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Seleções:

o mundo cada vez melhor

Há mais de 90 anos Seleções do Reader’s Digest oferece conteúdo de qualidade


em variadas áreas do conhecimento, apresentando-o de forma concisa e objetiva.
Isso fez com que nos tornássemos parte da história e educação das pessoas em
mais de 45 países, sempre informando, divertindo e emocionando nossos
leitores.
Continuando a desempenhar esse papel, estamos sempre buscando novos
meios e novos canais de comunicação e acompanhando a evolução global a fim
de atender às necessidades do homem de hoje. Sempre pensando em um mundo
melhor, para que você também esteja cada vez melhor.
Conheça Seleções e nosso conteúdo nas páginas:


Sumário

Introdução

A Arte de Redigir
Lembre-se de Seus Leitores
Seja Atento e Lógico
Lapsos de Lógica

Aspectos de um Estilo Eficaz


ESTILO SIMPLES E DESPRETENSIOSO
BREVIDADE E CONCISÃO
Redundância – Tautologia e Pleonasmo
COERÊNCIA
Coerência no Layout e na Gramática
EXPRESSIVIDADE
Variedade de Estruturas Frasais
Estruturação da Frase
Palavras em Ordem Inversa
Figuras de Linguagem
A Metáfora e Seus Perigos
Jogos de Palavras
Um Início Surpreendente
Exemplos
Abstrato Versus Concreto
VOCABULÁRIO DE ALTO RISCO
Jargão
Clichês
Modismos
Eufemismo
Gíria
Discriminação na Linguagem

Editando o Seu Texto


A Dinâmica da Redação
A Hora de Pôr no Papel
Levantamento do Material
Mãos à Obra
Introdução

écnicas para uma redação eficaz é um guia para aprimorar sua capacidade
T de produzir textos cada vez melhores, que aborda aspectos como correção,
clareza e coerência. Você encontrará informações que o ajudarão a escrever de
maneira adequada a cada situação, a fazer pesquisas, a evitar argumentos
despropositados, a organizar suas ideias na melhor ordem possível e obter
sucesso valendo-se das ferramentas da escrita.
Após a leitura deste e-book, você ficará alerta para as armadilhas da
linguagem: a tentação dos clichês e palavras da moda (que resultam em
discursos de significado pobre), o perigo da ambiguidade (como “Nós
esquentamos o chocolate por que estava frio”) e a cilada do excesso de
metáforas (“Um oásis de democracia em um mar de autoritarismo”). Acima de
tudo, Técnicas para uma redação eficaz busca desfazer grandes mitos sobre o
ato da escrita, como, por exemplo:

É preciso planejar tudo detalhadamente antes de começar a redigir.


Ideias complexas devem ser expressas com vocabulário rebuscado e
estruturas sintáticas muito sofisticadas.
A escrita grandiosa, incluindo frases longas e termos abstratos, soa mais
impressionante que a escrita direta e simples.

Mesmo jornalistas e escritores mais experientes podem se beneficiar dos


conselhos deste e-book. Perca o medo de expressar suas ideias e faça isso da
melhor forma possível: simples e objetivamente.
Os editores.
A Arte de Redigir

screver é quase sempre uma atividade individual, porém, ao mesmo tempo,


E trata-se de um serviço para o público. Você pode registrar em um caderno as
ideias que surgirem em meio à solidão de seus estudos; ou compilar um relatório
no escritório depois que todos já tiverem ido para casa; ou rascunhar alguns
parágrafos novos do romance que está escrevendo sentado à mesa da cozinha
enquanto as crianças dormem. Contudo, em cada um dos casos, sua intenção é a
mesma – em algum momento, sua escrita será o material de leitura de outrem,
suas frases irão tornar-se “públicas”.
Em outras palavras, escrever, acima de tudo, tem por objetivo a comunicação
– transmitir ideias e sentimentos de uma mente a outra. Excetuando-se algumas
extravagâncias – resolver problemas de palavras cruzadas ou escrever “João ama
Maria” na areia da praia quando a maré está baixa –, isso é válido para qualquer
atividade escrita. Mesmo ao tomar notas durante uma palestra, ou registrar um
incidente engraçado, você estará escrevendo para comunicar – no mínimo, para
transmitir impressões ao seu futuro “eu”.
Os princípios da boa escrita, portanto, são aqueles de toda boa comunicação.
Os pontos básicos são:

precisão, coerência, atenção para com o leitor, evitar ambiguidade;


brevidade ou concisão, expressividade, fluência;
correção (de estilo e de gramática), clareza, consistência.

Os diversos aspectos de tais princípios serão discutidos na primeira seção


deste livro. Nesse ínterim, para perceber as consequências de ignorá-los, leia os
trechos a seguir e pergunte a si mesmo: por que pessoas instruídas que têm o
português como língua-mãe cometem erros tão banais?

?? De início, meu propósito era abarcar apenas o período situado entre 1922
e 1990. Esta data, 1922, é a da Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro
Municipal de São Paulo, mas é, também, a da realização, no Rio de Janeiro, da
exposição internacional comemorativa do 1o centenário da Independência
política do Brasil. [...]

Porém, terminado o levantamento do período, decidi ampliar a pesquisa,


recuando até 1888. Nesse ano, instalou-se, na Praça Tiradentes, o Ateliê Livre,
no âmbito de uma polêmica entre “modernos” e “positivistas”, cujo desfecho foi
a reforma do ensino de belas artes, assinada em 1890, e que transformou a
Academia Imperial em Escola Nacional de Belas Artes.
- Frederico Morais, Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro

?? A UTI sempre foi a mais temida das alas de um hospital. Em primeiro


lugar, porque só entram ali pacientes em situação crítica. Mas também porque
ela se transformaram em um espaço inóspito, com médicos pouco atenciosos e
uma arquitetura opressora. Às vésperas de completarem 30 anos de existência, as
Unidades de Tratamento Intensivo passam por uma crise de identidade.
- Jornal do Brasil, 31 de março de 2002

?? No encontro de hoje a coordenadora pretende discutir uma linguagem


mais didática das estatísticas e novos meios de divulgação. Sobre a questão na
insegurança na Tijuca, Jaqueline Muniz afirmou que o secretário de Segurança,
Roberto Aguiar, está convocando os envolvidos diretamente no assunto para
orientar melhor o planejamento da polícia.
- Portal Globo News, 16 de abril de 2002

Nos três casos, os escritores parecem violar dois princípios fundamentais e


óbvios da boa escrita – a preocupação com o leitor e o raciocínio lógico.

Lembre-se de Seus Leitores


Como a escrita tem por objetivo básico a comunicação, deve-se sempre
pensar no leitor enquanto se escreve. Às vezes isso é difícil. Ao se deparar com
uma tarefa complexa ou delicada, é comum que o escritor fique introspectivo,
lutando para transformar os pensamentos em palavras e para ordenar as frases no
papel. Você precisará se forçar continuamente para emergir dessa auto-absorção.

O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo,


que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos
remotos no tempo e no espaço.
- Machado de Assis, Instinto de nacionalidade

Isso significa mais do que apenas respeitar as regras da gramática. Implica


dar-se ao trabalho de ordenar os pensamentos na sequência mais metódica e
lógica possível e transformá-los em palavras claras e expressivas. Se você não
conseguir expor bem suas ideias, colocará o leitor perante o grande esforço de
decifrá-las.

É principalmente por isso que insistimos em considerar como virtudes


primordiais da frase a clareza e a precisão das ideias (e não se pode ser claro
sem se ser medianamente correto), a coerência (sem coerência não há
legitimamente clareza) e a ênfase (uma das condições da clareza), que envolve
ainda a elegância sem afetação, o vigor, a expressividade e outros atributos
secundários do estilo.
- Othon M. Garcia, Comunicação em prosa moderna

Não é tão difícil imaginar o que pensa uma outra pessoa – provavelmente
você faz isso todos os dias, sempre que fala com alguém.
Pense no quanto você se preocupa em ajustar o nível da voz e do discurso de
acordo com as circunstâncias. Para conversar com alguém que não ouve bem,
você sabe que é necessário falar mais alto do que de costume. Ao dialogar com
uma criança ou um estrangeiro, você tende a empregar palavras simples e frases
curtas e a falar mais devagar. Ao dirigir-se ao bispo, provavelmente você adotará
um tom mais formal e respeitoso do que aquele usado com os colegas de
trabalho.
De fato, o nível inadequado da linguagem frequentemente provoca risadas ou
zombaria – a criança precoce que fala (ou tenta falar) como adulto; o professor
que conversa com sua família durante o jantar como se estivesse se dirigindo aos
alunos no auditório; o artista performático que imita a voz e os padrões da fala
de uma pessoa do sexo oposto.
No entanto, a maioria dos adultos encontra-se bem sintonizada com as
necessidades do ouvinte. As pessoas se decidem instintivamente por um nível de
dificuldade e, então, se necessário, alteram seu discurso para adequá-lo à
situação. A uma expressão de dúvida, respondem desacelerando o ritmo da fala,
repetindo o ponto importante com palavras diferentes ou enfatizando outros
aspectos. Diante de um suspiro de impaciência do ouvinte, falam mais rápido ou
mudam de assunto.
Quando se trata de escrever, as coisas não são tão fáceis: você tem menos
orientação do público, e vice-versa. Os ouvintes extraem informações não só das
palavras do falante, mas também de fatores como tom de voz, pausas, expressões
faciais, gestos, “linguagem corporal” etc. Os leitores, por outro lado, têm
somente as palavras como guias (além de alguns recursos tipográficos
incipientes, como o itálico e a pontuação). Da mesma forma, quem fala diante de
uma audiência aproveita o feedback do interlocutor imediatamente, podendo
inclusive alterar seu discurso para garantir a eficácia da comunicação. Já os
escritores, geralmente só obtêm seu feedback depois que terminam de escrever.
Por isso, ao escrever uma carta ou um relatório, tenha em mente a provável
reação dos leitores ao conteúdo, ao estilo e ao tom. Quanto ao conteúdo: por
exemplo, não se estenda em explicações técnicas detalhadas se os leitores forem
leigos. Porém, se todos eles forem especialistas no assunto, utilize jargão
técnico, mais conciso, e evite explanações genéricas. (Se, entre seus leitores,
houver especialistas e leigos, você terá que alcançar um equilíbrio sutil – e
provavelmente tenderá a priorizar os leigos.)
Quanto ao estilo: se alguns de seus leitores forem pouco letrados, cuide para
não usar linguagem excessivamente rebuscada. Se todos os seus prováveis
leitores são eruditos e de bom nível educacional, então não os subestime
escrevendo com estilo simplório e dando explicações desnecessárias (isso não
significa que você deva lançar mão de um estilo pretensioso na tentativa de
impressioná-los). O lema é: adequação. Escreva de forma simples, tendo em
mente que a definição de simplicidade varia de acordo com o nível de
sofisticação do leitor.
Quanto ao tom: ajustá-lo corretamente equivale a vestir-se de modo
apropriado para determinada situação. Um terno claro pode ser adequado para
um almoço profissional, mas seria inadequado para um banquete com o prefeito,
por um lado, e para uma festa informal, por outro. Por exemplo, a Rainha
Vitória, do Reino Unido, desaprovava insinuações de familiaridade excessiva da
parte de qualquer pessoa, mas também não apreciava o costume do Sr. Gladstone
de falar com ela sempre como se estivessem em um comício público. O mesmo
acontece com o tom da escrita: um tom muito elevado será considerado
pomposo; um tom baixo demais será tido como chulo ou descortês. Se todos os
seus leitores forem pessoas com quem você tem intimidade, empregue um tom
razoavelmente familiar ou informal. Mas, se seus leitores forem diretores-
executivos de uma empresa, empregue um tom adequadamente respeitoso e
formal (o que não significa ser bajulador ou subserviente). Não confunda
formalidade com rigidez. O tom formal pode atrair e envolver o leitor; o rígido
irá entediá-lo.
A questão óbvia permanece: o que fazer quando não se sabe quem serão os
leitores? A melhor política consiste em pecar pelo excesso de cautela – supor
que tenham alto nível de exigência, porém pouco conhecimento técnico sobre o
assunto.
O resultado deverá ser um tom razoavelmente formal, com vocabulário não
muito técnico e facilmente compreensível, além de conter análises e explicações
razoavelmente metódicas a respeito do conteúdo – como neste livro, e na maior
parte das obras de não-ficção direcionadas ao público não especializado.
Acima de tudo, lembre-se de que alguém tem de se esforçar para que a
comunicação ocorra com sucesso. O esforço da escrita é inversamente
proporcional ao da leitura: quanto mais trabalho você realizar como escritor,
menos trabalho seu leitor terá. E vice-versa. Se você relaxar, será o leitor que
fará a maior parte do trabalho – ou não: ele poderá simplesmente considerar o
seu texto ilegível e deixá-lo de lado.

Seja Atento e Lógico


Muitas das falhas mais comuns na redação diária – erros de gramática, uso
ou estilo – podem ser atribuídas à mera falta de concentração. Quando o
problema é apontado, o escritor normalmente reconhece e corrige o erro, e em
geral o justifica, afirmando: “Eu não estava prestando atenção.”
Mesmo o escritor experiente, que se depara a todo momento com as
dificuldades e armadilhas da língua, pode cometer erros se perder a
concentração. O escritor inexperiente corre ainda mais riscos. A menor falta de
atenção provavelmente resultará em falha lógica, incorreção gramatical ou
inadequação estilística. A vigilância constante é a solução. Não importa se você
conhece poucas regras tradicionais de gramática, é possível evitar a maioria dos
erros comuns apenas mantendo-se atento enquanto escreve. Assim como você
usaria bom senso e experiência para escapar à ambiguidade, à tautologia, aos
clichês ou à imprecisão do vocabulário, lance mão normalmente da lógica
habitual para testar a correção da gramática ou do estilo.
Seria aceitável escrever Eles convidaram minha filha e eu para o
casamento? Teste a oração, reordenando os termos cruciais, minha filha e eu. É
possível escrever Eles convidaram eu e minha filha para o casamento?
Da mesma forma, seria aceitável escrever Os novos componentes custarão o
mesmo, ou até menos do que os anteriores? Teste a oração eliminando a segunda
opção ou até menos. É possível escrever Os novos componentes custarão o
mesmo do que os anteriores?

Lapsos de Lógica
A importância da lógica para os escritores não se restringe à gramática e ao
uso. Funciona como um parâmetro para o conteúdo também – a consistência das
ideias expressas, a ordem na qual são apresentadas, a validade das relações entre
elas.

Falsos contrastes e saltos de lógica. Observe os vocábulos mas e embora. São


conjunções extremamente úteis e bastante comuns. Talvez exatamente por esses
motivos, o escritor descuidado as emprega com frequência excessiva e em
circunstâncias em que são desnecessárias ou, até mesmo, incorretas. Nos seus
significados usuais, indicam algum tipo de oposição – uma contradição ou
limitação de uma ideia próxima: Tentei muito, mas falhei; Embora coma pouco,
ela continua a engordar. O texto produzido com descuido desvia-se dessa
exigência de que haja duas assertivas opostas. Ou se estabelece um “falso
contraste” – não verdadeiramente uma oposição, porém duas ideias apenas
distintas – ou a segunda ideia fica completamente desprovida de propriedade:
ocorre um “salto de lógica” e passa a caber ao leitor a tarefa da dedução. Eis um
exemplo de cada situação:

?? Ele trapaceou seus empregados engenhosamente durante anos, mas eles


nunca descobriram.

?? A equipe vermelha ganhou no final, mas a azul veio em segundo.

A primeira dessas orações apresenta um falso contraste. As duas ideias


unidas pela palavra mas estão em harmonia, e não em conflito: como a fraude foi
engenhosa, não é de surpreender que os empregados jamais a tenham
descoberto. As conjunções e ou assim fariam mais sentido do que mas. Se o
advérbio fosse aberrantemente em vez de engenhosamente, existiria, de fato,
uma oposição entre ideias, e a conjunção mas poderia ser mantida.
No segundo exemplo, a palavra mas não está propriamente errada, apenas
confunde o leitor. Sua presença deve ter algum propósito. No entanto, parece
faltar um elo no raciocínio. Presumivelmente, esse elo é um comentário sobre as
habilidades ou as expectativas da equipe azul. Todo o pensamento complexo
encontra-se, talvez, ao longo destas linhas:

A equipe azul teve um desempenho muito melhor do que qualquer pessoa


poderia imaginar. Não conseguiu ganhar, é verdade: a equipe vermelha acabou
vencendo e a azul ficou em segundo – um esforço louvável.

A oração inicial produziu um salto de lógica no trecho vital da informação de


fundo, e o leitor foi deixado a sós na tentativa de entendê-la.
Nem todos os saltos de lógica são inaceitáveis. Na verdade, em grande parte
dos raciocínios diários recorremos a saltos de lógica para acelerar a conclusão e
agilizar a comunicação. Isso é válido, desde que os intervalos de lógica sejam
tão evidentes e curtos que o leitor ou o ouvinte possam preencher as lacunas sem
esforço. Todos os períodos seguintes envolvem saltos de lógica, mas nenhum
deles é difícil de acompanhar:

Desculpe-me o atraso: havia um engarrafamento no Centro.

Vinho para mim, não, obrigado – estou tomando antibióticos.

Bem, dona Laurinda disse que exceção se escreve com cê-cedilha, e ela é
professora.

Suponha que as orações fossem diferentes, como se segue:

?? Desculpe-me pelo atraso: é dia de Nossa Senhora.

?? Vinho para mim, não, obrigado – partirei para a Amazônia na semana que
vem.

?? Bem, dona Laurinda disse que exceção é com cê-cedilha, e ela é canhota.

Nesses casos, as lacunas são muito amplas para que o leitor ou o ouvinte as
preencham sem ajuda. A pessoa que fala ou escreve deixou de fora alguns elos
de coerência cruciais entre a primeira e a segunda metades da frase em cada
exemplo. A exposição completa e adequada das três observações obscuras
poderia ser assim:

Desculpe-me pelo atraso. Fiquei preso num engarrafamento no Centro,


provocado por uma grande procissão. Eu não havia me dado conta de que hoje é
dia de Nossa Senhora. Havia uma multidão de católicos na rua.

Vinho para mim, não, obrigado. Tomei algumas vacinas hoje à tarde por
causa da viagem que farei à Amazônia na semana que vem. As injeções podem
provocar tonteira, e o médico avisou que esse efeito colateral, somado ao álcool,
poderia me derrubar.

Bem, dona Laurinda disse que exceção se escreve com cê-cedilha, e ela deve
saber o que diz: ela é canhota, e os canhotos sabem ortografia muito bem, além
de possuírem outras habilidades de linguagem, devido à maneira diferente pela
qual o cérebro deles funciona.

Convincentes ou não, pelo menos agora essas explicações estão claras. As


várias ideias de ligação emergiram, de modo que as lacunas de coerência foram
preenchidas adequadamente.

Falhas de lógica e sofismas. Em algumas formas de produção escrita, a razão


tem papel pouco proeminente: uma carta de pêsames, por exemplo, baseia-se
obviamente na expressão emocional, e não na apresentação lógica, para ser
eficaz. Um pedido de contribuição de caridade talvez interaja diretamente com a
comiseração do leitor, independentemente de sua capacidade de raciocínio. Uma
propaganda ou um manifesto eleitoral podem tentar adular (ou aterrorizar), e não
persuadir o leitor a aceitar toda a informação.
Mas na escrita diária – cartas comerciais, relatórios profissionais, pedidos de
emprego etc. – é fundamental expor argumentos bem fundamentados. A eficácia
ao escrever depende de seu rigor lógico. Você enfraquece sua argumentação toda
vez que tira uma conclusão falsa de seus dados, quando oferece uma explicação
melodramática, quando tenta esquivar-se de uma verdade inconveniente ou cita
uma autoridade irrelevante para apoiar seu ponto de vista (dez mil entrevistados
podem estar errados).
Eis alguns exemplos de raciocínio dúbio – deliberado ou acidental – do tipo
facilmente encontrável na produção escrita ou falada:

?? Aqueles que forem de fato patriotas juntar-se-ão a mim no boicote.

?? Consultem sua consciência e decidam por si mesmos quanto a submeter-


se a este decreto.

?? Porcarias como esta só servem para tornar a vida mais difícil.

Escolher palavras carregadas de emoção é equivalente a lançar mão de


recursos retóricos, e não racionais. Ganha-se a discussão antes do começo. Uma
porcaria é, quase que por definição, algo que não tem serventia. Chame firmeza
de intolerância, liberdade de licenciosidade ou educação escolar de lavagem
cerebral, e a lógica não terá mais lugar na discussão.
É claro que isso também se aplica ao uso de palavras que reduzem o impacto
de uma ideia negativa – eufemismos, como distração em vez de
irresponsabilidade, prudência em vez de covardia etc.

?? Podemos desconsiderar sua opinião acerca de importação: você trabalha


numa fábrica de carros nacional, de forma que, naturalmente, prefere que as
mercadorias importadas sejam taxadas.

?? Você realmente o considera a pessoa certa para atuar como tesoureiro?


Ele abandonou a mulher recentemente...

Comentários pessoais não produzem contra-argumentos fortes – são


irrelevantes para a consistência da opinião emitida.

X Experimente esse composto de ervas. Tomei uma colher de chá esta manhã
e ao meio-dia já me sentia muito bem.

Só porque um evento se sucede a outro cronologicamente, não se pode


afirmar que haja uma relação de causa e efeito.

