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Na comunidade Gikuyu garotos e garotas são deixados livres para escolher seus
companheiros, sem nenhuma interferência da parte dos pais de ambos os lados. Desde a
mais tenra infância há intercursos sociais próximos entre ambos os sexos, o que propicia
a estes uma oportunidade de tornar-se familiarizados uns aos outros por um tempo
considerável antes que o namoro comece. Assim, um julgamento apressado ao escolher
um esposo ou esposa está praticamente fora de questão.
PRIMEIRO ESTÁGIO
Quando um garoto se apaixona por uma garota, ele não pode dizer a ela
diretamente que ele a ama ou exibir sua devoção publicamente, uma vez que isso poderia
ser considerado pelos Gikuyu como mal educado e inculto. Portanto, ele discute a
questão com um dos seus melhores amigos do grupo etário ao qual ele pertence. Então,
eles fazem uma visita à casa da garota. Na sua chegada à herdade da garota eles entram
na casa da mãe dela. A garota e sua mãe trocam saudações com eles. A mãe, então,
oferece algum refresco a eles e imediatamente se retira. Nesse momento os rapazes e a
moça são deixados sozinhos. Nesse estágio, a conversa deve começar da seguinte
maneira: Um dos garotos se dirige à garota: "Mware wa Njuguna?" (Filha de Njuguna),
“Você não gostaria de nos perguntar por que nós viemos aqui essa noite?"
A garota responde: "Não, não é necessário te perguntar isso. O costume Gikuyu
prevê que qualquer um que esteja passando pode entrar e ter uma refeição conosco."
O garoto: "Correto, Mware wa Njuguna, mas nós estamos procurando por uma
herdade onde nós possamos ser adotados e alimentados e abrigados não somente
quando estivermos passando, mas enquanto filhos desta herdade."
Com essa afirmação, a garota então sabe o objetivo deles, e ela pede que
definitivamente declarem qual deles está procurando a adoção. O garoto então aponta
para o seu amigo que está apaixonado pela garota. Se ela aceitá-lo enquanto futuro
marido ela diz a eles que se vão e voltem outra hora. Algumas vezes duas ou três visitas
desse tipo são feitas. Quando ela dá sua resposta final, ela diz a eles: "Eu estou disposta
que o filho de fulana e ciclano seja adotado à nossa herdade, mas a parte cerimonial é
uma responsabilidade dos meus pais. É melhor você falar com eles sobre isso".
Se ela não aceitá-lo, ela diz: "Nossa casa não é grande o suficiente para adotar
alguém no momento", e eles se vão.
SEGUNDO ESTÁGIO
Se aceito, o amor dela vai pra casa e reporta a questão a seus pais. Então eles
preparam mel e cerveja de cana de açúcar, os quais são levados para os pais da garota.
São carregados em duas cabaças, uma grande e outra menor. Essa cerveja é conhecida
como njohi ya njoorio, isto é "a cerveja de pedir a mão da garota". Quando os pais das
duas partes se conhecem, a primeira coisa que os pais da garota fazem é prover os
visitantes com comida antes que eles toquem na questão do matrimônio. Depois disso
eles explicam o objetivo da visita, mas a maior parte da conversa acerca do futuro dos
seus genros e noras é feita através de provérbios. A garota é chamada e, após ser
apresentada, a ela é perguntado se ela concorda em noivar. Como ela não pode
responder diretamente sim ou não, uma pequena cerimônia é necessária. Então, ela é
solicitada a, gentilmente, buscar um chifre particular usado para beber cerveja; então,
enchê-lo de cerveja e repassar para seu pai que, após sorver um pouco e cuspir fora,
salpica um pouco no peito. Ele então entrega-o a sua esposa que faz o mesmo. O chifre é
preenchido uma segunda vez e entregue as pais do garoto que repetem o mesmo
procedimento. Em cada caso a garota toma um gole primeiro em sinal de consentimento.
Se o amor foi recusado ela se reporta a seus pais que, se quiserem que seu filho
se case com a garota, deve visitar os pais dela. A mesma cerimônia ocorre, mas se a
garota desaprova, ela não irá despejar a cerveja ou tomar o primeiro gole. Os pais
visitantes então vão embora.
Quando a cerimônia inicial dos pais é finalizada e a garota está disposta a noivar,
amigos próximos são convidados e a cerveja é dividida entre eles. Ao final dessa reunião
amigável todos eles fazem uma oração, korathimithia, pronunciando bênçãos para a união
futura e progresso das duas famílias.
