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Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito

Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba


Nº 01 - Ano 2015
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index

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Seção: Contextualizando Gênero

ENTRE A AÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES E A PARTICIPAÇÃO


DAS MULHERES NA POLÍTICA: O QUE ESTAMOS
NEGLIGENCIANDO? 1
Samantha Buglione2
Bruna Anziliero3

Resumo: O presente estudo analisa a tradicionais de um locus previamente eleito


participação política das mulheres a partir de como legítimo. Observa-se que o sentido da arte
uma distinção entre ação política e participação política não foi revisitado. Por esta perspectiva
na política. O primeiro sentido, o de ação tradicional, política assume um papel
política, está, neste estudo, vinculado a autores heterônomo e mediado e não autônomo.
como Maquiavel, Arendt e Agamben, enquanto Mantém-se, assim, a política como algo de um
o segundo, o de participação na política, locus: a polis; só que agora uma polis secular,
vincula-se e destaca o locus da concepção estatizada e jurisdicizada e perde-se, com isso,
aristotélica e a estatização que ocorreu na a percepção da política como uma capacidade
modernidade. Para realizar a pesquisa fizemos dos sujeitos, ou seja, como liberdade e arte.
um levantamento junto às duas revistas
acadêmicas mais antigas de gênero e feminismo Palavras-chave: participação na política; ação
no Brasil: Cadernos PAGU e Revista Estudos política, mulher, democracia.
Feministas. O marco teórico é o conceito de
política como liberdade. Por essa razão, tanto o
ato quanto a ação política, estariam para além Abstract: This study analysis political
da participação em governos, estados, participation of women while drawing a
instituições e movimentos. A hipótese é que ao distinction between political participation and
se adotar o conceito de ação política como political action. The former, that of political
exclusiva participação em instituições e action, is in this study related to the writings by
governos se está, não apenas a reforçar a Machiavelli, Arendt and Agamben. The later,
política como algo pertencente a um lugar that of participation in politics, is related to and
(locus), mas a limitar o sentido radical de arte highlights the idea of locus (or perspective)
política. Entre as conclusões observa-se que a conceived by Aristotle and modern day move
construção teórica brasileira, ao menos o que foi towards the state. To obtain our figures we
publicado em revistas confessamente feministas conducted surveys with the oldest academic
e de gênero, nos últimos quinze anos, não genre and feminism magazines in Brazil:
contemplou outros matizes de atos e ações Cadernos PAGU and Revista Estudos
políticas, limitando-se a conceber a participação Feministas. The theoretical framework chosen
e ação política das mulheres como participação is the concept of politics as liberty. Due to this
em instâncias de governos ou instituições. political acts just as political action would fall
Apesar dos avanços em se politizar questões outside participation in government, states,
tradicionalmente vistas como não políticas, a institutions and movements. The hypothesis is
exemplo da reprodução e sexualidade e da that while adopting the concept of political
violência doméstica, a participação das action to mean exclusively the participation in
mulheres, mesmo nestes temas, só é vista como institutions and government, we are in fact not
política se ocorre dentro dos padrões only reinforcing the idea that politics is

1
Este estudo não está vinculado a grupo de pesquisa ou obteve financiamento de agencias de fomento. Resulta,
exclusivamente, do interesse e tempo das suas autoras.
2
Doutora em ciências humanas, mestre em direito, professora de ética e filosofia do direito, atualmente estuda
Goethe e o Mal. E-mail: buglione.s@gmail.com
3
Advogada, administradora pública, pós-graduanda em processo civil. E-mail: brunaanz@gmail.com
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something that belongs within a given place conclusiva que todas as outras estariam
(locus) but it also limits the radical meaning
within political art. In the conclusions we notice dispensadas. É dessa forma que Hannah
that the Brazilian theoretical construct, as least Arendt (2002) afirma que o sentido da
as far as it appeared in expressly feminist and
genre publications these last 15 years, did not política é a liberdade. Pensar a política e a
take into account other shades of political
participation and actions. They limited ação política como liberdade tem
themselves to taking into account the political implicações tão determinantes que nos
participation of women in institutions and
government bodies. Inspite of the advances in permite, por exemplo, admitir que a política
bringing into the political arena matters that are
é condição para a existência da democracia.
traditionally seen to be as non political (for
example sexuality and domestic violence), Mas, isso se pensarmos a democracia como
women’s participation, even in these subjects is
only seen as legitimately political should it uma guardiã da diversidade, como um
happen within the traditional framework of a
espaço legítimo para a pluralidade, e não
previously elected locus. We have noted that the
meaning of political art has not been revised. apenas como resultado de um sufrágio.
Through this traditional perspective, politics
adopts diverse and mediatory roles but not an Além disso, isso redefine o sentido
autonomous one. In this way politics remains as tradicional de política como um lugar
part of a locus: the polis; only now a secular
polis, which gravitates towards the state and in (locus) associado à existência de autoridade
this way legalised, politics loses its dimension
as an individual’s legal capacity, in other words e de governos (Aristóteles). Estes locus de
as liberty and art. poder se redefinem quando se pensa a
Key-words: participation in politics, political política como liberdade porque o próprio
action, women, democracy.
sentido de poder e autoridade se modificam.
Essas concepções são centrais
Introdução
neste estudo. Igualmente é central a ideia de
que conceber o fenômeno político apenas o
IMPASSE
A maioria das gentes vive de convicções e não vinculado à participação em espaços
de ideias. É uma sorte. O homem de ideias
pode por isso mesmo vir a abandoná-las públicos de representação institucional,
honestamente por outras, mas o homem de sejam eles de governos ou movimentos, é
convicção, nunca! O que não deixa de ser um
azar. Pois sendo as mesmas inabaláveis limitante. Em outras palavras, afirmar que
convicções que movem este mundo, o resultado
é esse eterno desconcerto. participação e ação política são sinônimas
(Mario Quintana) ou equivalem a participação na política
(burocrática, de governos ou institucional)
Qualquer indagação sobre o esteriliza o fenômeno político e limita o seu
sentido de temas complexos, como o de sentido. Para Arendt (1993; 1999) o
política, exige uma resposta tão simples e imperativo do temor, que pode ser a
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antivisão da sanção em estados de Direito moderno de política deriva do adjetivo polis
ou restrições econômicas, leva a uma que significa tudo que se refere a cidade, ao
substituição da ação pela fabricação e da urbano, ao público, ao civil, ao sociável e
política pela administração. social (Bobbio, 2000). Esta primeira
Neste artigo apresentamos as definição apresenta-se, em certa medida,
primeiras análises de um estudo que pode como um conceito maleável e até frágil
ser chamado de despretensioso porque porque exige definir, ou ao menos pensar, a
objetiva, mais do que trazer conclusões, dinâmica complexa do que é de
compartilhar questionamentos sobre como competência da cidade, o que é o público e
estamos pensando a participação política o social. Esta necessidade, contudo, não
das mulheres. Contudo, um conceito não surge até Maquiavel.
conduz diretamente a outro, nem as teses às Se ficarmos com o sentido de
conclusões. E é aí que reside o nosso política desenvolvido por Aristóteles,
desafio. Este artigo está dividido em três teremos como objeto de análise a política
partes: 1. apresentação dos conceitos como ciência dos Governos. Apesar de
basilares para o estudo; 2. contextualização Aristóteles conceber toda a ação de seres
e análise dos dados obtidos através da humanos livres como política, a sua
pesquisa com palavras-chave relacionadas realidade social locava estes sujeitos em um
ao tema, nos Cadernos PAGU e na Revista único campo: o da polis. Dessa forma, na
Estudos Feministas, disponíveis na sua época, política como ciência dos
biblioteca eletrônica SciELO, entre os anos Governos seria totalmente aceitável uma
2001 a 2014 para os Cadernos PAGU e os vez não haver outro espaço (locus) para o
anos de 2001 a 2015 para a Revista Estudos exercício criativo de sujeitos livres. O
Feministas; e 3. Considerações finais. sentido de política, assim, vinculava-se ao
sujeito e ao seu lugar de ação: os cidadãos e
Ponto de partida: revisitando conceitos a polis (quem e onde). A partir desta
referência, considerar a participação e ação
Para iniciarmos é importante política das mulheres exclusivamente como
definir o entendimento das categorias atividade relacionada às coisas do Estado, é
usadas. Ao menos as que são centrais para a pensar política aplicando não apenas o
construção das nossas hipóteses, teses e sentido aristotélico do termo, mas sua
conclusões. O significado clássico e realidade social. Seria reverter a ação e a
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política a um lugar. Política, assim, torna-se sempre fora do sujeito: ou na physis
burocracia institucional, administração, (natureza - gregos) ou em Theo (deus –
gestão. Algo que, em tese, permite e Idade Média). É com a construção da
promove o controle. autonomia e de um mundo antropocêntrico
Arendt (1993) vê a tradição que se torna possível criar a razão humana
ocidental da filosofia política como como a base das relações sociais e do
profundamente hostil à ação, contingência, mundo. O paradoxo é que isso parece ter
pluralidade e aparência. Algo que decorre, levado a se buscar mais segurança ao invés
sem duvida, das nossas heranças. Enquanto de liberdade ou arte. O Estado de Direito,
que para Péricles, por exemplo, liberdade mais que a prudência jurídica dos gregos,
era coragem, Hobbes, por sua vez, ancora engessa as relações sociais4. Assim, política
toda a sua argumentação teórica no medo tornar-se gestão é como transformar
(Lara; Costa, 2013). Se por um lado o liberdade em segurança ou controle.
mundo dos gregos tinha na tragédia seu Reduzir a ação política a um lugar é sintoma
valor, o dos modernos pensa a liberdade desta lógica.
como segurança. Isso parece um grande O que percebemos é que a tradição
paradoxo se considerarmos que o sentido de ocidental tentou suplantar a arbitrariedade
autonomia só surge com Kant no século do mundo: caos, contingência, vontade,
XVIII. Até então, a razão para a ação estava ação, política, poder, beleza, diferença.

