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I. Introdução
A família é o primeiro grupo do qual fazemos parte e pelo qual nunca deixamos de ser
influenciados, fato que a torna o eixo estruturante da atenção primária à saúde (APS). Sob uma
concepção integral e sistêmica, é entendida como o espaço de desenvolvimento individual e de
grupo, dinâmica, de múltiplos formatos e passível de crises ao longo do tempo, indissociável de seu
contexto comunitário e das relações sociais que estabelece. De acordo com essa visão sistêmica de
tratamento dos problemas de saúde, faz-se necessário que os profissionais de saúde conheçam
métodos e técnicas de avaliação de famílias e encarem a família do paciente como contexto-
problema e como recurso terapêutico.
Existe apenas o
Grau 1 Ênfase mínima nos Patologias individuais. contato necessário por
assuntos familiares questões práticas ou
de natureza médico-
legal.
Não requer um
Grau 2 Colaboração com a Tabagismo, conhecimento especial
família para trocar sobrepeso, cuidados sobre o
informações ou para de saúde. desenvolvimento
aconselhar familiar ou sobre
fatores estressores. O
profissional deve estar
disposto a obter a
colaboração da
família, informá-la
acerca das opções de
tratamento e ouvir
suas angústias e
preocupações.
O profissional
Grau 3 Abordagem de apoio Álcool e drogas, necessita de
atendendo aos depressão, ansiedade, conhecimentos sobre
sentimentos da comportamento de desenvolvimento
família risco. familiar e sobre as
formas como as
famílias reagem a
situações de estresse.
Implica em
Grau 4 Abordagem Famílias com conhecimentos sobre
sistêmica da família múltiplos problemas, sistemas familiares e
com avaliação doença terminal, preparo para
sistemática e álcool e drogas. convocar e coordenar
planejamento de uma reunião de
intervenção família, encorajando-a
a externar seus
sentimentos.
Exige do profissional
Grau 5 Terapia familiar Problemas relacionais. preparo para o
tratamento de famílias
com padrões
disfuncionais de
interação.
Habitualmente, nesse
nível atuam os
terapeutas familiares.
McDaniel e colaboradores (1992).
Toda família é única, singular. Independente de seu tipo ou constituição, tem seu próprio
código de funcionamento, ditado por normas de convivência, regras ou acordos relacionais, ritos,
jogos, crenças, mitos e a história da família, modos especiais de expressar e interpretar emoções e
comunicações e uma forma particular de tomar decisões.
Uma das principais funções da família é econômica (prover meios, bens e recursos).
Também é função da família oferecer acolhimento e investimento afetivos para o crescimento e
cujos objetivos sejam a independência e a autonomia, além de cuidado com a saúde, lazer,
socialização e educação/formação. O que define a família são os sentimentos, as sensações especiais
de união, pertencimento, vínculo, interação e interdependência.
Inúmeras ferramentas estão disponíveis para realizar a abordagem familiar, mas é importante
que o profissional domine bem a ferramenta e, por esse motivo, parece adequado que ao menos
saiba fazer o genograma, ecomapa e abordagem do ciclo de vida. Essas ferramentas já são hoje
parte do cotidiano de várias unidades de saúde no Brasil. Outras ferramentas que avaliam o
funcionamento familiar, como o FIRO, o PRACTICE e o APGAR familiar, são bastante usadas em
serviços de medicina de família no Canadá e na Inglaterra, e tem sido também introduzidas em
nosso meio.
1. Genograma
É uma ferramenta muito útil para estabelecer vínculo e para organizar informações, como o
nome dos membros da família, relacionamentos, datas significativas e toda a estrutura familiar. É
um mapa visual, de leitura fácil e dinâmica, que fornece informações estruturais, funcionais e
relacionais da família ao longo do tempo e facilita a compreensão e a elaboração de hipóteses. A
partir do genograma, é possível identificar temas (pautas) intergeracionais, biomédicos e
psicossociais. Ele também permite mostrar os problemas presentes na família, facilitando uma
priorização destes para intervenção, além de identificar os obstáculos para a cooperação ou para o
estabelecimento de vínculo, adesão e acompanhamento médico-paciente e família-equipe.
O genograma também pode ter um foco biomédico, como um caminho para organizar as
informações clínicas e genéticas de uma família, e ainda auxiliar na contextualização das
informações, mediante visualização das relações entre o contexto familiar e a doença. Auxilia
também na visualização da necessidade de intervenções preventivas. Pode ser útil em inúmeras
situações corriqueiras na APS (tabela 2). Ele pode ser feito mediante a obtenção da história familiar
e atualizado em visitas subsequentes.
2. Ecomapa
Assim como para o genograma, há símbolos padronizados para desenhar o ecomapa, que
também podem variar de acordo com a bibliografia utilizada. A força da relação entre um
indivíduo/família e algum elemento externo é representada pela linha que os une. Uma linha
simples indica que há uma ligação. Os demais símbolos usados para representar relações (relação
próxima, muito próxima, distante, conflituosa, ruptura, etc.) podem ser os mesmos empregados na
construção do genograma. Outro elemento frequentemente incluído no ecomapa é a direção do
“fluxo de energia”, representada por uma seta, e que indica se o indivíduo/família gasta “energia”
com algum elemento da rede social, se ele se beneficia dessa relação ou se ambos ocorrem.