X Briga de galo não é um esporte cruel como muitas pessoas supõem, já que
os galos realmente gostam de levar bicadas.

X Não se pode confiar em um vendedor que não olha o cliente nos olhos
enquanto conversa.

Esses são exemplos de pronunciamentos calcados em uma suposta verdade: a


conclusão se baseia em uma premissa dúbia, a qual deveria, primeiramente, ser
comprovada.

X O palco é um veículo mais apropriado para a arte do que o cinema, e a


maioria dos críticos objetivos concorda com isso. Os críticos objetivos são
aqueles que não ficaram deslumbrados pelo brilho aparente do meio
cinematográfico.

Essa é uma “argumentação circular”, uma forma especial de tomar a questão


como provada. O que a alegação realmente significa é: peças teatrais são mais
artísticas do que filmes. No final das contas, a premissa é idêntica à conclusão,
por mais que a equivalência esteja bem disfarçada no período original.

X Logo você, que sempre gostou de carros, agora você quer restringir seu
acesso ao vilarejo?

Essa falácia é uma “generalização completa”. Não se pode supor que


preferências, tendências, regulamentações, lemas e afins sejam válidos em todas
as circunstâncias. A maior parte das regras permite certas restrições e até mesmo
exceções.

X Você atiraria num cão raivoso, não atiraria? – Então você deve ser a favor
da pena de morte para assassinos enlouquecidos como o “Maníaco do Parque”.

Nesse caso, o raciocínio consiste em um “salto de lógica” muito arriscado. A


premissa omitida é, no mínimo, questionável: “Assassinos enlouquecidos
merecem pena semelhante àquela aplicada a um cão raivoso”, ou talvez “Em
certas circunstâncias, deve-se tratar seres humanos como animais”. Sendo
correta ou não, a premissa pelo menos deve aparecer abertamente, de modo que
o leitor ou ouvinte possa inspecioná-la e, se for o caso, rejeitá-la.

X Senhores membros do júri, sequestro é um crime hediondo. Acredito que


os senhores mostrarão seu repúdio a esse tipo de crime considerando o réu
culpado da acusação.

Esse raciocínio vai além de um mero salto de lógica – representa uma


“quebra de lógica” completa. A premissa é absolutamente irrelevante para a
conclusão. O fato de sequestro ser um crime hediondo não tem relação com a
culpa ou a inocência de alguém acusado de praticá-lo.

X Você ainda está batendo na sua mulher?

X Pelo visto você é uma daquelas feministas fanáticas.

X Ou foi por burrice, ou foi por descuido que você perdeu a encomenda. De
qualquer forma, merece ser despedido.

Cada oração contém uma alegação oculta – que pode ou não ser justificada.
Se não estiver justificada, o leitor ou ouvinte estará numa situação difícil.
Será incapaz de fornecer uma resposta simples. Em vez disso, o receptor da
mensagem terá de elucidar a pergunta ou assertiva original, ou reconhecer que
ela não foi bem formulada.
As respostas complexas talvez fossem estas:

Nunca bati na minha mulher.

Sou feminista, sim, mas não sou fanática.

Não foi estupidez nem descuido – foi um acidente, e com certeza não mereço
ser despedido por isso.

Os próximos capítulos desta seção do livro abordam primeiro os blocos de


construção do texto (palavras, orações e parágrafos); depois é discutida sua
arquitetura geral (estrutura); a seguir, comentam-se alguns detalhes da decoração
(concisão, jogos de palavras e metáforas, gíria, eufemismo, jargão etc.) e,
finalmente, são observados os mecanismos do processo (coleta de material e
aquilo que para muitas pessoas é a tarefa mais difícil: efetivamente escrever,
transformar ideias em palavras no papel).
Aspectos de um Estilo Eficaz

melhor estilo é o estilo claro, e isto quase sempre quer dizer simples. O que
O não significa que devamos optar por um texto insípido: a simplicidade do
estilo permite grandes variações, com uma razoável quantidade de metáforas e
outras figuras de linguagem – e até mesmo, ocasionalmente, um toque irônico ou
floreio dramático. A base, porém, deve permanecer simples, até para permitir
que os adornos se sobressaiam o mais eficaz e claramente possível.

ESTILO SIMPLES E DESPRETENSIOSO

Um bom texto é aquele que requer leitura sem esforço, e não aquele de
difícil compreensão – embora, com frequência, seja necessário um grande
esforço da parte de quem escreve para conseguir tal efeito.

Importa-nos que a redação seja uma experiência comum ao grupo, devendo


provocar a discussão e a reflexão. Todos são escritores. Todos são leitores. Todos
devem saber defender o que pensam.
- Gustavo Krause e outros, Laboratório de redação

O bom estilo focaliza diretamente o conteúdo e serve à causa da


comunicação clara, em vez de chamar a atenção para si mesmo.

O texto deve mesmo ser elegante – e não há elegância sem simplicidade, o


que significa desprezo ao enfeite gratuito, ao falso intelectualismo, à cópia da
banalidade alheia.
- Luiz Garcia, Manual de redação e estilo
A simplicidade do texto não implica necessariamente repetição de formas e
frases desgastadas, uso exagerado de voz passiva (será iniciado, será realizado),
pobreza vocabular etc. Com palavras conhecidas de todos, é possível escrever de
maneira original e criativa e produzir frases elegantes, variadas, fluentes e bem
alinhavadas.
- Eduardo Martins, Manual de redação e estilo

Quando o escritor negligencia a adequação do estilo ao conteúdo, o resultado


pode ser um texto pomposo, cuja forma predomina sobre o conteúdo. O autor se
exibe, com uma retórica grandiosa, que em vez de revelar seus pensamentos os
oculta.

?? Destarte, não equivocaremos a aparência com a realidade, se, nos


dissabores que malquerentes e malfazentes nos propinam, discernirmos a quota
de lucro, com que eles, não levando em tal o sentido, quase sempre nos
favorecem. Quanto é pela minha parte, o melhor do que sou, bem assim o
melhor do que me acontece, frequentemente acaba o tempo convencendo-me de
que não me vem das doçuras da fortuna propícia, ou da verdadeira amizade,
senão sim que o devo, principalmente, às maquinações dos malévolos e às
contradições da sorte madrasta. Que seria, hoje, de mim, se o veto dos meus
adversários, sistemático e pertinaz, me não houvesse poupado aos tremendos
riscos dessas alturas, “alturas de Satanás”, como as de que fala o Apocalipse, em
que tantos se têm perdido, mas a que tantas vezes me tem tentado exalçar o voto
dos meus amigos?
- Rui Barbosa, Oração aos moços

Cuidado para não se deixar seduzir por esse estilo floreado – principalmente
em cartas ou comunicações profissionais cotidianas. Se você tem tendência a
entregar-se a tal estilo “elegante”, corrija a primeira versão de seu texto com
rigor a fim de garantir que ele seja claro e eficaz.
Quem escreve com a intenção de impressionar o leitor raramente alcança seu
objetivo. Quem escreve para expressar seus pensamentos e suas ideias, de forma
clara e sincera, é que normalmente consegue impressionar o leitor. Em outras
palavras, tentar parecer inteligente só aumenta o risco de parecer tolo. A
presunção só comove leitores ingênuos.
Observe dois exemplos de textos presunçosos:

? No último estágio da alienação, os crimes tornaram-se notórios e já


ninguém crê seriamente no “mundo melhor”. Mas então, como a realidade já
ficou muito distante para poder ser recuperada, só resta uma opção: tapar as
últimas frestas pelas quais pudessem entrar o senso do real e o apelo do
arrependimento; banir os últimos sinais de uma consciência da estrutura da
existência. Isto pode ser obtido pelo expediente de rebaixar esses sinais ao
estatuto de “produtos culturais” e, desviando o olhar humano da realidade que
havia por trás deles, impugná-los a todos como criações arbitrárias de ideologias
pretéritas.
- Olavo de Carvalho, O Globo, 11 de junho de 2002

? O erro, na costura, inscreve ou borda a falha, o tropeço do endereçamento


amoroso ao outro. A obra expõe o que a fala do artista nega. O apelo se perde na
dobra do pano, no ponto da letra que se finda para que outra apareça e se faça e
os suspiros brotem como anúncio e superação do fim. É ao amor que a obra se
endereça e fica como que a pulsar esperas… na captura do olhar distraído com
ares de quem não quer… querendo.
- Clara de Góes, Imagem escrita

Por que os autores simplesmente não dizem o que querem dizer?

BREVIDADE E CONCISÃO

Brevidade não é exatamente o mesmo que concisão. O primeiro aspecto diz


respeito à quantidade do material, o segundo, à sua qualidade – um determina o
volume do texto, o outro depende da capacidade do autor para concentrar
informações em poucas palavras.
A brevidade, embora desejável, às vezes não é alcançável. Uma carta ou
relatório complexo nem sempre pode ser breve. Se tiver de cobrir muitos
tópicos, vai necessariamente cobrir também muito papel. Apenas se o texto
estiver bem estruturado, sua extensão deixará de afugentar o leitor.
O que sempre é possível é a concisão – rigor de linguagem, eficácia
concentrada. Isto significa apresentar cada ponto da maneira mais breve
possível, mesmo que o texto tenha pontos demais a serem expostos para que seja
curto.
Assim, mesmo um texto longo pode ser conciso, e até um texto breve pode
ser desnecessariamente prolixo.
As virtudes da concisão são mais óbvias no caso da poesia – o poeta procura
concentrar um alto grau de significação em poucas palavras.

Outro postulado fundamental do pensamento crítico-poético de E.P. é o


capsulado na forma DICHTEN = CONDENSARE, que ele assim esclarece:
“Basil Bunting, manuseando um dicionário alemão-italiano, descobriu que a
ideia de poesia como concentração é tão velha quanto a linguagem germânica.
‘Dichten’ é o verbo alemão correspondente ao substantivo ‘Dichtung’, que
significa poesia, e o lexicógrafo traduziu-a como verbo italiano que significa
‘condensar’.”
- Augusto de Campos, Ezra Pound

Catar feijão se limita com escrever:


joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
- João Cabral de Melo Neto, A educação pela pedra

Uma ampla gama de significados ou sentimentos encontra-se acondicionada


em relativamente poucas palavras. Em outras formas de escrita criativa, como
peças teatrais e romances, a concisão pode parecer menos importante.
Num romance de suspense, por exemplo, a história necessita de um
considerável prolongamento para que a tensão cresça e haja um clímax na
narrativa. Mas note que o que dá continuidade à história é a ação – as idas e
vindas da trama – e não descrições verborrágicas de um só incidente.
Independentemente do quanto uma narrativa se estenda, ela ainda pode se
caracterizar pela concisão.
Nas tarefas de escrita do dia-a-dia, a concisão resulta em eficácia. O discurso
evasivo num ensaio, o excesso de explicações numa carta de reclamação, a
redundância num memorando servem apenas para reduzir o impacto de sua
mensagem. Quanto mais prolixo for o texto, maior será o risco de o leitor desistir
dele – seja porque sua mente divaga ou porque sua paciência se esgota. Escrever
com concisão, por outro lado, é gesto de cortesia para com o leitor.
Simplesmente porque propicia a ele uma boa economia de tempo.
Lembre-se de que, como em quase tudo na relação esforço de escrita/esforço
de leitura, a relação de proporção é inversa: para assegurar-se de que o leitor leve
menos tempo lendo, o autor tem de dedicar maior tempo à tarefa de escrever. É
preciso estruturar as ideias sistematicamente (veja as páginas 92-103), para não
apresentar o mesmo raciocínio em dois ou três momentos diferentes do texto. E
também é necessário corrigir sem piedade as primeiras versões do texto –
eliminando todas as palavras e expressões redundantes, apagando enfeites
supérfluos, como adjetivos desnecessários, reduzindo clichês e expressões
longas a palavras únicas e concisas (em vez de no presente momento,
simplesmente agora), aparando digressões e outras passagens de relevância
duvidosa, fundindo duas ideias excessivamente sutis numa ideia única e objetiva,
e assim por diante. É o que deveria ter sido feito no trecho abaixo:

?? Um bem-estar profundo e sereno tomou conta da vida a bordo. O que


antes me assustava ou preocupava agora fazia pensar. Pelas janelas de onde via
apenas neblina e as velas cheias, fiz passar todas as imagens que desejei ver. E as
toquei. Não há mais verdadeira e pura forma de sentir lugares do que tocá-los
com a quilha de um barco. Ou com os dedos. A mais simples e universal maneira
de expressar carinho. O toque.
- Amyr Klink, Paratii entre dois pólos

Paradoxalmente, então, precisamos de mais tempo e esforço para escrever de


forma concisa do que para criar um texto prolixo e repetitivo. Levaremos mais
tempo para chegar à versão final, mas esta será muito mais elegante e eficaz.

Redundância – Tautologia e Pleonasmo


Uma forma comum de prolixidade é a redundância. Um texto redundante é
aquele que “diz” a mesma coisa duas vezes, repete desnecessariamente um único
item de informação (como neste período).
Duas formas de redundância são a tautologia e o pleonasmo. Na lógica,
tautologia é uma declaração que se revela verdadeira, independentemente do que
aconteça: Ou vai chover amanhã ou não vai chover amanhã. Na linguagem,
tautologia é um problema que consiste na repetição de uma ideia em palavras
diferentes: X dividir em duas metades; X conclusão final.
O pleonasmo não implica necessariamente a repetição de uma ideia. Trata-se
apenas da elaboração excessiva da ideia por meio do uso de mais palavras do
que seria preciso. Falar ? conviver junto com a família é pleonástico, pois
conviver com a família já é suficiente para transmitir a mensagem. Da mesma
forma, em vez de dizer ? já não há mais necessidade de racionamento seria mais
adequado dizer já não há necessidade de racionamento ou não há mais
necessidade (...).
Muitas tautologias ou pleonasmos estão incorporados à língua portuguesa e é
um tanto inútil tentar eliminá-los: ver com os próprios olhos, viver a vida. Essas
expressões enfáticas são adequadas em alguns textos e certas circunstâncias da
comunicação oral. O jargão jurídico também emprega algumas redundâncias:
nulo e sem valor, última vontade e testamento.
Muitas outras expressões comuns e redundantes, porém, são efetivamente
duvidosas. A maioria delas representa apenas um estorvo à comunicação fluente,
e há algumas que constituem erro.

história passada
perspectivas futuras
hábitos costumeiros
brindes grátis
aviso antecipado
alusão indireta
pré-requisito essencial
nenhuma outra alternativa
fatos reais
consenso geral
consenso de opinião
elo de ligação
hábitat natural
erário público
brigadeiro da Aeronáutica
relíquia do passado
surpresa inesperada
encarar de frente
exultar de alegria
preferir mais
a razão é porque
quando o conheci pela primeira vez
estabelecer um novo recorde mundial
repetir de novo
um mínimo de pelo menos quatro semanas
o principal protagonista da peça
Todos votaram unanimemente a favor.
A entrada está restrita apenas aos portadores de ingresso.
Devem-se acrescentar dois outros pontos.
Houve outras consequências afora a falência e a angústia.
Não há necessidade de um alarme injustificável.
Desde tempos imemoriais, esse sempre foi o costume.
Pela vigésima vez, o comitê volta a se reunir.
Os envelopes encontram-se à disposição numa variedade de cores diferentes.
É hora de modernizarmos estes procedimentos antiquados.
Assim sendo, incluo em anexo uma fotocópia do documento.
Precisamos saber na segunda-feira se você está de acordo ou não.

COERÊNCIA

Se você citar a “Unidade de Treinamento de Equipe” a certa altura, não


mencione a “Unidade de treinamento da Equipe” em outro ponto. Caso se refira
à notícia como extraída do Globo no parágrafo 1, não se refira a ela como de O
Globo no parágrafo 5.
Muitos leitores desatentos, embora não cheguem a perceber erros simples em
um texto, vão identificar inconsistências como essas e irão desconfiar do que
lêem. “Se o autor é descuidado em questões menores”, argumentarão eles,
“como posso confiar nele em questões mais importantes?”
O ar de autoridade do autor, tão necessário para que o texto conquiste o
leitor, tende a se dispersar cada vez mais a cada incoerência percebida pelo
leitor. Daí a adoção de um manual de estilo por parte de jornais e editoras – uma
lista de preferências por um uso ou grafia em relação a outro. Por exemplo, neste
livro a norma consiste em usar as seguintes convenções:
séculos expressos em algarismos arábicos, e não romanos (século 21, e não
século XXI)
itálico, e não negrito, para exemplos citados no corpo do texto
o padrão 23 de setembro de 1991 para datas, e não 23/9/91
a grafia layout, em itálico, e não a forma aportuguesada leiaute

Você pode preferir, em cada caso, a opção oposta. Sem problemas – desde
que a utilize com coerência.
A coerência aplica-se não só à ortografia e à pontuação, mas também a
aspectos mais complexos, como layout e escolha de construções gramaticais.

Coerência no Layout e na Gramática


O segredo para manter a coerência é: dispensar o mesmo tratamento para
itens equivalentes.
Se duas seções de um relatório, digamos, tiverem a mesma importância,
cuide para que os dois subtítulos recebam o mesmo destaque – ambos em negrito
e itálico, por exemplo; ambos centralizados e não junto à margem esquerda, e
assim por diante.
Se você for incoerente, atribuindo um corpo maior a um dos subtítulos, o
leitor interpretará erroneamente suas intenções: vai supor que aquela seção tem
mais importância do que a outra.
Da mesma forma, use o mesmo tipo de construção para itens equivalentes.
Se você apresentar uma lista de cinco regras, certifique-se de que todas tenham a
mesma estrutura gramatical básica. Evite inconsistências como no seguinte
exemplo:

X Assim, no futuro, antes de permitir a entrada de alguém, certifique-se de:


1. parar todos os visitantes ou clientes na portaria.
2. pedir-lhes que declarem com que funcionário irão falar.
3. você deve pedir autorização pelo telefone ao funcionário mencionado.
4. cuide para que o visitante assine o livro na portaria e receba o crachá.
5. eles deverão usar o crachá durante todo o tempo em que permanecerem no
edifício.

As regras 1 e 2, expressas como comandos no infinitivo, são compatíveis


com a estrutura da introdução.
A regra 3, embora imperativa na intenção, encontra-se expressa como uma
afirmação. Corte as palavras você deve para torná-la paralela às duas primeiras.
A regra 4 está expressa como um imperativo de fato. Ela não só é incoerente
ou “sem paralelo” com as anteriores, como também é incompatível
sintaticamente com as palavras introdutórias. Para corrigi-la, substitua cuide
para por fazer com.
A regra 5 segue um padrão bastante diferente das outras. Para adequá-la,
tornando-a imperativa, substitua eles deverão usar por solicitar que usem.
Eis a seguir outro exemplo de lista assimétrica:

X Se estiver pensando em comprar mais ações ou em vender as que já


possui, pode fazê-lo através deste serviço, que lhe permite:
• comprar ações por telefone
• vender ações pelo correio
• e há números de telefone para os quais discar se precisar de ajuda.
- panfleto informativo de corretora de ações

Com um pouco de atenção, o autor poderia ter reestruturado o último dos três
itens, estabelecendo paralelismo com os outros dois:

• obter ajuda ou conselho ligando para nossos telefones.

EXPRESSIVIDADE

Quando for apropriado, tente conferir o máximo de vivacidade ou “espírito”


ao seu texto.
Muitos escritos do dia-a-dia seriam muito mais instigantes se fossem
utilizados alguns “efeitos especiais”. Os leitores de textos como cartas de
congratulação, por exemplo, ou artigos na revista da paróquia acolheriam com
prazer uma anedota curiosa ou um jogo de palavras dinâmico. Na verdade, talvez
até mesmo o exijam: eles vão abandonar, após o primeiro parágrafo, seu extenso
relatório sobre o progresso do fundo para a restauração do telhado da igreja, por
mais preciso e meritório que seja, a menos que você o tenha tornado espirituoso,
divertido e interessante também – tanto no conteúdo quanto no estilo.
A oração quando for apropriado, no período que abre esta seção, indica uma
importante condição. Se você tentar tornar seus memorandos ou suas cartas ao
PROCOM tão vivos e dinâmicos quanto um romance de aventura ou o roteiro de
uma comédia para TV, não vai ser bem-sucedido com seu texto. Documentos
profissionais ou burocráticos têm um propósito preciso e sério e requerem uma
redação com tais características.
No entanto, mesmo nesses casos, pode-se lançar mão de alguns recursos para
manter o interesse do leitor. Uma redação “precisa e séria” não tem de ser
necessariamente monótona.
Analise a seguinte observação:

? Os candidatos não precisam se apresentar com roupas inadequadamente


formais.

Ela é tão abstrata e genérica que um leitor desatento pode simplesmente


deixar de apreender seu significado. É preciso substituí-la ou complementá-la
por uma declaração mais concreta – algo que crie uma imagem na mente do
leitor:

Ninguém espera que um estudante use um terno em sua primeira entrevista


de emprego.

Imagens específicas, como no exemplo acima, são apenas um dos muitos


ingredientes de um estilo dinâmico. Entre outros elementos, encontram-se:
variedade de estruturas frasais, figuras de linguagem e jogos de palavras. As
virtudes – e em certos casos os perigos – de cada um desses recursos são
apresentadas a seguir.

