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GUILHERME ALMEIDA

ANO 124 | Nº 84
PORTO ALEGRE, DOMINGO, 23/12/2018
RS, SC, PR - R$ 3,00 | POA - R$ 2,50

ÁGUA:
COBRAR
E PRESERVAR
Neste final de ano, o Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí
encaminha as últimas medidas para implementar a cobrança pela captação de água
do manancial. O Gravataí servirá de projeto-piloto para as demais bacias do Estado

RICARDO GIUSTI MAUREN XAVIER

BALANÇO DE O RISCO DO FÉRIAS EM


GOVERNO DEGELO MEIO AO MAR
Prefeito Nelson Ocupando grande Com diversos
Marchezan Júnior parte do hemisfério roteiros, cruzeiros
fala sobre seus Norte, permafrost proporcionam
dois anos à frente pode derreter momentos de agito
do Executivo e colocar vidas e e descanso no
municipal estruturas em risco mesmo lugar
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REPORTAGEM 10 | CORREIO DO POVO +DOMINGO | 23/12/2018

Cobrança
pela água
do rio
HENRIQUE MASSARO

A
pós cerca de uma hora e meia do leito aquático, que não foi diretamente O manancial abastece
O Rio Gravataí de navegação, o barco que leva modificada. A abertura do canal, que de- os municípios de
um grupo de estudantes da Uni- morou dez anos, entretanto, acabou com Santo Antônio da
servirá como versidade Federal do Rio Gran- o banhado da região. Apesar da interfe- Patrulha, Glorinha,
projeto-piloto de de do Sul (Ufrgs) tem o motor desligado rência humana, que, conforme estudos, Cachoeirinha,
e o silêncio é solicitado a todos a bordo. acarretou na necessidade de uma revitali- Alvorada, Viamão
cobrança pela O local onde a embarcação agora apenas zação do rio para controlar o escoamen- e Gravataí

