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TEXTUAL II
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
PRODUÇÃO TEXTUAL II
SEJA BEM-VINDO(A)!
Carx acadêmicx, é com grande prazer que apresento a você o livro que fará parte da
disciplina de Produção Textual II. Sou a professora Thays Pretti, e o preparei pensando
em facilitar a sua aquisição de conhecimentos a respeito da função da escrita e da forma
como transmitir e aplicar os conhecimentos obtidos em Produção Textual I em sala de
aula.
Sou formada em Letras e Mestre em Letras. Atuo na docência há seis anos, acompanhan-
do o aprendizado de alunxs de diversas faixas etárias, e posso dizer que o ensino e, mais
do que isso, a percepção da aprendizagem dx alunx, é um processo fascinante.
Ao escrever este livro, meu principal objetivo foi o de, sem fornecer receitas prontas, per-
mitir reflexões teóricas e práticas que contribuam com o seu trabalho como professorx.
Para tanto, será necessário também muito empenho de sua parte para a realização des-
se intenso trabalho. No decorrer de suas leituras, procure interagir com os textos, fazer
anotações, responder as atividades de autoestudo, anotar suas dúvidas, ver as indica-
ções de leitura e realizar novas pesquisas sobre os assuntos tratados, pois, com certeza,
não será possível esgotá-los em apenas um livro.
Para começar nosso trabalho estimulando seus questionamentos, gostaria que prestas-
se atenção à grafia das duas primeiras palavras desta apresentação. Isso mesmo, alunx.
Eu terminei as duas palavras com um “x” no lugar do “a” ou “o”, ou do típico “o(a)”. Fiz isso
– e farei o mesmo várias vezes no decorrer da apresentação e conclusão deste livro –
por uma questão ideológica. Isso porque sou uma feminista formada em Letras. Como
feminista, considero importante lutar pela igualdade dos gêneros. E como licenciada
e Mestre em Letras, considero que a linguagem é um reflexo social, e um espaço que,
mesmo que não seja intencionalmente, transmite ideologias.
Na discussão sobre gêneros (não os do discurso, os sexuais), é comum utilizar o “x” sig-
nificando “o” ou “a”, para alcançar tanto o gênero feminino quanto o masculino e outras
identidades de gênero intermediárias a essas, existentes em nossa sociedade. Além dis-
so, como o “x” é uma letra comum (diferente da @, por vezes utilizada com o mesmo fim),
não descaracteriza a aparência do texto.
Mas que ideologia poderia ser transmitida se eu utilizasse o “o” ou o “o(a)”? Note que, se
eu utilizasse o “o” genérico (como quando usamos a palavra “homem” para identificar
toda a humanidade), estou enfatizando o gênero masculino, mesmo que a maioria dxs
estudantes de Letras seja do gênero feminino. Isso não seria injusto para com a maioria?
O mesmo ocorreria – de forma um pouco amenizada – se eu colocasse “o(a)”, uma vez
que o “o” ainda seria o principal, apenas abrindo um pequeno espaço para “a”.
Alguém poderia dizer: “mas professora, muitas línguas usam o masculino como gene-
ralização, não vejo porque escrever desse jeito estranho que você está propondo”. Meu
argumento seria afirmar que, desde a antiguidade, desde quando as línguas foram sur-
gindo e se desenvolvendo, era o homem que detinha o poder. E, se a(s) língua(s) fun-
ciona(m) usando o masculino como generalização, foi porque, em algum momento do
APRESENTAÇÃO
passado, alguém decidiu isso, ou simplesmente achou que não era necessário um
gênero neutro para indicar gênero feminino e masculino somados – que se deixasse
apenas o masculino, e empurrasse o feminino para as sombras. Basta lembrar que,
na Antiga Grécia, mulheres, escravos e imigrantes nem eram contados como cida-
dãos. Se era assim, por que achariam necessário criar um gênero neutro? O gênero
feminino nem era considerado como existente!
Outra pergunta que poderia surgir seria: “por que usar o x apenas na introdução e
conclusão?”. Minha explicação é que, uma vez que x leitorx pode não estar acostu-
madx com esse tipo de escrita, a compreensão do conteúdo aqui apresentado pode
se tornar truncada e difícil e, por bem da didatização do conteúdo, não é isso que
desejamos. Entretanto, desejo que guarde bem meu posicionamento ideológico e
compreenda os motivos que me levam a usar o x em certas ocasiões e a não usá-lo
em outras.
De toda forma, ainda que você, alunx, não concorde com o meu ponto de vista,
precisa entender que todo texto é um produto social e ideológico, mesmo o mais
inocente deles. E isso também precisa ser ensinado para xs alunxs nas aulas de pro-
dução textual. O domínio da capacidade de produção escrita vai além do domínio
de estruturas gramaticais. Escrever é uma conjugação de fatores técnicos, sociais,
ideológicos, estilísticos, entre outros, os quais precisam ser guiados por objetivos
e se adequar a certos padrões para que a comunicação se efetive. Escrever é se co-
municar. É um diálogo, ainda que pareça apenas um exercício solitário. E é isso que
vamos tentar entender neste livro.
Para tanto, trabalharemos, nas cinco unidades que o compõem, tópicos que lhe aju-
darão a entender aspectos da leitura e escrita escolar a partir do conceito dos gêne-
ros textuais. A primeira unidade, por exemplo, enfocará a função social da escrita,
observando também qual é a relação existente entre a escrita e a leitura. Discutire-
mos ainda, nessa mesma unidade, a respeito de algumas teorias da comunicação
– brevemente, uma vez que o assunto é muito extenso. Optamos por observar mais
de perto apenas aquela que será mais importante para seu desenvolvimento, alunx,
como professorx em formação. A partir dos conceitos de teoria da comunicação
explorados, observaremos as funções da linguagem, conhecimento fundamental
para o ensino da produção textual.
Na segunda unidade, discorreremos um pouco a respeito dos gêneros textuais,
comentando a respeito do modo como eles poderiam ser abordados em sala de
aula. Na sequência, começaremos a nos aprofundar um pouco nos tipos de gêneros,
começando pelos gêneros voltados para o narrar e o relatar.
A terceira unidade é uma continuação direta da segunda. Nela, continuaremos fa-
lando dos diversos tipos de gêneros textuais, explorando, assim, os gêneros do ar-
gumentar, expor e descrever. Após isso, falaremos um pouco sobre ciberespaço, e a
relação entre tal espaço e os gêneros textuais.
APRESENTAÇÃO
A quarta unidade já será mais voltada para a aplicação em sala de aula dos con-
ceitos estudados nas unidades anteriores. Portanto, falaremos sobre o que muda
com a transposição das aulas de redação para produção textual, bem como qual é
o papel dx professorx nesse (novo) processo de aprendizado. Ainda, na mesma uni-
dade, apresentaremos algumas propostas didáticas para o trabalho em sala de aula,
enfocando aquelas baseadas na concepção de linguagem que embasa o conceito
de produção textual. Das propostas didáticas originárias desse conceito, observare-
mos mais atentamente o conceito de sequências didáticas, que serão extremamen-
te úteis na prática docente.
A quinta e última unidade deste livro se detém na correção textual, uma parte im-
portante do desenvolvimento textual dxs alunxs, mas que, porém, precisa ser rea-
lizada da forma adequada para que consiga resultados efetivos. Falaremos, assim,
sobre avaliação formativa, considerando algumas metodologias para a correção
textual e, em especial, o importante trabalho de estimular a reescrita dos textos por
parte dxs alunxs, para que haja um aperfeiçoamento consciente do trabalho com a
linguagem.
Espero que esse nosso “cardápio” nos possibilite discussões enriquecedoras, e que
você, alunx, consiga carregar o que encontrar neste livro para suas práticas docen-
tes e, mais do que isso, para sua vida.
Professora Thays Pretti
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SUMÁRIO
UNIDADE I
15 Introdução
25 Teorias da Comunicação
35 Funções da Linguagem
48 Considerações Finais
UNIDADE II
GÊNEROS TEXTUAIS I
55 Introdução
92 Considerações Finais
UNIDADE III
GÊNEROS TEXTUAIS II
101 Introdução
UNIDADE IV
147 Introdução
UNIDADE V
179 Introdução
209 CONCLUSÃO
213 REFERÊNCIAS
Professora Me. Thays Pretti
FUNÇÃO SOCIAL DA
I
UNIDADE
ESCRITA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender que a escrita possui uma função social muito
específica.
■■ Entender o quanto leitura e escrita são interligadas não apenas como
ações, mas também como elementos que devem caminhar juntos no
processo de ensino-aprendizagem.
■■ Conhecer algumas teorias da comunicação, entendendo de que
forma explicam o processo comunicativo.
■■ Entender o processo comunicativo e a relação entre os elementos
que o compõem.
■■ Conhecer as funções da linguagem, percebendo suas principais
características.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A relação entre leitura e escrita
■■ Teoria da comunicação
■■ Funções da linguagem
15
INTRODUÇÃO
Carx alunx, nesta primeira unidade, você estudará algo que, talvez, possa mudar
suas concepções atuais de linguagem, escrita e leitura. Ou, quem sabe, pelo menos
trazer à frente dos seus olhos algo que você já sabia, mas nem tinha se dado conta.
Nesse sentido, gostaria que soubesse que eu, como pesquisadora, gosto muito
de “escavar” o conhecimento de onde aparentemente não há nada a ser escavado.
Gostaria, por exemplo, que você se atentasse de forma especial para o título da
unidade: FUNÇÃO SOCIAL DA ESCRITA.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Nem sempre damos a devida atenção aos títulos, aos subtítulos, aos nomes de
disciplinas. Entretanto, muito do que precisamos saber está concentrado exata-
mente aí. Isso porque, como discutiremos bastante na sequência, ler não é apenas
decodificar letras que, unidas, formam palavras, que formam frases, e assim por
diante. Ler é ler também o que não está escrito. Ler é buscar o que está suben-
tendido, o que se pressupõe, é vasculhar o que a pessoa que escreveu imaginava
que você já soubesse, de modo que fizesse referência a esse conhecimento ante-
rior para se aprofundar naquela leitura, ampliando seu campo cognitivo.
Então, pensemos. O que é “função”? Uma das definições que constam no
dicionário virtual Priberam nos indica que função é o “uso especial para que
algo é concebido”, sendo, nesse sentido, sinônimo de “funcionalidade” e “utili-
dade”. Ou seja, a escrita possui um “uso especial” para o qual foi concebida, uma
utilidade, e essa utilidade é social. Se é uma utilidade SOCIAL, é uma utilidade
compartilhada pelos indivíduos de um grupo. Para que fique mais claro, diga-
mos que esses indivíduos de tal grupo sejam os utilizadores de uma determinada
língua, ainda que, como em relação a qualquer outra habilidade, alguns possam
ter maior ou menor domínio dela, de acordo com diversos fatores influencia-
dores, tais como idade, escolaridade e até mesmo o nível de consciência dessa
característica social da linguagem: quanto mais se é consciente de que a língua
(e a escrita) não é meramente um código, e sim uma ferramenta social, mais se
domina seus usos e possibilidades.
Certo! Mas o quanto importa, para nós, neste momento, saber que a escrita
é uma ferramenta social? MUITO. Realmente, importa muito. Isso porque o
curso de Letras é um curso que estuda a língua/linguagem e prepara indivíduos
Introdução
16 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
para a formação dxs professorxs que trabalharão com disciplinas relacionadas
à área de Letras, dividiremos esta unidade em três itens, de modo a enfocá-los
separadamente. O primeiro enfocará a relação entre leitura e escrita, analisando
a importância e interdependência dessas duas atividades. No segundo, abor-
daremos um pouco de teoria da comunicação, mas não se assuste, será apenas
uma introdução sobre o tema. Esse assunto é extenso e complexo, ainda que
seja muito interessante – e sugiro mesmo que pesquise mais a respeito –, não
poderemos esgotá-lo, e nem mesmo aprofundá-lo muito em apenas um livro. O
terceiro e último item da unidade trará formas de classificar as funções da lingua-
gem. Apresentaremos algumas possibilidades de classificação, mas escolhemos
a mais tradicional para explorarmos mais profundamente, explicando-a, mos-
trando as características de tal classificação e sugerindo formas para que sejam
abordadas em sala de aula.
Espero poder trazer contribuições significativas para seu progresso, e que a
leitura e o estudo desta unidade sejam esclarecedores, inspiradores e satisfatórios!
©shutterstock
Nossa cultura é cada vez mais letrada, mais envolta em textos e mensagens escri-
tas, dependendo cada vez mais do conhecimento alfabético. Essa cultura, e o
fato de a maioria de nós termos apren dido a ler e escrever ainda pequenos, faz
com que seja difícil imaginar um mundo sem textos. Concordando com isso,
Calegari (1999, p. 163) afirma que “para quem sabe ler, a escrita parece algo
fácil e simples”. Porém, ressalva que isso é uma impressão equivocada, já que
foram necessários muitos séculos para que as letras e algarismos chegassem a
uma forma adequada ao uso geral entre pessoas das mais diferentes camadas
sociais. É por isso que, “para quem não sabe ler, o mundo da escrita é um mis-
tério” (CALEGARI, 1999, p. 163).
Calegari complementa nos explicando que “na História da Humanidade,
sempre foi mais importante saber ler do que saber escrever, mas, para saber ler,
é preciso conhecer como funcionam os sistemas de escrita” (1999, p. 163), de
modo que as duas atividades estão intrinsecamente relacionadas desde sua origem.
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A escrita surgiu por volta de 3100 a.C., na Suméria, um país que existia onde hoje
se encontram o Irã e o Iraque, em uma região chamada, à época, de Mesopotâmia.
Segundo Kenneth Goodman (1991, p. 13), a língua escrita foi criada à medida
que o comércio e as estruturas políticas emergiram, de modo que seu objetivo
inicial era a contabilidade. A escrita, naquele tempo, era bastante ideográfica,
ou seja, retratava de forma imagética os objetos aos quais se referia, além de
números que quantificavam esses objetos. O importante era registrar os objetos
possuídos, sem pretensões culturais ou filosóficas, que surgiram apenas pos-
teriormente, com a expansão da cultura para além da esfera da tradição oral e
uma maior preocupação com a preservação de tal cultura e sua transmissão às
gerações seguintes.
Pensemos, então, no quanto é interessante a estrutura da linguagem escrita. A
humanidade, em algum momento do passado, lia os acontecimentos do mundo
e os transmitia apenas oralmente, mas sentiu a necessidade de registrar o que
conhecia para consultas posteriores. Ali foi desenvolvido um código que faria
com que as informações registradas pudessem ser obtidas por todos aqueles que
tivessem domínio de tal código. Assim, para compreender o registro, o indiví-
duo precisava ter conhecimento daquele código criado. A escrita surgiu, dessa
forma, de modo concomitante à leitura dessa mesma escrita. Porém, as gerações
posteriores precisariam, inicialmente, conhecer o código, entender ao que ele se
referia (no mundo externo) em cada um de seus usos, para só assim conseguir
agregar novas informações ao registro escrito.
Essa nossa pequena digressão nos leva a concluir que um texto linguístico é
um conjunto de palavras organizadas no sentido de transmitir uma mensagem,
(2002), ele não deve ser ascendente, e sim interativo, pois a compreensão do
texto, na verdade, dá-se a partir da mente do leitor, em associação/dialogo/
interação com o que o texto traz. Pensando nisso, para formar bons leitores e
escritores, o(a) professor(a) precisa compreender o quanto é importante que seu
olhar consiga acompanhar o processo de leitura da forma como ele acontece,
de fato. Além disso, ele(a) precisa ser crítico e reflexivo, para que seja possível
educar cidadãos também críticos e reflexivos. Ou seja, é preciso “formar o(a)
professor(a) na mudança para a mudança” (IMBERNÓN, 2005, p. 15), uma vez
que a formação do(a) professor(a) influencia largamente a formação do aluno(a).
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Não estamos dizendo aqui que o trabalho com a descrição e estrutura da
língua não seja importante. Ele é, aliás, muito importante, uma vez que o apren-
dizado das regras que formam a norma culta funciona como um instrumento
de inclusão na sociedade, de modo a possibilitar igualdade nos âmbitos social,
político e econômico (POSSENTI, 1998). Assim, o ensino “técnico” da língua
é uma forma de democratizar a cultura dominante, que é uma das funções da
escola (LERNER, 2006, p.14), de modo que não estamos questionando esse pres-
suposto. O pressuposto que questionamos é a forma como esse ensino, e mais
especificamente a leitura/escrita, são trabalhados em sala de aula.
Lembremos, por exemplo, do que Paulo Freire, um dos maiores filósofos da
Educação no Brasil, comentou sobre a leitura. Ele afirmou que o ato de ler “não
se esgota na decodificação pura da palavra escrita, mas [...] se antecipa e se alonga
na inteligência do mundo” (FREIRE, 1989, p. 09), ou seja, ler não é só saber o
que significam as palavras, suas categorias ou o que elas representam. Para real-
mente ler, é preciso que o indivíduo saiba o que há por trás dessas palavras, é
preciso que o(a) leitor(a) tenha consciência de quais elementos da realidade estão
atrelados às palavras de um texto naquele momento. É necessário que o(a) lei-
tor(a) saiba que os significados não são fixos: eles podem se fluidificar e escorrer
pelo texto de formas as mais diversas, e podem possuir “ganchos” em elemen-
tos diversos da realidade.
Esse é um dos motivos pelos quais Paulo Freire também disse que “a leitura
do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa
prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se pren-
dem dinamicamente” (FREIRE, 1989, p. 09), de modo que “o que o leitor vê no
texto e o que ele mesmo traz são dois subprocessos simultâneos e em estreita
interdependência” (COLOMER; CAMPOS, 2002, p. 31). Ler é muito mais do
que a decifração de sinais gráficos: é um ato de raciocínio para a construção de
uma interpretação da mensagem escrita.
Assim, do mesmo modo como minha leitura de mundo precede e deter-
mina minha leitura da palavra, minha escrita também é sempre subordinada a
essas duas, o que nos lembra daquela frase já muito dita e redita, a qual afirma
que “quem lê bem, escreve bem”. Mais uma vez, saber apenas as regras não é o
suficiente. Para escrever, é fundamental ser leitor(a) e, mais do que isso, possuir
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uma leitura de mundo a respeito daquilo que escrevo. O texto, lido ou escrito, se
confunde com o mundo, pois é originado deste e dele depende, de modo que não
há como dissociar, no ensino de língua portuguesa (ou de outra língua) mundo,
leitura, escrita e gramática, esta última como ferramenta para possibilitar uma
boa leitura/escrita sobre o mundo.
Ler, então, é compreender, uma vez que a leitura não se completa sem a com-
preensão (SCHNEIDER, 1990, p.16). A decodificação pura e simples não chega
a ser leitura quando não há, como finalização de tal processo, a compreensão
daquilo que foi lido. O texto é um meio de comunicação. Se ele não comuni-
car, ou seja, se ele não conseguir carregar a mensagem do indivíduo emissor ao
receptor, o objetivo de sua existência não foi plenamente alcançado.
Desse modo, a leitura é um processo dinâmico, por precisar da participação
ativa do leitor(a) e de seus conhecimentos prévios para a construção dos sentidos
do texto. Porém, a leitura não é um processo preciso, uma vez que as interações
possíveis entre escritor(a) e leitor(a) não resultam em um único significado.
O conhecimento prévio é um elemento de grande influência, tanto na lei-
tura quanto na escrita de um indivíduo. Sempre que um(a) leitor(a) se depara
com um texto, seu primeiro movimento no processo de compreensão é buscar
o conhecimento já existente em sua memória a respeito dos elementos linguísti-
cos, significados das palavras, objetivos das estruturas etc. E esse conhecimento
está ali porque em algum momento o leitor entrou em contato com ele, arma-
zenando-o na forma de modelos, mais ou menos particulares, mais ou menos
abstratos, para uso posterior.
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• o conhecimento de mundo, que se refere aos conceitos e relações
que subjazem ao texto, organizados de acordo com a visão pessoal
e crenças do leitor.
Ainda assim, independente do que um texto carregue, não basta que ele possa
expressar o que foi pretendido pelo autor: ele também deve ser compreendido
pelo leitor, o que faz com que o texto escrito seja uma via de mão dupla. O texto
deve ser legível, compreensível, tanto em nível de técnica (uso adequado da lín-
gua) quanto da exposição dos conteúdos. Para além disso, o escritor também
pode se preocupar com a questão de estilo, que influenciará o quanto o leitor se
interessará pelo seu texto.
A respeito da produção de textos, Frank Smith (1983) aponta que nós apren-
demos a escrever a partir daquilo que nós lemos: tudo o que é necessário saber
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para se escrever está nos textos que já existem. E esse “tudo” não se trata ape-
nas de regras; de como estruturar um texto em início, meio e fim; de quão longo
pode ser um parágrafo. Trata-se de como dizer as coisas. Desde a primeira infân-
cia, nós aprendemos a partir de imitação. E quanto mais observamos aquilo que
deve ser imitado, e quanto mais tentamos imitar, melhor nos saímos. Essa analo-
gia nos mostra que, sim, a orientação por parte do(a) professor(a) é importante.
Mas não devemos deixar de lado o exercício da leitura (de onde vai nascer a imi-
tação) e a prática frequente da escrita.
É nesse sentido que Goodman e Goodman (1983) afirmam que as pessoas
aprendem a escrever escrevendo e a ler lendo, mas também aprendem a ler
escrevendo e a escrever lendo. Leitura e escrita são profunda e intrinsecamente
relacionadas, de tal modo que uma está constantemente influenciando e modi-
ficando a outra, por isso devem ser abordadas conjuntamente no processo de
ensino (SMITH, 1999, p. 124-125), uma vez que tudo o que o indivíduo aprende
sobre leitura ajuda-o a tornar-se um bom escritor, e tudo o que aprende sobre
escrita influencia sua postura e desempenho como leitor.
Em suma, o que nos importa deixar bem claro aqui é que as atividades de
leitura e escrita são, em todas as faixas etárias e níveis educacionais, inter-rela-
cionadas. Porém, não são apenas relacionadas entre si: relacionam-se também
com o mundo, e com todo conhecimento anterior do indivíduo. Isso porque a
língua escrita é um veículo de comunicação e, como tal, possui usos definidos,
não se desenvolvendo a partir de atividades aleatórias e sem objetivo definido.
É aí, por exemplo, que mora o erro de um(a) professor(a) que pede um texto
sobre um assunto “livre” ou então sobre um assunto determinado, mas que não
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mente à realidade.
TEORIAS DA COMUNICAÇÃO
Teorias da Comunicação
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tam entre 30 e 40 sinais para comunicação, os peixes chegam a 10 sinais e os
insetos não possuem mais do que 10 a 20 categorias de sinais (EPSTEIN, 1999,
p. 06). O ser humano também se utiliza de sinais não verbais, mas em quanti-
dade muito superior. Estima-se que ele use, em média, cerca de 150 a 200 sinais
enquanto se comunica, além da linguagem verbal, da qual é o único usuário
entre todos os animais.
Teorias da Comunicação
28 UNIDADE I
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explicá-la são: o behaviorismo, a psicanálise e o paradigma cognitivo. Além
disso, Serra (2007) ainda cita outros teóricos para dizer que outros modelos de
comunicação existentes são: o informacional, o semiótico-informacional e o
semióticotextual; e, em relação à comunicação em massa, há quem classifique
as teorias da comunicação como “mediacêntricas” ou “sociocêntricas”.