Variedade de Estruturas Frasais


Até o mais diligente dos leitores sabe que seu nível de atenção tende a
diminuir de vez em quando. É tarefa do escritor mantê-lo estável, antes que ele
desça além da linha de perigo. Tendo à sua disposição a inesgotável reserva da
língua portuguesa, o autor não tem desculpas para fracassar nessa tarefa.
Para dispersar ou evitar a monotonia, basta dar variedade ao texto – não só
ao vocabulário, como também à estrutura gramatical, à organização das orações.
Isso não significa que o escritor deva criar variações apenas para parecer
diferente ou elaborar uma oração canhestra para evitar a repetição de uma
palavra ou expressão. Esse tipo de variação só serve para chamar a atenção sobre
si mesma. A variedade estilística adequada é funcional: além de reavivar o
interesse do leitor, ela com frequência produz sutis distinções de significado ou
ênfase ao longo do texto.
Uma das formas mais simples de produzir variedade em seu texto é
diversificar a extensão dos períodos. Sem ultrapassar certos limites. Não permita
períodos excessivamente longos, ainda que pelo bem da variedade. Sua margem
de variação deve ter os extremos “curto” e “um pouco maior” e não “curto” e
“longo”.
Tornar variada a extensão dos períodos frequentemente implica fazer variar
também sua complexidade – períodos simples e compostos (por coordenação ou
por subordinação); equivalentes e antitéticos, e assim por diante. Talvez seja
mais uma questão de verificar se seu texto contém uma variedade razoável do
que uma questão de introduzir deliberadamente essa variedade no texto,
enquanto o cria.

Estruturação da Frase
Em relação a variações mais sofisticadas, talvez seja preciso empregar uma
estratégia deliberada – manter uma vigília consciente em busca de oportunidades
de usar efeitos estilísticos e estruturas gramaticais específicos: às vezes usar
digamos em vez de por exemplo; ou em lugar de e não em vez de, ou encontrar-
se em posição de apostar em vez de ser capaz de apostar, ou algo nesse gênero
em lugar de algo assim.
Não existe uma lista completa desses expedientes; a seleção abaixo deve
servir como um estímulo para seu talento de variar as estruturas gramaticais.

convencional variado
Isso não significa que o escritor deva Não que o escritor vá criar variações
criar variações apenas para parecer apenas para parecer diferente.
diferente.
Essas observações vão se mostrar Essas observações serão inestimáveis
inestimáveis quando você se preparar no momento em que você se preparar
para as futuras entrevistas. para as entrevistas futuras.
Eu já falei bastante sobre o primeiro Já basta do primeiro incidente. O
incidente. Agora vamos discutir os outro caso, ocorrido em Goiânia,
problemas semelhantes gerados pelo levanta problemas semelhantes:...
incidente em Goiânia.
Vamos agora tratar da questão da Tratemos agora da questão da
compensação. compensação.
Se você exigir muito ou abusar de sua Exija muito ou abuse de sua voz e ela
voz, ela vai se exaurir. se exaure.
Este, então, é um problema geral, mas Eis o problema geral. Agora vamos a
ainda vamos precisar discutir seu seu papel específico nele.
papel específico nele.
Se você falar mais com mais eficácia, Quanto mais eficaz seu discurso, mais
as pessoas o escutarão com mais atentamente as pessoas o escutarão.
atenção.
Outro exercício útil para o pescoço é o Outro exercício útil para o pescoço é
seguinte: baixe a cabeça para a frente baixar a cabeça para a frente e alongar
e alongue os músculos da parte os músculos da parte posterior do
posterior do pescoço. pescoço.
Seus músculos faciais tornar-se-ão Seus músculos faciais vão se tornar
mais expressivos. Como resultado, mais expressivos. Resultado: você vai
você irá comunicar-se de modo ainda se comunicar de modo ainda mais
mais eficaz. eficaz.

Palavras em Ordem Inversa


Uma das formas mais sutis de variar o padrão de suas orações é inverter a
ordem das palavras de uma oração ou a ordem das orações do período.
A típica ordem dos termos de uma oração na língua portuguesa (sujeito +
verbo + complemento), ou seja, a ordem direta ou usual, é tão familiar que o
leitor em geral nem a percebe:

Vários lançamentos aparecem na lista dos mais vendidos desta semana.


É apenas quando essa ordem natural se modifica que a oração se torna
“distinta”:

Na lista dos mais vendidos desta semana aparecem vários lançamentos.

A ordem usual das palavras – precisamente por ser usual – torna-se


monótona se respeitada obedientemente período após período. “Subverta” o
padrão de vez em quando e você conseguirá reter a atenção do leitor por muito
mais tempo. Mas isso só é eficaz quando a inversão desponta naturalmente; caso
contrário, ela acaba provocando estranheza. Quase todo texto costuma permitir
uma ordem inversa. Em alguns casos, a inversão pode até ser a opção mais
natural. Observe como, na seguinte passagem, o segundo período parece
bastante adequado em sua incomum ordenação das palavras:

O capítulo 5 faz várias sugestões fora do comum, incluindo uma altamente


polêmica. Sobre essa sugestão, o autor se estende ainda mais no capítulo 8.

A razão por que ele soa tão natural é dupla: primeiro, ele se liga
elegantemente ao primeiro período, iniciando-se com uma expressão que remete
à frase anterior; segundo, recorre ao modelo de parágrafo bastante comum em
que se começa com um período com informação conhecida ou recém-anunciada
e se coloca a informação “nova” no fim.
A ordem inversa das palavras, porém, faz mais do que evitar a monotonia.
Ela também pode ajudar a criar vários efeitos literários – dramático, irônico,
emotivo, entre outros:

A vida é uma coisa que quanto mais estica mais curta fica.
- provérbio popular

Figuras de Linguagem
De grande contribuição para a vivacidade da fala e do texto escrito é o uso
de figuras de linguagem – expressões nas quais as palavras são empregadas em
sentido diverso do literal, a fim de criar uma imagem dramática ou uma
impressão forte na mente do leitor ou ouvinte.
Eis aqui uma lista das figuras de linguagem e dos recursos retóricos mais
conhecidos. Seja criterioso ao empregá-los, pois seu uso excessivo pode
prejudicar seu texto. A linguagem figurativa é como o açúcar ou o tempero: ser
for usada com exagero, deixa de dar prazer e torna-se enjoativa. Tente incorporar
alguns deles (quando for apropriado) em qualquer coisa que você escreva: isso
ajuda a prender a atenção do leitor e até mesmo a argumentar em favor dos seus
pontos de vista.

aliteração uso de várias palavras, numa mesma frase, contendo o mesmo


fonema: O sapo subiu sozinho até o manancial.
antítese expressão na qual ideias contrastantes são dispostas
simetricamente: Quanto maior a pressa, menor a velocidade.
apóstrofe interpelação direta a uma pessoa morta ou ausente ou a uma
coisa: Ó liberdade! escutai o nosso clamor!
assíndeto omissão de conjunções: Vim, vi, venci.
assonância repetição de sons vocálicos, produzindo um efeito de rima
parcial ou imperfeita: Ruge e urra a turba enfurecida.
elipse omissão de um termo, que fica subentendido pelo contexto:
(também Nos campos escuros, nenhum sinal de vida (omissão de não
chamada havia).
aposiopese)
eufemismo expressão inofensiva usada em lugar de outra mais rude ou
mais explícita, como, por exemplo, descansar em lugar de
morrer.
expressão palavra ou expressão que, embora desnecessária à frase, dá
expletiva ou ênfase a esta: Eu é que mereço ganhar.
de realce
hipálage atribuição de uma característica de uma pessoa a um objeto
que com ela se relaciona: o travesseiro insone; a cela
condenada.
hipérbole exagero ou engrandecimento visando à ênfase: Eu comeria um
boi.
inversão (ou troca na ordem natural das palavras ou orações; um exemplo
anástrofe) bastante célebre: Ouviram do Ipiranga as margens
plácidas/De um povo heroico o brado retumbante, isto é: “As
margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de
um povo heroico.”
ironia uso de palavra ou palavras que transmita(m) uma ideia
diferente de seu sentido literal: Esse segredo fica só entre nós
e a torcida do Flamengo; componente comum do sarcasmo,
embora não necessariamente tão mordaz.
lítotes declaração atenuada na qual uma ideia é transmitida com
eficácia pela contradição de seu oposto: Ele não está
exatamente sóbrio.
metáfora descrição de um objeto, pessoa ou fenômeno nos termos de
outro que está a ele relacionado por analogia: Ela acendeu um
sorriso ao vê-lo.
metonímia uso de um termo concreto para se referir a uma ideia mais
ampla por ele caracterizada, tal como Coroa por monarquia.
onomatopeia uso de palavras cujo som sugere seu significado: por exemplo,
zumbir, tique-taque, sussurro, chiado.
oximoro expressão que liga termos incongruentes ou contraditórios: um
sábio tolo, silêncio eloquente.
paradoxo declaração aparentemente absurda ou contraditória que, não
obstante, pode ser verdadeira ou sábia: Sua gentileza era por
demais agressiva.
pergunta indagação feita para causar determinada impressão ou para
retórica transmitir informações e não para esclarecer uma dúvida: O
dia hoje não está lindo? Como alguém pôde apoiar um
projeto tão inútil?
personificação atribuição de características ou sentimentos humanos a objetos
(também naturais ou inanimados: a jovial Lua sorrindo, benévola, para
conhecida nós; as árvores gemeram.
como
prosopopeia)
polissíndeto repetição de conjunções para efeito retórico: foi a Florença e
Veneza e Roma e Nápoles.
símile comparação de duas ideias ou objetos diferentes, em geral
usando-se a palavra como: lábios como botões de rosa e beijos
como vinho.
sinédoque uso do nome de uma parte para referir-se ao todo, ou vice-
versa, como quarenta primaveras por quarenta anos.
sinestesia associação de percepções de sentidos diferentes na mesma
expressão: silêncio perfumado, azul morno, imagem macia.
zeugma omissão de um termo já enunciado anteriormente na frase:
Nem eu o ouvi, nem ele a mim; pode ser considerada uma
forma de elipse.

A seguir há exemplos que ilustram o uso dessas figuras de linguagem.


Primeiro, veja estes exemplos de aliteração. O primeiro trecho foi extraído
de uma canção da banda O Rappa – note como a repetição da palavra feira, na
primeira estrofe, e da sílaba /ma/, na terceira, imprime uma cadência melódica
aos versos. O segundo trecho corresponde à primeira estrofe de uma cantiga
popular que todos conhecemos.

é dia de feira
quarta-feira, sexta-feira
não importa, a feira
é dia de feira
quem quiser pode chegar
vem maluco, vem madame
vem maurício, vem atriz
pra comprar comigo.
- Marcelo Yuka, “A feira” (do disco Rappa mundi)

Pirulito que bate bate


Pirulito que já bateu
Quem gosta de mim é ela
Quem gosta dela sou eu

Agora, observe como sucessivos zeugmas (da palavra ternos/terno) definem


o ritmo dessa passagem de um romance.
Abriu o guarda-roupa. Na parte dos ternos. Só os ternos. Dois. Um
riscadinho. Um azul. Alisou um. Alisou o outro. Contornava desde os ombros,
descia pela manga. As calças. Se afastou. Voltou pra perto. Tirou do cabide e pôs
os dois em cima da cama.
- Fernando Bonassi, Subúrbio

O polissíndeto pode imprimir maior expressividade a uma frase, como


acontece em um verso do célebre “Soneto de fidelidade”, de Vinicius de Moraes.

De tudo, ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
- Vinicius de Moraes, Livro dos sonetos

Já uma pergunta retórica serve para instigar a curiosidade do leitor e resumir


em uma única frase um ponto importante do texto ou do parágrafo.

Por que Zaratustra se mostra triste? Pela incompatibilidade ou pelo


descompasso entre seu amor da vida e de sua sabedoria; pelo desacordo entre
vida e sabedoria.
- Roberto Machado, Zaratustra, tragédia nietzschiana

Mas essa figura – como qualquer outra – não deve ser utilizada
repetidamente. Não submeta seus leitores a um “interrogatório retórico”.
Seja cuidadoso também ao utilizar metáforas: em excesso, elas tornam o
texto “enjoativo”. Uma metáfora pode ser construída ao longo de um texto
extenso ou com poucas palavras – o que importa é que ela seja precisa:

A verdadeira ciência nunca passará do andaime que o homem arma sobre


aquilo que ele vê para tentar atingir aquilo que nunca poderá ver.
- Joaquim Nabuco, Pensamentos soltos

O símile, como a metáfora, exprime uma ideia com imagens que a princípio
não teriam nada a ver com ela.

A ‘SPERANÇA, como um fósforo inda aceso,


Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso.
A falha social do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso.
- Fernando Pessoa, Poesias inéditas 1911-1935

Cecília, és tão forte e tão frágil


Como a onda ao termo da luta.
Mas a onda é água que afoga:
Tu, não, és enxuta.
- Manuel Bandeira, Belo belo

A personificação também opera uma associação de ideias inusitada. Veja


como tal operação é bem realizada nesse trecho de uma crônica do início do
século 20.

Há ruas oradoras, ruas de meeting – o Largo do Capim que assim foi sempre,
o Largo de S. Francisco; ruas de calma alegria burguesa, que parecem sorrir com
honestidade – a Rua de Haddock Lobo; ruas em que não se arrisca a gente sem
volver os olhos para trás a ver se nos vêem – a travessa da Barreira; ruas
melancólicas, da tristeza dos poetas; ruas de prazer suspeito próximo do centro
urbano e como que dele muito afastadas; ruas de paixão romântica, que pedem
virgens loiras e luar.
- João do Rio, A alma encantadora das ruas

Por fim, analise um exemplo de hipérbole retirado da obra regionalista de


José de Alencar:

Esta imensa campina, que se dilata por horizontes infindos, é o sertão de


minha terra natal.

Aí campeia o destemido vaqueiro cearense, que à unha de cavalo acossa o


touro indômito no cerrado mais espesso, e o derriba pela cauda com admirável
destreza.
- José de Alencar, O sertanejo

Esses são apenas alguns exemplos que demonstram o quanto a linguagem


oferece de recursos para que se aborde qualquer assunto de modo esclarecedor,
expressivo, instigante e original.

A Metáfora e Seus Perigos


De todas essas figuras de linguagem, a metáfora e o símile ou comparação
são provavelmente as mais conhecidas, mais comuns e mais perigosas.
Elas não só embelezam e dinamizam os textos escritos e falados, mas com
frequência são essenciais à comunicação: transmitir uma ideia complexa da
mente de uma pessoa para a de outra às vezes é virtualmente impossível sem a
ajuda de uma comparação ou imagem. Daí a existência das “metáforas mortas”
(mortas no sentido de desgastadas pelo uso) – porém indispensáveis – em nossa
língua: as pernas da mesa, um pé de alface, um discurso inflamado, uma
personalidade brilhante. A quantidade de imagens que pode ser acomodada em
um texto varia. Um poema talvez precise de uma imagem em cada verso. Uma
análise financeira de projeção de vendas pareceria estranha se contivesse mais
do que duas ou três metáforas por página.
Um grande autor pode lidar com metáforas muito inventivas sem perder o
controle. Uma rica e palatável mistura pode resultar disso, como na citação
seguinte. O trecho foi tirado de um romance, mas poderia muito bem vir de uma
carta pessoal ou de uma crônica em uma revista de variedades. O assunto é uma
conquista amorosa realizada pelo personagem Brás Cubas:

Gastei trinta dias para ir do Rocio Grande ao coração de Marcela, não já


cavalgando o corcel cego do desejo, mas o asno da paciência, a um tempo
manhoso e teimoso. Que, em verdade, há dois meios de granjear a vontade das
mulheres: o violento, como o touro de Europa, e o insinuativo, como o cisne de
Leda e a chuva de ouro de Dânae, três inventos do padre Zeus, que, por estarem
fora da moda, aí ficam trocados no cavalo e no asno. Não direi as traças que
urdi, nem as peitas, nem as alternativas de confiança e temor, nem as esperas
baldadas, nem nenhuma outra dessas coisas preliminares. Afirmo-lhes que o
asno foi digno do corcel – um asno de Sancho, deveras filósofo, que me levou à
casa dela, no fim do citado período; apeei-me, bati-lhe na anca e mandei-o
pastar.
- Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas

A despeito da variedade de comparações aqui apresentada – corcel, asno,


touro, cisne – não há metáforas em excesso misturadas, somente uma
apresentação apropriada dos sentimentos que o autor descreve.
Cuidado para não criar uma salada de metáforas.

Em alguns casos, as metáforas são tão sugestivas que atraem a atenção mais
para si mesmas do que para os assuntos a que se referem. É o que acontece nessa
passagem, de um talentoso romancista.

O céu jogava tinas de água sobre o noturno que me devolvia a São Paulo.

O comboio brecou lento para as ruas molhadas, furou a gare suntuosa e me


jogou nos óculos menineiros de um grupo negro.

Sentaram-me num automóvel de pêsames.

Longo soluço empurrou o corredor conhecido contra o peito magro de tia


Gabriela no ritmo de luto que vestia a casa.
- Oswald de Andrade, Memórias sentimentais de João Miramar

(Para saber mais sobre “excesso de metáforas”, veja o quadro na página ao


lado)
No entanto, às vezes, a tentação de adornar o texto com metáforas pode levar
o escritor ao exagero. Imagens em excesso tornam a linguagem mais rica, porém
quase sempre à custa do significado. Observe o trecho a seguir: as várias
imagens desviam a atenção do leitor da informação central, sem oferecer nada
em troca além de um jogo de palavras vazio de significado.

?? O fogo da vida agora queimava lentamente. Sua consciência apagava-se e


acendia-se, como uma chama que se extinguisse. O pavio estava quase apagado,
mas o fogo vital agarrava-se a ele e recusava-se a desistir. Aquela não era uma
morte tranquila: ele inflamava-se e contorcia-se e crepitava. Era uma cena
dolorosa. No entanto, o médico sustinha-lhe a mão: quem quereria apagar aquela
corajosa vela em vez de deixá-la extinguir-se por si só?

Para evitar excessos desse tipo, os escritores algumas vezes vão longe
demais na direção oposta – empobrecem o texto ao empregar apenas metáforas e
símiles muito usuais, que podem ser simples clichês – ? coroado de êxito, ?
cortina de fumaça, ? dizer cobras e lagartos, ? leve como uma pena. Essas
expressões não evocam uma imagem vívida na mente do leitor. O mesmo vale
para metáforas que são meras adaptações de expressões correntes: ? estabelecer
uma ponte em vez de fazer uma ponte, ? não alcançar o alvo em lugar de errar
o alvo.
Por fim, cuidado com o poder de fascinação da metáfora. Assim como a
poesia, também a propaganda vive das figuras de linguagem: rios de dinheiro é
algo muito mais persuasivo e empolgante do que um simples prêmio. Não abuse
da linguagem metafórica dessa forma nem tampouco se deixe manipular por ela.
Comparar uma realidade a algo bastante diferente não é transformar essa coisa
naquela realidade.

EXCESSO DE METÁFORAS E OUTROS PROBLEMAS

Uma sucessão de metáforas ou símiles extraídos de diferentes campos de significação


por vezes produz um efeito destoante e risível – mesmo quando se trata de expressões
idiomáticas, espécies de metáforas mortas, já incorporadas à linguagem coloquial. São
muitos os exemplos que dispensam comentários:

X Estamos à beira do abismo. Juntos, marchemos em frente.

X Você fica em cima do muro, com a cabeça enterrada no chão, como um avestruz.

A tentativa de produzir frases de efeito pode resultar em textos de mau gosto. Os termos
devem ser escolhidos com cuidado, para que a frase não soe agressiva ou depreciativa. O
autor de jogos de palavras, símiles e metáforas pouco elegantes tende a ser ofensivo ou
parecer ridículo, como essas declarações de políticos publicadas por uma revista:

X Se Jesus foi violentado, por que eu não poderia ser?


- Veja, 6 de março de 2002

X Eles mandam a reforma em pedaços, como um salame de padaria.


- Veja, 27 de fevereiro de 2002

Um bom exemplo de símile com sentido polêmico encontra-se na frase atribuída ao


compositor José Barbosa da Silva, o Sinhô, que na década de 1920 defende-se da
acusação de roubar a criação musical de seus colegas:

X Samba é como passarinho, é de quem pegar.

O excesso ou mau emprego de figuras de linguagem pode comprometer a inteligibilidade


do texto. Escritores sem talento que tentam formular uma prosa poética acabam por
produzir textos truncados. É preciso ter sensibilidade e habilidade desenvolvidas para lidar
com os aspectos poéticos da língua a ponto de criar frases como as seguintes.

A noite densa e escura foi cortada ao meio, separada em dois blocos negros de sono.
Onde estava? Entre os dois pedaços, vendo-os – o que já dormira e o que ainda iria dormir
–, isolada no sem-tempo e no sem-espaço, num intervalo vazio. Esse trecho seria
descontado de seus anos de vida.