4
Bodin e Hobbes, talvez por terem sido testemunhas de um superior no nível de uma potência reconhecida
das guerras da sua época, advogam contra o caos e a como legítima” já estava presente na idéia de
desordem, ou, em outras palavras, contra a morte auctoritas, daí decorre a idéia do conceito de
violenta. Buscam, assim, um Estado forte, soberano “potência pública” se vincular a idéia de potestas
na expressão de Bodin, cuja supremacia política (David, 1954). A idéia de soberania será
haveria de pacificar as facções religiosas. A noção determinante para a legitimidade no sentido de ser
de soberania, trabalhada inicialmente por Bodin, é um poder político que se estabelece na figura do
um dos atributos definidores do Estado moderno e contrato centralizado no rei com vigência em um
começou a desenvolver-se a partir dos intermináveis território específico. No capítulo 26 do Leviatã,
conflitos de jurisdição entre papas, reis e Hobbes desenvolve uma tese fundamental para a
imperadores já na Idade Média; e significa, estruturação, não apenas do Estado moderno, mas do
originalmente, o poder absoluto e perpétuo de um que viria a ser chamado de Estado de Direito. A
Estado para promulgar ou revogar leis, bem como frase, plasmada em latim non veritas sed auctoritas
fazê-las cumprir, ou seja, o Estado é o detentor facit legem, marca a posição contra um
exclusivo da jurisdição. Marcel David (1954) ao jusnaturalismo ingênuo, no sentido de serem as
examinar o uso da palavra soberania e soberano, normas jurídicas não parte de uma natureza, mas
presentes nos séculos XIII e XIV, observa que nos antes, produzidas pela razão humana. As normas
séculos XII e XIII as noções em francês da palavra jurídicas são, assim, artificiais ou ‘positivas’ no
soberania já existiam, foram, contudo, adaptadas à sentido de ‘estatuídas’ [por estatuto].
estrutura social vigente. A idéia de soberania como
“autoridade suprema” e “recusa de toda a ingerência
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Contudo, o resultado é a produção de uma de agrotóxicos ou transgênicos que dificulta
arbitrariedade ainda maior (Lara; Jean, a ação política dos sujeitos nas instâncias de
2013). Ou seja, de uma tirania da verdade e governos. A única opção parece ser fazer
um engessamento da ação, da diversidade e uso das instâncias legítimas do mesmo
da arte política. A busca da neutralidade que Estado/Governo, a exemplo do Judiciário. É
tenta superar o poder leva a igualitarismos como se tentássemos matar o dragão usando
inexistentes e a uma cegueira que não o próprio dragão. Isso mantém a lógica
permite ver a diversidade necessária para a alienada da ação, no sentido de se buscar um
ação política. Os acordos das declarações poder mediado, terceirizado, para uma
do século XVIII, que expressam consensos demanda real e atual. O boicote ou uma
mínimos e universais, estão vinculados em horta doméstica são vistos, com muito
sociedades modernas democráticas “com a esforço, como ações políticas alternativas
ideia de uma filosofia política baseada não ou “não convencionais” e não como reais
em fins ou objetivos (Aristóteles), nem em ações políticas. A autonomia inventada no
obrigações ou deveres (Kant), senão em século XVIII, esvaziada da tragédia e da
direitos (Paine)” (Beuchot, 1999:10). O contingência, parece ter se tornado força de
sujeito de direitos é o novo cidadão. A administração e não combustível para a
diferença do Direito para outras liberdade.
normatividades está nos direitos exigíveis e Apesar de Maquiavel5
nos deveres coercíveis, muito mais do que reconfigurar o locus da ação política de
nas referências comuns e públicas de Aristóteles ao aproximar poder e liberdade
comportamento. Com isso, passamos a ter quando discute o poder como uma força de
um único lugar legítimo de demandas e a resistência à dominação pelas elites, parece
política torna-se cada vez mais burocrática, ter sido preterido pela segurança de Hobbes.
com instâncias elevadas e concentradas que Ao que tudo indica seguimos elegendo a
fogem ao controle do cidadão. Um exemplo análise do político tendo como princípio
prático são as liberações do uso de veneno não a ação, mas o lugar da ação. O
nos alimentos. É tão complexa a cadeia que surgimento do Estado de Direito e a
permite a legalidade que valida a liberação estatização feita na modernidade por