TERCEIRO ESTÁGIO
Quando os pais do garoto voltam pra casa eles começam a recolher ovelhas e
cabras, ou gado se forem ricos, para a primeira prestação do dote, roracio; Estes
[animais] devem ser levados pelo noivo para a herdade da garota e conduzidos até a casa
da mãe da garota. Essa visita é seguida de outra na qual um pouco de cerveja é trazido, e
a garota é consultada como na primeira visita. Essa cerveja é chamada de njohi ya
gothugumitheria mbori, isto é, a cerveja para abençoar o roracio das ovelhas e cabras.
Essa prestação é seguida de outra poucos dias depois e assim continua até que o
número de animais atinja cerca de trinta ou quarenta. A cerveja não é necessariamente
trazida toda vez. Mesmo que um homem seja rico, é considerado mau agouro trazer todo
o roracio de uma vez. Quando, de acordo com o costume do clã, a quantidade necessária
para selar o noivado foi atingida, um dia é fixado para a cerimônia de noivado, chamada
ngurario, isto é, “derramando o sangue da unidade”. Nesta, todos os parentes são
chamados para a herdade da garota, onde um banquete suntuoso é oferecido, o qual
inclui o abate de uma ovelha gorda (ngoima ya ngurario) que tenha sido enviada da
herdade do rapaz especialmente para esse propósito.
O significado desta cerimônia é em primeiro lugar anunciar publicamente que a
garota está noiva. Em segundo lugar, oferecer aos parentes de ambos os lados uma
oportunidade de encontro e conhecimento de ambos os lados; e, em terceiro lugar, decidir
sobre quanto deverá custar o roracio. A quantidade varia de um clã para outro e de um
distrito para outro, apesar de que a quantidade solicitada pela lei Gikuyu é de trinta
ovelhas e cabras. Às vezes, entretanto, ocorre de ser entre trinta e oitenta ovelhas e
cabras, além de numerosos presentes trocados entre ambos os lados. Quando uma vaca
é incluída no roracio, equivale a dez ovelhas e cabras, enquanto um boi equivale a cinco
ovelhas e cabras.
A principal característica dessa cerimônia consiste no abate de uma ovelha gorda
guardada para esse propósito. A ovelha tem que ser de uma determinada cor - preta,
branca ou marrom - de acordo com o simbolismo adotado para fins rituais pelo clã em
questão. O sangue é borrifado ao longo do portão e em direção ao Monte Quênia (Kere-
Nyaga); os conteúdos do estômago são também borrifados da mesma forma, e também
nas ovelhas e cabras que foram trazidos para o roracio. Isso significa que eles agora
estão purificados e protegidos de qualquer mal, e que os pais do rapaz apresentaram [os
bichos] aos pais da garota enquanto sinal de boa sorte. A partir desse momento e além,
os interesses dos dois clãs estão estreitamente conectados.
QUARTO ESTÁGIO
DIA DO CASAMENTO
A lei de casamento costumeira do povo Gykuyu prevê que um homem pode ter
quantas mulheres ele possa suportar, e que quanto maior a família de alguém, melhor é
para ele e para o seu povo. O amor às crianças é também um fator encorajador do desejo
de ter mais de uma esposa. O costume prevê ainda que todas as mulheres devem estar
sob a proteção dos homens; e que a fim de evitar a prostituição (não existem palavras
para "prostituição" na língua Gikuyu) todas as mulheres devem se casar na juventude, isto
é, entre 15 e 20 anos. Assim, não há termos na língua Gikuyu para "solteiras" ou
"solteironas".
Antes do aparecimento do homem branco, a instituição da servidão e trabalhadores
assalariados eram desconhecidos entre o povo Gikuyu. A lei costumeira do povo
reconhecia a liberdade e a independência de cada um de seus membros. Ao mesmo
tempo, todos eram mantidos unidos socialmente, politicamente, economicamente e
espiritualmente por um sistema de atividades coletivas e ajuda mútua, que se estendia do
grupo familiar ao povo. O weltanschauung [conjunto de valores] do povo Gikuyu é "kanya
gatuune ne mwamokanero" ("Dar e receber").
