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A Organização Eclesiástica entre a Antiguidade

Tardia e a Alta Idade Média1

A cristianização do espaço que viria a ser Portugal convergiu na visibilidade


institucional da Igreja. Ao nível geográfico, surgiu a primeira divisão metropolitana,
diocesana e paroquial durante o período romano e suevo-visigótico, que depois se
desagregou com a dominação muçulmana. Paralelamente à cristianização do espaço, foi-
se desenvolvendo a hierarquia eclesiástica, particularmente a episcopal, como
permanência da Igreja do século, num reconhecido intercâmbio identitário. O
desenvolvimento do cristianismo tardo-antigo e alto-medieval também se desenvolveu
num ambiente de afastamento do mundo, nas instituições monásticas e na vida
eremítica, que germinaram na Península a partir do séc. IV.

1. A geografia eclesiástica
Diocleciano procedeu entre 284 e 288 a uma profunda reorganização do Império
romano, alterando profundamente a organização que vinha do tempo de Augusto:
− Augusto em 27 a.C. tinha dividido a Península Ibérica em três províncias:
Bética, Tarraconense e Lusitânia.
− Diocleciano dividiu a Península em cinco províncias: Bética, Cartaginense,
Galécia, Lusitânia e Tarraconense. A Lusitânia e a Galécia incluíam grande
parte do posterior território português.
As divisões administrativas internas em civitates continuaram a exprimir uma
realidade não só administrativa, mas também geográfica, económica e mesmo religiosa.
As fronteiras das províncias e das civitates coincidiam com os acidentes naturais (rios,
montanhas) ou com o traçado das vias romanas:
− Da reforma de Diocleciano ao fim da dominação romana, as províncias do
Império mantiveram-se praticamente inalteráveis, constituindo a base da
organização eclesiástica. Nelas foram criadas as primeiras sés episcopais.
− Durante o domínio visigótico, foi reconstruída ao nível eclesiástico a divisão
administrativa romana.
A Carta sinodal de Cipriano de Cartago de ±254 (Epístola 67), a propósito dos
bispos Marcial de Mérida e de Basílides de Leão-Astorga, que tinham renegado o
cristianismo mediante falsas declarações de sacrifício aos deuses (lapsi), fornece-nos o
primeiro testemunho de organização eclesiástica: às sés de Mérida e de Leão-Astorga,
junta-se uma referência a Saragoça e a outras sés sem referir o nome. Nesta época a
província eclesiástica ainda não seria uma realidade instituída, mas constituía já um
referencial para a resolução das questões locais. A Carta faz-lhe alusão quando refere que
nas eleições episcopais deviam intervir os bispos da província na qual se realizavam.

1
Este esquema sintetiza sobretudo Ana Maria C.M. JORGE, Organização Eclesiástica do Espaço. Do Império
Romano ao Reino Asturiano-Leonês, in HRP, I, 137-142; Ana Maria C.M. JORGE - Hermínia VASCONCELOS VILAR,
As Instituições e o Elemento Humano, in HRP, I, 203-212.220-221. Tem também em conta: A. JESUS DA COSTA,
Martinho de Dume (São), in EV: Edição Século XXI, XIX, 77-79; A. JESUS DA COSTA, Frutuoso (São), in EV: Edição
Século XXI, XII, 1072-1075; José MATTOSO, Rosendo (São), in EV: Edição Século XXI, XXV, 77-79.
2

