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Edite Flora Sabbi Porciúncula é Mestre em Educação nas Ciências pela UNIJUÍ – Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. (RS)
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Por muito tempo as técnicas artesanais eram de domínio comum e quase tudo o que
se precisava para viver era feito em casa. Hoje já não se faz quase nada a domicílio, porque a
indústria absorveu estas tarefas. Teríamos muita dificuldade de viver sem a enorme
quantidade de instrumentos, aparelhos, objetos, processos, conhecimentos práticos e teóricos
e habilidades humanas desenvolvidas pelo uso e manejo de aparatos inventados no último
século e principalmente na última década. Para muita gente, tudo vem pronto e a casa passa
a ser lugar de descanso, de convivência e principalmente lugar para desfrutar as tecnologias
de comunicação e lazer a que se tem acesso.
Se pensarmos em nossa vida cotidiana, veremos que ela é repetitiva, feita de muitos
atos, gestos e procedimentos automáticos. Diariamente nos deparamos com hábitos, atitudes,
conveniências e posturas que nos foram postas pela cultura de consumo que permeia nosso
entorno. As tecnologias são colocadas no mercado e mesmo conhecendo-as apenas
superficialmente, sem nos identificarmos muito com elas, as adquirimos e vamos inserindo-
as no nosso dia-a-dia. Poucas vezes nos detemos para pensar na sua função utilitária ou
ideológica e passamos a incorporá-las em nossas vidas. Ao comprarmos um instrumento
olhamos logo seu lado útil e funcional para nosso trabalho, bem estar e conveniências.
Dificilmente pensamos no que está implícito para que ele funcione, nas pessoas que o
projetaram, que as produziram e as comercializaram.
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Em cada objeto que nos cerca, em cada instrumento que usamos, em cada máquina
que operamos, está presente a humanidade. Nessa longa história a humanidade foi
como que empilhando experiências, aprendendo da prática e da reflexão, inventando
os meios de que necessitava para viver. Nós somos herdeiros dessa pilha, de quase
dois milhões de anos. É por isso que podemos afirmar que as técnicas e as tecnologias
fazem parte da humanidade, são inseparáveis dela e sempre tiveram e continuam
tendo uma enorme influência no modo como se dá a organização da produção e do
trabalho da sociedade (2000, p. 13).
Fazendo um recuo de apenas quarenta anos dos dias de hoje, a alguns setores da vida
cotidiana, nos surpreendemos com o salto da tecnologia, no aspecto da qualidade de vida.
Observamos mudanças grandiosas, por exemplo, nas residências e suas dependências, com
todos os objetos e acessórios de uso diário. Nas empresas do setor de alimentação, vestuário,
prestação de serviços em qualquer área, enfim todos os setores que envolvem a fabricação
de objetos, utensílios e ferramentas, as mudanças impressionam. Instrumentos, máquinas e
utensílios antigos salvo raras exceções, servem apenas para adorno e saudosismo.
Percebemos também que, além das coisas necessárias e úteis, encontramos hoje, em todos os
setores da vida, uma infinidade de acessórios supérfluos, que criaram necessidades
simbólicas antes inexistentes. Por tudo isso, a rotina prática de trabalho para qualquer
profissão ou atividade, em nossos dias tem uma enorme diferença ocasionada pelas
tecnologias presentes. Delas podemos extrair elementos individuais e instrumentos para
realização pessoal, mas sua linguagem é de cunho social, o que concorre para a aquisição de
uma nova cultura. A artificialidade destes elementos e instrumentos condiciona as pessoas a
viverem de acordo com necessidades que, se não satisfeitas, dificultam e até inviabilizam a
vida urbana. As necessidades crescem à medida que surgem inovações tecnológicas que
aumentam cada vez mais esta artificialidade. “Fomos rodeados nestes últimos quarenta anos,
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por mais objetos do que nos precedentes quarenta mil anos. Mas sabemos muito pouco sobre
o que nos cerca” (SANTOS, 1996, p. 20).
