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Prólogo

Neo Big Bang


As luzes multicoloridas do centro refletiam nos olhos cor de ônix de Cydrick.
Era sempre assim, todo dia que decidira ir passear no centro da cidade aquilo acontecia,
mesmo tendo dezessete anos, acabava olhando para os holofotes coloridos como uma
criança de três. O clima estava frio, por volta de dezoito graus, mas por causa do
movimento das pessoas, aquelas ruas acabavam sempre ficando abafadas. Pode sentir
uma gotícula de suor escorrendo pela testa, a limpou com a ponta do dedo.
Levantou o capuz do casaco e levou os fones de ouvido para as orelhas, pegou o fixer
no bolso, começou a tatear a tela. Passou pela interface de inicio, que mostrava as
noticias do dia e o clima, havia acertado, realmente estava dezoito graus Celsius.
Moveu a tela para o lado e ligou a rádio, sintonizou em uma estação qualquer e logo
pode começar a escutar o chiado.
Aos poucos, o chiado fora se transformando em uma musica. Era uma voz rouca que
cantava, ao fundo podia se ouvir uma guitarra elétrica e algumas batidas, feitas com
programas de computador. Era um mistura do extinto roque combinado com a banida
musica eletrônica , estava tocando um uma rádio fantasma. Cydrick sabia das
conseqüências que iria ter caso fosse pegou ouvindo isso. Iria ser levado para um Centro
de Representação do Estado, onde passaria a noite ou iria ser dado como terrorista e iria
ser executado, era assim que Nova- Asteca punia as pessoas que se recusavam a escutar
a rádio do Estado.
Olhou para cima e viu o céu sem estrelas, coberto por uma fumaça cinza e fétida. Os
prédios enormes recheados de luzes azuis e vermelhas acendiam a cidade, deixando os
postes de iluminação praticamente inúteis. Cydrick focou- se a olhar para o alto do
Biling, o mais alto arranha céu do centro, era um prédio comercial, quadrado, de
paredes cinzas e janelas de vidro escura que reluziam em contraste com as lâmpadas
LED azuis e brancas que brilhavam nas laterais. No topo se via uma projeção de um
relógio, marcava exatamente:
21:45
Cydrick se pôs a andar mais rápido. Atravessou a rua e não ligou se o semáforo estava
verde ou vermelho, teve sorte de não ser atropelado. Esbarrou em uma mulher grávida,
sua barriga enorme e sua expressão cansada o fizeram deduzir. Ela o xingou, mas
Cydrick não deu atenção. Continuou a rumar rapidamente na direção do portão para o
Setor 7.
O portão, como o próprio nome diz, eram enormes duas portas de aço maciço, feito
para controlar a passagem para o Setor 7. Ficavam na muralha, um imenso muro feito
do mesmo material, que impedia que as pessoas transitassem livremente pelos Setores.
Quando chegou na frente do portão Cydrick pensou, que exagerado. O portão era
realmente enorme, mas não entendia para que ser tão colossal, se usavam apenas uma
pequena cabine para a passagem.
Caminhou até a cabine que ficava no meio do portão. Era quadriculada, um balcão de
ferro cinza dividia os militares das pessoas que passavam. A iluminação lá dentro era
forte, o que deixava o lugar desconfortavelmente abafado. Um soldado que estava
parado na porta encarou Cydrick por alguns segundos, ele era alto e magro, cabelos
loiros cortados no penteado do estado — as laterais raspadas com a parte de cima
penteada para trás. Ele caminhou até Cydrick e disse:
— Preciso ver o seu ID. — Ele esticou e abriu a mão.
Cydrick o encarou de volta, seus olhares se encontraram e ele pode ver a imensidão
azul que era o olhar do soldado. A farda escura fazia ele parecer musculoso, mas depois
de o medir dos pés a cabeça, Cydrick pode ver a farda era muito grande. Tirou o fixer
do bolso, colocou no seu ID e mostrou ao oficial.
O soldado loiro anuiu com a cabeça.
— Está tudo certo. — Ele caminhou até o fundo da sala, tateou o painel com luzes
azuis e uma porta cinzenta correu para o lado, mostrando a entrada para o Setor 7,
aquele era o verdadeiro portão.