Algumas décadas mais tarde, as atas do concílio de Elvira dão-nos a conhecer a


existência de comunidades cristãs organizadas em províncias eclesiásticas:
− Além da diocese de Mérida, o concílio menciona pela primeira vez, por
exemplo, as dioceses de Évora e Faro, na Lusitânia, significando o seu maior
relevo do que em anos anteriores. A organização diocesana ter-se-á moldado
sobre a hierarquia civil das cidades hispânicas.
− O concílio permite deduzir também a existência de comunidades cristãs
distantes da cidade episcopal. Isto indica que o cristianismo se propagava de
forma evidente nas cidades, mas que se estendia também já às villae, em
comunidades organizadas provavelmente sobre a direção dum clérigo ou de
um diácono, que aí podiam celebrar o batismo.
− Sobre a estrutura provincial, o concílio de Elvira utiliza o termo província, mas
não define o seu caráter, nem o seu âmbito:
o Só podemos pensar que era utilizado para as províncias eclesiásticas por
ser empregue no seio duma assembleia eclesial. Continua, por isso, em
aberto a questão da correspondência entre a província administrativa
do Império e a província eclesiástica.
o Não se conhece na Antiguidade tardia e Alta Idade Média a delimitação
territorial entre as diferentes províncias, devido à falta duma conceção
de fronteira. A delimitação foi-se colocando pouco a pouco por questões
de natureza disciplinar, como os lapsi. A falta de limites colocava,
porém, frequentes problemas de jurisdição entre os bispos como
mostram os concílios visigóticos.
A primeira referência implícita à organização paroquial aparece no can. 5 do I
concílio de Toledo, onde se diz que os padres, diáconos e subdiáconos deviam participar
nos ofícios quotidianos, quer residissem na cidade, quer habitassem fora desta, num
castellum, vicus ou numa villa com igreja. Sobre as origens das paróquias, as opiniões
dividem-se:
− Alberto Sampaio defende a coincidência entre os limites geográficos das villae
e os das paróquias que lhe sucederam.
− Miguel de Oliveira defende que as paróquias mais antigas teriam tido origem
não só nas igrejas das villae, mas também nas igrejas monásticas.
No séc. VI, os concílios de Braga de 561 e 572 testemunham-nos a existência de
novas dioceses. O reino suevo fixado na Galécia chegava ao sul do Douro e tinha anexado
algumas cidades da província romana da Lusitânia, como Lamego, Viseu, Conimbriga e
Idanha, que passaram a estar sob a direção do bispo de Braga. Só depois em meados do
séc. VII, mais de meio século depois da destruição do reino suevo por Leovigildo (±585), é
que o metropolita da Lusitânia retomou a sua autoridade sobre os bispados situados
entre o Douro e o Tejo.
Sensivelmente da mesma época, possuímos também relativamente à organização
paroquial, o Parochial Suevorum, também conhecido por Divisio Theodomiri ou concílio
de Lugo de 569, que testemunha a existência das ditas dioceses. Trata-se duma lista de
paróquias da província eclesiástica de Braga, nem sempre fáceis de situar
geograficamente, elaborada por volta de 572-582, completada entre os séc. VII e XII, no
que respeita ao limite das dioceses. O Parochial mostra-nos que a organização dos
bispados anexos ao reino suevo comportava no séc. VI uma autêntica constelação
3

paroquial, ainda sem delimitações precisas. Foi estudado sobretudo por Pierre David, de
quem emanam as seguintes conclusões interpretativas2:
− As paróquias surgiram da iniciativa episcopal na periferia das cidades, que
constituíam o centro da diocese, e desenvolviam-se como novos lugares de
culto providos de um clero próprio e dum batistério no âmbito do quadro
administrativo diocesano.
− Estas paróquias foram certamente criadas à medida das necessidades dos fiéis
não só nos pagi e nos vici (lugares sem jurisdição territorial), mas também nos
castella (lugares fortificados). Distinguem-se das fundadas na villae ou nos
fundi, na maioria dos casos, por iniciativa dos proprietários e escapando ao
controlo direto do bispo.
− Para além destas Igrejas, existiram ainda as basílicas e oratórios construídos
para a veneração das relíquias dos santos.
José Mattoso, por seu lado, admite que as villae pudessem ter servido de quadro à
fundação de igrejas rurais, mas é possível pensar também que muitas paróquias
pudessem ter surgido a partir de igrejas monásticas, e mesmo de igrejas fundadas por
agrupamentos de camponeses, sem nenhum precedente anterior3. A rede paroquial, tal
como a conhecemos na época medieval, só começou, todavia, com a introdução do
direito canónico romano no séc. XI. Foi a partir desta época que se fixaram
progressivamente os limites paroquiais.
Após a invasão muçulmana de 711, a administração diocesana foi-se
progressivamente desagregando e o predomínio do regime das igrejas próprias ou
privadas foi sujeitando o clero à influência dos poderes senhoriais. Nos séculos IX e X, a
memória do quadro eclesiástico do tempo dos suevos e dos visigodos tornou-se vaga. O
programa repovoador monarquia asturiano-leonesa incluiu, todavia, como pontos
fundamentais, a restauração vida diocesana e o seu controlo pela autoridade régia,
enquanto se assistiu à ereção de novas dioceses.

