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Terão trazido algo (um forte, digamos) à existência? Devo dizer que
não o fizeram. O que fizeram, para usar uma expressão que já
empreguei, foi rearranjar a mobília do mundo sem acrescentarem
coisa alguma à sua lista. As pás das retroescavadoras empurraram
grãos de areia — ou simples organizados de modo graniforme — e
empilharam-nos de um modo militarmente útil, mas não trouxeram um
só objecto à existência. (Contudo, se um dos legionários afirmasse,
«Construímos um forte», afirmaria desse modo uma proposição
verdadeira.) O forte, portanto, é um objecto virtual. Poderá servir de
modelo no nosso pensamento acerca de artefactos. Outros artefactos
diferem desse somente na medida em que os objectos virtuais que
são as suas “partes” — os objectos virtuais que vêm a ser agregados
no decorrer da sua construção — diferem entre si em dimensões,
forma e outras propriedades mais do que diferem entre si os grãos de
areia, e na medida em que estas “partes virtuais” se encontram
tipicamente ligadas por um conjunto mais diverso de forças físicas (o
forte mantém-se coeso, acima do nível granular, inteiramente pela
gravitação e pela fricção). Mas estas diferenças não são
ontologicamente relevantes.
Portugal | Brasil
Era uma vez certas tábuas que foram organizadas de modo naviforme. Chamemos-
lhes as Primeiras Tábuas. (“As Primeiras Tábuas” é um designador plural rígido, como
“Os Empiristas Britânicos”.) Uma das Primeiras Tábuas foi removida das outras e
colocada num campo. Foi então substituída por uma nova tábua; ou seja, um
carpinteiro fez que a nova tábua e as Primeiras Tábuas remanscentes ficassem
organizadas de modo naviforme, e justamente de tal modo que a nova tábua estava
em contacto com as mesmas tábuas com que a tábua removida estivera em contacto,
exactamente nos mesmos pontos. Chame-se às tábuas que foram então organizadas
de modo naviforme “Segundas Tábuas”. Uma tábua que foi simultaneamente uma das
Primeiras Tábuas e uma das Segundas Tábuas foi removida das outras, colocada num
campo e substituída (segundo o procedimento já explicado), com a consequência de
que determinadas tábuas ficam organizadas de modo naviforme. Então uma tábua que
foi uma das Primeiras Tábuas e uma das Segundas Tábuas e uma das Terceiras
Tábuas… Este processo foi repetido até todas as Primeiras Tábuas estarem no
campo. Foi então que se fez as Primeiras Tábuas ficarem organizadas de modo
naviforme, e justamente de tal maneira que cada uma delas ficou em contacto com as
mesmas tábuas com que estivera em contacto quando as Primeiras Tábuas estiveram
organizadas pela última vez de modo naviforme, e em contacto com elas justamente
nos mesmos pontos.
Não faz parte desta história que quaisquer barcos comecem a existir
ou deixem de existir ou que alguma vez tenham existido. Na história
não sucede senão que as tábuas são reorganizadas, misturadas,
postas em contacto, separadas e empilhadas. Mas em nenhuma
circunstância duas ou mais dessas tábuas compõem seja o que for, e
nenhuma tábua é sequer uma parte apropriada de coisa alguma. E
isso não é uma imperfeição na história ou no meu modo de a narrar.
Nada de interesse filosófico foi excluído da história. Tudo o que se
passou está representado (algo abstractamente, reconheço) na minha
descrição do modo como as tábuas foram misturadas durante um
determinado período. Não há, portanto, quaisquer questões filosóficas
a colocar acerca dos eventos que descrevi. Em particular, não uma
questão como “Qual dos dois barcos existentes no final da história é o
barco com que a história começou?” pois a história terminou como
começou: sem quaisquer barcos, de todo.
Se a organização dos lápis for desfeita, quem quer que repare nisso reorganizá-los-á
imediatamente do modo como estavam antes.
Se qualquer dos lápis desaparecer, será feita uma busca pelo mesmo; se não puder
ser encontrado ou se ficar danificado, será providenciado um lápis tão semelhante a
esse quanto possível para ocupar o seu lugar.
Verificar-se-á a organização pelo menos uma vez por hora, para ver se há ou não que
atender a um dos pontos anteriores; será publicado um horário para os responsáveis
por essa acção no quadro de comunicações.
Há tijolos (ou, mais geralmente, objectos) organizados de modo casiforme aqui agora,
e esses tijolos são os objectos actuais de uma história de manutenção que começou
há trezentos anos; e em nenhum momento nesse período estiveram os então-actuais
objectos dessa história organizados de modo casiforme senão aqui.
Creio que a todos esses exemplos se pode dar resposta. Por exemplo,
podemos afirmar que determinados tijolos são objectos
“apropriadamente actuais” da história de manutenção, que figuram na
nossa história se são os objectos actuais dessa história e, se estão
agora organizados de modo casiforme, não estão organizados de
modo casiforme devido à aplicação de forças que operam
independentemente da constituição que pertence a essa história. (No
nosso primeiro exemplo, os tijolos que estão aqui e agora organizados
de modo casiforme não são objectos apropriadamente actuais da
história da qual são objectos actuais, uma vez que a sua presente
organização casiforme se deve a um demónio cujas actividades não
fazem parte dessa história.) Tendo introduzido esse conceito,
podemos modificar a nossa paráfrase de modo que diga “(...) são os
objectos apropriadamente actuais (...)” Quanto ao segundo exemplo,
talvez fosse suficiente acrescentar uma oração mais ou menos como
“(...) ou se não são os objectos actuais de qualquer história de
manutenção, estão organizados muito aproximadamente a como a
última história de manutenção de que faziam parte os deixou”.
a atividade dos x constitui uma vida ou os x são os objectos actuais de uma história de
manutenção.