O teto e as paredes uniam-se sem arestas, caladas, de braços cruzados, e ela estava
dentro de um casulo. Joana espiou-o sem pensamentos, sem emoção, uma coisa olhando
para outra coisa. Aos poucos, de um movimento com a perna, nasceu-lhe longinquamente
a consciência misturada a um gosto de sono na boca, estirando-se depois por todo o
corpo. O luar empalidecia todo o quarto, a cama.
- Clarice Lispector, Perto do coração selvagem

Quando se depara com um texto como esse, o leitor tem de decifrar, um a um, o
significado embutido em cada imagem e, ao mesmo tempo, perceber as relações
existentes entre esses significados – como as que vinculam elementos em um conjunto.
Observe, por exemplo, o trecho citado acima. Várias metáforas (blocos negros de sono, ela
estava dentro de um casulo) se sucedem, e o trecho ainda contém figuras de linguagem
como a personificação (paredes caladas, de braços cruzados, o luar empalidecia todo o
quarto). O leitor acompanha facilmente a sucessão de imagens e consegue correlacioná-
las para compor em sua imaginação a situação e as sensações da personagem.

Infelizmente, são poucos os escritores que têm talento para harmonizar várias metáforas e
outras figuras de linguagem em uma mesma passagem. Na maioria dos casos, os
exageros resultam em sobrecarga improdutiva de informações cruzadas.

O excesso de metáforas pode ser tão prejudicial à comunicação quanto um outro tipo de
jogo de palavras comentado adiante: o trocadilho infame. Existem também outros três tipos
de efeitos indesejáveis, menos célebres: a metáfora dúbia, a metáfora imprópria e o
idiomatismo (ou clichê) confuso.

A metáfora dúbia simplesmente não é eficaz na transmissão de uma mensagem. Por


exemplo, ? depurar a tensão é uma expressão que parece querer dizer uma coisa e diz
outra. Pode-se depurar o ar ou dissipar a tensão, mas não faz sentido ? depurar a tensão –
as duas ideias, como a água e o óleo, simplesmente não se misturam. Veja outras
combinações duvidosas:

?? desemaranhar a ordem
?? dispersar erros
?? assentar uma decisão

A metáfora imprópria, como a metáfora dúbia, em geral se compõe de expressões


idiomáticas. A impropriedade encontra-se no choque entre a metáfora e o contexto:

? Houve uma enxurrada de secas nos últimos anos.


? O homem na cadeira de rodas está sempre saltando à frente de seu tempo.
? O fogo na floresta avança a todo vapor.

O idiomatismo confuso é igualmente comum e sutil – fácil de usar e difícil de perceber. A


expressão ?? pagar as consequências mistura “pagar o preço” com “assumir as
consequências”. Da mesma forma, ?? jogar verde para colher maduro (“jogar verde” +
“plantar verde para colher maduro”). Observe, porém, que, se usado deliberadamente, o
idiomatismo confuso (principalmente sob a forma do clichê confuso) pode ser bastante
expressivo, em seu modo grotesco:

X Faca de dois legumes.


X Tocar em miúdo.
X Se ele descobrir, estarei em maus papéis.
X Soltar o verso.
X Não dar pingo sem nó.

Os comediantes profissionais e pessoas espirituosas de um modo geral usam essas


imagens conflitantes como parte de sua matéria-prima.

Rumo ao Tenta! A Cópula do Mundo! ARREPENTA BRASIL! Depois de três galinhas


mortas, o Brasil vai pegar uma galinha choca, a Bélgica. Amanhã o Brasil entra na copa.
Vai pegar a Copa andando!
(…)
AS GRANDES PARTIDAS! As grandes partidas da Copa: a partida da França, a partida da
Argentina e a partida de Portugal.
- José Simão, Folha de S. Paulo, 16 de junho de 2002

Zig – ora direis – não parece nome de gente, mas de cachorro. E direis muito bem, porque
Zig era cachorro mesmo. Se em todo o Cachoeiro era conhecido por Zig Braga, isso
apenas mostra como se identificou com o espírito da Casa em que nasceu, viveu, mordeu,
latiu, abanou o rabo e morreu.
- Rubem Braga, Histórias do homem rouco

Os dois cronistas provocam risos no leitor porque encontram empregos inusitados para
expressões familiares – grandes partidas, não parece nome de gente.

Mas, a menos que você se sinta totalmente seguro, não arrisque tais malabarismos em
seus textos ou discursos. Procure antes garantir que os idiomatismos e as figuras de
linguagem usados tenham coerência entre si.

Uma vez começado um novo período ou – o que é ainda mais seguro – uma nova ideia,
você pode lançar mão de outra imagem sem correr o risco de criar uma mistura de
metáforas. Mas, como sempre, cuidado para não exagerar nos efeitos que incluir em seu
texto.

E aqui estão máximas espirituosas extraídas da obra de Machado de Assis.

Suporta-se com paciência a cólica do próximo.

Matamos o tempo; o tempo nos enterra.

Um cocheiro filósofo costumava dizer que o gosto da carruagem seria diminuto, se todos
andassem de carruagem.
Crê em ti; mas nem sempre duvides dos outros.

Não se compreende que um botocudo fure o beiço para enfeitá-lo com um pedaço de pau.
Esta reflexão é de um joalheiro.

Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens, que de um terceiro
andar.
- Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas

Jogos de Palavras
Os jogos de palavras propositais servem como estímulo para o leitor – desde
que convenham ao contexto e não soem forçados. Você pode até aventurar-se a
empregar uma rima de vez em quando ou arriscar uma leve aliteração. E um
trocadilho ou paradoxo podem aguçar a atenção.
Eis alguns paradoxos, epigramas (pequeno texto mordaz) e ditos populares
alterados que podem dar um colorido especial a seus textos, se usados com
moderação e sensatez:

Não há gênio que não tenha, de vez em quando, a nostalgia da burrice. Aliás,
um dos traços do gênio é o seu nenhum escrúpulo em ser imbecil de vez em
quando. (Nelson Rodrigues)

Políticos brasileiros em campanha soltam tantas pérolas que não abrem mais
a boca. Abrem as ostras. (José Simão)

O melhor amigo do homem é o uísque. O uísque é o cachorro engarrafado.


(Vinicius de Moraes)
Um Início Surpreendente
O ideal é que seu texto chame a atenção do leitor logo no início, fazendo
com que ele se interesse de imediato pela leitura. Se isso não acontecer, o leitor
pode deixar de lado seu texto sem atrativos e passar a algo mais interessante. E,
se tiver de lê-lo, ele o fará sem atenção ou de má vontade.
Veja os dois parágrafos de abertura do capítulo A Arte de Redigir. Qual teria
sido sua reação se eles fossem escritos da seguinte maneira?

Embora um texto em geral seja criado quando se está a sós, a intenção é,


quase sempre, que ele seja lido por outras pessoas.

Escrever, em outras palavras, é acima de tudo uma forma de se comunicar.


Com poucas exceções, todos os textos são feitos com o propósito de transmitir
ideias e sentimentos do escritor para outra pessoa, mesmo que esta seja o próprio
escritor em algum momento futuro.

Não parece muito estimulante, não é? O texto pode ser claro e preciso, mas
também é tedioso.
Um início cativante, por outro lado, prende a atenção do leitor e garante a
continuidade da leitura. Veja, por exemplo, a seleção de aberturas de texto no
quadro abaixo. Se você apanha um livro e lê um primeiro período ou parágrafo
como esses, é preciso enorme força de vontade para deixá-lo de lado sem
prosseguir na leitura.

INTRODUÇÕES INTERESSANTES

Aqui estão alguns parágrafos de abertura de romances escritos por grandes autores.
Qualquer leitor fica curioso para saber de que trata o livro. Textos não ficcionais também
podem conquistar o interesse do leitor logo nas primeiras linhas. Em menor escala, mesmo
o mais humilde relatório de negócios consegue se favorecer de um começo incisivo, que
estimule o leitor prejudicado a prestar mais atenção.

Tinham dado onze horas no cuco da sala de jantar. Jorge fechou o volume de Luís Figuier
que estivera folheando devagar, estirado na velha voltaire de marroquim escuro,
espreguiçou-se, bocejou e disse:
– Tu não vais te vestir, Luísa?
– Logo.
- Eça de Queirós, O primo Basílio

Do que eu gostava mais no Jardim Zoológico era do rinque de patinação sob as árvores e
do professor preto muito direito a deslizar para trás no cimento em elipses vagarosas sem
mover um músculo sequer, rodeado de meninas de saias curtas e botas brancas, que, se
falassem, possuíam seguramente vozes tão de gaze como as que nos aeroportos
anunciam a partida dos aviões, sílabas de algodão que se dissolvem nos ouvidos à
maneira de fins de rebuçado na concha da língua.
- António Lobo Antunes, Os cus dos Judas

Pelas nove da manhã desse dia de Setembro cheguei enfim à estação de Évora. Nos
meus membros espessos, no crânio embrutecido, trago ainda o peso de uma noite de
viagem. Um moço de fretes abeira-se de mim, ergue a pala do boné:
– É preciso alguma coisa, senhor engenheiro?
- Virgílio Ferreira, Aparição

Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam,
focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em
cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a
leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara
impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte.
- Mia Couto, Terra sonâmbula

Pelas cinco horas duma tarde invernosa de outubro, certo viajante entrou em Corgos, a pé,
depois da árdua jornada que o trouxera da aldeia do Montouro, por maus caminhos, ao
pavimento calcetado e seguro da vila: um homem gordo, baixo, de passo molengão;
samarra com gola de raposa; chapéu escuro, de aba larga, ao velho uso; a camisa
apertada, sem gravata, não desfazia no esmero geral visível em tudo, das mãos limpas à
barba bem escanhoada; é verdade que as botas de meio cano vinham de todo
enlameadas, mas via-se que não era hábito do viajante andar por barrocais; preocupava-o
a terriça, batia os pés com impaciência no empedrado.
- Carlos de Oliveira, Uma abelha na chuva

Exemplos
O tema ou a mensagem de um texto costuma vir expresso numa declaração
um tanto vaga ou abstrata, ou numa advertência ou comando generalizado:

O cientista fez uma importante descoberta sobre os problemas causados pelo


estresse.

Os gases da descarga de motores a gasolina sem chumbo ainda apresentam


riscos à saúde.

Não abuse da voz passiva em seu texto.

Para tornar compreensíveis tais generalizações, porém, o escritor habilidoso


lança mão de alguns recursos. Ele apresenta casos específicos em lugar de
afirmativas genéricas. Usa exemplos concretos em vez de declarações abstratas
para salientar sua mensagem. São estes casos e exemplos que conferem
dinamismo ao texto e evitam que a atenção do leitor se desvie.

Mostre, não relate. Em textos descritivos ou narrativos – assim como numa


autobiografia ou num romance – esta é uma fórmula segura.
Os ficcionistas têm à sua disposição duas estratégias:

relatar ao leitor o que acontece, dizer-lhe o que pensar; isto é, explicar e


esclarecer a trama e as motivações das personagens, como em Maria sentiu
inveja do vestido novo da irmã.
mostrar tudo ao leitor; ou seja, apresentar a trama e os personagens em ação
– em breves cenas dramatizadas, uma após a outra: Os olhos de Maria se
estreitaram quando a irmã se aproximou usando um vestido que ela, Maria,
nunca vira antes.

Os romancistas e críticos modernos tendem a privilegiar essa segunda


estratégia, às vezes a ponto de banir ou condenar completamente a técnica do
relato. No entanto, quase toda boa ficção, antiga e moderna, mescla sutilmente
os dois modelos. O escritor não deve usar o excesso de narração como uma
bengala para o leitor, pois isso o entediaria; mas tem o direito, aqui e ali, a
pequenos “empurrões”, como meio de guiar o entendimento ou a simpatia do
leitor.
Para os críticos literários, mostrar é a melhor alternativa. Eles alegam a
maior qualidade artística da apresentação direta. Em textos do cotidiano, porém,
a questão não é a qualidade artística, mas sim a eficácia. O que interessa é
encontrar a melhor maneira de comunicar uma mensagem ao leitor. A solução,
em quase todo contexto, será: relatar e mostrar. Apresente o argumento
explicitamente e, em seguida, as evidências que o apoiam. Exponha a
generalização e depois liste exemplos que a amparem.
Se preferir, inverta a ordem das estratégias: mostre e depois relate. Primeiro,
apresente os dados e, em seguida, a generalização. Conte a fábula e então
conclua com a moral.
Eis aqui um exemplo atrativo da técnica narrativa. Ele provém de um livro
de memórias em que se harmonizam recursos literários e comunicação de padrão
coloquial.
Na linha varonil da minha família paterna essa guarda de tradições foi
suspensa devido à sucessão de três gerações de morredores! A de meu Pai, que
desapareceu aos 35 anos. A do seu pai, falecido aos 37. Meu bisavô, não sei com
que idade morreu. Cedo, decerto, pois meu avô foi criado de menino por uma de
suas avós ou tias-avós. É assim que cada uma dessas gerações ficou sabendo
pouco das anteriores e não teve tempo de transmitir esse pouco às sucedentes.
Por essa razão, também quase nada sei de meu avô paterno.
- Pedro Nava, Baú de ossos

Agora, considere a passagem a seguir, de um artigo de revista sobre a obra de


Euclides da Cunha. Note de que maneira suave e sem obstáculos o autor
transmite suas ideias em cada parágrafo através da citação de preciosos
exemplos.

Publicado em 1902, Os sertões é uma obra híbrida que transita entre a


literatura, a história e a ciência, ao unir a perspectiva científica, de base
naturalista e evolucionista, à construção literária, marcada pelo fatalismo trágico
e por uma visão romântica da natureza. Euclides da Cunha recorreu a formas de
ficção, como a tragédia e a epopeia, para estilizar a guerra de Canudos e inserir
os fatos em enredo capaz de ultrapassar a sua significação particular.

Cobriu o conflito, de agosto a outubro de 1897, como correspondente de O


Estado de São Paulo, acompanhando a quarta e última expedição, formada por
oito mil soldados. A epopeia gloriosa da República brasileira, pela qual
combatera na juventude, adquiriu caráter de tragédia na violenta intervenção
militar que testemunhou no sertão da Bahia.
- Roberto Ventura, Cult, agosto de 2000

Para os leitores que tentam compreender a mensagem geral, os exemplos


subitamente cristalizam o significado, tornando-o claro.

Dois são os processos de associação ou organização das coisas: por


contiguidade (proximidade) e por similaridade (semelhança). Esses dois
processos formam dois eixos: um é o eixo de seleção (por similaridade),
chamado paradigma ou eixo paradigmático; o outro é o eixo de combinação (por
contiguidade), chamado sintagma ou eixo sintagmático.

Quando você vê um certo azul e se lembra dos olhos de uma certa pessoa,
está fazendo uma associação por semelhança; quando você evoca essa pessoa ao
olhar um isqueiro que ela lhe deu de presente, está fazendo uma associação por
contiguidade.
- Décio Pignatari, O que é comunicação poética

Abstrato Versus Concreto


Uma famosa frase de Sir Winston Churchill, embora originalmente na
língua inglesa, exemplifica bem a diferença entre o uso de termos abstratos e
concretos:

A implementação destes planos necessitará de uma significativa dose de


sacrifício de nossa parte, assim como de um considerável compromisso e de um
alto dispêndio de energia e recursos.

Bem, não foi exatamente isso que ele disse. As verdadeiras palavras que
Churchill usou, em mais de uma ocasião, mas que se tornaram famosas num
discurso proferido na Casa dos Comuns em 13 de maio de 1940, foram as
seguintes:

Eu nada tenho a oferecer-vos, senão sangue, trabalho, lágrimas e suor.


Os textos comerciais são sabidamente propensos à linguagem abstrata –
objetiva, formal, não emotiva.

? Uma cópia de nossa nova Política de Recursos Humanos segue anexa para
seu conhecimento... A fim de que tenhamos a oportunidade de nos preparar para
as exigências dessa nova política, e nos adaptarmos a elas, sua implementação só
ocorrerá a partir de 1º de janeiro de 1999...
Muito apreciaremos sua compreensão e cooperação no cumprimento desta
política.
- memorando de uma empresa

O ATRATIVO DA ABSTRAÇÃO

Alguns escritores escolhem palavras abstratas em lugar de palavras e imagens simples


ou concretas. Para os leitores inseguros ou pouco sofisticados, isto pode parecer sinal de
conhecimento e causar impressão, mas os leitores cépticos e experientes consideram esse
tipo de recurso sem graça, pomposo e vaidoso.
O contista Murilo Rubião tem a especial habilidade de criar situações a partir de passagens
bíblicas bastante genéricas. Considere essas palavras do livro de Zacarias, XIV, 7:

E haverá um dia conhecido


do Senhor que não será dia
nem noite, e na tarde
desse dia aparecerá a luz.

Note como no seguinte trecho do conto “A flor de vidro” o autor criou uma situação que
parece ser a manifestação concreta das circunstâncias descritas na passagem bíblica:

Da flor de vidro restava somente uma reminiscência amarga. Mas havia a saudade de
Marialice, cujos movimentos se insinuavam pelos campos – às vezes verdes, também
cinzentos. O sorriso dela brincava na face tosca das mulheres dos colonos, escorria pelo
verniz dos móveis, desprendia-se das paredes alvas do casarão. Acompanhava o trem de
ferro que ele via passar, todas as tardes, da sede da fazenda.
- Murilo Rubião, O pirotécnico Zacarias e A casa do girassol vermelho

O conto “A cidade”, do mesmo autor, concretiza as palavras do Eclesiastes, X, 15.

O trabalho dos insensatos


afligirá aqueles que não
sabem ir à cidade,

Destinava-se a uma cidade maior, mas o trem permaneceu indefinidamente na


antepenúltima estação.

Cariba acreditou que a demora poderia ser atribuída a algum comboio de carga
descarrilado na linha, acidente comum naquele trecho da ferrovia. Como se fizesse
excessivo o atraso e ninguém o procurasse para lhe explicar o que estava ocorrendo,
pensou numa provável desconsideração à sua pessoa, em virtude de ser o único
passageiro do trem.

- Murilo Rubião, O pirotécnico Zacarias e A casa do girassol vermelho

Observe quantos substantivos abstratos esse pequeno trecho contém:


conhecimento, oportunidade, exigências, implementação, compreensão,
cooperação e cumprimento. O texto é formal, certamente, cortês e inofensivo
também, mas não simpático e amigável, e tampouco interessante.
Um memorando mais pessoal, informal e convidativo seria mais ou menos
assim:

Queira ler a cópia anexa de nossa nova Política de Recursos Humanos...


A fim de nos prepararmos para essa nova política, e nos adaptarmos a ela,
vamos aguardar alguns meses – até 1º de janeiro de 2003 – antes de lançá-la
oficialmente...
Implementar uma nova política como esta nunca é fácil. Obrigado por nos
ajudar a fazê-lo da forma mais confortável e simples possível.

É claro que, em alguns casos, uma certa dose de abstração é necessária –


textos teóricos, por exemplo, principalmente da área de ciências humanas. Os
bons autores sabem lidar com os termos abstratos de tal forma que lhes conferem
quase o caráter de algo concreto: recorrem a exemplos e imagens, especificam o
significado que pretendem, fazem o possível para que as palavras cheguem a
“materializar” uma ideia na mente do leitor.
Observe o trecho abaixo e, em seguida, compare-o com uma versão na qual
os substantivos concretos e precisos empregados pelo autor são substituídos por
termos abstratos ou genéricos:

Em que tipo de sociedade vivemos nós, habitantes deste tardio século XX?
Em mais de um, bem entendido. Os ingleses, os americanos ou os paulistas, por
exemplo, vivem quase todos numa sociedade industrial tipicamente
superurbanizada. Mas os papuas da Nova Guiné e os aborígines da Austrália
ainda estão na cultura paleolítica; e os membros da tribo do cacique Juruna são
índios aculturados, isto é, recém-colocados em contato sistemático com a
tecnologia e os valores da civilização moderna. Tudo isso significa que nossos
contemporâneos residem em mais de um tempo histórico, e que esses tempos,
que são como camadas na geologia da civilização, nem sempre se tocam.
- José Guilherme Merquior, A natureza do processo

? Em que tipo de sociedade vivemos nós, habitantes deste tardio século XX?
Em mais de um, bem entendido. Os ingleses, os americanos ou os paulistas, por
exemplo, vivem quase todos num estágio de industrialização cujas características
são típicas de grupos que atingiram um avançado nível no processo de
desenvolvimento de recursos industriais. Mas os papuas da Nova Guiné e os
aborígines da Austrália ainda estão no estágio cultural paleolítico; e as pessoas
pertencentes à tribo do cacique Juruna são índios que passaram por processo
pelo qual assimilaram, adotaram ou rejeitaram elementos culturais alheios, isto
é, apenas recentemente tiveram contato sistemático com o conjunto de
conhecimentos e os princípios morais próprios das sociedades que atingiram
certo grau de desenvolvimento tecnológico, econômico e intelectual.

