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GUARULHOS
2014
DIOGO CORRÊA MEYER
GUARULHOS
2014
MEYER, Diogo Corrêa.
Aprovação: ____/____/________
This research are looking for the phenomenon of the set up of regional identities and
the emergence of perspectives about the other through the football. Thereby, the focus will be
some clashes between Argentinean and Brazilians teams and, in a domestic context, between
Rio-grandenses and Paulistas teams in the Copa Libertadores da América the main
tournament between soccer clubs in Latin America. The clubs join this competition and help
to develop real national/regional identities and communities. The newspapers have an
important role when it comes to broadcast the I and the other images, increasing the identities
through the games narration. The main goal is to understand identity representation
development and regional and national alterity in journalistic standards of an important
international soccer tournament, the Copa Libertadores da América.
1 INTRODUÇÃO 10
2 “NÓS E ELES” – CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS ARGENTINOS SEGUNDO
OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO BRASILEIROS 17
3 “NÓS E... NÓS” – PERSPECTIVAS REGIONAIS EM UM TORNEIO
INTERNACIONAL 25
4 “TOCO Y ME VOY” – ESTILOS DE JOGO SEGUNDO OS ARGENTINOS 43
5 CONCLUSÃO 57
REFERÊNCIAS 63
ANEXO A – 66
ANEXO B – 67
10
1. INTRODUÇÃO
“Tudo o que sei com maior certeza sobre a moral e obrigações do homem, devo ao
futebol”. A frase do filósofo francês Albert Camus nos demonstra o quão relevante este
esporte é na sociedade contemporânea, extrapolando o território das quatro linhas que
delimitam o campo de prática deste jogo. O futebol cada vez mais espetacularizado (tratado
muitas vezes como uma religião) torna-se, portanto, um fenômeno importante na formação do
indivíduo, não somente dos profissionais envolvidos, como também dos próprios torcedores,
esses jogadores frustrados, fiéis a uma agremiação, “herança maldita” de pais, avôs ou tios 1.
Tal paixão destes aficionados atingem níveis em que o clube está acima da própria seleção
nacional 2.
1
“Na ótica do clubismo brasileiro, os pertencimentos parentais e, particularmente, dos laços de sangue,
culturalmente definidos como inquebrantáveis, ocupam lugar de destaque. Dados preliminares, relativos ao Rio
Grande do Sul, indicam que 80% dos meninos torcem pelo mesmo clube do pai, o que implica que eles vivem
juntos o drama de empenhar as emoções num clube de futebol (...). Assim sendo, são arrastados para o campo
futebolístico sentimentos de afeto, solidariedade e honra originários das relações familiares.” (DAMO, 2007: p.
51).
2
Como o caso desta pesquisa realizada pelo site “pasiónlibertadores.com” sobre qual é a preferência dos
torcedores: a seleção nacional ou o clube. O resultado está presente no link:
http://www.pasionlibertadores.com/noticias/Los-hinchas-prefieren-la-Libertadores-al-Mundial-porque-el-
sentimiento-por-el-club-es-mas-fuerte-20121026-0006.html
11
visões e perspectivas sobre tal grupo. Visando uma melhor compreensão da situação indicada,
o sociólogo estadunidense Charles Wright Mills afirmará que:
Em nossa vida cotidiana, porém, não experimentamos fatos sólidos e imediatos, mas
estereótipos de significado. Temos conhecimento de muito mais do que nós mesmos
experimentamos, e nossa experiência é ela própria sempre indireta e guiada. A
primeira regra para compreender a condição humana é que os homens vivem em
mundos de segunda mão (...). Entre a consciência humana e a existência material
encontram-se comunicações e planos, padrões e valores que influenciam
decisivamente a consciência que possam ter. (MILLS: 2009, p. 44)
3
Além da utilização do jornal Última Hora em 1963, pelo fato do jornal Zero Hora ter surgido somente em
1964.
4
As tabelas com podem ser visualizadas neste link: http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-
brasil/maiores-jornais-do-brasil
12
Internacional VS São Paulo (final 2006); Grêmio VS Santos (semifinal 2007); Boca
Juniors VS Grêmio (final 2007); Corinthians VS Boca Juniors (final 2012). A escolha de
tais datas concentra-se ora por ocasiões históricas (como a “Batalha de La Plata” de 1983 5, ou
o confronto polêmico da semifinal de 2007 entre agremiações brasileiras 6), ora por serem
duelos de finais deste torneio. A análise dos jornais cobriu um período de cerca de quinze dias
por edição da Copa Libertadores, a fim de observar os depoimentos tecidos relacionados à
alteridade antes, durante e depois da conquista.
Encontramos alguns empecilhos durante a pesquisa nos arquivos públicos destas três
regiões. Algumas edições dos periódicos originais consultados estavam em péssimo estado de
conservação, faltando páginas ou então estavam rasgadas ou queimadas. O mesmo problema
foi encontrado nos rolos de microfilmes, quando as edições de determinado mês inexistiam.
Mesmo com essa perda de materiais que poderiam ser relevantes ao andamento da pesquisa,
foi possível consultar a maioria dos períodos propostos.
Durante as citações dos jornais no decorrer do texto, optamos por manter os grifos
como estão nas versões que foram consultadas nos acervos. Propusemos também em manter
os excertos retirados de periódicos argentinos em espanhol, realizando a tradução livre nas
notas de rodapé. Por fim, nos trechos que não foi possível identificar a página, escolhemos
por citar o título da reportagem.
A opção por trabalhar com os meios de comunicação impressos está embasada nos
argumentos apresentados por Benedict Anderson acerca da construção das comunidades
imaginadas. Com a ascensão das línguas vernaculares, o capitalismo editorial adquiriu papel
fundamental na consolidação das nações e nacionalismos modernos (ANDERSON: 2006).
5
A denominação deste jogo é justificada pelos relatos apresentado pelos periódicos dos dois países. Enquanto o
jornal gaúcho Zero Hora, em 2008, relembra da disputa como um “clima belicoso” (que adquiriu formas míticas
e épicas), o argentino Clarín, em 2003 (vinte anos após o acontecimento), exalta a bravura dos jogadores e
torcedores no episódio que lá tem outro nome, “El empate increíble”. Os links brasileiros e argentinos são,
respectivamente, http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/esportes/noticia/2008/07/libertadores-1983-o-empate-e-a-vida-
na-batalha-de-la-plata-2032855.html e http://edant.clarin.com/diario/2003/07/10/d-00202.htm Consultados em:
20/06/2014.
6
Durante o jogo de volta das semifinais entre Grêmio e Santos, os jornais riograndenses acusaram amplamente
um radialista paulista que um dia antes desta partida na Vila Belmiro ofendeu publicamente os gaúchos,
chamando-os de “bandidos” e “bichonas”, além de compará-los aos argentinos (Em ZERO HORA, 07/06/2007.
p. 46). Tal tema será tratado mais adiante.
13
Através destes periódicos que os interesses da classe dominante e seus intelectuais serão
representados e divulgados amplamente pela sociedade e, em especial, a seus pares, abrindo
espaço para a “invenção de tradições” 7. Reforçando este discurso, podemos citar Pierre
Bourdieu quando este refere-se ao poder do jornalismo em reproduzir imagens com tal fim,
principalmente nas “notícias esportivas” e sessões de “variedades”:
7
Expressão cunhada por Eric Hobsbawn (HOBSBAWN; RANGER: 2008).
8
Lembrando que, como nos aponta Stuart Hall, tais identidades estão sujeitas não somente a diversas alterações
ao longo do tempo, como também a múltiplas interpretações, ou seja, não há a possibilidade de afirmar que
determinado comportamento seja o “verdadeiro” ou o “único” de alguma região. Para mais detalhes, ver HALL,
2011.
14
Nossa proposta aponta para uma outra perspectiva de análise do problema, isto é,
visamos analisar como, com o passar dos anos, a relação entre argentinos e brasileiros e entre
paulistas e gaúchos se deu através destes confrontos na Taça Libertadores da América.
Procuramos encontrar a partir dos discursos enunciados nos meios de comunicação impressos
a construção de tradições imaginadas que recebem um grande respaldo “empírico” de
jornalistas e comentaristas. Em outras palavras, buscamos explicitar como os argentinos
identificam os brasileiros a partir destes estereótipos característicos do futebol – como o jogo
bonito, visto como tipicamente brasileiro pelos argentinos –, e não necessariamente buscar em
uma análise cronológica a partir de quando se iniciou tal rivalidade. Da mesma forma como
visamos encontrar nos periódicos brasileiros diferentes classificações não somente deste
sujeito argentino, como também das peculiaridades regionais em confrontos de times gaúchos
e paulistas. Vale ressaltar também que escolhemos abordar somente alguns jogos entre os
previamente selecionados a fim de elaborar uma análise mais precisa nos principais
acontecimentos desta relação entre brasileiros e argentinos. Isso não significa que as outras
decisões tenham sido excluídas da nossa discussão; entrementes, por estas não conterem
acontecimentos tão marcantes quanto em outras, optamos por apropriá-las numa interpretação
histórica dos confrontos.
15
Tanto Argentina quanto Brasil são países conhecidos pelas grandes conquistas neste
esporte, seja em torneios de clubes, seja em competições de seleções nacionais. Esta
alteridade inventada pelos comunicadores sociais e representantes do jornalismo esportivo
brasileiro é intensificada com os encontros constantes de equipes destes dois países em
torneios interclubes de futebol, como a mais antiga competição deste tipo na América Latina
ainda existente: a Copa Libertadores da América. Equipes brasileiras e argentinas já se
enfrentaram em mais de dez finais; ademais, são os países com o maior número de títulos
deste campeonato: 17 e 22, respectivamente.
9
Gíria brasileira para o antijogo praticado por adversários, visando o retardamento da partida, com práticas
como a simulação de lesões.
18
Jogar com o espírito e a garra do futebol argentino (...). “Na hora da partida, eles
devem apresentar a tradição do futebol argentino que todo mundo conhece”, prevê
10
Termo utilizado no meio futebolístico que designa um jogador ou uma equipe que pratica atos contrários ao
fair play, como a simulação de lesões a fim de retardar o reinício da partida.
11
Esta referência ao “gaúcho” não foi uma menção vazia de significados. Como trataremos mais adiante, o fato
deste treinador ter iniciado sua carreira profissional (como jogador e técnico) no Rio Grande do Sul indica que
ele tenha uma valorização da “escola gaúcha” de futebol, que é tratada como uma antítese do jogo bonito
“tipicamente” brasileiro. Temos como exemplo este trecho retirado da Folha de São Paulo, no qual é revelada a
influência “argentina e uruguaia” no “futebol brasileiro” graças ao treinador do Palmeiras, Luiz Felipe Scolari:
Segundo os argentinos, Scolari conseguiu com que o Palmeiras tivesse a garra argentina e uruguaia, que falta no
futebol brasileiro (...). Esse seria o principal motivo para o Palmeiras ser respeitado. (FOLHA DE SÃO PAULO,
14/06/2000, p. D3).
19
Scolari. “Se tivermos a mesma força, aliada à nossa técnica, teremos chances de
conquistar o título.” (...). Scolari quer também o Palmeiras com um futebol sem
“firulas”. (ESTADO DE SÃO PAULO, 17/06/2000, p. E2).
