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O número de pessoas que praticam terapias ditas alternativas e de "centros de terapias Gustavo Gauer,
alternativas" é consideravelmente grande, e tende a aumentar, bem como suas clientelas. Mariane L. de
Como exemplo destas técnicas pode-se mencionar: "Cromoterapia", "Florais de Bach", "Terapia Souza,
de Regressão a Vidas Passadas" (TRVP), e "Psicologia Transpessoal". Em Cursos de Psicologia Fábio Dal Molin e
encontram-se muitos estudantes que são admiradores destas terapias, alguns que já são William B. Gomes
praticantes e outros que pretendem dedicar-se a essas atividades. Um indicativo desta
tendência é o grande número de cartazes anunciando cursos, encontros e serviços nos
corredores de nossas universidades, próximo aos cursos de psicologia.
Sobre as terapias alternativas, seus praticantes, seus clientes e sua proliferação, não há
dados estatísticos disponíveis e tampouco há conhecimento sobre a sua eficiência. Entende-se
por eficiência a indicação ou especificação da natureza do benefício obtido por pessoas que se
submentem a esses tratamentos (Gomes, Reck, & Ganzo, 1988). Marques (1994) interpretou o
movimento das práticas alternativas como tratando-se de efeito da pós-modernidade e das
Instituto de Psicologia
mudanças mundiais na Psicologia. Em seu estudo, emergiram como categorias a mudança de UFRGS
paradigma e a psicologia transpessoal, que reúne alguns dos estudos e investigações
relacionados às práticas alternativas.
Sabe-se que o campo da Psicologia caracteriza-se pela ausência de um vocabulário
comum e de um consenso sobre seus princípios básicos, além de haver um grande número de
escolas com propósitos distintos (Omer & abordagens seriam as mesmas, sob diferentes
Strenger, 1992). Se tal dificuldade em se traçar nomenclaturas. Na comparação entre o
padrões dentro do campo da Psicologia processo psicanalítico e a prática zen-budista
estende-se à psicoterapia convencional, mais encontrou-se convergências no entendimento
complicado ainda será fazê-lo com as terapias das relações entre dependência e hostilidade,
alternativas. Entende-se que as teorias na área e nas ênfases em relacionamento interpesso-
da Psicologia tidas por científicas são aquelas al, fortalecimento do ego e interpretação.
que incorporam, com uma ou outra variação, Estudos sugerem que as várias terapias
preceitos de uma lógica empírica-racional na ocidentais tornam-se mais eficientes quando
construção de seus aparatos teóricos e combinadas com sistemas orientais de auto-
subsistem submetendo esses aparatos a controle (Ikemi, 1990) e que há aspectos
avaliações que permitam demarcar seu positivos no uso de certas ervas pela medicina
escopo (Tourinho & Carvalho, 1995). Incluem- oriental no tratamento da depressão (Sarai,
se nesse grupo as teorias do campo da 1992).
Psicologia que, sem corresponder necessaria- Numerosos estudos sobre psicotera-
mente a um modelo de ciência natural, deram pia têm abordado o tema da importância do
origem a práticas de investigação, produção e contexto cultural no processo psicoterapêuti¬
validação de conhecimento que podem ser co, especialmente sobre a sua eficiência.