A segunda versão não é muito menos agradável de ler, além de menos clara?
Também os escritores profissionais, que deveriam estar imunizados contra o
excesso de abstração, surpreendentemente sucumbem com frequência à
“abstratite”.
? Antes de prosseguir, quero definir alguns termos operacionais. Neste texto,
considero pertencer à essência de alguma coisa aquilo que, ao ser dado, necessita
que seja posta a própria coisa e que, ao ser suprimido, necessita que seja
suprimida a própria coisa; ou aquilo sem o qual a coisa não pode nem ser nem
ser concebida e que, vice-versa, não pode nem ser nem ser concebido sem a
coisa.
- Antonio Cicero, O mundo desde o fim

A tentativa de tornar o texto mais contundente por meio da abstração é um


tiro que pode sair pela culatra:

? As largas passadas em direção à flexibilidade da tecnologia da informação


e a resultante disponibilidade de equipamentos sofisticados e acessíveis está
tornando o trabalho em casa uma possibilidade real para centenas de milhares de
pessoas.
- monografia de um estudante de Economia

Há muitos problemas nessa passagem: o uso do verbo no singular (está) com


o sujeito no plural (As largas passadas em direção à flexibilidade da tecnologia
da informação e a resultante disponibilidade de equipamentos sofisticados e
acessíveis) e o recurso a clichês (largas passadas em direção a, uma
possibilidade real) são os mais graves. Mas o ponto em que devemos nos
concentrar aqui é o uso dos substantivos abstratos: flexibilidade, disponibilidade
e possibilidade – que além de tudo acabam criando um efeito de eco no texto – e
o sintagma nominal não específico: equipamentos sofisticados e acessíveis.
Nenhum desses termos produz uma imagem na mente do leitor; nenhum tem
força para prender a atenção; nenhum vai direto ao ponto. O texto seria bem
mais eficaz se pelo menos relacionasse alguns substantivos concretos – aparelho
de fax, computador e Internet.
E quem está no foco da discussão nessa passagem? Não é você nem qualquer
outra pessoa com quem você possa se identificar, ou de quem possa formar uma
imagem mental; em vez disso, o texto apresenta uma massa vaga, sem rosto e
incontável: centenas de milhares de pessoas.
Por fim, atente para o formato do trecho: uma declaração generalizada. Tais
generalizações são bem mais facilmente absorvidas se precedidas por exemplos
específicos – como na seguinte versão sugerida para o parágrafo:

Você acaba de completar um relatório financeiro e o está conferindo na tela


do computador. Parece bom. Depois de salvar o arquivo, você se conecta à
Internet e o envia para o endereço eletrônico do seu chefe. Meia hora mais tarde,
seu aparelho de fax começa a imprimir os comentários e as sugestões do chefe.
O que você estava fazendo nesses trinta minutos? Talvez tomando um banho,
preparando o almoço ou dando comida aos gatos.

Para você e centenas de milhares de outras pessoas, trabalhar em casa agora


é uma opção viável – graças à moderna tecnologia da informação e a aparelhos
sofisticados e de baixo custo.

Os novos elementos reunidos no primeiro parágrafo contribuem para a tarefa


de atrair o leitor. A primeira palavra, Você, é provavelmente uma das que mais
prendem a atenção: ela estimula o leitor a encarar o conteúdo de um ponto de
vista pessoal, relacionando-o à sua própria vida.
Os substantivos são, em sua maioria, concretos, referindo-se a objetos
materiais que o leitor facilmente imagina: tela do computador, aparelho de fax,
gatos, entre outros.
A forma do parágrafo é a de uma narrativa que apresenta uma breve cena da
vida real – algo que o leitor pode visualizar, como um clipe, em sua imaginação.
Os verbos reforçam essa apresentação dramatizada, quase todos são ativos e
dinâmicos: conferir, enviar, imprimir, alimentar.
Finalmente, uma hábil reviravolta na cena dramática – a mudança de
perspectiva, de um escritório para a sua casa – complementa a ideia que o
parágrafo tem por função exprimir.
No momento em que alcançamos o segundo parágrafo, a batalha chegou ao
fim: a resistência do leitor já desmoronou, e ele, ávido, continua lendo. O
segundo parágrafo pode prosseguir agora, em segurança, e apresentar a moral da
história. O leitor já encontrou o rumo e já não acha difícil ou entediante seguir o
raciocínio mais abstrato e assimilar a mensagem mais genérica.
Os redatores de relatórios comerciais, súmulas de reunião e projetos em geral
costumam empregar frases vagas e abstratas em excesso. Daí que esses textos
sejam, muitas vezes, insípidos, deixando no leitor a sensação de que se dá muita
volta para dizer pouca coisa. Observe com atenção escritos desse gênero e
procure imaginar alternativas que tornariam o texto mais instigante e eficaz na
comunicação.
O truque é perguntar-se constantemente à medida que se escreve: O quê?
Onde? Quem? Como? Quando? Por quê? Se, em algum ponto, uma dessas
respostas surgir, decida se ela é relevante. Se assim for, inclua-a no período que
lhe deu origem.
É claro que algumas vezes é preciso ser vago. Os detalhes importantes
podem ser confidenciais e, por esse motivo, talvez você se veja obrigado a
ocultá-los. Ou talvez você queira mesmo distanciar o leitor – a fim de incentivá-
lo a encontrar algumas respostas por si próprio. Lembre-se, porém, de que, como
regra, é o autor que deve fazer o trabalho preliminar, e não o leitor. Quanto mais
você se preocupar em comunicar suas ideias e informações com clareza, mais
rápido e com maior exatidão seu leitor poderá absorvê-las, e mais satisfeito
ficará com você.

VOCABULÁRIO DE ALTO RISCO

Existem muitas armadilhas e tentações à espreita do redator incauto –


clichês, jargões e outros conjuntos de termos que comprometem a legibilidade
do texto.
Não que esses grupos de palavras sejam totalmente proscritos. Um clichê ou
uma gíria ocasional pode se mostrar muito eficaz no contexto certo; eufemismos
e jargões são adequados em algumas circunstâncias. Mas tome cuidado com esse
vocabulário de alto risco.

Jargão
Se as seguintes citações tivessem sido escritas para especialistas, sua
redação estaria apropriada.
Mas trata-se de três obras destinadas ao público leigo: um guia de leitura de
um romance para iniciantes, um manual de primeiros socorros e uma matéria de
jornal. As áreas de conhecimento são diferentes (Literatura, Medicina e
Economia) mas a impropriedade no emprego da linguagem especializada é a
mesma.

? Para o narrador da modernidade, não se trata mais de criar a ilusão da


objetividade e da linearidade fatual do relato épico. O que ele tem a contar não é
“uma vida de jagunço”, mas a exploração da existência fragmentada e mutante
da “matéria vertente”, distinguindo-se fundamentalmente do relato objetivo que
encerra o romance.
- Kathrin Rosenfield, Grande Sertão: Veredas – Roteiro de leitura
? Outro tipo de acidente alérgico de grave prognóstico é o edema
angioneurótico. Tendo origem tanto alimentar como medicamentosa é entretanto
mais observado por ocasião da aplicação de injeção contendo antibióticos
procainados. O ataque é instantâneo e o paciente pode morrer dentro de poucos
minutos, por colapso respiratório determinado por uma obstrução da laringe
devida a um edema localizado nesta região.
- M. N. Oliveira, Primeiros socorros

? A deterioração da percepção dos investidores externos é também


preocupante. São claros os sinais de escassez de crédito externo para rolagem da
dívida (privada) brasileira. A significativa elevação da taxa de risco-país (acima
de 1.300 pontos) torna inviável do ponto de vista empresarial a recontratação de
grande parte das operações. Assim, as empresas buscarão substituir o
endividamento externo por fontes domésticas e pressionarão o mercado de
câmbio para liquidar parte dos bônus vincendos no exterior. Essas pressões sobre
a taxa de câmbio estão concentradas neste mês e ainda persistirão em julho e em
agosto. Elas poderão agravar-se se os investimentos diretos se retraírem e,
evidentemente, podem tornar-se desestabilizadoras se sobrevier adiante uma
perda mais séria de confiança.
- Folha de S. Paulo, 16 de junho de 2002

O problema é que as obras em questão não se destinam a especialistas no


tema de cada uma delas, mas a leigos – leigos cultos, é verdade, mas ainda assim
pessoas que talvez não dominem o vocabulário específico dessas áreas.
Como o autor, em cada um desses casos, pretende servir aos interesses dos
leitores utilizando termos técnicos assim ininteligíveis?
Podemos dizer que a palavra jargão tem um sentido negativo e outro, neutro.
No sentido neutro, jargão é a linguagem profissional de um grupo especializado,
o vocabulário técnico que permite uma comunicação precisa e eficaz. Os físicos,
por exemplo, falam de quarks e léptons; se todas as vezes em que se
expressassem tivessem de “traduzir” os termos técnicos para a linguagem leiga,
dificilmente conseguiriam trocar ideias. Da mesma forma, professores de
filosofia normalmente têm de usar termos do jargão como catarse ou imperativo
categórico como código profissional durante um debate.
Observe que esses termos do jargão nem sempre são palavras obscuras:
físicos também falam de buracos negros; programadores de computador, de
portas; economistas, de renda e de fantasmas (como em empresas fantasmas);
enólogos, de buquê, e assim por diante. São os conceitos, mais do que as
palavras, que deixam o leigo desconcertado. É basicamente isso que diferencia o
jargão da gíria: esta tende a consistir em palavras que designam conceitos muito
familiares e comuns – como alto, doidão e em cana para “embriagado”,
“drogado” e “preso”.
Se o jargão se limitasse às suas funções de código profissional, estaria livre
do sentido negativo. Mas ele extrapola os limites de diversos modos.
Aqueles que fazem parte do grupo, os experts, muitas vezes usam o jargão
não só visando ao propósito da comunicação eficaz, mas também com o intento
de se distinguir – como se o jargão fosse uma espécie de código secreto ao qual
só alguns eleitos tivessem acesso. Tais pessoas empregam os termos técnicos
como uma arma para impressionar, intimidar ou iludir aqueles que não fazem
parte do mesmo grupo, infundindo-lhes admiração ou submissão, ou como uma
tela para embaçar o que dizem a fim de esquivar-se a compromissos ou
responsabilidades.
Vejamos cada um desses casos.

Jargão elitista. Os leigos há muito tempo reclamam do discurso cifrado dos


experts. Cada vez mais, atualmente, alguns especialistas – “traidores da classe” –
questionam o uso do jargão. Há críticos literários que se perguntam hoje se
realmente precisam de termos como engagé ou textualidade para expressar suas
ideias. Consideram que o uso exagerado de termos incompreensíveis para o
leitor leigo não condiz com uma de suas tarefas como profissionais: esclarecer o
público.
O emprego do jargão corresponde às necessidades de cada classe para o
exercício de sua atividade. Radialistas, policiais, médicos, advogados, enfim,
cada grupo profissional domina o jargão que lhe corresponde. O jargão atende
assim às mais variadas profissões e posições sociais.
Observe como um dos mais importantes sociólogos brasileiros emprega o
jargão de sua área sem tornar o texto incompreensível ao leigo.

Na série de estudos do passado social brasileiro iniciada com Casa grande &
senzala, Sobrados e mocambos foi o segundo ensaio dedicado por nós à
reconstituição e à interpretação – ou à tentativa de interpretação e de
reconstituição – do patriarcado ou da família tutelar no Brasil. Aparece agora, do
mesmo modo que aquele primeiro estudo, sob o título geral de Introdução à
história da sociedade patriarcal no Brasil.

É nosso propósito procurar completar a série com outros dois ensaios: Ordem
e progresso, dedicado ao estudo da transição do trabalho escravo para o livre em
nosso país e ao processo, na sua última fase, de desintegração das sociedades
patriarcal e semipatriarcal entre nós, e Jazigos e covas rasas, que será uma
tentativa de estudo não só dos métodos como da mística de sepultamento em
nossa sociedade patriarcal, considerados esses métodos e essa mística como
extensão do complexo patriarcal de segregação e de sobrevivência de família e
de expressão do espírito patriarcal de casta, em contraste com o descaso pelos
mortos quando escravos pagãos e extradomésticos, ou indivíduos pobres, ou sem
eira nem beira.

Vê-se pelo desdobramento desse plano de estudo ou de tentativa de estudo


(pois não se trata de tarefa para um indivíduo só, devendo por isto o indivíduo
que se aventurou a esforço tão grande contentar-se em tentar simples obra de
sugestão em torno do assunto extremamente complexo) que não está, nem nunca
esteve, no nosso propósito fazer do açúcar ou da comunidade ou da área
açucareira no Brasil (litoral do Rio de Janeiro, o Recôncavo da Bahia, a “mata”
de Pernambuco e das províncias ancilares, o litoral do Maranhão) a base única
do estudo histórico-sociológico, a que nos arriscamos, do patriarcado
escravocrático no Brasil.
- Gilberto Freyre, Sobrados e mocambos

Observe agora como outro autor, da mesma área, emprega o jargão de tal
maneira que seria preciso “traduzir” a passagem para que o leitor comum
pudesse entendê-la.

? O exclusivismo português nas esferas do intercâmbio, a manutenção e


reprodução de atividades produtivas especializadas, além dos procedimentos de
arrecadação fiscal, foram as formas principais de intervenção jurídico-política na
área econômica e financeira. Elas asseguravam as necessárias transferências de
capital do setor subordinado colonialmente para o dominante, que era, em
primeira instância, a Formação Social Portuguesa. O conjunto das práticas
intervencionistas estatais, que reproduziam essa subordinação, adquiria a
necessária coerência na produção e transformação de uma ideologia colonialista.
Essa última assinalava aos diversos agentes sociais o lugar e as práticas de
autorreconhecimento nessa estrutura dominada. Assim, por exemplo, era
necessário que os proprietários de terras e de escravos não somente se
identificassem como tais, como nesse autorreconhecimento também
incorporassem a segurança que lhes era garantida mediante aceitação dos limites
que configuravam a subordinação de tipo colonial.
- Manuel Maurício de Albuquerque, Pequena história da formação social
brasileira

O uso do jargão não é condição sine qua non para a formulação de reflexões
especializadas. Mesmo escrevendo para um público que tenha trânsito no campo
de conhecimento em questão, há muitos autores que preferem uma linguagem
acessível a todos.

Quando nos colocamos ante uma obra, ou sucessão de obras, temos vários
níveis possíveis de compreensão, segundo o ângulo em que nos situamos. Em
primeiro lugar, os fatores externos, que a vinculam ao tempo e se podem resumir
na designação de sociais; em segundo lugar o fator individual, isto é, o autor, o
homem que a intentou e realizou, e está presente no resultado; finalmente, este
resultado, o texto, contendo os elementos anteriores e outros, específicos, que os
transcendem e não se deixam reduzir a eles.
- Antonio Candido, Formação da literatura brasileira

Felizmente, pelo menos alguns experts se recusam a preservar intacto o


seletivo caráter do jargão. Quando se comunicam com um público amplo,
procuram elucidar os termos técnicos, franqueando o acesso a seus textos.

Jargão com intuito de manipulação. Outro tipo de uso abusivo do jargão:


quando os experts o empregam não só para excluir os leigos, mas também para
manipulá-los. Essa é uma acusação que se costuma levantar principalmente
contra médicos e advogados. Os médicos podem confundir os pacientes com o
excesso de minúcias, “explicando” uma pele oleosa como seborreia epidérmica
crônica, por exemplo. E os advogados talvez prestassem um serviço a mais a
seus clientes se esclarecessem o que significa ad hoc, na presença das partes e
ab-rogar, e assim por diante.
O argumento tradicional dos advogados é que apenas o “juridiquês” pode
estabelecer definições e fechar todas as brechas legais. Entretanto, numa
tendência aparentemente mundial, cada vez mais vamos descobrindo que é
possível usar uma redação mais simples. Nos Estados Unidos, por exemplo,
algumas importantes firmas de advocacia empregam redatores para editar cartas
enviadas a clientes e até para aconselhá-los a respeito da redação de contratos.
Em Nova York e outras cidades americanas, existem regulamentos exigindo que
locadores, corretores de imóveis, construtoras e similares redijam seus contratos
de aluguel, empréstimos e outros documentos em linguagem compreensível para
os leigos.
Na Grã-Bretanha, há alguns anos, a Assembleia Legislativa de Bradford
corajosamente – e com êxito – reescreveu seus códigos em “inglês simples”,
tendo para isso contratado um grupo de “não-especialistas” – formado por
jornalistas, bibliotecários, professores etc. – para reescrever as normas com a
ajuda de um advogado.
Os resultados foram excelentes. Não apenas a versão revisada parece cobrir
todas as brechas, mas também, como disseram na época, eliminou algumas
falhas deixadas pela versão original.
A moral dessa história é a seguinte: mesmo em contextos especializados, se
houver uma parcela de leitores leigos, o jargão deve ser utilizado apenas quando
for indispensável. O emprego de termos técnicos em uma publicação científica é
aceitável: poucos leigos algum dia terão de decifrar seu conteúdo. Mas em um
manual de instruções normativas para redação de contratos a linguagem deve ser
acessível, pois a obra se destina não só a advogados, mas também a leigos
prestadores de serviços.
Ainda na Grã-Bretanha, no rastro de um relatório governamental de 1981, a
maioria dos formulários oficiais – inclusive o do imposto de renda – tornou-se
de muito mais fácil compreensão. Agora há até cursos sobre como redigir
relatórios, formulários e outros documentos simples e sem jargões. Esses cursos
vêm sendo adotados por bancos, seguradoras etc.
Segundo essa tendência, em breve tais instituições não serão mais citadas
como exemplos para justificar o uso de um jargão burocrático e ininteligível. Se
você receber documentos escritos em um “oficialês” incompreensível, devolva-
os pedindo uma explanação clara, em linguagem simples.

Jargão que oculta significados. O terceiro e pior tipo de abuso do jargão: sua
utilização para obscurecer ou ocultar os sentidos das palavras. Em vez de
especificar ou matizar determinado significado como faz o “bom” jargão, o
“mau” jargão é criticado exatamente por sua falta de clareza.
É o jargão típico dos discursos oficiais, nos quais tudo tem que ser dito, mas
sempre de maneira a não provocar desagrado na população. Observe, na
entrevista abaixo, como as respostas são pouco esclarecedoras para o leitor
médio:

O GLOBO: Nestes quatro meses que faltam para as eleições, o governo está
evitando tomar decisões que possam amarrar o sucessor?

PEDRO PARENTE: Acho que existe uma questão de legitimidade que


deve fazer parte dessa discussão. Mas também temos a visão das coisas que o
governo tem que fazer, ainda que haja discordância sobre esses temas por parte
de algumas equipes dos candidatos de oposição. Se acreditamos que ela é
fundamental e precisa ser feita, então temos legitimidade.

O GLOBO: O que o governo acha legítimo que deve ser feito até outubro?

PARENTE: A desverticalização do setor elétrico, por exemplo. Acho


fundamental que seja feita a separação entre a parte de transmissão e a da
geração das três usinas hidrelétricas estatais: Furnas, Eletronorte e Chesf. Se não
houver a separação, as usinas continuarão tendo um poder de mercado que
inviabiliza a existência do setor privado. E isso é um risco, notadamente numa
área em que o investimento é fundamental. Então isso está decidido. O que não
implica dizer que tomaremos qualquer decisão em relação à privatização dessas
empresas, que fica para o próximo governo.
- O Globo, 26 de junho de 2002

Esse tipo de jargão se caracteriza pelo recurso a evasivas, como a voz


passiva (Então isso está decidido em vez de Então decidimos isso), abstrações e
generalizações (uma questão de legitimidade, coisas que o governo tem que
fazer... esses temas...) e, sobretudo, um vocabulário repleto de palavras muito em
voga e pouco claras (desverticalização).
Os políticos são useiros e vezeiros desse jargão. Abaixo encontram-se
transcritas declarações de candidatos nas eleições de 2002.

– (...) Eu mesmo apresentei a proposta de aumento do superávit fiscal e


primário há duas semanas. Houve críticas da oposição, mas depois ela adotou
esta posição, que é a linha correta (...). Não é exagerado dizer que a aliança da
qual faço parte é que tem mais condição de manter a estabilidade, promover o
crescimento rápido e a distensão econômica e acelerar o crescimento da
produção e do emprego.
- O Globo, 23 de junho de 2002

– No Brasil, a estabilidade é um valor tão difundido que já não é mais uma


obsessão. Quando o tema surgiu na campanha de 1994, era preciso que todos se
unissem para que ela não se perdesse. Agora, a conquista está consumada e deve
ser preservada. Mas surgiram novos objetivos. Um deles é o crescimento, que
precisa ser perseguido com determinação.
- Veja, 31 de outubro de 2001
Embora se trate de adversários políticos, os dois discursos são semelhantes:
genéricos, repletos de imprecisões e palavras da moda, afirmativos porém pouco
explicativos, pautados em supostos fatos ou verdades impessoais (Não é
exagerado dizer...).
O jargão burocrático contaminou amplamente a linguagem. Mas parece que a
consciência oficial desse fato está aumentando – bem como o respectivo
desencorajamento oficial.
E o público leigo exige mudanças.
Jornais e revistas acostumaram-se a publicar os mais flagrantes exemplos de
oficialês, e em diversos lugares do mundo organizações não-oficiais surgem para
acompanhar e combater a praga do jargão – a Campanha pelo Inglês Simples na
Grã-Bretanha e, nos Estados Unidos, a Comissão contra o Jargão Público (do
Conselho Norte-americano de Professores de Inglês).
Essas duas organizações concedem prêmios anuais – para os documentos
mais bem escritos e com menos jargões do ano, ou para os mais mal escritos e
mais cheios de jargões. Em 1983, por exemplo, o terceiro prêmio (de
consolação) da organização norte-americana foi para uma firma de contabilidade
que, ao fazer o inventário do prédio de um cliente, relacionou os alarmes de
incêndio como anunciadores de combustão. E, em 1987, a organização britânica
concedeu o “primeiro prêmio” de má redação para a Associação
Automobilística, pelo seguinte período de abertura em um folheto de serviços de
seguro:

?? Assim que um formulário e declaração escritos tiverem sido apresentados


e aceitos, tal formulário e declaração, já tendo sido paga a taxa, formarão a base
do Contrato e nós, os subscritos, consequentemente confirmaremos que, sob os
termos de uma política-mestra lançada por seguradoras do BIA e uma política
separada emitida por inspetores da Lloyds, tais Seguradoras e Inspetores sendo
Subscritos do Contrato (ao lado dos “seguradores”) em cada caso dos Serviços
Limitados de Seguro da Associação Automobilística, o Proprietário será
indenizado contra perdas ocorridas durante o Período de Cobertura, de acordo
com os termos das citadas políticas-mestras, cujo sumário está aqui contido, para
Avaria Mecânica ou Elétrica apresentada pelo Veículo Coberto, estando o
Proprietário desobrigado de quaisquer custos, exceto onde especificamente
declarado.