Em suma, Luiz Felipe Scolari reproduz dois pontos que serão exaltados pelos meios
de comunicação brasileiros: a) o fanatismo dos torcedores argentinos que é visto como um
grande diferencial e importante intimidador dos adversários; e b) o “espírito” e a “garra” do
estilo de jogo peculiar do argentino, características essas que são exaltadas pelos jornais como
a grande qualidade “deles” nas muitas vezes em que as equipes brasileiras saem derrotadas do
certame.
Outro caso ilustrativo ocorreu em 1974, quando o São Paulo alcançava sua primeira
final, enquanto o Independiente estava em busca de seu quinto título e estava pela terceira vez
consecutiva representando a Argentina num campeonato internacional. A tensão política
presente na Argentina fez com que o Independiente recebesse proporções nacionais, mesmo
que os argentinos estivessem ocupados, a priori, com a situação político-econômica do país:
[Na Argentina] o jogo não atrai atenções. Os espaços dos jornais, bem como as
conversas nas ruas, giram em torno da crise social e dos problemas políticos. Mas se
pode perceber a tentativa de fazer do jogo um assunto nacional, transformando o
Independiente em representante não apenas do futebol, mas de todo um povo e
atuais problemas argentinos. Os slogans políticos, repetidos nos comércios, das
rádios e espalhados em milhares de cartazes pelas ruas, falam de união e são
prontamente ligados ao Independiente. (FOLHA DE SÃO PAULO, 15/10/1974,
p.34).
Independiente vieram após a derrota em São Paulo, num jogo marcado por jogadas desleais e
pela vitória da equipe brasileira 12:
Uma monstruosidade que nada tem a ver com o futebol (Galvan, jogador). Um ato
de selvageria. Não tem explicação (Raimondo, jogador). Eu acreditava que gestos
assim haviam desaparecido dos eventos esportivos. Agora sei que estava enganado
(Ferreiro, treinador). Quarta-feira daremos ao São Paulo uma lição de civilidade e
bons costumes (Saggirato, jogador). (FOLHA DE SÃO PAULO, 15/10/1974. p. 34).
12
A imprensa argentina fez questão de salientar também a violência e a má recepção dos brasileiros durante o
jogo. “Los jugadores argentinos terminaban de saludar em el centro del campo. Desde las tribunas descendían a
todo galope los últimos ecos de unos aplausos brasieños sonoros, realmente, sinceros, casi exagerados si tenemos
en cuenta el poco fútbol que había repartido Independiente entre los 60000 testigos del Pacaembú. De repente
ingresó al campo un hombre de pantalón claro y remera verdosa. La policía corrió y lo cercó en pocos segundos.
En menos de lo que cualquiera pudiese imaginarlo se desencadenó un espectáculo increíble, confuso, triste. Una
función extra que de todas maneras es necesario explicar detalladamente: el joven de pantalón claro y remera
verdos era un uruguayo, ex compañero de Pavoni [jogador do Independiente] en Defensor y que quería llevarse
de recuerdo la camiseta del Chivo. La policía, por supuesto, desconocía sus intenciones y obró como debía.”
(CLARÍN, 14/10/1974. p. 8 sec. Deportivo).
13
Região localizada ao sul de Buenos Aires, onde o Independiente manda seus jogos.
14
Os meios de comunicação gaúchos, em contrapartida, apoiaram-se nesta agressão ao goleiro do São Paulo no
jogo na Argentina, dando espaço aos depoimentos da comissão técnica do São Paulo: “Foi uma noite terrível de
hostilidades e selvageria. O jogo violento imperou sempre e aos cinco minutos nosso goleiro recebeu uma
pedrada na cabeça”, disseram os dirigentes do tricolor paulista.”(SÃO PAULO E INDEPENDIENTE
DECIDEM LIBERTADORES, CORREIO DO POVO, 19/10/1974. s/nº). Tal fato remete à questão colocada por
Simmel (que será apresentada adiante) sobre a questão da “flexibilidade” da posição do estrangeiro no
imaginário montado pelos meios de comunicação, em outras palavras, ora os jornais criticam os argentinos, ora
os reverenciam; logo, a identificação do Outro se torna mutável.
15
Vale recordar que até meados da década de 1980, o regulamento da Copa Libertadores da América apontava
para que a final se realizasse em duas partidas; caso a disputa permanecesse empatada (independentemente do
saldo de gols das duas equipes envolvidas), haveria um terceiro jogo que seria realizado em “território neutro”.
Atualmente, a competição é decidida somente em partidas de ida e volta com o fator saldo de gols contando
como fator de desempate. Caso permaneça empatado nesta última categoria, é realizada uma disputa de pênaltis
no estádio do mandante do segundo jogo a fim de definir o vencedor.
21
Se há uma coisa que os argentinos podem nos ensinar é a torcer (...). Uma passada
de olhos perto dos setores do estádio e a certeza de que estávamos diante da torcida
mais espontânea do mundo. o estádio ululava (...). Atrás da goleira onde estava
Valdir Peres no primeiro tempo, uns dois mil cantavam para uns duzentos que
tiravam a vista: “Sente, sente. Perón está presente” (...). Nós torcedores [brasileiros]
precisamos aprender com os argentinos. Os aficionados do Independiente provaram
que uma torcida pode ganhar um jogo. Ou no mínimo ajudar a equipe a conseguir a
vitória. (A TORCIDA É UM SHOW. CORREIO DO POVO, 18/10/1974. s/nº).
16
Para maiores detalhes do sobre a Guerra das Malvinas, consultar link disponível em:
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/04/entenda-guerra-das-malvinas.html .
22
Os fins não justificam os meios. Mas ninguém pode negar que os jogadores do
Estudiantes deixaram um exemplo inesquecível de espírito de luta, aplicável,
sobretudo àquelas equipes que costumam desanimar quando têm um ou dois
jogadores expulsos. (CONDIÇÃO DE DEPENDENTE. CORREIO DO POVO,
13/07/1983. s/nº).
O depoimento do colunista Lasier Martins nos indica outra opinião que persistiu
sobre o acontecimento, demonstrando que o Grêmio foi “inocente” em um jogo que o time do
Estudiantes de La Plata intimidou o tricolor riograndense na base da violência:
Mais um ponto que merece destaque é a apropriação por parte dos brasileiros (de
certa forma maquiavélica) de alguns recursos ilícitos “típicos” dos argentinos, como a
“catimba”. Tal ocorrência está evidente principalmente no artigo escrito por Lasier Martins,
com um título muito sugestivo: “O Grêmio foi inocente”. Faltou ao Grêmio o que no
vocabulário futebolístico é denominado de “Lei de Gerson”: a vontade de “levar vantagem em
23
17
tudo” . Ou seja, a apropriação de um vício do outro, mesmo sendo exaustivamente
repudiado pelos próprios meios de comunicação, pode ser relevado se levar em conta o
“nosso” benefício; é como se a mesma se tornasse um mero “jeitinho” brasileiro (ingênuo, ao
contrário da “catimba” argentina, esta totalmente maliciosa)18.
O último ponto que merece destaque nesta discussão nos remete à recordação da
proposta efetuada no início do capítulo, a saber: as duas datas (1974 e 1983) e a sua relação
com a consolidação da imprensa brasileira. A partir dos anos 1990, todos os confrontos
envolvendo brasileiros e argentinos que foram analisados apresentavam termos depreciativos
aos argentinos, como “catimba”, “violência”, “alçapão”, “palco de guerra”, entre outros. Não
obstante, vimos também uma cobertura que exalta alguns pontos dos argentinos que
geralmente inexistem nos clubes brasileiros e, por isso mesmo, tornam-se temas de crítica às
equipes (e aos torcedores) brasileiras, como “raça”, “apoio da torcida”, “garra”, entre outros.
Em suma, há um universo limitado de opções nas quais os argentinos são adequados pelos
meios de comunicação brasileiros, sempre sujeitos a alterações conforme as relações
aproximam-se ou distanciam-se. Vale lembrar também que o outro não poderá se adaptar
totalmente aos símbolos compartilhados por determinado grupo, ele sempre será um estranho,
um estrangeiro.
17
Esta pequena frase remete ao mandamento que é frequentemente associado ao “jeitinho brasileiro”. Segundo a
Lei de Gérson, “se algo pode dar errado, não tem problema, pois mesmo que der errado, a gente dá um jeitinho
de fazer parecer certo. Gérson de Oliveira foi quem ficou com a fama pela frase que batizou o jeitinho brasileiro,
mas o fato é que a maioria do povo já se beneficiou com tal lei e ainda se gaba por ser mundialmente famosos
por isso.”. Informações retiradas dos sites: http://www.infoescola.com/curiosidades/lei-de-gerson/ e
http://www.youtube.com/watch?v=J6brObB-3Ow
18
Para mais detalhes sobre esta expressão, ver DAMATTA, 1986.
24
19
Com relação ao fanatismo dos torcedores, vale destacar uma passagem de um jornal paulista do ano de 1968,
no confronto entre Estudiantes e Palmeiras: “A torcida do Estudiantes é de causar inveja à corintiana. A tarde já
começaram a desfilar pela cidade com bandeiras do clube (...). Além de gritar, os torcedores (...) cantavam
(...).Quando o Palmeiras entrou em campo houve muito mais aplausos do que vaias. Na vez do time da casa, o
estádio quase caiu.”. Ou seja, dos termos utilizados para a classificação dos argentinos, o mais antigo é o
fanatismo de seus torcedores. Em Estado de São Paulo, 03/05/1968. p. 14.
25
outro lado, a maioria dos termos pejorativos aos argentinos é divulgada antes dos dias de
jogos, o que caracteriza um “pré-conceito” do comportamento deste Outro.
Time macho esse. Macho à gaúcha. Macho de fazer argentino morrer de inveja.
Macho como honra a tradição do Rio Grande. Macho! (CORREIO DO POVO,
17/08/2006. p. 26)
Gaúcho já tem aquele afama de gostar de troca-troca. Não é macho. Eles têm que
ficar mostrando que são machos batendo nos outros (...). Eles que se separem do
Brasil. Vão virar Argentina, virar o que quiserem. Eles dizem que o Sul é o meu
país. Pois vão ser outro país. Vão virar o país das bichonas. Não servem para ser
brasileiros, são bandidos, não são gente. (ZERO HORA, 07/06/2007. p. 46)
figura do Grêmio) de um modelo mais “europeu”, aproximando-se muito mais dos países
vizinhos, Argentina e Uruguai20, do que do próprio país.
20
A referência aqui é principalmente ao clube Estudiantes de La Plata, tricampeão da Copa Libertadores da
América de 1968 a 1970, responsável por marcar o estilo de jogo argentino ao apresentar um futebol duro,
“raçudo”, violento e mais tático do que técnico. Entretanto, tal equipe não era admirada pelos próprios argentinos
justamente por apresentarem estilos de jogo que remetiam mais ao futebol europeu do que ao argentino
propriamente dito (caracterizado pelo drible, agressividade e técnica, em outras palavras, semelhante ao
“futebol-arte” brasileiro). Para maiores informações sobre tal tema, ver GUAZZELLI, 2000.