5
Sobre a relação entre Maquiavel e Democracia ver
os estudos de John Mcormick, Machiavellian
Democracy, 2001.
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autores como Bodin, Hobbes e Locke administração, pela governabilidade.
sacralizaram a ação política a um único Política virou administração e gestão.
formato e espaço. A polis tornar-se-ia É a partir de um sentido atualizado
Estado. Apesar do político inaugurado por de política que centramos nossa análise e
Maquiavel ir além do estudo de governos, a fazemos o contraponto entre participação e
criação do Estado, na modernidade, ação política, ou seja, entre
institucionaliza a polis e as demandas. A liberdade/autonomia e
vida, seja ela bios ou zoe, tornou-se política, governos/heteronímia. O primeiro sentido
mas no sentido de ‘competência do Estado’. funda-se no locus aristotélico e na
Trata-se, agora, de um objeto privilegiado administração política de Estados de
de apropriação do Estado moderno6. E, com Direito. Trata-se da ideia de política como
isso, “o poder sobre a vida que torna a autoridade em governos. O segundo sentido
política biopolítica; bem como o lugar, o de política, que mantém e resgata
topos onde se situam as possibilidades de radicalmente a ideia de arte e tem como
superação e resistência, do contra-fático, o referência principalmente o pensamento de
poder da vida” (Assmann, et all, 2007). Maquiavel, Arendt e Agamben, apresenta-
A vida, mesmo antes de ser se como liberdade. Igualmente se mantém
definida, torna-se beata e passa a ocupar, Aristóteles como referência, mas não o
nos Estados modernos, o mesmo terreno em locus da ação e sim a política como arte,
que se move o próprio ‘corpo’ político do como habilidade e capacidade humana de
ocidente (Agamben, 2005). Assim, ‘ação criar.
política’ vira ‘participação na política’ e Com este esclarecimento inicial é
torna-se exclusiva ‘ação em governos’, mas que afirmamos que a democracia representa
tudo isso dentro dos limites autorizados pela a possibilidade de uma vida política
(Agamben, 2014). E a vida política (do

6
O termo Estado, em associação ao poder político, 1679), John Locke (1632-1704), Charles de
terá um marco histórico quando surge nos termos da Montesquieu (1689-1755) e Jean-Jacques Rousseau
Paz da Westfália (1648). Em certa medida isso faz (1712-1788); por teoricamente desenvolverem e
com que a palavra se torne parte da semântica da amadurecerem questões centrais que contribuíram
Modernidade. Estado, em síntese, refere-se a uma para fundamentar a nova ordem social, como o tema
idéia de poder institucionalizado, porque encarna a da soberania, divisão de poderes, hierarquia,
ordem; é soberano e tem o monopólio das normas competência, sociedade civil, desobediência civil,
jurídicas. Esta pessoa fictícia se consolida a partir de fontes de direito e lei, só para citar alguns.
pensadores como Nicolau Maquiavel (1469-1527),
Jean Bodin (1529-1596), Thomas Hobbes (1588-
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grego bios politikós), que trata do modo de presente em qualquer esfera da atividade
viver a vida (katà ton bión), não depende de humana. Talvez seja somente no nosso
um Estado ou de governos, mas da tempo que seja possível perceber
capacidade de pensar o mundo e a si para efetivamente o sentido de política como
além de uma vida orgânica (do grego zoe). ação humana. Paradoxalmente, apesar desta
Trata-se, dito de outra forma, do radical potência, nós institucionalizamos a política.
exercício da autonomia: dar a si mesmo a Ao transformar política em administração
sua lei moral. Seria possível afirmar que transformamos a bios em zoe. E o que era
desde os avanços de Maquiavel (Discorsi, uma forma de ser do privado apolítico:
1517) sobre o sentido de política foi manutenção e administração, virou o fazer
somente com as análises de Arendt (1993; político. E o campo criativo, trágico,
1999; 2002), na esteira do pensamento de contingente que era da esfera da polis
Nietzsche (1992), que se teve uma migrou para o mundo privado. É como se,
radicalização do sentido de política. com o Estado de Direito, na herança do
Enquanto a vida orgânica, zoe, é entendida cristianismo institucionalizado, tivéssemos
como o mero fato de viver (katà to zen auto invertidos os polos. Ao restringimos a
mónon), de manutenção ou administração política a instâncias de governos em
do corpo e das suas necessidades, o sentido Estados de Direito limitamos as ações dos
da política está para além disso, sendo o da sujeitos a administrar opções. Por exemplo,
liberdade (Arendt, 2002). Por certo é difícil nas conferências nacionais, sejam de saúde,
pensar a existência da liberdade na educação, segurança, só é possível debater
necessidade, na manutenção da vida, ou em o que está disposto na agenda construída ao
estruturas dogmáticas. A liberdade exige longo de um período de tempo dentro das
um processo criativo, e isso deveria ser regras impostas para tanto. Outro exemplo
independente de instituições. É importante é a institucionalização e normatização da
observar, contudo, que mesmo sendo a participação social através do Decreto
manutenção da vida um campo da 8243/2014, que instituiu a Política Nacional
necessidade, a forma de fazê-lo é um campo de Participação Social e Sistema Nacional
da deliberação, ou seja, da liberdade. de Participação Social. Mesmo sendo este
Há, aqui, uma ponte indiscutível um processo decorrente de estruturas
entre a arte política restrita às coisas da democráticas, o que resta é administrar as
cidade (administração) e a arte política opções previamente ditadas pela gestão.
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Não há reserva para o exercício criativo. participação em cargos (eletivos ou não) ou
Tampouco espaço para demandas que não movimentos sociais, por exemplo.
se encaixam nos longos processos de A relação entre política e
definição de agendas. democracia se estabelece porque, em tese, a
A política como arte, porém, não democracia deveria ser o espaço de
se prende a definições a priori ou dogmas, excelência para este exercício de
tampouco a espaços físicos (locus). Ela está autonomia. Ela seria a ponte entre a
mais próxima da prudência jurídica grega, habilidade criativa autônoma (política) e a
de um saudoso direito como ação política organização social (governos
(ars boni et aequi7) do que da segurança, do democráticos). O que exige,
controle e da gestão. consequentemente, a capacidade de se
A política é o fenômeno (ou reconhecer a diversidade e permiti-la. Não
deveria ser) capaz de promover a realização podendo, portanto, haver deliberações
de verdadeiros seres humanos (no sentido ideológicas na democracia, mesmo que
de seres criativos) e, igualmente, ser um estas se autodefinam como representantes
espaço para a perene autossuperação. O que do bem ou se sustentem em valores
esse sentido não exige é a ocupação em hipoteticamente hegemônicos. A história e
cargos ou espaços reconhecidos de poder os acontecimentos de nosso tempo nos
burocrático. O poder político não está na mostram que as bandeiras que se
deliberação de governos, mas na capacidade autoproclamam como o bem e o certo são as
criativa de reinventar-se e de soberania, no mais perigosas. Hannah Arendt (1998;
caso, uma soberania de si, ou 1999) já nos alertou quanto aos perigos da
autodeterminação. tirania do bem e da verdade.
Cremos já ser possível perceber O fato é que a democracia é um
que o paradigma central deste estudo, ao fenômeno político. Em certa medida,
menos no que reside a ideia de política podemos afirmar que é a ação política que
como liberdade, concentra-se na defesa da dá condições para que a ideia de democracia
política como espaço de autonomia e não de se efetive. Isso pelo fato de que é no político
(fenômeno) que se formam as condições

