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Sumário
Introdução
A Arte de Redigir
Lembre-se de Seus Leitores
Seja Atento e Lógico
Lapsos de Lógica
écnicas para uma redação eficaz é um guia para aprimorar sua capacidade
T de produzir textos cada vez melhores, que aborda aspectos como correção,
clareza e coerência. Você encontrará informações que o ajudarão a escrever de
maneira adequada a cada situação, a fazer pesquisas, a evitar argumentos
despropositados, a organizar suas ideias na melhor ordem possível e obter
sucesso valendo-se das ferramentas da escrita.
Após a leitura deste e-book, você ficará alerta para as armadilhas da
linguagem: a tentação dos clichês e palavras da moda (que resultam em
discursos de significado pobre), o perigo da ambiguidade (como “Nós
esquentamos o chocolate por que estava frio”) e a cilada do excesso de
metáforas (“Um oásis de democracia em um mar de autoritarismo”). Acima de
tudo, Técnicas para uma redação eficaz busca desfazer grandes mitos sobre o
ato da escrita, como, por exemplo:
?? De início, meu propósito era abarcar apenas o período situado entre 1922
e 1990. Esta data, 1922, é a da Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro
Municipal de São Paulo, mas é, também, a da realização, no Rio de Janeiro, da
exposição internacional comemorativa do 1o centenário da Independência
política do Brasil. [...]
Não é tão difícil imaginar o que pensa uma outra pessoa – provavelmente
você faz isso todos os dias, sempre que fala com alguém.
Pense no quanto você se preocupa em ajustar o nível da voz e do discurso de
acordo com as circunstâncias. Para conversar com alguém que não ouve bem,
você sabe que é necessário falar mais alto do que de costume. Ao dialogar com
uma criança ou um estrangeiro, você tende a empregar palavras simples e frases
curtas e a falar mais devagar. Ao dirigir-se ao bispo, provavelmente você adotará
um tom mais formal e respeitoso do que aquele usado com os colegas de
trabalho.
De fato, o nível inadequado da linguagem frequentemente provoca risadas ou
zombaria – a criança precoce que fala (ou tenta falar) como adulto; o professor
que conversa com sua família durante o jantar como se estivesse se dirigindo aos
alunos no auditório; o artista performático que imita a voz e os padrões da fala
de uma pessoa do sexo oposto.
No entanto, a maioria dos adultos encontra-se bem sintonizada com as
necessidades do ouvinte. As pessoas se decidem instintivamente por um nível de
dificuldade e, então, se necessário, alteram seu discurso para adequá-lo à
situação. A uma expressão de dúvida, respondem desacelerando o ritmo da fala,
repetindo o ponto importante com palavras diferentes ou enfatizando outros
aspectos. Diante de um suspiro de impaciência do ouvinte, falam mais rápido ou
mudam de assunto.
Quando se trata de escrever, as coisas não são tão fáceis: você tem menos
orientação do público, e vice-versa. Os ouvintes extraem informações não só das
palavras do falante, mas também de fatores como tom de voz, pausas, expressões
faciais, gestos, “linguagem corporal” etc. Os leitores, por outro lado, têm
somente as palavras como guias (além de alguns recursos tipográficos
incipientes, como o itálico e a pontuação). Da mesma forma, quem fala diante de
uma audiência aproveita o feedback do interlocutor imediatamente, podendo
inclusive alterar seu discurso para garantir a eficácia da comunicação. Já os
escritores, geralmente só obtêm seu feedback depois que terminam de escrever.
Por isso, ao escrever uma carta ou um relatório, tenha em mente a provável
reação dos leitores ao conteúdo, ao estilo e ao tom. Quanto ao conteúdo: por
exemplo, não se estenda em explicações técnicas detalhadas se os leitores forem
leigos. Porém, se todos eles forem especialistas no assunto, utilize jargão
técnico, mais conciso, e evite explanações genéricas. (Se, entre seus leitores,
houver especialistas e leigos, você terá que alcançar um equilíbrio sutil – e
provavelmente tenderá a priorizar os leigos.)
Quanto ao estilo: se alguns de seus leitores forem pouco letrados, cuide para
não usar linguagem excessivamente rebuscada. Se todos os seus prováveis
leitores são eruditos e de bom nível educacional, então não os subestime
escrevendo com estilo simplório e dando explicações desnecessárias (isso não
significa que você deva lançar mão de um estilo pretensioso na tentativa de
impressioná-los). O lema é: adequação. Escreva de forma simples, tendo em
mente que a definição de simplicidade varia de acordo com o nível de
sofisticação do leitor.
Quanto ao tom: ajustá-lo corretamente equivale a vestir-se de modo
apropriado para determinada situação. Um terno claro pode ser adequado para
um almoço profissional, mas seria inadequado para um banquete com o prefeito,
por um lado, e para uma festa informal, por outro. Por exemplo, a Rainha
Vitória, do Reino Unido, desaprovava insinuações de familiaridade excessiva da
parte de qualquer pessoa, mas também não apreciava o costume do Sr. Gladstone
de falar com ela sempre como se estivessem em um comício público. O mesmo
acontece com o tom da escrita: um tom muito elevado será considerado
pomposo; um tom baixo demais será tido como chulo ou descortês. Se todos os
seus leitores forem pessoas com quem você tem intimidade, empregue um tom
razoavelmente familiar ou informal. Mas, se seus leitores forem diretores-
executivos de uma empresa, empregue um tom adequadamente respeitoso e
formal (o que não significa ser bajulador ou subserviente). Não confunda
formalidade com rigidez. O tom formal pode atrair e envolver o leitor; o rígido
irá entediá-lo.
A questão óbvia permanece: o que fazer quando não se sabe quem serão os
leitores? A melhor política consiste em pecar pelo excesso de cautela – supor
que tenham alto nível de exigência, porém pouco conhecimento técnico sobre o
assunto.
O resultado deverá ser um tom razoavelmente formal, com vocabulário não
muito técnico e facilmente compreensível, além de conter análises e explicações
razoavelmente metódicas a respeito do conteúdo – como neste livro, e na maior
parte das obras de não-ficção direcionadas ao público não especializado.
Acima de tudo, lembre-se de que alguém tem de se esforçar para que a
comunicação ocorra com sucesso. O esforço da escrita é inversamente
proporcional ao da leitura: quanto mais trabalho você realizar como escritor,
menos trabalho seu leitor terá. E vice-versa. Se você relaxar, será o leitor que
fará a maior parte do trabalho – ou não: ele poderá simplesmente considerar o
seu texto ilegível e deixá-lo de lado.
Lapsos de Lógica
A importância da lógica para os escritores não se restringe à gramática e ao
uso. Funciona como um parâmetro para o conteúdo também – a consistência das
ideias expressas, a ordem na qual são apresentadas, a validade das relações entre
elas.
Bem, dona Laurinda disse que exceção se escreve com cê-cedilha, e ela é
professora.
?? Vinho para mim, não, obrigado – partirei para a Amazônia na semana que
vem.
?? Bem, dona Laurinda disse que exceção é com cê-cedilha, e ela é canhota.
Nesses casos, as lacunas são muito amplas para que o leitor ou o ouvinte as
preencham sem ajuda. A pessoa que fala ou escreve deixou de fora alguns elos
de coerência cruciais entre a primeira e a segunda metades da frase em cada
exemplo. A exposição completa e adequada das três observações obscuras
poderia ser assim:
Vinho para mim, não, obrigado. Tomei algumas vacinas hoje à tarde por
causa da viagem que farei à Amazônia na semana que vem. As injeções podem
provocar tonteira, e o médico avisou que esse efeito colateral, somado ao álcool,
poderia me derrubar.