1
Irmandade
O dia em Nova- Asteca nunca amanhecera com céu azul anil e o sol raiando, e agora
não fora diferente. O céu estava cinzento, com de chumbo, com a nuvem de poeira
atômica o cobrindo, o sol não era visto, mas seus raios eram perceptíveis. O vento
soprava úmido a leste, e uma sacola plástica voou conforme a brisa, acabou parando em
um dirigível.
Cydrick estava no topo do edifício Billing, em pé em um fino e enorme pináculo, onde
estava observando a cidade inteira, imponente acompanhando a brisa. Estava vestindo
um sobretudo escuro, com uma calça da mesma cor e nos pés estavam coturnos, iguais
os de soltados. Pode sentir o vento bater em sua cara e balançar a ponta solta do
sobretudo, os botões da roupa titilaram ao balançarem com o vento. Ele virou o pescoço
para trás, não viu nada além de prédios, um horizonte cinza e vários dirigíveis do
Estado. Eram zepelins, aeronaves com uma enorme tela na lateral, que exibia
continuamente a imagem do emblema de Nova- Esteca — um escudo prateado, com
um H dourado no meio, envolto de uma fita vermelha.
Encarou tudo aquilo, cerrou o cenho. De repente, nuvens escuras começaram a brotar
no céu. A chuva começou a cair depois que um trovão fez o pináculo do prédio tremer,
as pernas de Cydrick vacilaram, mas ele não perdeu o equilibro, estava em pé, ereto,
como um felino preciso. As gotas de água o alvejaram a cara, e, mesmo com o
sobretudo tendo capuz, ainda estava com a cabeça nua.
Pode sentir cara gotícula de água o acertando, no nariz, na boca, nas orelhas. Era como
se estivesse sendo lavado. As luzes da cidade se acenderam, primeiro os postes, depois
os prédios e em seguida os comércios. A cidade estava como era, um centro de luzes
brilhantes e pessoas fúteis, que desfilavam para todos os lados com suas roupas
extravagantes e seus fixer’s lotados de coisas desnecessárias.
Cydrick colocou um pé para frente, e sua queda fora involuntária. De repente, todo o
equilíbrio de felino se desfez em um desespero de uma criança. Quando pensou em algo
já estava caindo, em plena queda livre. Olhou para o seu destino, o chão, iria cair no
meio de uma avenida, com carros passando a todo o instante., fechou os olhos.
O cheiro da cidade,de maquinas e poluição, se transformou em cheiro de mar, uma
aroma salgado e fresco. Cydrick abriu os olhos e viu o chão que estava prestes a se
chocar se transformar em uma oceano azul,limpo de qualquer tipo de poluição ou
radiação atômica. Mergulhou na água como um foguete, pode sentir a pressão, seu rosto
sendo rasgado como se estivesse mergulhado em um palheiro de agulhas.
Nunca havia nadado antes, nunca havia ido para o mar. Começou a se debater, tentando
chegar à superfície, mas ela parecia cada vez mais longe. Cydrick começara a se afogar,
pode sentir a água entrar pelo nariz e atingir os pulmões, os olhos estava abertos,
mesmo com o sal da água os queimando.
Sua visão começou a escurecer e a embaçar, os pulmões se encheram de água. Jogou
uma mão para cima, na esperança que alguém o puxasse, mas isso não aconteceu, caiu
na escuridão profunda.
Acordou.
Ergueu- se assustado. Estava transpirando, espirando ofegante, com o coração
parecendo que iria sair pela boca. Pode ouvir todas as batidas cardíacas, até se acalmar.
Começou a controlar a respiração, contou até dez, soltou o ar em seus pulmões. Limpou
a testa, que a essa altura estava reluzindo com as gotículas de suor que brotaram
involuntariamente. Jogou o fino cobertor de lado e colocou os pés no chão, enquanto
encarava o piso com os cotovelos apoiados nas coxas, para sustentar o rosto, pensou.
Nunca tivera um sonho tão estranho. Fazia meses que não sonhava, e agora sonhara
aquilo. Tentou achar algum sentido entre as coisas, o prédio Billing, o pináculo onde
ficava projetado o relógio, os carros, o concreto da avenida se transformando em água, o
oceano. Tentou juntar todas essas coisas como uma criança juntava um quebra- cabeça,
falhou. Não viu sentido no sonho.