21
Outra característica que podemos sublinhar é a recriação da própria imagem do “gaúcho” que, como
sintetizará o historiador Carlos Guazzelli, “De um significado inicial, em fins do século XVIII, de fora-da-lei e
pária social, “gaúcho” passou a identificar os peões das estâncias e, mais tarde, mercê de um longo processo no
qual foram fundamentais os intelectuais, praticamente todos os rio-grandenses passaram a ser identificados como
“gaúchos”. E essa identidade de “nós gaúchos” é posta em contradição a “eles”, que não são “gaúchos” [os
brasileiros].” (GUAZZELLI, 2000, p. 23).
27
para impedir que tais símbolos sejam “contaminados” pela cultura “nacional” produzida nos
grandes centros de produção da identidade do “brasileiro” – como São Paulo e Rio de Janeiro;
ao mesmo tempo em que este mesmo reconheça esta escolha pela diferenciação. Para tais
“tradicionalistas”, é fundamental manter-se distante das mudanças culturais ocorrentes no
país. “Por isto”, afirmará Ruben Oliven,
O maior exemplo de conflito até então tinha sido o amistoso entre seleção brasileira
versus seleção gaúcha (um combinado das equipes do Grêmio e do Internacional) 23 em 1972,
organizado através não de um plebiscito popular ou artifícios semelhantes; mas sim através da
22
Para exemplificar tal frase, citamos novamente Oliven, que afirma: “A novidade é constituída pelos jovens
das cidades, em boa parte de classe média, que faz pouco tomam chimarrão, vestem bombachas e curtem música
gaúcha, hábitos que perderam o estigma de grossura (...). Como o Censo de 1980 mostra que 68% da população
do Rio Grande do Sul vive em situação urbana, este mercado está concentrado em cidades.” (OLIVEN, 1985. p.
81).
23
A seleção brasileira foi escalada da seguinte forma: Leão; Zé Maria, Brito, Vantuir e Marco Atônio;
Clodoaldo, Piazza e Rivelino; Jairzinho, Leivinha e Paulo César. O combinado gaúcho (com jogadores somente
dos dois grandes de Porto Alegre – Internacional e Grêmio) trouxe na escalação: Schneider; Espinosa (que mais
tarde seria técnico do Grêmio campeão da Libertadores de 1983), Figueroa, Ancheta e Everaldo; Carbone, Tovar
e Torino; Valdomiro, Claudiomiro e Oberti. Essa seleção gaúcha que não era tão gaúcha assim: o chileno
Figueroa, o uruguaio Ancheta, o argentino Oberti, o paulista Carbone e o catarinense Valdomiro. Vale lembrar
também que Figueroa e Ancheta são considerados um dos maiores jogadores da história de Internacional e
Grêmio, respectivamente, o que nos indica ainda mais o “distanciamento” das equipes gaúchas do Brasil.
28
O futebol gaúcho, desde sua fundação, sofreu uma forte influência dos países
vizinhos Uruguai e Argentina; influência esta maior até do que a brasileira. A
interdependência da província fronteiriça com estes dois países é considerada muito intensa,
principalmente pelo fato do Rio Grande do Sul ter sido por muito tempo uma área abandonada
pelo centro do Brasil 25, apesar de sempre ter sido uma “fronteira quente”, ou seja, “local de
disputa militar, de guerras e de arranjos diplomáticos” (LUVIZOTTO: 2009). A fronteira não
delimitava uma separação precisa e rigorosa do território português com as colônias
espanholas, o que permitia um intenso intercâmbio cultural entre essas regiões. Segundo o
geógrafo Gilmar Mascarenhas de Jesus, formou-se no Rio Grande do Sul:
24
Para maiores informações sobre o Movimento Tradicionalista Gaúcho, ver link disponível em:
http://www.mtg.org.br/pag_historiamtg.php Consultado em: 05/04/2014.
25
O historiador Caio Prado Júnior lembrará que: “A extremidade meridional do território que hoje constitui o
Brasil, permaneceu durante muito tempo fora de sua órbita. (...) Tratava-se de uma área deserta e que parecia
sem grande interesse (...) um grande vácuo, portanto, separava as duas nações .”. Tal citação está presente em
MASCARENHAS, 2000.
29
A região que consiste o atual Estado do Rio Grande do Sul em todo o momento fora
colocado em uma condição “periférica” em relação aos “centros” primeiramente coloniais
(vide Rio de Janeiro e a região açucareira do Nordeste) e, em seguida, políticos e econômicos
do Brasil (vide a hegemonia paulista promovida pela expansão cafeeira). No final do século
XIX, com o início das políticas de imigração europeia do governo brasileiro, a população rio-
grandense recebera uma grande quantidade de imigrantes italianos e alemães que, juntamente
com os comerciantes portugueses, formavam a “tríade” em que repousa a tradição cultural
deste “Brasil sulino”, “gringo” (RIBEIRO: 1995). Segundo a socióloga Caroline Luvizotto:
A existência desta fronteira “viva” pouco valeria em nosso estudo não fossem os
vizinhos em pauta as duas nações que sem dúvida mais precocemente
desenvolveram este esporte na América do Sul. A capital argentina, por seu porte e
riqueza, desenvolveu rapidamente o futebol, ao que os uruguaios, por intensa
rivalidade, procuraram reagir prontamente. É através da “fronteira viva” com o
Uruguai, que centros urbanos de pequeno porte tiveram acesso a “informações” até
então praticamente restritas aos grandes centros e às zonas portuárias mais
dinâmicas. Trata-se sem dúvida de uma adoção precoce do futebol no contexto
brasileiro. Procuramos aqui não apenas demonstrar tal precocidade como sobretudo
entendê-la a partir das fortes conexões do RS com as metrópoles do Prata, numa
tentativa de abordagem geográfica do processo de difusão do futebol.
(MASCARENHAS, 2000: p. 2)
26
Vale destacar somente alguns nomes fundamentais na história da política brasileira que são gaúchos: Getúlio
Vargas, Leonel Brizola, Emílio Médici. Este último, inclusive, fora associado ao estilo de jogo gaúcho por
alguns jornais paulistas, devido à sua rispidez e à rigidez dos tempos da ditadura (DAMO: 2003).
27
O exemplo mais corriqueiro que podemos citar são os jogos que ocorrem no Rio Grande do Sul entre clubes
“brasileiros” e clubes gaúchos. Na cerimônia solene dos hinos antes do jogo, o Estado do Rio Grande do Sul é
um dos poucos em que tem seu hino entoado logo após o nacional. A reação dos torcedores é notável: enquanto
no hino nacional poucos cantam e, ao seu término, ouve-se vaias; no hino riograndense o estádio inteiro canta e,
ao seu término, ouve-se aplausos. Este vídeo disponível no site serve de exemplo:
http://www.youtube.com/watch?v=O60nTwaYFzQ
31
28
Ver ANEXO A.
29
A seleção brasileira foi escalada da seguinte forma: Leão; Zé Maria, Brito, Vantuir e Marco Atônio;
Clodoaldo, Piazza e Rivelino; Jairzinho, Leivinha e Paulo César. O combinado gaúcho (com jogadores somente
dos dois grandes de Porto Alegre – Internacional e Grêmio) trouxe na escalação: Schneider; Espinosa (que mais
tarde seria técnico do Grêmio campeão da Libertadores de 1983), Figueroa, Ancheta e Everaldo; Carbone, Tovar
e Torino; Valdomiro, Claudiomiro e Oberti. Essa seleção gaúcha que não era tão gaúcha assim: o chileno
Figueroa, o uruguaio Ancheta, o argentino Oberti, o paulista Carbone e o catarinense Valdomiro. Vale lembrar
também que Figueroa e Ancheta são considerados um dos maiores jogadores da história de Internacional e
Grêmio, respectivamente, o que nos indica ainda mais o “distanciamento” das equipes gaúchas do Brasil. Vale
adicionar nesta “lista de ídolos” o capitão da conquista da Libertadores do Grêmio de 1983, o uruguaio Hugo de
León.
32
até então técnico da seleção, não chamou o lateral gremista Everaldo. Tal ocorrência
provocou a ira dos rio-grandenses que, na figura da Federação Gaúcha de Futebol, convocou
o “amistoso”. Era a exemplificação dos discursos de crise, nostalgia e identidades postos em
prática. O jogo fora marcado por gestos “antipatrióticos” e que foram perceptíveis durante o
jogo: os torcedores “gaúchos” vaiaram o Hino Nacional e a entrada em campo dos jogadores
“brasileiros”. Ademais, bandeiras do Brasil foram queimadas no interior do estádio, além de
haver uma grande quantidade de bandeiras do Estado do Rio Grande do Sul. Cada vez que um
jogador da seleção brasileira tocava na bola, era vaiado, ao ponto de quando Jairzinho marcou
um gol para a seleção brasileira, correu em direção à torcida mostrando a camisa amarela do
Brasil, o que provocou uma fúria ainda maior nos torcedores. Torcedores estes que eram em
sua maioria colorados e gremistas, que se mostravam unidos por uma causa maior que a
rivalidade regional: o próprio orgulho da região. O jogo terminou empatado, e a definição
deste conflito estava longe de terminar. Como mostra Guazzelli, a conclusão é a de que:
O Rio Grande desafiara o poderoso Brasil para mostrar que seus jogadores eram
dignos do escrete nacional; ao cumprir com empenho o repto que tinham feito, os
rio-grandenses, mais do que nunca, mostravam-se estranhos aos demais brasileiros
(...). Uma maçã atirada sobre o banco onde estavam os homens da CBD – um fato
por demais corriqueiro em partidas de futebol – serviu para recrudescer aquela ideia
estereotipada sobre o futebol “gaúcho”: agora, além de jogadores duros e violentos,
havia uma torcida também violenta e antipatriótica. (GUAZZELLI, 2000. p. 46).
30
Guazzelli afirma que aquela manifestação fora única devido ao período histórico que envolvia o Brasil naquele
período. Lembramos que em 1972 a ditadura militar estava em pleno poder político e o ditador daquele período
era ninguém menos do que o gaúcho Emílio Garrastazu Médici, um dos mais rígidos e sanguinários daquele
momento (GUAZZELLI: 2000). A imagem de Médici será reutilizada logo depois como analogia ao futebol
gaúcho pelos meios de comunicação paulistas, identificando os gaúchos como “violentos” e “brutos” (DAMO:
2003).
33
Paira a ideia de que mesmo as grandes equipes que se formam no Rio Grande são
contestadas, não se reconhecendo nelas o estilo brasileiro. Ao Internacional,
tricampeão dos anos 70 [e único clube que conquistou o campeonato brasileiro de
maneira invicta], atribuía-se um inegável preparo físico, disciplina tática e conjunto,
mas eram discutidas as condições técnicas dos seus jogadores. O Grêmio, campeão
da Libertadores e mundial, nunca foi festejado como uma equipe excepcional.
(GUAZZELLI, 2000. pp. 47-8).