7
Ars foi a tradução dos latinos para téckhne do grego ser o artífice do bem e do justo, era seu o papel de
e significa arte, ofício; o sentido era o de geração, produzir a equidade nas situações reais.
criação, produção. Cabia, portanto, ao jurisconsulto
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para que a diversidade de vozes e gostos autonomia política, logo, da própria
aconteça. E é ali que a arte criativa de política.
construir e reconstruir os espaços das
relações sociais se realiza. Mas, afinal, o A pluralidade de vozes: da política e da
que é esta arte política? E como reconhecer democracia
a participação política das mulheres? Ao
defendermos com mais vigor a participação Donaldo Schuler, no seu livro
das mulheres na política, a revelia de um “Origens do Discurso Democrático”, relata
sentido mais amplo de ação política, não o mito do nascimento da democracia.
estaríamos a prejudicar o sentido de política Segundo o mito, a democracia surge do
em si e a ignorar o poder das mulheres? rompimento dos homens com os deuses.
A hipótese que estrutura este Esse rompimento significa que a voz
estudo é a de que ao se distanciar a ação contestadora não quer ser dominada. A
privada de uma concepção de ação política diversidade quer se estabelecer. É a ação em
se esteriliza o poder político ao ponto de verbo a semente germinada da democracia.
transformá-lo em mera ferramenta mediada Este fragmento da literatura é útil para
de e para governos: administração. Dito de pensar o sentido radical de democracia e o
outra forma, o excesso de percepção de que papel da política no seu significado.
o crescimento da participação política das Ao longo do século XIX a
mulheres ocorre quando estas ocupam discussão em torno da democracia a
espaços públicos (participação na política vinculou a uma diversidade de elementos
institucional), esvaziou a capacidade tais como: liberalismo, socialismo e
inerente do sentido de política como arte elitismo, por exemplo. O que evidencia o
criativa. Se política é apenas ocupar espaços quanto a democracia é compatível com
públicos, as demandas e as vozes só se diferentes conteúdos ideológicos e
efetivam ou existem de forma heterônoma. culturais. De qualquer forma, é possível
Ou seja, precisam da ação de um terceiro eleger alguns elementos básicos para uma
supostamente legítimo (governo, definição mínima, tais quais: 1. sufrágio
movimento social, ONG) e de uma universal de homens e mulheres, 2. eleições
autoridade que reconheça a demanda (lei, livres, competitivas, com candidatos; 3.
Estado). Com isso, há um esvaziamento da existência de mais de um partido, e 4.
diversas e alternativas fontes de informação
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(Dell Porta, Morlindo e Cotta, 2004). Dahll Talvez por essa razão alguns
(2001) afirma que é possível observar dois autores afirmem que a democracia não é um
sentidos para democracia: 1. o sentido forte, regime, mas um modelo de sociedade. Para
que é a democracia como um sistema de Giorgio Agamben (2014) a Democracia
convivência, ou seja, um campo de criação, representa a possibilidade de uma vida
de respeito à diversidade; e 2. um sentido política. E, nessa linha, a vida política vai
fraco, que é a democracia como parte de um ao encontro do sentido trabalhado por
sistema de governo, de uma legalidade de Arendt (2002): o da liberdade.
representação dos interesses da maioria. O que nos interessa nesta breve
É preciso destacar, por puro incursão é apenas observar que em todas as
respeito histórico, que é em Maquiavel que diferentes acepções e detalhes sobre
se tem um desenho de um Estado democracias há algo em comum: a
emancipado de fundamentações metafísicas democracia é uma forma de aquisição do
tais quais deus ou a natureza (Mcormick, poder que legitima o Estado. O sentido de
2001). Essa é uma característica importante política, contudo, está para além disso.
porque a democracia, nessa configuração,
herdará o lugar de legitimação das A política nossa de cada dia
estruturas de poder e de garantia da
diversidade, mas, principalmente, de Enquanto a compreensão mais
controle contra práticas de dominação. usual e burocrática de política está a olhar
Voltamos ao mito trazido por Schuller. Ao para a organização e a segurança das
resistir à dominação afirma-se duas coisas: pessoas, a ideia de política como
1. que há varias instâncias de exercício do espontaneidade humana, como um espaço
poder, uma que está nas elites e outra no para o desenvolvimento, não visa segurança
povo, uma de governos e uma de ou previsibilidade, mas a capacidade de
autonomia; e que 2. Temos um direito a lidar com o risco e de viver a vida para além
autorregulamentação que torna-se de necessidades orgânicas. De um lado
fundamental para a ordem política jurídico- temos sistemas totalitários que submetem as
racional. Eis aqui o argumento central deste pessoas a um fluxo ideológico fundado na
estudo: o exercício de poder e a incapacidade de resistência por meio do
autorregulamentação não se reduzem ou terror, do medo ou até do embotamento
exigem ser parte de uma instituição. intelectual; de outro, temos sistemas que se
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sustentam na liberdade (ou assim o fragmento do texto de Kant, de 1784, sobre
desejam). A política não existe no primeiro “O que é o esclarecimento”, no qual ele
modelo. O que reside, ali, é apenas uma afirma:
estrutura esvaziada de gestão, mesmo que
legalmente constituída ou constituída É tão confortável ser menor! Tenho à
disposição um livro que entende por
democraticamente (no seu sentido fraco). mim, um pastor que tem consciência
por mim, um médico que me
Na esteira de Hannah Arendt prescreve uma dieta etc. então não
preciso me esforçar. Não me é
(1999; 2002) relacionamos a política com necessário pensar, quando posso
um espaço de liberdade não alienado. Ou pagar; outros assumirão a tarefa
espinhosa por mim; a maioria da
seja, trata-se da importância do agir humanidade (aí incluído todo o belo
sexo) vê como muito perigoso, além
consciente. Se a ideia de um livre agir de bastante difícil, o passo a ser dado
rumo à maioridade, uma vez que
originalmente é a de um agir em publico, e tutores já tomaram para si de bom
grado a sua supervisão.
público é o espaço original do político, o
que temos hoje é a impossibilidade (ou
Não temos, nestas hipóteses,
dificuldade) de um livre e consciente agir,
relações de poder entre seres humanos, mas
seja no espaço público, seja no privado.
imposições ideológicas, econômicas e/ou
Devemos ter claro que pensar a realidade
morais. E, pior, nos tempos de hoje
política e a participação feminina “é
imposições legalizadas, logo,
compreender as relações de poder e
legitimamente fundadas democraticamente.
discursos que se interagem com as
Alguns exemplos: os acordos de leniência
dinâmicas sociais” (Barros; Santos, 2015).
para empresas (artigo 35-b da Lei
Se não é possível, por exemplo, eleger o que
8.884/94); a proibição da interrupção da
comer, o que vestir, que tipo de fonte
gestação; a liberação de plantação de
energética usar e como se educar, sem um
transgênicos; a aprovação pelo plenário da
grande dispêndio de energia, de recursos
câmara dos deputados (abril de 2015),
econômicos e intelectuais, é porque há
do PL 4148/2008 que elimina a
algum tipo de cerceamento ou dominação.
obrigatoriedade de informar se o produto,
Terceirizamos tudo: o consumo, o preparo e
na sua origem, é transgênico; a
o descarte da comida. Terceirizamos a
obrigatoriedade da biometria em nome da
educação dos filhos e seus cuidados.
segurança, a dificuldade legal em se ter um
Terceirizamos o cuidado da casa e de nós
sistema de energia solar off grid,
mesmos. Parece assustadoramente atual o
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obrigatoriedade de vacinação, uma substância política original, essencial,
obrigatoriedade do início do processo de ou um modelo previamente definido do que
alfabetização antes dos sete anos, etc. O que é este fenômeno. O zoon politikon não é
deveria ser exercício de poder torna-se uma sentença sobre a natureza humana, mas
dominação. o simples reconhecimento de uma
A fim de deixar claro nosso capacidade. Capacidade esta que se esvazia
argumento é preciso observar que quando vira pura administração.
trabalhamos com a concepção de que as
relações de poder são processos A participação política: escolhas
característicos de espaços de diversidade. limitantes, conceitos limitados
Uma relação de poder é uma dinâmica entre
liberdades, jogos estratégicos entre sujeitos Boa parte dos cientistas políticos
livres, que tratam de tentar interferir mantém o sentido de política vinculado à
simetricamente na conduta um do outro; já existência de autoridade ou governo (Lessa,
em situações de dominação o poder de um 2010; Borba, 2007). Assim, política se
(sujeito, grupo ou ideia) estrutura a ação do reduz a uma autoridade ou a governos
outro o impedindo, inclusive, de agir tornando-se uma disciplina que se dedica ao
(Lazzarato, 2000; 2003). Quem domina, estudo da formação e divisão do poder
domina a ação, e quem domina a ação, burocrático. Um poder, agora, institucional,
domina o outro. Quando isso ocorre não há estatizado e secular, cuja legitimidade está
qualquer chance para o político e, mesmo em um procedimento jurídico. A análise
em sociedades democráticas, encontramos, sobre política, a partir deste sentido, recai,
nestas lógicas autorizadas, resquícios ou quando muito, sobre o sentido de poder e
novas formas totalitárias. sobre a percepção da política como uma
Se por um lado podemos, em participação convencional e não
sociedades democráticas, ir à rua sem convencional. Os autores, mesmo
restrições de roupas, não conseguimos não afirmando que a participação política
sofrer restrições ideológicas ou econômicas convencional e não convencional são
quanto ao material da roupa ou o que vamos complementares, concordam que não é
consumir em termos de alimentos. O fato do possível abrir mão da participação
político surgir no entre-os-homens (Arendt, convencional (Borba; Ribeiro, 2010)
2002) significa dizer que não existe nem
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reforçando, em alguma medida, o sentido de parecem ocupar um espaço de vanguarda.
política com um locus. Contudo, a análise sobre estas ações serem
O tema da participação e ou não políticas só começa quando estes
representação política são peças chaves nas sujeitos comuns passam a influenciar
discussões em ciência política. No Brasil instituições ou a fazer com que elas tenham
não faltam estudos sobre o tema8. Em todos novas posturas de gestão, a exemplo de
eles a participação é fundamental para dar novas leis protetivas. Não são realizadas
sentido a uma cultura política e a análises sobre o impacto de famílias que
democracia não se reduz a um único optam, por exemplo, a não consumir
sentido, a exemplo da democracia determinados produtos. Estudos sobre isso,
representativa9. Nessa linha, Della Porta et quando muito, migram para campos como
al (2001) elenca algumas novas formas de antropologia e sociologia, não sendo objeto
participação política: escrever em jornal, da ciência política. Inglehart (1988)
aderir a um boicote, autorreduzir impostos relaciona a participação política com a
ou rendas, ocupar edifícios, assinar uma teoria do desenvolvimento humano.
petição, participar em uma greve, participar Afirma, que o aumento da cultura política
de uma manifestação, danificar bens gera aumento da participação política não
materiais. Essas ações são visíveis no convencional. Não seria este aumento da
processo de construção de novas agendas cultura política exatamente o incremento da
tais quais as ambientais e proteção aos autonomia e autorregulamentação? Apesar
animais não-humanos. Em parte, porque disso, os autores insistem que a participação
nestas demandas os caminhos tradicionais política não convencional não substituiu as
não apresentam espaços institucionalizados formas convencionais de participação,
capazes de atendê-las. Nesse sentido, os sendo uma espécie de apoio. De fato, não
estudos ecofeministas e de ética animal substitui. Principalmente se o prisma para

