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Políticos sempre irão exagerar um pouco nas juras feitas durante a campanha, mas seria um erro

achar que o voto equivale a um cheque em branco. Dilma Rousseff descobriu do pior modo
possível que há limites para o chamado estelionato eleitoral. Até o mais simplório dos eleitores
sabe que não deve acreditar em tudo que políticos prometem. Assim, só o que resta é confrontar
a profissão de fé do candidato com suas obras. Nesse sentido, até o momento, a candidatura
que se revela mais incoerente é a de Bolsonaro, que apresenta um programa ultraliberal na
economia, mas ostenta, como deputado, um longo histórico de posições ultraestatistas. Fica
difícil pelo menos não suspeitar de que sua conversão tenha mais a ver com oportunismo do que
com convicção. Na verdade, Bolsonaro é quase uma tela em branco, porque ele não diz nada de
relevante politicamente. Ele diz uma meia dúzia de chavões. Tem algo vagamente nacionalista e
antissistema. O candidato é conhecido por alegar que a ditadura foi uma época "gloriosa" da
história do Brasil. “Na época dos militares era melhor”. Entre os argumentos mais utilizados pelo
Bolsonaro e pelos defensores da intervenção para mostrar a eficácia do regime está a conquista
do "milagre econômico". De fato, nesta época, o país conseguiu crescer exponencialmente. O
avanço veio acompanhado também de uma forte queda de inflação. O que não se explica diante
desse número, entretanto, é o fato de o crescimento ter sido muito bom para empresários, e ruim
para os trabalhadores. Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares resolveram
conter os salários, o que levou a perdas reais para os trabalhadores. A adoção de uma medida
tão impopular só foi possível através do aparato repressivo do regime sobre os sindicatos, que
diminui o poder dos movimentos e de negociação dos operários. Foi um crescimento às custas
dos trabalhadores. A distribuição dos resultados do crescimento econômico foi bastante
desigual, a concentração de renda também aumentou muito no período, especialmente entre a
população que possuía um grau maior de instrução. Isso fez com que a desigualdade social
conhecesse níveis nunca vistos antes. Além disso, como o governo militar fez uma escolha de
investir maciçamente na industrialização, inclusive do campo, muitas pessoas decidiram
abandonar o sertão com o sonho de tentar uma vida melhor na cidade, incentivando um êxodo
rural sem planejamento e nunca revertido. Houve vários casos de corrupção na ditadura,
principalmente no período da abertura envolvendo agentes do estado que foram acusados de se
apropriar de recursos públicos (como também já ocorria antes do regime militar!). O Brasil viveu
sob um regime de censura que foi estabelecida nos meios de comunicação que estavam
orientados a publicar notícias que fossem favoráveis ao governo. E é por conta dessa propensão
a maquiar a realidade que notícias denunciando escândalos de corrupção não estampavam a
manchete dos jornais. O milagre aconteceu principalmente regado a dinheiro internacional que
aterrissou através da entrada de multinacionais que encontraram no Brasil um terreno propício
para a expansão sob a tutela dos militares, e também por empréstimos advindos de fundos
internacionais. A economia brasileira tornou-se muito dependente de empréstimos estrangeiros.
A conta do crescimento desenfreado baseado em um alto grau de endividamento ficou para a
redemocratização. Ao deixarem o poder em 1984, a dívida era quase quatro vezes maior do que
na época que eles tomaram o poder em 1964. A inflação chegou a 223%, em 1985. Embora o
regime tenha aparelhado muito bem grande parte do nosso parque industrial, melhorado em
aspectos técnicos e tecnológicos a infraestrutura, no jargão econômico, os governos militares
deixaram uma “herança maldita” e suas decisões político-econômicas diminuíram o custo do
trabalho e aumentaram os ganhos de capital. Mesmo diante disso, Bolsonaro defende a ditadura
dizendo que, nesse tempo, havia “respeito, segurança, ordem pública” e as autoridades “não
enriqueciam” à custa do povo. Iludido! Mas um iludido que percebeu que o seu discurso sobre a
moral e a segurança tinha tudo para entrar como faca em manteiga no atual eleitorado brasileiro.