A análise da exposição gráfica das relações pode ser usada para questionar a
família/indivíduo sobre o investimento que é feito e a validade desse investimento. Todos esses
dados devem ser aproveitados na construção do plano de intervenção. Assim, se o individuo ou a
família despenderem grande esforço na relação com algum elemento de sua rede social, sem o
retorno esperado (p. ex., trabalho estressante, mas pouco gratificante e com remuneração abaixo do
que o individuo poderia obter em outro emprego), pode-se questionar a utilidade de despender
esse esforço ou elaborar intervenções para tornar esse fluxo recíproco (ou seja, que o
indivíduo/família também receba o devido benefício).
Outras vezes, o esforço parte predominantemente de algum elemento da rede social, sem a
participação esperada da família (p.ex., quando uma equipe de saúde despende grande esforço para
auxiliar uma família, muitas vezes precisando fazer busca ativa, e esta não demonstra atitudes
concretas para melhorar sua situação).
Chama-se de ciclo vital o processo evolutivo pelo qual a família passa ao longo da vida. São
etapas com problemas previsíveis e tarefas específicas a serem cumpridas. O bem-estar e o
crescimento biopsicossocial de seus membros dependem da solução adequada desses problemas.
As etapas, também chamadas de crises evolutivas, exigem mudança na organização da família e
requerem múltiplos ajustes de seus membros ao longo do tempo. A forma como os membros da
família evoluem nesse processo determina se eles irão passar para a fase seguinte, mantendo um
desenvolvimento adequado (funcional), ou se serão acometidos por transtornos físicos e psíquicos
(desenvolvimento disfuncional). Conhecer o ciclo vital de uma família, com suas crises previsíveis e
imprevisíveis, permite avaliar sua adaptabilidade, funcionalidade, resiliência e seus fatores de risco
e proteção.
Ao longo de seu ciclo vital, a família enfrenta também inúmeras crises imprevistas, como
mudança de domicílio, desemprego, doença e morte de entes queridos, incapacidades físicas e
psicológicas, rupturas conjugais prematuras, mudanças de hábito e estilo de vida, miséria e
violência.
Há pacientes que chamam a atenção pela frequência com que adoecem por problemas agudos
diversos. Quando investigados, muitas vezes não apresentam problemas orgânicos que justifiquem
tais doenças. Em alguns casos, é possível identificar que tais patologias surgem em momentos de
crise, desviando a atenção da situação-problema para a doença aguda e permitindo que a tensão
diminua, pois a família se volta para o membro doente. Um exemplo é um filho que adoece quando
os pais brigam e falam em separação.
3. Pacientes psicossomáticos
5. Violência intrafamiliar
A presença de violência intrafamiliar deve ser ativamente investigada, por ser o agravo mais
importante para a saúde física e mental dos membros da família. Alguns dos fatores de risco da
família para violência nas suas diferentes manifestações (negligência, maus-tratos físicos e
psicológicos, abuso sexual, entre outros):
6. Outras situações
Ao identificar dificuldades familiares durante uma consulta clínica, é papel do médico abordá-
las com a família, mesmo que não se planeje o atendimento nesse aspecto. Em alguns momentos, o
que o paciente necessita é ter com quem falar a respeito das suas dificuldades, e ninguém melhor
para isso do que a equipe que o acompanha, seu médico ou o membro da equipe com quem já
construiu um vínculo de confiança.
É importante ressaltar que algumas famílias encontram-se tão comprometidas que ajudá-las
constitui-se em uma tarefa difícil. Por isso, o médico deve ter presente que, em tais situações,
pequenas mudanças são de extremo valor e podem ser o início de transformações maiores, ou
podem ser a preparação para um tratamento mais especializado com um terapeuta familiar ou
outro profissional de saúde mental.
REFERÊNCIAS
ASEN, Eia, TOMSON, Dave, YOUNG, Venetia e TOMSON, Peter. 10 Minutos para a Família –
Intervenções Sistêmicas em Atenção Primária à Saúde. Editora Artmed. Porto Alegre, 2012.
DIAS, Leda C. Abordagem familiar. In: Tratado de Medicina de Família – Princípios, Formação e
Prática. Gustavo Gusso e José MC Lopes. Volume 1. Editora Artmed. Porto Alegre, 2012.
FERNANDES, Carmen LC, FALCETO, Olga G, WARTCHOW, Elisabeth S. Abordagem familiar. In:
Medicina Ambulatorial: Condutas de Atenção Primária Baseadas em Evidências. Duncan, Bruce B,
Schmidt, Maria Inês e Giugliani, Elsa RJ. 4ª edição. Editora Artmed. Porto Alegre, 2013.