8
Julian Borba (2011) revisa os modelos de participação, que a observa como um fenômeno
classificação da participação política e tece algumas multifatorial, os estudos se mantém vinculados aos
proposições para aperfeiçoar a analise da disciplina, governos/instituições. Estudos como o de Mibrath,
Ligia Luchmann (2011) discute os modelos por exemplo, observam a participação como um
contemporâneos de democracia e o papel das conjunto de atividades relacionadas ao momento
associações, Eder Gimenes e Ednaldo Ribeiro eleitoral ou que a participação é a ação de cidadãos
(2012) analisam o democratismo entre atores comuns com o objetivo de influenciar alguns
políticos não estatais. Esses são alguns exemplos de resultados políticos. Ocorre que estas definições são
pesquisas recentes envolvendo este tópico. por demais restritivas, principalmente se
9
Apesar de encontrarmos, desde os estudos de considerarmos a expansão de novas formas de
Milbrath (1965), uma profusão de conceitos sobre participação.
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pensar política inicia-se na gestão, nos O que estamos ignorando, o que estamos
construindo?
governos, em instituições e nos Estados, e
não na liberdade.
Se representar é comparecer e estar
A participação política,
presente e se a política é o espaço criativo
convencional (eleições e administração) ou
para que diferentes interesses sejam
não (multifatorial) leva a pensar a
obervados e realizados, o que ocorre
representatividade, logo, o poder. A
quando limitamos os lugares considerados
representação política deveria permitir a
legítimos de comparecimento e presença?
garantia dos valores que são comuns. Essa
Por que é tão difícil reconhecer ações
garantia é o que Rawls (2000) chama de
privadas, silenciosas e invisíveis, como
áreas restritas de concordância. Com isso,
ações políticas? Tais quais o cuidado dos
cada cidadão é livre para cultivar suas
filhos, homescholing, seleção e preparo de
convicções, suas normativas particulares.
alimentos, horta em casa, seleção e uso de
Isso nos leva a retornar a ideia de política
produtos de consumo. Estes exemplos,
como campo de diversidade e liberdade
bastante simples, dificilmente estão
(Arendt), de resistência à dominação
compreendidos como ações políticas,
(Maquiavel) e à democracia como
tampouco seus autores são considerados
possibilidade de uma vida política
“representantes” políticos de determinada
(Agamben). Sem uma diversidade nas
demanda. Uma das razões é que são
formas de participação, a representação
exemplos da esfera da gestão da oikos, da
também se limita. Etimologicamente
casa. Sendo, portanto, competência da vida
‘representar’ significa estar presente ou
orgânica (zoe). Contudo, cada vez mais o
comparecer, refere-se, assim, a um campo
campo político aproxima-se da vida
de ação, de autoridade. Estaria, portanto,
orgânica. Algo já vastamente estudado
este campo restrito à administração em
pelos pensadores de biopolítica10, como
governos ou a instituições previamente
Foucault e Agabem. Diferentemente dos
concebidas como legítimas? O que há de
tempos de Aristóteles, a divisão entre oikos
limitante nestas concepções?
e polis não parece tão evidente. Ignorarmos