Levantou a cabeça e olhou ao redor, estava no seu quarto. Um cômodo quadrado de
paredes cinzas, chão branco com um tapete redondo verde no centro, no canto esquerdo
ficava sua cama e no direito seu armário ao lado da janela. Pegou seu fixer na cabeceira
da cama. Fixer eram aparelhos distribuídos pelo o governo, afim de suprir as
necessidades das pessoas, eles falavam hora, dia, local, temperatura, além de enviar e
receber mensagens de texto e fazer chamadas de voz, além de outras utilidades. Eram
aparelhos finos, retangulares e de alta resistência. O de Cydrick era preto, não por
escolha pessoal, mas fora o que lhe deram.
Encaixou o aparelho na mão e começou a mexer, poderia passar horas vendo as noticias
do dia, ou fuçando em novos aplicativos criados, ou até mesmo escutando as rádios
fantasmas, mas deixou essas idéias de lado quando viu a hora.
05:56
Devolveu o fixer a cabeceira e levantou- se da cama lentamente, se assemelhava com
um gigante levantando de seu sono profundo. Caminhou lentamente até o banheiro, um
lugar estreito do azulejos e chão brancos. Encarou- se no espelho por alguns segundos.
Cydrick era alto, por volta de um metro e setenta, magro e ossudo, olhos escuros e
expressivos que pareciam não terem íris, sobrancelhas expressivas e pele morena
intensa, tom marrom escuro. Os cabelos eram curtos, raspados na semana passada. Ela
abriu a torneira e molhou o rosto.
Em exatos quinze minutos Cydrick já estava pronto. Havia tomado banho, escovado os
dentes, colocado o uniforme da escola, uma blusa branca com o brasão de Nova- Asteca
no peito direito, e arrumado a mochila — na verdade era uma bolsa lateral, mas ele
tinha costume de chamar a bolsa de mochila.
Caminhou até o armário, com um movimento suave arrastou a porta para o lado. As
roupas estavam em seus devidos cabides, nenhuma peça jogada, Cydrick refletiu
rapidamente que era diferente de todos os meninos que conhecia, ele era organizado,
muito organizado. Arrastou um cabide para a direita e depois arrastou dois para a
esquerda, puxou o cabide onde estava sua jaqueta. Era um moletom fino, sem estampa
alguma, com apenas um capuz de diferente.
No instante que devolveu o cabide para o guarda- roupa viu algo no fundo, algo que ele
havia escondido de si mesmo. Eram três alvos, redondos, verdes e vermelhos. Ele
mergulhou no fundo do armários e os pescou, sem desarrumar uma roupa sequer.
Quando emergiu, estava com os três alvos de madeira na mão. Olhou para a parede do
quarto e viu os pregos onde eles ficavam. Os pendurou novamente. Retrocedeu alguns
passos e encostou na cabeceira da cama, pegou uma pequena caixa escura ao lado do
fixer, abriu. Viu seus dardos, eram pequenos mísseis vermelhos, com agulhas nas pontas
e penas artificiais atrás. Pegou um e virou o resto da pequena caixa na cabeceira, os
dardos rolaram e caíram não chão, alguns seguirão para debaixo da cama, outros caíram
fincados no tapete verde escuro.
Retrocedeu alguns passos e se concentrou, de repente, havia se desligado do mundo,
não estava mais escutando os barulhos esternos, as turbinas dos dirigíveis haviam se
silenciado, os barulhos do povo do Setor 7 haviam cessado. Jogou o pulso para frete
com toda a força e o dardo saiu de entre seus dedos indicador e maior. Atingiu o centro.
Cydrick deu um leve sorriso, e, apesar de ter acertado, ainda não estava feliz. Com a
caixa esvaziada, ele começou a chacoalhá- la, o fundo falso se desprendeu, assim
revelando o que ele guardava. Facas de arremesso, eram pequenas, curtas e letais.
Tinham a lamina prateadas, tão limpas e arejadas que pareciam brilhar por contra
própria. Cydrick pegou duas.
Jogou uma contra o alvo da esquerda, havia acertado em cheio. Jogou a outra e
conseguiu acertar também. Por um instante refletiu, as facas eram atiradas de sua mão
tão rápido que não dava dentro de as ver girando no ar, eram pequenos mísseis de metal.

Cydrick desceu as escadas depois que arrumara o quarto. Havia guardado os alvos
novamente, e depositado as facas e dardos na pequena caixa. Não gostava de quando
alguém da Irmandade entrava em seu quarto e perguntava:
“Pra que todas essas facas?”