Faço agora uma retrospectiva das formas encontradas pelos homens para resolver
suas dificuldades relacionadas à sobrevivência material da sociedade humana implicada nas
necessidades, produções sistemáticas, meios e instrumentos que se distribuem entre os
indivíduos e se transmitem de geração para geração.
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Mas é justamente por ser comunitário, que o homem busca melhores formas de
resolver seus problemas de sobrevivência, aperfeiçoando suas técnicas e investindo nelas
para tornar sua comunicação mais fácil, articular e tornar seus trabalhos menos pesados e
sua vida mais agradável.
À medida que as civilizações se tornavam mais estáveis, graças aos avanços técnicos,
principalmente após a invenção da agricultura, a estrutura social tomou feições mais
complexas, percebendo-se que domínio técnico sempre foi fonte de poder como afirma
MOTOYAMA:
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Munford citado por MOTOYAMA (1995, p. 28) destaca uma ligação da abadia com
o mundo moderno, representada, na sua essência, pela mecanização, e mostra o papel central
que o relógio mecânico tinha nas comunidades religiosas, pontuando o tempo e regulando
suas atividades numa rígida disciplina. Segundo o autor, a invenção do relógio mudou os
hábitos do homem medieval pela imposição de um tempo artificial, em lugar do tempo
biológico e natural usado até então.
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mecânicas. Dentro dessa argumentação, o relógio dos mosteiros teria tido maior
importância que as máquinas a vapor para a mecanização, portanto para o advento da
modernidade (MOTOYAMA, 1995, p. 28).
René Descartes (séc. XVI), filósofo dotado de muita sensibilidade, soube captar o
sentido e a direção do processo histórico do seu tempo. Embora fosse mais conhecido por
seu pensamento abstrato e matemático, no final da vida elaborou o projeto de uma escola de
artes e ofícios, com o objetivo de aproximar os artesãos e técnicos com os cientistas,
julgando que a educação técnica era ingrediente indispensável para o progresso universal.
Abriu, assim, as portas para o advento de novas filosofias para a sociedade burguesa, que
começava a surgir. Também as idéias de Bacon, Bruno, Spinoza, Leibiniz, entre outros,
ganham forma e conteúdo num momento de transição, em que o processo de modernização
gera muitas contradições. Embora não tenham conseguido resultados espetaculares na área
prática, esses pesquisadores conseguiram uma tradição de auxílio entre a ciência e a técnica,
que reverteu em frutos vigorosos a partir do século XVIII, impulsionando os grandes
avanços da Era Industrial.
uma habilidade humana de fabricar, construir e utilizar instrumentos e deve ter tido
origem com o surgimento da habilidade de utilizar com destreza ambas as mãos, em
simultaneidade com a característica humana de utilizar símbolos, capazes de
correlacionar objetos com o pensamento e o instinto humano. Provavelmente, no
surgimento das técnicas, comparecem tanto os instintos animais quanto o acaso (por
exemplo, o do lascamento ocasional de uma pedra), compreendido este por intermédio
do poder simbolizante do homem. Note-se aqui que o mais primitivo sistema
simbólico é a linguagem. Assim, homem, técnica e linguagem teriam aparecido num
só momento, embora esse possa ter durado séculos (1994, p. 15).
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Sucessivas fases de desenvolvimento levam o homem a criar projetos cada vez mais
arrojados, transformando o ritmo da produção histórica das técnicas, até sua valorização
como ciência da produção, quando passou a ser pensada e estudada recebendo então a
denominação de tecnologia. Segundo FRANTZ foram os historiadores Fernand Braudel
(1967) e Pierre Ducassé (1969) que em meados do século passado manifestaram uma certa
inconformidade com a história e o estudo da “técnica”. Por não aceitarem que ela fosse
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Pelo que se tem conhecimento, a primeira definição moderna de tecnologia teria sido
de J. Beckmann (1846). Para ele “A tecnologia é a ciência que ensina como tratar os
produtos naturais e o conhecimento dos ofícios, em vez de mostrar unicamente os escritórios
e como se devem seguir as instruções e os hábitos dos mestres para fabricar uma mercadoria,
a tecnologia dá ensinamentos profundos e seguindo uma sistemática”. (SALDANHA, apud
FRANTZ, 2002, p.33).