10
Há várias utilizações do conceito biopolítica. nome da vida e o biopoder uma vida submetida ao
Inclusive alguns autores marcam a diferença entre comando da política. A biopolítica é “a assunção da
biopolítica e biopoder. Podemos afirmar que a vida pelo poder” (Foucault, 1999:285), uma vida
biopolítica está mais no campo de uma política em sujeita à norma.
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isso é restringir política a um exclusivo influencia diferentes esferas das relações
lugar enfraquecendo ações fundamentais sociais?
que representam demanda e constrói novas Não sabemos. Não há estudos que
relações sociais. nos permitam observar o impacto político
Como referimos anteriormente de práticas como o alimentar-se e o cuidar
este é um estudo despretensioso que visa, dos filhos. Nenhum desses casos, ao menos
mais que tudo, compartilhar alguns no que foi publicado no Brasil em revistas
questionamentos. Nessa linha, seguimos feministas, é visto como ação política.
nos exemplos. Qual o significado político O cuidado com o corpo, para além
para o exaustivo trabalho doméstico de de discursos de direitos sexuais e
selecionar o que se consome, de alimentos a reprodutivos, o pensar meios alternativos de
roupas, por exemplo. Não nos referimos medicamentos, alimentos, exercícios, não
aqui à ação de e em movimentos sociais são objeto de análise. O cuidado com o
como o das mulheres campesinas, ONGS outro foi desqualificado como ação política,
ou mesmo das mulheres no MST. Mas, sim, salvo se for pauta de políticas públicas
à ação privada de pesquisa e seleção do que como aumento de creches ou vagas em
e como consumir, de como viver. Essa hospitais. Raramente reconhecemos como
seleção pode ter várias razões: econômicas, política a ação de mulheres que optam por
status, ideológica, religiosa, a exemplo das ficar em casa abrindo mão da carreira; via
pessoas que buscam alimentar-se com de regra, isso é visto como um retrocesso na
produtos sem concentração de agrotóxicos, participação política das mulheres e na sua
transgênicos ou sem substâncias de origem autonomia. Essa percepção é correta
animal ou com histórico de violência. Em quando operarmos com um exclusivo
qualquer uma das razões há um interesse, paradigma sobre participação política, no
uma demanda. E essa demanda alimenta um caso como participação na política e em
modelo. Não seria, portanto, o consumidor espaços públicos institucionais e de
um coprodutor e, assim, um agente político? governos. Aqui reside uma perigosa cilada:
Quando consumimos algo estamos a eleger se política exige diversidade de vozes e
não apenas um produto, mas uma cadeia de ações, sem dogmas ou definições a priori, o
produção. Essa ação aparentemente privada que significa ignoramos diferentes formas
e silenciosa não é uma ação de de agir? Não estaríamos, aqui, reforçando
representação dos próprios interesses que
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uma tirania da verdade ou sendo Em parte uma das razões deste
dogmáticos? vazio talvez decorra da nossa tradição na
Façamos o hipotético exercício de forma de pensar o espaço privado. Havia,
pensar alimentar-se sem nada de mais explicitamente que hoje, uma
procedência animal, ou de não usar domesticação do “lar” e do “corpo”, com
qualquer produto de empresas que regras e manuais de conduta. Uma
sabidamente exploram mulheres e crianças. moralização que transformava o
Ações assim exigem tempo, preparo, e uma autogoverno no cumprimento da moral
incrível habilidade intelectual e criativa. Se eleita para aquele espaço. Dos artigos
o espaço dedicado a estas ações está pesquisados nas duas revistas, nos últimos
esvaziado ou terceirizado, visto que a única quinze anos, apenas um analisou o espaço
ação política reconhecida é aquela que se dá privado para além de temas como violência
no espaço público, estamos a reforçar o ou direitos sexuais e reprodutivos. O estudo
status quo. Não há, aqui, a defesa de que são de Maria Cecília Barreto Amorim Pilla
as mulheres que devem ocupar este espaço, (2008), publicado nos Cadernos PAGU,
mas, apenas, que estes espaços devem ser observa o quanto a moral ensina a maneira
ocupados. E, para além disso, quando não o de governar a si mesmo, no caso, a forma de
qualificamos como político estamos, por administrar o lar a partir de normas ditadas
consequência, desqualificando quem o pela “razão”. Não havia, nesta herança,
ocupa. Tiramos, assim, o poder espaço para a criação, para a arte política,
transformador das ações privadas e de mas, tal como vemos hoje, a casa era um
resistência. espaço de gestão com regras previamente
Por essas razões é que é estabelecidas. Não era, portanto, um espaço
interessante observar que nos últimos político. De qualquer forma estudos como
quinze anos não encontramos publicações, os de Pilla são fundamentais para
ao menos nas revisas feministas e de percebermos o quanto estes gerenciamentos
gênero, que ampliem o sentido de condicionam nossa forma de agir. Talvez
participação política das mulheres. É como hoje estejamos sob a regia não de manuais,
se a ação das e dos pesquisadores mas de outras moralidades, o que nos
reforçassem padrões hegemônicos sobre o levam, por exemplo, a terceirizar todas as
tema. A política segue sendo vista como ações domesticas: do cuidado de si
uma ação pertencente a um locus. (alimento, roupas, higiene) ao cuidado do
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outro. O que é visto, tal qual a moral vigente mulher no lar, maternidade, mulheres
no Brasil de séculos atrás, como algo bom, marroquinas e sociabilidade no mundo
certo e adequado. rural, a exemplo do artigo de Pilla (2008).
Ao pesquisarmos as categorias Na Revista Estudos Feministas
“política + mulher” nos Cadernos PAGU encontramos oito artigos, os quais discutem
encontramos dez artigos, o de Pilla (2008) transexualidade, violência doméstica,
não aparece neste rol. Um deles relacionava direitos civis da mulher casada e
os avanços e os desafios na esfera da participação no trabalho.
participação e representação política Isso demonstra que estamos
feminina com direitos políticos e com a agindo à luz de um exclusivo paradigma,
eleição de mulheres à presidência em países ignorando a riqueza de ações que não nos
da América Latina. Dois artigos mantinham propomos a observar.
a análise política da participação das O papel do feminismo acadêmico
mulheres no âmbito do executivo e na construção da participação política das
legislativo, e os demais faziam análises da mulheres limita-se a abordar quatro grandes
mídia, do papel de mulheres na construção temas: 1. feminismo, aqui entendido como
de políticas públicas, sexualidade e ações as manifestações e abordagens do próprio
sociais. Não localizamos artigos que movimento; 2. movimentos sociopolíticos,
concebessem a participação política como englobando-se nesta categoria movimentos
ação política para além das instituições do como o MST, as marchas promovidas com
Estado ou movimentos sociais reconhecidos cunho de protesto etc; 3. poder político e
ou institucionalizados. eleições, compreendendo a participação da
Quando utilizamos na busca mulher no âmbito público; e 4. políticas
palavras-chaves como “mulher e públicas, aqui entendidas como as ações
alimentação”, encontramos um único governamentais voltadas ao público
resultado na Revista Estudos Feministas feminino.
sobre aleitamento materno. Para a categoria A fim de melhor visualizar a
“mulher e família” encontramos quatro pesquisa organizamos a seguinte
resultados nos Cadernos PAGU, com representação gráfica11:
abordagem sobre o desempenho e papel da

