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RESENHAS 199

um jogo profundo e evolui na com- trora, de tempos idos – que, se apenas


preensão de mitos e monumentos que, fosse assim, seriam tempos mortos e,
em seus fundamentos, deslocam os me- provavelmente, esquecidos. Por esses
canismos de realidades culturais que a relatos percebe-se a atualidade dos ca-
nós nos toca viver e nos compete trans- sos analisados e a preocupação de
formar. Trouillot com o “fazer-se história”. Pois
é isto: o livro é sobre o fazer-se história.
Silencing the Past volta-se progres-
TROUILLOT, Michel-Rolph. 1995. Si- sivamente para a compreensão da atua-
lencing the Past: Power and the Pro- lidade do passado. Para começar, o au-
duction of History. Boston: Beacon tor critica tanto uma abordagem positi-
Press. 191 pp. vista da história, que se articula como
houvesse uma “verdade” rígida, subs-
tancial e inequívoca acerca dos fatos,
Sérgio Paulo Benevides quanto um construtivismo que ao se
Mestrando, PPGAS-MN-UFRJ apoiar na idéia de que as narrativas
sempre distorcem a vida, trata a histó-
Uma das características que mais cha- ria como mera ficção. A primeira pers-
mam a atenção em Silencing the Past pectiva desconecta o passado do pre-
são os relatos ou as declarações, diga- sente por meio do fetiche do fato. A se-
mos, mais pessoais, que compõem o gunda, despreza o próprio processo de
prefácio, o início de cada capítulo – à construção do discurso, como pudesse a
exceção do primeiro – e o epílogo. Não narrativa separar-se da vida.
se trata de um mero recurso ilustrativo A maneira positivista de narrar a
atraente mas pouco útil. Antes, é algo história é também uma forma de “lim-
intimamente relacionado com o raciocí- par” o discurso, de apresentar as fontes
nio que se vai desenvolvendo ao longo que servem de base para a narrativa co-
do livro, porque permite mais uma vez mo transparentes, os arquivos como fos-
perceber como a abordagem da histó- sem provas irrefutáveis – e, portanto, de
ria, de um passado muitas vezes apa- deixar de fora qualquer questionamen-
rentemente longínquo, compõe um dis- to acerca das relações de poder que
curso ativo acerca do presente. Por es- atravessam todos esses elementos e que
sas passagens, compreendemos por estão presentes na atualização do pas-
que Michel-Rolph Trouillot preocupa- sado, em sua narração a partir do pre-
se em analisar eventos relacionados à sente. O construtivismo, por sua vez,
história haitiana ou ao assim chamado acaba por tratar o discurso histórico co-
descobrimento da América. mo uma construção narrativa a respeito
O tom mais pessoal, no entanto, não do passado, negando porém autonomia
aparece apenas para justificar a impor- ao processo sociohistórico do qual de-
tância que os temas tratados têm para o pende esse discurso. Não basta dizer
próprio autor. Os relatos não são confis- que as narrativas históricas são produ-
sões, mas descrições que permitem per- zidas: é preciso também dar conta des-
ceber como o passado do Haiti, por sa produção.
exemplo, ou a viagem de Colombo se Narrar a história é também fazê-la,
podem ver relacionados com o presen- mas não porque tudo se possa resumir
te, sendo, portanto, mais que um sim- a uma construção meramente discursi-
ples discurso a respeito de fatos de ou- va. A perspectiva é outra: a narrativa é
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um movimento ativo, ligado a um pro- preso e levado para a França) para, por
cesso social de negociações e poder fim, derrotar a metrópole, recusou-se a
(uma vez que não se pode esperar que alinhar-se com o antigo comando. Aca-
qualquer coisa que se diga seja aceita bou morto por Cristophe. Mas, Sans
como “verdade histórica”) pelo qual se Souci é também o nome de dois palá-
determina a compreensão acerca dos cios. Um, atualmente em ruínas, ergui-
eventos passados, dá-se-lhes inteligibi- do em Milot, no Haiti, por Cristophe, fei-
lidade e pode-se agir (novamente) no to rei depois da Independência (1804).
presente. Outro, construído seis décadas antes,
Nem tudo pode ser dito. Primeiro, em Potsdam, por Frederico, o Grande,
porque, para tornar qualquer discurso da Prússia.
inteligível, é necessário escolherem-se As menções a Sans Souci nas fontes,
os elementos que o comporão, de modo nos arquivos e nas narrativas da histó-
que tenham conexões, que com eles se ria haitiana, são menções aos palácios:
possam estabelecer relações. Portanto, à grandiosa obra cuja construção fora
há que se suprimir algo por razões mes- ordenada por Cristophe ou ao “mode-
mo, digamos, cognitivas. Segundo, por- lo” de Potsdam, que, segundo alguns,
que há investimentos de poder acerca ter-lhe-ia servido de inspiração. O coro-
do que se deve compreender e, assim, nel Jean-Baptiste Sans Souci foi silen-
acerca também do que se deve narrar. ciado. Trouillot analisa este fenômeno
Terceiro, porque, para obedecer a um em cada um dos níveis e mostra como a
princípio de causa e efeito, os eventos operação de silenciar o passado é feita
escolhidos numa determinada etapa da segundo duas fórmulas distintas: a pri-
narrativa limitam a gama de novos meira consiste em promover generali-
eventos que podem ser mencionados zações de forma a apagar diretamente
daí para a frente, e assim por diante. Es- determinados eventos; a segunda, em
tamos, portanto, perante uma dialética esvaziar eventos singulares de seu con-
entre o que se fala e o que se deixa de teúdo, normalmente por meio de um
falar, entre o que se pode dar a dizer e o detalhamento feito de modo a banalizar
que é silenciado. toda uma cadeia de fatos.
Essa dialética opera não apenas nas O silêncio opera também nas cele-
narrativas, mas também nas fontes e brações da memória, nas comemora-
nos arquivos que lhes servem de base. ções. Se a história vivida pode parecer
A história de Sans Souci é um exemplo uma série confusa de eventos para os
de silêncios e menções em todos esses atores – ou mesmo talvez nem seja per-
níveis. Sans Souci – Jean-Baptiste Sans cebida como uma série conformada –, a
Souci – é o nome do ex-escravo nascido comemoração cria, modifica ou sancio-
na África que integrou as forças que na sentidos, significados atribuídos co-
procederam à Revolução Haitiana em letivamente à história. Sob seu apelo, as
1791. Quando os mais importantes co- narrativas históricas tornam-se ainda
mandantes das tropas rebeladas – Tous- mais limpas, “sanitarizadas”, e o passa-
saint Louverture, Jacques Dessalines e do ganha uma aparência mais elemen-
Henri Cristophe – submeteram-se aos tar: calam-se os demais eventos que ro-
soldados franceses, Sans Souci rompeu deiam o que é celebrado. E o caráter cí-
com eles, e continuou resistindo. De- clico desse tipo de celebração reforça
pois, quando Dessalines e Cristophe re- esse silenciar-se, tornando mais eviden-
tomaram a revolução (Louverture foi te o passado tal como é comemorado,
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funcionando quase como uma “prova” Como extensão de suas observa-