Mas o que mais caracterizou o Grêmio desde sua criação foi o estilo de jogo
implantado por seus fundadores alemães. Focados em uma filosofia de mens sana in corpore
sano (mente sã, corpo são), a disciplina tática e física eram os elementos centrais fortalecidos
no clube. Tal medida fora tão profunda que, até os anos 1950, o Grêmio impedia que
jogadores baixos, magros ou negros representassem suas cores. E tal modelo deu certo: o
Grêmio era soberano em território regional; enquanto o Internacional buscava aplicar um
modelo mais próximo do futebol-arte, o Grêmio não se intimidava em priorizar somente o
31
“Para muitos gaúchos, hoje, o significado da Revolução [Farroupilha] está pautado na luta para manter aceso
o tradicionalismo gaúcho e a autonomia do estado. No Rio Grande do Sul, dia 20 de setembro é feriado estadual,
é o Dia do Gaúcho, dia em que os tradicionalistas desfilam o orgulho gaúcho.” (LUVIZOTTO: 2009). O dia 20
de setembro é lembrado ainda nas primeiras estrofes hino rio-grandense, que inclusive foi criado por intelectuais
em 1933. Há também a lei nº 9.405/1991 que coloca o Dia do Gaúcho no mesmo dia do início da Revolução
Farroupilha. Propositalmente ou não, em 1993 eclodiu em nível nacional um Movimento Separatista Sulino
liderado por Irton Marx que, apesar de todo o escândalo, não progrediu. Sobre a data da fundação do hino, ver
link disponível em: http://www.mtg.org.br/hino.html
34
futebol-força. Logo, com esta soberania, o futebol no Rio Grande do Sul adotara o mesmo
estilo de jogo dos tricolores, que consistia em um futebol mais “grosseiro”, “tático”,
“defensivo”, “raçudo”, características que se aproximam do futebol argentino inventado, em
parte, pelos meios de comunicação brasileiros. E é neste ponto que notamos que a construção
do outro sobre o argentino através dos meios de comunicação brasileiros é parcial. Consoante
Guazzelli:
Findada nossa análise dos meios de comunicação escolhidos neste relatório, pudemos
observar alguns traços que persistiram no decorrer do período cronológico. Dentre aqueles
que nos chamaram a atenção, destacaremos somente um: a diferença na cobertura dos eventos
esportivos em ambos Estados. A principal característica é a da “falta de interesse” sobre a
Libertadores quando não há equipes do Estado na fase final.
Podemos observar que até 1974 os jornais rio-grandenses sempre fizeram uma
cobertura semelhante às encontradas nos jornais paulistas, ou seja, um número de páginas
dedicadas à Libertadores equivalente, com um grande número de reportagens e imagens sobre
35
as decisões. Vale lembrar que a primeira vez que um clube gaúcho alcançou a final foi em
1980, quando o Internacional perdeu contra o Nacional do Uruguai, ou seja, surpreende da
cobertura dos jornais gaúchos serem muito próximas às dos jornais paulistas. Mas em nossa
primeira data “gaúcha”, ou seja, na semifinal de 1983 na famigerada “Batalha de La Plata”, já
notamos uma mudança no comportamento dos jornais. Enquanto os gaúchos mostravam-se
escandalizados com a “barbárie” do jogo entre Estudiantes x Grêmio, os paulistas emitiam em
pequenos informes nas laterais dos jornais notícias sobre o acontecimento. Em 1984, quando
o Grêmio alcançou a final contra o Independiente, mais uma vez ficou clara a indiferença dos
paulistas na até então “prestigiada” Taça Libertadores, que somente lembravam da
competição quando era possível associar alguma informação que interessasse algum clube
paulista, como a negociação envolvendo a contratação do zagueiro gremista Hugo de León
pelo Corinthians.
Com a volta do predomínio paulista na competição nos anos 1990, o inverso ocorreu:
os meios de comunicação gaúchos abdicaram da cobertura das finais de 1991 e 1994
envolvendo clubes paulistas e argentinos32. A exceção é 2000 que, apesar de ainda continuar
abaixo da cobertura paulista, ainda havia certo “interesse” dos jornais gaúchos, na maioria das
33
vezes com notícias referentes ao técnico do Palmeiras, o gaúcho Luiz Felipe Scolari , que
era figura constante nas páginas dos periódicos. Ademais, a partir dos anos 1990 surgem as
denominadas “edições especiais”, que consistem numa cobertura exclusiva e mais completa
dos acontecimentos que envolvem determinada equipe.
32
Será neste período também que virá à tona o Movimento Separatista Sulino que, apesar do grande alarde, não
adquire proporções efetivas. Coincidentemente, será neste período em que veremos nos jornais gaúchos um
apelo cada vez maior ao Movimento Tradicional Gaúcho (MTG), com entrevistas, “edições especiais”, entre
outros. Mas o que chamou a atenção foi também o grande apelo destes jornais aos leitores para que estes torçam
para os clubes regionais e deixem de torcer para clubes do “exterior”. Ver ANEXO B.
33
Uma característica quase imperceptível em um primeiro olhar é a mudança na forma de tratamento que os
jornais dão ao técnico do Palmeiras. Enquanto jornais paulistas referem-se ao treinador pelo nome completo
(numa espécie de formalidade), Luiz Felipe Scolari, os jornais gaúchos chamam o mesmo sempre de “Luiz
Felipe” ou “Felipão”, o que entoa certa “intimidade” por ambos compartilharem de uma “comunhão de valores”
(BAUER: 2008).
36
algum clube do Rio Grande do Sul. Portanto, ao longo desta trajetória, é possível notar que há
omissões que são visíveis somente ao compararmos as reportagens entre os jornais.
Analisaremos os fragmentos de alguns jornais paulistas e riograndenses da final de 2006 entre
São Paulo x Internacional e, em seguida, a semifinal entre Santos x Grêmio na edição de
2007, a fim de elucidar as relações de alteridade destas duas regiões e a construção imaginada
promovida pelos meios de comunicação através de termos que classificam o outro.
Entretanto, esta rivalidade que, a priori, parecera sadia aos olhos dos jornais
paulistas logo foi desmentida por uma notícia muito veiculada na imprensa gaúcha e que,
34
curiosamente, pouco fora discutida entre os paulistas . Como podemos ver neste excerto, a
torcida do Internacional fora extremamente mal recepcionada:
A omissão da maior parte da imprensa paulista sobre tal acontecimento pode indicar
que os clubes deste Estado possuem torcedores violentos, além de uma diretoria indiferente à
recepção dos visitantes. Comportamentos que, segundo esta mesma imprensa paulista, são
típicos de clubes argentinos e seus torcedores, como observamos em outras coberturas de
clubes brasileiros contra argentinos. Em contrapartida, notamos também a diferença no
discurso do jornal gaúcho: a menção aos torcedores do Inter como “guerreiros” os colocam no
34
Para não utilizarmos o termo “omissão”, lembramos que somente o colunista do jornal Folha de São Paulo,
Juca Kfouri, recordou-se deste episódio: “A pedrada no ônibus colorado é dessas coisas insuportáveis, e a
acomodação da torcida gaúcha embaixo da paulista revelou uma falta de atenção (ou terá sido proposital?) dos
anfitriões não menos revoltante, alvo que os visitantes foram de toda sorte de detritos.” Em FOLHA DE SÃO
PAULO, 13/08/2006. p. D5.
37
mesmo nível de importância dos jogadores que venceram o primeiro jogo no Morumbi. Além
disso, o estilo de recepção “gaúcha” demonstra uma espécie de cordialidade com o visitante,
um comportamento que indica ser diferente do “paulista”.
35
Em ZERO HORA, 03/08/2006. p. 47.
36
Por exemplo, colunista David Coimbra afirma que é “a favor da retranca assumida e franca como a verdade.
Sou a favor de um Inter aferrolhado, em São Paulo.” Em ZERO HORA, 06/08/2006. p. 59. O atacante Fernandão
explica o que seria um estilo de jogo gaúcho: “O diferencial vai ser a pegada, a alma. Este tem sido o craque do
nosso time. E o que significa pegada? Não é dar porrada. É concentração máxima em cada segundo. Tem que ter
pegada na hora de encurtar o espaço e na hora de dar balão.”. Em IDEM, 09/08/2006. p. 45.
37
Em IDEM, 09/08/2006. p. 45.
38
termo utilizado pelo atacante do Inter, Fernandão, para descrever como a equipe deve se
portar em campo. Nota-se também uma grande presença de termos como “raça”, “garra” e
“bravura” nos discursos jornalísticos referentes ao clube gaúcho.
O último depoimento trata-se de uma afirmação muito que rodeia nossa discussão
proposta até agora: o bairrismo. O colunista Wianey Carlet escreveu uma crônica intitulada
“Sem favorito”, na qual ele afirma que:
Somos todos bairristas, em igual intensidade (...). Lá [em São Paulo] como aqui,
somos muito parecidos. Embora, bairrismo seja marca na paleta de gaúcho. Quem
mandou o Rio Grande do Sul amarrar cavalos em obelisco alheio e enfrentar o
restante do país, por 10 anos, a rebencaços e golpes de pelego? (ZERO HORA,
16/08/2006. p. 57).
Este texto originou-se como uma resposta à repercussão dos termos que o radialista
Pedro Ernesto Denardin (da Rádio Gaúcha, uma das mais populares do Rio Grande do Sul)
proferiu na transmissão do primeiro jogo da final, que terminou na vitória do Internacional em
38
pleno estádio do Morumbi, termos estes com forte referência ao bairrismo . Justifica
também – utilizando termos “nativos”39 – que o gaúcho é diferente dos outros brasileiros
justamente por este bairrismo mais concentrado. Podemos relacionar esta afirmação de Carlet
com a “cultura de resistência” típica do Rio Grande do Sul como uma tentativa de “blindar”
esta produção cultural “periférica”. Nasce daí, como veremos em breve, uma “comunidade
imaginada” através da fundação de um “vernáculo” típico, da “invenção de tradições” por
intelectuais e, finalmente, devido à propagação deste “tradicionalismo” graças aos meios de
38
O discurso do radialista foi: “O Inter liquida o São Paulo. O Inter rasga a camisa do São Paulo e pisa em cima
dela! O Inter humilha o campeão do mundo! O campeão do mundo destroçado pelo futebol do Internacional! Um
campeão do mundo que começa a morrer definitivamente nas cores vermelha e branca do time colorado, da
gauchada de vermelho! O gol de Sóbis, o menino de Erechim: cara de gaúcho, pinta de gaúcho, roupa de gaúcho,
parece gaúcho e o Inter é gaúcho!”. Nele, podemos comprovar o que um jogador do Internacional dirá dias após
este jogo em uma entrevista, um sentimento de insatisfação e desapontamento: “A mídia paulista não está nem aí
com a gente”. Em Zero Hora, 13/08/2006. O discurso representa uma tentativa do futebol do “periférico” Rio
Grande do Sul superar o futebol do “centro”, do “campeão do mundo” (destacado diversas vezes pelo radialista a
fim de mostrar a grandeza do futebol rio-grandense) São Paulo, símbolo (naquele momento) do “centro” Brasil.
A narração está disponível no link: http://www.youtube.com/watch?v=EF425fEvAoI
39
Ocorreu o seguinte evento neste episódio citado por Wianey Carlet: Durante a Revolução de 1930, os
cavalarianos do Rio Grande do Sul amarraram seus cavalos no obelisco do Rio de Janeiro, simbolizando o fim
do Estado Oligárquico. E tal ocorrência remete a outro episódio histórico: em 1820, os caudilhos artiguistas
Francisco Ramirez e Estanislao López fizeram o mesmo no obelisco de Buenos Aires após uma vitória sobre os
portenhos.
