e sequer se questiona o caráter desses atos. A campanha dos drones,
formalmente defende o assassinato de pessoas que o governo norte americano EUA
suspeite que pretendam prejudicar os EUA.
A partir do dia 11 de setembro de 2001, com os atentados às Torres Gêmeas
nos Estados Unidos (EUA) pela Al Quaeda e consequente invasão dos EUA ao
Iraque e Afeganistão, tem-se presenciado no mundo um forte aumento dos
atentados terroristas. Desde o início da política norte-americana denominada
“Guerra ao Terror”, o número de mortes anuais causadas pelo terrorismo multiplicou-
se por nove. De acordo com o Índice de Terrorismo Global (GTI) de 2015, foram
3.329 mortes no ano de 2000, avançando para 32.685, em 2014.
Em Paris, no ano de 2014, 129 pessoas foram vítimas de ato terrorista,
reivindicado pelo grupo Estado Islâmico47. A imprensa mundial repudiou os ataques,
as redes sociais proporcionaram a seus participantes a possibilidade de colocar em
seus perfis a bandeira da França, diversos países iluminaram seus monumentos
com as cores daquele país, a comoção foi generalizada.
Essa mobilização dos quatro cantos do mundo criou o ambiente para a
resposta que os países “desenvolvidos” costumam dar a estes ataques: a
intolerância e o recrudescimento da repressão aos países de onde esses grupos se
originam. É o que hoje ocorre na Síria, por parte da França, EUA, Rússia, dentre
outros. Centenas de milhares de civis têm sido assassinados nestes ataques,
entendidos como reação àqueles realizados por “terroristas”.
Entretanto, o “Terrorismo de Estado” praticado por muitos estados nacionais
não é sequer questionado, sendo inclusive “justificado” pela necessidade de se
combater o terrorismo. Tanto a reação solidária em relação às vítimas do terrorismo,
como a reação bélica irracional dos Estados “desenvolvidos”, por se basearem na
questão central identidade/diferença, são construídas politicamente. E os meios de
comunicação de massa possuem um papel fundamental, tanto na construção de
identidades, como na escolha e convencimento da diferença, do Outro, do inimigo.
47
Estado Islâmico (ISIS) – organização jihadista islamista com maior atuação no Oriente Médio
atualmente. Surgida no Iraque, após a invasão norte-americana, expandiu-se para a Síria durante a
guerra civil neste país. Conhecido por assumir diversos atentados terroristas, é conhecido por sua
brutalidade, mediante torturas e a instituição da pena de morte.
157
48
Expertos: Ambigüedades de nueva ley sobre terrorismo en Brasil podría limitar libertades
fundamentales. Emhttp://www.un.org/spanish/News/story.asp?NewsID=33762#.Vnat3EorLIU .
159
Sem Terra (MST)49 e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)50. Com
larga experiência de criminalização de suas lutas, estes movimentos veem na nova
legislação uma abertura para a repressão das manifestações sociais.
Isso porque já ocorre em outros países do continente. No Equador, em 2010, o
presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE)51,
Marlon Santi, e o presidente da Ecuarunari, Delfin Tenesaca, foram intimados a
prestar esclarecimentos em uma investigação contra os mesmos por terrorismo e
sabotagem, por supostamente atentarem contra a segurança de Estado. Isto porque
havia ocorrido um enfrentamento entre indígenas e policiais num lugar próximo de
onde ocorria uma reunião da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa
América). Este episódio foi denunciado no Relatório de 2011 da Anistia
Internacional:
49
O MST foi formalmente criado em 1984, no I Encontro Nacional do Movimento Sem Terra.
Oriundos de diversas ocupações (como da Fazenda Macali, em 1979 e da Encruzilhada Natalino em
1981), se reuniram na cidade de Cascavel (Paraná), 80 representantes de trabalhadores rurais, de 13
estados brasileiros. Neste encontro foram definidos princípios, formas de organização, reivindicações,
estruturas e formas de luta do movimento. A partir de então, o MST atua por meio das ocupações de
terras como forma de pressionar o Governo Federal na realização da Reforma Agrária, e no
desenvolvimento dos Assentamentos. (STEDILE; MANÇANO, 1999)
50
O MTST foi criado entre os anos de 1996 e 1997, mediante o apoio do MST. Alguns militantes do
Movimento Sem Terra foram destacados para organizar a luta dos trabalhadores urbanos, a partir da
constatação de alguns elementos: a origem muitas vezes urbanas dos trabalhadores que se
semavam ao MST, a necessidade de articular a luta por Reforma Agrária com outras lutas (a partir do
Congresso Nacional de 1995) e o agravamento da situação dos trabalhadores com a implementação
do projeto neoliberal na década de 90.(LIMA, 2004, p.139-145). Atuam ocupando terrenos urbanos,
que não cumprem sua função social, para moradia e produção de subsistência.
51
A CONAIE foi fundada em 1986 com a união de duas organizações indígenas. A primeira, que
agregava os povos indígenas do desfiladeiro interandino, e a segunda, os povos indígenas da região
amazônica. Existem outras organizações de representação indígena no Equador, entretanto” a
CONAIE é a única que faz do conceito de nacionalidade indígena o eixo estrutural tanto de seu
projeto político quanto de suas formas de organização. ” (SADER, 2006, p. 488)
160
52
Informe 2011 Amnistía Internacional: El estado de los derecho humanos em el mundo. 2011. P.181.
53
Mapuches – os Mapuches, ou povo Mapuche, são um grupo de etnia indígena, localizados na
região centro-sul do Chile e sudoeste da Argentina. Lutam pela regularização de seus territórios,
invadidos por destacamentos militares republicanos, após a independência desses países (início do
séc XIX). Reivindicam o reconhecimento dos Estados e respeito às suas diferenças culturais.
54
Fonte: http://www.bbc.com/mundo/noticias/2014/08/140801_chile_ley_antiterrorista_nc.
161
55
Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença do Caso Norín Catrimán y otros, em
29/05/2014. Em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_279_esp.pdf , p. 28. Acesso
07/05/2016.
56
Ibidem, p. 137.
57
G7 – O Grupo dos 7 é um grupo internacional criado em 1975, que reúne os sete países mais ricos
do mundo: Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido, com o objetivo
de coordenar a política econômica e monetária mundial. Atualmente, denomina-se G8 pela entrada
da Rússia a partir de 1997.
162
recomendações aos países membros e não membros que, por ventura não
cumpram, são incluídos na “lista suja” dos países e territórios não cooperativos.
Essas recomendações são, em sua maioria, referentes à criação de uma
legislação nacional. São quarenta recomendações iniciais, acrescida de nove
Recomendações Especiais. A Recomendação Especial VIII (RE VIII) se refere ao
tema em questão, visto que diz respeito às Sociedades Civis sem fins lucrativos,
onde podem ser enquadrados Organizações não Governamentais e Movimentos
Sociais.58
O relatório “Combate ao terrorismo, ‘lavagem política’ e o GAFI: legalizando a
vigilância, regulando a sociedade civil”, publicado pelo Transational Institue e pelo
Statewatch, analisa os 159 países que assinaram a recomendação, abordando de
que forma as regras internacionais de combate ao terrorismo estão minando a
liberdade de associação nestes países. De forma mais específica, analisa o impacto
da RE VIII na legitimação da criminalização das organizações sociais.
Frente a essas considerações sobre quem são os terroristas, e considerando
o contexto latino-americano de quase total ausência de atentados terroristas e
grupos terroristas, quem seriam os terroristas a ser enquadrados pelas legislações
antiterror? Ao que parece, pelas aplicações mais recentes em países latino-
americanos (exceto o Brasil, pela provação recente da lei), os movimentos sociais.
Referências
58
As Recomendações do GAFI.
http://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/recommendations/pdfs/FATF-40-Rec-2012-Portuguese-
Port.pdf. Acesso em 23/04/2016.
163
Portal Terra, São Paulo. S.d. Íntegra do discurso de Bush após os ataques de
11/9. Disponível em <http://noticias.terra.com.br/mundo/estados-unidos/confira-na-
integra-o-discurso-de-bush-apos-os-ataques-de-
164
119,50fb27721cfea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html> . Acesso em
dezembro de 2016.
FERRAJOLI, L. [et al.]. La Emergencia Del Miedo. Buenos Aires: Editar, 2013.
OBAMA defende endurecer luta contra Estado Islâmico sem cair no medo.
Disponível em
<http://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/07/internacional/1449453134_535003.html>.
Acesso em dezembro de 2016.
Resumo: Este trabalho visa abordar as relações entre violência, Estado e Direito a
partir da jusfilosofia madura de Nietzsche, filósofo pouco ou nada estudado nos
cursos brasileiros de graduação em Direito. A análise e a crítica da violência se
iniciarão nos tempos primevos da humanidade, passando pela refutação às teorias
contratualistas, percorrendo a formação e manutenção dos Estados e culminando na
análise do recente massacre dos professores paranaenses (29/04/2015). A filosofia
nietzscheana, aqui apresentada, visa explicar e criticar a violência da realidade para,
assim, abrir horizontes na construção de um Novo Direito.
Palavras-chave: Nietzsche, violência, poder, Estado.
Introdução
59
Graduando em Direito (5ºano) na Universidade Estadual de Londrina. Endereço eletrônico:
alexandredmn@gmail.com.
167
1 Mnemotécnica
1.1 Esquecimento
2 Vontade de Poder
– isto não é precisamente querer ser diverso dessa Natureza? Viver não é avaliar,
preferir, ser injusto, limitado, querer ser diferente?” (NIETZSCHE, 2011, af. 9). A
própria história humana da racionalidade se traduz na vontade de saber (ciência)
como técnica de dominação sobre a natureza, o que posteriormente a Escola de
Frankfurt denominará racionalidade instrumental; não como viver harmonioso.
As dificuldades da vida solitária ou em família se imprimem na existência,
levando as pessoas a unirem forças para superar os empecilhos, e renunciando aos
seus próprios direitos e vontades egoísticas, elegem um soberano como
representante para governar segundo a vontade geral e zelar pelos direitos da
sociedade. Aos associados chama-se povo; tomam o nome de cidadãos quando
participantes da autoridade soberana; vassalos quando submetidos à Lei do Estado
imposta por eles mesmos. Surgiria, assim, o Estado. (ROUSSEAU, 2007, p.29-30).
Na esteira de Nietzsche, tal contrato social é inconcebível. A violência põe-se
agora, em lugar da humanização, na criação do Estado primitivo. As raças
dominantes devem ser entendidas como aquelas mais fortes e violentas, nas quais a
vontade de poder de dominação comandava a hierarquia de todas as vontades. A
vontade de poder de dominação, enquanto ativa, materializa-se em atos violentos,
mas essa mesma raça forte e brutal é ao mesmo tempo artista, pois cria e modela o
Estado.
Esses senhores, aves de rapina, artistas da violência, dominam e conquistam
uma população ainda errante e inorgânica (ainda que esta seja muito superior em
número), fisicamente e estruturalmente inferior. Afinal, por que cumprir um “contrato”
nesse momento, se a força permite o contrário?
A população conquistada, no entanto, justamente por ser inferior, carece de
freio (norma), ou a norma dela não é a mesma dos senhores de guerra
conquistadores. A norma dos senhores, o Direito dos conquistadores, deve ser
implantada, e nenhum meio mais eficaz de fazê-lo do que pela violência. Instaurado
esse Direito, cabe ainda à violência mantê-lo. O contrato social não é acordado; é
imposto, e por isso mesmo a teoria do pacto social faz bem aos ouvidos e ao
coração; mas a história é mais dura, e nela não cabe qualquer romantismo.
Ademais, o próprio contrato de direito traz em si a possibilidade da violência, de
um modo ou de outro, caso um dos contraentes descumpram o acordo.(BENJAMIN,
2014, p.137)
A história político-jurídica tem sido, até hoje, a história da dominação e da
174
violência, seja qual for o regime. Este é o fardo que os séculos parecem transformar
em destino.
Nas palavras do filósofo destruidor de ídolos (NIETZSCHE, 2013. ds.II, § XVII):
A submissão a uma norma fixa, de uma população que até então carecia
de norma e de freio, tendo começado por um ato de violência, só podia
ser levada a cabo por outros atos de violência: e que, por conseguinte, o
‘Estado’ primitivo entrou em cena com todo o caráter de uma espantosa
tirania, de uma máquina sangrenta e desapiedada, e teve que continuar
assim, até que, por fim, uma tal matéria brutal de animalidade foi
abrandada e tornada manejável, e finalmente modelada. Emprego a
palavra ‘estado’, mas é fácil compreender que me refiro a uma hora
qualquer de aves de rapina, louros, uma raça de conquistadores e de
senhores, que, com sua organização guerreira, deixariam cair sem
escrúpulos as suas formidáveis garras sobre uma população talvez
infinitamente superior em número, mas ainda inorgânica e errante. Tal é
a origem do ‘Estado’; creio que já foi bastante refutada aquela opinião
romântica que fazia remontar a sua origem a um ‘contrato’. Ao que
nasceu para mandar, ao que se sente poderoso em seus gestos e obras,
que lhe importam os contratos?
4 Violência originária
não há dúvida, mas e a atual Constituição “cidadã”, onde está a violência que a
gerou?
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, apesar de ser fruto
de um movimento democrático, repousa no berço da Ditadura Militar, pois a
Assembleia Constituinte que a elaborou era composta pelos mesmos políticos, com
poucas exceções, manchados do sangue da época da Ditadura. Neste primeiro
ponto, percebe-se que apesar da insustentabilidade do regime passado, este ainda
manteve seu poder na elaboração da chamada Constituição Cidadã e, apesar de
destituído, não se deixou aniquilar por completo. O que ocasionou o novo Estado de
1988 foi a certeza do Estado Militar acerca de sua fraqueza e insustentabilidade
(gerada por si mesmo), por um lado, e por outro a força dos movimentos
democráticos (poder, como todo poder, potencialmente violento). Visto que a
destruição do Estado Militar era iminente, este se rendeu à criação de uma nova
ordem jurídica e de um novo Estado. A violência aqui analisada era potencial, e se
concretizou na ordem jurídica, pois destruiu uma antiga para originar outra nova
(mas nem por isso totalmente democrática). A violência ditatorial, que garantiu o
regime por tantas décadas sangrentas, foi suprimida pelo que se chamará aqui de
violência jurídica – destruição e criação de um novo Direito por intermédio do Direito,
mas ainda violento, opressor, racista e silenciador.
O Direito se vale da violência para se instaurar, mas quando instaurado dela
não abdica, pelo contrário, antes na forma de poder, agora a institucionaliza na
forma de Direito (Benjamin, 2014, p. 146). Mesmo este novo Estado "Democrático"
de Direito garante constitucionalmente sua manutenção pelo monopólio da violência.
Essa garantia constitucional se dá, principalmente, por meio das forças armadas
(sob comando supremo do Presidente da República) que devem garantir a defesa
da Pátria, dos poderes constitucionais, da ordem e da lei – termos tão abertos e
subjetivos fundamentam qualquer violência –; da polícia militar (resquício da
ditadura); do Direito Penal - a vontade de punir transparece-se: no princípio de que o
desconhecimento da lei não exime da pena, nos crimes de perigo abstrato, em
termos como “ordem”, “bons costumes”, no aumento constante de tipos penais, no
encarceramento em massa60 como instrumento de dominação e exclusão do
60
Dados da população carcerária no Brasil em junho de 2014, segundo site do Conselho Nacional de
Justiça: População no sistema prisional = 563.526 presos; Capacidade do sistema = 357.219 vagas;
Déficit de Vagas = 206.307; Pessoas em Prisão Domiciliar no Brasil = 147.937 Total; de Pessoas
176
Presas = 711.463 Déficit de Vagas = 354.244; Número de Mandados de Prisão em aberto no BNMP =
373.991; Total de Pessoas Presas + Cumpr. de Mandados de Prisão em aberto = 1.085.454; Déficit
de Vagas = 728.235. Cf:
http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/diagnostico_de_pessoas_presas_correcao.pdf
61
Notícia disponível em < http://www.conjur.com.br/2016-mai-13/estado-retomar-imovel-ocupado-
aval-judicial-pge-sp>. Acessado em 28/04/2017.
Parecer nº 193/2016 disponível em < http://s.conjur.com.br/dl/estado-retomar-imovel-ocupado.pdf>.
Acessado em 28/04/2017.
177
direito do Poder Executivo, o que não pode ser entendido como direito, mas como
expectativa e manifestação irrestrita de poder. A polícia, embora presente em todas
as civilizações modernas ditas civilizadas, é um espectro que ronda
assombrosamente a vida, e sua violência não pode ser definida, pois não se
enquadra essencialmente em qualquer categoria. Se a violência policial é concebível
no absolutismo, donde a lei, o juízo e a execução se concentram numa só pessoa,
ou seja, numa só vontade ilimitada; o que fundamenta a violência policial numa
Democracia? (Ibidem, p.136).
Essa amostra do poder violento comprova que certas características da
ditadura perduram nas instituições brasileiras. A injustiça foi justificada pelo Direito; a
Democracia do processo legislativo, descartada pelo Legislativo; a tão clamada
“ordem pública”, desordenada a mando do Executivo.
O massacre ocorrido no Centro Cívico de Curitiba explicita que todo direito só é
respeitado, destruído ou instaurado enquanto haja poder para tal. As noções
contratualista, naturalista e metafísica do Direito não se sustentam enquanto a
realidade empírica pressupor uma quantidade de poder a todo direito. Enquanto a
vontade de poder de dominação do Governo e sua capacidade de organização
forem maior que a vontade de poder de participação, de Democracia, a dominação
há de triunfar, levantando a questão: o povo detém poder suficiente para, no mínimo,
manter seus direitos?
Conclusão
Referências
BENJAMIN, Walter. Escritos sobre mito e linguagem. In: ______. Para a crítica da
violência. Tradução de Ernani Chaves. 2ªed. São Paulo: Duas Cidades: Editora 34,
2013.
62
Professora Me. da Universidade Estadual de Londrina e coordenadora do grupo de pesquisa “Os
homicídios de defensores de direitos humanos como expressão dos limites da efetividade dos direitos
humanos no Estado brasileiro”. E-mail: ejdmitruk@hotmail.com
63
Acadêmica de direito da Universidade Estadual de Londrina e colaboradora do grupo de pesquisa
“Os homicídios de defensores de direitos humanos como expressão dos limites da efetividade dos
direitos humanos no Estado brasileiro”. E-mail: lliviamleite@gmail.com
64
Acadêmica de direito da Universidade Estadual de Londrina e colaboradora do grupo de pesquisa
“Os homicídios de defensores de direitos humanos como expressão dos limites da efetividade dos
direitos humanos no Estado brasileiro”. E-mail: marinamarquessasouza@gmail.com.
182
Introdução
65
Para o professor espanhol, a dignidade não deve ser compreendida como o simples acesso aos
bens, mas sim como um acesso igualitário e que não esteja hierarquizado por processos de divisão
do fazer que coloquem alguns em posições privilegiadas e outros em situações de opressão e
subordinação. Além disso, ela é um fim material, ou seja, um objetivo que se concretiza no acesso
igualitário e generalizado aos bens que fazem com que a vida seja “digna” de ser vivida (FLORES,
2009).