a posteriori de que as coisas foram de ções, Trouillot conclui que a história não
fato como são narradas. é apenas uma remissão a um passado
As comemorações do chamado des- que efetivamente passou. Embora a
cobrimento da América desempenham exatidão empírica seja necessária para
um papel-chave para a argumentação a produção histórica, não é suficiente
de Trouillot neste ponto. É importante para dar-lhe autenticidade. Isto porque
que se diga que Silencing the Past não – e encerremos com uma afirmação das
é montado com uma série de asserções mais de um livro já repleto de boas
meramente ilustradas depois por exem- idéias – “a autenticidade histórica resi-
plos que as corroborem. Tampouco as de não na fidelidade a um passado ale-
asserções são posteriores aos casos ana- gado, mas numa honestidade em rela-
lisados, como se deles se pudesse reti- ção ao presente conforme se re-presen-
rar uma teoria pronta que correspon- ta o passado”.
desse a uma “verdade”. Em vez disso,
a teoria é fruto do cruzamento entre as
considerações feitas por Trouillot e os
casos por ele tomados para estudo.
Cristóvão Colombo não foi feito he-
rói em seu tempo nos termos em que se-
ria mais tarde, nem o 12 de outubro do
tal descobrimento da América (1492) –
“descobrimento” e “América” são ter-
mos problematizados por Trouillot, que
argumenta que a própria terminologia
utilizada para descrever um evento de-
marca campos de poder – foi tomado
como data especial na época em que o
navegador viveu. Colombo e o desco-
brimento ganhariam importância pos-
teriormente, em particular nos séculos
XVIII e XIX, quando a celebração do 12
de outubro transformou-se em uma
grande comemoração. Os sentidos atri-
buídos a tal data estão intimamente re-
lacionados com os contextos em que as
comemorações se desenvolvem. Assim
como “branco”, “católico” e “italiano”,
Colombo ganha um significado nos Es-
tados Unidos, influenciado pelas teorias
do racismo científico, bastante diferen-
te daquele atribuído ao navegador nu-
ma América Latina em que as popula-
ções indígenas são ainda bastante nu-
merosas. É assim que se pode dizer que
essas celebrações “ancoram o evento
no presente”.

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