39
Bairrismo este que fica ainda mais perceptível no jogo de volta da semifinal entre
Grêmio x Santos, em 2007. Deste confronto, destacaremos uma ocorrência extracampo, mais
precisamente, um depoimento de um radialista paulista no dia anterior ao jogo (no dia 05 de
junho) e a repercussão deste acontecimento no olhar dos meios de comunicação paulista e rio-
grandense.
O Santos precisava vencer esta segunda partida. Venceu, porém não passou à final
pelo critério de saldo de gols 40. Na véspera da decisão contra o Grêmio, uma coluna de Luis
Zanin em um jornal de São Paulo voltou a lembrar da questão do bairrismo, indicando que tal
tema não é exclusividade do Rio Grande do Sul: “Pelo menos em matéria de futebol, somos
todos bairristas, assumidos ou não”41. Cria-se, portanto, uma relação de alteridade com o
Outro que, no caso, é o rio-grandense. O ambiente de decisão que já era tenso ficou ainda
mais após a declaração do radialista Jonas Greb na rádio Trianon; uma declaração que
adquiriu proporções gigantescas no Rio Grande do Sul e que não foi citada uma vez sequer
nos meios de comunicação paulistas, como se tal fato não tivesse ocorrido. Ou seja, uma
omissão dos jornais paulistas sobre o caso do radialista que ofendeu os gaúchos afirmando:
Eles que se separem do Brasil. Vão virar Argentina, virar o que quiserem. Eles
dizem que o Sul é o meu país. Pois vão ser outro país. Vão virar o país das bichonas.
Não servem para ser brasileiros, são bandidos, não são gente. (ZERO HORA,
07/06/2007. p. 46).
Intencionalmente ou não, a réplica dos jornais paulistas veio logo a seguir deste
acontecimento. O colunista Antero Greco, ao escrever sobre a passagem do Grêmio à fase
final do torneio, argumentou:
A torcida agora fica para os valentes gaúchos. Você que me lê deve achar que é papo
furado essa conversa de “Grêmio é Brasil na Libertadores”. Pra mim é (...). Se bem
que, para um grupo de tolos torcedores tricolores que esteve na Vila, o “Brasil ficou
sem representante na Libertadores”. Não é que ainda há idiotas com ideias
40
O primeiro jogo, em Porto Alegre, terminou com vitória do Grêmio: 2 x 0. O jogo de volta, em Santos, a
equipe da cidade venceu por 3 a 1, porém não passou à próxima fase devido ao critério de saldo de gols: o gol
tomado fora de casa tem peso dobrado, segundo o regulamento da competição.
41
Em SOMOS BAIRRISTAS ASSUMIDOS? Estado de São Paulo, 05/06/2007.
40
Aqui, como podemos observar, o jornalista faz uma referência implícita à tensão
entre nação, região e condição de estrangeiridade e nacionalidade do gaúcho construída
historicamente na relação entre Rio Grande do Sul e São Paulo. Em outras palavras, Antero
Greco “aproxima” o “estrangeiro” da realidade dele ao afirmar que “torcerá” para os “valentes
gaúchos” (vale ressaltar o uso do termo “valente”, que pode ser associado àquele rol de
significados que se aproximam de um “tipo ideal” de gaúcho). Por outro lado, ele mesmo
classifica como “tolos” àqueles torcedores gaúchos que afirmaram que o “Brasil ficou sem
representante na Libertadores”. Tal frase remete à “invenção da tradição” (HOBSBAWN;
RANGER: 2008) da resistência cultural do Rio Grande do Sul frente ao “centro” e até, em
termos mais radicais, de separatismo 42. Ou seja, há também o “afastamento” do “estrangeiro”
com este olhar de repúdio produzido pelos meios de comunicação através de termos
específicos.
Entrementes, ainda haveria uma tréplica por parte dos meios de comunicação rio-
grandenses. Na mesma semana em que o Grêmio alcançava as finais da Copa Libertadores da
América, o Internacional havia conquistado a Recopa Sul-americana 43. Ou seja, a capital do
Rio Grande do Sul era vista como “A Porto Alegre do futebol”, título desta edição especial
sobre o futebol gaúcho:
Quem for buscar as origens do estilo e da força que (...) continuam empurrando os
grandes times gaúchos para as vitórias e os títulos vai chegar a pelo menos duas
vertentes. Uma delas foi citada pelo técnico Mano Menezes, finalista da
Libertadores (...): a vizinhança com argentinos e uruguaios. Foi ela que moldou o
estilo, juntando a técnica do futebol do continente com a força e a competição
platina. A segunda (...) é lembrada a todo momento (...): a irresistível rivalidade. É
ela que sempre move a Dupla porque o torcedor não perdoa ficar para trás. (ZERO
HORA, 09/06/2007. p. 49).
42
Que remete, principalmente, ao movimento separatista que ganhou força nos anos 1990 denominado
Movimento Separatista Sulino, encabeçado pelo político Irton Marx. Apesar da grande repercussão que teve em
todo território brasileiro, tal manifestação não teve efeito após a prisão de seu líder por porte de símbolos
nazistas.
43
Torneio em que se enfrentam, em dois jogos, o campeão da Copa Sul-americana e o campeão da Copa
Libertadores da América da edição anterior. No ano de 2007, a Recopa foi entre Pachuca (campeão da Copa Sul-
americana em 2006) contra Internacional (campeão da Copa Libertadores da América em 2006).
41
O gaúcho, por outro lado, faz questão de mostrar seu “distanciamento periférico”
com o “centro”, com o país, e não esconde isso em suas formações culturais e até mesmo
ludopédicas. Em outra edição especial dedicada às glórias adquiridas pela dupla porto-
alegrense, encontramos outro depoimento interessante no texto “Futebol é coisa nossa”:
O futebol é um dos aspectos pelos quais os gaúchos manifestam uma certa rabugice
em se assumir brasileiros (...) o gaúcho faz questão de marcar diferença entre ele e
os demais reforçando a ideia do “jeito gaúcho” de jogar. A saber: força, marcação,
chutão pra frente se necessário e vitória pragmática nem que seja por meio a zero –
uma certa identidade que o gaúcho vai buscar nos seus vizinhos argentinos. (ZERO
HORA, 10/06/2007. p. 4).
Pela primeira vez até então, “o sertão virou mar” e o “periférico” Rio Grande do Sul,
com seu estilo de jogo rebuscado e rechaçado (o antagonismo do jogo bonito brasileiro), se
autoproclama como “centro do futebol”. Mais uma vez notamos que o “jeito gaúcho”
encontra inspiração nos vizinhos argentinos, mesmo que os termos utilizados para esta
“comunhão de valores” – “força”, “marcação”, entre outros – não estejam relacionados a um
“estilo de jogo argentino”, mas sim a uma imagem inventada deste Outro que satisfaz uma
projeção do próprio tipo ideal gaúcho.
42
Logo, o problema inicial que o Rio Grande do Sul aparentava apresentar era
sintetizado por estar “longe demais das capitais”44. Entrementes, também há um interesse para
que permaneça este distanciamento e a diferenciação com o restante do país. Relação esta que
pode atingir traços até de antagonismo, como vimos no futebol: enquanto o Rio Grande do
Sul orgulha-se de apresentar um estilo de jogo muito mais próximo do “futebol-força” – uma
forma de antagonizar contra o modelo “nacional” –, os “brasileiros” admiram um “futebol-
arte”, com mais ataque, criatividade e individualidade (ou o futebol “firula”, termo pejorativo
utilizado pelo treinador gaúcho Felipão enquanto este treinava o Palmeiras em 2000), mas
com menos defesa, disciplina tática e coletividade. A relação entre gaúcho e brasileiro trata-se
de uma intensa “inclusão e exclusão” de valores, e com isso é produzida e reproduzida a
imagem de ambos – tanto do brasileiro, quanto do gaúcho. Consoante Luvizotto:
O “brasileiro” é o outro, o estranho, o distante que não faz parte daquele espaço e
daquelas relações. Fala-se desse outro sem receios, é permitido fazer críticas, acusar
e nominar: “O ‘brasileiro’ é lento, safado, preguiçoso”. Quando a referência se
aproxima do universo local, essas características assumem outros sentidos, outras
representações: “O povo gaúcho é trabalhador, esforçado, guerreiro. Eu moro aqui,
eu sou daqui”, um discurso que exclui e inclui. (LUVIZOTTO, 2009. p. 85)
E é a partir dos dois trechos que abriram este breve capítulo que podemos encerrá-lo.
Nos dois exemplos é possível observar uma grande identificação do rio-grandense com o
“Outro” argentino. Na primeira frase (cunhada pelo jornalista Heitor Mombach após a
conquista do Internacional de Porto Alegre sobre o São Paulo, em 2006) notamos o elemento
de comparação positiva sobre o argentino, como se este detivesse comportamentos
exemplares (garra, bravura, entre outros elementos tão exaltados pelos jornais brasileiros a
respeito do estilo de jogo argentino). O segundo trecho (do período de 2007, no jogo de volta
da semifinal entre Santos e Grêmio, que ocorreu na cidade litorânea de São Paulo) retrata a
fala do jornalista Jonas Greb, da Rádio Trianon de Santos, em que é possível visualizar a
associação feita pelo comentarista paulista entre o Rio Grande do Sul e a Argentina, sendo
que a primeira região é tomada como “periférica” ante os modos comportamentais
“brasileiros” aceitos pelo “centro”. Em outras palavras, é como se o Rio Grande do Sul, por
ter escolhido a construção de uma identidade típica, deixasse de ser um território brasileiro e
passasse a ser um anexo da Argentina, não somente pela aproximação geográfica com este
44
Referência ao disco de uma das bandas de rock mais conhecidas do Brasil e originária do Rio Grande do Sul:
os Engenheiros do Hawaii.
43
país, mas também com alguns vínculos culturais que tais regiões compartilham, dentre eles a
grande influência do estilo de jogo presente no futebol platino no futebol gaúcho.
45
4. “TOCO Y ME VOY” – ESTILOS DE JOGO SEGUNDO A
IMPRENSA ARGENTINA
45
Expressão consagrada no Brasil pelo narrador Galvão Bueno ao se referir às equipes argentinas,
popularizando tal frase cunhada pelos argentinos.
46
Vale observar que os clubes com maior número de títulos neste período estavam relacionados às elites
urbanas; caso do clube Alumni, em Buenos Aires, e do Clube Atlético Paulistano, em São Paulo. Com a
paulatina profissionalização e a popularização (ou criollismo no caso argentino), estes clubes adquiriram uma
imagem negativa por sua postura exclusiva (somente poderiam jogar brancos, ricos e descendentes de ingleses) e
aos poucos definharam. E, aos poucos, o futebol tornava-se sinônimo de esporte popular.