2. A hierarquia eclesiástica
As referências ao episcopado peninsular aconteceram a propósito da celebração
de algum concílio dentro ou fora da Península, de troca de correspondência, duma
crónica ou de uma obra teológica, litúrgica ou pastoral. Na maior parte dos casos não é,
todavia, possível determinar as datas de nomeação ou reconstituir as carreiras episcopais.
A carta 67 de Cipriano de Cartago, escrita em 254, a propósito dos bispos de Leão-
Astorga e de Mérida, é o testemunho mais antigo relativamente à hierarquia e disciplina
eclesiástica na Hispânia:
− O bispo africano, dirigindo-se ao diácono Cornélio da Igreja de Mérida,
permite-nos deduzir que a comunidade estaria já organizada hierarquicamente
e que os diáconos teriam um peso importante.

2
Cf. Pierre DAVID, Études Historiques sur la Galice et le Portugal du VIe au XIIe Siècles (= Les Belles Lettres),
Lisboa – Paris : Portugália Editora, 1947; Pierre DAVID, La Metropole Ecclésiastique de Galice du VIIe au XIe
Siècles, in Revista Portuguesa de História 4 (1949) 211-251.
3
Cf. José MATTOSO, História de Portugal, dir. José Mattoso, I: Antes de Portugal, s.l.: Círculo de Leitores,
1992, 470.
4

− Ao mesmo tempo indica-nos que os bispos seriam eleitos com a participação


do povo e dos clérigos, fazendo-nos supor que os bispos seriam recrutados
entre o clero local.
− A referência ao povo na eleição não nos permite deduzir a existência dum
processo uniforme ao nível das eleições episcopais. Em Niceia, por exemplo,
não se faz referência à participação do povo.
O concílio de Elvira, do início do séc. IV, também nos informa sobre a hierarquia
eclesiástica:
− Menciona-nos a existência de bispos, presbíteros e diáconos, sem, contudo,
nos garantir o percurso de passagem dumas ordens às outras e a ordem da
passagem. Apesar das prescrições conciliares, a ordenação per saltum foi uma
realidade. O bispo encontrou, contudo, nos diáconos e nos presbíteros o apoio
que necessitava para o desempenho da sua missão de pastor, para a
cristianização da cidade e administração das igrejas rurais. Conhecemos pouco,
todavia, da ação concreta destes auxiliares, para além do celibato e da
comunhão com o bispo.
− Pronunciou-se sobre a continência eclesiástica (can. 33), tema desenvolvido
pelos concílios hispânicos dos séculos seguintes.
Relativamente à ordenação episcopal, descobrimos no início do séc. V, através da
Crónica de Idácio de Chaves, uma situação muito particular da província da Galécia: a
multiplicação de bispos sem uma referência a uma diocese concreta, em oposição às
normas dos concílios (Concílio de Constantinopla de 381, can. 2) e os conflitos entre esta
hierarquia itinerante e a hierarquia estabelecida.
Ao nível da carreira episcopal:
− O relato das Vidas dos Padres de Mérida fornece-nos, para os séculos VI/VII,
outros dados interessantes relativamente a uma certa vinculação familiar: ao
que parece, Paulo, bispo de Mérida, terá feito vir do oriente ainda criança o
seu sobrinho Fidel, a fim de o preparar para o serviço naquela Igreja. Aí foi
formado e tonsurado, antes de receber o diaconado por volta dos 25 anos. Na
época visigótica avançou-se no sentido do monopólio das grandes famílias
episcopais, apesar da designação do bispo pelo predecessor constituir uma
infração às regras canónicas (II concílio de Barcelona, can. 3).
− A partir do séc. VI fez-se também sentir a influência régia nas nomeações dos
bispos, sobretudo dos metropolitas:
o Para evitar estas pressões, o II concílio de Braga (572), legislou que o
bispo deve ser eleito por todos os bispos coprovinciais ou pelo menos
por três.
o O IV concílio de Toledo (633) afirmou que o bispo não podia ser eleito
sem o conhecimento do clero e do povo e sem a aprovação do
metropolita e o assentimento dos outros bispos coprovinciais.
Sobre as origens sociais dos bispos, não sabemos muito. Nalguns casos, contudo,
encontra-se atestada a pertença à aristocracia romana e visigótica.
No que respeita à ação episcopal, enquanto responsável máximo da comunidade,
o bispo foi assumindo progressivamente na cidade, ao longo da Antiguidade Tardia, as
funções exercidas anteriormente pelo governador, tornando-se um verdadeiro pater
plebis. Foi graças aos bispos que as comunidades beneficiaram de estruturas essenciais à
5