O autor, entretanto, enfoca outras duas “escolas” no estudo da comunica-
ção, sendo elas:
i) A processual, que concebe a comunicação como “transmissão de
mensagens” através da qual se procura produzir um determinado “efei-
to” sobre os receptores, se centra nas questões da eficácia e da exactidão
da comunicação e se relaciona, sobretudo, com as ciências sociais, no-
meadamente a sociologia e a psicologia;
várias dessas teorias podem ser tomadas, ao mesmo tempo, como “certas” por
alguém, sem que uma prejudique a outra.
uma mensagem e um que recebe. Há, certamente, diversos outros fatores que
envolvem essa relação, mas podemos dizer que a existência desses dois elemen-
tos é o que há de mais fundamental na comunicação.
Um dos teóricos que defende essa estrutura comunicativa é Roman Jakobson,
e nos agarraremos à sua proposta nesse subtópico, por ser a mais tradicional-
mente utilizada no ensino escolar. Porém, ele mostra que há mais elementos
importantes além do emissor e do receptor, como pode ser visto na sequência:
CONTEXTO
REMETENTE DESTINATÁRIO
MENSAGEM
(EMISSOR) (RECEPTOR)
– Mas são muitos elementos! – você pode dizer. E estará certo(a), até porque,
como já dissemos antes, teorizar a comunicação não é algo simples. Partamos
então do que já havíamos mencionado: emissor e remetente. Para que haja comu-
nicação, é necessário que exista algo entre esses dois elementos: a mensagem.
Afinal, o que é que um vai transmitir ao outro?
Teorias da Comunicação
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nosso remetente seja brasileiro (conhecedor apenas da língua portuguesa) e
nosso destinatário seja chinês (conhecedor apenas do mandarim). Poderiam
eles se comunicar em suas línguas nativas? Teríamos um remetente, uma men-
sagem e um destinatário, mas não haveria comunicação. Isso porque outro
elemento importante para que dois indivíduos se comuniquem é que o código
seja comum. Ou seja, tanto o remetente quanto o destinatário precisam dominar
um mesmo sistema linguístico para que a mensagem seja codificada e decodi-
ficada propriamente.
Outro elemento bastante importante é o contexto. Sua importância é tamanha
que ele pode diferir um acidente doméstico de uma catástrofe econômica. Veja:
do que isso, o que faz com que nosso remetente entenda-a da mesma forma como
nós a transmitimos é o contexto. Isso faz com que já tenhamos remetente + men-
sagem + destinatário + código + contexto. Resta apenas o contato ou canal, que
identifica o meio utilizado para transmissão da mensagem, que pode ser a fala,
a escrita, uma carta, um e-mail, um telefonema, sinais de fumaça, gestos etc.
Já o referente é o assunto da mensagem, ou seja, é o que responde à per-
gunta “do que se fala?” no processo comunicativo.
Mas será que o fato de termos todos esses elementos já faz com que a comu-
nicação seja plenamente efetiva?
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Teorias da Comunicação
32 UNIDADE I
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de espírito do indivíduo, que pode ser mais pessimista ou otimista, depressivo
ou alegre, autoconfiante ou inseguro etc. Uma pessoa insegura pode interpre-
tar comentários inocentes como críticas, ao mesmo tempo em que uma pessoa
otimista pode interpretar críticas negativas como sendo sugestões de melhoria.
As interferências podem levar um indivíduo a produzir uma resposta “incor-
reta” para a mensagem que recebeu. Desse modo, é importante, ao comunicarmos,
que prestemos atenção se estamos fazendo isso da forma mais clara possível, com
o mínimo de interferências e nos certificando de que não haverá desníveis cul-
turais e problemas físicos que impeçam a transmissão adequada da mensagem.
É preciso prestar atenção e saber quais pontos da comunicação de uma men-
sagem são mais vulneráveis a ruídos, e uma boa forma de evitar tais ruídos é
conhecer bem a estrutura da comunicação. Se tudo correr de forma adequada, o
destinatário assumirá o lugar de remetente, e responderá ao estímulo/mensagem
enviado/a da forma esperada, de modo que a comunicação estará se processando
da melhor forma possível.
Outro ponto importante de frisar é que o código não é uma estrutura sem-
pre homogênea. Isso porque há códigos fechados, cuja interpretação é unívoca,
não deixando espaço para interpretações, e há códigos abertos, que permitem
mais de uma interpretação.
Uma placa de “não vire à esquerda”, por exemplo, é um código fechado. Há
apenas uma interpretação para ela, e apenas uma resposta possível: o motorista
que vir tal placa não virará à esquerda.
Placas de trânsito são bons exemplos de códigos fechados, com interpretação unívoca
Entretanto, a maioria dos códigos que usamos no dia a dia é, na verdade, aberta.
Mesmo em relação às horas, podemos nos confundir, especialmente quando
não utilizamos o sistema de 24 horas. Nesse sentido, o bilhete em torno do qual
Izidoro Blikstein (2005) estrutura todo o seu livro é bastante feliz. Adaptaremos
um trecho do bilhete abaixo, de modo a ilustrar a questão dos códigos abertos.
Blikstein conta uma história sobre esse bilhete, deixado pelo gerente de uma
empresa para a nova secretária. E conta também que o gerente perdeu o trem,
pois a secretária foi, à noite, até a estação ferroviária e apenas reservou um lugar
no trem das 8 horas da manhã do dia seguinte (e ainda havia o detalhe de que ele
só viajava em cabine com leito, não em um lugar convencional). A falha, aqui, em
nenhum momento foi dela. A falha foi do gerente, que não foi suficiente claro em
relação àquilo que desejava, especialmente sabendo que a funcionária era nova
e não estaria acostumada com a rotina e vontades do gerente.
Teorias da Comunicação
34 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
quer um “lugar” no trem não especifica que tipo de lugar seria esse. Não dá para
saber, só com essa informação, se seria um lugar convencional ou uma cabine
com leito. Aliás, a própria ausência dessa informação favorece a escolha de uma
convencional, uma vez que o fato de não haver uma especificação faz com que
imaginemos que a opção seja por aquilo que é mais tradicional – ou convencional.
Assim, o código aberto é aquele que pode ser decodificado de maneiras dife-
rentes e que, consequentemente, leva a respostas diferentes do destinatário. Como
não podemos evitar o aspecto aberto de determinados códigos, resta-nos cercá-
-los com o máximo de informações possível, evitando ao máximo interpretações
diferentes daquela intencionada e orientando a interpretação do destinatário da
forma mais próxima do que foi desejado pelo remetente ao enviar a mensagem.
Lembre-se, ainda, que cada indivíduo possui um repertório, ou seja, cons-
truções simbólicas, ideológicas, religiosas, intelectuais etc., a partir das quais
interpreta o mundo. Leve isso em conta ao enviar uma mensagem, para evitar
contratempos.
As influências culturais, sociais, ideológicas, cognitivas, intelectuais e religiosas de um indivíduo fazem com
que o seu repertório seja completamente diferente do repertório de todas as outras pessoas do mundo.
Não há duas pessoas com o mesmo repertório.
FUNÇÕES DA LINGUAGEM
Funções da Linguagem
36 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Uma dessas possibilidades seria classificar as funções da linguagem de acordo
com o tipo de texto que elas constroem. Nesse sentido, poderíamos pensar em
textos:
■■ didáticos, com a função de ensinar, como livros de aprendizagem, con-
ferências etc.;
■■ informativos, com a função de divulgar alguma informação, como notí-
cias, avisos ou bulas de remédios;
■■ normativos, cuja função é regulamentar algo, como leis, portarias, esta-
tutos ou normas técnicas;
■■ publicitários, que buscam convencer o leitor, como propagandas em geral;
■■ científicos, com a função de provar ciência, como teses, artigos etc.;
■■ literários, com função artística e/ou de entretenimento, como romances,
contos, poemas etc.;
■■ correspondências, que buscam estabelecer comunicação entre indiví-
duos isolados.
Outra possibilidade de organização das funções seria reunir esses tipos de texto
sob quatro (ou cinco) funções fundamentais, sendo elas: função de organização
(rótulos, crachás, placas etc.), função de comunicação (jornais, cartas, cartazes,
convites etc.), função de registro (agendas, receitas, listas de compras etc.) e fun-
ção de lazer (revistas, livros, histórias em quadrinhos, literatura). Aqui, vale a
pena ressaltar que a literatura também poderia ser considerada como uma fun-
ção à parte, a qual poderia ser chamada de função artística da escrita.
gem, mostrando que elas não são fixas, podendo assumir modelos diferentes de
acordo com os objetivos daquele que separa tais funções, partamos agora para
a classificação mais tradicional, que segue a teoria da comunicação de Jakobson,
aquela enfocada nos elementos comunicativos estudados no tópico anterior.
Nessa classificação das funções da linguagem, cada função está estreitamente
ligada a um dos elementos partícipes do processo de comunicação por estar cen-
tralizada nela, como podemos perceber na tabela abaixo:
Várias dessas funções podem estar presentes em uma mesma mensagem, ainda
que haja, frequentemente, uma predominante. Isso se dá, pois, atualizando con-
cretamente possibilidades do uso do código, entrecruzam-se diferentes níveis
de linguagem: “a emissão, que organiza os sinais físicos em forma de mensa-
gem, colocará ênfase em uma das funções – e as demais dialogarão em subsídio”
(CHALHUB, 2002, p. 08).
Exploraremos as possibilidades das funções da linguagem nos subtópicos
a seguir.
Funções da Linguagem
38 UNIDADE I
FUNÇÃO REFERENCIAL
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vel no referente, buscando, também, neutralidade na forma de retratá-lo. Porém,
em muitas produções artísticas, há a miscigenação da função referencial com a
emotiva ou a poética, de modo que a referencial, por vezes, acaba passando para
um segundo ou terceiro plano.
O trecho abaixo, retirado do site da BBC Brasil, é um exemplo de função
referencial da linguagem:
Cientistas britânicos conseguiram ressuscitar musgos que estavam conge-
lados sob o gelo da Antártida há 1,5 mil anos.
[...]
Como podemos ver, o exemplo acima tenta ser o mais imparcial possível. Em
nenhum momento é marcada a presença do emissor da mensagem: o mais impor-
tante é a mensagem em si. Expressa-se impessoalmente, informando dados e
pesquisas, além de sustentar a importância da mensagem a partir da menção
a pessoas ou grupos possuidores de conhecimento abalizado. O foco aqui é no
objeto que serve de referência para a mensagem e o objetivo do emissor é tra-
duzir a realidade visando à informação. Observe mais um exemplo:
Cultura na tela
de visitas que recebeu, e segue dizendo o que o site oferece. Não há emotividade
e o foco é o objeto observado, o que faz com que tal função seja bastante dife-
rente da função emotiva, por exemplo, que veremos a seguir.
FUNÇÃO EMOTIVA
Funções da Linguagem
40 UNIDADE I
Podemos perceber esse uso na letra de música abaixo, “Eu não sou da sua
rua”, de Arnaldo Antunes / Branco Mello, interpretada por Marisa Monte:
Eu não sou da sua rua,
Não sou o seu vizinho.
Eu moro muito longe, sozinho.
Estou aqui de passagem.
Eu não sou da sua rua,
Eu não falo a sua língua,
Minha vida é diferente da sua.
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Estou aqui de passagem.
Esse mundo não é
Meu, esse mundo não é seu
Na letra acima, podemos perceber a grande recorrência do pronome “eu” e de
verbos conjugados na primeira pessoa do singular, mostrando que o eu lírico
fala de si mesmo, de sua percepção do mundo. Esse “eu” diferencia-se de um
“tu” ou “você”, para quem o “eu” transmite a mensagem.
Um diário também é um exemplo de mensagem focada na função emo-
tiva, por ser uma espécie de desabafo em relação à própria vida ou experiências,
mesmo que o destinatário seja o próprio remetente ou que não haja exatamente
um destinatário, nesse caso.
Outro exemplo de função emotiva colocada em ação é a fotografia, espe-
cialmente a fotografia artística. Ela é uma linguagem focada na forma como o
fotógrafo (emissor/remetente) observa/capta um determinado objeto.
FUNÇÃO CONATIVA
Funções da Linguagem
42 UNIDADE I
FUNÇÃO FÁTICA
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A função fática é aquela assumida pela mensagem quando temos como foco o
contato, o canal de comunicação. Seu objetivo é testar o canal, prolongar, ini-
ciar, interromper ou reafirmar a comunicação, sem que seja necessário transmitir
significados. Esta é uma das mais abrangentes funções de linguagem, uma vez
que abarca desde gestos e sons não significativos até expressões um pouco mais
complexas e tautologias diversas.
OBJETIVO EXEMPLOS
Testar o canal “Tá me ouvindo?”, “Alô, alô”, “Melhorou? Tá me
ouvindo agora?”.
Prolongar a comunicação “E então?”, “E aí, como foi?”, “Tá calor hoje, né?”, “O
feriado já está aí, né?”.
Iniciar o contato “Oi”, “Olá”, “Oi, tudo bem?”, “Bom dia”.
Interromper o contato “Pera aí”, “Só um minuto”, “Tchau”, “Até mais”, “Até
logo”, “Beijo, tchau”.
Reafirmar a comunicação “Certo”, “Tá entendendo?”, “Entende?”, “Entendi”,
“Ah, sim”, “Aham”.
Tabela 02: Exemplos de usos da função fática
Fonte: a autora
Os movimentos afirmativos com a cabeça que fazemos para indicar para outra
pessoa que estamos acompanhando e as expressões “tá entendendo?”, “né?”,
“certo?”, “tá me ouvindo?” (especialmente quando estamos testando se uma
ligação de telefone está funcionando da forma adequada) são outros exem-
plos de linguagem sendo utilizada em sua função fática. Há a necessidade de
confirmação do funcionamento efetivo no canal, o que não chega a ser uma ver-
dadeira comunicação.
Até mesmo o “oi, tudo bem?” com o qual cumprimentamos as pessoas é
muito raramente comunicativo de fato. Isso porque, na maioria das vezes, ele
funciona apenas para “conectar” o canal de comunicação entre duas pessoas,
de modo que não há o verdadeiro interesse de saber como a outra pessoa real-
mente está. Isso é tão verdadeiro que é muito difícil que a outra pessoa responda
outra coisa além de “bem, e você?”. Nesse tipo específico de situação, seria muito
constrangedor se a pessoa respondesse de outra forma, por exemplo, levando a
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pergunta a sério e respondendo que não, não está muito bem, e que gostaria de
desabafar, mas que aquele não seria o ambiente adequado etc.
Pela própria estrutura da linguagem, pela própria forma como nós a utilizamos
na prática, essa resposta seria constrangedora, deixaria a pessoa que perguntou
sem reação, ou até faria com que ela (A) levasse para o lado pessoal, imaginando
que aquela pessoa (B) que ela cumprimentou tem algum problema consigo (A).
Provavelmente, nesse momento, a pessoa (A) começaria a se questionar se em
algum momento já fizera algo de ruim para a pessoa (B), se já fofocara sobre ela
ou alguma pessoa de seu círculo etc.
Outros exemplos de uso da função fática são as conversas monossilábicas
ao telefone, conversas em fila de banco ou ponto de ônibus etc. Não há a neces-
sidade de comunicar informação alguma nessas situações. Conversa-se apenas
para manter o canal comunicativo em uso, e para evitar o constrangimento que
o silêncio às vezes traz.
Nesses tipos de conversa, é muito comum que usemos o recurso da tautolo-
gia. Ou seja, comentar algo que já está claro, mencionar algo que é completamente
óbvio. Seria, por exemplo, um “está calor hoje, não é?”. Sim, está calor. Todas as
pessoas no ponto de ônibus (ou fila) têm sensibilidade o suficiente para percebe-
rem que está calor, então essa frase não é informativa, não comunica nada, visto
que já é uma percepção comum. Então, para que serve uma frase como essa? Para
manter o canal comunicativo funcionando, para preservar o contato humano,
ou iniciar um novo contato com alguém, mesmo quando não há informações
relevantes para transmitir. Aliás, seria muito estranho se a pessoa atrás de nós
na fila do banco começasse a nos explicar como funciona a bolsa de valores, ou
Funções da Linguagem
44 UNIDADE I
nos desse uma palestra de histologia animal sem que perguntássemos nada. Ao
invés de apreciarmos o conhecimento novo, nós provavelmente julgaríamos a
pessoa como exibicionista e chata.
E isso é normal, pois é assim que a linguagem funciona socialmente, com
incoerências e tropeços, julgamentos e gestos vazios.
FUNÇÃO POÉTICA
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Observe a seguir um trecho da letra da música “Cadê teu suin?”, de Marcelo
Camelo, da banda “Los Hermanos”:
Cadê Teu Suín-?
Cadê teu repi
quem é teu padrin
onde é que tu to
Cadê teu suin?
guitarra não po
desista mole
quem é que te indi
cadê teu suin?
com que sobreno
melhor ir sain
dou nem mais minu
to nem mais
Ainda tem a cora
gentinha atrevi
da cá sua vi
da cá seu suin
[...]
O que imediatamente salta aos olhos na estrutura dessa letra é o fato de que as
palavras parecem ser interrompidas no final do verso. Ler a letra sem conhecer
a música ou sem entender a lógica interna que rege sua estrutura pode ser bas-
tante difícil e nos deixar sem entender a maior parte dos versos.
Funções da Linguagem
46 UNIDADE I
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FUNÇÃO METALINGUÍSTICA
Código, segundo Chalhub (2002, p. 48), é “um sistema de símbolos com signi-
ficação fixada, convencional, para representar e transmitir a organização dos
seus sinais na mensagem, circulando pelo canal entre a emissão e a recepção”.
O código, então, é a “caixinha de ingredientes” da qual tiramos o que precisa-
mos para compor nossa mensagem. Se tiramos dela elementos relacionados ao eu
do emissor, colocaremos em uso a função emotiva da linguagem. Se escolhermos
cuidadosamente os ingredientes, analisando-os e combinando-os, como um cozi-
nheiro altamente gourmet, colocaremos em uso a função poética da linguagem.
Porém, nada nos impede de tirar dessa “caixinha de ingredientes” aqueles
que se referem à própria caixinha de ingredientes, de modo a explicá-la. Nesse
caso, estaremos utilizando a função metalinguística. Essa função implica uma
seleção operada no código que combine elementos que retornem ao próprio
código, ou seja, que remetam de volta para ele mesmo.
A metalinguagem, então, é a função que utilizamos quando falamos do pró-
prio código. Ou seja, em língua portuguesa, usamos a metalinguagem quando
falamos da própria língua portuguesa (em definições, explicações etc.). Filmes
que falam sobre a produção de filmes são metalinguísticos e uma fotografia de
alguém fotografando pode ser considerado também como metalinguístico. A ideia
da metalinguagem é sempre a de usar o próprio código para falar sobre o código.
Apesar de não parecer, a metalinguagem é de uso bastante cotidiano. Toda vez que
consultamos um dicionário, estamos lidando com metalinguagem. Subtítulos de
filmes e trabalhos científicos são uma espécie de metalinguagem, e toda vez que
reformulamos a frase de alguém, para confirmarmos nosso entendimento (“Ah,
então você quer dizer que...”), estamos colocando em uso a função metalinguística.
Chalhub (2002) comenta que “a moda, e seu objeto roupa também operam
metalinguisticamente no círculo de sua história”. Comenta ainda que, nesse sen-
tido, as roupas compõem um sistema de sinais que, consequentemente, compõem
uma mensagem, “uma vez que, no suporte corpo do usuário, há um recorte da
seleção do código (mesmo quando não selecionada para combinar, a displicên-
cia informa a displicência...)” (CHALHUB, 2002, p.51).
Nesse sentido, todos os sistemas de sinais podem ser utilizados com função
metalinguística. A crítica literária, por exemplo, tem um comportamento meta-
linguístico diante de seu objeto de estudo. A tradução também, ainda que tenha
que relacionar duas metalinguagens. O próprio texto que você está lendo aqui,
aluno(a) de Letras, é metalinguístico, uma vez que está estruturado em Língua
Funções da Linguagem
48 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
É claro que o que fizemos foi apenas um apanhado geral, de modo que, se
pesquisar sobre o assunto, ainda encontrará muitas informações interessantes e
importantes. Porém, como não é possível que nos estendamos demasiadamente
aqui, sugiro que busque em outras fontes os assuntos mencionados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para concluir essa nossa primeira unidade, vamos relembrar um pouco do que
discutimos.
Se bem se lembra, começamos o trabalho explorando o fato de que a escrita
– e a linguagem, de forma geral – possui uma função social. Ou seja, há algo na
escrita que é muito importante socialmente, e este algo é a capacidade de comu-
nicar desconsiderando barreiras de tempo e espaço. Sim, há meios técnicos que
fazem com que a comunicação oral também desconsidere tais barreiras, como
a produção e veiculação de vídeos, por exemplo, mas ainda há informações que
são mais adequadamente transmitidas pela escrita, além de haver situações em
que só a escrita se adequa.
Pensando nessa função social, trabalhamos, em um primeiro tópico, a ques-
tão da interdependência entre a leitura e a escrita, comentando um pouco a
respeito da história da escrita para só após analisar a relação entre tais elemen-
tos. Também observamos o quanto é importante que saibamos que a leitura não
é um processo ascendente, mas sim interativo, o que fica claro depois de pensar-
mos a respeito do surgimento da escrita.
Falamos, a seguir, sobre o quanto a leitura do mundo é importante para uma
efetiva leitura da palavra – e podemos acrescentar que essa leitura da palavra
não é apenas a leitura da palavra escrita. A leitura do mundo é importante para
a compreensão do processo comunicativo como um todo. Isso porque também
não vou conseguir compreender a fala de alguém se eu não possuir o conheci-
mento prévio necessário para tal. Desse modo, ser leitor é compreender o que
o outro diz, ou as possibilidades de interpretação do que o outro diz, não é ape-
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Considerações Finais
1. Considerando o conteúdo estudado, imagine-se no exercício de sua profissão e
explique o que é um texto. Para complementar a definição elaborada por você,
dê exemplos.
2. Pesquise em livros ou na internet outros textos que possam ser classificados a
partir das funções da linguagem aprendidas no terceiro tópico desta unidade.
3. Como futuro(a) professor(a) de língua (materna ou estrangeira), literatura ou
produção textual, é importante que você pratique sua própria capacidade de
produzir textos. Considerando isso, desenvolva um texto que poderia ser usado
para ensinar alunos(as) a respeito da relação entre leitura e escrita. Ao final da
produção, releia, revise e reescreva pelo menos duas vezes o mesmo texto. Se
possível, antes de reescrever, peça para outra pessoa ler seu texto, indicando
erros e sugerindo melhorias. Deixe claro que a pessoa deve se sentir à vontade
para apontar todos os problemas que encontrar, pois isso auxilia muito no de-
senvolvimento da escrita.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Processo de Comunicação
“Processo de comunicação” é um interessante vídeo produzido para o curso de Especialização em
Coordenação Pedagógica da UFSC, na Sala “Práticas e Espaços de Comunicação”, pela professora
Daniela Karine Ramos com o apoio do Lantec/CED. O vídeo mostra de forma simples e muito
didática, o que é a comunicação e quais elementos estão envolvidos nesse processo, de acordo
com uma das teorias da comunicação mais aceitas.
