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12/11/2018 Como os 'coletes amarelos' da França alcançam metas sem precisar negociar - 08/12/2018 - Ilustríssima - Folha

Como os 'coletes amarelos' da França alcançam metas


sem precisar negociar
Mobilização francesa se assemelha a episódio de caminhoneiros no Brasil, diz
sociólogo

8.dez.2018 às 6h00

Lucas Neves

[RESUMO] Movimento dos "coletes amarelos" na França usa falta de


lideranças, agenda difusa e mobilização via redes sociais para alcançar metas
sem negociar, segundo sociólogo, de modo similar ao episódio dos
caminhoneiros (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/06/junho-de-13-foi-de-sonho-democratico-a-
pesadelo-autoritario-diz-bosco.shtml), em maio, no Brasil.

A dispersão que caracteriza, na França, o movimento dos “coletes amarelos”,


tanto em termos de reivindicações quanto de hierarquia, tem se mostrado
um trunfo para os manifestantes, que ocupam ruas e estradas do país desde
meados de novembro. Na avaliação do sociólogo francês Albert Ogien,
quanto menos o coletivo (que não destacou porta-vozes nem consolidou
uma pauta única) negocia com a gestão Emmanuel Macron, mais este cede.

Foi o que aconteceu na última semana, quando, escaldado pela violência da


terceira jornada de mobilização, no dia 1º, o governo finalmente recuou
(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/12/franca-recua-e-vai-suspender-reajuste-de-taxa-de-combustivel-diz-

da medida que fora a fagulha dos protestos: o aumento de uma


imprensa-local.shtml)

taxa sobre combustíveis que deveria financiar a transição energética do país


para fontes limpas. 

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/12/como-os-coletes-amarelos-da-franca-alcancam-metas-sem-precisar-negociar.shtml 1/7
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Segundo o pesquisador do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica), o


que se entende hoje por “coletes amarelos”, referência ao acessório
obrigatório em carros que circulam na França, é mais uma miragem
midiática, com fortíssima presença na TV e em redes sociais —especialmente
o Facebook—, do que um movimento de carne e osso. E aí reside outra de
suas singularidades.

Na ausência de líderes, na agenda pletórica e no uso ostensivo da internet


para difundir palavras de ordem e imagens de alto valor simbólico, a
sequência de atos espelha muito do que foi a paralisação dos caminhoneiros
no Brasil em maio deste ano. Há ainda, atendo-se ao horizonte francês,
paralelos com maio de 1968 (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/05/atelie-improvisado-em-
paris-criou-ate-1-milhao-de-cartazes-em-1968.shtml), como tem martelado a mídia local.

“[Aquele movimento] coagulou aos poucos todas as amarguras das pessoas,


tudo que as desagradava, mas que elas aceitavam havia muito tempo”, afirma
Ogien, lembrando que, 50 anos depois, Macron sofre o desgaste
(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/12/crise-dos-coletes-amarelos-expoe-fracasso-da-politica-sem-

intermediarios.shtml) dos 18 meses de um “rolo compressor” reformista que não


abriu espaço a negociações (https://mundialissimo.blogfolha.uol.com.br/?p=2773). “As pessoas se
sentiram desprezadas.”

Agora, prossegue ele, o diferencial preocupante é que a tolerância à violência


aumentou, o que pode fragilizar o discurso governamental da volta à
legalidade e ao diálogo social.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista do sociólogo à Folha.

Ineditismo
A primeira singularidade da mobilização é sua origem: uma petição contra o
reajuste de uma taxa sobre o combustível, ou seja, algo que tinha como base
a relação das pessoas com seus carros. Em uma série de manifestações cujo
ponto de partida é o automóvel, há uma ligação entre a forma material que o
protesto assume, com o bloqueio de rotatórias, e a reivindicação que se faz.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/12/como-os-coletes-amarelos-da-franca-alcancam-metas-sem-precisar-negociar.shtml 2/7
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Esse expediente tem a vantagem de poder ser estendido a todo o país,


porque há muitos entroncamentos e pessoas que dependem de seus carros
para se locomover em periferias e no interior, gente para quem o veículo
virou quase um segundo corpo.