187
Ao propor uma teoria crítica dos direitos humanos, Herrera Flores pretende,
como aduzido, romper com paradigmas ocidentais pré-estabelecidos do que venham
a ser direitos humanos. Ora, Flores rejeita qualquer espécie de definição
etnocêntrica com o fito homogeneizador dos referidos direitos, consolidando uma
teoria contextualizada no desenvolvimento de povos e de diferentes culturas -
direitos humanos como produtos culturais. Nesse diapasão, o professor propõe
práticas sociais críticas, por meio de uma simbiose entre teoria e práxis, a fim de
propiciar um terreno seguro e preciso para aqueles que lutam diariamente em prol
de uma vida digna. Vale dizer, para seres humanos concretos e reais que enfrentam
uma realidade repleta de opressões e injustiças.
Ora, teorias procedimentais e neocontratuais delinearam um conceito puro e
universal dos direitos humanos como exclusiva forma de ação social e jurisdicional,
ignorando diferentes vias de dignidade, ante a multiplicidade de exclusões com as
quais os atores sociais padecem cotidianamente. Ademais, ao rejeitar a
interculturalidade das ações humanas, as teorias hegemônicas deixam de abarcar
em seu campo de estudo questões imprescindíveis para uma análise autêntica da
dignidade - conteúdos ontológico, ético e político.
188
Nesse aspecto, a implosão do ethos não mais suporta uma leitura estática da
dignidade e, assim, requer práticas “reais e concretas que fazem das lutas pela
dignidade humana uma constante na história da humanidade” (FLORES, 2009, p.
15). Ao refutar a ideia de universalidade dos direitos humanos, a teoria crítica
denuncia o caráter de exclusão das culturas ocidentais ao caracterizar o outro como
incivilizado. Copelli (2014, p. 271) sintetiza o compromisso teórico assumido por
Herrera Flores:
Resta claro, a partir do exemplo dado, que a negação subjaz à afirmação. Quer
dizer, é insuficiente apregoar premissas puramente negativas, as quais negam
possibilidades de romper a cumplicidade entre o ordenamento jurídico e o poder
hegemônico. Faz-se necessário, antes de tudo, reconhecer a diferença da teoria
crítica quanto às concepções política, social e cultural das teorias tradicionais. Nesse
aspecto, segundo Korsch, ao interpretar Karl Marx, o relevante consiste em “mostrar,
em iluminar as relações entre os fenômenos, antes que meramente negá-las e não
saber, desse modo, onde e em que estamos pisando” (KORSCH, pp. 224-225).
Em terceiro lugar, pensar as lutas pela dignidade humana significa
problematizar a realidade.Ao pensar de outro modo, emergem novas problemáticas
e, consequentemente, a necessidade de fundar novas formas de apropriação teórica
e prática do mundo. A partir dessa perspectiva, cria-se a “possibilidade de que o
sujeito que pensa e atua questione positivamente as relações que se nos
apresentam como imutáveis [...]” (FLORES, 2009, p. 29). Ora, não constitui objeto
da teoria crítica negar todo e qualquer modo tradicional de abordagem dos direitos
humanos, mas a afirmação de problematização. Trava-se, portanto, um
enfrentamento com a concepção filosófica hegemônica, que, ao considerar o
pensamento como algo neutro e universal, nega os direitos humanos enquanto
produto culturalmente concebido.
Outrossim, ao propor a problematização da realidade, Flores revela a
indispensabilidade de criação de espaços destinados a promover encontros
positivos, em que militantes pela dignidade humana possam intervir no mundo e,
assim, atuar de forma conjunta nos acontecimentos cotidianos (FLORES, 2009, p.
30).
Em quarto lugar, a teoria crítica de direitos humanos de Herrera Flores propõe
caminharmos das utopias rumo às heterotopias. O autor engendra uma nova
conceituação ao que vem a ser utopia, entendida “não como um projeto irrealizável
ou transcendental, mas como um impulso ou um caminho
a ser percorrido ativamente” (GRUBBA, 2015, p. 22). Não constitui pretensão do
autor construir uma utopia alheia às possibilidades humanas de transformação da
realidade, em notória dissonância da forma ocidental de lutar pela dignidade humana
descontextualizada dos modos de existência dos atores sociais.
A fim de elucidar as proposições contidas na quarta decisão inicial, o autor cita
expoentes utópicos, dentre ele Thomas More, responsável por cunhar um conceito
192
Considerações finais
Referências
66
Jornalista, especialista em comunicação popular e comunitária e mestrando em comunicação visual
pela Universidade Estadual de Londrina.
67
Termo pensado a partir de Alistar Thompson, "composição da memória", é usado para descrever
um processo vivo e dinâmico de significação que vai além do recompor ou reviver e relaciona ação,
linguagem, passado, presente, singular, coletivo, tradição e cultura. (THOMPSON, 2006, p. 56)
68
A precarização da educação pública está em consonância com as políticas do Banco Mundial.
(LIMA, 2011, p. 86-94) é um processo moroso que, aos poucos, a formata sob preceitos neoliberais,
consolida o eixo privado, hipertrofia o controle empresarial e governamental, limita a autonomia e a
liberdade. (LEHER, 2005, 2014) O Paraná não foge a regra, entre 2003 e 2012, comprometeu grande
montante para a dívida pública, mas essa dívida aumentou. Em paralelo, desde o governo Lerner
(1995-2002) os recursos da educação superior pública vem sendo percentualmente reduzidos ao
comparar receitas e despesas. (REIS, BOSIO & DEITOS, 2015)
69
Ricardo C. Oliveira (2001) demonstra, em estudo histórico e genealógico, a presença constante das
famílias tradicionais na formação da classe dominante paranaense.
70
Entre os autores contribuíram na discussão da metodologia da história oral estão Paul Thompson
(1992), Antonio Torres Montenegro (2003), Marieta Ferreira e Janaina Amado (2002).
71
Em Paulo Freire buscamos o conceito de comunicação como encontro. (FREIRE, 1971, p. 67-9
apud MEDITSCH & FARACO, 2003, p. 27) E, para Rozinaldo Miani (2011), a expressão comunicação
popular e comunitária carrega um significado diferente de comunicação alternativa, de comunicação
popular ou de comunicação comunitária.
196
E.. aí foi muito tenso porque daí o dia todo foi de terror psicológico, né?
72
A transcrição completa das entrevistas apresentadas nesse artigo podem ser encontradas na
monografia apresentada em 2016. (CHICARELLI, 2016)
197
O que a gente mais viveu ali foi terror psicológico. Os caras passando
armados dentro do nosso acampamento, câmeras, os snipers em cima
dos prédios, sabe? Fotógrafos da polícia tirando fotos da gente ali, sabe?
E tipo toda hora gente querendo escutar o que a gente tava conversando
dentro do acampamento..
Após entrada festejada no centro cívico, saudados por dois carros de som da
APP Sindicato e pelos manifestantes que já estavam no local, iniciamos a montagem
das barracas sob a presença ostensiva de homens que se aproximavam
despretensiosamente em suas calças jeans, jaquetas esportivas e tênis nike:
73
Voltaremos a falar a seguir sobre o uso de etiquetas como “comunistas”, “ptistas”, “vândalos”, “black
blocs” e “baderneiros” como parte da estratégia da repressão.
74
Disponível em: http://www.alep.pr.gov.br/legislacao/regimento_interno Acessado em: 20/01/2016.
198
É importante ressaltar que, ao contrário das acusações que nos foram feitas
publicamente, a formação de um grupo Black Blocs não foi nosso plano de ação,
pelo contrário, tinhamos esperança de que os gritos pacificamente emitidos no
“centro cívico” fossem ouvidos. Essa compreensão sobre a necessidade e
importância da tática black bloc só se tornou mais presente após a volta:
Voltando ao dia 27, o clima parecia acalmar enquanto nos ocupávamos com os
pequenos afazeres da vida comunitária, cozinhávamos e o sol se dissipava. Após a
meia noite, porém, fomos acordados com um violento ataque policial:
Eu lembro que a princípio foi um dia [..] tranquilo [..] tinha um pessoal
ainda brincando [..] se não me engano jogando baralho..
Até na hora de a gente dormir, né (risos). E eu tava lá bem de boa,
achando que eu ia ter uma noite tranquila, gostosa, maravilhosa..
E aí eu lembro que ficou uma movimentação que eu não entendi nada do
que estava acontecendo. Aí eu levantei assim, meu, que que vocês tão
me acordando? Tava aqui bem de boa dormindo. E aí de repente eu só
sai e o acampamento inteiro, né? E aí eu só vi o pessoal do CONLUTAS
199
que tava ali do lado também saindo correndo: Acorda! Acorda! Acorda!
Foi a primeira vez que tivemos certeza que nossa cidadania estava negada.
Proibidos de entrar na ALEP, de retransmitir o conteúdo das sessões por meio de
um carro de som, alvejados com spray de pimenta e arrastados pelo chão. O
sentimento de revolta aumentava. Mas, no dia seguinte a situação ficaria ainda mais
200
tensa.
No dia 28, a APP Sindicato tentou posicionar um novo caminhão próximo a
Assembleia. Para tentar impedir, o Estado reagiu de modo truculento, usando gás
lacrimogêneo, spray de pimenta, jatos d’água e balas de borracha. Muitas pessoas
sentiam pela primeira vez esse tipo de violência. Curioso é que esse ataque atingiu
até uma repórter da Rede Globo, no ar, ela foi obrigada a fugir do gás lacrimogêneo.
“O caminhão permaneceu mais distante do que se encontrava no dia anterior, tendo
sua chave sido confiscada pelo comando da Polícia Militar". (CALIL, 2015).
E.. A gente viu que tava vindo o ato e desceu lá para o redondo [..] já
começou a movimentação da polícia de querer fechar a rua [..] colocar
os carros na rua. [..] aí o caminhão chegou e a polícia descendo e, tudo
aquilo, será que vai ter conflito? Será que não vai ter? Aí nessa a gente
começou a [..] pegar o carro da polícia e [..] tirar ele da rua para passar
[..] vieram alguns policiais que eu acho que foi mesmo psicológico de
querer enfrentar ali uma multidão [..] sozinho ali com spray de pimenta e
a galera juntou esses policiais [..] abraçando eles mesmo e jogando de
lado, falando [..] deixa a gente [..] Não tinha um confronto tão direto
assim, uma raiva tão grande. Aí conseguimos tirar o carro da polícia. [..]
mas daí nisso, a hora que o caminhão tava vindo mais perto [..] a choque
avançou lá de longe. Aí eles já começaram a fechar assim em volta a rua
[..] Daí teve bomba [..] um armamento mais pesado [..] eu não sabia
como reagir as bombas [..] passei mal num momento, tipo, inalei
bastante.
Ai nessa hora que você começa a aparecer, a polícia vem bem na veia
[..] eu senti o poder dela. [..] eu entrei na frente do caminhão lá com as
outras pessoas e chamando o caminhão [..] o caminhão começou a
avançar ali para a calçada, aí a polícia veio com toda a força [..] e
começou a bater e tacar gás lacrimogêneo e até então eu só escutava o
efeito desse negócio e eu nunca tinha sentido na pele. Nunca mais quero
sentir. O spray de pimenta é uma coisa que arde tremendamente, você
perde assim a respiração por conta da ardência das vias aéreas, só que
o gás lacrimogêneo esse é triste de mais. Eu pensei que ia morrer. [..]
São certas cenas assim que não saem da minha cabeça, eu nunca
imaginei que ia passar por isso, foi bem foda para mim. É, teve um
policial lá cara que ele ficou frente a frente comigo [..] Não esqueço da
75
“Estas situações são limites porque produzem muita tensão e obrigam as pessoas a viver situações
muito extremas, ainda que com o tempo vão se tornando “habituais”. (BERISTAIN, RIERA, 1993, p.
39, tradução nossa).
201
cara daquele cara e eu nunca vou esquecer [..] com o cassetete na mão,
numa mão, e a bomba de gás lacrimogêneo na outra. [..] ele tava atrás
de um cara com escudo. Só que, naquele vuco vuco aquele cara de
escudo saiu e esse policial ficou na minha frente com o cassetete e com
a bomba de gás lacrimogêneo e ele tava pronto para tacar. E aí eu fiquei
na frente dele e falei, não, não precisa disso, não precisa disso, tá todo
mundo saindo. E ele ficou "SAI SAI" com um olhar de ódio assim que eu
nunca vou esquecer. E aí que ele chegou, me deu um chute, aí eu caí no
chão, ele sentou o cassetete em mim e tacou a bomba [..] Assim, do meu
lado. E nisso, meu amigo, eu pensei que ia morrer. Eu nunca tinha
sentido nada parecido velho. [..] eu não conseguia mais respirar [..]
enxergar. Com uma ânsia de vômito tremenda. [..] parecia que tinham
ligado uma torneira de baba na minha boca e de muco no meu nariz que,
sem controle, começava a sair, sair e eu não conseguia respirar e
comecei a correr, tentar correr e cambaleando e capotando no chão e
aquela montoeira de gente já havia deitado no chão desmaiada, com a
máscara inteira vomitada e eu falei, meu Deus, to ferrado. E sai
correndo, quando eu tava desistindo já, foi meu anjo da guarda. O cara
chegou num momento e aí já me deu os [..] antídotos todos [..]. E
gozado, eu tava com o negócio na bolsa e não usei. Porque você não
tem reação cara [..] Não tem reação nenhuma. [..] E foi por conta desse
cara que eu consegui me safar.
No dia 29, a expectativa era grande pois corria a notícia de que o projeto de Lei
seria votado e, possivelmente, aprovado na assembleia legislativa. Entre os cerca de
20 mil manifestantes, estavamos diante de um efetivo policial ainda maior e que
parecia intransponível. Quando a votação do projeto de lei começou, ignorando a
voz popular do lado de fora, a situação saiu do controle. Estremeceram as grades de
contenção e durante as horas que se seguiram sentimos o ódio e a violência do
Estado que, por sorte, não resultou em mortes. Cicilia Peruzzo lembra que, para
existir, cidadania pressupõe também direitos de expressão e de interferir na política:
Ah, tá comigo. Te peguei [..] Seu black bloc. Aí eu fiquei desnorteada [..]
sem saber o que que o cara tava falando porque tava sem farda ainda,
né? Aí nessa hora eu me toquei que era policial disfarçado, tipo, caiu a
ficha. Sabe? Tudo. E ai.. Foi até engraçado porque eu ria, assim, eu
fiquei, tipo, o quê? Que que você tá falando? daí eu só falei assim para
ele: moço, eu chamei de moço (risos). Eu falei moço eu não sei o que
você tá falando, para onde você tá me levando? daí ele, ah, você é Black
Bloc, você tá de preto. E eu tava de cinza, um suéterzinho cinza e uma
calça verde. [..] me senti numa cena de filme [..] que eles colocam em
silêncio tudo em volta [..] vi eles levando a gente no palácio [..]
Lembro [..] duas mulheres assim, entraram na sala e olharam para mim e
elas falaram, ah, essa daí? Eles falaram: é. Aí elas falaram vem comigo.
daí me puxou pelo braço assim, eu não sabia o que ia acontecer.
Puxaram pelo braço e aí começaram a meio que me empurrar assim
para ir para uma salinha [..] eu lembro que nessa hora eu falei para o
pessoal, tipo, ó, as bolsas com vocês [..] não deixa levarem embora,
sabe? Porque eu tava com medo deles [..] forjarem provas [..] Mas aí
não aconteceu isso porque a gente falava toda hora para a gente
carregar as bolsas.
..elas ficavam meio que empurrando eu para ir para a salinha. Aí chegou
na salinha, elas fecharam a porta, eu nem imaginava o que ia acontecer,
quer dizer, tinha uma ideia né? Que era para a revista mas não
imaginava que ia ser de tirar a roupa toda né? Aí elas falaram ah, tira a
roupa. Ai.. Eu falei, perguntei né? O que que eu fiz? Porque que tavam
fazendo aquilo? Elas ficavam me xingando de vadia, de vagabunda,
manipulada, falaram que eu era manipulada pelo PT e que não tinha
nem ideia do que tava acontecendo. [..] E nessa hora passa mil coisas,
você pensa em todas as situações que é possível para você estar ali.
Tipo, o que é que você fez para você estar ali. E você acaba até
pensando que você fez mesmo alguma coisa, sabe? É uma pressão
psicológica muito grande que fazem.
Teve deputado que falou que lá fora era outro mundo do que tava
rolando ali dentro. Sendo que [..] era totalmente junto [..] tava
acontecendo só por causa do que estava acontecendo lá dentro. E acho
que, sei lá, foi uma parada que marcou pra caralho assim. Até para o
curso [..] três dias de aula assim que valeu por mais esses dois meses
de greve [..] por várias paradas assim que marcaram para outras coisas
que virão pela frente, outros confrontos que virão com certeza, porque o
governo não recuou, ele só avançou mais. Então eu acho que vai
continuar, acho que eu vou ver na minha vida porque é uma coisa bem
difícil a galera, tem poucas pessoas que querem realmente mudar
alguma coisas assim e que vão mesmo.
Ah, isso mostra como que a nossa organização é [..] totalmente inferior
perto do aparato repressor que o Estado tem [..] Acho que o que me
marcou foi depois de tudo, a gente recolhendo acampamento, eramos
um dos últimos a sair assim. Isso foi o ápice pra mim. Eu senti na pele o
sentimento de como que é [..] um homem bomba. Tá ligado? [..] você tá
lá num país e sua família inteira, seus amigos são arrasados por uma
bomba. E é totalmente desproporcional ao que você tem ali no momento.
E você se sente muito inferior a isso e não tem o que fazer. Foi o
sentimento de inferioridade que eu senti quando a choque se organizou
lá no lado da praça e eles fizeram uma marcha assim, meio que uma
dinâmica entre eles e eles começaram a bater os cassetetes no escudo
assim e começaram a gritar: "Choque!" E era muito forte: "Choque!"
Esse tipo de trauma ou sentimento pode surgir após situações limites. Por isso,
preocupações e questões éticas se apresentam ao pesquisador dessa temática;
Para resistir e manter processos transformadores, é importante que as comunidades
também pensem as consequências e objetivos da repressão.
Observando experiências ditatoriais e situações limite que ocorreram na
América Latina, Carlos M. Beristain e Francesc Rieira definem as consequências da
repressão e desenvolvem propostas de trabalho em grupo para superar os traumas
da violência. Para os autores, a repressão política é intensa hoje na América Latina
204
mesmo diante das democracias e tem uma série de finalidades. Entre elas: Romper
o tecido coletivo, solidário, identitário e fazer com que as pessoas deixem de
participar das ações comunitárias, controlar o inimigo interno culpabilizando as
pessoas e grupos para legitimar a repressão, intimidar a população estendendo o
medo a familiares e membros da comunidade, implantar a impunidade e transformar
a população em colaboradora. (BERISTAIN, RIEIRA, 1993, p. 23-30).