consideradas científicas. As práticas alternati- Comparações transculturais relativizam a
vas são contempladas, neste sentido, como validade dos métodos atuais de psicoterapia
alternativas à Psicologia na medida em que (Littlewood, 1990; Pfeiffer, 1991). As represen-
pretendem dar conta de problemas tradicio- tações de pacientes e terapeutas sobre
nalmente reservados à disciplina psicológica, conceitos de saúde e doença influenciam em
valendo-se, contudo, de recursos explicativos 60% a eficácia terapêutica; no entanto, o papel
que não se confundem com aqueles emprega- da cultura dificilmente é considerado pela
dos por teorias científicas. Os recursos maioria das teorias (Havenaar, 1990). Bergin e
explicativos das práticas alternativas, ao Jensen (1990) investigaram as mudanças nos
contrário das teorias científicas, contêm valores religiosos de psicoterapeutas america-
elementos místicos, religiosos ou supersticio- nos. Constataram que esses profissionais não
sos. O alternativo não se define, então, pela indicaram afiliações a organizações religiosas
atividade prescrita em si, nem pelo fato de se convencionais mas sim envolvimento em
constituir como uma experiência nova no práticas espirituais não convencionais. Os
campo da intervenção psicológica, mas pelo autores identificaram essa tendência como um
tipo de conhecimento veiculado e pelas "humanismo espiritual" e acreditam que esta
concepções de homem e de mundo a eles nova postura poderia aproximar a terapia de
subjacentes. (p. 85) um público mais religioso. Estudando-se a
Constata-se uma forte influência do relação entre a cura carismática católica e
pensamento oriental sobre as terapias psicoterapias, observou-se que os terapeutas
alternativas. Os tratamentos caracterizam-se que tentam integrar as duas visões vêm
pelo uso de meditação e de relaxamento, e por encontrando dificuldades práticas relaciona-
apresentarem pressupostos holísticos, das às diferenças nos pressupostos (Csordas,
entendidos como unidade entre corpo e alma, 1990). Pesquisados os chamados "tratamentos
sendo que o termo alma inclui tanto os nativos" da cultura africana, praticados por
aspectos mentais como espirituais. A compati- curandeiros e bruxos, através de exorcismo e
bilidade entre meditação e psicoterapia já foi sacrifícios, constatou-se a importância de se
estudada, concluindo-se que psicanalistas levar em consideração os aspectos culturais
consideram a prática da meditação como quando na transposição de uma teoria de uma
contraproducente para o processo terapêuti- cultura para outra (Vontress, 1991). Por outro
co, enquanto psicoterapeutas transpessoais lado, observa-se na literatura relatos de
acreditam no contrário (Bogart, 1991). A tentativas de compreensão de práticas nativas
psicologia transpessoal faz uso de técnicas africanas no sentido de saber o que estes
convencionais em conjunto com práticas tratamentos podem oferecer às terapias
conscientizadoras orientais, a fim de lidar com ocidentais (Straker, 1994). Os ritos afro-
o chamado "nível transpessoal" (Tabone, brasileiros e seus modelos míticos de compor-
1992). Elementos comuns entre psicanálise, tamento foram estudados por Monique Augras
psicologias humanista e transpessoal, e zen¬ (1983). A autora considera que num País como
budismo foram investigados (Rhee, 1990). O o Brasil, com a enorme riqueza de culturas e
autor constatou que as propostas dessas subculturas que se opõem, se interpenetram,
se chocam e se integram, não há muito sentido em aceitar os modelos euro-americanos como fontes
exclusivas do saber. (p. 12)
A teoria de Carl Gustav Jung (1964) apresenta notáveis considerações acerca das interações
entre cultura, mitologia, religião, psicologia e psicoterapia, introduzindo conceitos de uso relativa-
mente corrente, como inconsciente coletivo e arquétipo. Na verdade, Jung é um dos autores mais
citados pelos terapeutas alternativos. Fadiman e Frager (1979), em seu conhecido livro sobre teorias
da personalidade reconhecem o interesse nos sistemas filosóficos orientais ocorrido nos Estados
Unidos: Numa época de contínuo questionamento a respeito dos pontos de vista estabelecidos
sobre religião, ciência e sistemas políticos organizados, há uma busca correspondente por modelos
de comportamento humano alternativos, modelos que sejam baseados em uma observação
diferente e que conduzam a conclusões alternativas. (p. 281). Tal colocação parece pertinente à
situação de escalada que os sistemas alternativos experimentam atualmente no Brasil.
A proposta deste estudo é estabelecer uma primeira aproximação com as práticas psicote-
pêuticas alternativas. Neste trabalho, define-se como terapias alternativas aquelas técnicas cujos
pressupostos teóricos e filosóficos e os critérios de formação não estejam relacionados diretamente
com a tradição das psicoterapias adotadas por psicólogos e psiquiatras, conforme indicado por Dorin
(1978). Interessa saber quais os motivos que levam um leigo ou um psicólogo a tornar-se um
psicoterapeuta alternativo, qual a formação necessária para o exercício dessa prática, que tipo de
resultados tem-se alcançado e como os terapeutas descrevem suas experiências com essas terapias.