A partir daí, outros conceitos surgiram com diferentes abordagens, realçando outras
dimensões. Para CASTELLS, em linha direta com Brooks e Bell, tecnologia é “o uso de
conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma maneira
reproduzível” (2001a, p. 49).
Hoje a palavra tecnologia vem sendo empregada entre nós como sentido de técnica
atualizada, ou mesmo num sentido menor, como por exemplo, o do trato com aparelhagem
ou processos de fabricação sofisticados e mesmo num sentido comercial, muito próximo ao
de marketing. Para VARGAS “tecnologia é cultura que se tem ou não, cuja aquisição se dá
por uma inserção de todo o sistema sócio-cultural do país, no assim chamado mundo
moderno’’ (1994, p. 17). Segundo ele, é necessário distinguir o momento da aquisição do
conhecimento tecnológico pelo estudo ou pelo trabalho do pesquisador, do momento
inteiramente industrial da introdução no mercado de um novo instrumento ou de um novo
processo decorrente do saber tecnológico, sendo necessária a compreensão de que “o
complexo sistema tecnológico, é constituído por agentes e institutos de pesquisa tecnológica,
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alimentado pelo ensino universitário e pela pesquisa científica, pela produção industrial e
pelas atividades da engenharia” (idem, p.27). Ele ainda destaca, como fator de progresso, a
utilização de conhecimentos adquiridos no ensino e na pesquisa para a solução de problemas
técnicos, principalmente nas áreas de telecomunicações, informática e fontes de energia
convencionais e nucleares.
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considerada o vetor das primeiras grandes transformações. A partir daí o conceito de energia
passou a unificar o relacionamento entre ciência e indústria. Para LEMOS:
A partir dos séculos XVI e XVII, começa a grande revolução científica e uma
aproximação gradativa entre técnica e ciência. Até a Revolução Industrial (a máquina a
vapor foi produzida quando ainda não existia uma ciência para explicar os fenômenos
físico-químicos), a técnica era produzida e desenvolvida relativamente independente da
ciência. É a partir do século XX, basicamente a partir da Segunda Guerra Mundial, com
os chamados Centros de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), que a técnica e a ciência
tornaram-se um só saber, constituindo o que chamamos de tecnociência. Nesse ponto, em
que não sabemos mais onde termina uma e começa a outra, nasce a tecnologia moderna.
A tecno-estrutura moderna é produto de uma tecnização da ciência e uma cientificização
da técnica (Bartholo Jr.), dessa forma, as ciências aplicadas vão desembocar em novas
tecnologias e essas, por sua vez, vão proporcionar o desenvolvimento da ciência (1999, p.
82-3. Grifos do autor).
Conforme CHASSOT em torno de 1900 uma nova grande transformação ocorreu nas
ciências naturais, com grandes alterações no campo da física, repercutindo na química, na
biologia e na geologia. Esta fase seria uma nova Revolução Industrial, que desencadeou a
criação de inúmeras máquinas e instrumentos que passaram a modificar a cada dia os usos e
costumes da sociedade (1994, p.145).
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de 1929 provoca sérias conseqüências sobre o novo sistema tecnológico que vinha se
consolidando. Segundo ele, nesta fase as dificuldades não se situam apenas no âmbito dos
fenômenos econômicos e sociais, mas dentro da própria dinâmica da tecnologia, onde há
conflitos provocados pela saturação de experiências face às novas demandas da sociedade.
Com o surgimento de novas formas de energias, mais potentes e evoluídas, houve uma
melhora nos rendimentos e isto se repete com o advento de cada novidade de grandes
proporções.
Todos são, no entanto, afetados pela dinâmica do processo mais avançado. Assim muitas
das características de Revolução Industrial estarão presentes ainda por longo tempo,
convivendo com as novas formas de vida e de organização do trabalho, típicas da fase
pós-industrial, fato que dificulta a percepção da verdadeira dimensão do que está
ocorrendo (2002, p. 16).
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