sua vida no plano local (ex. Masona, bispo de Mérida no séc. VI, construiu um hospital
junto à basílica de Santa Eulália) e organizaram a caridade cristã, distribuindo alimentos
aos pobres ou fazendo pequenos empréstimos, como aconteceu com o já referido
Masona de Mérida.
Ao nível religioso, deve destacar-se o caráter missionário de muitas viagens
realizadas pelos bispos. Apesar da obrigação de residência prevista nos concílios,
afastavam-se frequentemente da sua sede, pondo-se a caminho para participarem em
concílios (às vezes fazia-se representar por um presbítero ou abade), realizarem a visita
canónica à diocese, procederem à consagração de igrejas, bem como para irem em
peregrinação.
São conhecidas as relações estreitas entre os bispos e os mosteiros existentes na
Península. Elas sobressaíam na hora de escolher os delegados episcopais ou no próprio
recrutamento dos bispos no meio monástico, como atestam, por exemplo, as escolhas de
Martinho e Frutuoso de Dume, Leandro de Sevilha, Eutrópio de Valência ou Renovato de
Mérida.
Nos períodos suevo e visigótico, podemos sublinhar também, ao nível da ação dos
prelados, a construção permanente da identidade católica face à dissidência, como revela
o próprio confronto com o arianismo e o priscilianismo.
O estudo do episcopado nos séculos seguintes à invasão muçulmana oferece
sérias dificuldades devido às lacunas documentais inerentes sobretudo às vicissitudes da
reconquista cristã. São também escassas as informações relativas à ação episcopal e à
própria sucessão que só pode ser fixada, nos séculos VIII e IX, com base em catálogos
episcopais muito posteriores. Durante esta época alguns bispos devem ter permanecido
nas suas sedes, mas outros fixaram-se mais a norte, como aconteceu com os de Braga e
Dume e, provavelmente, também com os de Coimbra e Lamego. As comunidades
moçárabes devem ter conservado a legislação visigótica relativa à nomeação dos bispos,
apesar de terem sido também uma realidade as intromissões do poder muçulmano.
Estas referências à hierarquia, centradas sobretudo no episcopado, carecem de
complemento quando ao restante clero. No estado atual das investigações, contudo, não
é fácil de esboçar.

3. O monaquismo
A história conservou alguns testemunhos de vida monástica na Hispânia durante a
Antiguidade Tardia:
− Uma das notícias mais antigas relativas à experiência monástica peninsular
aparece-nos nos cânones 12 e 27 do concílio de Elvira, onde se fala das virgens
consagradas a Deus.
− Esta referência foi depois confirmada por outros testemunhos, como o I
concílio de Saragoça (380) e o I de Toledo (400), onde há referências a monges
e a virgens consagradas a Deus.
− Ficaram também alguns nomes: Bacharius, monge originário da Galécia, autor
do De Lapso, por volta de 380; Egéria, também originária da Galécia, que fez
por volta de 381-384, uma viagem a Terra Santa, dirigindo o texto do seu
Itinerarium a um mosteiro de monjas, provavelmente da sua região de origem.
Daqui se infere que o monaquismo se difundia na Hispânia do Baixo-império, se
bem que de forma espontânea e pouco organizada. Aliás, a terminologia era inicialmente
6

pouco precisa, podendo o termo monachus ser usado para os cenobitas, eremitas e
ascetas.