Então, não estamos diante de grupos que vão ao centro das cidades com
bandeiras, mas de manifestantes que se servem de carros para encontrar
modos de ação. Lembra o que os caminhoneiros fizeram no Brasil [na
paralisação de maio] ou a maneira como motoristas de ambulância ou de
táxi podem agir.

E essa pulverização geográfica dificulta a repressão. Sabe-se o que é um ato


no centro de uma cidade e como contê-lo. Até aqui, havia uma certa
estrutura: líderes submetiam à polícia um pedido de autorização para um
protesto, ele era aprovado, os organizadores informavam seu itinerário, e os
policiais tinham como gerenciar a situação.

Agora, a questão é: como controlar um território inteiro em que grupelhos


de dez pessoas travam rodovias? São miniocupações dispersas.

Lideranças e pautas
Não há reivindicações claras, unívocas, nem líderes oficiais. É um movimento
impalpável para o poder público. E isso faz parte de sua estratégia: a recusa
em ser completamente assimilado, compreendido. Já vimos isso nas grandes
ocupações de praças, como na Primavera Árabe, na tomada da Porta do Sol
[em Madri] pelos indignados, no Occupy Wall Street. Tampouco é possível
identificar por trás deles partidos ou sindicatos.

Mobilização via internet


O uso maciço do Facebook para mobilizar participantes é outra novidade.
Nessa escala, é algo nunca visto na França, ainda que já tenha acontecido em
outros lugares.

Mesmo que não sejam líderes incontestes, algumas pessoas despontam na


internet como chefes de fileira. É gente com 50 mil, 200 mil seguidores.
Então, é possível, sim, apontar as figuras mais marcantes, as “cabeças”, que
criam grupos e depois querem levar crédito pela força dessas formações.

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Elas são convidadas a dar entrevistas à TV e apoiam sua legitimidade na


quantidade de seguidores que possuem na internet. Só que, quando se
oferecem para negociar, são ameaçadas, às vezes até de morte.
Na verdade, trata-se de um movimento que existe muito mais na mídia do
que no plano da realidade. Vi alguns “coletes amarelos” no interior da
França. São grupos de cinco pessoas em rotatórias, que de vez em quando
dormem, jogam cartas, depois se levantam para bloquear dois carros, e
então voltam para casa.

Instrumentalização
Uma das coisas que marcaram o começo do movimento foi a tentativa de
apropriação pela direita e pela extrema direita. Nicolas Dupont-Aignan, líder
do França de Pé, fez essa sinalização, e, em seguida, os partidos Reunião
Nacional [de Marine Le Pen] e França Insubmissa [este de esquerda radical].

Havia uma força presente desde a eclosão —e aqui podemos estabelecer um


elo com o que aconteceu com Jair Bolsonaro no Brasil—, a mão de Steve
Bannon [ex-estrategista de Donald Trump considerado peça-chave na eleição
deste e na difusão global do nacional-populismo de direita]. Ao lado dele,
existe uma articulação da extrema direita com vistas à eleição para o
Parlamento Europeu [em maio de 2019].

A tática deles é a de criar o caos para que ao menos uma pequena parcela do
eleitorado seja atraída pela extrema direita. Quando estourou o movimento
dos “coletes amarelos”, era previsível que eles fossem aproveitar a ocasião
para incitar distúrbios e orientar os eleitores na direção do radicalismo.

Esse desejo de caos, essa disposição em impedir o retorno à normalidade é


um estratagema típico do fascismo para defender a ascensão de um “homem
forte”. Nessa linha, vale lembrar que um porta-voz dos “coletes amarelos”
sugeriu que o general Pierre de Villiers [ex-chefe do Estado-Maior das Forças
Armadas, escanteado por Macron] assumisse o comando da França.

Mas acho que, por enquanto, o movimento tem conseguido controlar bem
essas pulsões.