44
A relação entre Argentina e Brasil neste esporte é, pois, muito próxima, contendo
diversos pontos de convergência desde o nascimento deste jogo até a consolidação deste
esporte e suas características de cada região. Por exemplo, o estilo de jogo adotado por
equipes brasileiras geralmente é classificado pelos meios de comunicação como jogo bonito,
ou seja, com ênfase na individualidade, criatividade e ofensividade. A história da
consolidação do estilo de jogo apresentado pelas equipes da Argentina perpassa por este
mesmo percurso, segundo alguns autores argentinos, como os sociólogos Eduardo Archetti e
Pablo Alabarces. O fútbol criollo – também lembrado pelo termo la nuestra cunhado por
Archetti em seus estudos relacionados à identidade portenha neste esporte – caracteriza-se por
representar uma antítese ao futebol britânico que fora introduzido na América do Sul, dando
traços exclusivos para que tal prática lúdica adquira grande importância na formação de uma
identidade nacional. Termos como gambeta, pibe e potrero (drible, moleque e várzea,
respectivamente no vocábulo brasileiro) embasarão o estilo de jogo “tipicamente” argentino,
assim como farão parte da formação do estilo de jogo no Brasil nesta “matriz bricolada do
futebol” (DAMO: 2007). Em suma, enquanto o estilo de jogo “tipicamente” brasileiro – jogo
bonito – se aproximará de outras atividades lúdicas como a capoeira ou o samba e, por
conseguinte, enfatizará a mestiçagem e suas influências culturais à sociedade em geral, num
47
processo de antropofagia cultural , o estilo de jogo “propriamente” argentino buscará
promover através do futebol uma distinção ante este Outro britânico e, ao mesmo tempo,
fundar uma identidade própria. Consoante o sociólogo Pablo Alabarces,
47
Podemos sublinhar aqui o prefácio escrito em 1947 pelo antropólogo Gilberto Freyre ao livro O Negro no
Futebol Brasileiro, de Mário Filho, em que afirma que “o futebol brasileiro afastou-se do bem ordenado original
britânico para tornar-se a dança cheia de surpresas irracionais e de variações dionisíacas que é (...). Sublimando
tanto do que é mais primitivo, mais jovem, mais elementar, em nossa cultura, era natural que o futebol, no Brasil,
ao engrandecer-se em instituição nacional, engrandecesse também o negro, o descendente de negro, o mulato, o
cafuzo, o mestiço. E entre os meios mais recentes – isto é, dos últimos vinte ou trinta anos – de ascensão social
do negro ou do mulato ou do cafuzo no Brasil, nenhum excede, em importância, ao futebol.” (FILHO, 2010: p.
25).
45
48
Um ponto que pode ser levantado fora a recente contratação do técnico argentino Ricardo Gareca para
assumir o comando da Sociedade Esportiva Palmeiras. Quando o treinador fora perguntado sobre o segredo dos
técnicos argentinos em competições internacionais (o que já indica determinado posicionamento preconcebido
no qual os treinadores argentinos provavelmente possuam qualidades específicas), afirmou: “Não temos
segredos. Gostamos do futebol brasileiro. Admiro Felipão, [Vanderlei] Luxemburgo, Muricy Ramalho, Tite.
Admiramos os técnicos brasileiros. Não trago nada de novo (...). Eu venho aprender sobre o futebol brasileiro,
que está acima.”. Perguntado mais adiante sobre o esquema tático preferido por ele, Gareca respondeu: “De uma
forma geral, gosto da linha de quatro defensores (...). Um time precisa ser organizado taticamente em campo. Se
não há isso, é muito difícil. O futebol requer isso.”. Para ler a entrevista completa, ver link disponível em:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2014/05/ricardo-gareca-e-apresentado-na-
academia-e-ganha-camisa-9.html Consultado em: 24/05/2014.
49
A Copa Intercontinental era uma competição que reunia os clubes campeões da Copa Libertadores da
América e da Copa dos Campeões da UEFA. Até 1979, eram realizados dois jogos: um no país do clube
campeão da América, outro no país do clube campeão da Europa. A partir de 1980, a competição foi levada a um
jogo único em “território neutro”: o Japão. A competição se extinguiu em 2004 e deu lugar à Copa do Mundo de
Clubes da FIFA. Para maiores informações, ver link disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Copa_Intercontinental Consultado em: 26/05/2014.
46
Estudiantes son los mismos que la dictadura en el poder reclama a todos los
ciudadanos argentinos: el gobierno militar del dictador Onganía es una alianza entre
sectores conservadores y ultracatólicos. (ALABARCES, 2008: p. 97).
A pesar de avanzar menos, tuvo mayores opciones de gol que los brasileños y
consiguió dos hermosos goles (…). El trabajo de Estudiantes fue inteligente,
50
Tradução livre: Pachamé era um dos mais enlouquecidos. Daqueles que gritava sua alegria para que todo o
mundo a escutasse. “Este é o triunfo da humildade, do sacrifício, de um monte de coisas que às vezes a gente não
chega a compreender. Nós estamos neste “baile” desde janeiro.”.
51
Tradução livre: Ao ter conhecimento do triunfo, o presidente da Nação, o tenente-general Juan Carlos
Onganía, enviou à equipe de Estudiantes de La Plata o seguinte telegrama: “Felicitações para o campeão da
América por tão magnífico feito. As virtudes espirituais que o fizeram possível são exemplos para a juventude e
orgulho do esporte nacional”.
47
Vale aqui salientar a menção feita pelo jornal ao termo “agressividade”. A equipe de
La Plata ficara conhecida pela prática do anti-fútbol entre os anos em que conquistou os
53
principais torneios internacionais de clubes, de 1968 a 1970 . Tal façanha proporcionou a
este estilo de jogo (praticado somente por poucas agremiações na Argentina 54) o alcance
nacional, ou seja, a Argentina passara a ser conhecida como o país do futebol agressivo,
disciplinado, coletivo; pontos estes respaldados pelo fato de haver uma ditadura naquele
mesmo momento.
Até então, o discurso apresentado pelos periódicos argentinos acerca de tal estilo de
jogo aproxima-se da interpretação de Marshall Sahlins sobre o beisebol. Consoante o
antropólogo,
Em termos amplos a sugestão é que as coletividades estão para as tendências assim
como os indivíduos estão para os eventos; em outras palavras, que a escolha de
sujeitos históricos depende do modo de mudança histórica. (SAHLINS, 2006:
p.123).
52
Tradução livre: Apesar de avançar menos, teve maiores chances opções de gol que os brasileiros e conseguiu
dois belos gols (...). O trabalho do Estudiantes foi inteligente, pensado. Não se utilizou da agressividade que
alguma vez o criticou e concretou, quiçá, seu mais belo triunfo. América é sua.
53
Não somente a equipe de La Plata ficou conhecida como praticante do anti-fútbol. Esta prática adquiriu
proporções nacionais, e todas as equipes argentinas passaram a ser identificadas com tal rótulo, ou seja, com
ênfase na coletividade, na disciplina tática e, se for preciso, na violência. Relatos (ALABARCES, 2008;
SEBRELI, 2005) afirmam que a partir de 1967, quando o Racing Club da Argentina ganhou o direito de
enfrentar o Glasgow Celtic da Escócia pela Copa Intercontinental, a violência tomou dimensões notáveis dentro
e fora de campo, através dos torcedores argentinos. O Estudiantes de La Plata fora responsável por
“esquematizar” tal prática após conquistar três Copas Libertadores da América de forma consecutiva e uma Copa
Intercontinental frente a um clube inglês – ou seja, o adversário principal da Argentina –, o Manchester United, o
representante da Coroa e do Imperialismo.
54
O Racing Club fora campeão da Copa Libertadores da América e da Copa Intercontinental do ano de 1967
utilizando condutas semelhantes ao anti-fútbol consagrado anos depois pelo Estudiantes de La Plata
(ALABARCES, 2008).
48
Tras la práctica de ayer, el arquero expresó su receta para ganar la serie: “El jugador
brasileño es más técnico y juega más bonito. El argentino apela a mañas para hacer
tiempo y parar el juego. Por eso no debemos ceder tiros libres y hacer fouls tontos.”.
(LA NACIÓN. 20/06/2007. p. 4 sec. Deportiva). 56
55
Tradução livre: “Mas isso não significa que o Independiente não seja uma equipe ideal para estes tipos de
choques quentes. O que acaba de demonstrar uma vez mais. E fundamentalmente com suas velhas armas: sua
personalidade e sua cabeça fria. Somente assim, e não de outra maneira, pode fazer este um a zero de hoje.
Porque uma coisa é o São Paulo repetiu até o exagero. Porém outra é que havia que aguentar o “ollazo” sem
cometer uma só falha. E os campeões [Independiente] não a tiveram. Ao menos defensivamente.”.
56
Tradução livre: “Após a prática de ontem, o goleiro expressou sua receita para ganhar a série [contra o Boca
Juniors]: “O jogador brasileiro é mais técnico e joga mais bonito. O argentino apela às manhas para gastar o
tempo e parar o jogo. Por isso não devemos ceder tiros livres e fazer faltas bestas.”.”
57
Para maiores detalhes sobre tal discussão, ver MEYER, 2014.
58
Termo brasileiro que caracteriza a prática do antijogo, ou seja, o retardamento da partida através da violência,
da demora em cobrar uma falta (ou tiro de meta, escanteio).
49
intimidar o adversário e, portanto, vencer a partida. Esta “apelação” dos clubes argentinos
remete àquela que marcara o Estudiantes de La Plata de 1968, conhecido pelo anti-fútbol,
oposto do “jogo mais bonito” brasileiro. A diferença é que a intimidação não era meramente
simbólica, como também (ou unicamente) física.
59
Termo semelhante ao “jeitinho brasileiro”. O historiador Juan José Sebreli definirá tal termo desta forma: “La
sociedad argentina se ha caracterizado por el acostumbramiento a la ilegalidad – la mayor parte de sus gobiernos
fueron ilegítimos o fraudulentos –, por la aceptación de la impunidad y la celebración de la picardía llamada
“viveza criolla” como una virtud mayor que el trabajo y el talento. En la obra literaria que se considera más
representativa, sus dos héroes son un cuchillero – Martín Fierro – y el sórdido viejo Vizcacha, cuyos consejos
son la exaltación cínica de la inescrupulosidad. Es frecuente además la idealización de bandidos como Bairoletto
o Isidoro Velázquez, transformados en rebeldes sociales, o la fama efímera otorgada a cajeros defraudadores
como Roura o Fendrich.” (SEBRELI, 2005: p. 204).
60
Diego Maradona encerrou sua carreira como jogador pelo clube mais popular da Argentina: o Boca Juniors.
50
“Era cierto nomás... Algún día se iban a acabar los elogios para este pibe, Carlitos,
el de la habilidad indescifrable y el coraje inagotable (…). Los brasileños del
Santos, conscientes de que en el plano estrictamente futbolístico corrían con
desventaja para neutralizarlo, lo corrieron por otro lado. Así, buscaron anularlo a
través de la guapeza. Leao le encomendó la misión de bailar con la más fea a Alex
(…). Y Alex, un guapo de aquellos, se encontró con que Carlos Alberto Tevez era
más guapo que él. Porque se había criado en Fuerte Apache y porque desde chico
había acostumbrado el lomo a no sentir dolor en la patada, en el roce, en el
manotazo. A jugar con dos canilleras por cada pierna, una atrás y otra adelante…”
(CLARÍN. 03/07/2003. p. 5 sec. Deportivo). 63
61
Nome dado aos times da equipe do litoral paulista em que se revelaram grandes jogadores em sua base. A
segunda geração dos Meninos da Vila conquistou, dentre outros títulos, o Campeonato Brasileiro de 2002 e o
vice-campeonato da Copa Libertadores da América de 2003. Havia no elenco jogadores como: Robinho, Diego,
Elano, Renato, Alex, Léo, entre outros. Para maiores informações, consultar links disponíveis em:
http://canelada.com.br/santos/meninos-da-vila-%E2%80%93-um-fenomeno-santista-geracao-2-%E2%80%93-
2002/ e http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/04/meninos-da-vila-fazem-historia-no-santos-ha-
geracoes.html Consultados em: 26/05/2014.