3.1. O monaquismo visigótico


Depois de no séc. V, no contexto das invasões germânicas, rarearem as
informações sobre a vida monástica, os séculos VI e VII abriram o grande capítulo no
monaquismo hispânico ao serviço da cristianização de vastas zonas do ocidente
peninsular. É nesta fase que se assiste à grande proliferação de mosteiros, fundados quer
nas zonas urbanas, quer nas rurais.
Neste labor fundacional destacou-se São Martinho (518/526-579) de Dume,
depois arcebispo de Braga (569), a quem a tradição atribui a fundação de 10 mosteiros,
de que não se encontram, todavia, vestígios. Há, contudo, certeza histórica relativamente
à fundação de Dume, perto de Braga, por volta de 556, um centro monástico de que foi o
primeiro abade e depois bispo-abade, segundo o uso entre os celtas irlandeses. Há
também testemunhos arqueológicos para o mosteiro de São Silvestre (Rio Maior), em
meados do séc. VI, e para um mosteiro de monjas em Mértola, em finais do mesmo.
A ação de São Martinho enquadrou-se perfeitamente numa nova dinâmica de
expansão do cristianismo em contexto germânico:
− A sua formação monástica entre os monges do oriente e as suas origens
habitualmente atribuídas à Panónia (Hungria) são atualmente postas em causa
pela análise da sua obra, feita por Arnaldo Espírito Santo4. Este reinterpreta a
sua formação cultural, reconhecendo influências de Cassiano e transferindo
para o meio bracarense a consolidação da mesma. Os escritores da Gália
tinham ligado Martinho à Panónia, como forma de o associar ao seu
homónimo Martinho de Tours, de quem era devoto.
− As relações do bispo com o mosteiro eram estreitas. Tudo parece indicar que
ele intervinha na vida monástica e os monges colaboravam na ação pastoral e
na organização da vida eclesial. Os trabalhos apostólicos dos monges e a
intervenção episcopal nos mosteiros são-nos também confirmados pelos
concílios de Tarragona (516) e de Lérida (546).
No século VII, sobressaiu a figura de São Frutuoso (?-665/667), bispo-abade de
Dume (653-656) e arcebispo de Braga (656), filho dum membro da alta nobreza visigótica
aparentado com o rei Sisenando:
− Depois de se formar em Palência e de procurar a vida eremítica na região de
Bierzo (Leão), veio para Galécia, onde fundou numerosas igrejas e mosteiros.
− Ocupando em meados do século a sé de Dume e de Braga, este monge-bispo
continuou a dinâmica de cristianização do antecessor, formando comunidades
regulares em Compludo, Rufiana, San Juan de Poyo, Montélios (onde foi
inumado por volta de 675), na Galécia e outra nos arredores de Cádis, na
Bética.

4
Arnaldo M. DO ESPÍRITO SANTO, A Receção de Cassiano e das Vitae Patrum. Um Estudo Literário de Braga no
Século VI, Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa
1993.
7

− As fundações ultrapassaram o quadro da diocese e da província, traduzindo o


poder temporal do monge-bispo em zonas afastadas da cidade episcopal e
contribuindo de forma significativa para a difusão do cristianismo.
Alguns monges não só fundaram mosteiros, como também escreveram regras
para eles. Foi o caso de Santo Isidoro e São Leandro e, no futuro espaço português, São
Frutuoso:
− A Regula Monachorum, redigida para o Mosteiro de Compludo, constava de 25
capítulos (restam 23) e está muito influenciada por Pacómio, Cassiano, Isidoro
de Sevilha e Jerónimo. Visava a santificação pessoal dos monges e a edificação
pessoal.
− A Regula Communis é uma série de preceitos e recomendações, reunidos em
20 capítulos. Há quem queira justificar o seu nome, pelo facto de se destinar a
mosteiros dúplices, em que se encontravam famílias inteiras, ou por ter sido
organizada progressivamente a partir das conferências realizadas pelos abades
dos mosteiros de São Frutuoso. Paula Barata Dias entende que «quem
escreveu a RMC [Regula Communis] não visou o propósito de justificar a
fundação de uma comunidade monástica, mas sim o de adequar o
comportamento dessa comunidade às alterações das circunstâncias, a novos
desafios, a problemas surgidos por causa de uma série de comportamentos
incorrectos»5, levantando a hipótese de não se tratar propriamente de uma
regra, mas eventualmente de um comentário jurídico ou de uma exortação
homilética aos monges. Em anexo ao texto, encontra-se o chamado Pacto de
São Frutuoso, uma profissão religiosa extensão, inspirada no direito germânico
e na legislação visigoda. Por ele, os monges comprometiam-se a viver sob a
direção do abade, obedecendo-lhe e cumprindo a regra, mas reservando-se o
direito de protestar contra os possíveis abusos perante outros abades da
congregação, perante o bispo ou o conde protetor do mosteiro.
As inúmeras regras peninsulares da antiguidade tardia encontravam a sua
inspiração nas de Santo Agostinho, São Basílio, São Bento e noutras regras da vizinha
Gália. No século VI, as regras foram adaptadas ao caso particular de cada mosteiro, dando
lugar às regras locais. No século VII, deram lugar às regras compósitas, baseadas num
corpus diversificado de textos.
A Regula Communis, atribuída a São Frutuoso, e outros documentos permitem-
nos sublinhar algumas características do monaquismo ibérico da época visigótica:
− O caráter pactual. Como se disse, em apêndice a Regula Communis contém um
pacto, pelo qual os professos se submetiam a Deus e ao abade e manifestavam
a intenção de habitar no mosteiro de acordo com o exemplo de Cristo e as
orientações do superior. As opiniões dividem-se relativamente à extensão do
pactualismo a toda a península ou apenas ao noroeste peninsular.
− A solidariedade parental. Era frequente e estava em crescendo no fim da
época visigótica a organização de grupos familiares ou mesmo comunidades
de camponeses de forma monástica, ingressando como um todo num
mosteiro. A Regula Communis condena severamente estes mosteiros, que