Os grupos populares, quando organizados, põe em xeque a autoridade e
passam a exigir a redistribuição das riquezas e participação na gestão política. Mas,
a classe dominante precisa da submissão para impor medidas que permitam manter
um processo de exploração, ou seja, a apropriação de riquezas pela minoria
dominante. A repressão é utilizada tanto para quebrar as convicções pessoais
quanto romper os processos de unidade das comunidades que demonstrem ter as
mesmas necessidades, os mesmos ideais, em uma verdadeira guerra psicológica:
76
Um documentário interessante que discute a formação de montagens policiais chama-se “Caso
bombas”, ele relata montagens policiais que vem acontecendo no Chile desde a ditadura militar até
os anos mais recentes e vincula essas montagens com uma estratégia militar. Disponível no youtube
em: https://www.youtube.com/watch?v=jtjI-DDyWwc
205
77
Notícia completa disponível em:
http://www.paranaonline.com.br/editoria/policia/news/875924/?noticia=FRANCISCHINI+COLOCA+A+
CULPA+EM+BLACK+BLOCS+POR+GUERRA
78
Não foi possível constatar em nenhum outro registro a presença do Francischini na ocasião, o
objetivo do estudo entretanto não é registrar uma história oficial, mas sim destacar a forma como os
estudantes viveram e sentiram esses momentos, a imaginação e o exagero em alguns relatos, se
existem, podem ser indícios do medo e do terror vividos durante esses três dias.
206
medo sabe? Com medo de participar das assembleias que teve depois,
com medo de sair de casa. [..] Foi pra mim acho que a violência
psicológica foi mais pesada assim porque eu ficava com medo de sair de
casa [..] E eu acho que muita gente tem isso diariamente só que eu
nunca tive isso então para mim foi um baque muito grande mesmo e que
eu não queria sair de casa. E quando eu saia eu saia com medo, sabe?
Tanto é que chegou minha família assim com muito medo também. E,
nossa, eu senti que minha vida não ia voltar ao normal, ao que era antes,
sabe? Se eu não parasse e desse um tempo de tudo isso, sabe? [..]
Então tipo o ambiente pelo ou menos em casa tava péssimo, sabe? [..]
Ficou uns meses assim. Mas aí quando eu parei, então eu vou parar de
ir nas reuniões porque só assim, porque eu tava sofrendo pressão da
família para parar, sabe? Por mais que eu queria continuar na militância,
[..] então eu acabei resolvendo [..] me afastar. [..] Mudou o rumo da
minha história. Porque eu acho que eu sou uma pessoa totalmente
diferente depois daquilo [..] E acho que [..] a paixão pela psicologia
cresceu um pouco [..] como poderia ser minha militância como profissão.
Então, isso que eu acho que foi o mais bonito que aconteceu, sabe?
79
Beto Richa em entrevista concedida para a RPC TV .
..eu sei muito bem qual o tratamento que a polícia tem. Sobretudo por
ser negro, sobretudo por ser pobre, por vir da periferia, por morar ainda
na periferia em São Paulo. A polícia nunca chega para trocar ideia de
boa comigo. Porque eu já sou para eles o suspeito padrão, né? Olham
já, o que chega antes quando ela me vê é a cor da minha pele. Então por
eu ser negro eles já vem suspeitando e sempre vão abordar de uma
forma truculenta. Ah, o que você tá fazendo aqui? Ah, eu sou tal pessoa,
eu sou estudante da Universidade Estadual. Ahh, estudante? Tu é
estudante memo? [..] Mas eu não acreditava que a polícia seria tão
truculenta justamente por ser uma manifestação de professores. [..] E de
fato muitos professores e professoras [..] traziam essa perspectiva [..]
Eles tão entendendo a gente porque o Governador não tá dando
aumento que eles querem e tal. E a gente sempre falava enquanto
Levante, cantava as musiquinhas de agitação falando que ela é injusta,
80
que ela é racista, que ela mata e é a polícia e tals. Porque [..] o Levante
tem uma maioritária gente preta. E uma majoritária gente preta e pobre
que tá ocupando os espaços das Universidades [..] Então a gente [..] tem
uma relação muito zoada com a polícia. Entendeu?
Porque eu acho que quando a gente voltou muita gente ficou muito
revoltada com a polícia militar porque o policial militar, o que tá lá na
linha de frente e que tava tacando bomba as vezes ele também é uma
pessoa que é mal remunerada, é uma pessoa que expõe muito a vida
dele para servir um Estado, Para servir um propósito fascista do Estado.
Enfim, eu não sei. É foda você criticar a pessoa. Mas a polícia militar é
uma instituição que não deveria existir. Não devia existir polícia militar
mais. Devia ter acabado junto com a ditadura.
79
Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/quem-saiu-mais-machucado-fui-eu-diz-beto-richa-
sobre-acao-violenta-da-pm-contra-professores-16104091
80
Referindo-se a sua organização: Levante Popular da Juventude.
208
estudantil:
De Curitiba para Londrina [..] sonhei a noite inteira que eu tava lá no dia
29 de abril [..] não tinha fome [..] Não conseguia pensar em outra coisa
se não o que eu tinha passado lá.
Em um primeiro momento essa foi a forma mais segura que encontrei para lidar
com a situação. Em um mundo ideal, novos encontros poderiam desencadear
processos e ajudar na composição dessas memórias. Como não foi possível fazer
novas entrevistas dentro do prazo para a conclusão da pesquisa, continuei em
contato com essas pessoas no cotidiano e pude ver como, aos poucos, estavam
superando suas dores e falando com mais facilidade sobre esses temas.
Mesmo assim, essa pesquisa foi também uma oportunidade de compor a
situação limite, contribuiu nesse processo e pode ajudar a combater o silêncio:
Tem que contar essa história, tem que contar o que aconteceu,
entendeu? Não pode passar impune. E essa é uma forma de começar a
trabalhar a mentalidade dessa galera que vai nos substituir futuramente
para pensar, ó, aquilo não foi justo e o que está acontecendo também
não é. Como que a gente vai mudar? Entendeu? E precisa desses
relatos, não pode deixar passar em branco. As fotos, as entrevistas do..
né? De tudo que a gente viveu..
No que você disse, de ah, o que faria de para mudar o mundo? Escrever
uma memória disso é uma delas. E eu acho que você tá fazendo, então
eu acho que é por esses caminhos mesmo. Eu acho super importante,
principalmente diante do que aconteceu tem que ser relatado, tem que
211
ser guardado, já ficou, mas a gente não pode deixar apagar a chama,
né? Não pode deixar daqui dois três anos, falar que dia 29 de abril não
foi dia 29 de abril. (risos). Entende?
Considerações Finais
81
Peruzzo (1995) define o termo participação como "o acesso, o tomar parte, o partilhar", cita
possíveis níveis de participação que vão desde o menor, da informação até o maior, da autogestão e
propõe uma separação em três modalidades de participação popular: A participação passiva, a
controlada e a participação poder.
212
colaboradoras das classes dominantes. A comunidade estudantil, por sua vez, criou
de forma espontânea uma série de dinâmicas que foram desde assembleias até
ações diretas para conviver com essas marcas e seguir lutando.
Essas experiências também são importantes, pois como indicado em diversas
entrevistas, a força repressora do Estado não deixou de existir após a semana do
dia 29, mas segue fazendo suas vítimas. Nesse sentido, outro contexto que nos
parece importante investigar são as consequências e contextos dessa militarização
sobre o cotidiano das comunidades e classes subalternas.
Nesse sentido, a metodologia da história oral é mais uma ferramenta que pode
ser apropriada pelas comunidades. É uma forma mais participativa de se narrar o
vivido. Ao difundir a sua versão dos fatos, as comunidades estão combatendo o
silêncio, disputando significados e auxiliando a desfazer as possíveis distorções
impostas pelos setores dominantes, sobretudo num contexto de concentração dos
meios de comunicação. Mais que isso, estão criando espaços de troca de
experiências, tão fundamentais para os processos de luta.
O estudo dos contextos, a análise das entrevistas e das experiências permitiu
apontar duas dimensões políticas em contraste: por um lado, a comunidade
estudantil que busca autogerir suas lutas, por outro, a política de um setor
dominante do Estado que se considera no direito de usar o monopólio da força
policial para impor seus interesses. Dessa forma, a auto-organização comunitária e
a ação direta como forma de organização, educação e comunicação, embora difícil,
repleta de obstáculos, parece ser a via de expressão política possível para as
comunidades formadas nas classes subalternas. No retorno daqueles que
acreditaram na cidadania algumas coisas se notam. No olho, lágrimas, no corpo,
marcas da violência, no coração, desafio de transformar a dor em combustível para
se organizar e se unir por transformações sociais mais profundas: Aquele lugar não
é centro, nem é cívico. A cidadania possível no Paraná parece ser aquela a ser
conquistada nos processos de luta.
Referências
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=
10733%3Asubmanchete050515&catid=72%3Aimagens-rolantes. Acesso em
12/08/2015.
http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/48.pdf
Pablo Polese82
82
Doutor em Serviço Social pela UERJ. Pós-doutorando em Serviço Social pela UEL. Contato:
pablopolese@yahoo.com.br
216
que “em parte alguma isso é mais evidente do que em seus contínuos esforços para
reformar o sistema de justiça criminal, uma instituição americana que encarcera
cerca de 1 milhão de negros”.84
A indústria prisional privada é um veículo bastante eficiente para as lucrativas
práticas de corrupção na relação entre Estado e empresas às custas da população a
ser encarcerada, que é tipicamente pobre, de cor85 e indefesa em termos políticos e
econômicos. O órgão de Imigração e Alfândega (Immigration and Customs
Enforcement - ICE) dos EUA, por exemplo, possui acordos com empresas privadas
do ramo prisional para deter um mínimo garantido de mães com seus filhos
imigrantes em Centros de detenção familiar. 86 A lógica é simples: no contrato com as
empreiteiras e empresas privadas do setor o Estado se compromete a pagar por um
número mínimo de vagas da prisão a ser construída e gerida, estejam estas vagas
preenchidas ou não. O mesmo modelo vem sendo aplicado em outras experiências
de privatização e “parcerias público-privadas” pelo mundo, inclusive no Brasil. Como
o governo gostaria de evitar pagar por um espaço de detenção que não está sendo
usado (o que poderia gerar protestos populares pela má gestão dos recursos
públicos etc.) os “mínimos” garantidos se convertem em cotas locais de detenção
que influenciam a tomada de decisões do setor de imigração sobre a aplicação das
leis de entrada e saída das pessoas, se elas serão ou não liberadas, onde serão
detidas etc.
Poderosas, as empresas do setor prisional exercem forte pressão nos rumos e
na dinâmica do sistema de justiça dos EUA, com ações estratégicas que vão desde
o financiamento de campanhas de deputados e senadores que uma vez eleitos
apresentarão projetos de lei favoráveis aos interesses de tais empresas, até o
suborno puro e simples de pessoas ligadas ao executivo e judiciário. O custo dos
lucros das empresas do ramo prisional é o encarceramento em massa da população
negra e marginalizada do país, com destaque para os imigrantes. 87 Para se ter uma
84
http://www.economist.com/blogs/economist-explains/2016/01/economist-explains-19.
85
De acordo com as estatísticas do Departamento de Justiça estadunidense os negros não-
hispânicos representam cerca de 13% da população da América e cerca de 40% da sua população
prisional.
86
https://popularresistance.org/private-prisons-making-deals-to-lock-up-more-immigrant-women-
children/
87
https://popularresistance.org/private-prisons-getting-rich-by-abusing-immigrants/
218
ideia, em fins de 2016 uma das instalações prisionais no condado de Cibola, Novo
México, foi fechada e reaberta como um Centro de detenção de imigrantes. 88
Com influência direta sob os três poderes do Estado e meios de lucrar em cada
etapa do processo de encarceramento como um todo, a lucratividade do
empreendimento tem sido garantida.89 Essas corporações do ramo prisional ganham
dinheiro em quase todas as fases do sistema punitivo vigente no judiciário
estadunidense: processamento de multas, monitoramento de pulseiras de tornozelo,
testes de drogas etc. Os sub-ramos do setor são muitos, e as oportunidades
lucrativas vêm sendo aproveitadas. A Global Tel-Link, por exemplo, fornece serviços
de telefonia e videochamada para 2.400 instituições prisionais federais, estaduais e
municipais, abarcando 1,3 milhões de prisioneiros. Quanto à saúde dos detentos,
apenas três empresas fornecem os medicamentos prescritos para os presos: a
Correct Rx, a Diamond Pharmacy Services e a Maxor Correctional Pharmacy
Services. Enquanto isso, a Aramark detém os direitos de fornecimento de cerca de
380 milhões de refeições por ano a instalações correcionais na América do Norte,
sendo alvo de inúmeras acusações quanto à qualidade dos alimentos e chegando a
perder, em 2015, seu contrato com o Estado de Michigan devido à presença de
vermes na cozinha, drogas sendo contrabandeadas por seus funcionários e
envolvimento de trabalhadores da empresa em atos sexuais com prisioneiros. 90 Os
presos recorrentemente reclamam e protestam contra as questões sanitárias do
cotidiano prisional, além disso a predominância da lógica do lucro na gestão das
prisões leva à piora dos serviços prestados. A testemunha “4” de um projeto de
entrevistas com presos (detalhado mais abaixo) deu o seguinte depoimento:
88
https://www.theguardian.com/us-news/2016/nov/01/jose-jaramillo-private-immigration-prisons-
medical-care
89
https://popularresistance.org/private-companies-making-killing-in-justice-system/
90
http://www.aramark.com/landing-pages/corrections-facts
219
Toda vez que alguém entra e tenta ajudar a todos, eles levam a pessoa
para longe. Não é o doutor, é o prestador de serviços de saúde que os
expulsa. Porque eles têm uma certa quantia de dinheiro por ano para
cuidar de nós e quando não gastam mais que isso, é lucro para eles.
Assim, quanto menos eles fazem por nós, mais sobra para eles.
Além do lucro pela via dos contratos com o Estado, muitas empresas lucram
por meio da exploração da mão-de-obra dos detentos, que custa entre 90 centavos
e 4 dólares por dia, portanto muito menos do que os 7,25 dólares/hora
correspondentes ao salário mínimo de um trabalhador livre nos EUA. Além disso, as
empresas se beneficiam do fato de que, na prática, não existirem incômodos com
direitos trabalhistas dos presos, greves, sindicalização etc. Dentre estas empresas
pode-se citar o McDonalds, que usa prisioneiros para produzir alimentos
congelados, a Wendy's, que depende do trabalho prisional para reduzir o custo no
processamento de carne de vaca, o Wal-Mart, que contrata presos até mesmo para
limpar o códigos de barras de produtos a serem revendidos, o Starbucks, que por
meio de subsidiárias corta custos com embalagens de café, a Sprint e a Verizon,
que colocam presos para atuar em serviços de telecomunicações e call centers, a
Victoria's Secret, que contrata mulheres presas para costurar produtos e substituir as
etiquetas “made in” por “Made in USA”, além de centenas de outras empresas de
diversos ramos. A economia trabalhista penitenciária rende US$ 2 bilhões por ano e
emprega cerca de 900.000 pessoas nos EUA. O trabalho dos presos é
frequentemente usado pelos governos estaduais para compensar seus próprios
orçamentos curtos, e mesmo empresas high-tech, como a IBM, a Boeing, a Microsoft
e a AT & T fazem uso da mão de obra carcerária. Como se não bastasse o lucro via
superexploração do trabalho dos presos, há ainda o Crédito Tributário por
Oportunidade de Trabalho (Work Opportunity Tax Credit - WOTC), por meio do qual
as empresas ganham um crédito fiscal de 2400 dólares por cada preso empregado,
uma recompensa por dar emprego a “grupos de risco”. 91
Recentemente, o Procurador-Geral Jeff Sessions enviou a Thomas Kane,
diretor do Federal Bureau of Prisons um Memorando contrapondo-se às iniciativas
91
https://popularresistance.org/who-are-the-prison-profiteers/
220
da gestão Obama92 que iam no sentido de reduzir e acabar com o uso de prisões
privadas pelo Departamento de Justiça federal. 93
Segundo Sessions, acabar com os contratos entre Estado e empresas
prisionais foi uma medida que “prejudicou a capacidade da agência de atender às
necessidades futuras do sistema correcional federal”, e que “portanto, direciono a
mesa para retornar à sua abordagem anterior”. Trata-se de uma abordagem
conforme à proposta de Trump de anulação do legado de Obama para as prisões
federais. Em resposta, a American Civil Liberties Union (ACLU) publicou uma nota94
onde David C. Fathi, diretor do Projeto de Prisão Nacional da ACLU, dizia o
seguinte:
96
https://www.theguardian.com/us-news/2017/feb/09/donald-trump-police-crime-executive-orders-
taskforce-cartels.
97
http://edition.cnn.com/2017/02/23/politics/white-house-marijuana-donald-trump-pot/.
98
https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2017/01/20/trump-faz-juramento-e-se-torna-
o-45-presidente-da-historia-dos-eua.htm.
99
https://www.theguardian.com/us-news/2016/sep/26/rate-murder-fbi-increase
100
https://www.theguardian.com/us-news/2017/feb/10/jeff-sessions-crime-rates-permanent-trend-
attorney-general.
101
O Brasil não detém o monopólio das teorias conservadoras mirabolantes que atuam
convenientemente para a preservação do status quo. Face ao aumento dos dados criminais em 2015
alguns norte-americanos vêm falando em “efeito Ferguson”: a teoria de que os protestos contra o
racismo dos policiais e os assassinatos de negros norte-americanos pelas mãos da polícia seriam os
culpados pelo aumento dos assassinatos: os protestos teriam encorajado os criminosos e tornado os
policiais mais hesitantes em realizar seus trabalhos.
102
Elaborei a tabela detalhada, caso seja do interesse de alguém:
Tabela elaborada por Pablo Polese a partir de dados do FBI, Uniform Crime Reports
preparados pelo National Archive of Criminal Justice Data. Nota: 2013 e 2014 apresentam dados
revisados de estupros. Isso se deve ao fato de que em 2011 o Uniform Crime Reporting revisou o
223
violentos em território estadunidense vem caindo e está atualmente num nível que
representa a metade da taxa nos anos 90.
Gráfico 01 - taxa de crimes violentos nos EUA (1960 a 2015) 1/100 mil pessoas:
Encarceramento & punição para a Prevenção & reabilitação. Apenas 22% dos
entrevistados concordaram com a ideia de que o sistema de justiça para os jovens
deveria “se concentrar em punir os jovens que cometeram atos delinquentes”, e 69%
disseram que o encarceramento não é necessário para ensinar um jovem infrator a
ter responsabilidades por seus atos.