captação água no flutua é uma imersão na Área de Preser- to da água, os 8 quilômetros por onde na-
vação Ambiental (APA) do Banhado vegam os estudantes da Ufrgs ainda são
Rio Grande do Sul Grande, que serve de cenário a todo o esteticamente privilegiados. De limpeza
passeio. Nesse ponto, o curso de água notável, o rio que reflete o sol forte de
não é mais do que uma piscina cercada uma manhã de novembro é convidativo a
por mata nativa. Sem as vozes da tripula- um mergulho. O local, de acordo com Car-
ção, o que se ouve é apenas o som da doso, integra o espaço com excelente qua-
correnteza e dos animais encobertos pe- lidade de água, que corresponde a 70%
la vegetação. É do rio onde essa paisa- do Gravataí, entre a praça do pedágio do
gem está inserida que, por exemplo, se município até a nascente, em Santo Antô-
capta a água para abastecer Santo Antô- nio da Patrulha.
nio da Patrulha, Glorinha, Cachoeirinha, A apenas 30 quilômetros do ponto on-
Alvorada, Viamão e o município que rece- de parte o barco do projeto Rio Limpo,
be seu nome: Gravataí. um grupo de amigos faz churrasco em um
O raro sopro de natureza e silêncio fi- clube náutico próximo à BR-116, em Ca-
ca exatamente na metade do trajeto da noas. Estão a beira do mesmo rio Grava-
saída de campo dos alunos de três cursos taí, que, no entanto, não parece o mesmo.
de Engenharia da Ufrgs, que conhecem o Entre a margem e um dos barcos atraca-
local para estudar os impactos ambien- dos, uma tartaruga aparece e some da su-
tais relacionados a alterações do fluxo e perfície em um ponto formado por uma
captação de água. O espaço é conhecido mesma quantidade de lixo e de água, que
como a ferradura do rio Gravataí pelo for- é turva em todo o espaço. Em uma sema-
mato que desenha no mapa da região. Pa- na de tempo firme, a situação sequer cha-
ra acessá-lo, navega-se por um canal ma a atenção dos homens que ali estão. O
aberto na década de 1960 que encurtou cenário, após um dia de forte chuva, se-
pela metade o curso de quatro quilôme- gundo eles, é muito pior. O motivo é a con-
tros de meandros do rio. Com isso, fez centração do lançamento de efluentes
mais do que simplesmente modificar a que, diariamente, é de aproximadamente
paisagem. “Nossa água hoje sofre o que a 50 toneladas em todo o Gravataí.
gente chama, de brincadeira, de freeway A localização do clube náutico, segun-
aquática. A água vai embora rápido e fi- do o presidente da APN-VG, oferece uma
camos sem nada”, explica o coordenador visão do que são os 30% restantes do Rio
técnico do projeto Rio Limpo e presidente Gravataí. Apesar de abastecer seis municí-
da Associação de Preservação da Nature- pios, ele é formado por nove. Assim como
za - Vale do Gravataí (APN-VG), Sérgio Taquara e Canoas, a Capital não faz a
Cardoso, que guia o passeio. sua captação do rio, mas descarta os
Depois de cruzar o canal, a passagem efluentes nos seus mananciais. O trata-
pela ferradura dá acesso à parte antiga mento, de acordo com Cardoso, atualmente
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não atende à demanda e é um dos aspec- bacia do Rio Gravataí, como prevê a legis-
tos que a cobrança deverá suprir. A lei lação. Assim que as análises do grupo de
10.350 de 1994, que institui o Sistema Es- trabalho se encerrarem, a proposta final
tadual de Recursos Hídricos, prevê melho-
ras na qualidade e quantidade da água.
será levada à plenária do Comitê do Gra-
vataí para aprovação. O governo, de acor-
Neste final de 2018,
O PROJETO-PILOTO
do com Cardoso, não tem papel de decisão
com relação a isso, mas será o ente opera-
o Comitê de
.
Esse rio de contrastes servirá também
dor da cobrança que for estabelecida.
A expectativa do presidente é de que, Gerenciamento da
de modelo. Neste final de 2018, o Comitê ainda no primeiro semestre de 2019, já
de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica se esteja efetivamente cobrando pela Bacia Hidrográfica do
do Rio Gravataí encaminha as últimas me- água captada do rio Gravataí. Ele consi-
didas para implementar a cobrança de
água. Diferente da conta que os consumi-
dera, contudo, que se trata de um tempo
demorado, porque o projeto vem sendo
Rio Gravataí
dores pagam mensalmente para abasteci-
mento em suas residências, esse processo
discutido ao longo de todo o ano. O início
da cobrança no Gravataí partiu de uma encaminha as últimas
diz respeito a uma taxa para a captação
dessa água. Além de regular o uso, a medi-
acordo entre Ministério Público e Secreta-
ria do Ambiente e Desenvolvimento Sus- medidas para
da é necessária para garantir recursos tentável (Sema).
que serão investidos para manter a quali-
dade e promover as melhorias necessárias
O presidente explica que o comitê é
uma estrutura de Estado criada pela lei
implementar a
no manancial. O Gravataí será um projeto-
piloto para o Rio Grande do Sul, que tem a
10.350. Trata-se de um colegiado forma-
do pela população: associações de mora-
cobrança de água.
cobrança aprovada em lei há mais de 24
anos e até hoje não a implementou.
dores, vereadores, comunidade científica
e usuários da água - saneamento, navega- Diferente da conta
Sérgio Cardoso, que é também presiden- ção, lazer e agricultura. Sua unidade de
te do Comitê Gravataí (o Rio Grande do gestão é a bacia hidrográfica e sua res- que os consumidores
Sul possui 25 comitês para suas 25 bacias ponsabilidade é a aprovação de políticas
hidrográficas), prepara os últimos deta-
lhes para que o primeiro modelo de co-
públicas de proteção da água. A cobran-
ça, principal discussão, segundo Cardo-
pagam mensalmente
brança seja implementado no Estado. Na
última reunião com o Departamento de Re-
so, funcionará como um condomínio. Ou
seja, empresas de abastecimento, proprie- para abastecimento em
cursos Hídricos (DRH), o governo apresen-
tou uma primeira simulação com a possibi-
dades rurais e todos os usuários da água
do rio passam a pagar para captá-la. O suas residências, esse
lidade de arrecadação de aproximadamen- recurso gerado é reinvestido para garan-
te R$ 18 milhões ao longo de quatro anos.
A decisão final, no entanto, é do comitê,
tir qualidade e quantidade dessa água.
Atualmente, a captação não é cobrada
processo diz respeito
que criou um grupo de trabalho para ana-
lisar a proposta. A expectativa é de que o
em nenhum local do Estado e o uso de-
senfreado é impedido graças à existência