5
Paula BARATA DIAS, O Lugar da Regula Monastica Communis no Monaquismo Hispânico, in Humanitas 52
(2000) 236
8

perduraram teimosamente durante os séculos VIII e IX, ordenados para o fim


concreto de obtenção de algum benefício económico.
− A diversidade social. Aos mosteiros devem ter chegado indivíduos
provenientes de vários estratos sociais. Nas regras visigóticas pode-se apreciar,
por um lado, a intenção de preservar a igualdade de todos os conversos para
além da sua origem ou proveniência e, por outra, a clara prescrição de que
unicamente os livres podiam ter acesso à condição de monges.

3.2. Reforma e lenta uniformização monástica no reino asturiano-leonês


A invasão muçulmana e as alterações que provocou foram responsáveis pelas
profundas modificações no quadro herdado do período visigótico, sobretudo onde àquela
presença foi mais marcante e duradoura. Sendo a influência muçulmana mais ténue a
norte do Douro, foi sobretudo aí que floresceram pequenos mosteiros locais ligados a
uma comunidade ou a uma família, dependentes económica e militarmente dos seus
patronos ou fundadores. Neste contexto de dispersão e isolamento proliferaram uma
multiplicidade de regras, sem que nenhuma fosse de obediência exclusiva no período que
vai da invasão muçulmana até ao século XI.
Apesar desta multiplicidade, há algo em comum nestas formas, no espaço a norte
do Douro, muito em particular a partir do século IX, acompanhando a própria
recuperação territorial e a implantação das famílias condais. A ascensão dos condes
portucalenses transformou-os não só em senhores da guerra e do espaço conquistado,
mas também os transformou em fundadores e protetores de mosteiros, com monges
recrutados no interior da própria família patronal. Eram pequenos mosteiros com um
número reduzido de membros e com uma duração efémera.
Uma primeira tentativa de reforma do monaquismo ocorreu com São Rosendo
(907-977), bispo de Mondonhedo, em finais do séc. X no espaço portucalense,
reformando alguns mosteiros e criando outros. Talvez por este bispado de Mondonhedo
ser sucessor do de Dume, que na época visigótica desempenhava funções supervisão da
vida monástica, Rosendo ocupou-se ativamente da restauração monástica do território.
Alguns aspetos da sua reforma:
− A sua pretensa adoção da Regra de São Bento encontra-se hoje questionada,
mas a sua reforma contribuiu para a penetração de alguns aspetos do
monaquismo beneditino-caloríngio na Galiza, nomeadamente a uniformização
da vida monástica e a solenização da liturgia. De facto, defendeu um tipo de
observâncias que se afastava dos mosteiros da região, pobres e austeros, e se
aproximava dos costumes carolíngios com influências beneditinas, mas sem
adotar a Regra de São Bento como única.
− Recuperou ao mesmo tempo algumas orientações da Regula Communis,
atestada pela manutenção de algumas características nas comunidades dos
séc. X e XI: o pacto monástico; o espírito federativo expresso na reunião
frequente de abades de diferentes mosteiros, dependentes ou não de um
deles; o domínio do bispo-abade, ou seja, de um bispo com autoridade sobre
os mosteiros de uma determinada região; a admissão de traditi (leigos não
professos de ambos os sexos que de uma forma ou outra se ligavam à
comunidade, optando pela observância duma vida religiosa, sujeitos à
autoridade dum único abade); a recusa do mosteiro familiar enquanto tal.
9