Em 22 de fevereiro Trump anulou a medida de Obama que protegia as pessoas
trans104 garantindo-lhes o direito de escolher qual banheiro usar. No dia seguinte a
medida do governo Obama sobre prisões privadas federais foi de fato anulada,
portanto seu programa de redução do uso de prisões privadas federais foi
desmantelado105, para alegria do que pode ser chamado de complexo industrial-
prisional. Não por acaso, a anulação do programa de Obama provocou picos nos
preços das ações das grandes corporações do ramo prisional, empresas que
contribuíram com centenas de milhares de dólares para a campanha eleitoral de
Trump.
Em agosto de 2016 a The Economist alertara “más notícias” que configurariam
“um golpe para a indústria prisional”. 106 Tratava-se da publicação do memorando de
Yates (citado acima) e do relatório de um Inspetor-Geral107 onde se concluía que a
indústria privada da prisão “sacrifica a segurança na busca do lucro; mantém presos
em confinamento solitário apenas porque as camas são escassas em células
normais; e não fornece aos presos serviços suficientes, incluindo cuidados médicos”.
O susto, no entanto, foi passageiro. Três meses depois, em 9 de novembro –
portanto no dia seguinte à vitória de Trump – a Corrections Corporation of America
(CCA), o maior operador de prisões privadas do país, viu o preço de suas ações
subir 43%. A GEO Group, outra das três maiores empresas do setor (a outra é a
Management & Training Corporation), também viu suas ações subirem 21%.
Certamente uma reviravolta e tanto, que fez os financiamentos de campanha
valerem a pena. As ações destas empresas estão em níveis acima dos 100% desde
104
https://www.washingtonpost.com/local/education/trump-administration-rolls-back-protections-for-
transgender-students/2017/02/22/550a83b4-f913-11e6-bf01-
d47f8cf9b643_story.html?utm_term=.3a4756fb6869.
105
http://jornaldesantacatarina.clicrbs.com.br/sc/noticia/2017/02/governo-trump-anula-medida-de-
obama-que-limitava-prisoes-privadas-9729127.html e
https://www.nytimes.com/2017/02/23/us/politics/justice-department-private-prisons.html.
106
https://www.economist.com/blogs/democracyinamerica/2016/08/profit-and-punishment.
107
https://oig.justice.gov/reports/2016/e1606.pdf#page=2.
225
108
https://www.nytimes.com/2017/02/24/opinion/under-mr-trump-private-prisons-thrive-again.html.
109
https://www.theguardian.com/us-news/ng-interactive/2017/jan/09/special-report-fixing-gun-violence-
in-america.
110
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1745-9125.12070/abstract.
111
Como se vê nas imagens abaixo referentes ao percentual de negros (expresso nas gradações de
cor) e a localização de crimes por armas de fogo (os pontinhos pretos), na cidades de St. Louis e
New York, respectivamente:
226
112
Falo tanto das medidas relativas abrangentes de encarceramento em massa operado pelo Estado,
a proliferação de ideologias punitivistas pela grande mídia, o trato estatal permissivo quanto ao
controle de armas nos EUA e a própria filosofia norteadora da prática policial.
227
deixou claro que não está interessado em passar leis de controle de armas mais
rigorosas, pelo contrário: ele mantém estreitas e amigáveis relações com as pautas
da Associação Nacional do Rifle e provavelmente aprovará uma lei destinada a
tornar mais fácil portar e transportar armas em público em diferentes estados. Além
disso, rompendo com as medidas moderadas de Obama, quando os policiais foram
estimulados a “adotar a mentalidade de guardião - ao invés de guerreiro”, Trump
disse que convocaria sua própria força-tarefa para ajudar a enviar a polícia de volta
à batalha, e já acenou que pretende “proteger os policiais” por meio de medidas
punitivas extremamente rígidas a todo crime ou ofensa contra oficiais das forças
policiais.113
Trump pretende governar com “pulso firme” e tolerância zero. Não por acaso
ocorreu, recentemente, algo inusitado. Em fins de 2014, como resposta ao
movimento “Black Lives Matter”, foi criado nos EUA o “Blue Lives Matter”, um
movimento de apoio a policiais e familiares de policiais mortos em conflito.
Inicialmente, portanto, não se tratava necessariamente de uma afronta de siglas e
forças sociais em conflito, mas tão somente de movimentos de defesa de interesses.
Trump, entretanto, ardilosamente se apropriou da sigla e converteu o Blue Lives
Matter em um “slogan trumpista” claramente contrário ao Black Lives Matter. 114 O
novo presidente dos EUA prometeu, ainda, retomar o fornecimento de armamento
pesado e veículos de combate que foram descartados pelo Pentágono. No passado,
Obama havia colocado restrições a esse programa por conta da preocupação que
se generalizou devido ao uso desses equipamentos contra protestos populares nas
ruas de Ferguson, Missouri, em agosto de 2014. A inclinação para o conflito e para a
governança sem um mínimo de jogo de cintura pode levar Trump e os EUA para
uma era de agudização dos conflitos sociais no país. Isso seria bom ou ruim?
As soluções punitivas no trato de expressões da questão social e em particular
suas implicações criminais não só não resolvem o chamado “problema do crime”
como perpetuam os fatores materiais que levam ao incremento dos níveis de
violência justamente pelas mãos e contra a população “periférica” e de cor,
garantindo assim um círculo vicioso que para os patrões significa lucro e para os
113
https://www.theguardian.com/us-news/2017/feb/09/trump-criminal-justice-reform-police-protections-
obama.
114
http://www.vox.com/policy-and-politics/2017/2/9/14562560/trump-police-black-lives.
228
1 A Greve de 2016
115
Ver os trabalhos de Marildo Menegat, a começar por “A guerra civil no Brasil”. In: O olho da
barbárie. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
116
http://theweek.com/articles/655609/why-no-knows-about-largest-prison-strike-history.
117
https://iwoc.noblogs.org/post/2017/02/26/twin-cities-iwoc-podcast-stories-from-the-inside-the-water-
aint-right/.
118
http://www.iww.org/.
229
O estigma da passagem pela prisão coloca essas pessoas num círculo vicioso
de marginalização social e segregação racial. A pessoa não é mais pessoa, é ex-
detento.119
Nesse sentido me parece que as entrevistas podem se tornar ferramentas de
valor não só em termos de contribuição com a organização dos presos, mas também
no sentido “midiático” de humanização dos detentos. Trata-se de uma batalha a ser
travada no campo político e ideológico em torno das políticas punitivas estatais e
“civis”, tocando no coração do legitimado projeto capital-estatal de encarceramento
119
Quando cumprem suas penas, a maioria dos prisioneiros no Texas recebe apenas um bilhete de
ônibus para casa e US$ 100. Os que saem em liberdade condicional recebem US$ 50. Se quando
estavam dentro eram tratados como animais, não serão os 100 dólares que garantirão a reconstrução
dos sujeitos no lado de fora. Não por acaso, então, a taxa de reincidência é enorme. De acordo com
um inquérito do Departamento de Justiça aplicado às prisões estatais de 30 estados, 77% dos
libertados em 2005 foram novamente detidos em um prazo de cinco anos, e mais da metade das
prisões ocorreram em menos de um ano. Construir uma nova vida fora do crime é particularmente
difícil quando se observa que a punição ao infrator persiste depois do cumprimento das penas. Em
muitos estados, por exemplo, os ex-criminosos são proibidos de reivindicar cupons de comida e de
obter habitação pública. Nos comércios, ter uma condenação no currículo pode significar nunca mais
conseguir um emprego.
230
em massa. Numa dessas entrevistas uma detenta chamada Irina disse o seguinte
sobre as motivações do movimento de greves nas prisões dos EUA:
A mesma Irina faz ao fim do testemunho uma ótima síntese do modo como os
presos tratados: “como descartáveis”. Joanna, uma das sindicalistas entrevistadoras,
complementa:
120
https://iwoc.noblogs.org/post/2016/04/01/announcement-of-nationally-coordinated-prisoner-
workstoppage-for-sept-9-2016/.
121
http://www.miamiherald.com/news/local/community/miami-dade/article100874582.html.
122
http://www.dw.com/pt-br/1971-revolta-na-penitenci%C3%A1ria-de-attica/a-319342.
232
outras se desdobraram desde então, incluindo algumas greves de fome coletivas por
motivos que variavam de prisão a prisão, como por exemplo o privilégio de visitas
íntimas, o cancelamento de consultas médicas, o confisco de celulares etc.
A greve de 2016 ganha relevo quando lembramos que participar em uma greve
pode afetar não apenas o usufruto de privilégios cotidianos, mas também a
possibilidade de um prisioneiro obter a liberdade condicional. Um membro da IWOC
entrevistado pelo The Guardian afirmou que em muitas prisões os oficiais
precisaram usar gás de pimenta, bombas de fumaça, granadas de concussão,
espingardas de balas de madeira e cães treinados para controlar os prisioneiros em
greve. Um membro da IWOC que atua na Carolina do Sul avaliou a ação de
setembro de 2016 como “um sucesso” e se disse otimista com atos futuros, uma vez
que a experiência “permitiu amarrar outros grupos de prisioneiros, conectar mais
gente, saber do que somos capazes e o que funcionaria melhor na próxima vez”. 123
A greve dos prisioneiros possui ainda um potencial valor estratégico na luta
contra o encarceramento em massa, já que muitas prisões norte-americanas
simplesmente não funcionariam sem o trabalho dos presos, que se encarregam da
manutenção dos edifícios, cozinham e limpam etc. “Essas greves são o nosso
método para desafiar o encarceramento em massa”, diz Kinetik Justice, fundador do
Free Alabama Movement.124 Em início de 2017, frente a novos protestos dentro e
fora das prisões contra a fornecedora de alimentos Aramark125 a empresa alegou
que sofre sabotagem (pedras e vermes nos alimentos) por parte de pessoas
descontentes com o contrato entre empresa e as instituições prisionais e que o mau
comportamento de funcionários (acusações de envolvimento sexual com presos
etc.) é uma regra em sistemas prisionais, cabendo à empresa despedi-los ao
identificar condutas inadequadas. Desanimador (para quem espera algo mais
radical), o movimento Alabama Livre respondeu o seguinte: “é um monopólio e os
consumidores têm escolha final zero”, sendo que “no mundo exterior, uma empresa
que fornece um mau serviço, cujos funcionários cometem delitos, acabará fora do
negócio”. A resposta, entretanto, serve de alerta para mantermos o realismo quanto
às potencialidades anticapitalistas desse movimento dentro das prisões. Os Estados
123
https://www.theguardian.com/us-news/2016/oct/22/inside-us-prison-strike-labor-protest.
124
https://www.theguardian.com/us-news/2016/sep/09/us-nationwide-prison-strike-alabama-south-
carolina-texas.
125
http://www.pbs.org/newshour/updates/prison-strike-protest-aramark/.
233
2 E no Brasil?
126
http://www.economist.com/news/britain/21700469-prisons-are-about-become-more-open-
technology-screens-behind-bars.
127
http://www.economist.com/news/britain/21710845-government-has-proposed-every-solution-except-
obvious-locking-fewer-people-up
234
128
http://www.economist.com/news/americas/21594254-brazils-hellish-penal-system-overcrowded-
violent-and-brutalising-welcome-middle-ages.
129
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/10/20/presos-mataram-e-comeram-
figado-de-detento-em-pedrinhas-ma-diz-o-mp.htm.
130
http://www.economist.com/news/americas/21713900-massacre-manaus-shows-competition-among-
gangs-increasing-carnage-prison.
131
www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/documentos/infopen_dez14.pdf.
235
estão nas cadeias devido a leis relacionadas ao tráfico de drogas e 46% devido a
crimes contra o patrimônio, o que envolve roubos de celulares, motos, carros etc. O
Infopen considera “importante apontar o grande número de pessoas presas por
crimes não violentos, a começar pela expressiva participação de crimes de tráfico de
drogas - categoria apontada como muito provavelmente a principal responsável pelo
aumento exponencial das taxas de encarceramento no país e que compõe o maior
número de pessoas presas”. A política de encarceramento em massa no Brasil, no
entanto, segue as diretrizes do modelo estadunidense, o que nos poupa esforços
analíticos: se não houver resistência, a experiência estadunidense retratada acima
nos indica em linhas gerais o futuro das políticas prisionais do Brasil, ou seja,
deixado à mercê dos gestores estatais e das empresas do complexo industrial-
prisional, rumamos para uma cópia do modelo estadunidense (claro que com nossas
próprias particularidades culturais, ideológicas, políticas etc).
O complexo industrial-prisional não existe apenas nos EUA, além disso, na
ausência de interessados “internos”, as empresas transnacionais do setor
certamente estão de olho nos lucros possíveis com a entrada no “mercado de
presos” do país que possui a quarta maior população carcerária do mundo. O que
precisamos atentar é para as táticas de entrada: o que precisa ser feito para que as
prisões do país possam se abrir para as privatizações que são interesse do
complexo industrial-prisional? Subornar governadores, legisladores, juízes e chefes
de outras instituições-chave? Como conseguir que a opinião pública dê legitimidade
para as ações política e economicamente interessantes para este complexo? Basta
um bom trabalho midiático? Pedir a bênção das famílias (PCC) que de fato gerem –
diga-se de passagem, com muita competência – a dinâmica das prisões, num bem
bolado jogo de ganha-ganha? A privatização pode ser acelerada se o sistema
demonstrar sinais de colapso iminente? Foi pensando nestas e outras questões que
abordei o movimento a favor da redução da maioridade penal, em 2015132 e, talvez
por falta de criatividade (ou obsessão), são estas mesmas questões que me
atormentaram a cabeça quando estalaram em sequência (orquestradas?) rebeliões
de presos no Rio Grande do Norte, Amazonas, Roraima e São Paulo, para não falar
da greve de policiais no ES e RJ, que nesta teoria da conspiração encaixariam
132
POLESE, 2015.
236
Referências
135
Pós-Doutor / Docente da área da Comunicação na Universidade Estadual de Londrina -
mianirozinaldo@gmail.com
239
GRUPO DE TRABALHO 4
136
Graduanda em direito pela Universidade Estadual de Londrina. E-mail: ana.veschi79@gmail.com
242
Introdução
137
Advogado formado na UEL, mestre e doutorando em Psicologia e Sociedade pela UNESP. E-mail:
fabiohamartins@yahoo.com.br
138
Democracia Suspeita significa o estado atual da democracia brasileira após a decisão do Tribunal
Regional Federal da 4ª. Região que no dia 22/09/2016, que instaura a excepcionalidade como
fundamento da suspensão das normas gerais de garantia, de forma a inovar no sentido da suspensão
do princípio da segurança jurídica em detrimento de um discurso metajurídico moralista, fazendo a
democracia brasileira uma democracia suspeita de estar colocando em risco as conquistas cidadãs
alcançadas a partir de 1988 com a nova ordem constitucional cidadã.
243
Não é lícito que o Estado diga: nós não vamos processar ninguém, mas
vamos oferecer reparações. Ou que diga, vamos fazer um informe da
comissão de verdade, mas não vamos pagar reparações a ninguém. Cada
uma dessas obrigações do Estado são independentes umas das outras e
cada uma delas deve ser cumprida de boa fé. Também reconhecemos que
cada país, cada sociedade, precisa encontrar seu caminho para
implementar esses mecanismos. […] Há princípios que são universais e a
244
139
Vale anotar que o texto foi considera o ano de 2016 como referência e leva em conta que vivemos
a partir do Impeachment uma democracia suspeita.
245
passado colonial de uma sociedade fechada onde grande parte da sociedade não
teria nem mesmo o direito a ter direitos – numa transição para a democracia,
entendida esta como uma sociedade em abertura, mais inclusiva, horizontal e
estimulante da participação. Por outro lado, a noção de justiça de transição traz no
seu conteúdo interdisciplinar a proposta da adoção de uma série de mecanismos
destinados a garantira não só a restituição do regime democrático, mas, também um
conjunto de medidas que visam resgatar o passado autoritário através de uma série
de políticas de memória, verdade e justiça - com vistas à reparação, síntese histórica
e de não repetição – são portanto, políticas públicas preventivas e de longo alcance
relacionadas a uma ideia de democracia como construção permanente.
Desde a noção de Justiça de Transição que postulamos acima, a singularidade
do caso Brasileiro pode ser ilustrada pelo sentido contraditório e ambíguo que a
chamada Lei da Anistia (Lei nº. 6.683/1979)140 assumiu a época, dando azo a
impunidade. Seu texto ‘impreciso’ enseja um significado político de cunho
emancipatório como, se um passo em direção à abertura democrática fosse, já que
todo um movimento de reivindicação foi no sentido de demandar pela anistia
daqueles que lutaram contra a Ditadura civil-militar. Noutro sentido e, devido à
ambiguidade da letra legal, os tribunais acabaram interpretando que, aos delitos
“conexos com os políticos” se incluíam aqueles cometidos por funcionários do
Estado, deixando sem julgamento os agentes responsáveis pelas graves violações
de Direitos Humanos, fazendo a anistia sinônimo de impunidade – tal qual a decisão
da ADFP 154.
Neste ambiente é que a ‘transição controlada’ foi concebida desde as
instâncias hegemônicas como um pacto bilateral que visava garantir o “lento,
140
Lei i nº. 6.683/1979 traz no “Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido
entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com
estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da
Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos
Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos
com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
§1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados
com crimes políticos ou praticados por motivação política.
§2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de
terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.
§3º - Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato Institucional, que
foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar,
obedecidas as exigências do art. 3º”.
246
141
São exemplos países como Peru, Argentina e Chile ainda que seja importante considerar as
particularidades de cada país e fundamentalmente o processo de avanço e retrocessos que os
diferentes modos de vivenciar a reconstrução democrática em cada um destes países. Na argentina
por exemplo, ainda que tenha tido uma experiência do tipo Comissão da Verdade a CONADEP, esta
sofreu fortes críticas por movimentos sociais que consideraram as conclusões insatisfatórias por
adotarem a denominada ’teoria dos dois demônios’ que entendem como excessos tantos as atitudes
dos militares e dos subversivos, sem considerar as singularidades dos lugares institucionais de cada
agrupamento.
142
A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de
2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de
setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Conheça abaixo a lei quecriou a Comissão da Verdade e
outros documentos-base sobre o colegiado. Em dezembro de 2013, o mandato da CNV foi
prorrogado até dezembro de 2014 pela medida provisória nº 632.
IN.http://www.cnv.gov.br/institucional-acesso-informacao/a-cnv.html
247
momento marcado pelo intervalo entre o golpe de 1964 e a já citada Lei de Anistia
num período onde a noção de anistia pouco era debatida, e quando abordada era
tida como uma contradição, já que se tratara de um absurdo falar de anistia quando
se vivia sob um governo ditatorial absolutamente ilegal, este foi uma fase em que se
viveu a repressão inaugurada pelo Ato Institucional nº. 1 de 09 de abril de 1964 143,
as reações populares como a Marcha dos 100.000 em maio de 1968 no Rio de
Janeiro com a consigna “Liberdade: Abaixo a Ditadura”, depois em 13 de dezembro
do mesmo ano a violência estatal foi recrudescida pelo AI-5144. Nesta fase não se
cogitava sobre a anistia, uma vez que as reivindicações primordiais tratavam de
catalisar a lutar pelo fim da Ditadura e pela restauração da democracia no país.