<http://www.youtube.com/watch?v=_C3AmzKpJbQ>.
Acessando o link a seguir, você poderá ler um artigo que avalia, de forma teórica, a utilização da
leitura como principal instrumento no desenvolvimento da capacidade de produção de texto.
<http://www.cefaprocaceres.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=67
6:leitura-e-escrita-uma-relacao-entre-conhecimentos-necessarios-para-a-producao-textual-
&catid=28:artigo&Itemid=77>.
Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR
Funções da linguagem
CHALHUB, Samira.
Editora: Ática, 2002.
Sinopse: Neste livro a autora explica as funções da
linguagem, por meio de exemplificação variada e bem
comentada. Chalhub ressalta que as funções coexistem e um
mesmo texto, mas sempre com a predominância de uma,
considerando os objetivos conceituais.
II
UNIDADE
GÊNEROS TEXTUAIS I
Objetivos de Aprendizagem
■■ Entender o que são gêneros textuais.
■■ Compreender de que forma o trabalho com gêneros textuais pode
melhorar o ensino-aprendizagem da produção textual na escola.
■■ Conhecer mais a respeito dos gêneros classificados como “do narrar”
e “do relatar”.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Definição de gêneros textuais
■■ O trabalho com gêneros textuais na sala de aula
■■ Gêneros textuais: narrar e relatar
55
INTRODUÇÃO
Introdução
56 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O QUE SÃO GÊNEROS TEXTUAIS?
GÊNEROS TEXTUAIS I
57
Apesar de serem denominados como textuais, tal nome refere-se tanto a gêne-
ros orais quanto escritos. Enfocaremos, entretanto, principalmente os gêneros
escritos. Isso, porém, não impede que você, aluno(a), como futuro(a) docente,
também trabalhe em sala com produção de textos orais.
Uma vez que há inúmeras esferas de comunicação e socialização huma-
nas, temos como consequência o fato de que a variedade possível de gêneros
do discurso é infinita, com cada esfera de atividade humana comportando “um
repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à
medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa” (BAKHTIN,
1999, p.279).
Além de serem em vasto número, é interessante pensar também o quanto
os gêneros do discurso são heterogêneos, incluindo, ao mesmo tempo, textos
(orais e escritos) muito diversos, como: a réplica do diálogo cotidiano (em sua,
também, amplidão de temas), o relato familiar, a carta, os documentos oficiais,
as declarações públicas, as cartas abertas, os artigos científicos, textos literários
(em todas suas variedades) etc.
Por mais que todos esses enunciados sejam extremamente diferentes entre
si, de modo que sequer imaginemos uma possibilidade de que eles sejam estu-
dados a partir de um ponto de vista comum, o que perdemos de vista é que,
apesar de todos eles diferirem muito (a ponto de, por exemplo, os gêneros lite-
rários serem estudados mais a partir das diferenças que os separam do que das
semelhanças que os aproximam), todos eles têm algo em comum: sua natureza
verbal (linguística).
Sendo assim, isto é, havendo algo que aproxima todos os gêneros discursivos,
não haveria necessidade de desconsiderar a extrema heterogeneidade das possí-
veis construções comunicativas humanas. Mas, segundo Bakhtin, é importante
levar em consideração “a diferença essencial existente entre o gênero de dis-
curso primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo)” (1999,
p. 281), sendo que este último englobaria os tipos de discursos originários de
uma comunicação cultural mais complexa, artística, científica e/ou sociopolítica,
e corresponderia a discursos como o romance, o teatro, o discurso científico, o
discurso ideológico etc.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Os gêneros de discurso primário originam-se de contextos mais cotidianos,
com uma relação mais imediata com a realidade, e formam-se de forma mais
espontânea do que os outros. Dentre eles estariam a carta, a réplica do diálogo
cotidiano etc. Importa notar que essas estruturas se entrelaçam e é comum encon-
trar traços ou elementos de um tipo de discurso (especialmente do primário) no
outro (secundário). Isso pode acontecer, por exemplo, quando um autor insere
uma estrutura de carta em um romance, ou nos diálogos simulados pelo autor
para os personagens – a estrutura é a estrutura básica do diálogo, mas a situa-
ção é imaginada pelo escritor.
GÊNEROS DISCURSIVOS
IMPLICAM SUPÕEM
Usos da linguagem em suas Contexto situacional.
formas distintas (oral e/ou Intencionalidade.
escrita).
Tema.
Estrutura.
TIPOS DE GÊNEROS DISCURSIVOS
PRIMÁRIOS SECUNDÁRIOS
São as formas mais simples São as formas mais elabo-
de uso da linguagem. Não radas de uso da linguagem,
precisam de instruções pré- pressupondo a existência
vias a respeito de estrutura, de superestruturas que pre-
sua feitura é mais natural, cisam ser aprendidas para a
quase “orgânica”. produção do discurso, ou
GÊNEROS TEXTUAIS I
59
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
há gêneros que são mais adequados a essa expressão individual (como os gêne-
ros literários) do que outros (com formas mais padronizadas, como formulação
de um documento oficial, ordem militar etc.), mas todo discurso carrega essa
expressão.
Isso é tão verdade que um(a) professor(a), depois de algum tempo de contato
com seus(suas) alunos(as), é capaz de identificar quem produziu um determi-
nando texto, mesmo que tal texto esteja digitado e sem nome. Como exemplo,
vou contar uma experiência que vivi durante a faculdade de Letras.
Durante minha graduação, aqui em Maringá, em uma das aulas de produ-
ção textual, meu professor pediu para que todos os alunos da turma (algo em
torno de vinte alunos) preparassem um texto sobre um assunto escolhido por
ele. O detalhe é que todos os textos deveriam ser entregues digitados, com uma
mesma fonte e tamanho, e sem identificação. Não me lembro exatamente qual
era o assunto que estudávamos à época, mas creio que fosse alguma questão de
estilística. E qual não foi a surpresa da turma quando, depois de algum tempo,
ele trouxe de volta todos os textos, com identificação. E, mais do que isso, com
todas as identificações corretas.
Isso é uma pequena ilustração de como funciona o estilo individual. Mesmo
que tenhamos um tema comum ou limitações formais, nós imprimimos nossa
identidade no texto, como se fosse uma impressão digital. É importante ter isso
em mente tanto ao produzir textos quanto aos corrigir textos de alunos, por
exemplo, pois, mesmo que estejam estudando um gênero fechado como licitação
ou carta comercial, há espaço – ainda que mínimo – para o estilo individual e é
importante que ele seja usado (e estimulado), para que nossas aulas de produção
GÊNEROS TEXTUAIS I
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Considerando isso, devemos chegar à conclusão de que um enunciado (no
sentido de um texto/fala produzido por um indivíduo, em determinada ocasião
e em um determinado gênero) possui, sempre, um início e um fim. Antes de seu
início, o que existe são outros enunciados, nos quais até podemos nos emba-
sar. Depois de seu fim, o que há é um enunciado-resposta, ou um ato-resposta.
Assim, o “enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade
real, estritamente delimitada pela alternância dos sujeitos falantes, e que termina
por uma transferência da palavra ao outro” (BAKHTIN, 1999, p. 294).
Logicamente, essa alternância se dá de formas diferentes, de acordo com o
gênero utilizado. Uma mensagem de texto (SMS) pode ter como resposta outra
mensagem, ou pode ser que a pessoa que leia a mensagem não a responda, por
algum motivo, de modo que a resposta seria a compreensão do enunciado, que
geraria um comentário posterior ou uma mudança de comportamento. Já no caso
de um e-mail profissional, a resposta esperada seria outro e-mail no mesmo teor
ou, no mínimo, um e-mail de confirmação de mensagem recebida.
Essa resposta é, de modo geral, retornada por aquele a quem foi enviada a
mensagem. Mas nem sempre se dá desse modo. Essa coincidência de partici-
pantes é comum em gêneros mais cotidianos, como cartas, diálogo etc. Nesses
casos, a pessoa para quem envio a mensagem é diretamente aquela de quem
quero receber a resposta.
Porém, no caso de um artigo científico, por exemplo, em que o destinatá-
rio é a comunidade científica (ou qualquer outro indivíduo que se interesse pelo
assunto pesquisado), a resposta não se direciona imediatamente para o reme-
tente. Ela pode se desenvolver como uma mudança de comportamento por
GÊNEROS TEXTUAIS I
63
parte do remetente e/ou pela produção de outro artigo científico, também para
a comunidade científica, que se remeta direta (por meio de citações) ou indi-
retamente ao primeiro artigo. Ou seja, as respostas para um enunciado de cada
gênero variam enormemente, de acordo com a própria estrutura e objetivos do
gênero em questão.
Quando elaboramos nosso enunciado, tentamos determinar a possível res-
posta do nosso interlocutor. Ao mesmo tempo, tentamos (e realmente devemos
tentar) nos precaver contra mal-entendidos ou incompreensões, e, para tanto,
devemos levar em consideração o grau de informação que nosso interlocutor
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cientista pode ser veiculada apenas anos mais tarde (ainda que a resposta como
ato de compreensão já possa ter se efetivado no momento da leitura). Já em
um diálogo real, onde as pessoas estão uma na presença da outra, a alternân-
cia de sujeitos, ou seja, o jogo enunciado x resposta, dá-se de forma muito mais
rápida. As réplicas (respostas), “por mais breve[s] e fragmentária[s] que seja[m],
[possuem] um acabamento específico que expressa a posição do locutor, sendo
possível responder, [e] sendo possível tomar, com relação a essa réplica, uma
posição responsiva” (BAKHTIN, 1999, p. 294).
Nos gêneros secundários, como os literários, essa estrutura simples de enun-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ciado-réplica que é a base fundamental da comunicação e, portanto, dos gêneros
primários, pode ser simulada. Isso se dá, por exemplo, quando há um diálogo em
um romance. O romance é um gênero secundário, elaborado conscientemente,
a partir de uma estrutura convencional etc. Mas o diálogo contido nele emula o
gênero primário do diálogo, com a diferença de que, nesse diálogo, não há, de
fato, a presença de outro indivíduo com o qual se interaja. Nesse caso, o que há
é um remetente imaginário que fala com um destinatário imaginário. Mas essa
conversa imaginária é, na verdade, parte de um enunciado maior – romance,
por exemplo – cujo destinatário é a comunidade de leitores de romances que se
interessarem por aquele título.
ROMANCE
Gênero DIÁLOGO
secundário Gênero
primário
Assim, os enunciados produzidos dentro dos vários gêneros das ciências e das
artes, apesar de tudo o que os diferencie do diálogo, são também, por sua natu-
reza, unidades da comunicação verbal, igualmente delimitadas pela alternância
dos sujeitos falantes e o fato de que o remetente (autor da obra) manifesta sua
individualidade e visão do mundo, em cada uma das escolhas realizadas para a
produção de seu enunciado.
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ciados: com aquelas a que ela responde e com aquelas que lhe
respondem, e, ao mesmo tempo, nisso semelhante à réplica do
diálogo, a obra está separada das outras pela fronteira absoluta
da alternância dos sujeitos falantes (BAKHTIN, 1999, p. 298).
Assim, um enunciado é sempre uma resposta, que manifesta sua relação com o
enunciado do outro, mas também com todos os enunciados anteriores, consi-
derados em conjunto para a elaboração daquela resposta.
A resposta varia de acordo com o destinatário, que pode ser mais ou menos
íntimo, amigo ou inimigo, subalterno ou superior etc. Além disso, o enunciado
também muda de acordo com a forma como o remetente percebe e imagina seu
destinatário.
O estudo dos gêneros de qualquer espécie é, assim, um estudo comuni-
cacional. Estudar os diferentes textos produzidos pelo ser humano a partir da
perspectiva de gêneros do discurso é analisá-los a partir do que guardam de
comunicacional. Isso porque um texto só existe na medida em que ele comu-
nica, de modo que é muito importante manter isso em mente ao trabalhar com
ensino de leitura e/ou produção de texto.
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e ajusta-se ao gênero escolhido, compõe-se e desenvolve-se na forma do gênero
determinado” (BAKHTIN, 1999, p. 301). Ou seja, a individualidade do falante
molda o gênero ao seu próprio uso.
Sendo os gêneros discursivos aprendidos de forma tão orgânica, também a
identificação de um enunciado como sendo de um ou outro gênero é bastante
simplificada. E além do gênero, ao ouvirmos/lermos um texto, não demoramos
muito a pressentir sua estrutura, seus objetivos, sua extensão, ou seja, “desde o
início, somos sensíveis ao todo discursivo, que, em seguida, [...] evidenciará suas
diferenciações” (BAKHTIN, 1999, p.302).
Apesar dessa “organicidade”, é importante, como dissemos, conhecer os
gêneros para que seu uso e compreensão sejam mais naturais. Nesse sentido, é
comum que alguém, ainda que domine bem a língua, sinta-se desamparado em
certas esferas da comunicação, não por não conhecer bem a língua, mas sim por
não estar familiarizado com o gênero em uso. Nesse sentido, Bakhtin explica que
não é raro o homem que domina perfeitamente a fala numa esfera da
comunicação cultural, sabe fazer uma explanação, travar uma discus-
são científica, intervir a respeito de problemas sociais, calar-se ou então
intervir de uma maneira muito desajeitada numa conversa social. Não
é por causa de uma pobreza de vocabulário ou de estilo (numa acep-
ção abstrata), mas de uma inexperiência de dominar o repertório dos
gêneros da conversa social, de uma falta de conhecimento a respeito
do que é o todo do enunciado, que o indivíduo fica inapto para moldar
com facilidade e prontidão sua fala e determinadas formas estilísticas e
composicionais; é por causa de uma inexperiência de tomar a palavra
no momento certo, de começar e terminar no tempo correto (nesses
gêneros, a composição é muito simples) (1999, p. 303-4).
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Os gêneros textuais, assim, são construídos por sequências textuais ou tipos textu-
ais. Cada sequência relaciona-se a um objetivo e possui características específicas:
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Descritiva so, conforme a orientação dada a reformulação.
seu olhar pelo produtor.
Fazer o destinatário compreender Constatação, problemati-
um objeto de discurso. Visto pelo zação, resolução, conclu-
produtor como incontestável, mas são/avaliação.
Explicativa de difícil compreensão para o des-
tinatário.
Convencer o destinatário da valida- Estabelecimento de: pre-
de de posicionamento do produtor missas, suporte argumen-
Argumenta- diante de um objeto de discurso tativo, contra-argumenta-
tiva visto como contestável (pelo produ- ção, conclusão.
tor e/ou destinatário).
Manter a atenção do destinatário Apresentação de: situação
por meio da construção de suspen- inicial, ações desencadea-
se, criado pelo estabelecimento de doras, resolução, situação
Narrativa uma tensão e subsequente resolu- final.
ção.
Fazer o destinatário agir de um cer- Enumeração de ações
to modo ou em uma determinada temporariamente subse-
Injuntiva direção. quentes.
Fazer o destinatário manter a intera- Abertura, operações tran-
Dialogal ção proposta. sacionais, fechamento.
Fonte: Bronckart (2009)
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Os alunos precisam perceber que a interação, a partir da linguagem, é sem-
pre discursiva. Sempre guarda o objetivo de dizer algo a alguém, em um dado
contexto e de uma determinada forma. Um texto nunca é produzido aleatoria-
mente: texto é mensagem.
Como já apontamos, nem sempre as escolhas que envolvem a produção de
enunciados são intencionais. Mesmo assim, quanto mais profundo o conheci-
mento que se tem sobre os gêneros, mais consciente se torna essa produção. Além
disso, a produção de discursos não se dá no vazio. Os discursos dialogam com
outros discursos já produzidos, e é muito importante que o(a) aluno(a) consiga
desenvolver essa consciência. A percepção da intertextualidade, por exemplo, é
algo que pode auxiliar o(a) aluno(a) a perceber a relação existente entre diversos
textos produzidos, ainda que essa relação não se dê de forma linear ou explícita.
O aprendizado dos gêneros auxiliará o sujeito a utilizar a língua de modo
variado, produzindo diversos efeitos de sentido e adequando seu discurso a dife-
rentes situações comunicacionais. Nesse aprendizado, não é possível enfocar
unidades básicas como letras, fonemas, sílabas, palavras, sintagmas ou frases,
pois estes, descontextualizados, não levam o(a) aluno(a) a desenvolver sua com-
petência comunicativa. Esses elementos, como já afirmamos anteriormente, só
têm sentido quando em contexto, aplicados nos gêneros que satisfazem as deman-
das sociais da atualidade.
Além disso, é interessante que os alunos tenham em mente a relação entre
oralidade e escrita no contexto dos gêneros, entendendo quando e como são usa-
dos os elementos de cada um desses dois tipos. É inclusive importante que os
alunos saibam que há alguns gêneros, como o da notícia, que são produzidos de
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forma escrita, mas que são recebidos pelos destinatários por meio da oralidade.
Perceber tais nuances da heterogeneidade dos gêneros ajuda o(a) estudante a
diferenciar os gêneros e entender quando cada um deles será mais apropriado.
Outra percepção que é importante que os alunos tenham é a de adequação
dos gêneros discursivos às normas sociais de um determinado local. E isso não
é questão de etiqueta, trata-se de adequação lógica às necessidades de uma dada
situação, e que leva em conta:
■■ natureza da informação veiculada;
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tico e social, por exemplo. Ou seja, aqueles com maior importância para uma
participação plena em uma sociedade letrada.
Nesse sentido, os PCNs sugerem alguns gêneros específicos para o trabalho
em sala de aula, os quais estão apresentados na tabela a seguir.
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Por que gêneros orais? Será que precisamos colocar os alunos para falar em sala
de aula? Mas eles já falam tanto!
Sim, gêneros orais. Sim, precisamos colocar os alunos para falar. E, sim, os
alunos falam muito, mas não sabem falar de acordo com as situações que enfren-
tarão fora da escola.
Ainda que cheguem à escola com grande domínio da atividade da fala e com
competência discursiva suficiente para se comunicar com colegas em situações
cotidianas, os alunos não estão preparados para inúmeras situações sociais de
exercício da cidadania que enfrentarão fora dos muros da escola, como a busca
de serviços, as tarefas profissionais, os encontros institucionalizados, a defesa
dos próprios direitos e opiniões etc. Fora dos muros da escola, os alunos serão
avaliados e julgados a partir das capacidades comunicativas que possuírem. E
poderão ser aceitos ou discriminados de acordo com a capacidade de respon-
der a diferentes exigências da fala e de se adequar aos diferentes gêneros orais.
Assim, cabe à escola o ensino da utilização da linguagem oral para situações
públicas, realização de entrevistas, debates, seminários, apresentações teatrais
etc. Porém, é importante que se proponha atividades didáticas nas quais tais ati-
vidades façam sentido de fato, ou seja, sejam colocadas realmente em uso, pois
de outro modo será um treino vazio e, consequentemente, não haverá um real
aprendizado.
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■■ amplie a capacidade de reconhecer as intenções do enunciador, sendo capaz
de aderir ou recusar as posições ideológicas sustentadas em seu discurso.
Já no processo de produção de textos orais, é esperado que o aluno:
■■ planeje a fala pública usando a linguagem escrita em função das exigên-
cias da situação e dos objetivos estabelecidos;
■■ considere os papéis assumidos pelos participantes, ajustando o texto à
variedade linguística adequada;
■■ saiba utilizar e valorizar o repertório linguístico de sua comunidade na
produção de textos;
■■ monitore seu desempenho oral, levando em conta a intenção comunica-
tiva e a reação dos interlocutores e reformulando o planejamento prévio,
quando necessário;
■■ considere possíveis efeitos de sentido produzidos pela utilização de ele-
mentos não verbais.
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• confirmando antecipações e inferências realizadas antes e durante a
leitura;
• articulando o maior número possível de índices textuais e contextuais
na construção do sentido do texto, de modo a:
°° utilizar inferências pragmáticas para dar sentido a expressões que
não pertençam a seu repertório linguístico ou estejam empregadas
de forma não usual em sua linguagem;
°° extrair informações não explicitadas, apoiando-se em deduções;
°° estabelecer a progressão temática;
°° integrar e sintetizar informações, expressando-as em linguagem
própria, oralmente ou por escrito;
°° interpretar recursos figurativos, tais como: metáforas, metonímias,
eufemismos, hipérboles etc.;
• delimitando um problema levantado durante a leitura e localizando as
fontes de informação pertinentes para resolvê-lo;
■■ seja receptivo a textos que rompam com seu universo de expectativas, por
meio de leituras desafiadoras para sua condição atual, apoiando-se em mar-
cas formais do próprio texto ou em orientações oferecidas pelo professor;
■■ troque impressões com outros leitores a respeito dos textos lidos, posi-
cionando-se diante da crítica, tanto a partir do próprio texto como de sua
prática enquanto leitor;
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Além disso, quando se trata da produção de textos escritos, o objetivo a ser alcan-
çado é que o(a) aluno(a):
■■ redija diferentes tipos de textos, estruturando-os de maneira a garantir:
• a relevância das partes e dos tópicos em relação ao tema e propósitos do texto;
• a continuidade temática;
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■■ na utilização de mecanismos discursivos e linguísticos de coerência e coe-
são textuais, conforme o gênero e os propósitos do texto, desenvolvendo
diferentes critérios:
• de manutenção da continuidade do tema e ordenação de suas partes;
• de seleção apropriada do léxico em função do eixo temático;
• de manutenção do paralelismo sintático e/ou semântico;
• de suficiência (economia) e relevância dos tópicos e informações em
relação ao tema e ao ponto de vista assumido;
• de avaliação da orientação e força dos argumentos;
• de propriedade dos recursos linguísticos (repetição, retomadas, aná-
foras, conectivos) na expressão da relação entre constituintes do texto;
■■ na utilização de marcas de segmentação em função do projeto textual:
• título e subtítulo;
• paragrafação;
• periodização;
• pontuação (ponto, vírgula, ponto-e-vírgula, dois-pontos, ponto de
exclamação, ponto de interrogação, reticências);
• outros sinais gráficos (aspas, travessão, parênteses);
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didático que possibilite essa conquista, de modo que só saber o conteúdo não é
o suficiente, é importante saber como transmitir esse conteúdo.
A sugestão dos PCNs é de que o processo se dê da ação à reflexão e desta
novamente à ação. Ou seja, seria interessante mostrar um determinado gênero,
falar sobre seus princípios fundadores, e só então partir para uma nova aprecia-
ção do gênero e posterior produção textual. Uma possibilidade didática seria a de:
1. Trazer para a sala de aula textos de um dado gênero (notícia, por exem-
plo) para que os alunos tentassem, por si sós, identificá-lo e apontar suas
características.
2. Apresentar, depois da tentativa inicial dos alunos, quais são as caracte-
rísticas daquele gênero, qual é seu objetivo, que tipo de linguagem deve
ser utilizada etc.
3. Ler mais textos de tal gênero, tentando identificar neles os elementos
pontuados.