11
O gráfico foi constituído a partir dos seguintes obteve-se um resultado de 10 artigos para a pesquisa,
dados: com as palavras-chaves “mulher+política” em todos os índices, e com as palavras-chaves
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“mulher+movimentos sociais” nenhum resultado em algumas personalidades específicas, na Revista


todos os índices, nos Cadernos PAGU, sendo que da Estudos Feministas, e 06 artigos nos Cadernos
primeira busca 02 artigos tratam de temas PAGU, que abordam análise outras obras, políticas
relacionados à sexualidade, 01 faz a análise de uma públicas e identidade profissional. Por fim, “mulher
outra produção científica, 03 artigos tratam da e participação política”, na Revista Estudos
participação e assuntos políticos no âmbito do Poder Feministas, encontramos um 01 artigo que aborda a
Legislativo e Executivo, 03 sobre análise da participação em movimentos sociais da mulher rural,
sociedade e 01 sobre educação. Já na Revista e pesquisa não resultou em nenhum artigo nos
Estudos Feministas, encontramos 15 artigos para a Cadernos PAGU. Para categorizar as publicações
busca com palavras-chaves, em todos os índices, científicas localizadas utilizamos a seguinte divisão:
política e mulher, sendo que 03 abordam 1. pautas cotidianas, onde incluímos as publicações
movimentos sócio-políticos, 04 sobre análises de que abordam temas ligados à mídia, a
outras produções científicas e 01 sobre a importância modificações/evoluções na sociedade, trabalho etc;
de publicações, 03 sobre os Poderes Executivo e 2. políticas públicas, para os artigos que abordam a
Legislativo, e 04 sobre políticas públicas. Com a influência ou a ausência de ações governamentais; 3.
finalidade de complementar a pesquisa realizamos análise de obras e personalidades, para as
novas pesquisas com outras categorias que nos publicações e resenhas de livros, filmes, periódicos
remeteriam ao campo privado, por exemplo, “mulher ou que demonstram de trajetória de outras pessoas;
e alimentação”, sendo que nos Cadernos PAGU não 4. sexualidade para as que tratam de doenças
há nenhum resultado e na Revista Estudos sexualmente transmissíveis, orientação sexual,
Feministas há 01 artigo, sobre aleitamento artificial direitos sexuais etc; 5. participação política,
a partir de políticas públicas. Com as palavras-chave referente aos artigos que tratam o tema da atuação na
“mulher e saúde” aparecem 10 artigos na Revista política; 6. movimentos sócio-políticos, para os
Estudos Feministas que tratam de temas como artigos que abordam as organizações e movimentos
violência doméstica, políticas públicas e sociais e políticos; 7. educação, onde se encontram
sexualidade, já nos Cadernos PAGU são 02 artigos publicações relacionadas à educação formal; 8.
encontrados, um sobre sexualidade e outro sobre publicações feministas que englobam as publicações
identidade profissional. Quanto as palavras-chave direcionadas ao feminismo; e 9. violência doméstica,
“mulher e família” a pesquisa resultou em 04 para artigos que analisam casos e vítimas de
resultados nos Cadernos PAGU e 08 na Revista violência no âmbito doméstico. Destaca-se que o
Estudos Feministas, sendo que abordam o tópico 5 os estudos se reduzem a analisar a atuação
desempenho e papel da mulher no lar, maternidade, das mulheres junto aos Poderes Legislativo e
mulheres marroquinas, sociabilidade no mundo Executivo, e o tópico 6 concebe ação politica quando
rural, sexualidade e mercado de trabalho. Sobre o sujeito é parte de um movimento ou grupo. Em
“mulher e educação” aparecem 10 artigos ambos os casos a atuação autônoma e individual não
relacionados à educação formal, mídia, violência é contemplada.
doméstica, homossexualidade feminina e sobre
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Gráfico 1. Análises das publicações pesquisadas

Revista Estudos Feministas + Cadernos PAGU


11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0

REVISTA ESTUDOS FEMINISTAS PAGU

Fonte: Dos autores, 2015.