Por razões econômicas e políticas, esperava-se que todas as famílias fossem
capazes de proteger seus próprios interesses e ao mesmo tempo ajudar a proteger os
interesses comuns do povo de ataques externos. Para fazer isso efetivamente e
comandar o respeito pelo povo era necessário que cada família tivesse um número de
filhos homens que pudessem ser chamados para serviços militares em caso de crises e
agressão estrangeira. Era também necessário ter um certo número de filhas mulheres que
poderiam, igualmente, render assistência cultivando a terra e cuidando dos aspectos
gerais da comunidade enquanto os homens estavam lutando para defender suas
herdades. Além disso, a sociedade não podia continuar sem elas [as filhas mulheres]
porque elas são o sal da terra; elas têm o mais secreto dom de criar e cuidar das
gerações futuras. Filhas mulheres são, ademais, consideradas como a ligação entre uma
geração e outra, e entre um clã e outro através do casamento, o que conecta os
interesses de clãs próximos e os fazem compartilhar as responsabilidades da vida
familiar. Por essa razão, dizem os Gikuyu: "Keimba kea mothoni na mothoni igoaga
hamwe" (literalmente "os corpos dos parentes caem juntos"), significando "Juntos deixem-
nos viver e, se necessitarmos, juntos deixem-nos morrer.
Há uma ideia fundamental entre o povo Gikuyu que é que quanto maior for uma
família mais feliz ela será. Pros Gikuyu, o status qualificatório para atingir um alto posto na
organização da comunidade é baseado na família e não na propriedade como é no caso
da sociedade europeia. É estabelecido que, se um homem pode controlar e manejar
efetivamente os recursos de uma família grande, esse é um excelente testemunho de sua
capacidade de zelar pelos interesses do povo, o qual ele também irá tratar com amor
paternal e afeição uma vez que este [o povo] é parte de sua família. Assim, diz-se:
"Weega uumaga na mocie" ("Um bom líder começa na sua própria herdade").
Após um homem ter contraído sua primeira esposa, nyakiambi, um ano ou mais
passa, e então sua esposa começa a questiona-lo sobre encontrar uma segunda esposa,
especialmente se estiver esperando um bebê ou imediatamente após ter um. "Meu
marido, você não acha que é prudente que você encontre uma companhia (moiru) para
mim? Olhe para a nossa posição agora. Tenho certeza que você irá perceber o quanto
Deus tem sido bom conosco ao nos dar um bebê bom e saudável. Nesses primeiros dias
eu devo devotar toda a minha atenção pra a nutrição do nosso bebê. Eu estou fraca...
Não posso ir ao rio buscar água ou ao campo pra trazer comida, ou tirar as ervas
daninhas do jardim.
Você não tem ninguém pra cozinhar pra você. Quando estrangeiros vierem, você
não terá ninguém para entretê-los. Eu não tenho dúvida de que você reconhece a
seriedade da questão. O que você acha da filha de fulano e ciclano? Ela é bonita e
trabalhadeira, e as pessoas falam muito sobre ela e sua família. Não falhe comigo, meu
marido. Tente e conquiste seu amor. Eu tenho falado com ela e achei ela muito
interessante para essa herdade. Em qualquer coisa que eu puder ajudar, eu o ajudarei,
meu marido.
Mesmo que nós não tenhamos ovelhas e cabras para o dote, nossos parentes e
amigos vão nos ajudar e então você pode inseri-la na nossa família. Você é jovem e
saudável e é a melhor hora para nós para ter crianças saudáveis e então aumentar nosso
grupo familiar, e então perpetuar o nome da nossa família após você e além. “Meu
marido, por favor, aja rapidamente, pois você conhece o ditado Gikuyu: 'Mae megotherera
mondo notoriety' ('a água corrente do rio não espera o homem com sede')."
O marido, seguindo o conselho de sua esposa, começa a agir. Ele aborda seus
pais e, após consultá-los, são feitos arranjos para visitar a garota e os pais dela. Se
aceito, ele faz o pagamento do dote e outros presentes relacionado à cerimônia de
casamento. Quando todos os arranjos estão completos, ele constrói uma casa próxima à
da primeira esposa e então traz a segunda esposa para casa. Se a família em questão for
próspera, após algum tempo o companheiro é procurado, e então o número de esposas
cresce de 1 a 50, e algumas vezes mais. Não há limite. Obvio que isso não significa que
todo homem Gikuyu tem muitas esposas. Há um largo número de homens Gikuyu que
tem só uma esposa, simplesmente porque sua posição econômica não os permite ter
muitas esposas como a sociedade gostaria. Tomando a população Gikuyu como um todo,
podemos dizer que há uma média de 2 esposas para cada, devido ao número de
mulheres com idade para casar. Mulheres geralmente se casam entre as idades de 15 e
20 anos, enquanto a maioria dos homens estão se casando a partir dos 25. Ademais, em
cada geração, há mais mulheres em idade de casar que homens, o que ajuda a balancear
o sistema da poligamia.