4. Produzir notícias para um jornalzinho a ser exposto/distribuído na escola.
O ensino dos gêneros discursivos da oralidade deve possibilitar que o(a) alu-
no(a) tenha maior acesso a usos de linguagem mais formais, que exijam certos
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padrões de manifestação e um uso mais consciente da linguagem. Assim, ensinar
gêneros discursivos orais não é o mesmo que ensinar a falar: é ensinar a reco-
nhecer e a produzir dentro de estruturas técnicas de determinado gênero, com
determinado objetivo. O maior objetivo, aqui, é fixar modelos de gêneros com
os quais os alunos têm pouco contato cotidiano.
Com esse fim, o(a) professor(a) pode se utilizar de registros audiovisuais e
da realização de debates, saraus, entrevistas, palestras, saraus literários, leituras
dramáticas etc. Os PCNs apresentam as seguintes sugestões para o encaminha-
mento das atividades:
■■ Escuta orientada de textos em situações autênticas de interlocução, simul-
taneamente ao processo de produção, com apoio de roteiros orientadores
para registro de informações enunciadas de modo a garantir melhor apre-
ensão de aspectos determinados, relativos ao plano temático, aos usos da
linguagem característicos do gênero e a suas regras de funcionamento. A
presença nessas situações permite, conforme o gênero, interessantes arti-
culações com a produção de textos orais, pois o(a) aluno(a) pode intervir
com perguntas e colocações.
■■ Escuta orientada, parcial ou integral de textos gravados em situações autên-
ticas de interlocução, também com a finalidade de focalizar os aspectos
mencionados no item anterior. A gravação, pela especificidade do suporte,
permite, no processo de análise, que se volte a trechos que tenham dado
margem à ambiguidade, tenham apresentado problemas para a compre-
ensão etc. Para melhorar a qualidade da intervenção do(a) professor(a)
na discussão, sempre que possível, é interessante dispor também de trans-
crições (integrais ou esquemáticas) dos textos gravados, o que permite
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os alunos da leitura de textos simplificados à leitura de textos mais complexos.
Segundo os PCNs, com esse objetivo, é necessário agir como se o(a) aluno(a)
já conhecesse aqueles gêneros que precisa aprender, ou seja, como se a falta de
habilidade de lidar com esses textos fosse uma condição superável a partir do
treino e da compreensão de que o processo de recepção de diferentes tipos de
texto é sempre diferente: notícias não são lidas da mesma forma como se lê um
conto ou poema.
Como consequência, não se pode dar o mesmo tratamento a textos dife-
rentes. Resumos e esquemas podem funcionar bem com textos de divulgação
científica, mas aplicar o mesmo procedimento a textos literários pode fazer com
que este último perca muito do que faz com que ele seja um texto literário. Além
disso, ler um gênero da forma errada também prejudica a formação de sentidos,
uma vez que o gênero, seu contexto e objetivo, nos situam de acordo com a lei-
tura que deve ser feita.
Uma experiência interessante nesse sentido seria a leitura do conto “Pierre
Menard, autor de Dom Quixote”, de Jorge Luís Borges (apresentado em Saiba
Mais). O conto é escrito em forma de artigo, defendendo uma determinada
opinião com argumentos de valor e justificativas diversas, de modo que um
desavisado faria a leitura do mesmo aplicando os padrões que seriam aplicados
à leitura deste último gênero, e não do gênero “verdadeiro”. Ao mesmo tempo,
aquele que lê tal conto sabendo-o conto, ainda que note as características disso-
nantes, compreende isso como aspectos da criatividade e genialidade do autor.
Algumas sugestões didáticas trazidas pelos PCNs para a formação de lei-
tores são:
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gos (e/ou difíceis), que podem vir a ser interessantes ao/à aluno(a), mas
que precisam muito da mediação do(a) professor(a).
4. Leitura programada: situação didática adequada para quando o(a) pro-
fessor(a) deseja discutir coletivamente um texto considerado difícil. Nesse
caso, o(a) professor(a) pede aos alunos que leiam trechos pré-determina-
dos (ou leiam o texto por partes, parando para discussão) para posterior
comentário. A compreensão e análise do trecho lido poderá auxiliar na
leitura dos trechos seguintes, e os alunos podem tentar antecipar o pos-
sível caminho para o qual o texto rumará. O(A) professor(a) também
pode introduzir informações a respeito da obra, do contexto em que foi
produzida, da articulação que estabelece com outras, dados que possam
contribuir para a realização de uma leitura que não se detenha apenas
no plano do enunciado, mas que articule elementos do plano expres-
sivo e estético.
5. Leitura de escolha pessoal: é uma proposta de leitura que visa permi-
tir o desenvolvimento, por parte do(a) aluno(a), de critérios de seleção
do material a ser lido, autores preferidos etc. Pode-se propor um gênero
específico, um(a) autor(a) ou tema, e deixar o(a) aluno(a) livre para esco-
lher algum texto dentro do critério escolhido. Após esse momento, o(a)
aluno(a) relata suas impressões, fazendo comentários a respeito do que
gostou ou não gostou, o que pensou a partir da leitura etc.
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(escritos) com os alunos. Expusemos aqui algumas possibilidades, mas a esco-
lha sempre dependerá do tempo e recursos disponíveis, além do perfil e nível
da turma em questão.
O estudo dos gêneros textuais, bem como a produção de textos, torna-se mais
simplificado a partir da definição de grupos de objetivos, funções ou ações que
realizam. Esses grupos são chamados de tipologia textual. Dentre os possíveis
tipos textuais, há cinco que precisam ser trabalhados na escola, sendo muito
importantes para o desenvolvimento discente. Tais tipos são caracterizados pelos
seus objetivos, de modo que são chamados de: narrar, relatar, argumentar, expor
e descrever ações.
Para que isso possa ficar bem claro e para que possamos explorar cada uma
dessas ações de forma mais aprofundada, trataremos das duas primeiras neste
tópico e das três seguintes na próxima unidade.
Em primeiro lugar, diferenciemos: narrar é imaginar e contar histórias de fic-
ção. É uma capacidade usada na criação de contos, fábulas, romances etc. Já relatar
é a capacidade de contar acontecimentos vividos pelo autor ou por outra pessoa.
É usada em notícias, relato de viagem, relato de experiência, diário íntimo etc.
GÊNEROS TEXTUAIS I
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A partir dessas definições, já fica fácil perceber que narrar e relatar são ati-
vidades bastante diferentes, quase opostas.
Comecemos, então, a falar sobre o que é relatar.
Relatar é uma forma de documentar ações humanas reais. Os relatos podem
ser encontrados na oralidade e na escrita, contando algo que aconteceu com
alguém, em algum lugar, em algum tempo, de algum modo. Podemos dizer que
é um texto que responde às perguntas “o quê?”, “quando?”, “onde?”, “como?” e
“por quê?”. Exemplos de textos com esse conteúdo estão em notícias de jornais
e revistas, livros, diários, cadernos escolares, cartas, agendas etc. Porém, mais
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do que isso, relatar faz parte da socialização humana. Passamos o dia relatando
coisas, contando acontecimentos uns aos outros, trocando informações e conhe-
cimentos, relatando acontecimentos que consideramos marcantes.
O relato, então, tem como foco a documentação e memorização das ações
humanas. É a representação, pelo discurso, de experiências vividas, situadas
em um tempo e espaço reais. Dentre os gêneros voltados para o relatar estão o
relato de experiência vivida, o relato de viagem, o diário íntimo, o testemunho,
a anedota ou causo, a autobiografia, o curriculum vitae, a notícia, a reportagem,
a crônica social, a crônica esportiva, o histórico, o relato histórico, o ensaio ou
perfil biográfico, a biografia etc. Como se pode perceber, todos esses gêneros tra-
balham com a vida real, com acontecimentos sociais.
Ainda que pareça claro, há grande dificuldade na produção de textos com a
diferenciação entre as atividades de narrar e relatar. O que nos auxilia é manter
em mente que a função dos gêneros do relatar é de informar a respeito de algo: é
a apresentação ou enumeração de informações básicas, de forma objetiva, sobre
algum acontecimento enfocado.
Veja o exemplo abaixo, adaptado de uma notícia veiculada no site do jor-
nal O Diário, de Maringá:
Duas pessoas ficaram feridas em uma colisão de uma moto e um táxi
na manhã desta segunda-feira (31) na Zona Armazém, região central
de Maringá.
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compromisso com o evento real: realidade e ficção deixam de ter limites preci-
sos. Em um relato, quem fala deve falar o que de fato ocorreu. Quem narra tem
liberdade para inventar.
Desse modo, narrar refere-se a uma exposição mais detalhada, em que perso-
nagens, ação e espaço formam um todo elaborado de forma fictícia. Observemos,
por exemplo, um trecho do conto “Tentação”, de Clarice Lispector (1998, p. 46):
Na rua vazia as pedras vibravam de calor – a cabeça da menina flame-
java. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua,
só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se
não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de
momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado
na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem
palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de
bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária.
Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente
uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau
faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha
de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já
habituado, apertando-a contra os joelhos.
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isso a ela? E note que a diferença não se dá pela mudança de ponto de vista do
narrador, por exemplo, uma vez que ambos os trechos citados estão construídos
na terceira pessoa. O que muda é, especialmente, a forma de lidar com as pala-
vras, a forma de combiná-las e, talvez, mais do que isso, o objetivo que há por
trás daquela combinação de palavras.
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Verossimilhança
A verossimilhança é um conceito-chave tanto no ensino de leitura e produ-
ção de textos quanto no ensino – e fruição – da literatura. Aristides Ledesma
Alonso, em seu verbete no EDTL – E-dicionário de termos literários –, apre-
senta uma definição completa e funcional, mostrando que verossimilhante
é aquilo que tem a semelhança com a verdade, por ser dotado de lógica e
coerência, ou seja, por fazer sentido. Isso porque, ainda que inventados e
fantásticos, os acontecimentos narrados devem satisfazer às expectativas
do leitor. Mesmo quando um personagem voa, tem superpoderes ou res-
suscita, se essas ações fizerem sentido dentro do universo ficcional criado
para aquela história, haverá verossimilhança e o leitor não ficará com im-
pressão de improviso ou de ilogicidade.
Acessando o link abaixo, você poderá ler todo o verbete escrito por Alonso,
o que vai, certamente, auxiliá-lo(a) em sua compreensão dos gêneros do
narrar e da literatura em si.
<http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=-
viewlink&link_id=14&Itemid=2>.
Essa forma de lidar com as palavras nos gêneros do narrar, diferente da forma
habitual, chama-se literariedade. Ou seja, é um conjunto de características lin-
guísticas, semióticas e sociológicas que fazem com que um texto seja percebido
pelo leitor como literário. E, se o texto narrado tem fim literário, se a literatura
é arte, e se a arte tem finalidade em si mesma, a narração não é utilitária, ao
contrário do relato, que sempre guarda em si a utilidade de registro e transmis-
são de informação.
A narração, assim, lida não com o verdadeiro, mas com o verossímil, que
pode ser compreendido como aquilo que não é verdadeiro e que, entretanto,
poderia ser, dentro de um universo como aquele imaginado no texto.
Entre os gêneros textuais que se enquadram nos gêneros do narrar, temos o conto
maravilhoso, o conto de fadas, a fábula, a lenda, a narrativa de aventura, a nar-
rativa de ficção científica, a narrativa de enigma, a narrativa mítica, o sketch ou
história engraçada, a biografia romanceada, a novela fantástica, o conto, a crô-
nica literária, o romance, a adivinha, a piada etc. Vejamos brevemente como se
caracterizam alguns desses gêneros:
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■■ Romance – narrativa desenvolvida tradicionalmente em torno de um
único foco, mas com a possibilidade de muitos conflitos, concomitan-
tes ou não. Pode versar sobre uma grande diversidade de temas. Autores:
Érico Veríssimo, Machado de Assis, José de Alencar, Clarice Lispector,
Lygia Fagundes Telles, Rachel de Queiroz, Gabriel García Marquez etc.
■■ Novela – é geralmente apontada como uma espécie de “romance curto”,
tanto por sua extensão quanto pelo fato de apresentar bem menos confli-
tos do que o romance. E atenção: não confunda com a novela televisiva!
A novela literária é um gênero completamente diferente, não é episódica
nem longa. Exemplo: O vestido cor de fogo, de José Régio.
■■ Conto – narrativa curta, frequentemente com apenas um conflito e sem
divisão de capítulos (pode acontecer, mas é raro). Geralmente é apresentado
em coletâneas, ou seja, livros de contos, mas hoje em dia, com a internet,
há quem publique em blogs ou sites. Autores: Jorge Luís Borges, Clarice
Lispector, Lygia Fagundes Telles, Lima Barreto, Machado de Assis etc.
■■ Epopeia – poema narrativo centrado em grandes realizações de heróis
representativos de povos da antiguidade, geralmente com o auxílio de
deuses. Não é muito facilmente adaptado para a realidade atual, tendo
sido substituído pelo romance com a ascensão da burguesia. Exemplos:
Ilíada e Odisseia, ambos de Homero.
■■ Crônica – narrativa curta centrada em acontecimentos da vida cotidiana,
podendo ter teor humorístico, poético ou reflexivo. Autores: Rubem Braga,
Fernando Sabino, Luís Fernando Veríssimo etc.
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■■ Parábola – narrativa curta e alegórica, ou seja, que diz uma coisa, mas
quer dizer outra diferente. Os ensinamentos de Cristo foram registrados
na Bíblia em forma de parábolas.
■■ Saga – narrativa extensa que conta a história de uma família importante no
contexto de um povo. Exemplo: O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo.
■■ Apólogo – narrativa curta, de fundo moral, protagonizada por seres ina-
nimados. Exemplo: Um apólogo, de Machado de Assis.
■■ Lendas, contos de fada, mitos – narrativas que participam da cultura
coletiva, que contam com a presença de serem fantásticos e geralmente
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°° Desenvolvimento – durante o desenvolvimento, acompanhamos os
personagens na tentativa de resolução do conflito inicial. Podem sur-
gir novos conflitos, reviravoltas, personagens etc.
°° Clímax – momento de tensão máxima da história, o momento deci-
sivo que levará à resolução, à revelação de um mistério, à decisão mais
importante etc.
°° Desfecho – que rumo a história segue depois do clímax. Há histórias
em que o clímax coincide com o desfecho, e há outras em que o desfe-
cho é bastante prolongado, mostrando acontecimentos ocorridos anos
depois da resolução do conflito trabalhado na narrativa.
■■ Personagens – seres ficcionais criados para viverem os fatos narrados.
Podem ser humanas, animais, objetos, criaturas fantásticas etc.
■■ Tempo – período em que ocorre a narrativa. Pode ser cronológico, com
referências a passado, presente e futuro, ou psicológico, quando os acon-
tecimentos narrados desenvolvem-se muito mais dentro da mente das
personagens envolvidas.
■■ Espaço – local onde acontecem os fatos narrados, e que pode fazer refe-
rência a locais reais ou não.
GÊNEROS TEXTUAIS I
91
preciso que o enredo apresente um conflito, que tire os tais fatos da normalidade.
Então você pode dizer: mas professora, não era para não haver relatos de
fatos ou acontecimentos nas narrações? E eu responderei: não. É muito possí-
vel que haja fatos em uma narrativa. Porém, quando isso acontece, é importante
notar que o objetivo do texto narrativo não está centrado nos fatos, mas na forma
como eles são contados, o que pode ser facilmente notado simplesmente compa-
rando-se uma notícia de jornal a um conto, um poema etc. Além disso, os fatos
que possam estar em uma narrativa estão sempre entremeados por informações
não factuais, ou seja, criações da mente do autor.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Se esse poema foi realmente tirado de uma notícia de jornal, não saberemos ao
certo. Porém, em um relato jornalístico, o texto provavelmente seria bem dife-
rente do poético, possivelmente semelhante ao que se segue:
Um corpo foi encontrado na lagoa Rodrigo de Freitas nesse domingo (17),
provavelmente vítima de afogamento. O Corpo de Bombeiros foi acionado por
uma testemunha, que identificou a vítima como João da Silva, carregador de
feira livre também conhecido por “João Gostoso”. Segundo outras testemunhas,
a vítima morava no morro da Babilônia e esteve na noite anterior no bar Vinte
de Novembro, onde teria ingerido grande quantidade de álcool, após teria sido
visto indo na direção da lagoa. A Polícia Militar aguarda contato da família.
Ou seja, a principal diferença entre uma narração e um relato, ainda que os
dois textos tenham um mesmo referente, é a forma como o texto é construído
em torno de tal referente, além do tipo de informações que são priorizadas em
cada um dos textos.
Uma vez que eu criei o segundo texto, ele acaba não sendo intrinsecamente
um relato, posto que o referente é inexistente e, portanto, imaginário. Mas quero
que se atente, nesse momento, à estrutura, e não à gênese das duas produções.
Se a morte de João Gostoso fosse verídica, o segundo texto seria um relato do
ocorrido, e o primeiro uma narração inspirada nesse fato.
Para que isso fique ainda mais claro, escolha, por exemplo, um evento histó-
rico do passado. Procure, então, obras literárias e não literárias que tratem de tal
acontecimento. É completamente diferente. Um texto literário – narrado – terá
aspectos imaginários, tratará dos sentimentos, emoções e conflitos dos perso-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
nagens envolvidos, terá um clímax etc. O texto não literário – relatado – contará
os fatos com certa riqueza de detalhes, mas limitando-se sempre aos fatos em si,
nada além dos fatos em si.
Essas são as principais diferenças que precisam ficar bem claras quando do
trabalho em sala de aula com os gêneros textuais do narrar e do relatar. E, como
você viu, não é como se fosse um bicho de sete cabeças. Com alguns exemplos e
explicações, o trabalho todo será muito fácil e tranquilo de fazer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa unidade, demos início à discussão acerca dos gêneros discursivos/ textuais,
discussão essa que só se encerrará na próxima unidade. Vimos, inicialmente, o que
são os gêneros discursivos. Aprendemos que eles implicam usos da linguagem,
de forma oral e/ou escrita, para determinados fins focalizados pelo remetente, e
que supõem um contexto, uma intencionalidade, um tema e uma estrutura pre-
cisa para que possam ser capazes de realizar a transmissão da mensagem.
Vimos ainda que os gêneros discursivos podem ser divididos, inicialmente, em
dois tipos, os primários e os secundários, sendo que aqueles são mais naturalmente
GÊNEROS TEXTUAIS I
93
Considerações Finais
1. Ao tecermos considerações sobre os gêneros textuais, falamos também sobre o
estilo. A partir do conteúdo estudado, disserte sobre como o estilo se manifesta
nos textos.
2. Supondo que o acontecimento narrado no poema abaixo fosse real, crie um pe-
queno texto em formato de relato (gênero notícia) a respeito dele. Siga o exem-
plo do que foi feito com o Poema tirado de uma notícia de jornal:
Tragédia Brasileira - Manuel Bandeira
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, co-
nheceu Maria Elvira na Lapa – prostituída, com sífilis, der-
mite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em
petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado
no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo
o que ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou
logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro,
uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mu-
dava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua Ge-
neral Pedra, Olaria, Ramos, Bom Sucesso, Vila Isabel, Rua
Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra
vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do
Mato, Inválidos...
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de
sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia
foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organ-
di azul. (BANDEIRA, 1989, p. 130)
3. Defina, a partir do que foi estudado nesta unidade, o que são gêneros textuais.
95
Acessando o link a seguir, você poderá fazer a leitura do conto de Jorge Luís
Borges. Vale a pena a leitura.
<http://odragaodesaojorge.blogspot.com.br/2012/09/um-texto-de-jorge-
-luis-borges.html>.
Acessando o link a seguir, você poderá aprofundar seus conhecimentos so-
bre questões relevantes dos gêneros textuais:
<http://www.portugues.com.br/redacao/generostextuais/>.
Material Complementar
Professora Me. Thays Pretti
III
UNIDADE
GÊNEROS TEXTUAIS II
Objetivos de Aprendizagem
■■ Entender a funcionalidade dos gêneros do argumentar, expor e
descrever.
■■ Compreender as características dos gêneros do argumentar, expor e
descrever.
■■ Analisar exemplos e modelos de argumentações, exposições e
descrições.
■■ Entender de que forma os gêneros textuais se relacionam com o
ciberespaço.
■■ Analisar alguns gêneros textuais possibilitados por novas plataformas
oferecidas pelo ciberespaço.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Explicação a respeito dos gêneros do argumentar
■■ Conceituação dos gêneros do expor
■■ Determinação dos gêneros do descrever
■■ Comentários a respeito das relações entre gêneros do discurso e
ciberespaço
101
INTRODUÇÃO
Carx alunx, é muito bom ter você aqui para mais uma unidade de nosso livro
de Produção Textual II. Como mencionamos na unidade anterior, esta unidade
continua na mesma linha daquela, trabalhando ainda com os gêneros textuais.
Porém, se aquela unidade foi um momento introdutório, onde apenas pude-
mos tentar diferenciar os gêneros do narrar dos gêneros do relatar, esta unidade já
se inicia com vários conceitos consolidados, de modo que o que mais nos interessa
aqui é, além de apresentar a você os gêneros do argumentar, expor e descrever,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Introdução
102 UNIDADE III
seus objetivos e características e, por fim, o quarto tópico será totalmente voltado
para a questão do ciberespaço. Tentaremos dar uma visão teórica geral sobre a
conceituação do ciberespaço, para só então discorrermos a respeito dos gêne-
ros possíveis dentro dessa plataforma e possibilidades didáticas que ela oferece.
Espero que esta unidade seja útil para seu desenvolvimento acadêmico e que,
mais do que isso, sirva como estopim e incentivo para que você procure saber
muito mais a respeito dos temas discutidos.
Boa leitura!
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
OS GÊNEROS TEXTUAIS E A ARGUMENTAÇÃO
GÊNEROS TEXTUAIS II
103
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A motivação representa a ação de forças ativas e impulsionadoras: as
necessidades humanas. As pessoas são diferentes entre si no que tange
à motivação. As necessidades humanas que motivam o comportamen-
to humano produzem padrões de comportamento que variam de indi-
víduo para indivíduo.
Confirma-se, mais uma vez, que a motivação é diferente para cada indi-
víduo. Devido a isso, muitas organizações preocupam-se em descobrir
como motivar seus funcionários para, desta forma, melhorar os servi-
ços oferecidos. – Esse exemplo é de uma citação longa, usada quando
desejamos incorporar em nosso texto um trecho maior (geralmente
maior de 3 ou 4 linhas) do texto de alguém. (Fonte: <http://www.biblio-
teca.pucpr.br/sibi/normas/citacaoLonga.htm>.)
• Exemplo 4: Macrófitas também podem influenciar o ciclo de nutri-
ção de duas outras formas: retenção de sólidos e nutrientes em suas
raízes submersas e folhas (Pott, VJ. and Pott, A., 2003; Meerhoff et al.,
2003; Poi de Neiff et al., 1994) e [...]. – Nesse caso, como foi necessá-
ria a leitura de diversos textos e todos eles sustentam a informação
que o autor deseja reforçar, citam-se todos os trabalhos que fortale-
cem sua afirmação, ainda que não se transcrevam nem se parafraseiem
trechos de nenhum deles. (Fonte: <http://www.scielo.br/scielo.php?pi-
d=S2179-975X2010000200011&script=sci_arttext>.)