Bem, dona Laurinda disse que exceção se escreve com cê-cedilha, e ela deve
saber o que diz: ela é canhota, e os canhotos sabem ortografia muito bem, além
de possuírem outras habilidades de linguagem, devido à maneira diferente pela
qual o cérebro deles funciona.
X Experimente esse composto de ervas. Tomei uma colher de chá esta manhã
e ao meio-dia já me sentia muito bem.
X Briga de galo não é um esporte cruel como muitas pessoas supõem, já que
os galos realmente gostam de levar bicadas.
X Não se pode confiar em um vendedor que não olha o cliente nos olhos
enquanto conversa.
X Logo você, que sempre gostou de carros, agora você quer restringir seu
acesso ao vilarejo?
X Você atiraria num cão raivoso, não atiraria? – Então você deve ser a favor
da pena de morte para assassinos enlouquecidos como o “Maníaco do Parque”.
X Ou foi por burrice, ou foi por descuido que você perdeu a encomenda. De
qualquer forma, merece ser despedido.
Cada oração contém uma alegação oculta – que pode ou não ser justificada.
Se não estiver justificada, o leitor ou ouvinte estará numa situação difícil.
Será incapaz de fornecer uma resposta simples. Em vez disso, o receptor da
mensagem terá de elucidar a pergunta ou assertiva original, ou reconhecer que
ela não foi bem formulada.
As respostas complexas talvez fossem estas:
Não foi estupidez nem descuido – foi um acidente, e com certeza não mereço
ser despedido por isso.
melhor estilo é o estilo claro, e isto quase sempre quer dizer simples. O que
O não significa que devamos optar por um texto insípido: a simplicidade do
estilo permite grandes variações, com uma razoável quantidade de metáforas e
outras figuras de linguagem – e até mesmo, ocasionalmente, um toque irônico ou
floreio dramático. A base, porém, deve permanecer simples, até para permitir
que os adornos se sobressaiam o mais eficaz e claramente possível.
Um bom texto é aquele que requer leitura sem esforço, e não aquele de
difícil compreensão – embora, com frequência, seja necessário um grande
esforço da parte de quem escreve para conseguir tal efeito.
Cuidado para não se deixar seduzir por esse estilo floreado – principalmente
em cartas ou comunicações profissionais cotidianas. Se você tem tendência a
entregar-se a tal estilo “elegante”, corrija a primeira versão de seu texto com
rigor a fim de garantir que ele seja claro e eficaz.
Quem escreve com a intenção de impressionar o leitor raramente alcança seu
objetivo. Quem escreve para expressar seus pensamentos e suas ideias, de forma
clara e sincera, é que normalmente consegue impressionar o leitor. Em outras
palavras, tentar parecer inteligente só aumenta o risco de parecer tolo. A
presunção só comove leitores ingênuos.
Observe dois exemplos de textos presunçosos:
BREVIDADE E CONCISÃO
história passada
perspectivas futuras
hábitos costumeiros
brindes grátis
aviso antecipado
alusão indireta
pré-requisito essencial
nenhuma outra alternativa
fatos reais
consenso geral
consenso de opinião
elo de ligação
hábitat natural
erário público
brigadeiro da Aeronáutica
relíquia do passado
surpresa inesperada
encarar de frente
exultar de alegria
preferir mais
a razão é porque
quando o conheci pela primeira vez
estabelecer um novo recorde mundial
repetir de novo
um mínimo de pelo menos quatro semanas
o principal protagonista da peça
Todos votaram unanimemente a favor.
A entrada está restrita apenas aos portadores de ingresso.
Devem-se acrescentar dois outros pontos.
Houve outras consequências afora a falência e a angústia.
Não há necessidade de um alarme injustificável.
Desde tempos imemoriais, esse sempre foi o costume.
Pela vigésima vez, o comitê volta a se reunir.
Os envelopes encontram-se à disposição numa variedade de cores diferentes.
É hora de modernizarmos estes procedimentos antiquados.
Assim sendo, incluo em anexo uma fotocópia do documento.
Precisamos saber na segunda-feira se você está de acordo ou não.
COERÊNCIA
Você pode preferir, em cada caso, a opção oposta. Sem problemas – desde
que a utilize com coerência.
A coerência aplica-se não só à ortografia e à pontuação, mas também a
aspectos mais complexos, como layout e escolha de construções gramaticais.
Com um pouco de atenção, o autor poderia ter reestruturado o último dos três
itens, estabelecendo paralelismo com os outros dois:
EXPRESSIVIDADE
Estruturação da Frase
Em relação a variações mais sofisticadas, talvez seja preciso empregar uma
estratégia deliberada – manter uma vigília consciente em busca de oportunidades
de usar efeitos estilísticos e estruturas gramaticais específicos: às vezes usar
digamos em vez de por exemplo; ou em lugar de e não em vez de, ou encontrar-
se em posição de apostar em vez de ser capaz de apostar, ou algo nesse gênero
em lugar de algo assim.
Não existe uma lista completa desses expedientes; a seleção abaixo deve
servir como um estímulo para seu talento de variar as estruturas gramaticais.
convencional variado
Isso não significa que o escritor deva Não que o escritor vá criar variações
criar variações apenas para parecer apenas para parecer diferente.
diferente.
Essas observações vão se mostrar Essas observações serão inestimáveis
inestimáveis quando você se preparar no momento em que você se preparar
para as futuras entrevistas. para as entrevistas futuras.
Eu já falei bastante sobre o primeiro Já basta do primeiro incidente. O
incidente. Agora vamos discutir os outro caso, ocorrido em Goiânia,
problemas semelhantes gerados pelo levanta problemas semelhantes:...
incidente em Goiânia.
Vamos agora tratar da questão da Tratemos agora da questão da
compensação. compensação.
Se você exigir muito ou abusar de sua Exija muito ou abuse de sua voz e ela
voz, ela vai se exaurir. se exaure.
Este, então, é um problema geral, mas Eis o problema geral. Agora vamos a
ainda vamos precisar discutir seu seu papel específico nele.
papel específico nele.
Se você falar mais com mais eficácia, Quanto mais eficaz seu discurso, mais
as pessoas o escutarão com mais atentamente as pessoas o escutarão.
atenção.
Outro exercício útil para o pescoço é o Outro exercício útil para o pescoço é
seguinte: baixe a cabeça para a frente baixar a cabeça para a frente e alongar
e alongue os músculos da parte os músculos da parte posterior do
posterior do pescoço. pescoço.
Seus músculos faciais tornar-se-ão Seus músculos faciais vão se tornar
mais expressivos. Como resultado, mais expressivos. Resultado: você vai
você irá comunicar-se de modo ainda se comunicar de modo ainda mais
mais eficaz. eficaz.
A razão por que ele soa tão natural é dupla: primeiro, ele se liga
elegantemente ao primeiro período, iniciando-se com uma expressão que remete
à frase anterior; segundo, recorre ao modelo de parágrafo bastante comum em
que se começa com um período com informação conhecida ou recém-anunciada
e se coloca a informação “nova” no fim.
A ordem inversa das palavras, porém, faz mais do que evitar a monotonia.
Ela também pode ajudar a criar vários efeitos literários – dramático, irônico,
emotivo, entre outros:
A vida é uma coisa que quanto mais estica mais curta fica.
- provérbio popular
Figuras de Linguagem
De grande contribuição para a vivacidade da fala e do texto escrito é o uso
de figuras de linguagem – expressões nas quais as palavras são empregadas em
sentido diverso do literal, a fim de criar uma imagem dramática ou uma
impressão forte na mente do leitor ou ouvinte.