Ainda que, fora dessa conversa dos valores tradicionais da família, da necessidade de ordem e
do combate à corrupção, Bolsonaro não tenha a menor ideia sobre coisa nenhuma. Ele defende
a violência do Estado, a pena de morte e a tortura; maltrata grupos sociais vulneráveis
(homossexuais, negros, índios); e tem um discurso de coesão nacional racista e paranoico. E o
mais "extraordinário" é que boa parte do eleitorado proceda a uma limpeza de caráter do
candidato contra as suas próprias palavras. Bolsonaro parece fascista, cheira a fascista e fala
como um fascista. Olhar para isto e dizer, com os dedos cruzados, “é só pose”, parece-me uma
jogada estupidamente arriscada. Significa que vem aí golpe militar? Claro que não. Para ele, as
minorias devem “se curvar às maiorias” ou serão “esmagadas”. O militar reformado já afirmou
na tribuna da Câmara, microfone aberto, que não estupraria a Maria do Rosário porque ela “não
merece ser estuprada por ele” por ser “muito feia”, assim como afirmou que as mulheres são
produto de uma “fraquejada” do macho no ato sexual. Ainda declarou, em entrevista à revista
Playboy, que seria incapaz de amar um filho homossexual: “Prefiro que um filho meu morra num
acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo”
(certamente ele nunca perdeu um filho para dizer algo assim). Afirmou que até considera as
mulheres indignas de receber o mesmo salário que os homens. Ele e seus três filhos que são
parlamentares (um deputado federal, um deputado estadual e um vereador) possuem 13 imóveis
que somam um valor de 15 milhões de reais. Vários deles com a declaração de compra em um
valor inferior ao definido por impostos municipais. Além disso, Jair Bolsonaro recebia auxílio
moradia da Câmara mesmo possuindo um imóvel próprio em Brasília, o que seria, no mínimo,
imoral. Bolsonaro mentiu em rede nacional ao dizer que o livro, de autoria do suíço Philippe
Chappuis e da francesa Hélène Bruller, formava parte do projeto Escola sem Homofobia, que
recebeu a alcunha de kit gay. Acontece que o livro em questão nunca fez parte do projeto Escola
sem Homofobia. E mais: sequer foi adquirido ou fez parte de algum programa do Ministério de
Educação. Basicamente, tratava-se de um kit de apoio para a formação de professores em temas
relacionados aos direitos LGBT, como o combate à violência e ao preconceito no ambiente
escolar. Outro ponto da resposta de Bolsonaro contestado logo após o fim da entrevista foi a
menção a um suposto Seminário LGBT Infantil. Trata-se do Seminário Nacional LGBT, realizado
anualmente por comissões da Câmara que atuam na defesa dos direitos dessas comunidades.
Não participaram crianças ao seminário, mas sim parlamentares, acadêmicos que estudam o
tema e membros da sociedade civil. E se você acreditou mesmo que foi distribuído um kit que
incentiva a homossexualidade para as crianças nas escolas, isso já demonstra que você não se
importa pela educação do seu filho(a), pois trata-se de um material nunca entregue. O Brasil
apresenta uma grande contradição. A homossexualidade e a transexualidade são muito
exuberantes na rua, na tv, nas festas, na maior parada gay do mundo... Em aparência, o Brasil é
gay. Porém, de norte a sul o povo repete: prefiro um filho ladrão ou morto do que homossexual.