62
Termo semelhante à “várzea” brasileira.
63
Tradução livre: “Era certo não mais... Algum dia iria-se rasgar elogios a este pibe, Carlitos, o da habilidade
indecifrável e da coragem inesgotável (...). Os brasileiros do Santos, conscientes de que no plano estritamente
futebolístico corriam com desvantagem para neutralizá-lo, o correram por outro lado. Assim, buscaram anulá-lo
através da macheza. Leão [técnico do Santos] o encomendou a missão de bailar com a mais feia [Tévez] a Alex
(...). E Alex, um macho daqueles, acabou por encontrar em Carlos Alberto Tevez um mais macho que ele.
Porque este se havia criado no Fuerte Apache [bairro periférico de Buenos Aires] e porque desde criança havia
acostumado o lombo para não sentir dor na patada, no choque, no tapa. A jogar com duas caneleiras em cada
perna, uma atrás e outra na frente...”.
51
64
só a carreira como também sua vida pessoal tem altos e baixos . Tais características o
65
transformam, portanto, em um ídolo nacional – ou, no mínimo, clubístico –, reincorporando
a caracterização do estilo criollo, encontrado em times com talentos individuais, com foco no
ataque e na técnica 66.
Entrementes, não podemos considerar este estilo de jogo como “puramente” criollo.
Vimos na descrição realizada acima de Tévez alguns termos que divergem daqueles propostos
pelo estilo criollo, remetendo sempre à “dureza” na qual tal jogador fora forjado. Ademais, ao
voltarmos alguns dias antes da conquista de Boca Juniors em 2003, o discurso presente nos
periódicos argentinos alegava que tal equipe era caracterizada por elementos que remetiam a
um futebol mais tático, defensivo, disciplinado e humilde; termos estes que se aproximam
daquele anti-fútbol apresentado pelo Estudiantes de La Plata em meados das décadas de 1960
e 1970 e que “contaminou” o futebol argentino.
64
Por exemplo, podemos recordar a passagem de Tévez pelo Corinthians. Quando chegou ao Brasil, fora visto
como um passo adiante em sua vida pessoal e sua carreira. No entanto, saiu do clube paulista brigado devido à
polêmicas dentro e fora de campo, o que pode ser interpretado como um ponto baixo.
65
Para muitos argentinos, o “popular” Carlos Tevez é mais querido do que o “frio” Lionel Messi, eleito o
melhor jogador do mundo quatro vezes consecutivas. Para maiores detalhes sobre tal tema, consultar link
disponível em: http://esportes.terra.com.br/futebol/copa-2014/argentinos-lamentam-tevez-fora-e-culpam-briga-
com-messi,aa578456ee7f5410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html Consultado em: 26/05/2014.
66
Vale recordar que, não somente em 2003, como durante toda a década passada, o clube Boca Juniors – o qual
participara de cinco finais da Copa Libertadores da América, conquistando o título em três – teve outro talento
individual: Juan Roman Riquelme. Cria da base boquense, este meio-campista tem uma forte ligação com a
torcida xeneize, além de realizar partidas decisivas nas finais em que disputou, sendo destaque na maioria delas.
67
Tradução livre: “A fortaleza tática de Boca, sua concentração, sua disciplina para interpretar o que demanda a
partida e o voo que dão seus atacantes contra um rival de espírito ofensivo, não tão experiente, que cresce e se
fortalece com a bola nos pés e soçobra na hora de recuperá-la (...). Santos representa um estilo sempre atraente:
seus integrantes são na maioria jovens, atrevidos, habilidosos.”.
52
Uma segunda avaliação referente à última citação nos indica uma das interpretações
dos meios de comunicação impressos argentino referente ao estilo de jogo utilizado pelas
equipes brasileiras nestes confrontos de Copa. Na análise realizada nestes periódicos,
pudemos observar uma constante menção ao futebol brasileiro como aquele em que se pratica
o “clássico” (ou “tradicional”) jogo bonito, ou seja, um estilo de jogo que possui diversos
traços de convergência com o estilo criollo, já mencionado anteriormente. A representação
deste outro – “o” futebol brasileiro – se apresentará de diversas formas nos periódicos.
San Pablo no fue un rival duro, ni complicado, pero tampoco un equipo sin
argumentos y sin capacidad. Se mantuvo dentro del clásico estilo brasileño, ese que
se permite jugar sin mayores ataduras, que propone un juego abierto y ofensivo, que
cubre espacios y que busca respaldar los ataques con bastante gente (…). San Pablo
insinuó que en el Morumbi crecerá. Suele ocurrir con muchos equipos brasileños
que en su cancha, con el colorido de su tribuna, con la batucada, con los fuegos de
artificio, se encienden a pleno las individualidades y aparece esos festivales
futbolísticos que deslumbran y demuelen. (CLARÍN. 12/06/1992. p. 56).68
Este excerto, dias após o jogo de ida da final da Copa Libertadores da América de
1992 entre Newell’s Old Boys (de Rosário) e São Paulo, nos revela algumas características
desta relação de alteridade entre os futebóis dos dois países. Inicialmente, vemos que a
definição do “clássico” estilo de jogo brasileiro aproxima-se da ideia proposta por Pablo
Alabarces para o estilo de jogo argentino, ou seja, um futebol “aberto” e “ofensivo”. Ademais,
nota-se que a relação com este “outro” encontra-se em uma posição de admiração com os
“festivais futebolísticos” apresentados pelas equipes brasileiras de um modo geral.
Outra categoria que remete às reflexões acerca dos diferentes estilos de jogo consiste
na presença de grandes jogadores capazes de, individualmente, levarem uma equipe à
conquista de grandes glórias. Um periódico argentino convocou Antonio Rattin, capitão da
68
Tradução livre: “São Paulo não foi um rival duro, nem complicado, mas tampouco uma equipe sem
argumentos e sem capacidade. Se manteve dentro do clássico estilo brasileiro, esse que se permite jogar sem
maiores amarras, que propõe um jogo aberto e ofensivo, que cobre espaços e busca respaldar os ataques com
muita gente (...). São Paulo demonstrou que no Morumbi crescerá. Costuma ocorrer com muitas equipes
brasileiras que em seu estádio, com o colorido das tribunas, com a batucada, com os fogos de artifício, se
inflamam as individualidades e aparecem esses festivais futebolísticos que deslumbram e demolem.”.
53
equipe de Boca Juniors na final da Copa Libertadores de 1963, que perdeu a final contra o
Santos, para comentar sobre a decisão deste torneio em 2003. O ex-jogador reforça alguns
pontos, como as diferentes “escolas” de jogo no futebol de Argentina e Brasil:
Nosotros éramos un buen equipo, como el que ahora tiene Boca, pero en el 63, con
Pelé, Santos tenía robo (…). Nosotros teníamos un 30 y Santos un 70 por ciento de
probabilidades de llevarse la Copa. Ahora es más parejo; antes era mucho más
competitivo (…). Hoy, Boca y Santos será el enfrentamiento de dos escuelas
distintas. Los brasileños representan, como se dice, el jogo bonito, con dos o tres
chicos que en ataque son importantísimos, pero a la vez son flojitos en defensa. El
equipo de Bianchi tiene personalidad, transpira la camiseta y demostró que de
visitante rinde más que de local. (LA NACIÓN. 25/06/2003. p. 5 sec. Deportivo). 69
69
Tradução livre: “Nós éramos uma boa equipe, como a que agora tem Boca, porém em 1963, com Pelé, Santos
tinha vantagem (...). Nós tínhamos uns 30 e Santos 70 por cento de probabilidades de levar a Copa. Agora está
mais equilibrado; antes era muito mais competitivo (...). Hoje, Boca e Santos será o enfrentamento de duas
escolas distintas. Os brasileiros representam o jogo bonito, com dois ou três jovens que no ataque são
importantíssimos, porém fracos na defesa. A equipe de Bianchi [técnico de Boca Juniors] tem personalidade, sua
a camisa e demonstrou que de visitante rende mais que de mandante.”.
70
Um exemplo recente desta categorização do futebol argentino está representado no técnico da equipe do
Atlético de Madrid, o argentino Diego Simeone. Durante as últimas temporadas, tal clube teve sua imagem
associada na imprensa esportiva a termos como “raça”, “coração”, “vontade”. Simeone que cunhou uma frase
que sintetizou a temporada do clube espanhol: “Nem sempre ganham os bons. Ganham os que lutam”. Maiores
detalhes sobre tal evento, ver links disponíveis em: http://trivela.uol.com.br/nao-havia-como-o-atletico-negar-
um-pedido-desses-da-torcida/ e http://esportes.r7.com/futebol/fotos/tecnico-revelacao-diego-simeone-traz-
espirito-argentino-ao-atletico-de-madrid-10042014#!/foto/1 Consultados em: 31/05/2014.
54
classificação. Em uma palavra, Maradona é mais “popular” do que Pelé em suas ações fora
das quatro linhas que delimitam o campo de futebol 71.
Equipo agresivo, saludable, que propone siempre y tanta audacia, muchas veces,
ofrece garantías a los adversarios, debió transformarse Boca en un equipo utilitario,
aguerrido, compacto, ya que Gremio lo llevó a ese terreno (…). Es Gremio un
equipo duro, que para muchos poco tiene de “brasileño”, pero no ofrece garantías en
el fondo y en el ataque.” (LA NACIÓN. 14/06/2007. p. 3 sec. Deportiva).72
Mesmo se distanciando do jogo bonito, o Grêmio, equipe do Rio Grande do Sul 73, é
comparado pelos periódicos argentinos ao “padrão” brasileiro de futebol e rotulado como uma
equipe “pouco brasileira”, visto que é uma “equipe dura” e que tende a concentrar suas forças
na coletividade e disciplina tática. Vimos uma repetição deste fenômeno em 2012, na edição
entre Corinthians e Boca Juniors, na qual o técnico gaúcho Tite treinava a equipe paulistana,
na qual o jornal é mais minucioso nas descrições acerca deste estilo de jogo peculiar:
71
Muitas vezes se é possível ler notícias referentes a Diego Maradona e suas menções à Villa Fiorito, bairro
carente da grande Buenos Aires; ou então depoimentos do jogador reverenciando o líder revolucionário Ernesto
“Che” Guevara (tendo, inclusive, uma tatuagem deste no braço). Pelé, pelo contrário, fora de campo ficou
conhecido como apoiador da ditadura militar no Brasil e, mais recentemente, ao apoiar medidas governamentais
antipopulares pela Copa do Mundo de futebol. A entrevista de Diego Maradona homenageando Che Guevara
está disponível no link que segue: http://www.youtube.com/watch?v=FU95CIiVfSM Consultado em:
31/05/2014.
72
Tradução livre: “Equipe agressiva, saudável, que propõe sempre e tanta audácia, muitas vezes, oferece
garantias aos adversários, transformou-se Boca numa equipe utilitária, aguerrida, compacta, já que o Grêmio o
levou a este terreno (...). O Grêmio é uma equipe dura, que para muitos pouco tem de “brasileiro”, porém não
oferece garantias na defesa e nem no ataque.”.