Isso já ouve de calhar um vez, fora quando decidiu que não faria diferença guardar seus
dardos e alvos quando terminasse de usar .
A casa da Irmandade não era grande, tinha apenas três quartos, sendo que eram cinco
jovens que moravam lá, uma sala de estar, uma cozinha e três banheiros, por sorte, o
quarto de Cydrick era um dos premiados.
Quando chegou a sala, Cydrick pode sentir o vento gélido que a janela aberta deixava
transpassar. Iria fechá- la, mas lembrou- se que o trinco estava emperrado e iria fazer
muito barulho. Will estava no sofá, dormindo como fazia todos os dias. Ele era um
jovem alto, pele pálida, sobrancelhas grossas e escuras. Will era calmo, mas odiava ser
acordado, e quando isso acontecia, a única coisa que falta acontecer era soltar fogo pelas
ventas
Cydrick cruzou o cômodo nas pontas dos pés, até que chegou á cozinha. Pode colocar
as solas no chão. A cozinha era um lugar agradável de se ficar, com paredes azuis e
armários por todas as partes, uma mesa redonda no centro e no canto uma porta para a
varanda.
Apoiada na bancada estava Wanda. Ela era a mais velha de todos ali, tinha dezenove
anos, um emprego estável e uma personalidade forte. Era ela relativamente alta para
garotas, mas compartilhava a mesma altura com Cydrick, os cabelos eram curtos e
penteados para o lado, nos olhos, uma maquiagem escura fazia contraste com a pele
clara.
Ela estava o encarando, com uma xícara de café quente na mão, com os olhos castanhos
cerrados, parecendo um felino analisando a presa.
Cydrick hesitou por alguns instantes, mas conseguiu caminhar até a mesa, puxou uma
cadeira, se sentou.
— Você não parece que teve uma boa noite de sono. — Ela disse, depois de analisar a
expressão de cansada de Cydrick. — O que foi? Esqueceu de sonhar com carneirinhos?
— Não é isso, tive um sonho estranho mesmo. — Ele respondeu, com uma mão na
cara. — Sonhei que estava no topo do Billing, na torre do relógio, cai de lá de cima e
mergulhei na água, depois disso eu morri.
Wanda ficou continuou com a expressão neutra, apenas ergueu uma sobrancelha.
— Você precisa descansar um pouco. — Ela sugeriu. Se desgrudou do balcão e deu um
gole na xícara de café, comum passo fora na direção da geladeira e a abriu e pegou uma
caixa e leite, deu para Cydrick. — Você também precisa aprender a trabalhar de manhã.
— Desculpe. — Ele disse, ainda estava de cabeça baixa. — É que lembrar daquele
sonho me deixa um pouco tonto.
Ele encarou o leite, estendeu o braço e abriu um armário para pegar uma xícara,
estendeu o braço para pegar a cafeteira em cima da pia, mas Wanda surgiu e deu- lhe
um tapa na mão. O tapa não havia doido, apenas fizera um estalo.
— Ai. — Ele gemeu, recuou a mão e a deixou perto do peito. — O que foi dessa vez?
— Já disse. — Ela franziu o cenho e a maquiagem escura pareceu se mexer. — A
cafeteira é minha.
Ela pegou a pequena jarra de café e deixou um pouco no copo de Cydrick. Ele arqueou
as sobrancelhas a encarando, ela retribuiu com um enorme sorriso. Ele colocou bem
pouco leite e pediu para ela pegar o açúcar.
— Esse sonho. — Ela disse depois que pousou o pote com açúcar em cima da mesa. —
Teve algo de mais nele?
— Não. — Disse Cydrick depois de acrescentar algumas colheradas de açúcar no café.
— Na verdade, eu achei que não iria sonhar, fiquei a noite inteira acordado, quando
cochilei, bem, acabei tendo isso.
— Passou a noite em claro?
— Passei. — Ele iria pedir a ela que pegasse algumas bolachas no armário, mas achou
que estava ficando muito folgado. Levantou- se e pegou os biscoitos no armário atrás de
si. Os colocou sobre a mesa e ofereceu a ela, Wanda negou. — Wag e Robby não
respeitam o sono de ninguém. Não importa como foi seu dia, você sempre acaba
ouvindo as caricias deles.
— Pensei que não tivesse preconceito. — Ela disse.