− Restaurou muitas casas monásticas do seu património familiar ou que lhe


foram entregues para reformar (Ribadavia, Louredo, Villafegio, Sorga, Ribas de
Sil, Cañizos, Castrelo, Puertomarín), assim como outras que permaneceram
independentes (Samos, Loyo, Caabeiro, Santa Comba, Guimarães). Para
constituir uma comunidade exemplar, fundou o mosteiro de Celanova, na
diocese de Orense (942).
A reforma de São Rosendo foi, todavia, fortemente limitada pela crise leonesa de
987-1037 e pela intervenção dos condes portucalenses, de quem São Rosendo era
parente, assim como pelo movimento de apropriação de mosteiros por parte de uma
nobreza de segunda categoria (infanções)6, sobretudo a partir da segunda metade do séc.
X e com clímax após 1071, depois da derrota do último conde portucalense:
− Num primeiro momento, este movimento dificultou a aproximação à corrente
de uniformização monástica que se espalhava pela Europa.
− Na passagem do séc. XI para o século XII:
o Esta nobreza viu os seus mosteiros abrirem-se, ainda que tenuemente,
às novas regras vindas da Europa, protegidas e difundidas pela corte de
Leão.
o Estes mosteiros, influenciados pelas orientações de São Rosendo e do
concílio de Coyanza7 (1055), abriram as portas aos candidatos não
oriundos das famílias patronais, contrariamente ao que acontecia com
os mosteiros familiares de origem condal.
o Mantiveram-se, apesar de tudo, muitas comunidades dúplices, mesmo
se estas revestiam, em muitos casos, o aspeto de comunidades
masculinas à sombra das quais viviam grupos de devotas ou de traditi,
sob a direção do único abade. Noutros casos havia mesmo dois
conjuntos (fratres e sorores), sujeitos embora à única autoridade abacial
(Arouca, Guimarães, São Simão da Junqueira).
A vida monástica ibérica do século XI, ponto de chegada duma evolução iniciada
com o declínio dos quadros diocesanos e das formas tradicionais de vida religiosa
aquando da invasão muçulmana, apresentou várias características:
− A fluência de fronteiras entre mosteiros familiares e não familiares.
− A proliferação do patronato laico, corporizado nas famílias condais em
decadência e sobretudo nas de infanções em ascensão (Maias, Ribadouro e
Sousa, protetores de mosteiros como Santo Tirso, Paço de Sousa, Arouca e
Pombeiro).
− A crescente dependência das comunidades monásticas face ao destino das
suas famílias protetoras.
− A ligação às tradições de vivência monacal, sem a observância exclusiva da
Regra beneditina que vigorava na cristandade europeia.
A reforma e uniformização do monaquismo peninsular ficaram marcadas pelo
concílio de Coyanza de 1055, em que se insistiu nos seguintes aspetos:
− A condenação dos mosteiros familiares.

6
A nobreza medieval portuguesa dividia-se, consoante a riqueza e as funções, em ricos-homens, infanções
(mais tarde fidalgos) e cavaleiros.
7
Hoje Valencia de Don Juan, na província de Leão.
10

− A condenação do relaxamento dos costumes.


− A revisão da vivência monástica.
− O apelo à adoção duma regra, sobretudo as de Santo Isidoro ou São Bento.
Estas insistências fizeram-se sentir, por exemplo, nos mosteiros de Pendorada e
São Salvador da Torre, fundados respetivamente em 1059 e 1068, com referência
explícita a Coyanza no documento de fundação. Estava aberto definitivamente o caminho
para a adoção plena dos modelos importados da Europa além-Pirenéus.
A difusão da Regra de São Bento e a sua observância como regra única na
península é de finais do Séc. XI e inícios do séc. XII. Fernando I (1037-1065) protegeu
monges cluniacenses e iniciou o pagamento de um censo anual a Cluny. Mas a reforma
cluniacense só entrou verdadeiramente no reino leonês sob Afonso VI (1065-1109).
Vejamos sumariamente como aconteceu:
− Vários clérigos francos de ascendência cluniacense foram colaboradores da
corte leonesa e ocuparam sedes importantes: Bernardo de Toledo; Bernardo,
bispo de Siguenza e arcebispo de Compostela; Pedro de Osma; Geraldo de
Braga (1096-1108); Maurício Burdino, bispo de Coimbra e arcebispo de Braga.
− A reforma cluniacense, sob a proteção de Afonso VI, chegou a vários
mosteiros, entre os quais o de Santo Isidoro de las Dueñas (1073), o primeiro a
ser reformado, e o de Sahagun (1078). Estes mosteiros representam o ponto
de partida de uma renovação que se estenderá a todo o reino leonês.
− Com a proteção ao monaquismo de ascendência cluniacense, Afonso VI
procurava legitimidade, proteção papal e a uniformização religiosa de um
território que também interessava a Cluny e a Roma. A uniformização também
se tornou visível a nível litúrgico com a adoção do rito gregoriano por Afonso
VI no concílio de Burgos (1080), subalternizando os outros ritos. A adoção do
rito romano ainda contou com a oposição de adeptos do rito hispânico tanto
em Leão como no território portucalense.
− Na região portucalense, o primeiro mosteiro que documentalmente adotou a
regra beneditina foi o de Rates (±1100), então ligado ao de Charité-sur-Loire.
José Mattoso sugere, porém, a possibilidade da entrada dessa regra no
território por volta de 1085, dadas as referências a prior na documentação, em
oposição à denominação usual de abbas. A difusão terá, todavia, sido rápida,
fazendo-se sentir nomeadamente nos mosteiros de Santo Tirso, Paço de
Sousa, Pendorada e Pombeiro. Entre finais do séc. XI e finais do séc. XII cerca
de 20 mosteiros terão adotado a regra beneditina entre o Douro e o Tejo,
destacando-se Lorvão, Cucujães, Tarouca, Vicariça e Arouca.
No fim da primeira metade do séc. XII, a reforma beneditina encontrava-se
difundida por toda a região portucalense, contribuindo assim para a decadência do
monaquismo peninsular e para a inserção das comunidades monásticas nas correntes de
além-Pirenéus. As comunidades ligadas às observâncias tradicionais desaparecerão ou
serão transformadas em igrejas. As que resistiram à influência beneditina acabariam por
encontrar nas novas correntes agostinianas, que desde o início do séc. XII chegaram à
Península, um espaço alternativo de vivência religiosa.
Os mosteiros beneditinos leoneses e portucalenses não terão, todavia, gozado
habitualmente da isenção que caraterizou o monaquismo cluniacense. Se excetuarmos o
mosteiro de Rates (entregue por D. Henrique a Charité-sur-Loire), Santa Justa de Coimbra
11