Eis aqui uma lista das figuras de linguagem e dos recursos retóricos mais
conhecidos. Seja criterioso ao empregá-los, pois seu uso excessivo pode
prejudicar seu texto. A linguagem figurativa é como o açúcar ou o tempero: ser
for usada com exagero, deixa de dar prazer e torna-se enjoativa. Tente incorporar
alguns deles (quando for apropriado) em qualquer coisa que você escreva: isso
ajuda a prender a atenção do leitor e até mesmo a argumentar em favor dos seus
pontos de vista.
é dia de feira
quarta-feira, sexta-feira
não importa, a feira
é dia de feira
quem quiser pode chegar
vem maluco, vem madame
vem maurício, vem atriz
pra comprar comigo.
- Marcelo Yuka, “A feira” (do disco Rappa mundi)
Mas essa figura – como qualquer outra – não deve ser utilizada
repetidamente. Não submeta seus leitores a um “interrogatório retórico”.
Seja cuidadoso também ao utilizar metáforas: em excesso, elas tornam o
texto “enjoativo”. Uma metáfora pode ser construída ao longo de um texto
extenso ou com poucas palavras – o que importa é que ela seja precisa:
O símile, como a metáfora, exprime uma ideia com imagens que a princípio
não teriam nada a ver com ela.
Há ruas oradoras, ruas de meeting – o Largo do Capim que assim foi sempre,
o Largo de S. Francisco; ruas de calma alegria burguesa, que parecem sorrir com
honestidade – a Rua de Haddock Lobo; ruas em que não se arrisca a gente sem
volver os olhos para trás a ver se nos vêem – a travessa da Barreira; ruas
melancólicas, da tristeza dos poetas; ruas de prazer suspeito próximo do centro
urbano e como que dele muito afastadas; ruas de paixão romântica, que pedem
virgens loiras e luar.
- João do Rio, A alma encantadora das ruas
Em alguns casos, as metáforas são tão sugestivas que atraem a atenção mais
para si mesmas do que para os assuntos a que se referem. É o que acontece nessa
passagem, de um talentoso romancista.
O céu jogava tinas de água sobre o noturno que me devolvia a São Paulo.
Para evitar excessos desse tipo, os escritores algumas vezes vão longe
demais na direção oposta – empobrecem o texto ao empregar apenas metáforas e
símiles muito usuais, que podem ser simples clichês – ? coroado de êxito, ?
cortina de fumaça, ? dizer cobras e lagartos, ? leve como uma pena. Essas
expressões não evocam uma imagem vívida na mente do leitor. O mesmo vale
para metáforas que são meras adaptações de expressões correntes: ? estabelecer
uma ponte em vez de fazer uma ponte, ? não alcançar o alvo em lugar de errar
o alvo.
Por fim, cuidado com o poder de fascinação da metáfora. Assim como a
poesia, também a propaganda vive das figuras de linguagem: rios de dinheiro é
algo muito mais persuasivo e empolgante do que um simples prêmio. Não abuse
da linguagem metafórica dessa forma nem tampouco se deixe manipular por ela.
Comparar uma realidade a algo bastante diferente não é transformar essa coisa
naquela realidade.
X Você fica em cima do muro, com a cabeça enterrada no chão, como um avestruz.
A tentativa de produzir frases de efeito pode resultar em textos de mau gosto. Os termos
devem ser escolhidos com cuidado, para que a frase não soe agressiva ou depreciativa. O
autor de jogos de palavras, símiles e metáforas pouco elegantes tende a ser ofensivo ou
parecer ridículo, como essas declarações de políticos publicadas por uma revista:
A noite densa e escura foi cortada ao meio, separada em dois blocos negros de sono.
Onde estava? Entre os dois pedaços, vendo-os – o que já dormira e o que ainda iria dormir
–, isolada no sem-tempo e no sem-espaço, num intervalo vazio. Esse trecho seria
descontado de seus anos de vida.
O teto e as paredes uniam-se sem arestas, caladas, de braços cruzados, e ela estava
dentro de um casulo. Joana espiou-o sem pensamentos, sem emoção, uma coisa olhando
para outra coisa. Aos poucos, de um movimento com a perna, nasceu-lhe longinquamente
a consciência misturada a um gosto de sono na boca, estirando-se depois por todo o
corpo. O luar empalidecia todo o quarto, a cama.
- Clarice Lispector, Perto do coração selvagem
Quando se depara com um texto como esse, o leitor tem de decifrar, um a um, o
significado embutido em cada imagem e, ao mesmo tempo, perceber as relações
existentes entre esses significados – como as que vinculam elementos em um conjunto.
Observe, por exemplo, o trecho citado acima. Várias metáforas (blocos negros de sono, ela
estava dentro de um casulo) se sucedem, e o trecho ainda contém figuras de linguagem
como a personificação (paredes caladas, de braços cruzados, o luar empalidecia todo o
quarto). O leitor acompanha facilmente a sucessão de imagens e consegue correlacioná-
las para compor em sua imaginação a situação e as sensações da personagem.
Infelizmente, são poucos os escritores que têm talento para harmonizar várias metáforas e
outras figuras de linguagem em uma mesma passagem. Na maioria dos casos, os
exageros resultam em sobrecarga improdutiva de informações cruzadas.
O excesso de metáforas pode ser tão prejudicial à comunicação quanto um outro tipo de
jogo de palavras comentado adiante: o trocadilho infame. Existem também outros três tipos
de efeitos indesejáveis, menos célebres: a metáfora dúbia, a metáfora imprópria e o
idiomatismo (ou clichê) confuso.
?? desemaranhar a ordem
?? dispersar erros
?? assentar uma decisão
Zig – ora direis – não parece nome de gente, mas de cachorro. E direis muito bem, porque
Zig era cachorro mesmo. Se em todo o Cachoeiro era conhecido por Zig Braga, isso
apenas mostra como se identificou com o espírito da Casa em que nasceu, viveu, mordeu,
latiu, abanou o rabo e morreu.
- Rubem Braga, Histórias do homem rouco
Os dois cronistas provocam risos no leitor porque encontram empregos inusitados para
expressões familiares – grandes partidas, não parece nome de gente.
Mas, a menos que você se sinta totalmente seguro, não arrisque tais malabarismos em
seus textos ou discursos. Procure antes garantir que os idiomatismos e as figuras de
linguagem usados tenham coerência entre si.
Uma vez começado um novo período ou – o que é ainda mais seguro – uma nova ideia,
você pode lançar mão de outra imagem sem correr o risco de criar uma mistura de
metáforas. Mas, como sempre, cuidado para não exagerar nos efeitos que incluir em seu
texto.
Um cocheiro filósofo costumava dizer que o gosto da carruagem seria diminuto, se todos
andassem de carruagem.
Crê em ti; mas nem sempre duvides dos outros.
Não se compreende que um botocudo fure o beiço para enfeitá-lo com um pedaço de pau.
Esta reflexão é de um joalheiro.
Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens, que de um terceiro
andar.
- Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas
Jogos de Palavras
Os jogos de palavras propositais servem como estímulo para o leitor – desde
que convenham ao contexto e não soem forçados. Você pode até aventurar-se a
empregar uma rima de vez em quando ou arriscar uma leve aliteração. E um
trocadilho ou paradoxo podem aguçar a atenção.
Eis alguns paradoxos, epigramas (pequeno texto mordaz) e ditos populares
alterados que podem dar um colorido especial a seus textos, se usados com
moderação e sensatez:
Não há gênio que não tenha, de vez em quando, a nostalgia da burrice. Aliás,
um dos traços do gênio é o seu nenhum escrúpulo em ser imbecil de vez em
quando. (Nelson Rodrigues)
Políticos brasileiros em campanha soltam tantas pérolas que não abrem mais
a boca. Abrem as ostras. (José Simão)
Não parece muito estimulante, não é? O texto pode ser claro e preciso, mas
também é tedioso.