Sobre os pacientes, pretende-se descobrir por que eles procuram uma terapia alternativa, como eles
descrevem suas experiências e quais benefícios encontram nesse tipo de terapia.
MÉTODO
Participantes
Participaram deste estudo dez terapeutas e dez pacientes de psicoterapias alternativas. Os
primeiros terapeutas foram localizados a partir de indicações de estudantes de psicologia que
acompanham os movimentos de psicoterapia alternativa. Os demais terapeutas foram localizados
por indicação dos primeiros entrevistados. Estes terapeutas representavam quatro modalidades de
terapias alternativas (Tabela 1).
Instrumento/Procedimento estudo de uma maneira globalizante incluindo:
o acta (o que é feito), o data (o que é dado) e o
O instrumento utilizado na obtenção de dados capta (o que é tomado). No caso deste estudo
pela presente pesquisa constituiu-se de dois têm-se os depoimentos dos terapeutas e dos
protocolos tópicos de seqüência flexível pacientes (acta), obtido através de entrevistas
(Patton, 1990), para entrevistas individuais, (data) como entendido pelos pesquisadores
dirigidos a cada um dos grupos. O protocolo (capta). No entanto, a percepção dos pesquisa-
utilizado como roteiro para a entrevista dos dores não pode ser interpretada como a
pacientes é o mesmo utilizado em estudos expressão de uma subjetividade. A comunali¬
anteriores sobre a percepção de pacientes dade encontrada nos depoimentos valida-se na
sobre sua psicoterapia (Gomes, Reck & Ganzo, intersubjetividade de um mundo compartilha-
1988; e Gomes, Reck, Bianchi & Ganzo 1993). Os do, que é a especificação de um contexto de
protocolos (Anexo 1) têm conteúdo baseado relações interpessoais. Temos, portanto, o
em sondagem de campo e serviram à realiza- produto objetivo de um ato comunicativo,
ção de entrevistas semi-estruturadas, visando a entre entrevistador e entrevistado, que
livre expressão das experiências conscientes esclarece e explica o material estudado.
dos sujeitos a partir de perguntas formuladas
de modo a facilitar suas descrições. As entrevis-
DESCRIÇÃO
tas foram realizadas e gravadas em audioteipe
nas residências ou locais de trabalho dos A descrição das respostas dos entrevis-
participantes. Todos os participantes foram tados divide-se em duas partes. Primeiro
informados dos propósitos da pesquisa e apresenta-se as categorias (especificações
aceitaram dar a sua contribuição de forma tipificadoras) emergentes da leitura dos relatos
voluntária (consentimento informado). A dos terapeutas e dos pacientes, respectiva-
seguir, o material foi transcrito na íntegra, mente. As frases em itálicos indicam transcri-
totalizando cerca de 12 horas de entrevistas e ções literais das entrevistas. Em geral, são
300 páginas de transcrições. As entrevistas frases que sintetizam ou definem as posições
foram formatadas para o uso do software de dos entrevistados.
análise qualitativa Ethnograph 3.0, que
possibilita a delimitação e listagem das 1. Terapias Alternativas:
categorias de análise. A percepção dos terapeutas
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Anexo 1 PROTOCOLOS TÓPICOS DAS ENTREVISTAS
Abertura: Estou desenvolvendo uma pesquisa com o objetivo de levantar dados sobre a experiência de
praticar terapia alternativa e a de estar em terapia alternativa. Eu tenho um roteiro de entrevista, mas o
importante é o teu depoimento. A entrevista será gravada, e o que disseres permanecerá confidencial. Tens
alguma dúvida?
Abertura: Estou desenvolvendo uma pesquisa com o objetivo de levantar dados sobre a experiência de
praticar terapia alternativa e a de estar em terapia alternativa. Eu tanho um roteiro de entrevista, mas o
importante é o teu depoimento. A entrevista será gravada, e o que disseres permanecerá confidencial. Tens
alguma dúvida?