• Exemplo 5: Segundo o IPCC (Intergovernamental Panel on Climate
Change) há 90% de probabilidade de o aquecimento global ter uma
causa humana, portanto, é muito provável que o aquecimento global
GÊNEROS TEXTUAIS II
105
tenha sido causado pelos seres humanos. – Nesse caso, não se menciona
exatamente de onde a informação foi tirada, apenas quem a deu, o que
em alguns casos já pode fortalecer a argumentação. (Fonte: <http://
www.ebah.com.br/content/ABAAABEd0AH/capitulo-8-modos-ar-
gumentar-persuadir>.)
■■ Argumentação por comprovação: é a que utilizamos quando o que temos
para sustentar nossa posição são informações objetivas, como dados,
estatísticas, percentuais, gráficos etc. Além de ser utilizada também em
trabalhos acadêmicos e científicos, esse tipo de argumentação é frequente
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
3000
Literatura
2500
2000 Didáticos
1500
Paradidáticos
1000
500
0
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1° 2° 3° 4°
Trim Trim Trim Trim
Gráfico 01: Simulação de gráfico
Fonte: a autora
GÊNEROS TEXTUAIS II
107
várias pessoas podem até concordar, mas que não convence pessoas
que ainda não compartilham desse pensamento por falta de evidências.
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A argumentação está presente em diversos momentos de nossa vida, como tomadas de decisão em
conjunto, por exemplo.
GÊNEROS TEXTUAIS II
109
os gêneros que elencamos acima, diferenças essas que passam por objetivo, nível
de formalidade, maior ou menor quantidade de argumentos necessários, tipos de
argumentos mais aceitos, entre diversas outras. Porém, todas elas seguem mais
ou menos um padrão que se inicia na introdução, onde é apresentada a situa-
ção inicial sobre o assunto, bem como um esboço da posição do remetente em
relação a tal assunto.
Passa-se, na sequência, para o que é chamado de desenvolvimento do texto,
onde o autor analisa ou explicita a tese (opinião, posição) apresentada na intro-
dução, utilizando-se de argumentos para sustentá-la, como fatos, exemplos,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ligar – e foi ao pronto-socorro. Suponhamos que nesse dia o patrão tenha colo-
cado outra pessoa no lugar da secretária, e, talvez por conta dessa outra pessoa
não ser muito experiente, a empresa tenha perdido um cliente.
O patrão poderia ficar irritado com a secretária por ela ter faltado, e pode-
ria querer colocar a culpa nela. Poderia também colocar a culpa na pessoa que
ele colocou para substituí-la. A verdade dele diria que uma dessas duas pessoas,
por qualquer motivo que fosse, prejudicou a empresa. Porém, a verdade da secre-
tária dizia que, mesmo que ela tivesse ido ao trabalho, ela estava afônica e não
teria conseguido conversar com o cliente. Ao mesmo tempo, ela estava doente,
e não seria adequado que ela estivesse em seu ambiente de trabalho, sob o risco
de contagiar outras pessoas.
Porém, há ainda uma terceira verdade nessa história. Talvez, o cliente já
pretendesse deixar a empresa de qualquer maneira, de modo que nem a ausên-
cia da secretária, nem uma possível falta de prática da pessoa que a substituiu
fossem os responsáveis pelo acontecido. Se cada uma dessas pessoas envolvidas
(patrão, secretária, substituto e cliente) fosse escrever um texto argumentando
sobre o motivo da desistência do cliente, certamente teríamos quatro versões
muito diferentes, ainda que todas elas fossem baseadas em argumentos por cita-
ção, comprovação ou raciocínio lógico.
O que queremos deixar claro aqui é que a verdade é, em grande parte, uma
questão de ponto de vista, que envolve quanto conhecimento você tem da situação
geral, quanto de experiência você tem, e até mesmo de que forma você inter-
preta os dados que tem para comprovar (ou refutar) uma ideia. A verdade é uma
construção discursiva, o que equivale dizer que nenhuma verdade é absoluta.
GÊNEROS TEXTUAIS II
111
A TV pode ter outras funções mais úteis para as crianças além de en-
treter. Usada com responsabilidade, pode muito bem contribuir para o
desenvolvimento infantil. O que as crianças absorvem da televisão de-
pende de muitas coisas. A TV irá atingir cada criança de forma diferen-
te. Além disso, a mesma criança reagirá diferentemente aos programas
de TV nos diferentes estágios da sua vida.
Fonte: <http://tvcultura.cmais.com.br/quintaldacultura/diretrizes-pe-
dagogicas/qual-o-papel-da-tv-no-desenvolvimento-infantil>.
O texto apresentado foi retirado do site da TVC, a qual, ainda que seja uma
emissora com uma programação muito melhor – a partir de critérios didáti-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cos e educativos – que as outras emissoras, ainda é uma emissora de televisão.
Diferentemente de pessoas que consideram a TV unicamente como forma de
entretenimento (e, na maioria das vezes, entretenimento vazio), as pessoas por
trás da TVC acreditam que a televisão possa ser uma poderosa ferramenta edu-
cativa, e defendem seu ponto de vista a partir de um texto argumentativo.
O texto inicia já apresentando o assunto a ser tratado: a influência da tele-
visão no desenvolvimento infantil. No segundo parágrafo, sabiamente, o autor
considera a face de entretenimento oferecida pela TV, mas tenta levar o leitor a
pensar que, se bem direcionada pelos pais, a TV pode contribuir com o desen-
volvimento infantil.
GÊNEROS TEXTUAIS II
113
Para sustentar um pouco mais sua opinião, o autor apela para a lógica, dizendo
que os efeitos na criança dependem do tipo de programa escolhido, passando a
listar que tipos de efeitos podem ser alcançados.
A forma como o texto é encaminhado, e a presença dele no site da TV
Cultura, faz com que o leitor seja remetido imediatamente aos programas de tal
emissora (que são, sem dúvida, extremamente educativos), o que, certamente,
era a intenção do texto, de modo que a argumentação funcionou, efetivamente,
no nosso convencimento como leitores.
É importante frisar que, no caso analisado, não estamos tratando de nenhum
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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Há diversos gêneros do expor relacionados à oralidade, como o gênero apresentação oral ou o gênero
palestra.
GÊNEROS TEXTUAIS II
115
Arquipélago
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Urais, e constitui um arquipélago que resulta de inundação continental.
Fonte: <http://www.universal.pt/main.php?id=139#>.
GÊNEROS TEXTUAIS II
117
Como já fizemos nos tópicos anteriores, também começaremos este com uma
definição do dicionário Priberam online sobre o significado de descrever.
Descrever é contar pormenorizadamente, traçar, fazer a descrição de algo.
Estamos, consequentemente, nos enfocando nas características de um determi-
nado objeto observado.
É necessário que não se confunda descrição com definição ou denomina-
ção. Denominação é o nome dado ao objeto; definição é a essência do objeto,
seu uso etc.; e na descrição, enfim, há um enfoque nos pormenores que indivi-
dualizam o objeto. Por exemplo:
Denominação: Navio.
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tente pode utilizar qualquer um dos cinco sentidos (visão, tato, paladar, olfato e
audição) ou mesmo apelar para uma forma mais subjetiva de descrição. É essa
escolha que resultará na opção por uma descrição objetiva (técnica) ou uma
subjetiva (literária).
A descrição objetiva, como o próprio nome indica, busca uma maior neutra-
lidade no momento da descrição. O autor se abstém de comentários pessoais ou
termos que possibilitem múltiplas informações. Constará no texto apenas o que é
perceptível por algum de nossos sentidos. Observe, como exemplo, o texto abaixo:
Búfalo
GÊNEROS TEXTUAIS II
119
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Os gêneros voltados para o descrever são variados, mas todos eles têm
como foco a transmissão de instruções e prescrições, com vistas a uma regula-
ção mútua de comportamento, ou seja, uma padronização de comportamento
e/ou atuação. Entre os gêneros que podemos listar, estão: instruções de monta-
gem, receita, regulamento, regras de jogo, instruções de uso, comandos diversos,
textos prescritivos, entre outros.
Esses gêneros têm seu foco, em geral, em processos mais do que em objetos e
espaços. São textos dos gêneros do descrever todos os textos do tipo “como faz”,
ou “faça você mesmo”. O site WikiHow (<http://pt.wikihow.com/>), por exem-
plo, é uma grande fonte de textos do tipo descritivo. Há, nesse site, milhares de
textos do tipo “como fazer” sobre as mais diversas coisas, como comidas, móveis,
maquiagens e até como fazer textos com objetivos muito específicos, como no
trecho que transcrevemos abaixo, que explica como escrever uma carta pedindo
uma prorrogação de prazo:
1. Escreva a carta com antecedência. Esperar até o último minuto
pode passar a impressão de falta de planejamento e irresponsabi-
lidade.
GÊNEROS TEXTUAIS II
121
4. Use uma redação formal. Sua carta tem de ter uma abordagem cui-
dadosa e profissional. – Cabeçalho: Inclua a data e seu endereço;
Endereço do destinatário: Inclua o nome e o endereço corretos do
destinatário; Saudação: Mantenha um tom formal. Não use “Olá,
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Agora que já temos falado tanto a respeito de gêneros, não se faz necessário
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começar este tópico com uma explanação pormenorizada a esse respeito. Porém,
ciberespaço é, ao mesmo tempo, um termo que estamos usando pela primeira
vez em nosso livro e um assunto muito recente – apesar de ser também muito
presente – em nosso cotidiano.
Pensemos, inicialmente, nas origens do ciberespaço. Esse espaço só foi pro-
piciado com a criação, em 1945, dos primeiros computadores. Inicialmente
grandes máquinas de calcular, voltadas para uso militar em cálculos científi-
cos, disseminaram-se para uso civil na década de 60, quando já imaginavam
que conseguiriam um avanço crescente nas tecnologias de hardware, ainda que
sequer passasse pela mente de qualquer pessoa o avanço que temos atualmente.
Porém, na década de 70, com o desenvolvimento e comercialização dos micro-
processadores, o cenário previsto anteriormente se alterou de forma radical. Os
microprocessadores “abriram uma nova fase na automação da produção indus-
trial: robótica, linhas de produção flexíveis, máquinas industriais com controles
digitais etc.” (LÉVY, 1999, p. 31). As mais diversas áreas passaram a buscar nos
computadores formas de aumentar a produtividade, de modo que muitas ativi-
dades econômicas se modernizaram. Pouco tempo depois, na Califórnia, surgia
o computador pessoal. A partir daí,
o computador iria escapar progressivamente dos serviços de processa-
mento de dados das grandes empresas e dos programadores profissio-
nais para tornar-se um instrumento de criação (de textos, de imagens,
de músicas), de organização (bancos de dados, planilhas), de simulação
(planilhas, ferramentas de apoio à decisão, programas para pesquisa) e
de diversão (jogos) nas mãos de uma proporção crescente da popula-
ção dos países desenvolvidos (LÉVY, 1999, p.31-32).
GÊNEROS TEXTUAIS II
123
Depois disso, a partir dos anos 80, a informática vai cada vez mais se entrela-
çando às telecomunicações, editoração, cinema e televisão, até que surgissem
grandes redes de computadores que se tornariam, na sequência, o que conhece-
mos hoje como internet. Esse novo “ambiente” favoreceu muito novas formas de
mensagens, além do surgimento do conceito de interatividade. Nasce, assim, o
ciberespaço, um “novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização
e de transação, mas também novo mercado da informação e do conhecimento”
(LÉVY, 1999, p. 32).
A palavra ciberespaço apareceu pela primeira vez no romance de ficção cien-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mesmo eles não são sempre de uma mesma forma. Há e-mails que se parecem
com conversas, outros que são mais formais, há e-mails que são, na verdade, pro-
pagandas ou comprovantes, entre outras possibilidades.
Porém, ainda que a caracterização dos chamados “gêneros digitais” seja difí-
cil e, por vezes, controversa, não podemos deixá-los de lado, especialmente no
ambiente escolar, onde se reúne uma parcela muito grande dos usuários desses
gêneros. A dificuldade em sua caracterização não é uma justificativa para que
nós, como professores(as), não nos inteiremos a respeito do assunto e ajude-
mos os alunos a desenvolverem suas competências comunicativas também no
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ambiente virtual. Até porque a tendência é que haja uma, cada vez, maior vir-
tualização de nossas relações e atividades.
Nesse sentido, Luiz Antônio Marchuschi afirma que, “com o telefone, o gra-
vador, o rádio, a TV e, particularmente, o computador pessoal e sua aplicação
mais notável, a Internet, presenciamos uma explosão de novos gêneros e novas
formas de comunicação, tanto na oralidade como na escrita” (MARCHUSCHI,
2005, p.19). Ou seja, como os gêneros são eventos sócio-discursivos, novos gêne-
ros são incluídos ao nosso repertório à medida que surgem novas formas de
comunicação, uma vez que essas formas de comunicação sempre trazem con-
sigo novas necessidades e atividades.
Além disso, fica claro que os gêneros textuais – todos eles – surgem, situam-
se e integram-se às culturas em que se desenvolvem. A existência dos gêneros
é sempre muito mais caracterizada por suas funções comunicativas do que por
suas características formais. O que nos faz entender que, assim como a língua é
viva e vai se adequando às novas situações sociais de um povo, os gêneros tam-
bém são mutáveis, existindo apenas em virtude de seus objetivos. Um gênero
só existe enquanto existe a função que ele desempenha. E, assim como surgem
novos gêneros, gêneros em desuso podem desaparecer, e isso é absolutamente
normal. Não é preciso se entristecer por um gênero que “morre”, pois é assim
que a língua funciona.
Os novos gêneros, logicamente, não surgem “do nada”. A partir das platafor-
mas à disposição, os velhos gêneros se transfiguram, gerando novos gêneros. É
assim que as plataformas como o rádio, a televisão, o jornal, a revista e a internet
possibilitaram novos gêneros, como os editoriais, as notícias, as telemensagens,
GÊNEROS TEXTUAIS II
125
diferente nas duas situações: ao telefone, ele pode ser ainda mais constrangedor.
Outra diferença é, por exemplo, o tipo de frases fáticas usadas para confirmar
o canal comunicativo. Enquanto no diálogo face a face tentamos confirmar se a
outra pessoa está acompanhando nosso raciocínio, no diálogo por telefone, mui-
tas vezes, somos levados a testar também o canal de comunicação, ou seja, se a
outra pessoa ainda está na linha, se nenhuma das duas pessoas perdeu o sinal
etc. (especialmente em diálogos via telefone celular).
Outra característica interessante dos gêneros mais recentes é seu hibridismo.
Em vários deles há grande interação entre signos verbais, sons, imagens e for-
mas em movimento.
NOVOS GÊNEROS
elementos mais ou menos fixos por meio dos quais eles podem ser identifica-
dos. Tomemos mais uma vez o e-mail como exemplo, que mantém elementos
como identificação do remetente e despedida, independente do nível de formali-
dade (característica essa que ainda o aproxima de seu gênero de origem, a carta).
Aliás, já que estamos constantemente mencionando o e-mail para exem-
plificarmos nossas explicações, começaremos nosso percurso pelos gêneros
digitais explorando esse que é um dos mais importantes oferecidos pela plata-
forma da internet.
O correio eletrônico funciona basicamente com troca de mensagens online.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Porém, diferentemente de um serviço de correios comum, a mensagem vai da
caixa de saída do remetente para a caixa de entrada do destinatário em questão
de segundos. As mensagens são recebidas em formato digital, podendo ser apa-
gadas, alteradas ou guardadas na memória do computador sem a necessidade
de passar pelo papel. Além disso,
em qualquer lugar onde haja uma possibilidade de conexão telefônica
ou hertziana, mesmo indireta, com o computador que gerencia minha
caixa postal eletrônica (ou seja, em quase qualquer lugar), posso tomar
conhecimento das mensagens que me são endereçadas ou enviar novas
mensagens (LÉVY, 1999, p. 97).
Esse alcance foi estendido ainda mais com o advento dos smartphones, com tecno-
logias 3G, 4G e wi-fi, as quais permitem que, se quisermos, estejamos conectados
24 horas por dia à nossa caixa postal eletrônica.
Além disso, um mesmo e-mail pode ser enviado, de uma só vez, a uma lista
vastíssima de destinatários, as quais podem ou não receber, em seus próprios
e-mails, os endereços uns dos outros. Isso exclui a necessidade de se escrever,
copiar ou imprimir várias vezes um mesmo documento para envio.
A estrutura do endereço de e-mail, geralmente, segue o formato nome@pro-
vedor.com.br, em que o nome é o nome escolhido pelo usuário, e @ “arroba”
significa at em inglês, que em português pode ser traduzido, nesse caso, como
em, indicando que a caixa postal do usuário está localizada em um determi-
nado provedor de e-mail. Há provedores gratuitos e pagos, além dos provedores
corporativos (usuário@unicesumar.edu.br). O .com indica que esse endereço é
comercial (há endereços .edu, .gov, .org, entre outros), e .br indica que o endereço
GÊNEROS TEXTUAIS II
127
é brasileiro.
Em termos estruturais, o que se mantém são o vocativo (que se refere à pes-
soa para a qual a mensagem se destina), o texto (a mensagem a ser transmitida)
e a despedida, seguida do nome ou assinatura virtual do remetente. A linguagem
utilizada varia muito, como é possível verificar nos exemplos abaixo:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Esse primeiro exemplo apresenta uma linguagem um pouco mais formal, uma
vez que remetente e destinatário estão entrando em acordo a respeito de um ser-
viço. O formato, porém, como é facilmente percebido, é muito semelhante ao
de uma carta tradicional.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Já esse terceiro exemplo, acima, apresenta um modelo diferente dos anteriores.
É um e-mail de propaganda e, consequentemente, é mais parecido com um pan-
fleto de divulgação do que com uma carta. Nesse tipo de e-mail há, quase sempre,
o recurso a imagens e frases de impacto, em estruturas persuasivas.
Assim, estudar o gênero e-mail permite uma grande diversidade de opções.
O interessante é que o(a) aluno(a) saiba o objetivo de cada uma dessas opções
e seja capaz de se expressar em várias delas, em situações mais ou menos for-
mais, com objetivos de comunicação, informação, convencimento, entre outros.
Outro gênero digital bastante utilizado, ainda que aparentemente tenha
perdido um pouco de sua força nos últimos anos, são as conferências eletrôni-
cas, também conhecidas como fóruns digitais ou apenas fóruns. De acordo com
GÊNEROS TEXTUAIS II
129
Lévy, este é um
dispositivo sofisticado que permite que grupos de pessoas discutam em
conjunto sobre temas específicos. As mensagens são normalmente clas-
sificadas por assuntos e por sub-tópicos. Alguns assuntos são fechados
quando são abandonados e outros são abertos quando os membros do
grupo acham necessário. Em um sistema de conferências eletrônicas,
as mensagens não são dirigidas a pessoas, mas sim a temas ou sub-
temas. O que não impede os indivíduos de responderem uns aos ou-
tros, já que as mensagens são assinadas. Além disso, indivíduos que
tenham entrado em contato em uma conferência eletrônica podem em
geral comunicar-se pelo correio eletrônico clássico, de pessoa a pessoa
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Netiqueta
Netiqueta é uma palavra construída a partir das palavras inglesas network
e etiquette e refere-se a uma etiqueta recomendada para o uso da internet.
Consiste em um conjunto de recomendações para evitar conflitos e mal-en-
tendidos via internet, em e-mails, fóruns, chats, comentários de blogs etc.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Para saber mais a respeito, consulte os sites:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Netiqueta>.
<http://www.safernet.org.br/site/sites/default/files/netiqueta.pdf>.
<http://www.educacaoadistancia.camara.leg.br/ead_cfd/file.php/1/Docu-
mentos_geral_/Netiqueta.pdf>.
Outro gênero que surge com a internet (e que está cada vez mais presente na
vida dos jovens e dos não tão jovens) é o chat ou sala de bate-papo. Ambos
diferenciam-se do e-mail por serem síncronos, ou seja, permitirem o diálogo
imediato com o interlocutor, mas se diferenciam entre si pelo fato de o chat ser,
na maioria das vezes, individualizado (um diálogo tradicional, entre duas pes-
soas), enquanto que a sala de bate-papo permite a participação de mais pessoas,
as quais, em alguns casos, nem se conhecem (no caso de serem pessoas conhe-
cidas, as plataformas que oferecem esse tipo de interação costumam chamar tais
conversas de “grupos”, “conferências”, “hangouts” etc). O termo “sala de bate-
-papo” é mais utilizado, geralmente, para plataformas nas quais o indivíduo cria
um nick (apelido) e conversa quase anonimamente com outra pessoa, que ele,
em um primeiro momento, não sabe quem é, nem de onde é.
Tanto os chats quanto as salas de bate-papo são caracterizadas pela fugaci-
dade do diálogo, que é centralizado na escrita. Segundo Heine (2005), o fato de
esses gêneros permitirem um diálogo por meio da escrita,
sem que os interlocutores precisem necessariamente estar presentes,
promove a criação de mecanismos e estratégias que representem o diá-
GÊNEROS TEXTUAIS II
131
com frases curtas e repletas de abreviações (com exceção, por exemplo, do aten-
dimento ao cliente por chat, no qual o funcionário da empresa mantém o padrão
de frases completas, em linguagem formal, o que deveria ser feito também pelo
cliente – o que nem sempre ocorre). A escrita passa a ter, então, característi-
cas extremamente fonéticas, dando-se prioridade para os fonemas e não para a
ortografia das palavras, comportamento esse que gera, por exemplo, a troca do
[qu] por [k] em palavras como “quero” (“kero”), ou a expressão “d+” em subs-
tituição a “demais”.
Outras abreviações perfeitamente aceitáveis em chats informais são “s”
para sim, “n” para não, “fds” para fim de semana, “niver” para aniversário, entre
outros. O que deve ficar claro para o(a) aluno(a) é que essas abreviações não são
erradas, mas são inadequadas em certos contextos, como um trabalho escolar,
de modo que, ainda que tal aluno(a) se utilize dessas abreviações em conversas
com amigos, no dia a dia, em chats, ele não as poderá utilizar em todas as oca-
siões, sendo necessário que ele saiba se expressar de outras formas além dessa.
Outro gênero possível a partir da comunicação no ciberespaço é o weblog
(blog), criado inicialmente como uma espécie de diário público, mas que, atu-
almente, é usado para postagens dos mais diversos tipos, não apenas aquelas
referentes à própria pessoa que faz as publicações. As pessoas escrevem sobre
si, suas ideias, visões de mundo, e sobre interesses que tenham, como política,
filosofia, música, literatura, moda, entre outros. O blog é, atualmente, algo como
uma revista, que pode ser administrado por uma ou mais pessoas, tendo, por
vezes, semelhança com o livro, quando o autor decide postar seus contos, poe-
mas, crônicas ou outros textos do tipo.
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Muitos internautas colocam muitos gifs (imagens animadas) em seus blogs,
deixando-os com aspecto carregado. Ao tratar do gênero blog com os alunos, é
importante ressaltar que, a menos que sua intenção seja irritar seu leitor, a apa-
rência do blog deve ser o mais “limpa” possível, sem cores “berrantes” (como
verde-limão, rosa-choque), com uma fonte fácil de ler, e em tamanho adequado.
O texto deve estar ao alcance de todos os leitores, ainda que, por vezes, sejam
utilizadas abreviações e gírias que nem todos os leitores conheçam. É preciso
mostrar aos alunos que o blog é uma publicação social, que poderá/deverá ser
lida por outras pessoas, de modo que sua estrutura (aparência e texto) deve cola-
borar para isso.