Outra fase começaria em 1975 como movimento pela Anistia e teria como
marco a Lei nº. 6.683 de 1979. Neste momento a luta pela anistia estava
encabeçada por familiares daqueles que depois da onda de perseguições,
desaparecimento, pressões e exílio – radicalizada pelo AI-5, resistiram diretamente
ao regime, sendo à anistia entendida como uma luta digna e necessária, ainda que o
projeto aprovado tenha sido concebido pelo comando ditatorial, porém foi entendido,
neste contexto, como um avanço possível no quadro de retrocesso geral que
predominava desde o golpe de 1964. Na terceira etapa iniciada após 1988 e no
clima em que “novos movimentos sociais entram em cena” (SADER, 2001) a anistia
passou a ser vivida e concebida como uma luta mais ampla pela reparação integral,
redemocratização das instituições, engajando novos atores sociais ao movimento
dos Familiares e simpatizantes. Neste período é que assistimos iniciativas como a
campanha pelas ‘Diretas Já’ e, ainda no governo do Fernando Collor como a
abertura dos arquivos do DEOPS de São Paulo que estavam em poder da Polícia
143
Justificado como remédio para os malefício da estrema esquerda, o AI-1 foi o ato inaugural de uma
nova conjuntura político-jurídica que se auto atribui legitimidade de perseguir seus opositores através
do aparelho oficial do Estado. A partir do AI-1, foram criadas comissões de investigação para
enfrentar os inimigos do novo regime. Instauraram ainda os Inquéritos Policiais Militares, fecharam o
Congresso Nacional, cassaram mandatos parlamentares, realizaram intervenções em sindicatos,
extinguiram partidos políticos, dirigentes políticos e sindicais foram presos, torturados, exilados,
mortos, desaparecidos.
144
Visando consolidar a suposta Revolução contra pessoas e grupos antirrevolucionários, o ‘AI-5’
como ficou conhecido o Ato Institucional número 05, de 13 de dezembro de 1968, foi baixado pelo
Governo Militar colocando em recesso por tempo indeterminado o Congresso, possibilitando a
suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão, e cassar mandatos eletivos. Suspendendo
igualmente as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade;
além da possiblidade de instauração do estado de sítio, da suspensão do habeas corpus e da
decretação de confisco em certos casos.
248
Conclusão Provisória
Por tudo isso é que dizemos: à merda com tantas palavras elegantes e
castradas, à merda com esta ciência superabstrata que não nos permite
compreender e instrumentalizar a realidade em que estamos metidos.
Ressituemos a Sociologia, a Psicologia e a Psiquiatria, depois de realizar
um giro de 180 graus – em vez de ficar olhando, como servos dependentes,
a Europa e o imperialismo norte-americano, olhemos para o interior de
nossa terra e, junto com o nosso povo, comecemos a inverter a perspectiva.
(MOLFFATT,1982, p.11)
Esta consigna hoje ainda continua vigente, não a adaptação ativa da tolerância
fraterna de quando estamos debatendo temas complexos entre iguais e que exigem
a tranquilidade de acolher a diferença e entender que cada um tem um tempo para
processar certos assuntos mais ou menos amplos ou complexos. A aceitação
incondicional do país como está, é adaptar-se ao silêncio cúmplice, é admitir o
silêncio imposto como forma de sociabilidade, de normalidade. Assim é possível não
nos interessar ou nos preocupar pelo que acontece com o sujeito que está sendo
destruído ao lado – a questão indígena, o racismo estrutural - e o pior que dizemos
que essa forma de adaptação passiva ao aberrante ser brasileiro/brasileira é o
normal... os anormais eram os que lutavam pela vida... ser cúmplice passivo do
sistema que produzia morte era o normal... segue sendo o normal.
Quando hoje assistimos a volta das consignas da submissão, e do fanatismo
fascista travestido de neutralidade, apoliticidade, apartidarismo, legalidade... que
replicam ordens de adaptação e submetimento como acontece nas salas de aulas
das escolas, nas universidades e nos programas de pós-graduação subservientes
ao produtivismo quantitativo alienígenas... mas, também em todas as formas de
adaptação que há no atual sistema econômico de ‘idiotização’ em nome do humano,
do Mercado, de Deus e da vida. A margem das hegemonias existe um movimento
interessante na América latina inteira enfrentando esse modelo de Estado perverso
que nasceu no período colonial... Se trata, enfim, mesmo sem uma formula pronta
de seguir na defesa do Estado Democrático de Direito, já que existem infinitos
modos de descobrir como construir formas de multiplicar as multiplicidades e ir
destruindo esse individualismo exacerbado que em nome da vida das populações
está nos impondo uma servidão sutil.
Referências
BRASIL NUNCA MAIS. Um Relatório para a História. 19ª Ed. Petrópolis: Vozes,
1986.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.
GALEANO, Eduardo. O livro dos Abraços. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2005.
falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 4ª edição 2001.
145
Advogado, especializando em Filosofia Moderna e Contemporânea: aspectos éticos e políticos pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL) e especializando em Filosofia e Direitos Humanos pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, colaborador do Grupo de pesquisa Teorias da Justiça. E-
mail: gw.wilson@bol.com.br
261
GRUPO DE TRABALHO 5
Ementa: Serão aceitos os trabalhos que tratem dos seguintes temas: trabalho
terceirizado; “o negociado sobre o legislado”; desregulamentação da legislação
trabalhista; trabalho escravo; trabalho infantil; a mulher e a discriminação no
trabalho; a duração do trabalho; o ambiente de trabalho em face da saúde e do
perigo de vida aos trabalhadores; submissão, necessidade e trabalho; compliance
na empresa nas relações de trabalho; teoria do risco na empresa; direito de
resistência no direito individual e no direito coletivo.
146
Universidade Estadual de Londrina. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciências
Sociais. E-mail: baruana.cs@gmail.com
147
Ver: CAVALCANTE, Sávio Machado. Valor, renda e “imaterialidade” no capitalismo
contemporâneo. Caderno CRH, Salvador, v. 27, n. 70, p. 115-130, Jan./Abr. 2014; HUWS, Ursula.
Vida, trabalho e valor no século XXI: desfazendo o nó. Caderno CRH, Salvador, v. 27, n. 70, p.
13-30, Jan./Abr. 2014; PRADO, Eleutério. Desmedida do valor: crítica da pós-grande indústria.
264
148
Sobre o conceito de “intensificação do trabalho” ver: DAL ROSSO, Sadi. Mais trabalho! A
intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo : Boitempo, 2008. [Parte I: “O
conceito de intensidade do trabalho”, p. 17-80]
268
149
Como explica Dal Rosso (2008), as atividades materiais do setor de serviço são aquelas que
prestam serviço pessoais como nos bares, restaurantes, cozinhas, produção de alimentos e bebidas,
pois se equiparam trabalho industrial no sentido da sua materialidade.
271
150
Por exemplo, Cavalcanti (2014), Huws (2014), Dal Rosso (2008) e Prado (2005).
151
Um bom exemplo disto envolve o trabalho de advogados que trabalham para escritórios de
advocacia que vinculam a remuneração de seus advogados apenas à porcentagem dos honorários
272
empresa de casa, em seu horário de descanso, o que faz emergir a questão do que
seja hora de trabalho e hora de não-trabalho. As fronteiras do mundo da atividade
laboral são, então, abertas para outros campos que ainda não haviam sido postos
sob controle e exploração do capital (DAL ROSSO, 2008).
Nesta mesma linha, ao fazer a crítica à pós-grande indústria, Prado (2005, p.
115) explicita uma das suas contradições relativas à sobrecarga de trabalho imposta
ao trabalhador:
Se as empresas pós-grande industriais buscam hoje se apresentar no plano
ideológico como participativas, cooperativas e éticas, no fundo, como
empresas, nunca foram tão centralizadoras, competitivas e irrestritas na
busca de lucro, não hesitando em submeter trabalhadores aos seus
propósitos 24 horas do dia, de modo totalizador. Como núcleo da
sociabilidade capitalista, a empresa é já uma instituição total. Se a fábrica
da grande indústria dominava e continua dominando integralmente o
indivíduo durante o tempo de trabalho, a empresa da pós-grande indústria
vem submeter o trabalhador de um modo total, envolvente, hipócrita ou
mesmo cínico, inclusive fora do tempo de trabalho. [grifo nosso]
Por meio da demanda por inteligência e o apelo ao afeto (DAL ROSSO, 2008),
fica claro, deste modo, que o capitalismo conseguiu uma maneira de alongar a
jornada de trabalho (driblando a proteção das leis trabalhistas) ao manter o
trabalhador sob seu comando mesmo fora do expediente152. Com isso, é possível
perceber uma dupla e paralela extração de mais-valia: tanto a extração de mais-valia
relativa quanto de mais-valia absoluta.
***
Uma das grandes preocupações da Sociologia do Trabalho resta na dificuldade
de revelar a relação de emprego para que se possa pensar em políticas públicas de
proteção ao trabalhador – ao invés de políticas públicas que reiterem a
recebidos nas ações ganhas, ou que, mesmo quando imputam um valor de salário fixo pautado em
jornada (teoricamente) fixa, demandam trabalho cuja realização só é possível requer muitas horas
fora do tempo de trabalho real.
152
Já há decisões jurisprudenciais no Brasil no sentido de fazer valer o direito ao lazer e à
desconexão das tecnologias de comunicação que são atreladas ao trabalho: “Na Justiça do trabalho,
tem ganhado espaço o entendimento de que a desconexão, o lazer e o convívio familiar são um
direito, e o funcionário deve receber pelo período que esteve “à espera” da empresa.” Disponível em:
<http://www.granadeiro.adv.br/clipping/jurisprudencia/2016/02/23/direito-ao-lazer-e-desconexao-
ganha-forca-na-justica-trabalhista>. Acesso em mar. 2017.
273
terceirização153. Definir qual é a classe trabalhadora hoje é uma das grandes tarefas
a ser realizada (SILVER, 2005; CAVALCANTI, 2014), pois ao engendrar a
desregulamentação das relações de trabalho e fortalecer o discurso do
empreendedorismo, individualizando questões que são sociais – dentre outras
estratégias, o neoliberalismo tende a impedir, cada vez mais, que o trabalhador
perceba-se enquanto trabalhador e, por conseguinte, deixe de situar-se na condição
de exploração a qual é subordinado. Além de propiciar o avanço da prática da dupla
extração de mais-valia em alguns casos, isto enfraquece o espaço de luta coletiva,
essencial não só na resistência às investidas neoliberais154 como também no avanço
de novas conquistas para assegurar o trabalho decente155.
No entanto, conforme já alertava Marx, o movimento do capitalismo é
intrinsecamente contraditório e traz consigo os próprios mecanismos para sua
superação. As crises do capitalismo são esperadas na medida em que sendo o
trabalho vivo fonte da valorização do capital ele é, ao mesmo tempo, sua barreira.
Nas palavras de Cavalcanti (2014, p. 127): “O conceito de capital, na lógica dialética
usada por Marx, é sujeito cuja pretensão de dominação é totalmente irrealizável. O
capital é, portanto, uma forma abstrata que tem como tendência expelir seu próprio
conteúdo.”.
Apesar das crises que o mundo do trabalho contemporâneo sofre, ao analisar
as agitações trabalhistas ao longo do final do século XIX, século XX e início deste,
Beverly Silver afirma que as próprias contradições do capital criam as condições
para a formação de novas classes trabalhadoras, criando potencialidades e novas
possibilidades de embate por meio do que ela chama de “poder de barganha” do
153
Ver: WOLFF, Simone. DESENVOLVIMENTO LOCAL, EMPREENDEDORISMO E
“GOVERNANÇA” URBANA: onde está o trabalho nesse contexto? CADERNO CRH, Salvador, v.
27, n. 70, p. 131-150, Jan./Abr. 2014.
154
Os embates em torno da legislação trabalhista são de alta importância na proteção do trabalhador
ao garantir direitos sociais trabalhistas básicos. No Brasil, recentes investidas por reforma das leis
trabalhistas – para afrouxá-las - demonstram a tendência ao avanço da mais-valia absoluta nas
relações de trabalho brasileiras.
155
“O Trabalho Decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT: o
respeito aos direitos no trabalho (em especial aqueles definidos como fundamentais pela Declaração
Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho e seu seguimento adotada em 1998: (i)
liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (ii) eliminação de todas
as formas de trabalho forçado; (iii) abolição efetiva do trabalho infantil; (iv) eliminação de todas as
formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação), a promoção do emprego produtivo e
de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social.” Disponível em:
<http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente> Acesso em mar. 2017.
274
***
(...)
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
Operário em Construção
Vinícius de Moraes
***
156
Ver última frase do manifesto do partido comunista de Engels e Marx.
275
Referências
HUWS, Ursula. Vida, trabalho e valor no século XXI: desfazendo o nó. Caderno
CRH, Salvador, v. 27, n. 70, p. 13-30, Jan./Abr. 2014. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
49792014000100002&lng=pt&nrm=iso>.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
Flávio Bento157
Marcia Hiromi Cavalcanti158
Resumo: Conforme vem sendo noticiado pela mídia desde 2016, a proposta de
reforma trabalhista em estudo pelo atual Governo trabalha com a ideia da
possibilidade de flexibilização de direitos assegurados aos trabalhadores, desde que
mediante negociações coletivas. Os direitos mínimos assegurados na Constituição
Federal seriam mantidos [como a remuneração adicional de pelo menos 50% das
horas extras], mas vantagens poderiam ser flexibilizadas como o 13º salário, as
férias, o FGTS, dentre outros. A proposta aposta na negociação coletiva entre
Sindicatos e empresas. Um dos pontos que exigiria uma nova análise pelo
entendimento do empresariado e do Governo é a ampliação das possibilidades
legais das terceirizações. Esse ponto ganhou importância mais recentemente com
alterações no regime do trabalho temporário. O objetivo desse estudo é analisar
alguns aspectos dessas mudanças, apesar da discussão ainda persistir no
Congresso, e apresentar os “valores” e “direitos” em jogo. No final o que se espera é
contribuir para a necessária reflexão sobre o tema da terceirização, quer sob o
enforque do direito dos trabalhadores, quer sob o enfoque da atividade empresarial.
Palavras-chave: Terceirização. Reforma da legislação trabalhista. Trabalho
temporário.
Introdução
157
Universidade Estadual do Norte do Paraná, campus de Cornélio Procópio. Doutor em Educação.
prof.flaviobento@gmail.com
158
Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Filosofia Política e Jurídica.
marciacavalcantibento@gmail.com
278
1 Trabalho temporário
159
“Empresa de trabalho temporário é a pessoa jurídica, devidamente registrada no Ministério do
Trabalho, responsável pela colocação de trabalhadores à disposição de outras empresas
temporariamente” [artigo 4º, Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974] (BRASIL, 2017a).
160
“Artigo 10º - 1o - O contrato de trabalho temporário, com relação ao mesmo empregador, não
poderá exceder ao prazo de cento e oitenta dias, consecutivos ou não. § 2o - O contrato poderá ser
prorrogado por até noventa dias, consecutivos ou não, além do prazo estabelecido no § 1o deste
artigo, quando comprovada a manutenção das condições que o ensejaram” (BRASIL, 2017a).
280
587).
que temos no momento, fruto da instabilidade política e social dos últimos anos, e da
inércia dos Governos anteriores em levar adiante, com determinação, as mudanças
que o Brasil tanto necessita.
Como já observou o professor e sociólogo Jacob Carlos Lima, “regulamentar a
terceirização como forma de atenuar seus efeitos pode ser um caminho” (2010, p.
25). Essa regulamentação seria mais adequada aos trabalhadores, como já
afirmamos neste trabalho, se tivesse sido levada adiante em um período político
mais vantajoso para os trabalhadores.
Ainda com Jacob Carlos Lima, concluímos que as reformas na legislação
trabalhista “não significa abdicar de direitos conquistados, mas buscar adequá-los a
um novo contexto marcado pela rapidez das transformações nos mundos da
produção e do trabalho” (LIMA, 2010, p. 25).
Essa é a grande missão de toda a sociedade brasileira nesse tempo de
superação de instabilidade política e econômica.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Câmara dos Deputados. CNA e CNI dizem que reforma moderniza e dá
segurança à relação de trabalho. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E-
PREVIDENCIA/523974-CNA-E-CNI-DIZEM-QUE-REFORMA-MODERNIZA-E-DA-
SEGURANCA-A-RELACAO-DE-TRABALHO.html>. Acesso em: 19 jun. 2017c.
Disponível em:
<file:///C:/Users/Usuario/AppData/Local/Temp/nota_CUT_sobre_PL_4302-
B_de_2008-1.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2017a.
SANTOS, Érika Cristina Aranha dos. A fraude nas cooperativas de trabalho. Revista
LTr, v. 69, n. 10, p. 1246-1254, out. 2005.
286
164
Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/PR – Campus Londrina.
Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Contato: brunabpaula@gmail.com
287
Introdução
elas.
Este trabalho buscou analisar os possíveis reflexos da terceirização na
representação sindical, entendendo-se que é um fenômeno já presente na
sociedade atual, porém, agora, apenas ampliada legalmente, com o objetivo de
verificar se, em razão do modelo sindical ainda mantido no Brasil, haverá
possibilidades de ensejar na fragmentação do movimento sindicalista, que já se
encontra deveras pulverizado.
cita três pesquisas sobre o assunto que corroboram esta afirmação: pesquisa de
Pochmann, Confederação Nacional das Indústrias e CUT/DIEESE.
Ainda, Souza e Lemos (2016, p. 1041) apontam a pesquisa elaborada pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) no
ano de 2011 sobre os impactos da terceirização sobre os trabalhadores, “revelando
a crescente penetração do contingente de terceirizados, totalizando, em 2010, uma
massa de aproximadamente 11 milhões de trabalhadores ou, em termos relativos,
25,5% do contingente total de postos formais de trabalho”. Indiscutivelmente, no
Brasil, o que mais induz as empresas a imergir num processo de terceirização é a
perspectiva de redução de custos operacionais fixos de suas atividades (COSTA,
1994, p. 10).
Ainda que configure amplo fenômeno em expansão no Brasil desde a década
de 1990, conforme demonstrado neste tópico, busca-se adiante definir o que seria
“terceirização”.
1.1 Definição
165
Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) § 8º - A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir
a polícia senão para manter a ordem pública.
293
166
Art. 9º: cindida uma classe e associada em dois ou mais sindicatos, será reconhecido o que reunir
dois terços da mesma classe e, se isto não se verificar, o que reunir maior número de associados.
294
Essa evolução sofreu um interregno entre 1934 e 1935, período em que adveio
a Constituição de 1934, que determinou a pluralidade sindical em seu art. 120,
adotando uma parte do pensamento brasileiro. Em 1935 é declarado Estado de Sítio
e volta a predominar a ideologia corporativista italiana, que começou a ser
instaurada no Brasil com a eleição de Getúlio Vargas e o supra referido Decreto
19.770.