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A resposta da esquerda
A esquerda ficou em uma situação incômoda. “Entendemos e defendemos
suas reivindicações sobre poder aquisitivo, então como a direita pode ter se
apropriado disso?” A extrema esquerda então decidiu imprimir uma
tonalidade progressista aos atos, e os sindicatos estenderam a mão aos
participantes.

Então isso gerou um grande debate democrático em escala nacional, com a


mediação de canais de TV, emissoras de rádio e grupos de Facebook, em que
as reivindicações de direita e de esquerda duelam, sem que se consiga definir
precisamente a inclinação dos “coletes amarelos”.

Há uma tensão entre uma orientação de extrema direita à insurreição e uma


pauta de esquerda que nunca se concretizou, porque os sindicatos e legendas
de esquerda eram fracos demais.

Tudo temperado por uma condescendência da mídia, que em todo lugar se


sente culpada por não ter dado voz ao “povo real” —e, assim, não ter
conseguido antever a eleição de Trump, o brexit e outras surpresas eleitorais.
Grandes asneiras vão ao ar sem qualquer contestação. Quanto mais os
“coletes amarelos” falam, mais contradições afloram.  

Resultados sem negociação


Isso produz alguns efeitos, sobretudo recuos governamentais diante de uma
pauta imensa e difusa, típica de períodos eleitorais, mas que logo depois
desaparecia. Esse sistema ruiu, tudo está à mesa, e ninguém sabe bem o que
fazer.

O mais estranho é que, mesmo não existindo uma lista consolidada de


pedidos ou uma negociação formal em curso, o governo cede. O movimento
recusa-se a dialogar, e essa abordagem vem se mostrando correta, porque
quanto menos eles negociam, mais resultados positivos obtêm. Ninguém
aparece para conversar, a coisa meio que anda sozinha.

O que de fato acontece é uma explosão de violência semanal, aos sábados. No


resto da semana, tudo vai bem. Chega sábado, vem a insurreição. No
domingo, acabou, a turma vai ver o futebol. Os que estão nas rotatórias nos

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outros dias são aposentados e desempregados, não atrapalham a economia.


É uma atmosfera sossegada. Por isso, esse ritmo semanal tem algo de
cômico.

Ecos de 1968
Em maio de 68, foi necessário um mês de insurreição, de caos, de greve geral
para que entidades patronais e governos se sentassem à mesa de negociações
com os sindicatos.

Um episódio-chave desse movimento foi a grande marcha da direita na


avenida Champs-Elysées, com 1 milhão de participantes, para defender o
governo. Hoje, se tentassem fazer algo similar, acho que ninguém desceria à
rua para defender Macron. De repente, ninguém mais acha correto o seu
jeito de governar.

Ao ser eleito, o presidente achou que tinha o caminho livre para fazer as
reformas de que o país precisava. Abriu várias frentes que rompem hábitos
antigos da sociedade francesa. Por um ano e meio, deram-lhe razão.

Mas rancores se acumularam, porque as medidas não foram negociadas. As


pessoas se sentiram desprezadas, e isso ajuda a explicar a grande aprovação
dos “coletes amarelos” pelos franceses [da ordem de três quartos da
população].

Da mesma maneira, o movimento de 68 começa, nas universidades, em


março daquele ano e explode em maio. Coagulou aos poucos a amargura das
pessoas, tudo o que as desagradava, mas que elas aceitavam havia muito
tempo.

Hoje, como sabemos que muitas categorias estão desgostosas de sua


situação, do regime de austeridade a que são submetidas há décadas, existe
um receio real de que o que aconteceu 50 anos atrás se repita.

E o problema é que a tolerância das pessoas à violência aumentou. Elas não


tomam mais distância de movimentos sociais quando eles degeneram,
acham que o uso da força visa a defendê-las. Assim, o governo perde o

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argumento do apaziguamento, o discurso do “agora retornemos à


legalidade”.

Lucas Neves é correspondente da Folha em Paris.

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