E assim temos o resultado: Brasil é campeão mundial de assassinatos homofóbicos. Um ódio
cada vez mais estimulado pelos fundamentalistas religiosos, pois, quando se fala em ações
informativas anti-discriminação LGBT, programas de educação, trabalhos de cultura que
esclareçam a população, os deputados evangélicos são os primeiros a falar que essas ações
são um estímulo ao homossexualismo. Mas aí basta ver o filho de outro com comportamento
diferente, que logo os filhos aprendem com os pais a chamarem "bichinha"," viado". Não à toa
que o legado da Copa de 2014 foi o grito homofóbico “ôôôô bicha!”. A candidatura de Bolsonaro
interditou a discussão das ideias, a criação de um projeto para o Brasil. A campanha eleitoral
ficou reduzida a uma batalha de memes e a ameaças “bíblicas” pelo WhatsApp. O tempo foi
gasto em explicar o auto explicável: explicar por que razão não é aceitável votar num candidato
que diz que negros de quilombos não servem nem para a procriação, que seus filhos jamais vão
namorar uma negra porque “são muito bem-educados”, que as mulheres têm que ganhar menos
porque engravidam, que é a favor da tortura e que a ditadura civil-militar deveria ter matado pelo
menos uns 30 mil e que se morrerem inocentes tudo bem (desde, claro, que não sejam da sua
família). Alguém que é vítima de um ataque à faca e, em vez de convocar o país para a paz, como
cabe a um líder responsável em momentos de gravidade, faz sinal de atirar da cama de hospital
como se tivesse cinco anos de idade. Alguém que os apoiadores têm que começar o discurso
dizendo: “Ele não é o mais inteligente... nem o mais preparado, mas...”. Não faz sentido ter que
explicar isso. Nenhum sentido. Por não fazer nenhum sentido, também não faz nenhuma
diferença explicar. Jair Bolsonaro vem ganhando há muito tempo porque nem mesmo precisou
explicar como seu guru econômico e futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, o ultraliberal que
é desprezado pelos liberais moderados, propõe uma mudança que cobrará mais impostos dos
pobres e menos dos ricos. Ou como seu vice, Hamilton Mourão, chama o décimo-terceiro salário
do trabalhador de “jabuticaba”. Seu vice, Hamilton Mourão, efetivamente disse que era possível,
depois de eleito, em caso de “anarquia”, dar um “autogolpe”, com o apoio das Forças Armadas.
Nem isso ele precisou explicar no 1° turno, até porque o médico teria desaconselhado debates
na Globo, mas permitido entrevistas no mesmo horário para a Record. Se o problema da
segurança se resolvesse matando as pessoas, o Brasil não teria problemas de segurança, porque
aqui a polícia mata bastante. Entre 2005 e 2009, a PM de São Paulo mata mais que todas as
polícias dos EUA juntas. Nas escolas, nas esquadras e prisões, nas ruas, nos estádios, dentro de
casa, arrastões a turistas; milícias populares e vigilantes que fazem linchamentos na rua; presos
decapitados; professores agredidos; balas perdidas; mulheres mortas à pancada; líderes
indígenas assassinados; homossexuais assassinados; trabalhadores escravizados em
plantações; imigrantes roubados e agredidos; Black Bloks… O Brasil é um país violento. E todos
sabemos que não é o Bolsonaro que vai sair matando gente, mas seus apoiadores vão se sentir
legitimados para fazer isso. Aí, mais violência aparece! Se você votou e votará em Bolsonaro, não
é porque é contra a corrupção. Havia outros candidatos que não eram suspeitos de corrupção e
você não votou neles no primeiro turno. Você votou em Bolsonaro porque compartilha de suas
ideias e compartilha do seu ódio. E se você compartilha com quem afirma o que ele afirma — ser
contra negros, contra mulheres, contra LGBTQ, contra indígenas, contra camponeses e a favor
das armas e do autoritarismo e da tortura e do atirar para matar —então é isso que você defende.
E, principalmente, é esse tipo de pessoa que você é. Não dá para votar num racista sem ser
racista, num homofóbico sem ser homofóbico, num machista sem ser machista. Este é um limite.
Ao fazê-lo, se você não era, se torna um. Mesmo que você for mulher ou homossexual ou negro.
E este voto fará parte de sua história. É também o seu legado para os que virão.

Compilado do Jornal EL PAÍS.

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