A tentação do jargão. Em seu texto, oral ou escrito – produzido numa situação


do dia-a-dia ou com fins profissionais –, o jargão pode estar à espreita, como
uma tentação permanente. O uso excessivo do jargão, principalmente em
contextos inadequados, chega a ser cômico. É o caso do pseudo-intelectual que
elabora um discurso incompreensível e provoca bocejos no ouvinte, ou do office-
boy que tenta impressionar o chefe empregando algumas das frases prediletas
dele de modo impróprio... Apesar disso, o jargão continua a exercer seu fascínio
tanto para leigos quanto para burocratas e especialistas.
Como se defender contra o canto da sereia do jargão? A melhor defesa, como
sempre, é estar ciente do perigo. Mantenha-se alerta.
E lembre-se sempre das seguintes verdades e táticas óbvias:

O fato de o jargão ter sido “sempre” usado em determinado contexto não é


justificativa para continuar a empregá-lo. Mesmo que as cartas comerciais
contenham tradicionalmente fórmulas como por meio desta, no aguardo,
subscrevemo-nos etc., não há razão para utilizar esse “comercialês” nas
cartas atuais.
Ainda que um texto seja redigido por “especialistas”, ele pode ser
simplificado e aclarado sem perder a precisão. Se o público-alvo for
composto por leigos, convém evitar o jargão – ou, se ele for imprescindível,
elucidar o significado das palavras incomuns.
Um texto que soa “impressionante” não é necessariamente mais confiável
do que uma versão mais direta e modesta.

Diante de um termo ou expressão de jargão, você pode testar sua


receptividade fazendo-se as seguintes perguntas: Ela realmente expressa um
significado? Eu a usaria numa conversa? Poderia ser substituída por sinônimo ou
paráfrase mais simples? Está sendo usada com outro propósito além da
comunicação clara? Se assim for, esses propósitos são legítimos?
Se todos aplicassem esses testes simples à escolha de suas palavras, muitos
exemplos desnecessários de jargão desapareceriam da noite para o dia.

Clichês
Os clichês têm sua utilidade. Eles servem como um tipo de código em cartas
informais ou comunicações apressadas. Descrever uma desavença familiar como
uma tempestade em copo d’água ou muito barulho por nada é um modo de
comunicar um pensamento simples com bastante eficácia. Economiza o tempo e
o trabalho do escritor, dispensando-o de procurar uma metáfora nova (como
Fulano, Beltrano e Sicrano transformam lagartixa em jacaré) ou elaborar uma
explicação complicada e longa (como uma exposição exacerbada de nossas
diferenças, desproporcional à questão corriqueira que a causou). E economiza o
tempo e o trabalho do leitor, que teria de decodificar tal reformulação.
Em redações menos informais, porém, as objeções aos clichês se justificam.
Como a linguagem é o espelho do pensamento, a linguagem corriqueira e pouco
criativa dos clichês sugere um pensamento igualmente corriqueiro e pouco
criativo. Muitas vezes, os leitores ou ouvintes podem considerar as opiniões de
quem emprega clichês como de segunda mão. As pessoas acham que, se o
escritor não se dá ao trabalho de expressar suas ideias de forma original ou
cuidadosa, então ele provavelmente tem preguiça também de analisar seu tema
de forma original e cuidadosa. Justa ou injustamente, esse autor costuma ser
considerado inoportuno – um pouco como o chato que está sempre contando
piadas velhas.
A palavra clichê vem do francês. Seu sentido literal nessa língua é
“estereótipo” ou “estereotipado”. Estereótipo, originalmente, era uma placa de
metal para impressão forjada em um molde. (O verbo francês que se refere a
esse processo, clicher, desenvolveu-se em imitação ao som produzido quando a
matriz, ou molde do tipo, era depositada no metal derretido para fazer uma placa
de estereótipo.) Dessa imagem de uma placa de impressão que produz a mesma
página repetidamente, originou-se o sentido de uma frase, ideia ou cena que já
foi empregada demasiadas vezes – uma expressão sem originalidade, um lugar-
comum, um clichê.
Os clichês estão disponíveis em vários formatos e tamanhos (para usar um
clichê). Eis uma sugestão de inventário das variedades dos clichês, com alguns
exemplos para cada um. Naturalmente, existe certa sobreposição entre eles.

Provérbios e máximas. Ainda que bem-intencionados como conselhos ou


consolos, muitas vezes conseguem apenas irritar o ouvinte:

Casa de ferreiro, espeto de pau.


Não adianta chorar sobre o leite derramado.
Uma andorinha só não faz verão.
Devagar se vai ao longe.

Expressões idiomáticas. Este conjunto de expressões há muito perdeu o


impacto:
fechado a sete chaves
em alto e bom som
um poço de sabedoria
a bola da vez

CLICHÊS DO MOMENTO

Algumas expressões que caem no gosto de determinado grupo acabam se tornando


clichês da noite para o dia. É o caso de bordões veiculados pela mídia ou utilizados por um
grupo valorizado socialmente. Em ambas as situações, as pessoas tendem a incorporar
para sua própria linguagem os vícios alheios.

Em uma de suas crônicas, o escritor Jair Ferreira dos Santos fez um comentário bastante
ácido sobre o emprego de bordões:

A nova desgraça – você não tá entendendo! – é a língua-bordão. Há uma multidão de


mulheres substituindo as vírgulas e principalmente os pontos de exclamação por bordões
desse tipo. Pela primeira vez é um repertório que entra na moda como exclusividade de
um único sexo. Do ponto de vista semântico, no entanto, a língua-bordão é unissex. Serve
para todos os gostos e sentidos. “Eu tô cho-ca-da!”, por exemplo, carro-chefe dessa
geração Word2002, serve à euforia e à depressão.

Por mais que elas pontuem esses bordões com aqueles trejeitos marotos que fazem a
ventura do ser mulherzinha, por mais graciosas que fiquem com os olhinhos fingindo
espanto, me desculpem a franqueza – ninguém merece!

(...)

O fenômeno não tem nada a ver com o empobrecimento de linguagem que tempos atrás
sequestrou o “a nível de” dos discursos acadêmicos e o deixou exclusivo de homens e
mulheres que precisassem de um viagra intelectual na hora de demonstrar empáfia verbal.
O papo agora é outro. Antes simulava-se sabedoria. A língua agora mexe-se na direção do
espanto afirmativo. Com certeza!

Essas mulheres parecem todas inspiradas pela dona Jura, de O Clone, e querem para si
um bordão como o “Não é brinquedo não!”. Poucas se deram ao trabalho de cunhar um
bordão exclusivo, como fez uma das repórteres desta revista – que hoje, muito orgulhosa,
benze cada uma de suas frases de euforia jornalística e existencial com o “sou louca de
paixão” servindo de liga entre as orações. Em geral, no entanto, suas colegas de moda
oral apostam no consagrado. Se lhes fosse pedida uma explicação do prazer que sentem
nisso, de onde vem a nova onda, com certeza diriam: “Fala sério! Não tô podendo!”
- Jornal do Brasil, 10 de março de 2002

É preciso dosar também o uso das gírias. Essas novas palavras, ou novos sentidos, que
surgem e eventualmente desaparecem em pouco tempo podem significar uma renovação
no vocabulário. Se usadas em excesso, porém, acabam por empobrecê-lo. Se todo
acontecimento for uma parada, se tudo o que parecer bom ou ruim demais for sinistro,
então como será possível comunicar as pequenas diferenças existentes entre as coisas e
suas qualidades?
Um tipo particularmente comum de expressão idiomática transformada em
clichê é o “dueto”– duas ou três palavras que parecem ser uma combinação
inseparável, estar sempre juntas como “unha e carne”:

gregos e troianos
móveis e utensílios
sem pé nem cabeça
longo e tenebroso inverno
nem tanto ao mar nem tanto à terra
cobras e lagartos

Imagens desgastadas e símiles enfraquecidas. Diversas metáforas, que podem


ter sido brilhantes logo que apareceram, tornaram-se insípidas com o excesso de
uso e perderam seu objetivo metafórico original.

fechar com chave de ouro


fazer das tripas coração
perder o bonde da história
tirar o cavalo da chuva

Um parente próximo da metáfora desgastada é a símile engessada em uma


expressão muito repetida:

apanhar mais do que judas em Sábado de Aleluia


cair como uma luva
cair como uma bomba
vender feito água

Citações mortas e alusões sem propósito. Estas, em geral, vêm de autores


antigos ou da Bíblia, e muitas vezes são citadas de modo equivocado. Tal tipo de
clichê atrai especialmente o exibicionista:

é perdoando que se é perdoado


dar a outra face
ser ou não ser
por mares nunca dantes navegados
O adjetivo inevitável. Muitos escritores e oradores parecem incapazes de usar
um substantivo sem usar também o adjetivo que tradicionalmente o acompanha:

carreira meteórica
obra faraônica
parcos conhecimentos
silêncio sepulcral

Também os advérbios às vezes se encontram firmemente ligados a


determinado verbo ou adjetivo – ou irremediavelmente ligados, como se costuma
dizer:

perdidamente apaixonado
hermeticamente fechado
morto prematuramente

Apelidos, títulos ou alcunhas. Novamente, o lado exibicionista das pessoas as


incita a evitar chamar uma pessoa, um lugar ou uma coisa pelo seu nome
comum, e a escolher, em vez disso, um título “diferente” – brincalhão ou solene
–, que, na verdade, não é diferente do título usado por milhões de outras pessoas:

cara-metade
Cidade Luz
Pulmão da Terra
Galinho de Quintino

Slogans profissionais. Políticos, advogados e “celebridades” tendem a utilizar


um repertório de fórmulas supostamente adequadas a todas as ocasiões:
sem comentários
um homem que dispensa apresentações
pura especulação
apenas bons amigos

Estrangeirismos. Expressões em idiomas estrangeiros também estão entre as


prediletas dos fãs dos clichês:

la dolce vita
by the way
c’est la vie

Fique atento também a alguns clichês mais recentes – provas de que a


indústria de clichês vai (para aproveitar um clichê) muito bem, obrigado.
Três tipos podem ser identificados aqui. Primeiro, os irritantes bordões
divulgados pela mídia e irrefletidamente repetidos em conversas informais
rotineiras:

Correr para o abraço


Ninguém merece
É ruim, hem
Fala sério

Em segundo lugar, alguns clichês jornalísticos modernos.

politicamente correto
tecer comentários
costurar acordos
chegar a um denominador comum
administrar a vitória
demanda de usuários

E, em terceiro lugar, aqueles clichês usados na linguagem burocrática e de


negócios – uma combinação de clichê e jargão:

despencar (ações)
oportunidade de mercado
foco no cliente
otimizar o desempenho
disponibilizar recursos
vantagem competitiva

Modismos
Modismos são termos que caem de repente no gosto popular – às vezes por
pouco tempo. Eles permeiam igualmente as conversas cotidianas e o jornalismo
pretensioso: parâmetro, a nível de, gratificante, enfim, e assim por diante.
Os modismos têm características tanto de jargão quanto de clichê – de um
lado, como o jargão, supõe-se que impressionem os ouvintes ou leitores e
confiram status aos que os utilizam; de outro, como os clichês, muitas vezes são
um veículo sem sentido, antigo e impreciso de expressão de uma ideia.

? A inquietude do consumidor – que não “pula de cerca” mas aproveita a


oportunidade de trocar, sem dó nem piedade, uma de quarenta por duas de vinte
– é encarada pelo designer em meio a uma cascata de desafios. A começar pela
fidelidade, vocábulo passé-composé, como boca de sino e fivela dourada em
qualquer modelito que exija, tão pouco e somente, bom senso. O consumidor
vibra com um leque de ofertas infinitamente superior ao “tutu” reservado a
determinada despesa. Uma enxurrada de opções, uma sequência numerosa de
negativas. Até o “vou levar...”, e haja estrada. Por dia, o coitado do sujeito
recebe, aproximadamente, três mil mensagens de marketing. A capacidade de
assimilação do cérebro é bem menor.
- Geração, maio de 2002

TIPOS DE MODISMO

Eis uma breve lista de modismos, organizados em grupos:


palavras que brotam de alguma esfera de discurso especializada – jurídico,
político, científico, psicológico ou outros – e passam ao uso generalizado
(frequentemente distorcendo o sentido original e não apenas o ampliando). O
termo salto quântico, por exemplo, provém da esfera da física nuclear.

E quanto aos seguintes termos? Você saberia dizer qual é sua origem?

adrenalina ato falho carisma


catalisador clone defasagem
dicotomia feedback interface
logística masoquismo neurótico
progressão reação em cadeia repressão
simbiose síndrome sinergia
tentativa e erro trauma viável

palavras que possuem uma ampla gama de sentidos e que podem ser usadas
repetidas vezes, como uma peça de roupa versátil, em contextos muito diferentes.
O escritor não precisa adaptar seu vocabulário a nenhuma ocasião especial. Por
que se esforçar para encontrar uma palavra específica e exata que expresse sua
ideia, quando há um modismo que pode ser mais ou menos adequado? (Isso não
significa que esses termos nunca devam ser empregados – mas é bom estarmos
atentos para não usá-los quando existirem palavras mais precisas e expressivas.)

autêntico básico construtivo


contemporâneo dimensão dinâmico
estratégia fator fenômeno
marginal meio ambiente operacional
perspectiva principal realista
relevante robusto significativo
situação sólido verossímil

Esses termos às vezes são usados não como um substituto fácil para uma palavra mais
exata, mas como uma peça desnecessária de “estofo verbal”.

Expressões enxutas como especialistas em física nuclear podem ser aumentadas para
especialistas no campo da física nuclear. O velho tempo chuvoso soaria mais imponente
como condições climáticas de umidade.

palavras bombásticas adotadas por oradores que têm o propósito de impressionar


ou parecer especialistas:

ambiência = ambiente
arquetípico = típico
conceitualizar = explicar
contabilizar = somar
demanda = procura
detonar = desencadear
discutir = conversar
elenco = grupo
escalada = aumento
extrapolar = exagerar
finalizar = terminar
global = mundial
implementar = executar, realizar
literatura = informações impressas
manipular = controlar
mentalidade = atitude
mínimo = pequeno
monitorar = acompanhar
motivar = incentivar
no sentido de = para
objetivar = pretender
palpável = evidente
patamar = nível
penalizar = punir
percepção = opinião
posicionamento = posição
pragmático = prático
sabotar = estragar, destruir
significativo = importante
sinalizar = indicar
subjetivo = pessoal
usuário = cliente

exageros tolos, que já não são mais privilégios de adolescentes:

banho de sangue crise


definitivo excitante
fabuloso fantástico
horror impensável
impressionante inacreditável
inconcebível infinitamente
inúmeros mágico
marco (de uma época) revolução (uma revolução na moda)
sensacional surreal
terrível trágico

gírias típicas do jornalismo ou das várias subculturas urbanas modernas.

Estas são palavras adotadas com o intuito de transmitir seriedade ou parecer estar “por
dentro”:

cruzada = campanha
fogo cruzado = ataque
freios = limites
in = na moda
intelligentsia = a classe intelectual
lance = fato, acontecimento
malhar = criticar
mordaça = censura
out = fora de moda
produzir resultados = realizar, conseguir
relaxar = acalmar-se
sondagem = investigação, pesquisa

metáforas pretensiosas ou desgastadas, novamente características de textos


sensacionalistas:

bomba = surpresa
cirurgia plástica = melhoria
disparar = afirmar
gorduras = excessos
homem forte = déspota
liquidar = matar, destruir
maquiar = disfarçar
maratona = atividade de longa duração
orquestrar = organizar deliberadamente
reflexo = automático
traumatizado = em sofrimento moral

Esse trecho exemplifica vários tipos de modismos, não só no vocabulário,


mas no próprio tom do texto, pautado pelo humor fútil, no estilo “besteirol”, que
passou a ser muito comum no jornalismo descompromissado desde a década de
1980.
Observe que os modismos, em geral, não são termos novos. Eles tendem a
ser palavras de antigo registro histórico que, repentina e misteriosamente,
passam a estar na boca de todos, às vezes com uma ligeira alteração de
significado – o verbo detonar, por exemplo, como em A renúncia do ministro
detonou uma crise política, que passou a ser usado com o sentido, quase
antagônico ao da acepção primeira (fazer explodir), de iniciar, começar.
Observe, também, um detalhe importante: muitos termos e significados
novos que passam ao uso corrente são acréscimos genuínos e válidos à
linguagem. Preenchem lacunas no vocabulário e não merecem ser
estigmatizados como modismos ou evitados como convencionais. A palavra
monetarismo, por exemplo, entrou em voga nos anos 80 porque o conceito de
monetarismo entrou em voga nessa época. Tome ainda como exemplo os termos
low-profile e cenário, como em É melhor que ela adote um estilo low-profile até
o escândalo estourar e Um cenário preocupante é a velha guarda retomar o
poder. Como poderia um escritor expressar de forma econômica os complicados
conceitos representados pelos dois termos?
Talvez o mesmo tenha ocorrido com os termos e expressões antissocial,
contraproducente, multifuncional, marketing pessoal e símbolo de status. Usados
em seus devidos lugares, esses termos populares são extremamente úteis para
oradores e escritores. Mas, mesmo assim, use-os apenas ocasionalmente. E,
quando arriscar uma palavra da moda, pare e pense se não o está fazendo só para
ser aceito pelo senso comum. E, sendo este o caso, pergunte-se se deseja mesmo
usar tal palavra.

Eufemismo
Dizer a um empregado Você está dispensado demonstra mais sensibilidade
do que lhe dizer Você está despedido. Falar de uma doença social em vez de uma
má distribuição de renda é desnecessariamente tímido e cauteloso.
O eufemismo – uso de uma palavra ou expressão inofensiva no lugar de uma
que pode soar agressiva de tão explícita – apresenta dois lados: de um, a
delicadeza; do outro, o excesso de tato. A linha divisória entre eles é tênue, e
varia de contexto para contexto. Usar o verbo morrer ao consolar parentes
enlutados pode ser arriscado: um eufemismo como descansar se ajustaria ao
propósito. Mas, em outros contextos, esse recurso seria ridículo e inadequado: ??
A polícia invadiu o local atirando: três integrantes da gangue descansaram na
hora, e os outros dois ficaram gravemente feridos.
Fique atento ao seu público e ao contexto: a partir deles você pode optar por
usar ou evitar eufemismos.
Além disso, tenha consciência de alguns perigos:

O eufemismo, como os modismos, a gíria e o jargão, muitas vezes cai em


desuso rapidamente. Com o tempo, ele pode vir a se tornar o padrão e,
assim, pedir um novo eufemismo. Negro, por exemplo, usado
preferivelmente a preto para referir-se à raça, já está sendo preterido em
favor de afro-brasileiro. Ou, ainda, considere esta série de eufemismos, um
sucedendo o outro à medida que perdem a preferência: viver em pecado,
viver como marido e mulher, coabitar, morar junto, juntar-se. Ao evitar um
termo que seja tabu, verifique se o eufemismo escolhido está atualizado e
não adquiriu nuances constrangedoras.
Muitas vezes o eufemismo é impreciso e pode induzir a erros. A que
exatamente o eufemismo agressão sexual se refere – estupro ou tentativa de
estupro? O contexto pode ou não esclarecer a dúvida.
O eufemismo está sujeito ao mau uso e à manipulação. Políticos,
publicitários e economistas, entre outros, exploram eufemismos para
mascarar verdades desagradáveis sem chegar a mentir. Em alguns casos,
essa prática é inofensiva, mas, quando o que está em jogo é a divulgação de
problemas graves, ela se torna nociva. O quadro a seguir traz exemplos
esclarecedores.

TIPOS DE EUFEMISMO

Para muitas pessoas cuja imagem diante de um público pode ser afetada pela palavra –
políticos, porta-vozes, publicitários, coordenadores de campanhas etc. –, o eufemismo é
uma das armas preferidas. Redatores publicitários, por exemplo, com medo de alarmar
clientes em potencial, amenizam a dura realidade: uma embalagem tamanho econômico
ou padrão (pequena), um bilhete na classe econômica (barata), roupas para mulheres
cheinhas (gordas), filmes para adultos (pornográficos).

Sociólogos e psicólogos abusam dos eufemismos “sentimentais” (esquerdistas) ou


“cosméticos” (direitistas): população carente, situação de risco social, problemas de ajuste,
distúrbio de aprendizado, especial (deficiente), população de baixa renda, e assim por
diante.

Em textos jornalísticos é comum identificarmos o emprego de eufemismos que se mantêm


aquém dos limites da difamação sem, no entanto, confundir os leitores regulares: alegre
(embriagado), inabalável (obstinado), irreverente (grosseiro), extrovertido (ofensivo ou
ameaçador), realinhamento de preços (aumento de preços).