Além dos gêneros já apresentados, há uma infinidade de gêneros possibi-
litados pelas redes sociais, sendo que o mais comum deles é o chamado “post”,
ou “postagem”, de extensão e nível de formalidade variável, de acordo com o
caso, e que frequentemente utiliza-se de símbolos visuais chamados “emoticons”,
que compensam a ausência de entonação e expressividade da escrita com uma
simulação de um rosto, por exemplo (como em :) , :( , =P , xD ). A presença dos
emoticons faz com que haja, nos posts, um hibridismo entre fala e escrita, uma
vez que tais símbolos tentam fazer com que o texto se aproxime da expressivi-
dade conseguida em um diálogo falado.
Além desse aspecto, é importante notar que é geralmente no post que o uso de
gírias internautas é muito mais frequente, inclusive com o uso de hashtags, que
nada mais são do que palavras-chave antecedidas de um sinal de #. Inicialmente
GÊNEROS TEXTUAIS II
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A ESCRITA E O CIBERESPAÇO
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e lugar. Remetentes e destinatários “compartilhavam uma situação idêntica e,
na maior parte do tempo, um universo semelhante de significação. Os atores da
comunicação evoluíam no mesmo banho semântico, no mesmo contexto, no
mesmo fluxo vivo de interações” (LÉVY, 1999, p. 116).
Com a escrita, tornou-se possível que a mensagem viajasse milhares de qui-
lômetros desde a pessoa que a produziu até aquela(s) que deveria(m) recebê-la,
de modo que os indivíduos comunicantes não necessariamente estavam cir-
cunscritos a uma mesma situação, local e tempo. Assim, o texto escrito estava,
na maior parte das vezes, “fora de contexto”, e essa não localização é que confe-
riu ao texto escrito certo aspecto de universalidade.
O texto passou a ser o móvel que carrega a verdade, de modo que o discurso
oral passou a perder poder. Para que alguma coisa fosse tomada como verdadeira,
ela deveria estar escrita, e seu sentido deveria se manter o mesmo, absoluto, em
toda parte e em todos os tempos. Essa universalização é, para Lévy,
indissociável de uma visada de fechamento semântico. Seu esforço de
totalização luta contra a pluralidade aberta dos contextos atravessados
pelas mensagens, contra a diversidade das comunidades que os fazem
circular. Da invenção da escrita decorrem as exigências muito especiais
da descontextualização dos discursos. A partir desse acontecimento, o
domínio englobante do significado, a pretensão ao “todo”, a tentativa de
instaurar em todos os lugares o mesmo sentido (ou, na ciência, a mes-
ma exatidão) encontram-se, para nós, associadas ao universal (1999,
p.118).
GÊNEROS TEXTUAIS II
135
Ou seja, uma vez que a escrita fosse voltada para a universalidade, entendida
aqui como a capacidade de manter um mesmo sentido independentemente do
tempo e espaço em que o texto fosse lido, o sentido do texto deveria estar total-
mente contido dentro do texto, ou seja, a cultura escrita tem como características
a universalidade e a totalização, que era aplicada ao texto por instituições de
poder como Governo, Igreja e Escola, no sentido de modular a interpretação
“correta” dos textos.
E o que o ciberespaço tem a ver com isso? A questão é que seu surgimento
desarticulou a relação entre a universalidade e a totalização. Isso porque
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Estando conectados uns aos outros por meio da rede, é como se estivéssemos
todos vivenciando um mesmo tempo-espaço, o que faz com que as mensagens
não sejam transmitidas “fora do contexto”.
No regime clássico da escrita, o leitor encontrava-se condenado a rea-
tualizar o contexto a um alto custo, ou então a restabelecê-lo a serviço
das Igrejas, instituições ou escolas, empenhadas em ressuscitar e fechar
o sentido. Ora, hoje, tecnicamente, devido ao fato da iminente coloca-
ção em rede de todas as máquinas do planeta, quase não há mais men-
sagens “fora de contexto”, separadas de uma comunidade ativa. Virtual-
mente, todas as mensagens encontram-se mergulhadas em um banho
comunicacional fervilhante de vida, incluindo as próprias pessoas, do
qual o ciberespaço surge, progressivamente, como o coração (LÉVY,
1999, p. 120-121).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mídias, outras opiniões. O gênero digital é, então, ilimitado. Um e-mail não ter-
mina no próprio e-mail, frequentemente estão contidos nele links e referências
que rumam para várias direções. O mesmo se vê nos blogs. A verdade passa a
ser fluida, intercambiável, provisória – até que surja uma nova informação ou
evidência. O conhecimento surge a partir das viagens que um leitor decide fazer
pela rede.
Além disso, enquanto a maioria dos gêneros textuais é linear, com começo,
meio e fim bastante delimitados, a estrutura dos gêneros digitais é uma espécie
de fractal, começando por um rumo que se bifurca. Quando escolhemos um
dos novos caminhos, percebemos que também ele se bifurca. Escolhemos mais
um rumo, e mais uma vez acontece o mesmo, interminavelmente. Essa estru-
tura, viva e coletiva, deve ser perceptível para os alunos ao trabalharem com
gêneros digitais. O ciberespaço é um ambiente aberto e diversificado porque o
ser humano é diversificado.
Como consequência desse novo estado de coisas, as relações de continuidade
estabelecidas para o objeto impresso – livro, revista, bilhete – são substituídas
pela composição de fragmentos manipuláveis, podendo cada um desses frag-
mentos estar em um diferente site, blog, fórum etc. Com novos gêneros, surgem,
assim, novas formas de ler, escrever e aprender.
GÊNEROS TEXTUAIS II
137
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Logicamente, há muitas mentiras e equívocos publicados no ciberespaço. E,
quando se trata de publicações literárias, ao mesmo tempo em que a internet dá
visibilidade para muitos bons artistas, também permite que maus artistas sejam
lidos, de modo que nós, como leitores, devemos ter um senso crítico redobrado.
É por isso que é tão importante, em tempos de internet, saber procurar e avaliar
textos, tanto quanto saber compreendê-los e produzi-los. Há muita informa-
ção à disposição para todos nós que compartilhamos esse “mundo paralelo” do
ciberespaço. Porém, assim como no “mundo real”, há pessoas boas e ruins, tex-
tos bons e ruins, informações relevantes e inúteis, e nós, como professores(as)
(e pais, responsáveis, formadores de opinião), devemos auxiliar nossos alunos a
aprender a nadar nesse grande oceano de informação. Enfim, como diz Umberto
Eco, em trecho citado por Soares (2002, p. 155), “we need a new form of critical
competence, an as yet unknown art of selection and decimation of information,
in short, a new wisdow”: precisamos de uma nova forma de competência crí-
tica, uma ainda desconhecida arte de seleção e eliminação de informação, em
síntese, uma nova sabedoria.
GÊNEROS TEXTUAIS II
139
CONSIDERAÇÕES FINAIS
camos o que viria a ser a ação de argumentar, e de que forma ela poderia se
estruturar em um texto. Nesse sentido, falamos sobre argumentação por cita-
ção de autoridade, que fortalece nosso argumento por ser alguém reconhecido
que pensa o mesmo que estamos tentando defender em um determinado texto;
argumentação por comprovação, feita por meio de dados técnicos e científicos,
que sustentam nossa opinião; argumentação por raciocínio lógico, que traba-
lha em cima de relações de causa e efeito; e argumentação com base no senso
comum, que é quando apelamos para alguma opinião compartilhada por um
grande grupo de pessoas, mas sem qualquer comprovação técnica. Falamos
ainda sobre os usos de tais gêneros, e sobre que gêneros se encaixam nos gêne-
ros do argumentar.
Na sequência, passamos para os gêneros do expor, explicando inicialmente
o que significa expor algo, e passando, posteriormente, para características dos
gêneros que tenham a função de expor.
O terceiro tópico fechou as funções dos gêneros, falando sobre os gêneros
do descrever. Nesse tópico observamos que a descrição pode ser tanto a descri-
ção de um objeto como de uma ação ou processo, por exemplo.
Finalizado o trabalho com as funções que podem separar os gêneros, passa-
mos para a questão dos gêneros textuais no ciberespaço, explicando inicialmente
o que é o ciberespaço, quando e de que forma ele surgiu e quais são as inovações
trazidas por ele. Comentamos, então, sobre o fato de existirem gêneros textuais
próprios do ciberespaço, os quais, apesar das semelhanças, são muito diferen-
tes dos gêneros do “mundo real”. O ciberespaço é, então, mais um dos espaços
sociais nos quais nos relacionamos.
Considerações Finais
140 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e suas diversificadas funções, fazendo-nos, algumas páginas depois, dedicar um
subtópico à universalidade da escrita no ciberespaço.
Nesse ponto, precisamos falar sobre o novo ritmo de leitura exigido pelos
textos virtuais, com seus hiperlinks e a multiplicidade de fontes de informação,
e de que forma isso afeta os gêneros textuais mais tradicionais.
Terminamos, assim, com uma reflexão a respeito da nova criticidade exigida
por esse novo espaço de relações que é o ciberespaço, riquíssimo, vastíssimo, mas
também bastante perigoso.
Esperamos, então, que essa unidade tenha trazido bastante conhecimento e,
especialmente, reflexões a respeito desse novo espaço de trabalho.
Até a próxima unidade!
GÊNEROS TEXTUAIS II
141
Para mais discussões a esse respeito, uma bibliografia que sugerimos é a obra “Educação
e ciberespaço: estudos, propostas e desafios”. Com organização de Gláucio José Couri
Machado, essa obra, disponibilizada online na íntegra, é composta por 13 artigos sobre
assuntos envolvendo o ciberespaço, como didática online, internetês, autoria coletiva,
ensino de línguas, educação à distância, entre outros.
O intuito da obra é oferecer um panorama para futuros questionamentos por parte de
educadores de todos os níveis escolares, os quais estão sendo levados a lidar com o fato
de que seus alunos passam boa parte de seu tempo nesse ambiente conhecido como
ciberespaço.
Cyberculture
LÉVY, Pierre
Sinopse: Uma das obras mais conhecidas de Pierre Lévy, tanto no
Brasil quanto no resto do mundo, é o livro Cyberculture. Neste livro,
o autor tenta responder à questão sobre o que é cibercultura, bem
como que tipos de movimentos sociais e culturais são intrínsecos a
essa nova cultura. O autor ainda discute a possibilidade de uma nova
relação com o saber, analisando que alterações a cibercultura gera na
educação, bem como em outras áreas, como artes e arquitetura.
Mesmo tendo sido escrita em 1997, ou seja, há quase duas décadas,
a obra ainda é bastante atual e nos oferece possibilidades de refletir
sobre de que forma a sociedade (e nós mesmos) temos utilizado as novas tecnologias digitais.
Professora Me. Thays Pretti
PRODUÇÃO TEXTUAL NA
IV
UNIDADE
SALA DE AULA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Diferenciar os conceitos de linguagem que perpassam os conceitos
de redação e produção textual.
■■ Compreender porque a opção por produção textual é mais benéfica
ao desenvolvimento discente.
■■ Analisar as consequências da interação entre professor(a) e aluno(a)
na produção textual.
■■ Conhecer algumas propostas para o trabalho com produção textual
em sala de aula.
■■ Estudar o conceito de sequências didáticas, observando de que
forma tal conceito pode auxiliar o desenvolvimento dos alunos.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A transposição da redação para a produção textual
■■ Interação professor(a)-aluno(a) e a produção textual
■■ Propostas didáticas para a produção textual em sala de aula
147
INTRODUÇÃO
Carx alunx, estamos começando aqui a quarta unidade de nosso livro, de modo
que estamos mais próximos do fim dessa disciplina do que do começo. Espero
que já tenha aprendido muito e pesquisado vários dos assuntos que foram abor-
dados aqui. Isso porque o ensino a distância também tem um aspecto autodidata,
de modo que você, alunx, constrói a maior parte de seu conhecimento. Este livro
é um guia, o caminho é você que deve trilhar.
Esta unidade e a próxima serão mais voltadas para a prática docente. Assim,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
nosso foco será a produção textual em sala de aula nesta unidade, e a correção
textual na próxima.
Em primeiro lugar, falaremos a respeito da transposição do conceito de
“redação” para o conceito de “produção textual” e quais são as consequências
acarretadas por essa mudança. Em seguida, discutiremos a importância da intera-
ção entre professorx e alunx durante a aula de produção textual e apresentaremos
algumas propostas didáticas para a produção textual na sala de aula.
É importante, porém, que comece a pensar em consonância com o que traba-
lharemos nesta unidade. Para tanto, preciso que compreenda que a necessidade
de produzir textos permeia diversos momentos da vida cotidiana. Por vezes,
há a necessidade de produzir textos informais, como bilhetes, cartões, listas
de compras etc., enquanto que em outras ocasiões, profissionais, por exemplo,
precisamos lidar com relatórios, cartas, licitações e outros documentos adminis-
trativos. Entretanto, apesar da intensidade de nossa relação social com a escrita,
pesquisadores apontam a grande dificuldade de muitos brasileiros em produzir
textos que sejam adequados aos seus objetivos de comunicação, como aponta
Suassuna (1995). E isso ocorre mesmo no meio universitário, onde imaginamos
encontrar produtores de textos mais eficientes.
Esse mau desempenho tem feito com que pesquisadores como Geraldi
(1995), Rojo (2005), Ruiz (2001), Antunes (2003) e outros desenvolvam inves-
tigações sobre como ensinar e aprender produção escrita na escola, enfocando
tanto os problemas relacionados ao/à alunx quanto ao/à professorx. Nesse sen-
tido, Oliveira (2003, p. 222) afirma que
Introdução
148 UNIDADE IV
Muito desse mau desempenho pode vir justamente da concepção que nós, como
professorxs, temos de linguagem, concepção essa que é transmitida para nossxs
alunxs e que tem influência na forma como elxs aprendem a escrita. Tais con-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cepções são justamente o que diferencia a aula de redação da aula de produção
textual, como veremos a seguir.
Espero que essa unidade seja muito interessante e bastante útil para seu
futuro docente!
De forma geral, a possibilidade que tem sido mais utilizada nas escolas é a reda-
ção, ainda que isso esteja gradualmente se alterando. Nesse tipo de atividade,
o(a) aluno(a) deve fazer um texto escrito sobre um tema proposto, texto esse
que é corrigido a partir de critérios geralmente gramaticais, de domínio da lín-
gua padrão.
O(A) professor(a) é o(a) único(a) leitor(a) e avaliador(a) do texto, nessa
perspectiva, e, após avaliado, o texto sai de circulação. Geraldi (1996, p. 54-55)
comenta sobre isso quando afirma que
a produção de textos para a escola foge totalmente ao sentido de uso da
língua: os alunos escrevem para o professor (único leitor, quando lê os
textos). A situação de emprego da língua é, pois, artificial. Afinal, qual a
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
graça em escrever um texto que não será lido por ninguém ou que será
lido apenas por uma pessoa (que por sinal corrigirá o texto e dará uma
nota para o texto)?
A opção por trabalhar com esse tipo de abordagem, ainda que seja tão restritiva,
origina-se sempre de algum tipo específico de concepção sobre linguagem. Assim,
o modo como se concebe a natureza fundamental da língua altera em
muito o como se estrutura o trabalho com a língua em termos de ensi-
no. A concepção de linguagem é tão importante quanto a postura que
se tem relativamente à educação (TRAVAGLIA, 2002, p. 21).
O que faz com que não seja possível “caracterizar o ensino tradicional da escrita
na escola sem mencionar as concepções de linguagem que geralmente susten-
tam esse fazer pedagógico” (PORTAL, 2008, p. 24).
Para pesquisadores como Geraldi (1996) e Travaglia (2002), há três formas de
se compreender a linguagem: linguagem como expressão do pensamento, lingua-
gem como instrumento de comunicação e linguagem como forma de interação.
Dentre elas, as duas primeiras não levam (ou não levam tanto) em considera-
ção o caráter interativo da linguagem, enquanto que a terceira tem seu enfoque
exatamente nessa interação. Por conta dessa diferença, as duas primeiras são
consideradas concepções monológicas, enquanto que a última é uma concep-
ção dialógica. Não é difícil imaginar que a concepção de linguagem que subsidia
o trabalho com textos na escola na forma de redação é uma das duas primeiras,
monológicas, e que, portanto, têm no texto o fim da atividade, e não um meio
de entrar em contato com a sociedade.
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O que faz com que o modo como o texto está constituído não dependa “de para
quem se fala, em que situação se fala (onde, como, quando) ou para que se fala”
(PORTAL, 2008, p. 25). O texto é lançado do produtor ao mundo, e depende
apenas da organização mental deste, sem que o contexto tenha influência ou res-
ponsabilidade alguma.
De forma levemente diferente, na concepção da linguagem como instru-
mento de comunicação, a língua e, consequentemente, o texto, chega a ser vista
como um sistema de signos voltado para a comunicação, mas não vai além disso.
A língua é, aqui, “vista como código, ou seja, como um conjunto de signos que
A escrita escolar, assim, acaba se tornando uma atividade vazia, por não se efeti-
var em comunicação real. O(A) aluno(a) acaba sendo instado(a) a assumir uma
postura artificial perante o texto, não conseguindo se tornar sujeito de seu próprio
discurso. A produção de redações na escola nada mais é “do que a simulação do
uso da língua escrita” (GERALDI, 1995, p. 90), não é o uso da língua escrita em si.
Além disso, o texto produzido – a redação – não é revisado ou reelaborado.
Por ser tirado de circulação logo após ganhar uma nota, acaba sendo visto como
um produto fechado. É um produto fechado dentro de um leque restrito de tipos:
narrativo, dissertativo e descritivo, o que mais uma vez os afasta de seu uso real.
Isso porque, no uso real, muitas vezes esses tipos textuais se misturam e confun-
dem para alcançar um determinado objetivo comunicativo. É raro encontrarmos
textos puramente descritivos na realidade, por exemplo, mas podemos encon-
trar receitas, manuais, bulas de remédios etc. Assim como encontramos bilhetes,
propagandas, reportagens e tantos outros gêneros textuais, a maioria deles impos-
sível de abarcar na simples definição de narrativo, dissertativo ou descritivo.
Contrária a essas duas correntes, a terceira, que observa a linguagem como
interação, defende que “o que o indivíduo faz ao usar a língua não é tão somente
traduzir e exteriorizar um pensamento ou transmitir informações a outrem, mas
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sim realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)” (TRAVAGLIA,
2002, p. 23). Nesse sentido, “mais do que possibilitar uma transmissão de informa-
ção de um emissor a um receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação
humana, através dela o sujeito que fala pratica ações” (GERALDI, 1996, p. 43).
Ou seja, essa concepção traz de volta ao convívio social real os comunican-
tes que haviam sido “mandados para o vácuo” na concepção anterior, uma vez
que o enfoque recai, segundo Portal (2008, p. 29) sobre
o sujeito da linguagem, as condições de produção do discurso, o social,
as relações de sentido estabelecidas entre os interlocutores, a dialogia,
a argumentação, a intencionalidade, a ideologia, a historicidade da lin-
guagem, entre outros aspectos.
experiência de comunicação do aluno com outras pessoas, que podem estar situ-
adas dentro ou fora do contexto formal de sala de aula” (PORTAL, 2008, p. 30).
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A produção textual contextualizada dá mais sentido à experiência da escrita e, consequentemente, ajuda os
alunos a produzir textos mais reais.
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apenas uma forma de perceber e acompanhar o desempenho do(a) aluno(a).
Escrever bem passa a ser visto como a capacidade de se expressar de forma efi-
ciente e apropriada ao interlocutor, à situação de interação e ao fim objetivado.
A mudança na estrutura das aulas a partir da mudança de concepção da lin-
guagem, portanto, da produção textual, também é notável. Quando a linguagem
é observada a partir de um ponto de vista interacional, as aulas de língua e pro-
dução textual tornam-se espaços de cooperação, conflitos e troca de opiniões.
Em suma, o próprio espaço passa a ser, também, interacional, permitindo que
o(a) aluno(a) pense sua própria aprendizagem e o próprio uso da linguagem.
O trabalho com produção textual passa, assim, a mostrar que o texto faz
parte da sociedade, e possui funções sociais muito precisas e delimitadas. A ati-
vidade de escrita, segundo Portal (2008, p. 32),
torna-se mais significativa na medida em que o aluno percebe que está
aprendendo a escrever uma carta, por exemplo, não apenas para ser
avaliado, mas para comunicar-se, de fato, com a administração pública,
fazer uma reclamação para um serviço de atendimento ao cliente ou
convidar alguém para participar de um debate a ser realizado em um
evento da escola, enfim, para saber usar a escrita em diversos contextos
de interação.
Tudo isso porque o texto deixa de ser visto como produto e passa a ser visto
como processo, é o que observaremos no subtópico a seguir.
professor(a), do tema sobre o qual se irá escrever. Ele deverá pensar na situação
interacional que irá servir de plano de fundo para o aprendizado dos alunos,
bem como na seleção de modelos adequados que os orientem, os quais devem
ser lidos e explicados. É importante que fique claro para os alunos qual é a fina-
lidade do gênero textual que será estudado, quem é o destinatário e quais são
os objetivos do texto. Em suma, de que forma esse texto se insere socialmente.
Só após esse processo ter sido realizado é que se pode passar para a fase da
escrita, aqual, na concepção da linguagem como interação, é altamente depen-
dente do conhecimento que o(a) aluno(a) tenha das tipologias e gêneros textuais,
já comentados anteriormente. É esse conhecimento que permite ao aluno(a) ter
um maior embasamento na hora de elaborar o conteúdo de seu texto, mental-
mente, no princípio, e posteriormente no papel (ou computador), refazendo-o
sempre que for necessário.
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desenvolver uma habilidade que é inata ao ser humano, mas que nem sempre
é utilizada: a alteridade. Resumidamente, a alteridade refere-se a se colocar no
lugar do outro, tentando perceber o mundo a partir da visão deste outro. Quando
dizem, popularmente, que uma pessoa tem didática, ou que sabe explicar bem,
muitas vezes é porque essa pessoa sabe fazer uso da alteridade, analisando o
interlocutor e pensando qual seria a melhor forma, ou seja, a melhor constru-
ção discursiva para alcançar aquele interlocutor, a partir dos conhecimentos que
ele tem do assunto ou da situação em questão.
Na produção de texto, e na aula de produção textual, a alteridade é um ele-
mento-chave. O(A) escritor(a) olha para seu próprio texto ou rascunho e tenta
refazer os percursos de leitura que serão realizados pelo outro, buscando saber
onde estão as falhas e quais elementos poderão ser fonte de dúvidas, conflitos ou
mal-entendidos. Esse processo faz com que o(a) autor(a) consiga que seu texto
fique muito mais claro e apreensível.
ALTERIDADE
Os links abaixo trazem informações de fontes variadas sobre o conceito de
alteridade. Visitá-los e entender bem esse conceito lhe auxiliará a compre-
ender o processo cognitivo dos alunos, bem como a entender qual deve ser
a posição daquele que escreve um texto ao considerar o leitor potencial.