Um início cativante, por outro lado, prende a atenção do leitor e garante a
continuidade da leitura. Veja, por exemplo, a seleção de aberturas de texto no
quadro abaixo. Se você apanha um livro e lê um primeiro período ou parágrafo
como esses, é preciso enorme força de vontade para deixá-lo de lado sem
prosseguir na leitura.
INTRODUÇÕES INTERESSANTES
Aqui estão alguns parágrafos de abertura de romances escritos por grandes autores.
Qualquer leitor fica curioso para saber de que trata o livro. Textos não ficcionais também
podem conquistar o interesse do leitor logo nas primeiras linhas. Em menor escala, mesmo
o mais humilde relatório de negócios consegue se favorecer de um começo incisivo, que
estimule o leitor prejudicado a prestar mais atenção.
Tinham dado onze horas no cuco da sala de jantar. Jorge fechou o volume de Luís Figuier
que estivera folheando devagar, estirado na velha voltaire de marroquim escuro,
espreguiçou-se, bocejou e disse:
– Tu não vais te vestir, Luísa?
– Logo.
- Eça de Queirós, O primo Basílio
Do que eu gostava mais no Jardim Zoológico era do rinque de patinação sob as árvores e
do professor preto muito direito a deslizar para trás no cimento em elipses vagarosas sem
mover um músculo sequer, rodeado de meninas de saias curtas e botas brancas, que, se
falassem, possuíam seguramente vozes tão de gaze como as que nos aeroportos
anunciam a partida dos aviões, sílabas de algodão que se dissolvem nos ouvidos à
maneira de fins de rebuçado na concha da língua.
- António Lobo Antunes, Os cus dos Judas
Pelas nove da manhã desse dia de Setembro cheguei enfim à estação de Évora. Nos
meus membros espessos, no crânio embrutecido, trago ainda o peso de uma noite de
viagem. Um moço de fretes abeira-se de mim, ergue a pala do boné:
– É preciso alguma coisa, senhor engenheiro?
- Virgílio Ferreira, Aparição
Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam,
focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em
cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a
leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara
impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte.
- Mia Couto, Terra sonâmbula
Pelas cinco horas duma tarde invernosa de outubro, certo viajante entrou em Corgos, a pé,
depois da árdua jornada que o trouxera da aldeia do Montouro, por maus caminhos, ao
pavimento calcetado e seguro da vila: um homem gordo, baixo, de passo molengão;
samarra com gola de raposa; chapéu escuro, de aba larga, ao velho uso; a camisa
apertada, sem gravata, não desfazia no esmero geral visível em tudo, das mãos limpas à
barba bem escanhoada; é verdade que as botas de meio cano vinham de todo
enlameadas, mas via-se que não era hábito do viajante andar por barrocais; preocupava-o
a terriça, batia os pés com impaciência no empedrado.
- Carlos de Oliveira, Uma abelha na chuva
Exemplos
O tema ou a mensagem de um texto costuma vir expresso numa declaração
um tanto vaga ou abstrata, ou numa advertência ou comando generalizado:
Quando você vê um certo azul e se lembra dos olhos de uma certa pessoa,
está fazendo uma associação por semelhança; quando você evoca essa pessoa ao
olhar um isqueiro que ela lhe deu de presente, está fazendo uma associação por
contiguidade.
- Décio Pignatari, O que é comunicação poética
Bem, não foi exatamente isso que ele disse. As verdadeiras palavras que
Churchill usou, em mais de uma ocasião, mas que se tornaram famosas num
discurso proferido na Casa dos Comuns em 13 de maio de 1940, foram as
seguintes:
? Uma cópia de nossa nova Política de Recursos Humanos segue anexa para
seu conhecimento... A fim de que tenhamos a oportunidade de nos preparar para
as exigências dessa nova política, e nos adaptarmos a elas, sua implementação só
ocorrerá a partir de 1º de janeiro de 1999...
Muito apreciaremos sua compreensão e cooperação no cumprimento desta
política.
- memorando de uma empresa
O ATRATIVO DA ABSTRAÇÃO
Note como no seguinte trecho do conto “A flor de vidro” o autor criou uma situação que
parece ser a manifestação concreta das circunstâncias descritas na passagem bíblica:
Da flor de vidro restava somente uma reminiscência amarga. Mas havia a saudade de
Marialice, cujos movimentos se insinuavam pelos campos – às vezes verdes, também
cinzentos. O sorriso dela brincava na face tosca das mulheres dos colonos, escorria pelo
verniz dos móveis, desprendia-se das paredes alvas do casarão. Acompanhava o trem de
ferro que ele via passar, todas as tardes, da sede da fazenda.
- Murilo Rubião, O pirotécnico Zacarias e A casa do girassol vermelho
Cariba acreditou que a demora poderia ser atribuída a algum comboio de carga
descarrilado na linha, acidente comum naquele trecho da ferrovia. Como se fizesse
excessivo o atraso e ninguém o procurasse para lhe explicar o que estava ocorrendo,
pensou numa provável desconsideração à sua pessoa, em virtude de ser o único
passageiro do trem.
Em que tipo de sociedade vivemos nós, habitantes deste tardio século XX?
Em mais de um, bem entendido. Os ingleses, os americanos ou os paulistas, por
exemplo, vivem quase todos numa sociedade industrial tipicamente
superurbanizada. Mas os papuas da Nova Guiné e os aborígines da Austrália
ainda estão na cultura paleolítica; e os membros da tribo do cacique Juruna são
índios aculturados, isto é, recém-colocados em contato sistemático com a
tecnologia e os valores da civilização moderna. Tudo isso significa que nossos
contemporâneos residem em mais de um tempo histórico, e que esses tempos,
que são como camadas na geologia da civilização, nem sempre se tocam.
- José Guilherme Merquior, A natureza do processo
? Em que tipo de sociedade vivemos nós, habitantes deste tardio século XX?
Em mais de um, bem entendido. Os ingleses, os americanos ou os paulistas, por
exemplo, vivem quase todos num estágio de industrialização cujas características
são típicas de grupos que atingiram um avançado nível no processo de
desenvolvimento de recursos industriais. Mas os papuas da Nova Guiné e os
aborígines da Austrália ainda estão no estágio cultural paleolítico; e as pessoas
pertencentes à tribo do cacique Juruna são índios que passaram por processo
pelo qual assimilaram, adotaram ou rejeitaram elementos culturais alheios, isto
é, apenas recentemente tiveram contato sistemático com o conjunto de
conhecimentos e os princípios morais próprios das sociedades que atingiram
certo grau de desenvolvimento tecnológico, econômico e intelectual.
A segunda versão não é muito menos agradável de ler, além de menos clara?
Também os escritores profissionais, que deveriam estar imunizados contra o
excesso de abstração, surpreendentemente sucumbem com frequência à
“abstratite”.
? Antes de prosseguir, quero definir alguns termos operacionais. Neste texto,
considero pertencer à essência de alguma coisa aquilo que, ao ser dado, necessita
que seja posta a própria coisa e que, ao ser suprimido, necessita que seja
suprimida a própria coisa; ou aquilo sem o qual a coisa não pode nem ser nem
ser concebida e que, vice-versa, não pode nem ser nem ser concebido sem a
coisa.
- Antonio Cicero, O mundo desde o fim
Jargão
Se as seguintes citações tivessem sido escritas para especialistas, sua
redação estaria apropriada.
Mas trata-se de três obras destinadas ao público leigo: um guia de leitura de
um romance para iniciantes, um manual de primeiros socorros e uma matéria de
jornal. As áreas de conhecimento são diferentes (Literatura, Medicina e
Economia) mas a impropriedade no emprego da linguagem especializada é a
mesma.