Os anúncios dos corretores de imóveis costumam ser o alvo, justa ou injustamente, de


piadas com o uso de eufemismos. Entre estes estão: facilidade de transporte (vista para a
linha de trem), ensolarado (muito quente no verão), excelente para quem quer reformar
(em péssimas condições), precisando de pequenos reparos (imóvel condenado, pronto a
desabar).

Os mais célebres de todos os aficionados por eufemismos são os porta-vozes de políticos


e militares. Suas contribuições dúbias para a linguagem incluem os seguintes itens:
pacificação (sujeição do inimigo), ataques logísticos (bombardeios), redefinição de
fronteiras (tomada de territórios), debates (bate-boca), aumento de receita (aumento de
impostos), contenção de gastos públicos (corte de investimentos em áreas como saúde e
educação).

Em geral, o melhor termo para se designar uma adaga é adaga. Não pense que precisa
mostrar o quanto você é direto e objetivo chamando-a de espada mortal. Entretanto, não
vá para o outro extremo – atraindo igualmente atenção indesejada – chamando-a de arma
branca pontiaguda maior do que o punhal.

Gíria
Quase por definição, a escrita formal deve, em geral, evitar gírias e outros
tipos informais de linguagem. Em geral, e não sempre. A gíria possui diversas
virtudes que tornam válido seu uso ocasional na maioria dos textos cotidianos.
Uma de suas vantagens é o fato de ser direta e despretensiosa: não esquente
a cabeça. Acima de tudo, a gíria é também viva e criativa, às vezes incorporando
toques onomatopaicos – cricri, zanzar, zapear – e metáforas expressivas.

Fala Barato
Fala barato é aquele sujeito que fala demais, que fala pelos cotovelos, aquele
tagarela.

Falhanço
Fiasco, não deu certo, o time foi lá e foi um falhanço…
- Mário Prata, Schifaizfavoire – Dicionário de português

Na ponta dos cascos – Expressão que designa a situação ótima, excelente,


de algo ou alguém que esteja na véspera de começar a atuar. Vem do linguajar
campeiro, onde se usa a expressão para o cavalo preparado e a ponto de começar
a correr uma carreira, em atitude física que está indicada na expressão.
- Luís Augusto Fischer, Dicionário de porto-alegrês

O termo tubarão, por exemplo, pode expressar sua ideia – assim como seus
sentimentos – com muito mais eficiência do que empresário ganancioso, e de
forma bem mais econômica do que empresário ganancioso que faz qualquer
coisa para aumentar os lucros. A imagem facilmente visualizada de um tubarão
e a ideia de crueldade a ele associada contribuem para um forte e efetivo ato de
comunicação. De forma semelhante, chamar alguém de galo de briga é
caracterizá-lo sem ambiguidade – e de forma mais contundente – do que chamá-
lo de sujeito brigão ou com comportamento agressivo.
O efeito de choque da gíria pode ajudar muito no combate ao tédio da prosa
formal. O que dispersa a monotonia é precisamente a mudança de tom. Uma
gíria bem empregada na maioria das vezes surpreende o leitor e traz de volta ao
texto a sua atenção, tanto quanto uma piada repentina ou um floreio dramático.

Em vez de faturar 10 com o volume de alto preço conseguem, digamos, 100


ou mais no “varejão”. Yvon Girard, o homem que dirige a coleção, informa, na
edição do dia 4 de Le Nouvel Observateur, que a Folio vende 12 milhões de
exemplares por ano e é apenas um dos selos na praça.
- O Estado de S. Paulo, 21 de abril de 2002

No entanto, há dois cuidados óbvios a tomar. Primeiro, lembre-se de que o


efeito positivo da gíria depende de sua colocação, de sua expressividade e, acima
de tudo, de sua singularidade no contexto. Crivar um texto de gírias faz diminuir,
e não aumentar, sua força. E usar uma gíria no início de um texto significa
dispersar seu efeito enganando o leitor. Se você começa uma carta de reclamação
com a frase Chega de conversa fiada. Quero saber onde foi parar o meu pedido,
senão vou fazer o diabo, o leitor provavelmente vai sentir-se inclinado a desafiá-
lo, reagindo ao seu tom agressivo. Se você usar a mesma frase no fim de uma
queixa formal e educada, o leitor pode reagir de forma pacífica e cooperativa,
em resposta ao seu tom sério e compreensivelmente insistente.
Outro cuidado imprescindível: lembre-se de que a fronteira entre o formal e
o informal se modifica, não apenas historicamente, mas também socialmente.
Uma expressão ajustada ao tom de formalidade necessário para a comunicação
com um jovem diretor de publicidade – acabar em pizza, aos trancos e
barrancos – pode soar ao seu velho professor como leviana. Certifique-se de
onde está pisando antes de intercalar expressões coloquiais ou informais – sem
falar em vulgaridades – num texto ou fala formal.

Discriminação na Linguagem
Seja qual for sua posição em relação ao machismo, ao racismo, à xenofobia
ou a qualquer outra forma de discriminação, é preciso ficar alerta para as
conotações preconceituosas na redação tradicional e reduzi-las o máximo que o
texto permitir e o leitor esperar.
Algumas escolhas são muito simples. No caso do sexismo, por exemplo, na
maioria dos contextos refira-se às mulheres como mulheres, e não como
senhoras (que pode soar como um tratamento condescendente ou deferente em
excesso) ou garotas (que quase sempre soa como se as estivesse diminuindo).
Escreva simplesmente o nome e sobrenome da mulher, sem usar dona ou
senhora.
Sempre que possível, evite palavras antiquadas que expressem uma atitude
degradante em relação às mulheres, especialmente quando o termo masculino
equivalente não existe ou não possui um tom negativo correspondente:
solteirona (solteirão), concubina (sem equivalente masculino) etc.
Às vezes, a única forma neutra possível é uma palavra muito diferente. Em
vez de aeromoça, prefira comissária de bordo ou atendente de vôo; em lugar de
cameraman, use operador/operadora de câmera; dê preferência a língua de
origem em vez de língua materna, e reunião de pais e mães em vez de reunião
de pais.
Algumas outras tentativas de “neutralizar” termos sexistas também tendem a
gerar controvérsia: homem pode dar lugar a humanidade. Faça sua escolha, mas
saiba que é provável que você irrite alguns leitores, qualquer que seja a decisão
tomada.
Outros termos há muito cunhados e muito úteis parecem trazer um
preconceito sexista inextirpável – homem de confiança, por exemplo. No
entanto, eles não podem ser adaptados, e boicotá-los simplesmente empobreceria
a língua. A solução para esse tipo de problema deve ser buscada caso a caso.
Nesse aspecto, porém, o maior problema reside nos pronomes ele, o e
aquele. Assim como homem, esses termos são muitas vezes usados com sentido
neutro – Todo aquele que se atrasar será suspenso –, apesar da inegável
conotação masculina. Neste exemplo, em particular, pode-se tentar encontrar
uma redação não sexista empregando-se a forma de tratamento de segunda
pessoa – Se você se atrasar... – ou o pronome quem: Quem se atrasar... Essa
estratégia, porém, resolve apenas o problema da primeira oração. Ainda temos a
desinência de masculino em suspenso, na segunda oração. Com frequência você
vai se ver complicando o texto ao tentar encontrar uma redação “politicamente
correta”.
É aconselhável ainda que se evitem expressões como a situação está preta,
fez uma baianada no trânsito, os gringos que vivem aqui, isso é coisa de
paraíba, eles judiam do povo. Tanto no primeiro como no último exemplo, para
a maioria das pessoas a conotação racial já se perdeu, mas, mesmo assim, se
você não conhece seu leitor, é melhor evitar tais expressões.
Editando o Seu Texto

s vezes, o primeiro rascunho de um texto tem que ser a versão final


À também: um telegrama ou mensagem de fax urgente, por exemplo, ou uma
redação numa prova com tempo delimitado. Na maioria das vezes, porém, a
tarefa de escrever lhe oferece a oportunidade de fazer minuciosas revisões –
oportunidade da qual você deve sempre se aproveitar, independentemente do
quão satisfeito se sinta após escrever a última palavra da primeira versão.
Se tiver tempo, deixe de lado, por alguns dias, esse rascunho original.
Quando voltar a ele, vai poder vê-lo com um novo olhar e identificar mais
facilmente seus pontos fracos.
Há uma série de perguntas a se fazer e critérios a adotar quando se editam
rascunhos.
Para começar, tente colocar-se na posição de alguém que esteja lendo o texto
pela primeira vez. Como você reagiria a essa carta ou a esse relatório? Faça a si
mesmo três perguntas abrangentes:
Que tipo de documento você está lendo? – uma carta de reclamação, uma
carta para esclarecimento de dúvida, uma pauta para a reunião do comitê na
semana seguinte, um relatório de vendas... A estrutura e o layout devem fornecer
essa informação quase imediatamente. Se isso não acontecer, faça os ajustes
necessários.
Qual é o propósito ou tema do documento? Mais uma vez, essa é uma
resposta que você deve descobrir logo de início. Caso se trate de um relatório de
vendas, por exemplo, o que exatamente ele está apresentando? Trata-se da venda
de qualquer gasolina ou de gasolina aditivada?
Qual é a mensagem do documento? O que quer que ele contenha –
descobertas vitais, avisos, ameaças, recomendações –, esses componentes devem
estar nítida e claramente definidos, de modo que não haja possibilidade de mal-
entendidos.
Em seguida vêm as indagações mais específicas sobre a clareza e eficácia do
texto:
O layout – isto é, os títulos e subtítulos, a posição dos parágrafos, e assim por
diante. Ele contribui da melhor forma possível para comunicar suas ideias ao
leitor? Talvez valha a pena implementar melhoramentos, como numeração das
várias seções.
A estrutura – isto é, a ordenação dos vários tópicos incluídos em cada seção,
e das várias seções dentro do documento como um todo. Ela se apresenta do
modo mais lógico e metódico possível? Experimente as mudanças promissoras
que lhe ocorrerem: se trocar dois parágrafos de posição, por exemplo, talvez
fique muito mais fácil para o leitor seguir determinada linha de raciocínio.
Acima de tudo, certifique-se de que tenha criado uma “sinalização” eficaz,
anunciando suas intenções já de início, indicando claramente o que está por vir
e, de vez em quando, resumindo o que já passou.
O conteúdo – Está preciso? Você já verificou e tornou a verificar os dados
numéricos? Todas as suas citações estão corretas? Você está apresentando a
visão de seu opositor com justiça? Sua argumentação está em conformidade com
a lógica e a equidade?
O tom do texto – Está apropriadamente respeitoso e cortês, sem ser
bajulador? Ou parece excessivamente formal? É amistoso na medida certa, sem
ser exageradamente familiar?
O estilo – O trabalho está apresentado num nível apropriado de
complexidade para o provável leitor? Não é muito técnico? Parece simplista ou
condescendente? É interessante e variado sem ser pretensioso? Tem um ritmo
aprazível quando lido em voz alta – ou é cacofônico, com rimas desagradáveis,
por exemplo?
Feito isso, dê uma atenção especial à redação:
Ela é coerente? Se você usa o plural anciãos numa página, tem certeza de
que em outra não optou pelas formas anciães ou anciões?
Está correta – na grafia, na gramática e no emprego das palavras? E a
escolha destas – enormidade, por exemplo, é o termo certo para exprimir o
conceito que você deseja? Esclareça suas dúvidas recorrendo ao último capítulo
deste livro ou a qualquer bom dicionário ou manual de redação.
É atraente e incisiva? Ao fazer generalizações, você as apoia em exemplos
concretos? De vez em quando usa recursos estilísticos interessantes e não apenas
uma prosa “certinha” mas sem graça? Dá espaço para um ocasional toque
espirituoso – uma comparação irônica, por exemplo (Ele é tão confiável quanto
a previsão do tempo)?
Em seguida, faça uma inspeção minuciosa nas palavras, orações e
parágrafos:
As palavras escolhidas – são suficientemente variadas e precisas? O adjetivo
infeliz de fato expressa a sua intenção, ou será que deprimido, abatido ou
mortificado a exprime de forma mais precisa? Seu vocabulário não é pedante
demais? Você não escreveu amplexo, por exemplo, em vez de simplesmente
abraço?
Verifique os adjetivos e advérbios. São de fato necessários? Não será melhor
escrever os fatos no lugar de os fatos reais, ou uma crise no lugar de uma crise
aguda?
Você não pode optar por substantivos ou verbos expressivos em detrimento
de outros acompanhados por adjetivos ou advérbios? Esbravejar em vez de
gritar raivosamente, ou tagarela em lugar de pessoa muito falante?
Examine os substantivos. Se houver mais substantivos abstratos do que
concretos, tente reverter a proporção. Troque moradia por apartamento e casa,
por exemplo, se isso for adequado.
Verifique os verbos. Se os verbos ter e estar se repetirem muito em tempos
compostos, tente substituí-los, de vez em quando, por formas simples. Por
exemplo, em vez de Ele tinha chegado tarde escreva Ele chegara tarde.
Em seguida, observe os períodos: examine sua extensão e complexidade.
Fique especialmente atento se parecer difícil seguir a linha de raciocínio. Sempre
que sua inspeção revelar uma estrutura frasal intricada, com alto número de
palavras e expressões do tipo embora e ao passo que (conjunções e locuções
conjuntivas), por exemplo, tente desemaranhar a sintaxe. Procure fornecer
apenas uma informação de cada vez. Dessa forma, você pode subdividir os
períodos longos, transformando-os em unidades menores e mais compreensíveis.
Examine o verbo principal de cada período complicado. Caso ele apareça apenas
no fim, considere a possibilidade de mudá-lo para uma posição anterior na frase;
caso esteja na voz passiva, tente transformá-lo em um verbo na ativa.
Por fim, os parágrafos. Se parecerem ameaçadoramente longos, tente
encurtá-los. E cuide para que nenhum parágrafo contenha mais do que uma ideia
principal.
Verifique se as ideias fluem com suavidade de um período para o outro, e de
parágrafo para parágrafo. Se isso não acontecer, considere a possibilidade de
acrescentar mais palavras “sinalizadoras” – como mas, portanto, em primeiro
lugar e por outro lado. Esses termos evidenciam o encadeamento das ideias.
Além disso, fazer uma revisão cuidadosa significa ficar de olhos bem
abertos, à procura de riscos e ciladas em seu rascunho. O texto parece frouxo em
vez de coeso e conciso? Tem certeza de que não contém detalhes irrelevantes e
digressões que desviem a atenção do tema central? Não está repetindo a mesma
informação duas ou três vezes, mudando apenas as palavras?
Verifique se há casos de ambiguidade – causada, por exemplo, pelos
pronomes (?? Mário pegou dinheiro com o irmão antes que ele saísse de casa)
ou pelo mau posicionamento das palavras dentro de uma oração (?? Eles
previram tumultos em dezembro).
Se você tiver usado algum jargão, confirme se sua função é tornar precisa a
informação. Ou essa linguagem serve apenas como meio para a demonstração de
conhecimento? Tem certeza de que todos os leitores vão compreendê-lo
adequadamente?
Fique atento a:

mistura de metáforas, como na frase X Ela nos nocauteou com a lâmina de


sua perspicácia
deturpação de expressões idiomáticas, como na frase X Encontraram-se
para um acordo de contas
clichês, como ?? reta final ou ?? guardar na manga
modismos, como ? parâmetros, ? interface ou ? administrar (como em
administrar a crise)
linguagem discriminadora, como ?? alma negra ou ? paraíba (no sentido
de “nordestino”)

E, se você tiver empregado gírias (como uma festa irada = ótima) ou


eufemismos tímidos (como Ele não conseguiu ir muito longe), pode afirmar com
segurança que eles se ajustam perfeitamente ao contexto?
Depois de revisar o rascunho o mais atentamente que o tempo lhe permitir,
faça a si mesmo uma última pergunta: como autor do texto, você fez todo o
trabalho que pôde para comunicar seus pensamentos ao leitor de modo claro e
eficaz?
A Dinâmica da Redação

scolha, aleatoriamente, vários escritores profissionais de sucesso e compare


E seus métodos de trabalho. É quase certo que serão muito diferentes.
Para alguns, redigir um texto é um ofício trivial; para outros, uma vocação
sublime. Há quem encare a escrita como uma arte profunda e misteriosa; e quem
a experimente como uma sofrida aflição. Para uns, as páginas se seguem com
rapidez e confiança na tela do computador; outros mastigam a ponta do lápis,
atormentados, e agonizam a cada palavra que escrevem. Alguns planejam tudo
em detalhes, antes de pôr a caneta no papel ou a mão no teclado; outros
simplesmente atiram-se à tarefa sem preocupação, deixando o “polimento” para
mais tarde (se necessário). Uns escrevem para ganhar a vida; outros apenas para
expressar suas emoções. Alguns escrevem a partir da experiência; outros, da
imaginação; e ainda há aqueles que só se manifestam após uma esmerada
pesquisa.

A experiência dos escritores profissionais, portanto, não oferece um modelo


de técnica de trabalho. Isso não significa que todo texto seja produto do acaso ou
que as diferentes práticas sejam igualmente eficazes em todas as circunstâncias.
São vários os métodos dos escritores profissionais, mas o ofício de escrever
profissionalmente – seja ensaio, poesia, ficção, drama ou reportagem – não
constitui o tema deste livro. Nosso tema é o tipo de texto que a maior parte das
pessoas alfabetizadas tem de fazer no dia-a-dia – de cartas de reclamações a
respostas em provas discursivas, de relatórios a convites de casamento. Esse tipo
de redação certamente pode beneficiar-se de uma abordagem metódica, sem ter
que depender da inspiração e do talento especial que os grandes autores têm.

A Hora de Pôr no Papel


Até mesmo os autores profissionais mais experientes ocasionalmente sofrem
com um “bloqueio de criatividade”. A inspiração se extingue e eles se vêem
incapazes de evocar uma única cena ou ideia que valha a pena pôr no papel; ou
não conseguem dar início à tarefa, “encontrar um caminho” para o capítulo,
artigo ou cena, apesar da abundância de ideias. Em outras palavras, o problema
é: o que escrever ou como escrevê-lo.
Os amadores também deparam com “bloqueios de criatividade”. Obrigados a
escrever uma carta de condolências ou uma monografia na faculdade, não
conseguem pensar numa única palavra. Incumbidos de escrever um relatório
comercial ou uma ata de reunião, sabem exatamente o que querem dizer, mas
fracassam em colocá-lo no papel. Em vez disso, podem se distrair com tarefas
irrelevantes, como arrumar a mesa, fazer um café ou telefonar para um amigo.
Ou podem exasperar-se, chegando a um improdutivo estado de ansiedade ou
pânico, e morder furiosamente o lápis, em vez de usá-lo para escrever.

Levantamento do Material
Quanto ao que escrever, existem três técnicas básicas para gerar ideias: a
reflexão, a discussão e a pesquisa.

Reflexão. Por mais óbvio que pareça, o primeiro estágio é, com muita
frequência, ignorado: pare e pense. Por exemplo, para preparar aquela carta de
condolências que você precisa escrever, esqueça os sentimentos banais e
expressões tradicionais por um momento, e concentre a atenção nos fatos em
questão.
Qual era a sua relação com quem morreu? A morte foi súbita ou já era
esperada? O que você sabe sobre a pessoa a quem está escrevendo? Que tom
deve adotar com ela? Formal? Familiar? Ela se sentiria confortada se você
mencionasse as virtudes do morto, ou isso só viria aumentar-lhe o sofrimento?
Seria apropriado incluir algumas reminiscências pessoais? Em caso afirmativo,
quantas e quais? Seria útil ou soaria professoral você oferecer conselhos sobre
como enfrentar a situação?
Esse tipo de autoquestionamento fará com que surjam frases em sua mente.
Anote-as à medida que lhe forem ocorrendo. Em seguida, você poderá rearrumá-
las num esquema, que servirá como base para a carta.

Discussão. Por que duas cabeças pensam melhor do que uma? Não
necessariamente porque um interlocutor tenha alguma nova ideia a acrescentar
ao texto. Muitas vezes trata-se simplesmente de uma questão de estimular mais
ideias em si próprio ou refinar ideias anteriores forçando-se a explicá-las com
clareza a alguém. Aquele relatório que você está escrevendo para o chefe,
digamos, ou aquela carta de reclamação ao Procon: as chances são de que ambos
sejam mais incisivos se você antes desenvolver e testar suas ideias numa
conversa com um amigo ou colega de trabalho – mesmo que a pessoa saiba
muito pouco sobre o tema. O participante de uma discussão pode servir
meramente como uma “cobaia”, mas esta é, a seu modo, uma função muito
valiosa.
Se seu interlocutor estiver bem-informado sobre o tema ou analisar a questão
sob um ângulo novo, ou simplesmente tiver uma boa visão crítica, é provável
que contribua com novas ideias. Se possível, discuta seus pontos de vista com
um amigo que tenha recentemente escrito uma carta ou relatório semelhante ao
que você tem que produzir. Ou fale com algum conhecido que tenha experiência
relevante, conhecimento técnico ou informações úteis, e que possa ter dicas
valiosas a dar – por exemplo, o nome do setor ao qual endereçar a reclamação.

