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Após a leitura das obras: “O Cortiço” de Aluisio Azevedo e “A Vida que Ninguém
Vê” da escritora Eliane Brum, percebemos diferentes formas e modos retratar o real. Em
ambas as obras há a preocupação de analisar socialmente grupos humanos marginalizados, em
meio a uma sociedade com preconceitos e com a mistura de diferentes raças, sexos e crenças.
Aluísio Azevedo, mais importante escritor da corrente realista-naturalista no Brasil
em meados do século XIX, em “O Cortiço” promove uma investigação das relações entre o
homem e seu meio social. Aluísio analisa duas importantes realidades sociais da época: a
camada pobre dos cortiços e a pequena burguesia dos sobrados. “Assumindo uma perspectiva
do alto, de narrador onisciente, ele fazia distinção da vida dos que já venceram como João
Romão, o senhor da pedreira e do cortiço, e a labuta dos humildes que se exaurem na faina da
própria sobrevivência.” (BOSI, 1994, p.190).
Escritor naturalista, Aluísio apresenta em sua obra características do naturalismo,
dentre elas o determinismo do instinto, que segundo Sergius Gonzaga (1995, p.91), “Cada
individuo traz dentro de si instintos hereditários, que explodem repentinamente em
manifestações de luxúria, tara, indignidade e crimes.” e por mais que cada indivíduo
desenvolva seu domínio sobre si próprio, com a convivência social ele fica sujeito a mudanças
psicológicas, arrastando-se para um universo de anormalidades e vícios. Isto fica evidente na
seguinte passagem em “O Cortiço” (1857-1900, p.113):
Amara-o a principio por afinidade de temperamento, pela irresistível conexão do
instinto luxurioso e canalha que predominava em ambos, depois continuou a estar
com ele por hábito, por uma espécie de vícios que amaldiçoamos sem poder largá-
lo; mas que desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com sua tranqüila
serenidade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de
apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior.
A natureza define o destino dos personagens, o meio, o lugar, as pessoas com que
convivemos e o momento têm um papel importante no condicionamento do ser humano, da
sua personalidade e de seus ideais.
Eliane Brum, repórter consagrada, colunista do Jornal Zero Hora em seu livro de
crônicas “A Vida que Ninguém Vê”, conta historias reais de pessoas que a sociedade esquece,
discrimina, deixa de lado. Eliane nos mostra a realidade mais penosa e invisível da vida
alheia. Onde “Cada crônica é também uma leitura de mundo, um olhar diferenciado para a
realidade, uma mudança de ângulo e, mais do que um convite, uma intimação á reflexão
critica.” (LINNÉ, 2011, p.29) Ela caminha pelos relatos, ela mostra aquilo que Aluisio
Azevedo não viu, que é o lado emocional das pessoas, é mostrar seus sofrimentos, suas
angustias, seus sonhos e suas dificuldades.
Em um de seus relatos, que leva o titulo “História de um Olhar”, Eliane conta a
história de Israel, um homem de 29 anos, malcheiroso, sujo e desajeitado. Sem oportunidade
de estudar, todos os dias ele ia até a frente do colégio, onde via que as crianças que ali
entravam recebiam comida, coisa que ele não tinha todos os dias. Israel chegou até a escola
com fome. Fome de lápis, de comida e de carinho.
Esse olhar começou a se expandir, e Israel já estava na sala de aula, junto com seus
colegas, mais novos, mas ele não se importava, o importante era estar naquele ambiente
aprendendo, se divertindo, voltando à infância. Influenciado pelo meio em que estava
frequentando, Israel passou a tomar banho, a ir para a escola limpo, a ir para casa e ficar
estudando e não sair pelas ruas. “Ganhou roupas, ganhou pasta, ganhou lápis de cor. E no dia
seguinte, Israel chegou de banho tomado, barba feita e roupa limpa.” (BRUM, 2006, p.24)
Ao fim de analisar as duas obras, juntamente com um de seus personagens,
percebemos que ambos retratam vidas aparentemente insignificantes, em diferentes épocas,
onde há a influência do meio no comportamento humano, e como ele age no caráter das
pessoas, sendo Jerônimo degradado pelo meio em que ele vive, ou sendo por Israel que
mudou para melhor, que foi beneficiado pelo meio em que ele passou a conviver.
Ambas as obras tratam de uma questão, que é a desigualdade social. Aluisio, no
começo dos anos 90, já retratava este problema, que em meio ao cortiço havia o rico que
discriminava e se aproveitava do pobre. E Eliane retrata que ainda hoje há pessoas passando
fome, morando nas ruas e outras que possuem até demais.
Porém o modo em que ambas foram escritas se divertem. “Aluísio Azevedo, em que,
ao satirizar, põem a faca impiedosa na hipocrisia, câncer social de todos os tempos. Também
os nossos.[..]sua escrita é dura, fluente, com agudeza do fio de lâmina, atacando as alienações
de uma sociedade apodrecida e ilusória” (NEJAR, 2007, p.161). Já Eliane Brum com uma
linguagem envolvente e encantadora, nos faz fixar os olhos na história que ali está sendo
contada, é uma busca pelos excluídos que preenchem e povoam a realidade.
REFERÊNCIAS
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 38ªed. São Paulo: Cutrix 1994.
BRUM, Eliane. A Vida que Ninguém Vê. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2006.
NEJAR, Carlos. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2007.