A Constituição de 1937, refletindo o fascismo europeu, implantou o
autoritarismo corporativista, implantando uma ditadura do Executivo, que retirou a
competência do Poder Legislativo, permitindo que o presidente governasse por meio
de decretos-leis, intervindo nas organizações partidárias, sociais e sindicais, como
desejasse (BARBOSA, 2016, p. 18).
No mesmo sentido, dispôs o Decreto-lei 1.402 de 1939, conhecido como Lei de
Sindicalização, que criou um quadro de atividade e profissões e o enquadramento
sindical para classificar as categorias, complementando a dependência em relação
ao Estado. Este enquadramento buscava proporcionar controle rígido quanto à
constituição dos sindicatos, trazendo maneiras de monitorar a gestão financeira dos
sindicatos e estabelecendo o poder de cassação pelo Estado da investidura sindical.
O único avanço trazido pelo decreto foi a permissão de maior extensão da base
territorial (LOURENÇO FILHO, 2011, p. 42).
A Consolidação das Leis Trabalhistas, promulgada por Getúlio Vargas através
do Decreto-lei 5.453 de 1º de maio de 1943, representou a compilação, coordenação
e sistematização do corpo de legislação social que vinha sendo criado dede 1930.
Em simples leitura, verifica-se que o espírito corporativista dos principais decretos de
1931, 1934 e 1939 foi incorporado à CLT.
Em 1945, com o fim da 2ª Guerra Mundial e o fim dos regimes autoritários,
também se encerra a ditadura imposta por Getúlio Vargas. Em 1946 é promulgada
outra Constituição de ideologia democrático-liberal, mas não há alteração no sistema
sindical (BARBOSA, 2006, p. 27).
O modelo sindical construído entre 1930 e 1945 foi praticamente intocado,
persistindo o mesmo esboço desde a ascensão de Vargas ao poder, completado no
Estado Novo, criado sob o regime autoritário, influenciado pelo modelo fascista
italiano. Mesmo com a restauração da democracia após 1945 e a Constituição
democrática de 1946, as normas de Direito do Trabalho não sofreram grandes
alterações, até a promulgação da Constituição de 1988 (DELGADO, 2014, p. 83).
295
informação.
Souza e Lemos (2016, p. 1047) afirmam que cinco centrais sindicais – Central
Única dos Trabalhadores (CUT), União Geral dos Trabalhadores (UGT), Nova
Central Sindical de Trabalhadores (NCST), Central dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Brasil (CTB) e Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB)
– em uma carta aberta posicionaram-se contrariamente ao PL n. 4.330/04, em
especial no tocante à ampliação das hipóteses de terceirização às atividades-fim e
da limitação da responsabilidade da contratante.
Neste sentido, as centrais alegaram, à época, que a aprovação do PL teria
como resultado a institucionalização da rotatividade, contribuindo para uma maior
insegurança dos trabalhadores em decorrência das piores condições de trabalho às
quais os terceirizados usualmente estão sujeitos, da redução de salários e
benefícios e da ampliação das jornadas de trabalho, do risco de maior nível de
inadimplência no cumprimento das obrigações trabalhistas e a ampliação do
contingente de trabalhadores discriminados (SOUZA e LEMOS, 2016, p. 1048).
Em sentido contrário, posicionaram-se a Força Sindical e a UGT, que
sustentaram posição favorável ao referido projeto de lei. Todavia, a UGT reviu sua
posição, integrando a campanha contrária ao projeto a tempo da segunda votação.
A Força Sindical manteve apoio à proposta, “com sua principal liderança e Deputado
Federal, Paulinho da Força (SD-SP), revelando-se como um dos principais
articuladores em favor de sua aprovação” (OLIVEIRA, 2015, p. 561).
No que se refere à CUT, entre 1990 e 2003, a sua estratégia centrou-se na
contrariedade à terceirização, passando, após, a atuar no seu combate por meio da
negociação. Na década de 1990, a CUT limitou-se a algumas referências esparsas
em suas resoluções congressuais, porém, em 2004, criou um Grupo de Trabalho
para articular as ações da Central em três frentes: “a organização dos trabalhadores
e trabalhadoras terceirizados; a discussão de cláusulas de acordo a serem
negociadas com as representações empresariais nos diferentes ramos de atividade;
a elaboração de um conjunto de diretrizes para a construção de um projeto de lei
que efetivamente possibilite uma regulamentação da terceirização no Brasil”
(OLIVEIRA, 2015, p. 559). Neste âmbito que foi elaborada a proposta de PL que o
deputado federal Vicentinho apresentou na Câmara em 2007, conforme exposto
301
acima.
Em recente encontro com o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil,
Claudio Lamachia, o Presidente da CUT, Vagner Freitas, reiterou a contrariedade à
terceirização, sendo que havia sido proposta a formação de um fórum entre
trabalhadores e empregadores, arbitrado pela OAB, para discussão. O que restou
prejudicado ante a aprovação do Projeto de Lei 4032/1998.
Conclusão
Referências
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direito Sindical: Análise do Modelo
Brasileiro de Relações Coletivas de Trabalho à Luz do Direito Comparado e da
Doutrina da OIT: Proposta de Inserção da Comissão de Empresa. São Paulo: LTr,
2000.
DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr,
2011.
SOUZA, Filipe Augusto Silveira de; LEMOS, Ana Heloisa da Costa. Terceirização e
resistência no Brasil: o Projeto de Lei n. 4.330/04 e a ação dos atores coletivos, Cad.
EBAPE.BR, v. 14, no 4, Artigo 11, Rio de Janeiro, Out./Dez. 2016.
304
Introdução
167
Pós-graduado (Lato Sensu) em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pelo Instituto de Direito
Constitucional e Cidadania (IDCC/UENP). Graduado em Direito pela Universidade Estadual de
Londrina. Participante do NEFIL - Núcleo de Estudos Filosóficos do Programa de Pós Graduação em
Direito da UFPR (PPGD/UFPR). Atua como colaborador na Assessoria Jurídica Popular Lutas
Londrina. Advogado na área do direito trabalhista, cível e popular. Contato:
rodolfocarvalho@msn.com.
305
traços em comum entre ambas que possibilitem identificar um direito vivo do trabalho
a ser encontrado nos diferentes métodos de gestão empresarial da história do
capitalismo. Esta identificação possibilitará revelar, cada vez mais, a forma jurídica
trabalhista e sua funcionalidade capitalista, qual seja: garantir a circulação da
mercadoria força de trabalho.
Por fim, por se tratar de um ensaio, pretende estabelecer alguns pressupostos
para uma Teoria Geral do Direito do Trabalho após o giro paradigmático proposto
pela reforma do “negociado sobre o legislado”.
168 O termo espírito do capitalismo vem de Max Weber, em “Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo”, segundo a perspectiva do o capitalismo, enquanto modo de produção, precisa se
legitimar em determinados momento e, para isso, “assume o caráter de uma máxima de conduta de
vida eticamente coroada” (WEBER, 2004, p. 45). Nas fases iniciais do capitalismo, era necessário
definir uma “nova posição frente ao mundo” a respeito do trabalho “em contraposição à visão anterior,
que priorizava o trabalho apenas como meio de sobrevivência” (RAMOS FILHO, 2012, p. 121-2).
Todavia, as diversas metamorfoses no mundo do trabalho faziam com que em diferentes momentos
históricos fosse necessária criação de um novo espírito do capitalismo a fim de manter a hegemonia
daquele “como modo de produção mais justo, quando comparado aos modos de produção que se
apresentavam como alternativas” (RAMOS FILHO, 2012, p. 273). Eis que, segundo Ramos Filho, três
grandes espíritos do capitalismo puderam ser observados na história, “o primeiro espírito até o início
dos anos 60 do século passado, o segundo espírito entre o final dos anos 60 até o final dos anos 80,
e o terceiro espírito do capitalismo a partir de então” (RAMOS FILHO, 2012, p. 272). Ressalta-se que
o termo foi utilizado pelo Deputado Federal Rogério Marinho para justificar a necessidade de
aprovação do programa de reforma trabalhista no Rodaviva de 17/04/2017. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=eSE9wTnDJjA.
308
Para o que foi proposto, enquanto ensaio, partimos do pressuposto que admitir
a norma juscoletiva (negociada) como fonte premente ao legislado, importa em uma
mudança paradigmática no âmbito da regulamentação das relações de trabalho, ou
seja, muda-se o fundamento da teoria geral do direito do trabalho. Importa saber se
tal mudança paradigmática remete à necessidade de construção de uma nova teoria
geral do direito do trabalho no Brasil, que o compreenda em seu contexto histórico e
geopolítico ou, se importaremos ideias fora do lugar para nossa localidade no
capitalismo.
169 Segundo ALLAN, são mecanismos corporativos de controle da classe trabalhadora instituídos
sobre o ideal corporativista: a) investidura sindical, “delegação pelo Estado de funções como se
públicas fossem aos sindicatos, […] enquanto ao mesmo tempo criara mecanismos de intervenção
estatal direta nessas entidades” (ALLAN, 2011, p. 142); b) enquadramento sindical, “o Estado estipula
as regras que devem ser observadas para permitir agrupamento com a finalidade de constituição de
entidades sindicais”; c) negação à autotutela e solução jurisdicional de conflitos, “haveria de se prever
situações em que as negociações restariam infrutíferas carecendo de intervenção estatal a fim de
impor conciliação e a harmonia nos ambientes de trabalho, para não acarretar prejuízos aos
interesses nacionais” (ALLAN, 2011, p. 146); d) contribuição sindical, “permitiu a sobrevivência e
proliferação de entidades sindicais descompromissadas com os interesses de classe ou da categoria
profissional, pois não precisariam legitimar-se perante os trabalhadores para arrecadação dos
recursos indispensáveis ao seu funcionamento” (ALLAN, 2011, 150).
311
forma mais pura e simples”, (PACHUKANIS, p. 60). Todavia, deve ir além desta
sociologia jurídica, pois, como visto, enquanto direito vivo e pluralismo jurídico a
produção de normas juscoletivas carece de caráter contra hegemônico, para isso,
deve se valer da crítica do direito com fulcro soviético que ressalta a especificidade
do direito através da relação jurídica subjetiva, entre sujeitos de direitos livres e
aptos a negociar sua própria força de trabalho enquanto mercadoria.
Oscar Correas constrói sua teoria crítica do direito desde o mesmo
pressuposto, onde o direito, especificamente o direito do trabalho, possui um
específico papel: o de garantir a circulação de mercadorias. No âmbito justrabalhista,
a força de trabalho nada mais é do que uma mercadoria como qualquer outra a ser
circulada pelas mediações jurídicas do direito (CORREAS, 1986, p. 125), nada muito
distante do que o direito civil e o direito comercial.
Assim sendo, se, para Ehrlich o direito vivo estava efetivamente sendo
praticado pelo direito comercial por ser “a única área do direito que parte
regularmente, e não só ocasionalmente, daquilo que realmente se pratica” (1986,
p.376) e, do mesmo modo, para Pachukanis “o desenvolvimento do direito como
sistema não foi gerado pelas exigências das relações de domínio, mas pelas
exigências das trocas comerciais” (PACHUKANIS, p. 56), não há como se negar que
o direito vivo, expresso nas convenções coletivas de trabalho expressa sem
pormenores a forma jurídicacapitalista tratando a força do trabalho como mercadoria
e procurando formas de se garantir, cada vez mais, a extração de valor.
Surge, portanto, um novo ponto necessário para investigação do direito vivo e
da forma jurídica, qual seja, o processo de extração de valor entre países
formalmente livres mas economicamente dependentes. A forma jurídica transforma
314
Conclusão
Esta conclusão deve ser usada, antes de tudo, como um acerto de contas
pessoal e teórico. Como mencionado na introdução, ao rever os resultados de minha
singela pesquisa monográfica de conclusão de curso, tenho por certo que o caminho
315
Referências Bibliográficas
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 3rd ed. São Paulo:
LTr, 2004.
DUSSEL, Enrique. 1492: el encubrimiento del otro: hacia el origen del mito de la
modernidad. UMSA: La Paz, 1994. 175p.
MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência. Em: Ruy Mauro Marini – vida e
obra. TRANSPADINI, Roberta. STEDILE, João Pedro. (org). 2.ed. São Paulo:
Editora Expressão Popular, 2011. p. 131-173.
RAMOS FILHO, Wilson. Direito capitalista do trabalho: história, mitos e
perspectivas no Brasil. São Paulo: LTr, 2012.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico - Wolkmer. 3rd ed. São Paulo:
Alfa Omega, 2001
317
Resumo: O presente trabalho tem por escopo promover uma análise histórica e
crítica do processo de positivação dos direitos sociais e trabalhistas ao longo da
história, especialmente ao longo do século XIX e início do século XX – momento em
que surgem os primeiros trabalhadores assalariados em virtude da revolução
industrial, e, é evidente, a luta de classes protagonizada entre a burguesia e o
proletariado - e correlaciona-los como pressuposto do modelo democrático moderno.
Demonstraremos, também, que a conquista desses direitos não se deu de forma
mecânica, pela simples absorção dos dispositivos pelas Constituições, códigos e
legislações, o que uma análise rasa poderia proporcionar, mas, ao contrário, a
positivação só foi possível pela intensa peleja promovida pela classe trabalhadora
contra o status quo do paradigma liberal-burguês ao longo de décadas e décadas
sucessivamente. Ainda, trataremos do fenômeno de precarização e desregulação
desses direitos, em prol de uma pretensa “liberdade de mercado”, característica
própria dos tempos do neoliberalismo, sistema político-econômico que perpassa
nossa realidade, o que afetará também o paradigma social-democrático até então
consolidado. Cabe mencionar que se somam à nossa análise as mais variadas
formas com que as sociedades reagem a essas mudanças, momento em que as
lutas populares assumiram e assumem caráter dos mais diversos.
Palavras-chave: Direitos sociais. Estado. Democracia.
Introdução
170
Discente do terceiro* ano do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina (UEL) em
Londrina- PR e Bolsista Fundação Araucária. Membro do Projeto “A relação entre Economia, Direito e
Democracia na agenda do século XXI”, sob orientação do Prof. Dr. Elve Miguel Cenci. E-mail:
lucasvilaas@gmail.com.
318
Fica claro que, ainda que houvesse igualdade formal entre os mais ricos e os
mais pobres, a desigualdade era gritante materialmente.
A ideologia que fundamentava a não regulação das relações de trabalho e se
opunha a quaisquer benefícios trabalhistas e sociais constitui o liberalismo clássico,
da qual a burguesia industrial era ferrenha defensora – não sem suas contradições e
paradoxos. Como aponta George Marmelstein, o discurso liberal demonstrava ser
unilateral, ou seja, não era válido para todos os setores da sociedade
(MARMELSTEIN, 2009, p. 45). O princípio da isonomia, pilar fundamental de
qualquer modelo que se diga democrático, não se mostrava verdadeiro na realidade
fática.
Marmelstein relembra que, quando os trabalhadores protestavam contra as
condições em que se encontravam submetidos, reivindicando por condições de
320
prensas de algodão.
A Lei de 1833 da Inglaterra, provocada pela Comissão Sadler, constituida para
investigar as condições de trabalho fabris, proibiu o emprego de menores de nove
anos, colocou limites à jornada diária de menores de treze anos para nove horas,
dos adolescentes menores de dezoito anos para doze horas e proibiu o trabalho no
período noturno. Além disso, foram nomeados inspetores fabris, diante do fato de
que era preciso para o devido cumprimento das regras que foram estabelecidas.
A França foi pioneira na defesa do trabalho adulto masculino. Como expõe
Nascimento, o país também proibiu o trabalho de menores de idade nas minas. Em
1841, o emprego de menores de oito anos também foi proibido, e foi fixada em oito
horas a jornada máxima para menores de doze anos, entre outas medidas.
A Alemanha acompanhou o aumento da intervenção do Estado na esfera dita
privada, intervindo nas relações de direito entre o patrão e o empregado. Em 1839,
publicou-se a lei que proibia o trabalho de menores de nove anos e limitava em dez
horas a jornada de trabalho diária para os menores de 16 anos.
Em 1869, uma lei de sindicância trabalhista deliberou que todos os
empregadores seriam obrigados à promoção e à manutenção, arcando com todos
os custos dos instrumentos necessários ao trabalho, levando em consideração sua
natureza, em especial, do setor da indústria em que eram utilizados, e o local de
trabalho em condições mínimas de dignidade com intuito garantir proteção aos
operários. Incumbiu-se aos governos dos Estados darem atuação ao mencionado
dispositivo legal.
O chamado direito industrial foi passando por diversas transformações,
chegando a ser chamado de direito operário e, com o passar dos tempos, o direito
do trabalho de maneira rápida foi se institucionalizando.
Com a Revolução Russa de 1917, fortificou-se a ideia de que o sistema
econômico capitalista, que já havia cedido em certo sentido às exigências dos
trabalhadores, precisava ser reformado, sob pena de ser destruído pela força que a
classe proletária havia demonstrado.
No Brasil, a luta proletária por direitos básicos começa a ter destaque a partir
da vinda de imigrantes, principalmente italianos e espanhóis, para trabalhar nas
indústrias nascentes da I República. Unidos por uma pauta abrangente, que incluía o
fim do trabalho infantil, jornada de trabalho de oito horas e melhores condições de
vida, bem como orientados especialmente pelas ideias anarquistas, a classe
operária promoveu uma grande greve geral – a conhecida Greve Geral, ou
323
No mundo todo, as sociedades das mais diversas têm tido reações igualmente
diversas em relação ao impacto da globalização nos moldes do capitalismo
flexibilizante neoliberal. Atentar-nos-emos aqui às organizações populares e táticas
de caráter anticapitalista colocadas em prática, principalmente pela ala mais jovem
da sociedade, bem como a defesa do Estado social-democrático.
Aline Aparecida Grezele em seu artigo “Lutas de resistência na América Latina”
(2012, p. 67), apresenta uma série de movimentos sociais de oposição ao
capitalismo flexibilizante, especificamente no Brasil, Argentina, Chile, Paraguai,
Uruguai, Bolívia e Equador, com seus perfis, formação, objetivos, etc.
A partir dos anos 1980, a América Latina vive, com o fim das ditaduras militares
e o avanço capitaneado pela cultura democrática ativa, a ascensão de variadas
organizações da sociedade civil no cenário político. Dentre eles, a luta feminina na
defesa de seus direitos de gênero, do movimento estudantil em prol da universidade
pública, do movimento indigenista, dos trabalhadores rurais e urbanos, sem terra e
sem teto.
Conforme a autora, porém, nas últimas duas décadas, esses movimentos
foram afetados pelos princípios do pensamento neoliberal, de tal forma que os
governos, assumindo esses princípios em diferentes momentos, acabaram por
legitimar a anuência em volta da sociabilidade liberal (GREZELE, 2012, p.68).