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Gráfico 2. Análise das publicações científicas da Revista Estudos Feministas

Revista Estudos Feministas


4

MULHER+POLÍTICA MULHER+MOVIMENTOS SOCIAIS


MULHER+ALIMENTAÇÃO MULHER+SAÚDE
MULHER+FAMÍLIA MULHER+PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
MULHER+EDUCAÇÃO

Fonte: Dos autores, 2015.

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Gráfico 3. Análise das publicações científicas dos Cadernos PAGU

Cadernos PAGU
5

MULHER+POLÍTICA MULHER+MOVIMENTOS SOCIAIS


MULHER+ALIMENTAÇÃO MULHER+SAÚDE
MULHER+FAMÍLIA MULHER+PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
MULHER+EDUCAÇÃO

Fonte: Dos autores, 2015.

Devemos nos perguntar qual o alimentação como objeto, serem realizados


significado e a implicação dos artigos destas sempre pelo mesmo enfoque, a exemplo dos
duas revistas acadêmicas de referência direitos sexuais, transexualidade ou direitos
somente abordar como participação política civis. Parece haver uma colonização
das mulheres as ações restritas ao universo ideológica na produção acadêmica
burocrático institucional ou a gestão de brasileira.
governos ou grupos e movimentos sociais. Entre as várias conclusões é
Ou, ainda, o significado sobre alguns possível afirmar, sem qualquer juízo, que é
estudos, como os que têm o corpo, a saúde, muito difícil avaliar o impacto político de
a sexualidade, a reprodução, a família e a ações privadas ou autônomas sem
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investigação, pesquisa e análise. Se essas lado um conceito e um paradigma servem
ações não são percebidas como políticas de referência, por outro, podem reduzir o
não se tornam objeto de estudo e de pensar, a investigação e o desenvolvimento
produção científica. Assim, esse hiato, ou da ciência. Talvez, em uma perspectiva
vazio, não apenas limita a percepção da romântica, estamos a redefinir, resgatar ou
participação político das mulheres como atualizar, a bandeira histórica do
reforça uma única acepção do sentido de movimento feminista do Brasil e da
política. América Latina dos anos 70, de que o
“privado é político”.
Observações Finais Um privado, talvez, capaz de ser o
único campo possível de liberdade e
A ação e a participação política é resistência diante de sistemas cada vez mais
um tema relevante porque tem efeito sobre legalizados e de gerenciamento sobre a vida
diferentes áreas de conhecimento, sobre o dos sujeitos. Como já observamos, apesar
sujeito, sobre a coletividade e sobre do político inaugurado por Maquiavel ir
instituições, a exemplo da compreensão de além do estudo de governos, a criação do
democracia e políticas públicas12. Se as Estado, na modernidade, institucionaliza a
políticas públicas, por exemplo, nascem, polis e as demandas. A vida, seja ela bios ou
entre outros fatores, da capacidade de zoe, tornou-se política, mas no sentido de
construção de uma demanda de atores ‘competência do Estado’. Assim, todas as
sociais envolvidos, o que significa ignorar instâncias de nossa vida, do alimentar-se ao
como ator aquele que está em um espaço reproduzir-se, tornam-se sagradas e passam
privado, ou cuja ação é autônoma, um a ocupar o interesse dos governos, sejam
exemplo de autoregulamentação? Como eles democráticos ou não. Quando, neste
mensurar o impacto dos embates de contexto, a ‘ação política’ vira ‘participação
interesses se ignorarmos um espaço político na política’ e torna-se exclusiva ‘ação em
importante das relações sociais? Se por um governos’, e tudo isso dentro dos limites

12
Enquanto área de conhecimento e disciplina acadêmico, como subárea da ciência política. Os
acadêmica as políticas públicas nascem nos EUA de estudos nos EUA buscam estabelecer relações com
forma diferente da tradição Europeia. Enquanto que bases teóricas sobre o papel do Estado, passando
na Europa havia uma concentração na análise sobre direto para a ênfase nos estudos sobre a ação dos
o Estado e suas instituições, mais que na produção governos. Algo que pode ser compreendido ao
dos governos, nos EUA a área surge no mundo analisarmos a tradição norte americana.
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autorizados pela lei, perdemos a capacidade Resumidamente podemos dizer
criativa, a autonomia, a força de resistência que não são as mulheres que não estão
e o sentido radical de arte política. Política ocupando espaços políticos, mas é a nossa
virou gestão, e nós operadores alienados de percepção limitada de política – ou os
um sistema sedutor. discursos que elegemos como legítimos -
Se mantivermos a ideia de política que vem excluindo as mulheres.
como ciência dos Governos (Aristóteles),
sejam as ações diretas ou indiretas Referências bibliográficas
vinculadas aos Estados legalmente
AGAMBEN, Giorgio (2014). Uma
constituídos (modernidade), não cidadania reduzida a dados biométricos.
In: Le Monde Diplomatique Brasil.
permitiremos conceber política como um
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568.
campo de resistência à dominação
(Maquiavel). Estaremos, paradoxalmente, a AGAMBEN, Giorgio (2005). A imanência
absoluta. In: La potenza del pensiero.
fazer a manutenção das estruturas vigentes.
Saggi e conferenze. Vicenza: Néri Pozza
É como se nosso pensar estivesse Editore.
colonizado ou preso a padrões previamente ARENDT, Hannah. (1993). La Condicion
estabelecidos e que são reforçados por nós, Humana. Barcelona: Paidos Estado y
Sociedade.
numa hipotética crença de escolha livre.
Este artigo, como já foi referido, ARENDT, Hannah. (1999). Eischmann em
Jerusalém. Um relato sobre a banalidade
buscou mais compartilhar indagações do do mal. Tradução José Rubens Siqueira.
que trazer respostas. De qualquer forma, São Paulo: Companhia das Letras.

algumas conclusões já podem ser obtidas ARENDT, Hannah. (2002) O que é o


sem prejuízo a boa metodologia e técnica político. Tradução Reinaldo Guarany. 3ª
Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
cientifica. A principal delas é que não é
possível conhecer o impacto de ações se ASSMANN, Selvino José; PICH, Santiago;
GOMES, Ivan Marcelo; VAZ, Alexandre
elas não são objeto de nossa análise. Nesse Fernandez. Corpo e Biopolítica: poder
sentido, os estudos feministas e de gênero sobre a vida e poder da vida. In: XV
Congresso Brasileiro de Ciências do
pecam por não incorporarem a diversidade Esporte / II Congresso Internacional de
inerente das ações políticas não Ciências do Esporte, 2007, Recife. Anais
do XV CONBRACE E II CONICE. Recife
convencionais. : EDUPE, 2007a. p. 1-10.

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