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Começa com a menção a um artigo de I. Meyerson (Le temps, la mémoire, l’histoire), o qual
“ressaltava que a memória, enquanto se distingue do hábito, representa uma invenção difícil, a
conquista progressiva do homem do seu passado individual, como a história constitui para o grupo
social a conquista do seu passado coletivo” (p.135).
“Da análise dos mitos de memória e do que resta deles no início da filosofia grega, uma
conclusão se impõe: não há elo necessário entre o desenvolvimento da memória e os progressos da
consciência do passado. A memória é anterior à consciência do passado e ao interesse pelo passado
como tal. Percebe-se na aurora da civilização grega como que uma espécie de embriaguez diante da
força da memória – mas trata-se de uma memória orientada de modo diferente da nossa, e que
corresponde a outros fins” (p.164).
A partir desses distintos “quadros sociais da memória” (para usar a expressão de
Halbwachs), é que a memória e os exercícios de rememoração se davam e adquiriam sentido. Fora
dele, perde-se seu sentido e sua função. Elas não se situam mais em nossa forma de organização da
memória, direcionada para o conhecimento do passado individual do homem – (diga-se de
passagem que aqui Vernant parece ter esquecido da dimensão coletiva).
Para que essa transição fosse possível, foi necessário o desenvolvimento de instrumentos
mentais que permitissem um conhecimento mais preciso do passado, um ordenamento rigoroso do
tempo. A partir de então, a memória vai perdendo seu lugar tradicional de função cosmológica e,
depois, escatológica, para entrar de vez no domínio do tempo humano.
Isso se concretiza com Aristóteles, que propôs a distinção entre memória e reminiscência.
Mas ambas as formas estão estritamente ligadas ao passado, e são condicionadas por um lapso do
tempo, e portanto implicam a distinção entre anterior e posterior. “Em consequência, segundo
Aristóteles, é o mesmo órgão pelo qual nós nos lembramos e pelo qual percebemos o tempo”
(p.165). Assim, ela só se relaciona com a faculdade de pensar “por acidente”, pois é à faculdade
sensível que ela primeiramente se liga – o que explicaria porque, além do homem, muitos animais
possuem mnemé, mas não anamnésis.