Na série de estudos do passado social brasileiro iniciada com Casa grande &
senzala, Sobrados e mocambos foi o segundo ensaio dedicado por nós à
reconstituição e à interpretação – ou à tentativa de interpretação e de
reconstituição – do patriarcado ou da família tutelar no Brasil. Aparece agora, do
mesmo modo que aquele primeiro estudo, sob o título geral de Introdução à
história da sociedade patriarcal no Brasil.
É nosso propósito procurar completar a série com outros dois ensaios: Ordem
e progresso, dedicado ao estudo da transição do trabalho escravo para o livre em
nosso país e ao processo, na sua última fase, de desintegração das sociedades
patriarcal e semipatriarcal entre nós, e Jazigos e covas rasas, que será uma
tentativa de estudo não só dos métodos como da mística de sepultamento em
nossa sociedade patriarcal, considerados esses métodos e essa mística como
extensão do complexo patriarcal de segregação e de sobrevivência de família e
de expressão do espírito patriarcal de casta, em contraste com o descaso pelos
mortos quando escravos pagãos e extradomésticos, ou indivíduos pobres, ou sem
eira nem beira.
Observe agora como outro autor, da mesma área, emprega o jargão de tal
maneira que seria preciso “traduzir” a passagem para que o leitor comum
pudesse entendê-la.
O uso do jargão não é condição sine qua non para a formulação de reflexões
especializadas. Mesmo escrevendo para um público que tenha trânsito no campo
de conhecimento em questão, há muitos autores que preferem uma linguagem
acessível a todos.
Quando nos colocamos ante uma obra, ou sucessão de obras, temos vários
níveis possíveis de compreensão, segundo o ângulo em que nos situamos. Em
primeiro lugar, os fatores externos, que a vinculam ao tempo e se podem resumir
na designação de sociais; em segundo lugar o fator individual, isto é, o autor, o
homem que a intentou e realizou, e está presente no resultado; finalmente, este
resultado, o texto, contendo os elementos anteriores e outros, específicos, que os
transcendem e não se deixam reduzir a eles.
- Antonio Candido, Formação da literatura brasileira
Jargão que oculta significados. O terceiro e pior tipo de abuso do jargão: sua
utilização para obscurecer ou ocultar os sentidos das palavras. Em vez de
especificar ou matizar determinado significado como faz o “bom” jargão, o
“mau” jargão é criticado exatamente por sua falta de clareza.
É o jargão típico dos discursos oficiais, nos quais tudo tem que ser dito, mas
sempre de maneira a não provocar desagrado na população. Observe, na
entrevista abaixo, como as respostas são pouco esclarecedoras para o leitor
médio:
O GLOBO: Nestes quatro meses que faltam para as eleições, o governo está
evitando tomar decisões que possam amarrar o sucessor?
O GLOBO: O que o governo acha legítimo que deve ser feito até outubro?
Clichês
Os clichês têm sua utilidade. Eles servem como um tipo de código em cartas
informais ou comunicações apressadas. Descrever uma desavença familiar como
uma tempestade em copo d’água ou muito barulho por nada é um modo de
comunicar um pensamento simples com bastante eficácia. Economiza o tempo e
o trabalho do escritor, dispensando-o de procurar uma metáfora nova (como
Fulano, Beltrano e Sicrano transformam lagartixa em jacaré) ou elaborar uma
explicação complicada e longa (como uma exposição exacerbada de nossas
diferenças, desproporcional à questão corriqueira que a causou). E economiza o
tempo e o trabalho do leitor, que teria de decodificar tal reformulação.
Em redações menos informais, porém, as objeções aos clichês se justificam.
Como a linguagem é o espelho do pensamento, a linguagem corriqueira e pouco
criativa dos clichês sugere um pensamento igualmente corriqueiro e pouco
criativo. Muitas vezes, os leitores ou ouvintes podem considerar as opiniões de
quem emprega clichês como de segunda mão. As pessoas acham que, se o
escritor não se dá ao trabalho de expressar suas ideias de forma original ou
cuidadosa, então ele provavelmente tem preguiça também de analisar seu tema
de forma original e cuidadosa. Justa ou injustamente, esse autor costuma ser
considerado inoportuno – um pouco como o chato que está sempre contando
piadas velhas.
A palavra clichê vem do francês. Seu sentido literal nessa língua é
“estereótipo” ou “estereotipado”. Estereótipo, originalmente, era uma placa de
metal para impressão forjada em um molde. (O verbo francês que se refere a
esse processo, clicher, desenvolveu-se em imitação ao som produzido quando a
matriz, ou molde do tipo, era depositada no metal derretido para fazer uma placa
de estereótipo.) Dessa imagem de uma placa de impressão que produz a mesma
página repetidamente, originou-se o sentido de uma frase, ideia ou cena que já
foi empregada demasiadas vezes – uma expressão sem originalidade, um lugar-
comum, um clichê.
Os clichês estão disponíveis em vários formatos e tamanhos (para usar um
clichê). Eis uma sugestão de inventário das variedades dos clichês, com alguns
exemplos para cada um. Naturalmente, existe certa sobreposição entre eles.
CLICHÊS DO MOMENTO
Em uma de suas crônicas, o escritor Jair Ferreira dos Santos fez um comentário bastante
ácido sobre o emprego de bordões:
Por mais que elas pontuem esses bordões com aqueles trejeitos marotos que fazem a
ventura do ser mulherzinha, por mais graciosas que fiquem com os olhinhos fingindo
espanto, me desculpem a franqueza – ninguém merece!
(...)
O fenômeno não tem nada a ver com o empobrecimento de linguagem que tempos atrás
sequestrou o “a nível de” dos discursos acadêmicos e o deixou exclusivo de homens e
mulheres que precisassem de um viagra intelectual na hora de demonstrar empáfia verbal.
O papo agora é outro. Antes simulava-se sabedoria. A língua agora mexe-se na direção do
espanto afirmativo. Com certeza!
Essas mulheres parecem todas inspiradas pela dona Jura, de O Clone, e querem para si
um bordão como o “Não é brinquedo não!”. Poucas se deram ao trabalho de cunhar um
bordão exclusivo, como fez uma das repórteres desta revista – que hoje, muito orgulhosa,
benze cada uma de suas frases de euforia jornalística e existencial com o “sou louca de
paixão” servindo de liga entre as orações. Em geral, no entanto, suas colegas de moda
oral apostam no consagrado. Se lhes fosse pedida uma explicação do prazer que sentem
nisso, de onde vem a nova onda, com certeza diriam: “Fala sério! Não tô podendo!”
- Jornal do Brasil, 10 de março de 2002
É preciso dosar também o uso das gírias. Essas novas palavras, ou novos sentidos, que
surgem e eventualmente desaparecem em pouco tempo podem significar uma renovação
no vocabulário. Se usadas em excesso, porém, acabam por empobrecê-lo. Se todo
acontecimento for uma parada, se tudo o que parecer bom ou ruim demais for sinistro,
então como será possível comunicar as pequenas diferenças existentes entre as coisas e
suas qualidades?
Um tipo particularmente comum de expressão idiomática transformada em
clichê é o “dueto”– duas ou três palavras que parecem ser uma combinação
inseparável, estar sempre juntas como “unha e carne”:
gregos e troianos
móveis e utensílios
sem pé nem cabeça
longo e tenebroso inverno
nem tanto ao mar nem tanto à terra
cobras e lagartos
carreira meteórica
obra faraônica
parcos conhecimentos
silêncio sepulcral
perdidamente apaixonado
hermeticamente fechado
morto prematuramente
cara-metade
Cidade Luz
Pulmão da Terra
Galinho de Quintino
la dolce vita
by the way
c’est la vie
politicamente correto
tecer comentários
costurar acordos
chegar a um denominador comum
administrar a vitória
demanda de usuários
despencar (ações)
oportunidade de mercado
foco no cliente
otimizar o desempenho
disponibilizar recursos
vantagem competitiva
Modismos
Modismos são termos que caem de repente no gosto popular – às vezes por
pouco tempo. Eles permeiam igualmente as conversas cotidianas e o jornalismo
pretensioso: parâmetro, a nível de, gratificante, enfim, e assim por diante.