Notas
1. Um argumento que provavelmente nos ocorrerá, visto que somos tão
inteligentes, é que — supondo a sobreveniência do mental relativamente
ao físico — se há uma rede distinta de uma serpente, a rede tem todas
as mesmas crenças que a serpente (deixando de parte minudências
acerca de crenças indexicais). Como a serpente, a rede crê que existia
antes de a serpente ter sido entretecida para formar uma rede e que
continuará a existir depois de a serpente ser desenredada. Ao contrário
da serpente, porém, a rede estará errada nessas crenças. A rede está,
por exemplo, felizmente insciente de que deixará de existir quando a
serpente for desenredada. Dado que nenhuma serpente deixa de existir
quando a serpente é desenredada, a rede está errada ao pensar que é
uma serpente. ↩
2. O autor aqui faz referência ao capítulo 8 de Material Beings. Nesse
capítulo, o autor caracteriza o Universalismo como a tese de que “Em
todo mundo possível no qual, por exemplo, Tom, Dick e Harry existem,
também existe um conjunto que só os contém a eles” (p. 74). N. do
T. ↩
3. Note-se que a hesitação acerca de como responder à questão “Será a
casa que está agora aqui a mesma que estava aqui então?” não é para
ser explicada por referência à nossa hesitação acerca de aplicar ou não
algum termo geral vago — a menos que esse termo seja “mesma”.
Embora “casa” seja indubitavelmente um termo geral vago, esse facto
pareceria irrelevante para a nossa hesitação, visto que — podemos
assim estipular — a casa que está agora aqui e a casa que aqui estava
então são ambas casos centrais, perfeitamente claros de casas. Ou pelo
menos isso é verdade se as casas são objectos tridimensionais. Se as
casas são objectos tetradimensionais, que se prolongam no tempo bem
como no espaço, então podemos explicar a hesitação acerca de como
responder à pergunta sobre a casa “agora” e a casa “então” serem ou
não a mesma, por referência à hesitação acerca de aplicar ou não um
termo geral vago. Esse ponto será desenvolvido em detalhe na secção
18, que inclui também uma discussão da vagueza e da Lei do Terceiro
Excluído. ↩
4. “Nigre” é o termo usado por van Inwagen para se referir a um animal
que, ao longe, se parece com um tigre negro, mas que na verdade é
uma colecção de seis animais agrupados na forma de um tigre negro.
Inwagen usa o exemplo para ilustrar que tal como incorreríamos em erro
ao afirmar “há aqui um nigre” — já que não há no mundo um objecto que
seja um nigre, mas apenas diferentes objectos agrupados na forma de
um nigre — incorreríamos igualmente em erro ao afirmar
que há cadeiras, mesas, ou outros artefactos. Nada no mundo, de
acordo com Inwagen, é uma mesa ou cadeira. Há apenas objectos
agrupados na forma de uma mesa ou cadeira. Leia-se a piada original
sobre o nigre em Material Beings, p. 103-105. N do T. ↩
5. Não afirmo que a teoria de artefactos que propus “torna verdadeira” a
frase “O velho Ingersol do tio Henrique está agora em pedaços sobre a
banca do joalheiro”. Se isso é ou não assim, depende de que proposição
foi, de acordo com a nossa teoria, expressa por essa frase.
Seguramente não é verdadeiro que as peças sobre a banca estão agora
organizadas de modo relojiforme, e pode-se argumentar plausivelmente
que a frase citada exprime uma verdade (de acordo com a nossa teoria)
somente se essas peças estão agora organizadas de modo relojiforme.
Afirmo apenas que essa teoria dos artefactos explica a nossa tendência
para proferir aquela frase e a correspondente ausência de qualquer
tendência para proferir qualquer frase semelhante no que diz respeito às
partes que estão na lata dos retalhos. ↩
6. Concedo, porém, que a nossa teoria nada faz para explicar a nossa
tendência pelo menos igualmente forte para afirmar que o barco
reconstruído a partir das tábuas “originais” é o barco original. ↩
7. As minhas próprias perspectivas acerca da identidade contrafactual de
eventos encontram-se em “Ability and Responsability”, Philosophical
Review 87 (1978): 201-224, e An Essay on Free Will (Oxford: The
Clarendon Press, 1983), pp. 167-170. ↩
8. Esta questão foi-me colocada por Eric Olson. ↩
9. Isto é talvez demasiado simples. O que é seguramente verdadeiro é o
seguinte: pelo menos a camada de átomos que compõem virtualmente
a superfície do apêndice justamente na interface do apêndice carnal
teria de ser uma réplica perfeita da camada correspondente de átomos
na orelha amputada, se o apêndice na realidade replicasse
perfeitamente os poderes causais da orelha amputada. Mas então esses
átomos seriam assimilados pelo organismo. Podemos aplicar esse
raciocínio uma e outra vez, uma camada de átomos de cada vez, até
que todo o apêndice tenha sido assimilado — e seja, efectivamente,
uma orelha. ↩