DIVÓRCIO
Entre os Gikuyu o divórcio é muito raro, devido ao fato da esposa ser a pedra
fundacional sobre a qual a herdade é construída. Sem ela a herdade está quebrada,
assim sendo, somente quando todos os esforços de manter o marido e a esposa juntos
tenham falhado que a decisão do divórcio pode ser tomada.
De acordo com a lei costumeira Gikuyu, um marido pode se divorciar da esposa
devido a: (1) esterilidade; (2) recusa de cumprir os deveres conjugais sem razão; (3)
prática de bruxaria; (4) ser uma ladra habitual; (5) deserção intencional; (6) má conduta
contínua. A esposa tem o mesmo direito de se divorciar do seu marido pelos mesmos
motivos, exceto (6) devido talvez ao sistema de poligamia. Além dos motivos acima
mencionados, ela pode se divorciar do marido devido a crueldade, maus tratos,
alcoolismo e impotência.
Em caso de esterilidade ou impotência, ambos, marido e esposa, são submetidos a
um teste prático pra ver quem é culpado. O marido tem que permitir que sua esposa
tenha relação sexual com um ou mais [homens] do seu grupo etário. Se isso falhar em
trazer resultados frutíferos, um médico de reputação (mondo mogo) é consultado com a
esperança de encontrar uma solução bem sucedida. Ao mesmo tempo, uma cerimônia
para abençoar proveniente dos pais de ambos os lados é considerada essencial para
fertilizar o útero. Algumas vezes a esposa obtém sucesso em ter uma criança dessa vez,
e é salva da situação embaraçosa de lhe ser dada a alcunha de thaata (estéril). Mas
quando os esforços falham, o caso é considerado acima do poder humano e é atribuído à
vontade de Ngai, o Grande Deus. Se não houver nenhum outro desagravo entre o marido
e a esposa, os dois podem viver juntos e quem sabe ter um filho ou filha adotivo, desde
que o homem não esteja prestes a se casar com outra esposa.
Em caso de impotência, ao homem é dado o mesmo julgamento dado à mulher. Se
ele puder, é necessário que ele case com outra esposa, e em caso de sucesso em ter
crianças com ela, então é dito que o fracasso em ter filhos por parte da sua primeira
esposa é devido ao fato do sangue de ambos não combinar. Mas se um homem sabe que
ele é naturalmente impotente e deseja manter sua herdade em harmonia, ele permite que
sua esposa ou esposas tenham companheiros sexuais ou amigos cumpram o dever da
procriação. As crianças provenientes dessa união são consideradas exatamente da
mesma forma como se o marido real tivesse sido fisicamente apto sexualmente.
Quando uma esposa é maltratada pelo seu esposo ela tem o direito de retornar a
seu pai para proteção. Se o mau trato for provado, o pai pode manter sua filha em sua
herdade até o momento que o marido pague uma multa e prometa não maltratar sua
esposa novamente. Se a esposa tiver dado à luz a uma criança, o marido não pode
reclamar a propriedade que ele tinha dado como roracio, mas em caso de divórcio a
criança é sempre deixada com o pai. Se a mulher se casar de novo, o antigo marido tem o
direito de reclamar ao menos a metade de seus ovinos e caprinos ou bovinos. Mas se ela
permanece na herdade de seu pai ou talvez na de seus amigos, nenhuma propriedade
pode ser reclamada. Por outro lado, se acontece dela ter uma criança durante esse
período, o antigo marido pode reclamar essa criança enquanto sua, enquanto o roracio
não retorna a união não é completamente dissolvida.
Quando não há crianças na união matrimonial a separação ou divórcio é muito
mais simples do que o contrário. No sistema de casamento Gikuyu a presença de
crianças é um sinal óbvio para a manutenção do casal juntos em harmonia.