Os modismos têm características tanto de jargão quanto de clichê – de um
lado, como o jargão, supõe-se que impressionem os ouvintes ou leitores e
confiram status aos que os utilizam; de outro, como os clichês, muitas vezes são
um veículo sem sentido, antigo e impreciso de expressão de uma ideia.
TIPOS DE MODISMO
E quanto aos seguintes termos? Você saberia dizer qual é sua origem?
palavras que possuem uma ampla gama de sentidos e que podem ser usadas
repetidas vezes, como uma peça de roupa versátil, em contextos muito diferentes.
O escritor não precisa adaptar seu vocabulário a nenhuma ocasião especial. Por
que se esforçar para encontrar uma palavra específica e exata que expresse sua
ideia, quando há um modismo que pode ser mais ou menos adequado? (Isso não
significa que esses termos nunca devam ser empregados – mas é bom estarmos
atentos para não usá-los quando existirem palavras mais precisas e expressivas.)
Esses termos às vezes são usados não como um substituto fácil para uma palavra mais
exata, mas como uma peça desnecessária de “estofo verbal”.
Expressões enxutas como especialistas em física nuclear podem ser aumentadas para
especialistas no campo da física nuclear. O velho tempo chuvoso soaria mais imponente
como condições climáticas de umidade.
ambiência = ambiente
arquetípico = típico
conceitualizar = explicar
contabilizar = somar
demanda = procura
detonar = desencadear
discutir = conversar
elenco = grupo
escalada = aumento
extrapolar = exagerar
finalizar = terminar
global = mundial
implementar = executar, realizar
literatura = informações impressas
manipular = controlar
mentalidade = atitude
mínimo = pequeno
monitorar = acompanhar
motivar = incentivar
no sentido de = para
objetivar = pretender
palpável = evidente
patamar = nível
penalizar = punir
percepção = opinião
posicionamento = posição
pragmático = prático
sabotar = estragar, destruir
significativo = importante
sinalizar = indicar
subjetivo = pessoal
usuário = cliente
Estas são palavras adotadas com o intuito de transmitir seriedade ou parecer estar “por
dentro”:
cruzada = campanha
fogo cruzado = ataque
freios = limites
in = na moda
intelligentsia = a classe intelectual
lance = fato, acontecimento
malhar = criticar
mordaça = censura
out = fora de moda
produzir resultados = realizar, conseguir
relaxar = acalmar-se
sondagem = investigação, pesquisa
bomba = surpresa
cirurgia plástica = melhoria
disparar = afirmar
gorduras = excessos
homem forte = déspota
liquidar = matar, destruir
maquiar = disfarçar
maratona = atividade de longa duração
orquestrar = organizar deliberadamente
reflexo = automático
traumatizado = em sofrimento moral
Eufemismo
Dizer a um empregado Você está dispensado demonstra mais sensibilidade
do que lhe dizer Você está despedido. Falar de uma doença social em vez de uma
má distribuição de renda é desnecessariamente tímido e cauteloso.
O eufemismo – uso de uma palavra ou expressão inofensiva no lugar de uma
que pode soar agressiva de tão explícita – apresenta dois lados: de um, a
delicadeza; do outro, o excesso de tato. A linha divisória entre eles é tênue, e
varia de contexto para contexto. Usar o verbo morrer ao consolar parentes
enlutados pode ser arriscado: um eufemismo como descansar se ajustaria ao
propósito. Mas, em outros contextos, esse recurso seria ridículo e inadequado: ??
A polícia invadiu o local atirando: três integrantes da gangue descansaram na
hora, e os outros dois ficaram gravemente feridos.
Fique atento ao seu público e ao contexto: a partir deles você pode optar por
usar ou evitar eufemismos.
Além disso, tenha consciência de alguns perigos:
TIPOS DE EUFEMISMO
Para muitas pessoas cuja imagem diante de um público pode ser afetada pela palavra –
políticos, porta-vozes, publicitários, coordenadores de campanhas etc. –, o eufemismo é
uma das armas preferidas. Redatores publicitários, por exemplo, com medo de alarmar
clientes em potencial, amenizam a dura realidade: uma embalagem tamanho econômico
ou padrão (pequena), um bilhete na classe econômica (barata), roupas para mulheres
cheinhas (gordas), filmes para adultos (pornográficos).
Em geral, o melhor termo para se designar uma adaga é adaga. Não pense que precisa
mostrar o quanto você é direto e objetivo chamando-a de espada mortal. Entretanto, não
vá para o outro extremo – atraindo igualmente atenção indesejada – chamando-a de arma
branca pontiaguda maior do que o punhal.
Gíria
Quase por definição, a escrita formal deve, em geral, evitar gírias e outros
tipos informais de linguagem. Em geral, e não sempre. A gíria possui diversas
virtudes que tornam válido seu uso ocasional na maioria dos textos cotidianos.
Uma de suas vantagens é o fato de ser direta e despretensiosa: não esquente
a cabeça. Acima de tudo, a gíria é também viva e criativa, às vezes incorporando
toques onomatopaicos – cricri, zanzar, zapear – e metáforas expressivas.
Fala Barato
Fala barato é aquele sujeito que fala demais, que fala pelos cotovelos, aquele
tagarela.
Falhanço
Fiasco, não deu certo, o time foi lá e foi um falhanço…
- Mário Prata, Schifaizfavoire – Dicionário de português
O termo tubarão, por exemplo, pode expressar sua ideia – assim como seus
sentimentos – com muito mais eficiência do que empresário ganancioso, e de
forma bem mais econômica do que empresário ganancioso que faz qualquer
coisa para aumentar os lucros. A imagem facilmente visualizada de um tubarão
e a ideia de crueldade a ele associada contribuem para um forte e efetivo ato de
comunicação. De forma semelhante, chamar alguém de galo de briga é
caracterizá-lo sem ambiguidade – e de forma mais contundente – do que chamá-
lo de sujeito brigão ou com comportamento agressivo.
O efeito de choque da gíria pode ajudar muito no combate ao tédio da prosa
formal. O que dispersa a monotonia é precisamente a mudança de tom. Uma
gíria bem empregada na maioria das vezes surpreende o leitor e traz de volta ao
texto a sua atenção, tanto quanto uma piada repentina ou um floreio dramático.
Discriminação na Linguagem
Seja qual for sua posição em relação ao machismo, ao racismo, à xenofobia
ou a qualquer outra forma de discriminação, é preciso ficar alerta para as
conotações preconceituosas na redação tradicional e reduzi-las o máximo que o
texto permitir e o leitor esperar.
Algumas escolhas são muito simples. No caso do sexismo, por exemplo, na
maioria dos contextos refira-se às mulheres como mulheres, e não como
senhoras (que pode soar como um tratamento condescendente ou deferente em
excesso) ou garotas (que quase sempre soa como se as estivesse diminuindo).
Escreva simplesmente o nome e sobrenome da mulher, sem usar dona ou
senhora.
Sempre que possível, evite palavras antiquadas que expressem uma atitude
degradante em relação às mulheres, especialmente quando o termo masculino
equivalente não existe ou não possui um tom negativo correspondente:
solteirona (solteirão), concubina (sem equivalente masculino) etc.
Às vezes, a única forma neutra possível é uma palavra muito diferente. Em
vez de aeromoça, prefira comissária de bordo ou atendente de vôo; em lugar de
cameraman, use operador/operadora de câmera; dê preferência a língua de
origem em vez de língua materna, e reunião de pais e mães em vez de reunião
de pais.
