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Apesar de divergentes as teorias, os dois autores não fizeram nada mais que
sistematizar as concepções romanas da posse. Assim, o que se pretende mostrar
nesse trabalho é que esses conceitos que nasceram em uma sociedade política,
cultural e economicamente diferente da nossa, não se aplicam mais em alguns pontos
devido a algumas mudanças doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas, focando-se
1VIANA, Marco Aurélio S.. Do conceito moderno de posse. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 30, n. 28-29, p.301-332, maio 1986.
aqui apenas na posse dos direitos explanada por Ihering no seu livro Teoria
Simplificada da Posse2. Primeiramente, explicará o conceito de posse de Ihering e sua
relação com a propriedade, para depois passar para uma análise da posse dos
direitos.
Dessa forma, ao contrário do que afirmava Savigny, para ser possuidor não era
necessário ter contanto físico com a coisa, apenas exteriorizar a propriedade, ou seja,
agir como se proprietário fosse. Além do mais, a posse não é protegida por um
obstáculo físico, mas jurídico. Ela é protegida para tornar possível o uso econômico
3 “A posse tem importância só como um ponto de transição momentânea para a propriedade. Se sua
perda ocorre imediatamente depois, não implica o menor ataque à propriedade, uma vez efetiva esta.”
(IHERING, 2008, p. 19)
da coisa. Destarte, são esses dois elementos, 1) utilizar a coisa segundo seus fins
econômicos; e 2) utilizá-la perante a sociedade (exteriorização), que permite que
terceiros reconheçam a existência da posse.
Diante disso, quais seriam os direitos que podem ser objetos de posse no
Brasil? Em quais situações a jurisprudência tem admitido que certos direitos podem
ser protegidos pelos interditos quase possessórios?
4COSTA, Dilvanir José da. O sistema da posse no direito civil. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, v. 35, n. 139, p.109-117, jul. 1998.
5 REsp 98.695/MG, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ºT, julgado em 04/11/1998, DJ 17/12/1999
Gerais em conceder uma reintegração de posse de servidão de passagem tendo em
vista a Súmula 415 do STF6.
6 Súmula 415/STF: “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela
natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória.”
7
BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa (Posse de Direitos Pessoais. O Júri e a
Independência da Magistratura), Volume XXIII. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1896.
8 REsp 64.627-8/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ºT, julgado em 14/08/1995, DJ 5/09/1995
9 Súmula 193/STJ: "O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião."
No entanto, com a promulgação do Código Civil em 2002, a posição da
jurisprudência e da doutrina parece ter se alterado e se consolidado. A nova tendência
da jurisprudência do STJ tem sido na contramão das ideias de Rui Barbosa e do seu
posicionamento sobre as linhas de telefone, ou seja, o tribunal vem negando a
possibilidade de se utilizar dos interditos possessórios para proteger direitos pessoais,
reconhecendo a possibilidade apenas para os casos envolvendo direitos reais. O
principal argumento é a existência de outros instrumentos para proteção desses
direitos, como o mandado de segurança (art. 5º, LXIX, CF/88). Além do mais, a própria
redação do novo Código Civil ajudou para formar esse entendimento, suprimindo a
palavra “direitos” dos artigos que causavam controvérsia sobre o assunto. Por fim,
com a promulgação da Lei nº 8.952/1994, que determinou a universalização da tutela
antecipada para todas as ações, o argumento de celeridade das ações possessórias
já não fazia mais sentido juridicamente.
Aliás, tal posição já era defendida pelo próprio autor do Código Civil de 1916,
Clóvis Beviláqua. Segundo o jurista, os direitos pessoais não são poderes que
compõem o domínio ou propriedade, como determinava o art. 485 do velho Código
Civil.10 Além disso, segundo Beviláqua, o termo “posse” usado em outras relações
jurídicas, como em posse de estado, era apenas uma analogia, não representando
uma identidade jurídica, uma vez que não era uma manifestação exterior da
propriedade, mas apenas uma situação fato.11
10" Ficou, porém, assentado na jurisprudência, como na doutrina, que somente os direitos reais,
poderiam corresponder ao conceito de posse dado pelo art. 485 do Código Civil: o exercício, de fato,
de algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade. Os direitos pessoais não são poderes
componentes do domínio ou propriedade; portanto o seu exercício não pode ser defendido por ações
possessórias. Outros são os remédios, que o direito oferece à sua garantia e proteção”. BEVILÁQUA,
Clóvis. Direito das coisas, v.I. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1941. p.48.
11 “O atual projeto seguiu uma linha intermediária compreendendo no conceito de posse todos os
direitos reais, com exclusão, naturalmente, da hipoteca, pois ela não se aplica de modo continuado
sobre a coisa, pois que ela não importa a detenção do bem vinculado à garantia do pagamento. Embora
a palavra posse seja empregada em referência a outras relações jurídicas (posse de estado, por
exemplo), seu emprego não traduz senão uma analogia a que não corresponde uma identidade jurídica,
pois não se tem em vista nem a manifestação exterior da propriedade, nem os interditos, mas uma
relação de facto representando-se sob uma forma externamente apreciável. Assim o ensinam os metres
mais conceituados”. BEVILÁQUA, Clóvis. Em defesa do Projeto de Código Civil Brasileiro. Rio de
Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1906. p.112.
reais, sob o argumento “de quem pode mais, pode menos”. Todavia, em relação aos
direitos pessoais, essa mesma proteção tem sido negada com entendimento que
esses possuem outros meios para proteção, como o mandado de segurança e a tutela
antecipada, hoje, garantida pelo Código de Processo Civil.