a uma taxa para
projeto esteja finalizado até março.
Mas a discussão a respeito disso não é
de outorgas.
a captação
simples. Já antigo, o debate precisa levar COMO PODE FUNCIONAR A COBRANÇA
em consideração, principalmente, as ga- . do recurso.
rantias de que os recursos arrecadados O diretor do DRH, Fernando Meirelles,
serão aplicados nas melhorias da própria explica que o Departamento realizou uma
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Pela proposta, avaliação técnica e uma revisão do plano Gravataí, o DRH enviou proposição de va-
o valor pago pela da bacia hidrográfica. Com as ações apro- lores ao Conselho de Recursos Hídricos
captação da água do vadas pelo comitê, foi oferecida uma pers- do RS (CRH). Nesse caso, o objetivo é
Gravataí mudaria de pectiva de cobrança. A proposta, no entan- que se venha a estabelecer valores refe-
acordo com cada to, pode ser alterada, já que a decisão é renciais mínimos para todo o Estado. A
utilização do recursos, de Estado e não de governo. No modelo discussão, por enquanto, não tem ligação
como, por exemplo, apresentado, por exemplo, ficam simula- com o Rio Gravataí, que é o projeto-pilo-
irrigação e indústrias dos os valores para cada entidade que uti- to, mas tem o objetivo de encaminhar a
lize a água do rio. Os valores seriam pas- questão da cobrança no restante das ba-
sados ao Badesul, que emitiria o boleto de cias hidrográficas gaúchas.
cobrança e faria a gestão dos recursos. O presidente da Câmara Técnica do Pla-
Para o abastecimento e o lançamento no Estadual de Recursos Hídricos, Eldo
de esgoto do município de Gravataí, por Frantz, explica que o projeto do Rio Gra-
exemplo, por meio dessa simulação, seria vataí será observado, mas que vai a enti-
cobrado da Corsan R$ 1,50 para cada um dade definir separadamente os critérios
dos 243 mil habitantes da cidade por ano. gerais de cobrança para todo Estado, co-
Na proposição do DRH, segundo Meirel- mo o valor mínimo do preço público único,
les, se utilizou a mesma lógica de cobran- entre outros. A Câmara foi instituída em
ça de Santa Catarina, em que a agência 2014 após a aprovação da resolução que
reguladora autorizou a empresa a colo- criou o primeiro Plano Estadual de Recur-
car esse novo custo na conta de serviços sos Hídricos e é formada por diversas ins-
prestados à população. Com isso, os cida- tituições, como Farsul, Famurs, Fiergs,
dãos também teriam que arcar com o pa- Fetag – como convidadas - e, em sua maio-
gamento pela captação por se entender ria, pelos comitês de bacia e secretarias.
que são coparticipantes no processo de Para todo o Estado, a questão deve ter
preservação. Ainda de acordo com o dire- uma demora maior do que a de Gravataí.
tor, além dos valores serem considerados De acordo com Frantz, diversos pontos
baixos – em uma família de cinco inte- ainda precisam ser decididos. É necessá-
grantes, significaria cerca de 60 centavos rio, por exemplo, verificar como a nova es-
por pessoa ao mês -, viriam explicitados. trutura de governo vai tratar o assunto.
Mas os valores mudam para cada utili- Além de estabelecer os critérios gerais de
zação da água. Para a irrigação de arroz, preço e cobrança, há todo um processo de
por exemplo, a proposta é de que o pro- entendimento que precisa ser feito junto à
dutor pague R$ 80 por hectare ao ano. Já comunidade. O presidente da Câmara Téc-
em uma indústria que tenha produção de nica percebe que a população sabe pouco
5 milhões de dólares anuais, seria cobra- a respeito da possibilidade da cobrança.
do R$ 11 mil anualmente. As mudanças Muitas pessoas, inclusive, sequer têm co-
continuam para cada tipo de captação, nhecimento que a captação de água no Es-
como para agricultura ou pecuária. Para tado não é paga, algo que não deveria
açudes e barragens da bacia, as variá- ocorrer uma vez que os comitês de bacia
veis mudam e os valores também, poden- têm a sociedade em sua composição.
do, inclusive, virem a ser nulos. Frantz explica, no entanto, que a deci-
são de estipular a cobrança ou não cabe
A COBRANÇA DE ÁGUA NO RS a cada comitê. Da mesma forma, os pre-
. ços podem vir a ser alterados em cada
Paralelo à proposta que fez ao Comitê bacia hidrográfica, desde que obedeçam
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as diretrizes básicas. Não há uma estima-
tiva de data para o processo estar enca-
minhado enquanto não for concluída a
transição de governo. As mudanças inter-
nas da estrutura estadual, como na Se-
“No momento
ma, podem alterar o planejamento. em que se pega
PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
. um manancial em
De todas as questões envolvendo a taxa
de cobrança da água, a discussão mais im-
portante é a preservação. O professor do
que a água está
curso de Engenharia Química da Pontifí-
cia Universidade Católica do Rio Grande em um estado tão
crítico que o
do Sul (PUCRS) Cláudio Frankenberg ex-
plica que os mananciais chegaram a um
ponto em que alguma forma de cobrança
se faz necessária. “Pedindo socorro é pou-
co. A situação é bem crítica em várias processo de
áreas.” Na visão do professor, já existe
uma série de ações positivas que visam
conscientizar a população. Ao mesmo tem-
transformá-la em
po, entretanto, há quantidade muito
maior de iniciativas negativas ainda acon-
potável se torna
tecendo, como retirada de orla, de vegeta-
ção nativa e mata ciliar, além da constru-
As águas do rio
Gravataí são limpas muito caro e
ção de empreendimentos irregulares.
complicado,
em 70% de sua
Para ele, a cobrança vem no sentido de extensão. No entanto,
mostrar a necessidade de se cuidar dos nos outros 30% há
mananciais. Apesar disso, deve haver cla-
reza e garantias de que os recursos serão
despejo de efluentes
e lixo acumulado as pessoas vão
começar a passar
revertidos nessa preservação. De acordo
com o professor da PUCRS, os fenômenos
climáticos vão garantir que sempre exista
água, mas o processo natural de evapora-
ção carrega também parte dos poluentes. sede”, diz o
Nesse caso, essa eternidade não é a mes-
ma quando se fala em qualidade. “No mo-
mento em que se pega um manancial em
professor Cláudio
que a água está em um estado tão crítico
que o processo de transformá-la em potá-
Frankenberg
vel se torna muito caro e complicado, as
pessoas vão começar a passar sede.”

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