Algumas outras tentativas de “neutralizar” termos sexistas também tendem a
gerar controvérsia: homem pode dar lugar a humanidade. Faça sua escolha, mas
saiba que é provável que você irrite alguns leitores, qualquer que seja a decisão
tomada.
Outros termos há muito cunhados e muito úteis parecem trazer um
preconceito sexista inextirpável – homem de confiança, por exemplo. No
entanto, eles não podem ser adaptados, e boicotá-los simplesmente empobreceria
a língua. A solução para esse tipo de problema deve ser buscada caso a caso.
Nesse aspecto, porém, o maior problema reside nos pronomes ele, o e
aquele. Assim como homem, esses termos são muitas vezes usados com sentido
neutro – Todo aquele que se atrasar será suspenso –, apesar da inegável
conotação masculina. Neste exemplo, em particular, pode-se tentar encontrar
uma redação não sexista empregando-se a forma de tratamento de segunda
pessoa – Se você se atrasar... – ou o pronome quem: Quem se atrasar... Essa
estratégia, porém, resolve apenas o problema da primeira oração. Ainda temos a
desinência de masculino em suspenso, na segunda oração. Com frequência você
vai se ver complicando o texto ao tentar encontrar uma redação “politicamente
correta”.
É aconselhável ainda que se evitem expressões como a situação está preta,
fez uma baianada no trânsito, os gringos que vivem aqui, isso é coisa de
paraíba, eles judiam do povo. Tanto no primeiro como no último exemplo, para
a maioria das pessoas a conotação racial já se perdeu, mas, mesmo assim, se
você não conhece seu leitor, é melhor evitar tais expressões.
Editando o Seu Texto
Levantamento do Material
Quanto ao que escrever, existem três técnicas básicas para gerar ideias: a
reflexão, a discussão e a pesquisa.
Reflexão. Por mais óbvio que pareça, o primeiro estágio é, com muita
frequência, ignorado: pare e pense. Por exemplo, para preparar aquela carta de
condolências que você precisa escrever, esqueça os sentimentos banais e
expressões tradicionais por um momento, e concentre a atenção nos fatos em
questão.
Qual era a sua relação com quem morreu? A morte foi súbita ou já era
esperada? O que você sabe sobre a pessoa a quem está escrevendo? Que tom
deve adotar com ela? Formal? Familiar? Ela se sentiria confortada se você
mencionasse as virtudes do morto, ou isso só viria aumentar-lhe o sofrimento?
Seria apropriado incluir algumas reminiscências pessoais? Em caso afirmativo,
quantas e quais? Seria útil ou soaria professoral você oferecer conselhos sobre
como enfrentar a situação?
Esse tipo de autoquestionamento fará com que surjam frases em sua mente.
Anote-as à medida que lhe forem ocorrendo. Em seguida, você poderá rearrumá-
las num esquema, que servirá como base para a carta.
Discussão. Por que duas cabeças pensam melhor do que uma? Não
necessariamente porque um interlocutor tenha alguma nova ideia a acrescentar
ao texto. Muitas vezes trata-se simplesmente de uma questão de estimular mais
ideias em si próprio ou refinar ideias anteriores forçando-se a explicá-las com
clareza a alguém. Aquele relatório que você está escrevendo para o chefe,
digamos, ou aquela carta de reclamação ao Procon: as chances são de que ambos
sejam mais incisivos se você antes desenvolver e testar suas ideias numa
conversa com um amigo ou colega de trabalho – mesmo que a pessoa saiba
muito pouco sobre o tema. O participante de uma discussão pode servir
meramente como uma “cobaia”, mas esta é, a seu modo, uma função muito
valiosa.
Se seu interlocutor estiver bem-informado sobre o tema ou analisar a questão
sob um ângulo novo, ou simplesmente tiver uma boa visão crítica, é provável
que contribua com novas ideias. Se possível, discuta seus pontos de vista com
um amigo que tenha recentemente escrito uma carta ou relatório semelhante ao
que você tem que produzir. Ou fale com algum conhecido que tenha experiência
relevante, conhecimento técnico ou informações úteis, e que possa ter dicas
valiosas a dar – por exemplo, o nome do setor ao qual endereçar a reclamação.
Pesquisa. Quando não dispuser de informação para escrever, saia à sua procura
numa biblioteca, por carta ou por telefone, num livro ou numa entrevista.
Em geral pensa-se em pesquisa como algo a ser conduzido em meio a livros,
jornais, cartas e relatórios antigos. Com isso, uma fonte igualmente valiosa pode
ficar de lado: as pessoas. Fale com especialistas – mesmo que eles não saibam
responder a todas as suas perguntas, poderão pelo menos indicar-lhe o livro ou
documento de que você precisa, e assim poupar-lhe tempo de trabalho.
Suponha que você tenha de fazer um relatório sobre a compra de um
aparelho de edição de vídeos para o escritório. Um programa de pesquisa
completo provavelmente incluiria os seguintes passos:
Para conhecer o segredo da boa escrita, a quem mais recorrer senão aos escritores
famosos? O problema é: suas vidas e métodos sugerem que o segredo tem mais a ver
com o hábito de trabalhar do que com sistemas de trabalho. Praticamente a única coisa
que os grandes autores têm em comum é o talento. Seus métodos são quase tão variados
quanto os temas e estilos.
Nicholas Monsarrat, autor de The Cruel Sea [O mar cruel], aparentemente costuma
trabalhar numa rotineira jornada de nove horas diárias, em seu estúdio, começando às 6
horas da manhã. O romancista italiano Alberto Moravia passava um período de três horas
à escrivaninha, todos os dias, entre as 9h e as 12h.
Por mais metódicos que sejam os escritores, nem todos são imunes a manias e
superstições. Melvyn Bragg insiste em esperar até uma segunda-feira para escrever a
primeira palavra de um novo romance. O romancista francês do século 19 Honoré de
Balzac fazia questão de ter uma maçã verde à mesa, e seu compatriota Alexandre Dumas
(pai), criador de Os três mosqueteiros, só escrevia calçado com meias. O romancista e
poeta britânico Muriel Spark escreve exclusivamente em pequenos blocos azul-claros, ao
passo que Roald Dahl prefere grandes cadernos amarelos.
Alguns autores escrevem com extrema rapidez e fluência. Samuel Johnson completou sua
novela Rasselas no período de uma única semana. Balzac era capaz de escrever 200
páginas por semana se fosse necessário; o mesmo ocorria com o romancista francês
Stendhal. Outros artistas escrevem com impressionante lentidão: o grande romancista
Gustave Flaubert, também do século 19, com frequência não conseguia produzir mais do
que duas páginas por semana – às vezes uma única página. Para o clássico Madame
Bovary, foram necessários cinco anos de um angustiante trabalho em tempo integral.
Alguns autores ditam seu trabalho para uma secretária em lugar de escreverem eles
mesmos – Sir Walter Scott, Anthony Trollope e Joseph Conrad adotaram essa prática na
fase final da carreira. Ernest Hemingway escreveu grande parte de sua obra de pé – o
papel pousado em cima de um arquivo, por exemplo. O autor inglês A. N. Wilson digita
sentado na cama.
E uma última observação: entre o estilo dos autores “artesãos” e dos autores “inspirados”,
entre a transpiração e a inspiração, o escritor amador deveria postar-se firmemente do lado
do trabalho metódico. A escrita conduzida pela inspiração pode produzir uma poesia de
maior excelência ou romances mais profundos, mas, para nossos textos do dia-a-dia, ela
não funciona tão bem.