73
Sobre a discussão acerca da influência platina no futebol gaúcho, ver MEYER, 2014.
74
Tradução livre: “Corinthians se destaca pelo seu estilo defensivo impenetrável e chega à Bombonera com as
credenciais de um catenaccio à brasileira (...). O caminho do Corinthians é o da invencibilidade. Não perdeu
nenhuma partida no campeonato. Ademais, somente recebeu três gols nas doze partidas que disputou. Ganhou
55
Há alguns elementos que podem ser salientados na citação acima. Além da clara
referência a características como a coletividade e a disciplina tática (“todos marcan, todos
juegan”), há indicações diretas relacionadas à ênfase desta equipe no esquema defensivo, com
75
termos oriundos de uma “antropofagização”, como o próprio catenaccio , que neste caso
fora “abrasileirado”. Longe de ser uma equipe que concentra suas atenções a um determinado
jogador – dos quatro jogadores citados acima, dois são zagueiros, um é volante e outro é um
meio-campista –, como o caso do São Paulo em 1992 ou do Santos em 2003 (e em 1963), o
Corinthians (e o Grêmio) apresenta classificações semelhantes àquela encontrada no
Estudiantes de La Plata de 1968 e o seu anti-fútbol. Termos referindo-se à um jogo duro,
coletivo, defensivo, disciplinado e “humilde” 76; palavras estas já encontradas nos periódicos
de 1968 ao se referirem à equipe argentina.
Em suma, tais termos representam uma visão distinta proposta pelos periódicos
argentinos sobre os brasileiros. Ao invés de serem aqueles que praticam o jogo bonito e
revelam grandes raridades em escala industrial, os times brasileiros tornaram-se pragmáticos,
com poucos talentos individuais e com grande ênfase na coletividade. Essa alteridade
praticada pelos discursos nos meios de comunicação impressos é caracterizada principalmente
por sua “flexibilidade”, ou seja, nem todas as agremiações brasileiras são representadas por
determinado molde. Com efeito, o estilo de jogo brasileiro ainda é caricaturado pelo modelo
do jogo bonito; mesmo quando equipes que fogem deste futebol – como foram os casos de
Grêmio e Corinthians –, a expressão continua presente de forma implícita ou explicitamente.
A autoimagem presente nos periódicos argentinos, por sua vez, nos indica a presença
de duas grandes categorias de estilos de jogo. Como no caso brasileiro, podemos compreender
sete e empatou cinco. Sua formação não tem grandes estrelas. Sua dupla de zagueiros centrais, formada por
Leandro Castán e Chicão, é um dos seus pontos altos (...). No meio-campo destacam-se Paulinho e Danilo.
Todos marcam, todos jogam.”.
75
Catenaccio que, em italiano, significa “cadeado”, é um estilo de jogo que teve suas origens na década de 1930
na Suíça, mas que atingira seu ápice nas décadas de 1960 e 1970 com as equipes italianas em competições
europeias. Em poucas palavras, tal estilo de jogo propõe um modelo extremamente defensivo, concentrando suas
forças ofensivas em rápidos contra-ataques. Este modelo exige um grande esforço disciplinar, tático e coletivo. E
até hoje faz parte da caricatura dos estilos de jogo de equipes (clubes ou seleções nacionais) da Itália e da Suíça.
Para maiores informações, ver link disponível em: http://wp.clicrbs.com.br/prelecao/2009/11/30/catenaccio-pai-
da-retranca-e-do-contra-ataque/?topo=13,1,1,,10,13 Consultado em: 01/06/2014.
76
Aqui podemos destacar um trecho de um periódico argentino sobre uma entrevista com Tite, técnico do
Corinthians em 2012, na qual ele afirma que: “El grupo está confiado, pero al mismo tiempo muy alerta.
Estamos preparados. Nuestra marca será la humildad. La Bombonera existe y es real. Pero un equipo maduro
debe saber jugar en cualquier estadio.”.” (CLARÍN. 26/06/2012. p. 44).
56
5. CONCLUSÃO
1. Tevez, para la historia. Boca tuvo siempre un jugador que se puso el traje de
héroe. Pero hubo uno que se consagró: esta será recordada como la Copa
Libertadores de Carlos Tevez, el pibe de 19 años que a fuerza de goles y de
gambetas se consolidó como crack (…). 2. Defensa extrema. Que es muy distinto a
ser defensivo. Boca no le ofrece huecos a sus rivales para que lo sorprendan y eso es
un sello distintivo en los equipos de Bianchi (…). 3. Orden y progreso. Para
manejar los partidos, en la zona de gestación del juego donde comienzan a ganarse
los partidos: 1) impone presencia en cualquier cancha. 2) Se acomoda al rival y al
sistema táctico que éste utilice. 3) Nunca pierde el orden (…). 4. Licencia para
matar. Boca fue contundente porque le sacó el jugo a casi todo lo que se le presentó
a la hora de definir (…). 5. Bianchi y la mística. De la mano de su técnico, máximo
ganador de Libertadores (4) en la historia, Boca se transformó en un equipo copero
de la talla del Independiente de los años 60 y 70. Sabe bien cómo jugar esta clase de
partidos donde, además de mostrar la condición técnica, hay que entregar un plus
(algunos lo llaman garra y otros corazón). Pero el Boca de Bianchi también
capitaliza el peso de la historia, el contagio de sus hinchas y los manejos externos.”
(CLARÍN. 04/07/2003. p. 5 sec. Deportivo).77
77
Tradução livre: “1. Tevez, para a história. Boca teve sempre um jogador que vestiu o traje de herói. Porém
houve um que se consagrou: esta será recordada como a Copa Libertadores de Carlos Tevez, o pibe de 19 anos
que a força de gols e de gambetas se consolidou como crack (...). 2. Defesa extrema. O que é muito diferente de
ser defensivo. Boca não oferece brechas aos adversários para que o surpreendam e isso é uma marca distintiva
das equipes de Bianchi (...). 3. Ordem e progresso. Para manejar as partidas, na zona de gestação do jogo onde
começam a ganhar as partidas: 1) impõe presença em qualquer estádio. 2) Adapta-se ao rival e ao sistema tático
que este utiliza. 3) Nunca perde a ordem (...). 4. Licença para matar. Boca foi contundente porque soube
durante quase todo o jogo qual era a hora de definir (...). 5. Bianchi e a mística. Da mão de seu técnico, maior
ganhador de Libertadores (4) da história, Boca se transformou em uma equipe copeira do calibre do
Independiente dos anos 60 e 70. Sabe bem como jogar estas partidas onde, mais do que mostrar a condição
técnica, deve-se entregar um algo a mais (alguns chamam de garra, e outros coração). Porém o Boca de Bianchi
também capitaliza o peso da história, o contágio de seus torcedores e os manejos extremos.”.
59
Mas, dentre estes pontos, vale destacar a maleabilidade que os termos adquirem
quando os meios de comunicação se referem aos argentinos. Uma palavra muito comum na
classificação deste outro é a “catimba”, ou seja, a utilização de artifícios desleais para retardar
o prosseguimento da partida. No entanto, quando esta atitude – “única e exclusiva” dos
argentinos – é praticada por brasileiros, ela adquire novos ares, e torna-se uma “inocente”
“malandragem”. Tal mudança nos indica também a mutabilidade que os costumes apresentam
e, segundo Helal e Lovisolo:
78
Tradução livre: “O sonho não era utópico. A missão não era impossível. O demonstrou Boca, que apelou a
seu orgulho para seguir adiante um desafio que não se encontrava como favorito nos papéis, mas que o
encontrou como digno e elegante campeão em campo. Nesse Morumbi que se via como uma fortaleza
inexpugnável (...). Boca fez o que mais dói a qualquer equipe brasileira: ficou com a bola e não demonstrou
temor. Governava a batalha do meio-campo.”.
60
Características estas que podem ser justificadas a partir do longo discurso de “crise”
fomentado pelas instituições culturais rio-grandenses (GUAZZELLI: 2000). O distanciamento
do “centro” Brasil é uma forma de defender as “tradições” gauchescas. Ao mesmo tempo há
uma tentativa de aproximação com este “centro” nos discursos de “nostalgia” exprimidos no
tradicionalismo rio-grandense, como o Estado que “escolheu” ficar do lado brasileiro.
Ademais, nota-se que o futebol incorpora este discurso efetivado pelas instituições
responsáveis por consolidar uma imagem do “tipo ideal” gaúcho (como os CTGs). Há,
portanto, as características necessárias para afirmarmos que o Rio Grande do Sul é uma
“comunidade imaginada” (ANDERSON: 2008) e que o futebol – e, especialmente, os meios
de comunicação que cobrem este esporte – auxilia na consolidação destas imagens produzidas
e reproduzidas incessantemente por estes grupos sociais, através da teatralização deste
espetáculo, transformando-o num palco de conflitos e guerra, onde os acontecimentos
históricos ressurgem a fim de oferecer respaldo para a superação do adversário.
61
Se tal estilo de jogo que parece superar o “típico” jogo bonito brasileiro irá persistir
ou não nas agremiações, não sabemos apontar. Uma futura pesquisa pode revelar se haverá
mudanças significativas na forma como este estilo de jogo “brasileiro” será descrito pelos
meios de comunicação impressos, reconhecendo a existência de outros futebóis praticados no
Brasil. Ainda há a possibilidade de ampliar o número de jogos entre times argentinos e
brasileiros a serem analisados em outras competições, como os confrontos da Copa Sul-
Americana ou da extinta Copa Mercosul. Ademais, nos restringimos a duas regiões do Brasil
79
Em 2006, o Internacional havia conquistado a Copa Libertadores da América e o Mundial Interclubes,
enquanto que no ano seguinte conquistara a Recopa Sul-Americana. O Grêmio, por sua vez, chegara em 2007 à
final da Copa Libertadores da América.
80
Podemos relacionar aqui também o número de técnicos rio-grandenses que nasceram ou iniciaram suas
carreiras lá (seja como jogador, seja como treinador) nos últimos 20 anos. A lista de dirigentes técnicos bem
sucedidos é grande: Luiz Felipe Scolari (campeão da Copa Libertadores pelo Grêmio em 1995 e pelo Palmeiras
em 1999 e campeão com a seleção brasileira na Copa do Mundo de 2002 e na Copa das Confederações de 2013);
Tite (campeão da Libertadores e do Mundial Interclubes pelo Corinthians em 2012); Mano Menezes (campeão
da Copa do Brasil pelo Corinthians em 2009 e vice-campeão da Copa Libertadores da América pelo Grêmio em
2007); Renato Gaúcho (campeão da Copa do Brasil com o Fluminense em 2007 e vice-campeão da Libertadores
em 2008); Celso Roth (campeão da Libertadores pelo Internacional em 2010), entre outros. A própria seleção
brasileira passou por uma sequencia de três treinadores gaúchos em seu comando: Dunga, Mano Menezes e,
atualmente, Luiz Felipe Scolari.
62
durante esta pesquisa, o que acaba por limitar outras interpretações de diferentes regiões do
país. Do lado argentino, nos concentramos somente nos relatos de periódicos bonaerenses,
impedindo a análise de outras abordagens sobre tal tema que poderiam ou não trazer novas
informações acerca da construção de identidades regionais.
63
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64
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