Não obstante, nos anos 1990, movimentos sociais verdadeiramente
combativos surgiram no cenário político, como o caso da insurreição do movimento
zapatista, em 1994. O movimento se deu como resposta ao lançamento do Tratado
de Livre-Comércio da América do Norte, o NAFTA, em detrimento das populações
indígenas do sul mexicano. Também ocorreram manifestações contra o acordo de
Maastrich e o desemprego na Europa, a I Conferência Mundial de Ação Global dos
Povos e o Grito latino-americano dos excluídos, o qual propõe um conceito de
movimento social como agente combativo a anticapitalista.
Há, também, o Fórum Social Mundial, resultado dos protestos de massa
surgidos contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), nos anos 1990, nas
ruas de Seatle e Praga. Expressam novas formas de resistência por meio de
sindicatos, partidos, organizações de base e ONGs diante da globalização capitalista
e seus efeitos.
329
Conclusão
Referências Bibliográficas
GRUPO DE TRABALHO 6
DIREITO E GÊNERO
Ementa: Neste grupo de trabalho serão aceitas propotas que problematizem Direito
e Gênero. Serão aceitas críticas feministas ao direito, teorias críticas feministas,
epistemologias feministas, violência de gênero ou qualquer análise que problematize
gênero em teorias jurídicas e ramos do direito. Priorizam-se análises interseccionais,
nas quais estejam em debate, além de relações de gênero, sexualidade, etárias e
relações étnicos-raciais.
171
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP);
dcmaito@usp.br; Advogada; Bacharela em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, onde foi
membra do Lutas: Formação e Assessoria em Direitos Humanos; Mestranda em Direito pela
FDRP/USP.
335
não previsão taxativa do que pode ser punido pelo poder disciplinar não pode levar à
sua arbitrariedade, que, conforme já exposto é limitada justamente pela verificação
do prejuízo à regularidade do serviço público prestado.
Assim, conforme se tem visto nos regimentos internos e gerais e nos códigos
de ética das universidades, não há a taxatividade do que se entende por violência de
gênero e como seu cometimento infringe dever funcional ou o funcionamento do
serviço público. Porém, algumas comissões de violência de gênero estão realizando
esforços no sentido de tipificar o que é violência de gênero, quando tem este poder,
ou de orientar condutas que configurem essa violência e atrapalhem o
funcionamento do serviço da universidade. Mas, caso não haja qualquer orientação
neste sentido, frente a não taxatividade das condutas que ensejam o procedimento
disciplinar, membros da comissão processante ou das pessoas que levaram a
situação de violência para a comissão, devem fazer o esforço de estabelecer como a
violência de gênero cometida atrapalhou o desempenho das atividades da
universidade.
Já as sanções disciplinares (COSTA, 2008: 137), que geralmente são de
advertência, repreensão, suspensão, multa, destituição de função, cassação de
disponibilidade, aposentadoria e demissão, devem estar expressamente previstas no
regime disciplinar da universidade, não podendo ser arbitrariamente concebidas.
Neste sentido, ele entende que as sanções, além da finalidade de resguardar o
serviço público, querem também educar ou reeducar o punido, além de exercer uma
função exemplar. Assim, a possibilidade de se utilizar do poder disciplinar para a
punição de uma violência de gênero cometida no âmbito universitário se mostra útil
pois essa função de reeducação e exemplaridade da sanção, e não de causar uma
aflição ao sancionado, se mostra útil para que se evite as práticas da violência de
gênero no âmbito da universidade. O fato de se tratar de uma violência reproduzida
no âmbito relacional faz com que seja necessário trata-la assim, no cotidiano e com
exemplos nesse cotidiano.
Neste sentido, é de se observar que só pode ser aplicada a sanção disciplinar
para a transgressão funcional se houver o processo administrativo ou sindicância
para apurar a falta do funcionário e aplicar a sanção. Esse processo ou sindicância,
para que sejam válidos, segundo mandamento constitucional, deve ser orientado
pela ampla defesa, que garante sempre oportunizar ao processado sua defesa e
manifestação perante o processo. Desta forma, qualquer que seja o motivo
345
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Suely Souza de. Essa Violência mal-dita. In: Violência de Gênero e
Políticas Públicas. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008.
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva,
2014.
DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. P. 95.
GROUND. The Hunting. Direção: Kirby Dick. Andrea Pino, Annie Clark, Claire Potter.
The Hunting Ground. PG-13. 1h 43min. Documentário. 1 Janeiro 2016 (Bélgica).
Abstract: The new social scene has been deconstructing normative impositions
related to humansexuality, demonstrating new ways for individuals to experience
combinations of identity and desires. Transsexuality is the need for the individual to
be accepted and recognized as a member of the opposite sex. This work sought to
analyze the predominant positions in the legal are a on transsexuality. Through
bibliographical research, we sought to understand transsexuality. And later, analyze
the legal perspective on the subject, as well as the rationale of these. The increase in
the number of transsexuals in law suits seeking the change of name and the demand
for medical follow-up by the public health system indicates a possible reflection on
the subject in the social and legal area, increasing effective access to human rights
and there cognition of diversity sexual.
Keywords: Human Rights, Gender, Transsexualism.
172
Discente, Acadêmico do quinto ano do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR) – Campus Londrina. E-mail para contato: emaildogiann@gmail.com
350
Introdução
1 O “Fenômeno” Trans
2 A Transexualidade e o Direito
173
OMS. Centro Brasileiro de Classificação. Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde–CID10.
355
jurídico).
Atualmente, o Estado brasileiro utiliza-se de outros saberes científicos, devido
ao alto grau de complexidade e aspectos envolvidos, reconhecendo a perspectiva
médica e a Classificação Internacional de Doenças (CID) – 10 – F.64.9, que
caracteriza a transexualidade como uma doença, possibilitando a realização da
cirurgia de mudança de sexo através do SUS (Sistema Único de Saúde), atribuindo
caráter terapêutico à “patologia” e podendo ser realizada após um longo processo de
avaliação, por uma equipe de médicos e psicólogos especializados, para
diagnosticá-la. Indubitavelmente, os reflexos jurídicos geram discussões acerca dos
direitos da personalidade e do posicionamento jurídico sobre a determinação da
identidade sexual, corroborando com o posicionamento que vem tomando amplitude
no cenário jurídico e destitui o viés patológico da transexualidade.
Sobre isso, torna-se necessário elucidara maneira em que o ordenamento
jurídico reconhece a identidade sexual (sexo jurídico ou sexo legal) dos indivíduos.
Ventura (2010) esclarece que compreende como sexo jurídico ou legal aquele que
“deve obrigatoriamente constar no assento de nascimento de uma pessoa”, sendo
imutável e estabelecido de acordo com a anatomia do órgão genital, constituindo um
critério diferenciador de aquisição de direitos e obrigações legais.
Essa abordagem de sexo legal coincide com a estabelecida pela ciência
médica, que considera a transexualidade uma “transgressão”, um “desvio” ou uma
patologia.Assim, com a prevalência das práticas médicas e jurídicas, ter um sexo ou
uma identidade sexual implica estar conformado à norma que define o dever de
coincidência entre anatomia, gênero e prazeres ou práticas de desejo.
Diante da relação de poder exercida pelos saberes médicos e jurídicos, o
direito se apropria desses conhecimentos médicos para reconhecer a identidade
sexual como um direito da personalidade. Não obstante esse reconhecimento
jurídico da identidade sexual como um direito, Ventura explica que a
transexualidade, na realidade, constitui uma “experiência de conflito com as normas
de gênero” (VENTURA, 2010), pois o transexual deve, necessariamente, se
conformar anatomicamente com seu sexo psicológico para ter acesso a esses
direitos
Assim, a compreensão da transexualidade como patologia atribui aos
indivíduos transexuais a necessidade de possuir diagnóstico para que possam ser
reconhecidos de acordo com sua identidade de gênero, e consequentemente,
356
Conclusão
174
Notícia disponível no endereço: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/12/1378921-
transexualismo-deve-sair-da-lista-de-doencas-mentais.shtml. Acessada em Junho de 2016.
359
Referências
175
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina e mestrado em Direitos Humanos e
Cidadania pela Universidade de Brasília.
176
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina.
362
preciso destruir, devido a não conseguir assegurar o seu controle total.” (MBEMBE,
2014).
Reiteradamente aviltado em sua humanidade, tipo como animal, vida vegetal e
limitada, a figura do negro se constitui dentre essas ficções criadas pelo racismo por
meio de um processo de Efabulação e, sua ampla difusão, valida e perpetua o
racismo para além da descriminalização assumida e oficializada em políticas
segregacionistas. A repetição dessas ideias fictícias, imaginárias, de inferiorizarão
criam alucinação e fantasia sobre negro. O medo que a alucinação cria faz com que
a fantasia seja tomada como real, temos o medo fantasmagórico do real.
Denomina-se, portanto, por Efabulação, a capacidade de alterar a verdade por
meio de fábulas e foi por meio da efabulação que o discurso europeu, tanto o
erudito, quanto o popular passou a orientar, pensar e organizar os mundos distintos.
Corpos marcados pela cor negra são bombardeados por ficções que lhes
querem controlar, marginalizar e impedir que alcance os espaços de poder. A
absorção dessas ideias ficcionais pelas pessoas negras confere validade à estas
construções de negação da alteridade do negro, e é o mecanismo fundamental à
manutenção do racismo. O racismo, assim enunciado, se constitui a partir da
modernidade sustentado por duas facetas complementares: a Coloniedade e a
Efabulação. Exemplo da incorporação da efabulação dos negros por pessoas negras
é poeticamente retratado no romance da escritora negra Conceição Evaristo,
intitulado PonciáVincêncio. Nesta obra é tecida, de forma poética, uma trama
psicológica e emocional embevecida nas questões sociais e raciais vividas pelos
personagens.
PonciáVicencio cresce junto de sua família na zona rural, em terras cedidas
pelos os antigos senhores de seus Bisavós escravizados. Seu pai, quando pequeno,
questiona a seu avô porque mesmo livres eles se mantinham naquelas terras e
trabalhando como se ainda fossem escravos em senzalas, e por que a liberdade era
só aparente e sem consistência (EVARISTO, 2003).
364
Referências Bibliográficas
CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder. São Paulo: Ed. Perseu Abramo, 2006.
FANON, Frantz. Pele negra máscaras brancas. Salvador: Ed. UFBA, Centro de
Estudos AfroOrientais, 2008.
FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo Negro Caído no Chão. O Sistema Penal e
o Projeto Genocida do Estado Brasileiro. Rio de Janeiro. Contraponto. 2008.
177
Universidade Estadual de Maringá. Estudante do 4º ano de Serviço Social Email:
tamires.marini@gmail.com.
178
Universidade Estadual de Maringá. Docente do Curso de Serviço Social. Email:
clautavares@hotmail.com.
371
vítima, como casos já ocorridos no Brasil e no mundo179. Em que pese esta era
tecnológica emque os adolescentes vivem e se relacionam, deve-se considerar
também o exposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nos Artigos 240
a 241- que tratam sobre exposição de criança e adolescente referente a fotos e
vídeos íntimos. Tais artigos também subsidiam a pesquisa que ora se apresenta.
Neste sentido, este trabalho se propõe a discutir a interpretação do sexting na vida
de adolescentes da cidade de Ivaiporã-Pr. Para isto foram escolhidos(as)
adolescentes estudantes de uma escola pública do primeiro ano do Ensino Médio.
Este recorte etário se dá em virtude da maioria dos adolescentes iniciarem nesta
fase a vida amorosa. A referida pesquisa será realizada no decorrer do ano de 2017,
através da aplicação de um questionário semi-estruturado, no qual buscará alcançar
os objetivos traçados para a pesquisa.
Palavras-chave:Sexting, Redes Sociais, Violência Virtual.
Introdução
Todo mundo soube. Esse material foi mandado para o meu chefe, para o
diretor da escola onde os meus filhos estudavam, todos os lugares. Ele
conseguiu o que queria: fui demitida e minha vida mudou radicalmente.
Cortei o telefone de casa, mudei meus filhos de escola, perdi a vida social,
os amigos, não podia mais sair na rua, porque eu tinha virado piada.( Diário
do Nordeste, 2017, p.1)
A partir do breve relato apresentado, pode-se ter pelo menos uma ideia do que
passa uma vítima deste crime virtual, como a vida precisa ser reconstruída para
seguir em frente. Percebe-se neste caso, que os filhos também sofreram com as
consequências da pornografia de vingança.
A Constituição Federal (1988), no capitulo I - Dos direitos e deveres individuais
e coletivos -, o artigo 5º, e mais especificamente no inciso X, dispõe sobre intimidade
e a honra, como um direito inviolável, mas, é nítido o descumprimento pois, além da
divulgação teve sua vida privada da liberdade que também está garantido no mesmo
artigo, por medo das ofensas e sarros que poderia receber dos outros cidadãos.
Outro termo apresentado é a pornografia de revanche ou pornografia de
vingança, como vem sendo denominada nos últimos anos, é um conceito oriundo do
inglês “revengeporn” e surgiu muito antes das redes sociais, na década de 1980,
quando um norte americano e sua esposa fizeram fotos nuas em viagem, e após
voltarem para sua residência, as guardaram em uma gaveta. Um vizinho da família
entrou no domicilio e após encontrar as fotos da mulher resolveu divulgar em uma
revista, no qual o conceito era de leitores enviar fotos de modelos não profissionais,
182
Denominada Marias da Internet, o objetivo da ONG é dar suporte psicológico e jurídico à mulheres
que foram vítimas do crime cibernético, para mais informações acessar:
http://www.mariasdainternet.com.br/
183
Para acesso a entrevista completa:
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/policia/pornografia-de-vinganca-o-desafio-de-
lidar-com-os-crimes-na-internet-1.1738992
374
184
Cracker, do inglês "aquele que quebra", é um termo que designa indivíduos que possuem grandes
conhecimentos técnicos na área da informática e que usam esse conhecimento para acessar
ilegalmente sistemas de segurança com fins criminosos, frequentemente praticando roubos e atos de
vandalismo em benefício próprio.
185
Para maiores informações, acessar: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12737.htm
375
186
Para mais informações acessar: https://pt.slideshare.net/ecglobal/relatorio-sexting-brasilpt
376
“Eu te amo, desculpa eu não ser a filha perfeita, mas eu tentei… desculpa,
desculpa, eu te amo muito”, postou a garota. Antes, Júlia havia publicado
a seguinte mensagem: “É daqui a pouco que tudo acaba”. A última
mensagem deixada na rede foi: “Tô com medo, mas acho que é tchau pra
sempre”. (Compromisso e Atitude, 2013)
187
Para reportagem completa acessar: http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/11/mae-de-jovem-
achada-morta-apos-video-intimo-reclama-de-violacao.html
188
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1108498-suicidio-e-a-segunda-maior-
causa-de-morte-entre-jovens-no-mundo.shtml
189
Para os endereços de todos os Estados, acessar:
http://www.safernet.org.br/site/prevencao/orientacao/delegacias
377
Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que
contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.” (NR)
190
Assistir a reportagem: http://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2017/04/projeto-que-torna-crime-
a-divulgacao-de-imagens-intimas-chega-ao-senado
378
191
Cyberbullying é um tipo de violência praticada contra alguém através da internet ou de outras
tecnologias relacionadas. Praticar cyberbullying significa usar o espaço virtual para intimidar e
hostilizar uma pessoa (colega de escola, professores, ou mesmo desconhecidos), difamando,
insultando ou atacando covardemente.
379
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
abr. de 2017.
PINHEIRO, Neyara. Mãe de jovem achada morta após vídeo íntimo reclama de
‘violação’ . 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/11/mae-de-jovem-
achada-morta-apos-video-intimo-reclama-de-violacao.html>. Acesso em: 14 de abr. 2017.
Introdução
192
Pós-graduada em Patrimônio e História e graduada em História pela Universidade Estadual de
Londrina. Graduanda de Direito – Universidade Estadual de Londrina. Email:
thaisa_lopes@hotmail.com.
193
ALLENDE, Isabel. Inês del alma mia. 1ª Ed. Buenos Aires:Areté, 2006.
383
O Direito, de uma forma geral, não pode ser entendido apenas de uma
maneira. Neste caso, se ocupa com um olhar sociológico sobre o Direito, onde o
mesmo é entendido como intrinsecamente ligado à realidade social a qual pertence.
O fenômeno jurídico é entendido enquanto fato social.
Assim, deve-se afastar ideia de que o Direito deve ser realizado apenas
através da norma, em um sentido de que toda a realidade social é ignorada. Para
tanto, entende-se que o Direito independe da coerção estatal, ele nasce dos hábitos.
Afinal, se atribui a eficiência as normas jurídicas a medida em que as mesmas
384
Inés era para ser uma mulher como qualquer outra de sua época. A Espanha,
naquele momento, borbulhava na ânsia de fazer a vida no “Novo Mundo”. E mal
sabia a personagem que era em volta desse sonho de conquista que sua vida seria
traçada.
Neste contexto, o que era esperado é que o destino de Inés, como de qualquer
outra mulher, seria traçado pelo patriarca: casar, ter filhos, cuidar da casa. Porém,
Isabel Allende faz questão de descrever uma mulher que não consegue se enxergar
nesse papel.
Casou-se ainda jovem, com Juan, um homem sonhador e ambicioso. O sonho
deste coincidia com o de muitos outros homens: ir a América e enriquecer. E, como
muitos, quando conseguiu finalmente partir para o “Novo Mundo”, deixando sua
esposa na Espanha, sem esperanças de saber se o veria novamente. Acabavam
que essas mulheres eram dadas como viúvas, pois os maridos ou não voltavam ou
acabavam por morrer na América.
Ao não se ver feliz vendo o marido partir, deixando-a a própria sorte, Inés
decide que irá a América, ao encontro de Juan. E trabalha para conseguir o dinheiro
da viagem e a permissão para partir por parte do Rei. Quando consegue viajar e
chegar à América descobre que seu marido está morto. Ainda assim, prefere
permanecer na América.
Seu destino cruza com Pedro de Valdívia em uma noite, onde este irá salvá-la
de uma tentativa de estupro. Desde este momento em diante, Inés, apaixonada por
Valdívia, parte em conquista de território, fazendo assim parte da história da
colonização do que hoje é entendido pelo Chile. A responsabilidade de Inés,
inicialmente, era cuidar dos feridos e doentes, cozinhando e costurando roupas para
os soldados. Quase um cuidar do lar.
Apesar dessa caracterização da mulher ainda muito ligada a questões
domésticas, Inés é descrita também como uma mulher que se sente muito a vontade
em tomar suas próprias decisões, mesmo que na ausência de Pedro de Valdívia.
Outro fator importante da narrativa, é que Inés costumava participar das reuniões
onde Pedro de Valdívia discutia, com seus homens de confiança, sobre o que
deveriam fazer referente ao novo espaço que estavam conquistando. Apesar dessa
participação ser quase que silenciosa, Inés Suarez opinava e tinha suas ideias
387
ouvidas por Valdívia, mesmo que muitos homens se sentissem incomodados com
essa influência.