(doado por Maurício Burdino) e Vimieiro (entregue a Cluny por D. Teresa em 1127), a
maioria dos restantes mosteiros portucalenses não se filiaram diretamente em nenhum
dos grandes mosteiros cluniacenses, não participando, pelo menos inicialmente, de todas
as prerrogativas que caraterizavam a ordem. Muitos mosteiros ficaram assim sujeitos à
autoridade diocesana, favorecendo os prelados a difusão da reforma beneditina, por não
verem nela um risco de diminuição das suas próprias prerrogativas.

3.3. As origens do eremitismo peninsular


A vida eremítica encontra-se atestada na Hispânia a partir do século VI, em plena
época suevo-visigótica. Desconhecemos, todavia, o seu grau de expansão. Também
sabemos pouco das penitências a que se entregavam os eremitas, para além das
referências à vestimenta pobre, à comida escassa e aos castigos físicos que se infligiam.
Em pleno séc. VI, Isidoro de Sevilha refere a existência de anacoretas, cenobitas e
eremitas (De Ecclesiastico Officiam). Os termos anacoretas e eremitas eram entendidos
essencialmente como sinónimos, sendo que os primeiros procuravam o deserto depois
duma experiência cenobita e os segundos fizeram dele o lugar preferencial de retiro.
Os documentos referem-se ainda aos reclusos, que em vez de se retirarem para
um ermo, se encerravam num pequeno compartimento, frequentemente ao lado duma
igreja, urbana ou rústica, ou nas proximidades de um mosteiro. É o caso do can. 5º do VII
concílio de Toledo (646) que distinguia os bons reclusos dos maus reclusos e desonestos,
que deviam ser incorporados nos mosteiros mais próximos ou naqueles donde tinham
vindo.
Os concílios visigóticos refletem a disciplina hispânica sobre a vida eremítica,
manifestando o controlo episcopal sobre as formas de ascetismo existentes. Os concílios
não admitiam, aliás, outras formas de ascetismo à margem da vida ascética dos monges e
dos clérigos definidas pelos concílios e enquadrada pela ação episcopal. Neste sentido o
eremita era frequentemente entendido em contexto peninsular como um monge a quem
era permitido abraçar a vida solitária, depois de na maior parte dos casos já ter
exercitado a cenobítica.
No campo concreto da vivência, foram vários os exemplos de vida eremítica nos
séculos VI e VII:
− O abade Nunctus que em tempos do rei Leovigildo se retirou para o deserto
(Vidas dos Padres de Mérida).
− São Frutuoso de Braga e Dume que, antes e depois duma vida cenobita, se
retirou para o deserto para progredir na perfeição.
− Benedita, uma eremita que penetrou no deserto deixando tudo (Vida de São
Frutuoso).
− Valério de Bierzo, cujo percurso decorre entre vários ensaios de cenobitismo e
alguns períodos de deserto.
A partir do séc. VIII, a escassez de informação acentua-se e torna difícil
acompanhar a evolução desta forma de vida religiosa na Península.

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