A rotina diária de Anthony Trollope ilustra bem a prática da escrita metódica. Sua
autobiografia registra a assombrosa diligência e a eficiência com que trabalhava. Durante
quase toda a sua vida de escritor, ele teve um emprego de tempo integral como funcionário
público, nos Correios; assim, grande parte de sua imensa produção (mais de 60 livros,
muitos deles romances de três volumes) foi realizada em suas horas de lazer. Muito pouco
ociosas, aliás, pois ao lado de seus deveres nos Correios e de uma vida social agitada, ele
ainda encontrava 15 ou 20 horas livres por semana para escrever.
Dia após dia, ano após ano, Trollope sentou-se à sua escrivaninha entre 5h30 e 8h30,
escrevendo uma média de mil palavras por hora. Ele planejava cada romance
meticulosamente antes de começar a escrevê-lo, preparando um esquema no papel e um
roteiro totalmente desenvolvido na cabeça. Além disso, mantinha gráficos detalhados de
seu progresso a fim de assegurar-se de que tudo caminhava dentro do tempo planejado.
Sua autobiografia afrontou muitos críticos e autores da época. Sua visão direta e prática do
trabalho do romancista roubou da arte – ou do ofício, como Trollope preferia chamá-lo –
todo o glamour e toda a mística. Ele argumentava que a vida do escritor não deveria ser
muito diferente daquela do sapateiro, do estofador ou do coveiro, e deveria ser “guiada por
regras de trabalho semelhantes àquelas que um artesão ou mecânico é obrigado a
obedecer”. Nada de descansar após receber os louros, nada de se entregar a humores
ocasionais ou à indolência. É preciso levar o trabalho adiante, e fazê-lo bem-feito. Este é
um ótimo lema para qualquer pessoa envolvida na tarefa de escrever um texto.
Mãos à Obra
Se a única causa do “bloqueio de criatividade” fosse a falta de informação,
seria possível resolver o problema rapidamente por meio dos três recursos que
acabamos de descrever: a reflexão, a discussão e a pesquisa.
Infelizmente, existe uma segunda causa para o bloqueio – a falta de
dedicação, a simples incapacidade de se sentar e dar continuidade ao ato de
redigir –, e a superação desta é bem mais complicada.
Essa “incapacidade” assume duas formas, a saber: a fuga do trabalho e a
paralisia.
Anote em forma de tópicos todas as ideias relevantes que lhe ocorrem. Uma
vez que estejam seguramente registradas no papel, vão parar de zumbir em
sua cabeça, tirando-lhe a concentração. Nesse momento, você pode tentar
complementá-las e organizá-las em uma estrutura apropriada, que então
formará a base de seu primeiro rascunho. Este passo elementar tem o
benefício extra de fragmentar um projeto grande – fator que talvez seja a
causa da paralisia – em pequenas seções, mais fáceis de tratar e que você
poderá então trabalhar uma a uma, com mais tranquilidade.
Se não conseguir organizar todos os itens em uma estrutura adequada, não
se preocupe – comece a escrever de qualquer forma. Não é necessário
iniciar com o primeiro item da lista – por que não começar com o mais
fácil? Por esse caminho pelo menos você vai poder prosseguir e, uma vez
que tenha ganho impulso, provavelmente vai descobrir que é capaz de
trabalhar alguns dos pontos mais complexos com relativa facilidade. E
poderá colocá-los na sequência apropriada mais tarde.
Nesse estágio inicial, não se preocupe com frases elegantes ou com a
ordenação metódica de suas frases. Siga em frente, não volte para
aperfeiçoar itens anteriores. Registre seus pensamentos no papel – o maior
número deles possível –, independentemente do quanto pareçam
rudimentares. Vai haver tempo suficiente para organizá-los quando chegar o
estágio da revisão. Na verdade, uma redação “rudimentar” desse tipo
costuma estimular o surgimento de ideias e, assim, acaba por clarear seu
pensamento.
Lembre-se constantemente de que aquilo que você está escrevendo nada
mais é do que um primeiro rascunho. Você não está se comprometendo com
nada – como estaria, por exemplo, no caso de uma entrevista oral. (A única
exceção são as redações de provas, quando seu primeiro rascunho em geral
tem de servir também como versão final.)
Pense na cesta de lixo – ou na tecla “Delete” do computador – como uma
de suas principais ferramentas na redação de qualquer texto. Como você
pode sempre jogar fora uma página, por que se dar ao trabalho de aprimorá-
la da primeira vez? Como disse o poeta romano Ovídio: “Escrevi muito,
mas o que quer que acreditasse defeituoso, eu revia, atirando-o às chamas.”
Compreender e aceitar esse conceito bastante óbvio produz em muitas
pessoas uma emocionante sensação de liberação – como se se livrasse do
bloqueio com um chute em vez de vencê-lo aos poucos.
Faça um “aquecimento”, escrevendo algo não relacionado à tarefa em
questão: um relato do último fim de semana ou de um sonho que teve
recentemente, a receita de seu prato favorito ou até mesmo as razões de sua
incapacidade em começar o trabalho. Qualquer coisa, desde que flua com
rapidez. Isso deve quebrar o ciclo de ansiedade e inatividade – uma vez que
a “paralisia” esteja assim rompida, sua mente e sua mão devem voltar a se
encaixar como engrenagens, e você deve ser capaz de ir em frente.
Tente enunciar oralmente seus pensamentos antes de registrá-los no papel.
Esse recurso também pode quebrar o impasse. Peça a seu cônjuge, a um
amigo ou colega que o escute, enquanto profere um resumo oral do relato
ou ensaio. Se preferir dite uma versão simplificada para o gravador. Uma
vez que você diga seu texto em voz alta, vai achar bem mais fácil “dizê-lo”
no papel.
Tente cultivar uma atitude casual com o primeiro rascunho, a fim de se
livrar de qualquer tensão que tenha em relação a ele. Finja, por exemplo,
que se trata apenas de um exercício, e não da base de um documento real, e
que ninguém mais o lerá. Ou faça de conta que você está preparando um
teste para candidatos a subeditores e que precisa de um texto redigido
apressadamente e sem cuidado, para que os candidatos possam reescrevê-
lo, como exercício.
Se sua procrastinação vier da falta de pressão, tente criar em si um
sentimento de urgência. Antecipe a data de entrega; diga a si mesmo que
uma crise acaba de surgir e que o chefe precisa de seu relatório no dia – e
não semana – seguinte. Essa medida deve lhe dar o ímpeto para rabiscar às
pressas um rascunho, em um prazo recorde, deixando-lhe tempo suficiente
para o polir.
Se o documento que você precisa escrever é extremamente importante, e
você se vê paralisado pela imensa responsabilidade, inicie o primeiro
rascunho com as palavras “Querida mamãe” ou “Querido diário” e prossiga
escrevendo seus pensamentos na forma de uma carta ou de uma anotação
no diário. Assim como alguns atores superam o medo do palco imaginando
uma plateia formada inteiramente por amigos e parentes, os escritores
podem vencer uma reação de pânico paralisante dirigindo suas palavras a
um leitor favorável (como, por exemplo, um membro da família) e não ao
leitor de verdade (que pode ser um chefe exigente ou um grupo de pessoas
desconhecidas muito exigente).
Ofereça-se uma pequena recompensa para cada projeto de redação que você
complete, ou mesmo para cada página que escreva. Qualquer que seja a
recompensa escolhida – um chocolate, uma pausa de cinco minutos –, ela
deve funcionar como um incentivo para que você recomece o trabalho.
Copyright © 2014 by Reader’s Digest Brasil Ltda.
Adaptado de Escrever Melhor e Falar Melhor, publicado por Reader’s Digest Association
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil a partir
de 2009.
Revisão
Camila Dias
e-ISBN: 978-85-7645-535-6