O romance é contado sob o olhar de Inés, e não de outro homem. Ela decide
escrever sua história, ou pelo menos parte de suas memórias, para sua filha adotiva,
Isabel, e seus sucessores. É preciso que não se perca o que aconteceu, e como
aconteceu. O fato de Inés saber ler e escrever, conhecimento que “pertencia”
apenas aos homens, e ela mesma escrever seus relatos, já a coloca frente ao seu
tempo.
A personagem Inés transforma sua realidade. Quebra tabus impostos a seu
sexo. Allende a representa como uma mulher que exige que os homens a respeitem,
enquanto um ser com vontades próprias, capaz de lutar por sua sobrevivência e
tomar decisões que influencie a vida de todos. Inés foi responsável pela formação da
cidade de Santiago, participando ativamente da maioria das construções realizadas
no período. Acabou por tornar-se uma mulher rica e independente. E respeitada,
principalmente.
A obra de Allende não deixa de ser um marco sobre a luta das mulheres em
relação ao domínio dos homens nos espaços públicos e privados. É uma quebra
nessa situação, quase que dogmatizada, de que as mulheres só devem ocupar os
espaços que a elas foram designados – por um homem, é claro. Porém, não se
pode deixar de notar que, embora muito autônoma na maioria das vezes, a figura de
Inés Suarez é sempre associada a um homem. É um homem que move sua vinda a
América, é um homem que permite sua permanência. Embora muito desprendida
dos conceitos da época, a sensação que fica é de que toda a vida de uma mulher
bem como suas decisões sempre estará ligada a um homem.
Ainda assim, ao descrever todas as violências vividas por Inés, só por ser
mulher, e todos os caminhos que a mesma teve de percorrer para ser aceita, mesmo
sendo mulher, como um ser humano igual a qualquer outro, descreve quase que o
cenário atual, sobre o imaginário social, apesar da obra ser ambientada em plena
colonização da América.
3 O Imaginário Social
Não há uma representação única sobre uma única coisa, mas sim uma
representação que é escolhida arbitrariamente a fim de significar outras e definir
sobre as práticas: “As representações coletivas exprimem sempre, num grau
qualquer, um estado do grupo social, traduzem a sua estrutura actual e a maneira
como ele reage frente a tal ou tal acontecimento, a tal ou tal perigo externo ou
violência interna” (BACZKO, 1985, p. 306).
As relações sociais não estão apenas no físico e material. Para a psicanálise,
Baczko (1985, p. 309-310) afirma que a imaginação é uma atividade própria do
sujeito a fim de ajustar o mundo quanto as suas necessidades e conflitos. O autor
aponta:
[...] por um lado, a representação como dando a ver uma coisa ausente, o
que supõe uma distinção radical entre aquilo que representa e aquilo que é
representado; por outro, a representação como exibição de uma presença,
como apresentação pública de algo ou alguém.
De modo que, ainda para o autor, a representação serve para tornar algo
ausente em algo presente na mentalidade: “Na primeira acepção, a representação é
o instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente
substituindo-lhe uma ‘imagem’ capaz de repô-lo em memória e de ‘pintá-lo’ tal como
é” (CHARTIER, 1991, p. 184).
O imaginário deve ser entendido enquanto visão de mundo. Não apenas como
uma visão de mundo, mas uma representação do mesmo. E entender que as
representações são também produtos dos interesses e da bagagem cultural de seus
agentes.
A Literatura não deixa de ser um bom material a quem pretende trabalhar com
história das mulheres. O objeto seria espelhado pelo discurso do historiador. É
quando a subjetividade começa a ser considerada, é que o uso de tipos de fontes é
390
Em Inesdel alma mia, Isabel Allende representa o que para ela, são as
mulheres, seu cotidiano, suas dificuldades. Por outro espectador, a descrição
poderia ser diferente, outras características seriam levadas em consideração. A
forma como representa as suas personagens femininas pertence tão somente a
Allende. É a partir de suas experiências, de suas impressões, é que partem suas
personagens, tanto feminina quanto masculina. Isso não significa que suas
personagens sejam meramente ficcionais.
Porque são imaginadas por Isabel Allende, não significa que não existam, não
deixam de ser uma representação de mulheres do mundo. O que quer dizer que, ao
falar de mulheres, Allende não fala de todas para todas, mas não deixa de
representar uma parcela delas.
Isabel Allende, ao falar especialmente de mulheres, cria um perfil das mesmas.
Mas a que mulheres a autora se refere? Condiz com a classe social e espaço em
que está inserida, o que se leva a perguntar se essas mulheres se sentem
pressionadas ou excluídas pelas mesmas razões. E de que forma, também, essas
mulheres não deixam de ser representações da própria autora, de sua realidade...
Essas questões que nos tocam...
391
Conclusão
Referências Bibliográficas
ALLENDE, Isabel. Inês del alma mia. 1ª Ed. Buenos Aires: Areté, 2006.
BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004.
TAQUARY, Eneida Orbage de Britto. O direito vivo de Eugen Ehrlich. IN: Univ. JUS,
Brasília, n. 19, p. 203.211, jul./dez. 2009.
394
GRUPO DE TRABALHO 7
DIREITO DA UESB
Introdução
uma categoria universal, mas como uma forma de regulação das relações sociais. A
“sua vinculação com os “interesses da classe dominante” resulta numa ruptura
ideológica com a ideia do direito enquanto uma expressão dos interesses públicos
universais” (SOARES; PAZELLO, 2014, p. 487).
Sendo assim, as Assessorias Jurídicas Universitárias Populares relacionam-se
às práticas que se colocam ao lado dos sujeitos subalternizados e da classe
trabalhadora no enfrentamento das demandas dos movimentos sociais. Esses
modelos, dentro da estrutura tecnicista e hegemônica dos cursos de Direito, servem
como catalizadores de um processo de consciência que leva à formação dos
estudantes forjados nas lutas cotidianas. Ana Lia Almeida entende, dentro das
discussões levantadas na sua tese de doutorado196, a partir de uma entrevista com
uma das integrantesdo Serviço de Apoio Jurídico Universitário da UFBA, que o
serviço de assessoria é visto como um intruso dentro da faculdade. Nesse sentido,
ela problematiza “o modo como os trabalhadores [...] são considerados intrusos no
direito, como se não pudessem ter acesso às benesses garantidas por este
complexo das relações sociais” (2016, p. 167).
Ao aproximar o saber institucionalizado da academia à experiência e ao saber
popular, as AJUPs se colocam, também, no lugar da desmistificação do saber
jurídico. Esse saber, fundado na assimilação de letras de lei, da operação de
códigos e de doutrinas, de pouco serve à comunidade se não transformado. A
acessão aos institutos jurídicos, pela comunidade que pouco tem, ou inexiste,
conhecimento nesse campo, deve ser mediada pelos juristas. Para tanto, cabe a
esses um compromisso com a realidade na qual estão inseridos, o que corresponde
justamente ao que esse projeto extensionista se destina.
Conjugando-se o âmbito das análises com a estrutura social na qual estamos
inseridos, as AJUPs servem ao desafio de ter, para além da teoria, a práxis como
um parâmetro fundamental para o marxismo. O direito insurgente, assim, verifica-se
“onde há práxis social com a potencialidade/latência de negação, mesmo que
periférica, da forma mercantil” (SOARES; PAZELLO, 2014, p. 498). Essas práticas,
no domínio das Assessorias nascem do diálogo entre o amparo técnico e a ação,
aderindo, também, a frente pedagógica (educação popular) e a organizativa
196
“Um estalo nas faculdades de direito: perspectivas ideológicas da Assessoria Jurídica Universitária
Popular” (2015)
405
(organização política).
O saber jurídico, institucionalizado dentro da Academia, é ressignificado na
medida em que passa a servir a um fim social. A Universidade, enquanto lugar de
debates, discussões e formação política precisa estar integrada à sociedade da qual
faz parte. O conhecimento construído dentro das salas de aula devem estar à favor
da população demandante. O Direito, enquanto ciência que permite a resolução de
conflitos e demandas, pode ser usado, assim, por meio das AJUPs como
instrumento à favor das minorias e movimentos marginalizados que não tem acesso
à justiça. A justiça é entendida aqui não com o acesso ao Poder Judiciário, mas
como ao respeito ao devido processo legal, à não violação dos direitos desses
demandantes e da resolução efetiva do conflito, não se restringindo ao campo legal.
movimentos sociais, por meio de atividades que levantam discussões sobre o lugar
que essas minorias se constituem na sociedade. Essas atividades se materializam
em forma de oficinas, Jornadas, capacitações, grupo de estudos e encontros para
discussão.
Nesse sentido, a promoção dos cursos de formação para a comunidade, não
só acadêmica, compreende uma das mais importantes estratégias de engajamento
político e enfrentamento interno do NAJA, na universidade. Tendo em vista que
projeto se destina não somente aos acadêmicos dos mais diversos cursos, da UESB
ou não, mas também a qualquer membro da comunidade, esse espaço de formação
é entendido como uma oportunidade de expansão de um saber jurídico
desmistificado e ressignificado. Semestralmente, os cursos se organizam na
dinâmica de discutir o ensino jurídico hegemônico, a estrutura reproduzida pelo
curso de Direito, novas articulações frente às demandas populares, além de
questionar qual o espaço que as Assessorias Jurídicas Populares ocupam na
universidade e, principalmente, sua importância para a comunidade.
Para além do “mito da neutralidade”, resquício do positivismo kelseniano, é por
meio dos cursos de formação que levanta-se um embate ideológico claro dentro da
academia, na busca por um direito contestador, que se posiciona numa postura
compromissada com as causas da classes trabalhadora e demandas dos
movimentos sociais. É importante reiterar o modo com que a assessoria, num
procedimento diferente da assistência, mediam essas demandas, por meio deuma
troca de conhecimentos, não querendo falar por aqueles que buscam a resolução de
conflitos. A atuação da Assessoria não é autônoma, de modo a desenvolver-se de
acordo com a vontade dos demandantes.
A preocupação de GayatriSpivak, na obra Pode o subalterno falar?(2010),
remete-se diretamente com a dinâmica das AJUPs, e do NAJA,por conseguinte, na
medida em que busca-se, por meio do assessoramento, ouvir as vozes que são
silenciadas. O subalterno, para Spivak, são as camadas mais baixas da sociedade
constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação
política e legal. Desse modo, ela atenta para o perigo de se construir o outro e o
subalterno como objeto do conhecimento, de modo a falar por eles. O NAJA, nessa
orientação, entende essa preocupação, pois busca colocar os movimentos sociais,
organização de sujeitos subalternizados, no lugar de agentes sociais que são
ouvidos, se articulam e criam estratégias na disputa pelos seus direitos.
407
197
Litígio é um termo jurídico que é utilizado quando alguma demanda é colocada em juízo e há
408
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
KELSEN, Hans; [tradução João Baptista Machado]. Teoria Pura do Direito. 6ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1998.
NAVES, Márcio B.. A questão do Direito em Marx. São Paulo: Outras Expressões;
Dobra Universitário, 2014.
_______. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2011.
SPIVAK, Gayatri. Pode o subalterno falar?. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010.
198
Discente do curso de Direito da UEL, integrante ativa do projeto LUTAS-AJUP da Universidade
Estadual de Londrina;e, por conseguinte, da Comissão de Jataizinho.E-mail: mascarafiz@gmail.com.
414
Gabriel Vinicius199
Júlia Vieira200
Resumo
Introdução
1 Desenvolvimento
5,701 milhões em áreas urbanas e 1,539 milhão em zonas rurais. Ou seja, supre-se
a necessidade por unidades habitacionais apenas se utilizando de domicílios
desocupados.
Tal realidade se deve à um dado muito presente na sociedade capitalista
contemporânea: a especulação imobiliária. A alta valorização de imóveis torna
impossível que um trabalhador urbano possa ter acesso à uma moradia de
qualidade próxima ao seu trabalho, mandando-o para a periferia e mantendo os
centros para uma determinada classe privilegiada.
Isso ocorre por vários motivos, dentre eles a infraestrutura levada pelo Estado
à determinadas áreas, fazendo com que o valor dos imóveis, e consequentemente
dos impostos, se elevem. Isso diminui o público que tem poder aquisitivo de compra
em uma área determinada, bem como expulsa aqueles que já residem no local, e
que, todavia, não conseguem sustentar o aluguel ou os impostos decorrentes da
propriedade.
Ocorre que, dada a quantidade de imóveis vazios com vistas a especulação e o
número de famílias sem moradia, muitas destas se veem na necessidade de ocupar
esses locais que não cumprem sua função de habitação, ainda que de forma
precária.
Segundo o último Plano Estadual de Habitação de Interesse Social do Paraná,
que desenvolve estratégias de planejamento sobre o setor habitacional até o ano de
2023, o município de Jataizinho/PR conta com o total de 3.131 domicílios. Todavia,
nesta proporção, há aproximadamente 10% de déficit habitacional absoluto e
relativo. Ainda, 10% destas mesmas moradias – seja domicílios ou assentamentos,
também apresentam condições subnormais ou precárias, caracterizando um alto
índice de déficit qualitativo por carência ou deficiência de infraestrutura básica.
Portanto, sob este contexto, desenvolve-se o caso da Ocupação Jardim Bela
Vista, que será relatada a seguir.
Conclusão
próprios.
A precariedade na infraestrutura pública ainda persiste. Acontecimentos que
narraram o desabamento de fossa séptica; ou em outro momento, que devido ao
desgaste das ruas/estradas de terra, os fios elétricos acabam por ficar expostos no
solo, podendo ocasionar altas descargas de energia; evidenciam a emergencial
preocupação dos moradores para efetivar a regularização do terreno.
Diante deste anseio, os resultados até então conquistados são primorosos. Os
ocupantes se reorganizaram enquanto Associação de Moradores, reiniciaram o
diálogo com a comunidade e restabeleceram as atividades para a regularização da
área. Embora tenham contado com o apoio da assessoria do Lutas no início,
atualmente gerem os assuntos da Associação de forma autônoma.
De outro lado, os membros do Lutas – AJUP compreenderam o que é a
expressão “luta” para além do que é dito nos livros. Isto porque, vivenciam junto à
comunidade, vendo e ouvindo o que é ser colocado à margem da sociedade e
ignorado pelo Estado, de forma que a Universidade não poderia proporcionar senão
pela prática extensionista.
Espera-se que essa relação entre ocupantes e estudantes rendam ainda mais
frutos do que aqueles vistos até o momento e apresentados no trabalho. A luta na
ocupação Jardim Bela Vista continua, assim como todas as lutas sociais vivenciadas
dia-a-dia por aqueles quem tem nelas seu único meio de fazer valer seus direitos.
Referências
______. Cerâmica que cobriu cidades está em ruinas. 2008. Disponível em:
<http://www.folhadelondrina.com.br/>. Acesso em 02 jul. 2017.
426
201
Discente do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina. Membro ativa do projeto
integrado LUTAS – Assessoria Jurídica Universitária Popular. E-mail: juliaviera.vr@gmail.com.
202
Discente do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina. Membro ativo do projeto
integrado LUTAS – Assessoria Jurídica Universitária Popular. E-mail: silvagabrielvinicius@gmail.com.
428
Gabriel: Wagner, eu gostaria que você nos contasse como chegou até aqui?
Wagner: Meu nome é Wagner, eu cheguei aqui foi por acaso. Meu sogro ficou
sabendo que teria uma invasão aqui no conjunto, logo no começo. Ai ele veio e
pegou dois terreno, pegou um lá em cima e onde estou morando hoje. Eu morava na
casa da minha mãe ainda lá. Ai ele pegou e falou assim: “- Vou dar uma data pra
vocês”. Deu até pra minha mulher. Até na época falei: “ – Adriana, isso não vai
funcionar, porque você vai construir um negócio no terreno dos outros, isso vai dar
problema pra gente no futuro”. Ela disse: “ – Não, vamos meter a cara, vamos
fazer!”. A gente fomo correndo atrás das coisas, compramos o material e fomo
construindo. Chegamos lá no conjunto, não tinha luz e não tem nada. Na verdade,
não tinha e não tem né. Hoje, a gente graças a Deus, nossa casinha tá boa, as ruas
tá boa. Mas, quando a gente entrou mesmo, se você ponhasse um par de chuteira
não andava, de tanto barro que era. Eu, por trabalhar dentro da prefeitura, a gente
trazia pedra na concha da máquina; e ia jogando nas estradas pra poder arrumar.
Gabriel: Neste processo, de que forma a atuação conjunta com projeto Lutas foi
importante?
Wagner: Com o tempo, a gente foi conversando entre o prefeito e o vereador, e o
encarregado onde eu trabalho da firma da prefeitura. A gente conseguiu fazer um
entrosamento através do pessoal do Lutas também né? Que veio em 2014, dar uma
força pra gente, ajudou demais da conta, quer dizer, ajudou praticamente tudo.
Quando o Renato apresentou o Lutas, eu até achei que não ia dar certo. Porque é
diferente, porque eu falo pra todo mundo, o mundo das pessoas que tem ocupação
e da UEL são diferente. Mas ai, a gente se engana, porque a convivência, todo dia
batendo papo e conversa, ai você vai vendo que conhecendo as pessoas que ela
não é daquela forma que a gente sempre pensa. Então, você vai ver que a pessoa é
igual a gente, não muda nada (grifo nosso). Só a distância, a forma de trabalhar.
Mas o trabalho em si, o que nós fizemos, a Associação dos Moradores daqui de
Jataizinho do Bela Vista e o grupo Lutas né, então foi uma parceria muito boa, foi
muito bom pra gente, até a gente agradece muito isso dai. Por causa, sem vocês a
gente não ia conseguir entregar nossos boleto. Não é só você meter a mão na
massa, ir lá fazer, tem que ter assessoria, tem que ter conhecimento, artimanha
daqui e dali, porque advocacia tem que ter jogo de cintura, né? Todo lugar tem que
ter jogo de cintura. Mas é assim, vocês fazendo o trabalho lá, a gente fazendo aqui;
e vamo se ajudando (grifo nosso). Graças a Deus, tá dando certo, o resultado tá ai.
A entrega do boletos hoje, daqui mais uns três meses a gente vai fazer todos os
boletos geral certinho, pronto para os três ano que tem. Cada um ter sua casa, o
direito de moradia que é o essencial pra todo mundo. O sonho de todo brasileiro ter
o direito à sua casa (grifo nosso).
que nosso bairro vai estar muito organizado, com luz e rede esgoto, quem sabe o
asfalto, mas isso é futuro né? Futuro só à Deus pertence. Vamo lutando, não pode
perder a esperança” (grifo nosso).
431
Júlia Vieira203
Gabriel Vinicius204
203
Discente do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina. Membro ativa do projeto
integrado LUTAS – Assessoria Jurídica Universitária Popular. E-mail: juliaviera.vr@gmail.com
204
Discente do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina. Membro ativo do projeto
integrado LUTAS – Assessoria Jurídica Universitária Popular. E-mail: silvagabrielvinicius@gmail.com
432
Imagem 1 – Moradores,PRESENTE!