Pesquisa. Quando não dispuser de informação para escrever, saia à sua procura
numa biblioteca, por carta ou por telefone, num livro ou numa entrevista.
Em geral pensa-se em pesquisa como algo a ser conduzido em meio a livros,
jornais, cartas e relatórios antigos. Com isso, uma fonte igualmente valiosa pode
ficar de lado: as pessoas. Fale com especialistas – mesmo que eles não saibam
responder a todas as suas perguntas, poderão pelo menos indicar-lhe o livro ou
documento de que você precisa, e assim poupar-lhe tempo de trabalho.
Suponha que você tenha de fazer um relatório sobre a compra de um
aparelho de edição de vídeos para o escritório. Um programa de pesquisa
completo provavelmente incluiria os seguintes passos:

telefonar ao maior estabelecimento de equipamentos eletrônicos local, ou


visitá-lo, e pedir orientação a um vendedor
falar com pessoas conhecidas, que possam ter comprado recentemente um
desses aparelhos – e que talvez já tenham reunido bastante informação
fazer uma busca na Internet, procurando relatos de consumidores e
comparações entre os modelos disponíveis
telefonar ou escrever aos fabricantes, pedindo especificações técnicas,
esclarecimento de dúvidas, listas de preços etc.

LIÇÕES DOS MESTRES

Para conhecer o segredo da boa escrita, a quem mais recorrer senão aos escritores
famosos? O problema é: suas vidas e métodos sugerem que o segredo tem mais a ver
com o hábito de trabalhar do que com sistemas de trabalho. Praticamente a única coisa
que os grandes autores têm em comum é o talento. Seus métodos são quase tão variados
quanto os temas e estilos.

Alguns autores, como Ferreira Gullar, parecem precisar de um estado de espírito


particularmente criativo, ou mesmo de inspiração, a fim de escrever. Esses escritores
tendem a se exaurir completamente, por dias seguidos, em frenéticos acessos de
produtividade “inspirada”.

Outros são muito pouco românticos em relação ao ofício da escrita. Trabalham


regularmente e sem pressa no escritório, cinco dias por semana, criando obras de arte
com a mesma disciplina com que se rascunham contratos legais ou se avaliam propostas
de seguro.

Nicholas Monsarrat, autor de The Cruel Sea [O mar cruel], aparentemente costuma
trabalhar numa rotineira jornada de nove horas diárias, em seu estúdio, começando às 6
horas da manhã. O romancista italiano Alberto Moravia passava um período de três horas
à escrivaninha, todos os dias, entre as 9h e as 12h.

Por mais metódicos que sejam os escritores, nem todos são imunes a manias e
superstições. Melvyn Bragg insiste em esperar até uma segunda-feira para escrever a
primeira palavra de um novo romance. O romancista francês do século 19 Honoré de
Balzac fazia questão de ter uma maçã verde à mesa, e seu compatriota Alexandre Dumas
(pai), criador de Os três mosqueteiros, só escrevia calçado com meias. O romancista e
poeta britânico Muriel Spark escreve exclusivamente em pequenos blocos azul-claros, ao
passo que Roald Dahl prefere grandes cadernos amarelos.

Alguns escritores precisam de total privacidade e silêncio para se concentrar devidamente.


(O romancista francês Marcel Proust tinha de se isolar num quarto forrado de cortiça antes
de conseguir alcançar o estado de criatividade literária.) Outros parecem precisar da
agitação da vida cotidiana para liberar seus “fluidos criativos”, e podem ter como melhor
local de trabalho a mesa de um bar, numa rua ruidosa.

Alguns autores escrevem, ao menos em parte, para enfrentar ou afastar sentimentos


depressivos ou melancólicos – Anthony Burgess e Clarice Lispector incluem-se entre eles.
Outros escritores parecem vicejar na infelicidade – Franz Kafka talvez seja o mais famoso
exemplo. Outros, porém, alcançam sua melhor forma literária quando estão em paz
consigo próprios e com o mundo.

Alguns autores escrevem com extrema rapidez e fluência. Samuel Johnson completou sua
novela Rasselas no período de uma única semana. Balzac era capaz de escrever 200
páginas por semana se fosse necessário; o mesmo ocorria com o romancista francês
Stendhal. Outros artistas escrevem com impressionante lentidão: o grande romancista
Gustave Flaubert, também do século 19, com frequência não conseguia produzir mais do
que duas páginas por semana – às vezes uma única página. Para o clássico Madame
Bovary, foram necessários cinco anos de um angustiante trabalho em tempo integral.

Autores como Anthony Burgess ou A. J. P. Taylor escreviam seus originais diretamente na


máquina de datilografia ou no computador. Já Roald Dahl e Fay Weldon, Iris Murdoch e
Athol Fugard parecem precisar de um lápis ou caneta na mão, como se houvesse uma
conexão mística entre o movimento da mão e o processo criativo.

Alguns autores ditam seu trabalho para uma secretária em lugar de escreverem eles
mesmos – Sir Walter Scott, Anthony Trollope e Joseph Conrad adotaram essa prática na
fase final da carreira. Ernest Hemingway escreveu grande parte de sua obra de pé – o
papel pousado em cima de um arquivo, por exemplo. O autor inglês A. N. Wilson digita
sentado na cama.

Se os autores profissionais diferem tanto em seus métodos de trabalho, que tipo de


orientação o escritor comum pode obter deles?

Talvez apenas o seguinte: leve o trabalho de escrever muito a sério e esforce-se


intensamente em fazê-lo bem – isto é, expresse seus pensamentos o mais precisa e
claramente possível.

E uma última observação: entre o estilo dos autores “artesãos” e dos autores “inspirados”,
entre a transpiração e a inspiração, o escritor amador deveria postar-se firmemente do lado
do trabalho metódico. A escrita conduzida pela inspiração pode produzir uma poesia de
maior excelência ou romances mais profundos, mas, para nossos textos do dia-a-dia, ela
não funciona tão bem.

A rotina diária de Anthony Trollope ilustra bem a prática da escrita metódica. Sua
autobiografia registra a assombrosa diligência e a eficiência com que trabalhava. Durante
quase toda a sua vida de escritor, ele teve um emprego de tempo integral como funcionário
público, nos Correios; assim, grande parte de sua imensa produção (mais de 60 livros,
muitos deles romances de três volumes) foi realizada em suas horas de lazer. Muito pouco
ociosas, aliás, pois ao lado de seus deveres nos Correios e de uma vida social agitada, ele
ainda encontrava 15 ou 20 horas livres por semana para escrever.

Dia após dia, ano após ano, Trollope sentou-se à sua escrivaninha entre 5h30 e 8h30,
escrevendo uma média de mil palavras por hora. Ele planejava cada romance
meticulosamente antes de começar a escrevê-lo, preparando um esquema no papel e um
roteiro totalmente desenvolvido na cabeça. Além disso, mantinha gráficos detalhados de
seu progresso a fim de assegurar-se de que tudo caminhava dentro do tempo planejado.
Sua autobiografia afrontou muitos críticos e autores da época. Sua visão direta e prática do
trabalho do romancista roubou da arte – ou do ofício, como Trollope preferia chamá-lo –
todo o glamour e toda a mística. Ele argumentava que a vida do escritor não deveria ser
muito diferente daquela do sapateiro, do estofador ou do coveiro, e deveria ser “guiada por
regras de trabalho semelhantes àquelas que um artesão ou mecânico é obrigado a
obedecer”. Nada de descansar após receber os louros, nada de se entregar a humores
ocasionais ou à indolência. É preciso levar o trabalho adiante, e fazê-lo bem-feito. Este é
um ótimo lema para qualquer pessoa envolvida na tarefa de escrever um texto.

Mãos à Obra
Se a única causa do “bloqueio de criatividade” fosse a falta de informação,
seria possível resolver o problema rapidamente por meio dos três recursos que
acabamos de descrever: a reflexão, a discussão e a pesquisa.
Infelizmente, existe uma segunda causa para o bloqueio – a falta de
dedicação, a simples incapacidade de se sentar e dar continuidade ao ato de
redigir –, e a superação desta é bem mais complicada.
Essa “incapacidade” assume duas formas, a saber: a fuga do trabalho e a
paralisia.

Fuga do trabalho. As táticas de adiamento daqueles que evitam o trabalho são


muitas. Praticamente qualquer distração serve: uma xícara de café, um programa
de rádio ou TV, a desorganização da mesa, vizinhos barulhentos, a roupa que
precisa ser lavada, necessidade de pesquisas mais aprofundadas...
O primeiro passo para resolver o problema é reconhecê-lo. Confesse que está
buscando distrações em lugar de simplesmente estar “sendo afligido” por elas.
Admita que o motivo de tudo está dentro de você e não em algum lugar “lá
fora”. Reconheça que anular essas táticas de adiamento depende de você .
Você pode querer analisar as razões psicológicas que o fazem evitar o
trabalho. Encontrar a causa de um problema é meio caminho andado para
solucioná-lo.
Talvez seja o medo do fracasso que o faz fugir: se escrever o texto, este pode
ficar aquém das suas expectativas. E, se isso acontecer, outros podem julgá-lo
negativamente, ou você mesmo pode ser um crítico muito rígido de si mesmo.
Para reduzir o risco de que isso aconteça, é preciso que você se esquive ao
desafio continuamente – daí suas táticas de fuga. Se por fim você rascunhar um
texto insatisfatório no momento em que o prazo se esgota, pelo menos há uma
desculpa para o resultado medíocre: você fez o trabalho com pressa. Se tivesse
tido mais tempo, poderia tê-lo feito apropriadamente – isso é o que o tranquiliza.
Pode haver outras razões também – um desejo inconsciente de sabotar a si
mesmo; ou de frustrar aqueles que confiam em você. Se a pessoa conseguir
encontrar seus próprios motivos, ou mesmo se tentar descobri-los, ela ainda
precisará depois superá-los. E isso envolve ação, não apenas auto-análise.
Implica fazer mais, não apenas saber.
Ao tomar a atitude necessária, seja rigoroso consigo mesmo. Imponha um
regime severo (de outro modo, você vai acabar tendo uma recaída sem demora –
a personalidade de quem foge do trabalho mostra grande engenhosidade em
encontrar escapatórias e desculpas). Se você se sentir incapaz de confiar em sua
autodisciplina, peça a um amigo ou colega que o supervisione de vez em quando
– chegando ao ponto de pedir relatório de seu progresso, caso você mostre sinais
de que vai “sair da linha”.
Para textos breves e únicos – como uma nota de agradecimento, por exemplo
–, o melhor conselho é: escreva logo! Estabeleça com antecedência uma hora
apropriada para a tarefa – logo depois do almoço, digamos, às 14h15 exatamente
– e trate esse compromisso como sagrado. Se necessário, tire o telefone do
gancho a fim de evitar interrupções. Sente-se à sua escrivaninha ou à mesa da
cozinha, comece a escrever... e não se levante até que a tarefa esteja acabada.
Além de estabelecer a hora do início, estabeleça um horário para terminar
também – 14h45, por exemplo. Não importa que você ultrapasse esse limite, o
propósito é dar a si mesmo um senso de urgência e concentrar a atenção na tarefa
à sua frente.
No caso de textos mais longos e complexos – como uma tese ou um relatório
comercial extenso –, experimente a seguinte série sistemática de normas. Ela
deve ajudá-lo a manter-se no caminho certo.

Faça uma lista de todas as tarefas e atividades previstas para o dia –


incluindo tanto os textos a redigir quanto as atividades de lazer. Em
seguida, refaça a lista em ordem de prioridade – no topo da lista, por
exemplo, está redigir e enviar aquela nota urgente ao fornecedor de peças;
mais para o meio da lista encontra-se checar uma referência na biblioteca
para o preparo daquele relatório que você já começou a rascunhar; perto do
fim da lista está comprar um novo apontador de lápis, responder a um
convite recebido, passar as camisas e ouvir o novo CD de Plácido
Domingo.
Com base nessa lista de tarefas ordenadas, prepare um quadro de horários
para o seu dia. Não precisa ser algo absolutamente rígido – dê uma margem
de segurança, talvez para uma genuína distração, como por exemplo um
visitante inesperado –, mas tampouco pode ser flexível demais. Assim:
sente-se à sua mesa às 9h30. Nenhuma pausa para o café até que tenha
escrito a carta de reclamação ao depósito e completado o primeiro rascunho
daquele relatório para o Departamento Financeiro. Adie o almoço se a
versão final do relatório ainda precisar de retoques finais.
Torne o seu ambiente de trabalho o mais favorável e convidativo possível.
Uma boa iluminação, a mesa razoavelmente organizada, gavetas bem
equipadas com material de escritório etc. são fundamentais. Tente deixar
tudo preparado para uma sessão ininterrupta de trabalho – um copo d’água
ao seu alcance, um casaco para o caso de sentir frio –; se não fizer isso,
você vai se levantar repetidamente e perder a concentração. Dependendo
das circunstâncias, talvez você consiga providenciar alguns acessórios a
mais: um rádio para proporcionar uma música de fundo tranquila (se isso de
fato favorecer, em vez de arruinar sua concentração), talvez uma secretária
eletrônica para filtrar as ligações que não sejam urgentes, entre outros itens.
Ao fim de cada sessão de trabalho, especialmente ao fim de cada dia,
arrume a mesa, deixando-a preparada para a sessão seguinte. Deixe sobre
ela uma folha de papel em branco como um convite para começar a
escrever assim que você se sentar. Se vai começar um texto novo, deixe à
vista também as informações ou o material de pesquisa, prontos para uma
consulta imediata. Se vai continuar um texto já começado, deixe à mão as
duas últimas páginas, para que possa relê-las quando começar a trabalhar e,
assim, restabelecer o fluxo de ideias.
Tente descobrir o padrão de trabalho que melhor se adapta à sua mente e
aos seus ritmos corporais. O poder de concentração das pessoas varia de
acordo com a hora do dia, o grau de familiaridade com a tarefa e outras
variáveis. Uma vez estabelecido seu melhor padrão de trabalho, planeje seu
quadro de horários levando em conta esses aspectos.

Um padrão típico para muitas pessoas é o seguinte: a mente está mais


aguçada de manhã, portanto os textos mais difíceis devem ser escritos nesse
período. Depois de aproximadamente 45 minutos, a concentração começa a
declinar; uma pausa de alguns minutos é o suficiente para restaurá-la. (O que
fazer durante a pausa? Feche os olhos para descansá-los, e alongue os braços e
encolha os ombros a fim de aliviar a tensão muscular. Como alternativa, uma
breve mudança de tarefa – uma ligação telefônica, uma olhada no jornal ou algo
semelhante. Mas não se desvie: depois de cinco minutos, no máximo, retorne ao
seu projeto de texto até a hora da pausa formal, tal como o almoço programado.)
O meio da tarde costuma ser a hora menos produtiva do dia de trabalho – as
16 horas sendo o ponto mais baixo. A tentativa de criar um novo texto nesse
período não teria muito sucesso. É melhor dedicar-se agora a tarefas mais
mecânicas – arrumar a sala, fazer listas, revisar um texto já pronto, fazer uma
pré-edição de um texto que esteja escrevendo.

Paralisia. Infelizmente, providenciar uma mesa organizada e meia hora de


tranquilidade só para você não é garantia de que vá conseguir escrever seu texto.
A segunda forma de incapacidade encontra-se à espreita para incutir-lhe o
bloqueio de criatividade: a paralisia. Você pode superar a vontade de fugir ao
trabalho e as táticas de adiamento, e acabar deparando com um novo obstáculo
ao olhar a superfície de trabalho de sua mesa.
Sua mente fica tão vazia quanto a folha de papel à sua frente – todas as ideias
desaparecem. Pode ocorrer também a situação oposta: todas surgem
simultaneamente, misturando-se em sua cabeça e recusando-se a se concatenar.
Ou simplesmente as palavras não vêm. Você escreve metade da frase e então
a corta. Em seguida, torna a escrevê-la. E decide por uma outra ordenação das
palavras, e substitui a anterior. Então conclui que, na realidade, esta última não é
melhor. Depois de meia hora e meia página riscada, você percebe que não
chegou nem mesmo a formular a primeira oração! Como vai conseguir escrever
o texto todo?
Também para isso há soluções simples. Escolha aquelas que lhe parecerem
adequadas, e experimente-as imediatamente.

Anote em forma de tópicos todas as ideias relevantes que lhe ocorrem. Uma
vez que estejam seguramente registradas no papel, vão parar de zumbir em
sua cabeça, tirando-lhe a concentração. Nesse momento, você pode tentar
complementá-las e organizá-las em uma estrutura apropriada, que então
formará a base de seu primeiro rascunho. Este passo elementar tem o
benefício extra de fragmentar um projeto grande – fator que talvez seja a
causa da paralisia – em pequenas seções, mais fáceis de tratar e que você
poderá então trabalhar uma a uma, com mais tranquilidade.
Se não conseguir organizar todos os itens em uma estrutura adequada, não
se preocupe – comece a escrever de qualquer forma. Não é necessário
iniciar com o primeiro item da lista – por que não começar com o mais
fácil? Por esse caminho pelo menos você vai poder prosseguir e, uma vez
que tenha ganho impulso, provavelmente vai descobrir que é capaz de
trabalhar alguns dos pontos mais complexos com relativa facilidade. E
poderá colocá-los na sequência apropriada mais tarde.
Nesse estágio inicial, não se preocupe com frases elegantes ou com a
ordenação metódica de suas frases. Siga em frente, não volte para
aperfeiçoar itens anteriores. Registre seus pensamentos no papel – o maior
número deles possível –, independentemente do quanto pareçam
rudimentares. Vai haver tempo suficiente para organizá-los quando chegar o
estágio da revisão. Na verdade, uma redação “rudimentar” desse tipo
costuma estimular o surgimento de ideias e, assim, acaba por clarear seu
pensamento.
Lembre-se constantemente de que aquilo que você está escrevendo nada
mais é do que um primeiro rascunho. Você não está se comprometendo com
nada – como estaria, por exemplo, no caso de uma entrevista oral. (A única
exceção são as redações de provas, quando seu primeiro rascunho em geral
tem de servir também como versão final.)
Pense na cesta de lixo – ou na tecla “Delete” do computador – como uma
de suas principais ferramentas na redação de qualquer texto. Como você
pode sempre jogar fora uma página, por que se dar ao trabalho de aprimorá-
la da primeira vez? Como disse o poeta romano Ovídio: “Escrevi muito,
mas o que quer que acreditasse defeituoso, eu revia, atirando-o às chamas.”
Compreender e aceitar esse conceito bastante óbvio produz em muitas
pessoas uma emocionante sensação de liberação – como se se livrasse do
bloqueio com um chute em vez de vencê-lo aos poucos.
Faça um “aquecimento”, escrevendo algo não relacionado à tarefa em
questão: um relato do último fim de semana ou de um sonho que teve
recentemente, a receita de seu prato favorito ou até mesmo as razões de sua
incapacidade em começar o trabalho. Qualquer coisa, desde que flua com
rapidez. Isso deve quebrar o ciclo de ansiedade e inatividade – uma vez que
a “paralisia” esteja assim rompida, sua mente e sua mão devem voltar a se
encaixar como engrenagens, e você deve ser capaz de ir em frente.
Tente enunciar oralmente seus pensamentos antes de registrá-los no papel.
Esse recurso também pode quebrar o impasse. Peça a seu cônjuge, a um
amigo ou colega que o escute, enquanto profere um resumo oral do relato
ou ensaio. Se preferir dite uma versão simplificada para o gravador. Uma
vez que você diga seu texto em voz alta, vai achar bem mais fácil “dizê-lo”
no papel.
Tente cultivar uma atitude casual com o primeiro rascunho, a fim de se
livrar de qualquer tensão que tenha em relação a ele. Finja, por exemplo,
que se trata apenas de um exercício, e não da base de um documento real, e
que ninguém mais o lerá. Ou faça de conta que você está preparando um
teste para candidatos a subeditores e que precisa de um texto redigido
apressadamente e sem cuidado, para que os candidatos possam reescrevê-
lo, como exercício.
Se sua procrastinação vier da falta de pressão, tente criar em si um
sentimento de urgência. Antecipe a data de entrega; diga a si mesmo que
uma crise acaba de surgir e que o chefe precisa de seu relatório no dia – e
não semana – seguinte. Essa medida deve lhe dar o ímpeto para rabiscar às
pressas um rascunho, em um prazo recorde, deixando-lhe tempo suficiente
para o polir.
Se o documento que você precisa escrever é extremamente importante, e
você se vê paralisado pela imensa responsabilidade, inicie o primeiro
rascunho com as palavras “Querida mamãe” ou “Querido diário” e prossiga
escrevendo seus pensamentos na forma de uma carta ou de uma anotação
no diário. Assim como alguns atores superam o medo do palco imaginando
uma plateia formada inteiramente por amigos e parentes, os escritores
podem vencer uma reação de pânico paralisante dirigindo suas palavras a
um leitor favorável (como, por exemplo, um membro da família) e não ao
leitor de verdade (que pode ser um chefe exigente ou um grupo de pessoas
desconhecidas muito exigente).
Ofereça-se uma pequena recompensa para cada projeto de redação que você
complete, ou mesmo para cada página que escreva. Qualquer que seja a
recompensa escolhida – um chocolate, uma pausa de cinco minutos –, ela
deve funcionar como um incentivo para que você recomece o trabalho.
Copyright © 2014 by Reader’s Digest Brasil Ltda.
Adaptado de Escrever Melhor e Falar Melhor, publicado por Reader’s Digest Association

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil a partir
de 2009.

Preparação de conteúdo e-book


Marina Goes

Produção do arquivo ePub


Rejane Megale

Revisão
Camila Dias

e-ISBN: 978-85-7645-535-6

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