Apresentamos a seguir apenas o trecho inicial de um dos textos, de modo
que você precisará acessar o link para lê-los completamente:
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ser incentivado(a) a reler trechos já escritos e buscar se há algo que não está ade-
quado, antes da entrega ou apresentação final do texto. Os bons escritores são
justamente aqueles que revisam e refazem os textos várias vezes. Isso porque, ao
reescrever, o(a) aluno(a) consegue pensar nas estruturas sintáticas e modificá-las,
caso seja necessário. O(A) aluno(a) também consegue repensar a escolha das pala-
vras, observar se há ideias repetidas, observar a ortografia, entre outras coisas.
Além disso, ainda que o processo de escrita seja composto por fases, elas
não devem ser percebidas de forma rígida: os bons escritores transitam por elas,
indo e vindo, voltando para a fase de planejamento sempre que se fizer neces-
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sário, revisando e reescrevendo mesmo antes de terminar o texto. Um domínio
consciente dessas habilidades gera um(a) leitor(a) e escritor(a) maduro(a), que
está no comando das próprias atividades.
Outro elemento que aumenta muito a maturidade dos alunos na escrita é
a leitura, pela necessidade de modelos. Quando uma pessoa lê, ela se acostuma
com a construção das palavras e frases, passando a escrever melhor. Um exemplo
muito claro disso é quando nós entramos em contato com algum texto escrito
por nós mesmos há muitos anos. Não conseguimos entender o quanto escrevía-
mos mal, mas não conseguimos perceber o momento em que as coisas mudaram,
e passamos a perceber nossos erros e evitá-los. Isso porque o aprendizado da
escrita, bem como o aprendizado da língua em si, é um processo lento e gradual.
Como comparação, é interessante notar que o texto oral também é um pro-
cesso. E, consequentemente, também há um planejamento. Entretanto, ele é
muito mais rápido e espontâneo, uma vez que é possível fazer pausas, retroceder,
recomeçar, corrigir etc. Na escrita, esse planejamento é muito mais demorado,
pois, como já apontamos, a produção e a recepção do texto não se dão em um
mesmo momento, o que faz com que seja muito mais importante evitar possí-
veis problemas comunicativos no texto escrito.
Nesse sentido, é importante mostrar aos alunos que também na fala nós usa-
mos nossas experiências anteriores para aprimorar nossas habilidades, e fazemos
isso com muita tranquilidade e desenvoltura por “praticarmos” muito mais uma
grande variedade de gêneros orais, em detrimento dos escritos. Isso mostra que
o empenho em praticar também os textos escritos trará o mesmo tipo de desen-
voltura e, especialmente, uma grande diminuição da insegurança que ronda a
produção textual. Se o(a) aluno(a) se sentir livre para errar e aprender com seu
erro também no ambiente escolar (o que já faz naturalmente em outras esferas
da vida), a diminuição da angústia será necessariamente transformada em cres-
cimento pessoal, emocional e cognitivo.
Porém, essa diminuição da angústia também tem relação com a presença e
postura do(a) professor(a) em relação ao/à aluno(a), como poderemos ver, deta-
lhadamente, no tópico seguinte.
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A INTERAÇÃO PROFESSOR(A)-ALUNO(A) E A
PRODUÇÃO TEXTUAL
“Os professores abrem a porta, mas você deve entrar por você mesmo.” (Pro-
vérbio chinês)
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vras no papel, muitas vezes depois de grande esforço.
O(A) professor(a) deve estar ali para direcionar e orientar, auxiliando o(a)
aluno(a) a alcançar aquilo que ele(a) não consegue atingir sozinho(a). Nesse
sentido, o(a) professor(a), especialmente na aula de produção textual, é um(a)
mediador(a) no sentido pleno: ele(a) intervém no processo, configurando-se
como uma parte dele, mas o processo deve ser desenvolvido pelo(a) aluno(a).
A função do(a) professor(a) é adiantar o desenvolvimento do(a) aluno(a), ofere-
cendo os recursos ideais para tal. Com isso, a função do(a) professor(a) é coberta
de intencionalidade, consciente ou não: é sempre embasada em uma visão ou
crença a respeito do ser humano, sociedade, educação, escola, aprendizagem e,
mais do que isso, uma concepção do que é ser professor(a) e qual é a sua pró-
pria função na sociedade.
Da forma como compreendemos, a função do(a) professor(a) não pode ser
improvisada; ela é fundamental no desenvolvimento do(a) jovem, influenciando
a forma como ele(a), por sua vez, verá o mundo. Nesse sentido, uma interven-
ção pedagógica consciente é determinante na construção de qualquer tipo de
conhecimento.
Porém, além desse aspecto mais profissional, para que os alunos possam
se desenvolver e se tornar independentes, o(a) professor(a) precisa motivá-los,
encorajá-los e fazer com que se percebam capazes de produzir textos escritos,
tanto quanto são capazes de produzir textos orais. Nesse sentido, o mais impor-
tante a ser incentivado é a leitura e a pesquisa, que são instrumentos para levar
o(a) aluno(a) à reflexão e à emancipação crítica, intelectual e política.
©shutterstock
Note-se que não estamos necessariamente falando sobre afeto. Ter afeto pelos
alunos é muito individual, de modo que há professores que apresentam maior
ou menor afeto pelos seus alunos. A questão aqui é, na verdade, incentivo, moti-
vação e encorajamento.
Quando consideramos a importância do incentivo à leitura e pesquisa, por
exemplo, é importante que o(a) professor(a) tenha consciência de que para con-
seguir motivar, ele(a) mesmo deve ser motivado(a), ou seja, deve ser uma pessoa
engajada em atividades de leitura e pesquisa. Parece redundante dizer que um(a)
aluno(a) de Letras (e futuro(a) licenciado(a) em Letras) deve habituar-se à lei-
tura e à pesquisa, mas é bastante comum encontrarmos pessoas em formação
ou mesmo formadas na área que chegam a assumir não ter interesse por leitura,
não gostar de ler etc. Porém, para ensinar a ler, para estimular a leitura, é neces-
sário possuir o hábito de ler. Não se ensina a ler se não se é leitor(a).
Além disso, o(a) docente precisa da leitura e pesquisa para que possa exer-
cer de forma adequada sua função, uma vez que até para selecionar as atividades
e materiais mais adequados aos seus alunos, o(a) professor(a) precisa de um
conhecimento de base.
Da mesma forma, o(a) professor(a) que não acredita em sua própria
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desista de suas habilidades.
Assim, ao mesmo tempo em que o(a) professor(a) que lê e pesquisa vai
criando sua própria concepção da matéria ensinada, de como ensiná-la e do que
é o ensinar em si, o(a) aluno(a), tendo esse(a) professor(a) como modelo, vai
criando a sua própria forma de aprender, entendendo para quê serve o aprendi-
zado e o que é o aprender em si.
No próximo tópico, falaremos um pouco sobre algumas propostas didáticas
que podem auxiliar o(a) professor(a) no processo do ensinar e, especialmente, a
criar e embasar sua própria forma de ensinar.
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■■ Revisões: é importante que o(a) professor(a) acompanhe o que está sendo
desenvolvido pelos alunos durante todo o processo.
■■ Produto final: deve relacionar-se aos conteúdos e processos de apren-
dizagem explorados, dando visibilidade à atividade e conectando-os ao
“mundo externo à escola”.
■■ Avaliação: os critérios devem ser definidos e apresentados de antemão, e
a participação e desenvolvimento dos alunos deve ser registrada durante
todo o processo.
É muito importante que fique claro que os projetos didáticos precisam, neces-
sariamente, resultar em um produto que ligue o conhecimento obtido ao meio
social no qual a escola e/ou o(a) aluno(a) se insere. Como se verá adiante, é esse
ponto que diferencia os projetos das atividades permanentes e das sequências
didáticas, uma vez que nenhum desses dois últimos tem como foco o desenvol-
vimento de um produto: a atividade pode parar simplesmente na aquisição de
um determinado conhecimento.
Apenas saber teoricamente o que é um projeto didático não vai fazer com
que você, enquanto professor(a), consiga desenvolvê-lo em sala de aula.
Por isso, é extremamente importante pesquisar bastante a esse respeito,
colhendo modelos de atividades que guiem o desenvolvimento de seus
próprios projetos.
Nesse sentido, o site da revista Nova Escola (<http://revistaescola.abril.com.
br/producao-de-texto/>) é um dos mais interessantes, por trazer uma infi-
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Assim como no caso dos projetos didáticos, é recomendável que você, como
professor(a) em formação, busque fontes de informação a respeito do uso e
função das atividades permanentes. E novamente, é no site da revista Nova
Escola que encontramos a maior – e melhor – quantidade de modelos para
considerar ao pensar em aplicar em sala de aula uma proposta de atividade
permanente.
Segue, então, o trecho de um planejamento de atividade permanente da
revista Nova Escola, que pode ser acessado na íntegra por meio do link:
<http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/
os-poetas-e-o-fazer-poetico-426210.shtml>.
No mesmo site, há diversos outros modelos, bem como modelos de planos
de aula e reflexões a respeito da postura e função do(a) professor(a) em sala
de aula.
Já as sequências didáticas são um modelo proposto por Dolz et al. (2004) para
trabalhar com atividades – organizadas em etapas relacionadas umas às outras –
focadas em um conteúdo específico. Por oferecerem possibilidades mais amplas,
adequadas para o trabalho cotidiano com os alunos, falaremos sobre elas em um
tópico à parte, a seguir.
SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS
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■■ Contato inicial com o gênero a ser estudado.
■■ Produção de texto diagnóstico (quando o gênero é totalmente desconhe-
cido dos alunos, isso pode ser dispensado).
■■ Ampliação do repertório dos alunos sobre o gênero em questão, por meio
de leituras e análises de texto.
■■ Organização sistemática do conhecimento sobre o gênero: produção e
circulação, elementos composicionais e características.
■■ Produção coletiva.
■■ Produção individual.
■■ Revisão e reescrita.
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dos elementos composicionais de um texto de um determinado gênero, mas tam-
bém a distinção morfológica de tais elementos, uma vez que isso auxiliará na
posterior produção de novos textos, especialmente em um futuro no qual o(a)
aluno(a) não tenha o auxílio e presença constante do(a) professor(a). Ou seja, o
ensino do aspecto mais gramatical da língua serve para dar mais independên-
cia e autonomia ao/à aluno(a).
Assim, é necessário que o(a) professor(a) desenvolva módulos destinados à
leitura/escuta, análise linguística e produção textual, três elementos igualmente
importantes no processo de aprendizagem de um gênero textual. O(A) pro-
fessor(a) ainda deve ter clareza em relação a quais gêneros escritos e orais são
importantes para seus alunos, além de ter consciência do motivo de ensiná-los
e aprendê-los. Escolher os gêneros a partir de “quais gêneros caem na prova de
redação do vestibular” só é escusável se o(a) professor(a) compreender, em pri-
meiro lugar, por que esse gênero está sendo exigido – o que vai fazê-lo retornar
a uma das questões anteriores: por que o(a) aluno(a) deve aprender esse gênero?
Ou seja, de que forma esse gênero será útil socialmente para o futuro dos alunos?
A consciência da importância social de determinados gêneros possibilitará
que o(a) professor(a) desenvolva uma listagem de gêneros para o ano (ou que
os[as] professores[as] de uma escola, em conjunto, desenvolvam uma listagem
de gêneros a serem aprendidos no decorrer dos anos), como parte do projeto
pedagógico da escola. A partir dessa seleção, o(a) professor(a) pode organizar
as sequências didáticas para cada um dos gêneros selecionados, considerando o
tempo disponível e o plano de fundo oferecido pelos alunos.
No desenvolvimento da sequência didática, é importante que o(a) professor(a)
desenvolva por escrito uma justificativa para o gênero que será ensinado, jus-
tificativa essa que deve ser apresentada aos alunos, pois, uma vez que saibam
para que serve aquilo que estão aprendendo, aprenderão de forma mais efetiva
e integrada. Deve haver ainda um objetivo geral e a determinação de quantos
módulos serão desenvolvidos, bem como o que precisará ser estudado em cada
um. Isso além de facilitar o trabalho posterior do(a) professor(a), permite que
ele(a) assuma sua posição de desencadeador de ações e mediador da aprendi-
zagem dos alunos.
Para que isso fique mais claro, apresentaremos, na leitura complementar,
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alguns modelos de sequência didática e dois links para acessar outros modelos.
Em seguida, falaremos um pouco mais sobre a aplicação desse conceito na prática.
Além do site da Nova Escola, os dois links a seguir também trazem diversos
modelos e sugestões de aplicação do conceito de sequências didáticas:
<http://portuguessemed.blogspot.com.br/2011/05/sequencia-didatica-o-
que-e.html>.
<http://alfabetizacaotempocerto.comunidades.net/index.php?pagi-
na=1792801056>.
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entre cartas publicadas em revistas diferentes, voltadas para públicos diversos.
Posteriormente, há o estudo de temas geradores da escrita de cartas do leitor,
para chegar à escrita e, enfim, à publicação.
A fase inicial, voltada para a leitura e reconhecimento, ocupa cinco das onze
etapas (módulos), e é só na sexta etapa que se dá a (primeira) produção de cartas
pelos alunos – dando início a uma espécie de fase intermediária, composta de
quatro etapas voltadas para a escrita: produção inicial da carta, revisão, reescrita,
estudo de pontos gramaticais não dominados pelos alunos, retorno a caracte-
rísticas do gênero ainda não apreendidas etc. Bezerra ainda sugere que, nessa
fase, seja feita uma visita à redação de um jornal ou revista, ou então seja reali-
zada uma entrevista com algum especialista para saber como é feita a triagem
das cartas enviadas pelos leitores. Essa etapa é encerrada com o envio das car-
tas a revistas, para que sejam publicadas.
A última fase do processo depende também da redação da(s) revista(s), uma
vez que foca-se na comparação entre as cartas enviadas e aquelas que foram publi-
cadas – elas passaram por algum tipo de edição? O que foi feito?
Há ainda a proposta de comparar as cartas com outros gêneros de opinião,
para perceber de que forma o veículo e público, por exemplo, interferem no estilo
e linguagem da mensagem. A última etapa retoma o estudo das cartas de leitor,
agora voltado para novos temas.
Como podemos perceber, a adaptação do conceito de sequência didática
para a realidade da turma, do assunto abordado e do tempo disponível, é algo
muito simples: o foco é aquele que o(a) professor(a) percebe que precisa explo-
rar mais, e aquilo que é importante para alcançar esse foco vai sendo trabalhado
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), chegamos ao fim de mais uma unidade, essa que foi nossa
primeira unidade voltada para a prática docente. E chega a hora, também, de
relembrarmos o que estudamos aqui.
Primeiramente, explicamos quais são as diferenças conceituais que estão por
trás da aula de redação e da aula de produção textual. Vimos que a primeira tem
como base duas concepções de linguagem possíveis, sendo que ambas ignoram,
total ou parcialmente, o contexto no qual se insere o processo comunicativo. A
aula de produção textual, por outro lado, é baseada em uma concepção intera-
cionista de linguagem, que considera o contexto como partícipe do processo
comunicativo.
A partir do estabelecimento dessa concepção como nossa opção didática,
passamos para a análise do texto como processo (não como produto), falando
um pouco a respeito das consequências dessa concepção e suas características
e etapas, bem como quais são as habilidades que os alunos precisam desenvol-
ver a partir dessa concepção.
No tópico seguinte, observamos a interação entre professor(a) e aluno(a) e
quais consequências essa interação traz para a produção textual. Nesse tópico,
percebemos que, mais do que um(a) transmissor(a) de conteúdos, o(a) pro-
fessor(a) é um(a) incentivador(a) do desenvolvimento discente, tendo grande
importância também como modelo para o desenvolvimento da classe.
Na sequência, trouxemos sugestões didáticas para serem utilizadas em sala
de aula, como projetos e atividades permanentes, nos detendo, porém, de modo
Considerações Finais
174 UNIDADE IV
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Entretanto, toda essa nossa estrutura conceitual ruiria não avaliássemos nos-
sos alunos da forma correta, e é exatamente por isso que nossa próxima unidade
será centrada na questão da avaliação.
Espero que esta unidade tenha sido enriquecedora e muito útil para seu
desenvolvimento docente, e que a próxima complete de forma satisfatória o pro-
cesso que estamos desenvolvendo.
Até a próxima unidade!
ASPECTOS DA CORREÇÃO
V
UNIDADE
TEXTUAL NA SALA DE AULA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Entender o que é a avaliação formativa e de que forma ela pode ser
utilizada em sala de aula
■■ Conhecer formas de correção textual, capacitando-se para escolher a
mais adequada para o desenvolvimento discente.
■■ Compreender a função da reescrita no processo de desenvolvimento
das habilidades textuais discentes.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Avaliação formativa e a produção textual
■■ Metodologias de correção para produção textual
■■ Escrita e reescrita de texto e a formação de alunos produtores de
textos
179
INTRODUÇÃO
Carx aluno(a), inicia aqui a última unidade de nosso livro, e ela será voltada para
um tema fundamental da atuação docente. Como apontamos na conclusão da
unidade anterior, o trabalho com o ensino-aprendizagem não estará completo,
e não será totalmente efetivo, sem um processo avaliativo, mas, mais do que
isso, sem o processo avaliativo adequado. Isso porque a avaliação também deve
ser pautada pelos mesmos pressupostos que encaminharam as escolhas docen-
tes anteriores.
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A avaliação sempre foi o grande pesadelo dxs alunxs. Mas por quê? Em grande
parte, o motivo para todo esse temor está no fato de xs alunxs não saberem de
que forma serão avaliadxs. A avaliação lhes parece uma espécie de castigo para
um comportamento ruim que elxs nem conseguem identificar. E, na verdade,
não é nada disso. A avaliação é (ou deveria ser) apenas uma forma de verificar
como está o desenvolvimento do grupo, para saber que alterações x professorx
deve fazer no processo e onde tal ou tal alunx deve se esforçar mais. Se ela fosse
tratada dessa forma, o medo não teria sentido, assim como não teria sentido
“colar” nas provas ou mesmo implorar para x professorx pelos pontinhos que
faltam para passar. Isso porque nota não é dinheiro que você possa pedir para
alguém, ou pelo qual você possa trapacear. Nota é apenas a medida numérica
que indica o quão perto professorx e alunx estão de um determinado objetivo.
É para compreender melhor essa questão que nosso primeiro tópico enfo-
cará a avaliação formativa, explicando do que se trata e de que forma ela pode
ser adaptada ao trabalho com produção textual.
Depois de discorrermos bastante sobre o tema, passaremos para as metodo-
logias de correção para a produção textual, e você verá que várias delas podem
até mesmo ser combinadas para auxiliar no desenvolvimento da capacidade
textual discente, mesmo que algumas se baseiem em concepções de linguagem
diferentes daquelas que optamos por seguir.
Falando em concepções de linguagem, outra diferença entre o conceito de
redação e produção textual será vista no último tópico desta unidade, quando
falaremos a respeito da reescrita. Por princípio, as redações estavam prontas e
acabadas assim que eram entregues. O conceito da produção textual, ao contrário,
Introdução
180 UNIDADE V
vê o texto como processo, e uma das partes mais importantes desse processo é
a reescrita, a qual, nas aulas de produção textual, é assistida pelx professorx. E
é exatamente sobre a reescrita e sua função no desenvolvimento da capacidade
textual dx alunx que falaremos.
Esperamos que essa unidade seja esclarecedora, levante muitas reflexões e
questionamentos e seja extremamente útil à sua futura prática docente.
Vamos ao texto!
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A AVALIAÇÃO FORMATIVA E A PRODUÇÃO TEXTUAL
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A avaliação formativa se baseia em princípios do cognitivismo, constru-
tivismo e interacionismo, além de teorias socioculturais e sociocognitivas. Ao
pensarmos nisso, é importante que tenhamos em mente que o construtivismo é
uma perspectiva relativista, pois tenta compreender os processos de aprendiza-
gem do(a) aluno(a) como indivíduo, com formas de aprendizado individuais,
derivadas de seus contextos individuais, e consequentes atribuições de sentidos
individuais, de modo que a avaliação desse aprendizado não pode ser padro-
nizada para todos alunos – ela deve ser relativa, considerando o caso de cada
aluno(a) em específico.
Nesse sentido, as atividades a serem realizadas em sala devem ter um planeja-
mento por parte do(a) professor(a) e devem propor atividades contextualizadas,
que incentivem o desenvolvimento das competências dos alunos ao desempenhá-
-las. As tarefas devem propor problemas de níveis de complexidade crescente,
e o processo avaliativo deve ser explicado aos alunos de antemão, para que eles
saibam como serão avaliados e se esforcem no sentido de desenvolver o que é
esperado. A partir disso, a avaliação deve enfocar não só o desenvolvimento cog-
nitivo dos alunos, mas também o desenvolvimento metacognitivo, ou seja, o modo
como o(a) aluno(a) lida com o próprio processo de aprendizagem. Nesse sen-
tido, uma parte importante da avaliação formativa é a autoavaliação (por parte
dos alunos) – uma vez que o(a) aluno(a) tem um papel ativo na aprendizagem,
passando a ter maior autonomia na própria construção de saberes e, por conse-
quência, na avaliação de seu próprio desenvolvimento.
A avaliação formativa também exige tempo por parte do(a) professor(a), que
precisa, para ajudar os alunos com seu desenvolvimento, construir um registro
sobre cada aluno(a), registro esse que precisa ser constantemente atualizado de
acordo com o desempenho do(a) aluno(a). Assim, é fundamental um planeja-
mento individualizado das atividades e estratégias a serem utilizadas. E, com isso,
avaliar o aluno deixa de significar fazer um julgamento sobre a sua
aprendizagem para servir como momento capaz de revelar o que o alu-
no já sabe, os caminhos que percorreu para alcançar o conhecimento
demonstrado, seu processo de construção do conhecimento, o que o
aluno não sabe e o caminho que deve percorrer para vir a saber, o que é
potencialmente revelado em seu processo, suas possibilidades de avan-
ço e suas necessidades para a superação, sempre transitória, do não sa-
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Mas em relação àquilo que não erramos, somos capazes de corrigir os outros.
Logicamente, a autoavaliação pode ser melhorada com o auxílio do(a) pro-
fessor(a), que pode auxiliar o(a) aluno(a) a criar um maior distanciamento em
relação a seu trabalho. É nesse momento que podemos perceber mais fortemente
a importância das atividades metacognitivas. Conhecendo melhor meu modo
de aprender e atuar, torno-me mais consciente dos meus conhecimentos e limi-
tações e aprendo a administrá-los melhor.
Nesse sentido, é importante, como bem aponta Séguy (1994), que o(a) alu-
no(a) desenvolva critérios de avaliação para julgar seu próprio trabalho e o do
colega. Da mesma forma, é importante também que os alunos compreendam
que o texto é um processo, para o qual devem retornar várias vezes antes que ele
esteja pronto: o texto nunca está acabado em seu primeiro esboço. A partir dessa
concepção, o “erro” deixa de ser visto como um fracasso, mas como uma etapa
– necessária – na direção da produção de um texto de qualidade e, mais do que
isso, na compreensão e superação das próprias dificuldades.
Assim, a avaliação formativa possibilita que os alunos apropriem-se dos
critérios necessários para autoavaliar sua produção. Esses critérios, porém, não
serão simplesmente dados aos alunos: eles devem ser levados a descobri-los a
partir das atividades propostas pelo(a) professor(a). Nesse sentido, o(a) aluno(a)
vai aprendendo gradualmente a se interrogar sobre os meios necessários para
alcançar tais critérios.
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mente, como uma lista que o(a) aluno(a) deve seguir na correção de seu próprio
trabalho. Tais critérios devem ser compreendidos e internalizados, de modo que
o(a) aluno(a) entenda que, se um texto deve ser escrito de uma determinada
forma em detrimento de outra, é porque ele fica melhor assim, ou é porque a
norma culta é a mais abrangente, ou porque uma reportagem deve trazer infor-
mações de forma imparcial pelo objetivo que deve cumprir, por exemplo. O(A)
aluno(a) precisa compreender a função dos gêneros textuais, para compreen-
der por que um conto é diferente de uma notícia e de um bilhete, por exemplo.
Vamos ilustrar isso da seguinte forma: os artigos científicos geralmente são
iniciados por um resumo, de quantidade variável de palavras, que às vezes podem
ser traduzidos para outras línguas. Certo. Mas para que serve um resumo? Um
resumo serve para apresentar ao leitor uma síntese do conteúdo do trabalho,
para que tal leitor só venha a ler o texto completo caso seja aquilo que ele esteja
procurando ler, por interesse científico ou para alguma pesquisa. Isso acontece
porque há grande produção de artigos científicos, em diversas áreas do conhe-
cimento. Como só o título não dá conta de transmitir toda a ideia sobre a qual
tratará o artigo, inicia-se o mesmo com um resumo. Uma vez que esse resumo
deve sintetizar o conteúdo do artigo, ele deve citar apenas os tópicos mais impor-
tantes, dando inclusive informações sobre o resultado da pesquisa, quando se
tratar de uma pesquisa investigativa ou experimental.
O(A) aluno(a), sabendo para que servem os textos, para que servem os adje-
tivos, advérbios, conjunções, sabendo para que servem as figuras de linguagem
etc., saberá avaliar se tais recursos estão sendo bem utilizados em seus textos, e
saberá o que precisa fazer para melhorar seu texto, fazendo, por exemplo, com
Esses são, de forma geral, os passos a serem seguidos para que o(a) professor(a)
consiga ter uma postura mais condizente com a avaliação formativa quando do
trabalho com produção textual. A avaliação formativa é sempre um bom auxi-
liar na aprendizagem da produção textual, por levar o(a) aluno(a) a desenvolver
suas capacidades de reflexão e análise e, a partir de tais capacidades, ser capaz
de autoavaliar sua produção textual.
Saber escrever não consiste apenas em saber utilizar técnicas e regras grama-
ticais. Saber escrever é saber criar um sentido. Nesse âmbito, Geraldi (1995)
aponta que o ato de escrever pressupõe: ter o que dizer; ter a quem dizer, ter
razões para dizer, constituir-se enquanto sujeito do dizer, e dispor dos meca-
nismos e estratégias do dizer.
Além disso, a escrita exige que aquele que escreve tome diversas decisões,
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discursivas, estilísticas, gramaticais etc., para a construção do todo textual. O
sentido do texto depende do processo de escritura e dos atos de leitura desse
texto. Assim, escrita e leitura são dois lados de um mesmo processo, interlocu-
tivo e progressivo. A partir disso,
conceber o texto como unidade de ensino/aprendizagem é entendê-lo
como um lugar de entrada para este diálogo com outros textos, que
remetem a textos passados e que farão surgir textos futuros. Conceber
o aluno como produtor de textos é concebê-lo como participante ativo
deste diálogo contínuo: com textos e com leitores (GERALDI, 1995, p.
22).
de que maneira deve intervir no texto do(a) aluno(a). Nesse sentido, o(a) pro-
fessor(a) busca sempre se perguntar:
■■ O que torna uma correção de texto eficiente?
■■ Que tipos de estratégias de intervenção escrita são mais produtivas para
o(a) aluno(a)?
■■ Como contribuir para uma produção de maior qualidade?
■■ Como corrigir um texto e ao mesmo tempo auxiliar o progresso dos alu-
nos na aquisição da escrita?
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ou não, e se as vírgulas, pontos e parágrafos foram usados corretamente, pois
fazendo isso, o(a) professor(a) não está lendo o texto de fato. Está apenas ava-
liando o(a) aluno(a) em relação a seus acertos e erros, ou seja, sua habilidade (ou
a falta de habilidade) de lidar com ortografia e gramática. Esse(a) professor(a) se
esquece de que o texto é mais do que um amontoado de palavras escritas correta-
mente, “não é simplesmente uma sequência de frases isoladas, mas uma unidade
linguística com propriedades estruturais específicas” (KOCH, 1989, p. 11). As
informações contidas nele são igualmente importantes, bem como a consistên-
cia da argumentação, a singularidade, a coerência, a coesão e a progressividade
do texto. Leituras que compreendem o texto todo como uma unidade de sen-
tido são mais produtivas que aquelas que focalizam apenas partes do texto ou
unidades menores do que o texto.
Há ainda a possibilidade de que o(a) professor(a) trabalhe com leituras entre
alunos. As falhas, então, serão apontadas na medida do conhecimento do outro
ou de forma conjunta, permitindo que o aluno(a) não só saiba como produzir
um texto, como também se determinado texto foi bem avaliado.
Independente de o(a) professor(a) realizar essa atividade – que também
acrescenta muito ao desempenho do(a) aluno(a) – ou não, a maioria dos textos
passará pelas mãos do(a) professor(a), que desenvolverá a correção a qual, inde-
pendente da metodologia, sempre será relacionada à marcação no texto do(a)
aluno(a) de eventuais problemas de construção e suas possíveis soluções. Isso
faz com que a correção seja uma espécie de texto – ainda que não estruturado
como tal – que o(a) professor(a) elabora – à parte ou em sobreposição – para
falar do texto do(a) aluno(a).
Esse texto que o(a) professor(a) produz não deve focar apenas em encon-
trar possíveis “erros” de ortografia, pontuação etc. Ainda que o período escolar
seja o momento do(a) aluno(a) aprender a utilizar esses elementos, na aula de
produção de texto, e consequentemente na correção dos textos produzidos,
o(a) professor(a) precisa ir além, enfocando especialmente a coesão, coerência,
interpretabilidade, inteligibilidade, enfim, aquilo que faz do texto um transmis-
sor de sentido.
Assim, o(a) professor(a) seria um mediador do trabalho do(a) aluno(a) com
o texto, criando situações interativas que abram espaços para o confronto e refle-
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bastante a construção criada pelo(a) aluno(a), mas as soluções refletem
a opinião do(a) professor(a). Nesse tipo de correção, o(a) professor(a):
• Acrescenta texto no espaço entre as linhas do texto do(a) aluno(a),
acima de onde ele(a) encontra um problema, na margem próxima,
com indicação, ou após o texto, com indicação por número, asteris-
cos ou outro sinal convencionado.
• Risca trechos, escrevendo um novo trecho para substituí-lo, acima da
linha problemática ou após o fim do texto, com indicações.
• Desloca trechos do texto do(a) aluno(a) para um local no qual consi-
dere ficar mais adequado, reescrevendo-o.
• Exclui trechos, sem substituição.
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nas assinalar a utilização correta ou não dessas regras, a função social da
escrita ficava em segundo plano. No segundo caso, uma correção interativa
demandaria mais tempo e mais complexidade, além disso, seria necessário
despertar o aluno para a reflexão em relação ao seu próprio discurso e isso
não era e não é uma tarefa simples.
Assim, para saber mais sobre os aspectos da correção textual, cada um dos
textos contidos nos links abaixo o(a) levarão a reflexões sobre o processo de
correção textual e a importância de intervenções adequadas para o sucesso
dos alunos. Assim, complementar o conteúdo aqui exposto com a leitura
dos textos indicados é de suma importância.
Correção textual na escola: Revisão vai além da ortografia e foca os propó-
sitos do texto:
<http://revistaescola.abril.com.br/producao-de-texto/revisao-alem-orto-
grafia.shtml>.
Revisão: a hora de aperfeiçoar o texto:
<http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/
hora-aperfeicoar-leitura-revisao-coletiva-503533.shtml>.
A chave para o bom texto: revisão:
<http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/
chave-bom-texto-423768.shtml>.
Produção de texto: como ensinar os alunos a escrever de verdade:
<http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/escre-
ver-verdade-427139.shtml>.
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texto produzido pelo(a) aluno(a) corresponde ao gênero em questão, em rela-
ção à forma, elementos importantes na estrutura do texto etc. Isso faz com que,
em certas ocasiões, possamos deixar de lado a correção gramatical para pensar
na estruturação de um determinado gênero, seus componentes importantes, seu
tipo de linguagem, dependendo do objetivo daquela produção textual específica.
No trabalho com o gênero notícia, por exemplo, o(a) professor(a) pode obser-
var se o(a) aluno(a) compreendeu a estrutura (lead + desenvolvimento), e se a
linguagem utilizada (padrão, mais ou menos formal, mais ou menos impessoal)
é adequada ao gênero e ao veículo proposto (jornal escolar, jornal de bairro, jor-
nal de igreja, jornal tradicional) e pedir que o(a) aluno(a), na correção, modifique
o que fugiu do objetivo desse gênero, sem se preocupar tanto, nesse momento,
com a adequação gramatical, que pode ser explorada em outra ocasião.
A avaliação, como já apontamos, deixa de focar o fim e passa a analisar o
processo de desenvolvimento do(a) aluno(a), de modo que não é tão necessá-
rio que o(a) professor(a) corrija todas as produções textuais dos alunos, e nem
que corrija sempre da mesma forma. O que se cria é uma espécie de jogo: o(a)
professor(a) propõe as regras, os alunos produzem e, ao final, são avaliados por
aquelas regras, as regras do jogo, não outras. Isso permite que, em uma ocasião,
o(a) professor(a) foque a gramática; em outra, a estrutura do gênero; em outra,
a capacidade de argumentação, e assim por diante.
b. paragrafação;
c. margens regulares;
d. travessão;
e. ausência de rasuras.
A partir desses critérios, o(a) professor(a) pode sugerir que o(a) aluno(a) melhore
sua caligrafia, evite as rasuras, são separe muito as letras da palavra, faça pará-
grafo, respeite a margem etc.
Quanto ao aspecto gramatical, algumas sugestões de pontos a observar são:
a. ortografia;
b. acentuação;
c. concordância;
d. pontuação;
e. colocação pronominal;
f. regência verbal.
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Porém, uma vez que o assunto tenha sido explorado em aula, o(a) professor(a)
pode recorrer à memória do(a) aluno(a) (ou ao caderno ou livro didático), para
fazer com que esse(a) aluno(a) busque a forma correta de uma concordância ou
colocação pronominal, por exemplo.
O aspecto estilístico é um nível um pouco mais elaborado, uma vez que
o estilo do(a) aluno(a) vai surgindo aos poucos, na medida em que ele(a) vai
dominando a habilidade da escrita e produção textual. Ainda assim, há alguns
tópicos que podem ser observados e que auxiliarão no desenvolvimento dessa
habilidade. Dentre eles, destacamos:
a. repetição de palavras;
g. prolixidade.
Nesse ponto do nosso livro, você já deve ter até cansado de ouvir que a reescrita
ou refacção do texto é uma parte importantíssima da produção textual. Resta
agora entender, de forma mais detalhada, de que forma a escrita e a reescrita
influenciam a formação do(a) aluno(a) produtor(a) de texto.
Em primeiro lugar, pensemos: é possível, ao produzirmos um texto, que
cheguemos imediatamente a uma produção que transmita exatamente o que
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desejamos dizer? Quase impossível, não é? Sempre há um ou outro erro, uma ou
outra rasura, uma ou outra coisa que estaria melhor se mudasse de lugar. Assim,
o primeiro objetivo da reescrita é fazer com que o texto chegue (ou chegue mais
próximo) ao que queremos dizer. As releituras necessárias, para que seja feita tal
escrita, também são importantes, por desenvolverem nosso senso crítico e nos
permitirem aprender mais sobre a língua. E se é assim conosco, professores(as),
professores(as) em formação, pessoas alfabetizadas e supostamente produtores
proficientes de textos, como esperar que os alunos, que são produtores em for-
mação, produzam bons textos sem correções, reescritas e orientações?
A reescrita é uma etapa imprescindível no aprendizado da produção textual.
Sendo assim, ela deve fazer parte do ensino da escrita, naturalmente considerado
quando da organização do planejamento do professor. Reescrever faz com que o(a)
aluno(a) observe as transformações e aperfeiçoamentos pelos quais passa o seu
texto, e busque cada vez mais melhorá-lo, entendendo que a escrita é um processo.
Todas as pessoas escreveram textos ruins antes de conseguirem escrever textos bons,
e todo bom texto teve uma versão ruim que o precedeu, mesmo que essa versão
anterior seja de conhecimento apenas do autor. Essa compreensão faz com que o(a)
aluno(a) passe a temer menos os erros, uma vez que são etapas de um processo.
Nesse sentido, a reescrita de textos “vai ocupar um duplo lugar: o de obje-
tivo (se escrever é reescrever, então aprender a escrever é aprender a reescrever)
e o de meio (reescrever pode ajudar a aprender a escrever através de vários dis-
positivos e procedimentos)” (REUTER, 1996, p. 170).
“Corrigir uma página é fácil, mas escrevê-la, ah, amigo! Isso é difícil.”
(Jorge Luis Borges)
impessoal e artificial, quando produzido para ser avaliado, volte a ser uma mani-
festação comunicativa do indivíduo.
Mas como assim?
Aline Juchen (2010), em um artigo sobre o assunto, citou a seguinte frase, profe-
rida por um(a) aluno(a) de graduação em um projeto de leitura e produção de textos:
“Quando escrevo uma redação, não consigo me ver nela; mas quando escrevo
no MSN, todos os meus amigos sabem que sou quem estou escrevendo.”
Essa frase carrega a “necessidade de se reconhecer em sua escrita” (JUCHEN,
2010, p. 25), que nem sempre (e, às vezes, dificilmente) é satisfeita na produção
textual escolar. Isso tem a ver com dois fatores, “a intersubjetividade e o ato indivi-
dual de utilização da língua, que constituem o processo de apropriação da língua
pelo sujeito” (JUCHEN, 2010, p. 25). Nesse sentido, a reescrita acaba sendo um
processo de naturalização do processo de produção de texto, que se torna cada vez
mais familiar, fazendo com que o locutor passe a sujeito do seu próprio discurso.
Essa singularização do texto produzido se dá a partir do momento em que
o enunciador percebe que é por meio das suas escolhas semânticas, gramaticais,
estilísticas etc., que ele se faz presente em sua própria fala, tanto em uma repor-
tagem quanto em uma conversa de chat. O que muda é o gênero, e o fato de o(a)
aluno(a) cuja fala foi citada estar muito mais à vontade no uso do gênero chat do
que no uso de outros gêneros – e é por isso que ele se encontra mais no gênero
chat. A reescrita do texto, com a conscientização a respeito de seus objetivos e
padrões, diminui o distanciamento entre enunciador e enunciado, e o produtor
do texto passa a marcar mais subjetivamente sua própria presença e até mesmo
a presença do remetente em seu dizer.
Outra forma seria a reescrita parcial sobreposta à original, que age na subs-
tituição de trechos no próprio texto, sem que seja necessária a reestruturação
total do texto.
Uma terceira forma seria a produção de uma “errata” simples, na sequência
da primeira versão do texto.
A escolha por uma dessas formas de reescrita depende especialmente da quan-
tidade de erros no texto e da quantidade de tempo disponível para o trabalho de
refacção. Um texto com muitos problemas, por exemplo, vai geralmente exigir
uma reescrita completa, enquanto que textos com poucos problemas podem ser
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submetidos à reescrita parcial ou por meio de errata. Enfim, a escolha depende
de o(a) professor(a) perceber as necessidades de cada aluno(a) em cada situa-
ção específica, uma vez que o ensino de produção textual exige, talvez mais do
que o ensino de outras habilidades e disciplinas, uma aproximação e cumplici-
dade entre professor(a) e alunos.
O(A) professor(a) deve assumir para si a posição de primeiro(a) interlocu-
tor(a) do(a) aluno(a), pois, para que o(a) aluno(a) se desenvolva em sua escrita,
ele(a) precisa ter interlocutores, colocar-se em diálogo, articulando seus tex-
tos a diferentes necessidades e interesses de suas práticas sociais. Além disso,
é preciso que esteja claro para o(a) professor(a) que formar produtores de tex-
tos não é uma atividade que se complete nas séries escolares iniciais, e talvez
nem nas finais. É um processo longo e a função do(a) professor(a) é provocar o
início desse desenvolvimento, dando os rumos para que o(a) aluno(a) consiga
prosseguir de forma independente. A formação de produtores de texto se dá no
contexto social, em comunicação com os outros, na compreensão do mundo e
na capacidade de responder ao mundo qual é sua opinião a respeito do que vê.
A escola é apenas um meio de apresentar o(a) aluno(a) ao mundo, mostrando
a ele quais são os modos de comunicação usados lá fora, e desenvolvendo sua
segurança quanto ao uso desses modos de comunicação, além de revelar ao/à
aluno(a) que, se ele(a) desconhecer algum modo de comunicação (ou gênero)
com que se deparar na realidade social em que se insere, ele(a) sempre pode bus-
car conhecê-lo, buscar aprendê-lo e dominá-lo.
Carx alunx, chegamos, enfim, ao final de nossa última unidade. Ela, como dis-
semos, une-se à anterior para tratar mais diretamente de questões relacionadas
à prática docente. Assim, se na quarta unidade nosso foco foi a aula de produ-
ção textual, esta quinta unidade voltou seu olhar para a avaliação do resultado
de tais aulas.
Para tanto, iniciamos falando um pouco sobre a questão da avaliação, compa-
rando a avaliação tradicional à inovadora avaliação formativa que, assim como o
conceito de escrita mencionado na unidade anterior, é processual e diagnóstica,
além de considerar o desenvolvimento individual dos alunos e utilizar o feedback
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mesmos.
Espero, assim, que essa unidade tenha trazido muitos novos conhecimentos
para agregar à sua futura prática docente. Espero, ainda, que algum trecho possa
despertar em você, alunx, o desejo de ser umx profissional melhor, umx leitorx
melhor, umx escritorx melhor. Se isso acontecer, meu objetivo terá sido alcançado.
“Cada um escreve do jeito que respira. Cada um tem seu estilo. Devo minha
literatura à asma.”
(Fabrício Carpinejar)
209
CONCLUSÃO
Carx alunx, você chegou ao fim da leitura deste livro! Você deve estar com a mente
repleta de ideias para serem colocadas em prática, e não é por menos! Nossa disci-
plina de Produção Textual II buscou oferecer ferramentas para x futurx professorx,
tanto em relação a conteúdos que precisa conhecer quanto a técnicas e estratégias
bastante práticas, como propostas pedagógicas e metodologias de correção de tex-
tos.
Vamos relembrar, então, rapidamente, tudo o que estudamos.
Na primeira unidade de nosso livro, refletimos acerca da função social da lingua-
gem, sua proximidade com a sociedade (lembra-se de que comentamos que pode-
ríamos arriscar dizer que linguagem e sociedade são uma só e a mesma coisa?), e
sua ligação intrínseca com a escrita. Leitura e escrita são duas faces de uma mesma
moeda: uma simplesmente não existe sem a outra.
Tendo comentado sobre tais relações, abrimos um tópico para comentar a respeito
das teorias da comunicação, tentando entender o que é essa maravilha do mundo.
Chegamos, nesse estudo, aos elementos necessários da comunicação: emissor, re-
metente, mensagem, código, canal e referente. Desses elementos, puxamos o as-
sunto para as funções da linguagem segundo Jakobson, as quais se originam cada
uma em um elemento da linguagem.
Das funções da linguagem, partimos para a segunda unidade, que começou nos-
so percurso pelos gêneros textuais. Iniciamos nossa viagem buscando saber o que
seriam os gêneros textuais, para que serve tal conceito e em que ele difere do que
havia antes. Isso nos fez chegar à sala de aula e no trabalho com gêneros textuais
em sala de aula. Você deve se lembrar que, como professorxs, nunca conseguiremos
abordar todos os gêneros textuais em sala de aula, e você se lembra por quê? Se
você respondeu que é devido ao imenso número de gêneros possíveis, você acer-
tou: devemos selecionar aquilo que será útil para xs alunxs em sociedade, e capaci-
tá-lxs para que aprendam outros gêneros de forma autônoma, mas não podemos
ensinar todos, pois é humanamente impossível.
Passamos, então, a discorrer a respeito dos gêneros separados por funções. Come-
çamos, ainda na segunda unidade, com os gêneros do narrar e do relatar, diferen-
ciando-os. Isso me lembra que lhe pedi uma atividade de produção de texto nessa
altura, você a realizou?
Na terceira unidade, continuamos a falar a respeito dos gêneros de acordo com suas
funções. Começamos com os gêneros do argumentar, e mostramos diversos exem-
plos de como se utilizar argumentos em um texto, sejam eles de autoridade (por
citação), por comprovação, por raciocínio lógico ou por senso comum.
Passamos, então, aos gêneros do expor, comentando que a exposição se assemelha
muito ao que antigamente nos ensinavam como sendo uma dissertação. Menciona-
mos que o texto enciclopédico faz parte dessa categoria de gêneros, apresentando
exemplos.
CONCLUSÃO
Terminado nosso trabalho com os gêneros do expor, passamos aos gêneros do des-
crever, quando inclusive sugerimos atividades que podem ser realizadas por você
no futuro, como docente, lembra-se? A atividade consistia em pedir que xs alunxs
tentassem descrever, como em uma receita, alguma ação cotidiana. Sugerimos tal
atividade para estimular xs alunxs a refletirem a respeito do que é a descrição de
ações.
Após terminarmos de falar sobre todas as categorias dos gêneros, entramos no ci-
berespaço. Nesse momento, abordamos questões como surgimentos do ciberespa-
ço, gêneros virtuais e toda uma infinidade de reflexões que decorrem das múltiplas
possibilidades oferecidas por essa ferramenta maravilhosa que é a internet – já deu
para ver que sou entusiasta da informação em rede, não é?
Em nossas quarta e quinta unidades, passamos a observar um aspecto muito mais
prático da produção textual: a produção textual em sala de aula. Iniciamos obser-
vando o motivo que nos faz chamar tal atividade de produção textual e não redação,
e que tipo de posicionamentos filosóficos perpassam essas duas denominações.
Observamos, ainda, de que forma a interação entre professorx e alunx interfere na
produção textual e o quanto é importante que x professorx seja leitorx e escritorx
para formar alunxs leitorxs e escritorxs. Pensando em influência docente, passamos
para um tópico no qual comentamos diversas propostas didáticas para a produção
textual em sala de aula, sempre utilizando a teoria de gêneros como plano de fundo
(perceba, os assuntos vão se encadeando do inicial ao final, como se nosso livro
fosse um tipo de sequência didática, mas escrita).
Ao fim do livro, na quinta unidade, terminamos o que havíamos começado na uni-
dade anterior e continuamos falando a respeito de aplicações práticas na vida do-
cente, porém, nesse caso, enfocamos a questão da correção textual.
211
CONCLUSÃO