— E não tenho. — Respondeu. — Só acho um pouco de falta de respeito isso que eles
dois fazem.
— Qual é, Cydrick? — Ela disse isso de costas para ele, estava colocando mais café na
xícara vermelha. — Qualquer adolescente com mais de dezesseis anos faz sexo, isso é
normal!
— Não estou dizendo que isso não é normal. — Ele argumentou. — Só acho que eles...
gritam de mais...
— Quem grita de mais? — Perguntou Robby, que aparecera na cozinha. Ele eram alto,
pele bronzeada, corpo esbelto e malhado, tinha olhos verdes e cabelos escuros com
pontas tingidas de azul que, agora,estavam desarrumados. Ele vestia uma calça de
algodão e estava sem camisa. Se sentou a mesa ao lado de Cydrick e o fuzilou com seu
olhar esmeralda. — Espero que não estejam falando da minha intimidade.
— Não. — Cydrick negou, não queria arranjar confusão com Roberto,não de novo.
Lembrou- se rapidamente do dia que Robby o flagrou no quarto praticando arremesso,
ele havia começado a chamar Cydrick de esquisitão, apelido esse que só perdera força a
algumas semanas atrás. — Estávamos falando sobre escola, da gritaria que é a hora da
saída.
— Sei... — Robby disse, desconfiado. Ele revirou os olhos para Cydrick.
— Falando em escola. — Wanda disse aos dois. — Mocinho, você não vai mais para
aula? — Perguntara para Robby.
— Hoje eu vou faltar, estou muito cansado, trabalhei até tarde ontem.
— A conta de luz veio mais alta esse mês. — Disse Cydrick. — Podem deixar que essa
eu pago.
— Nada mais justo. — Robby disse, ainda tentando o provocar. — Afinal, mês passado
tive que cobrir as suas.
— Se for para ficarmos cobrando, posso fazer uma lista de quantas suas eu já paguei,
Robby. — Wanda o alfinetou. Ela lançou para ele o olhar de lince, de quando cerrava os
olhos, ele pareceu gelar. — Somos um grupo, uma Irmandade, temos que revezar.
Cydrick se levantou da mesa, arrumou a bolsa no lado do corpo, verificou os cadernos.
Se despediu de Wanda com um aceno, e ignorou completamente Robby. Saiu de casa
para não perder à hora

As ruas estavam frias, Cydrick foi obrigado a colocar o casaco, o vento frio era como
inúmeras agulhas de gelo, que lhe alvejavam o peito. Olhou para o céu e viu as nuvens
estavam cinzentas e indicavam sinais de futuras chuvas na parte da tarde.
Voltou- se a olhar para a rua, estavam fétidas e sujas, como todos os dias. Não havia
nenhuma luz acesa, o que fazia a cidade inteira perder seu encanto. A noite, as luzes
acesas transformavam aquelas ruas em verdadeiras atrações, Cydrck ficava
impressionado com tantas luzes, mas, aquela hora do dia tudo era apagado. Atravessou
aquela rua e passou por um beco, teve que pular para evitar uma lata de lixo tombada. O
beco pareceu se apagar por um instante, mas não demorou muito para Cydrick descobrir
o que era.
Uma sombra gigante pairava sobre o beco, era uma aeronave do Estado, um dirigível
blindado. Um bip alto soou e logo uma voz metálica e grossa falou.
“Atenção a todos, agora são exatamente seis horas e vinte e sete minutos. O Estado de
Nova- Asteca vem avisar a todos que hoje o toque de recolher vai ser mais cedo, a partir
das vinte e uma horas, todas as pessoas que forem encontradas na rua, serão levadas
para o CRME. Passar bem”
2
AERONAVES
Cydrick não poderia ter uma noticia pior que aquela.
Depois que o dirigível se afastou pode soltar alguns palavrões em voz alta, xingando
não só o Estado, mas os militares também. Fez um gesto obsceno para o céu, e só
recolheu o dedo quando um Drone passou pelo beco onde estava. Os Drones eram
aeronaves em miniatura, que faziam a vigilância pelas ruas, sempre eram comandados
pelos soldados, à distancia. Tinham carcaça escura e uma pequena metralhadora ao
lado, para atirar em casos extremos.
O Drone pareceu não notar Cydrick no beco, o que fez ele soltar um suspiro de alivio.
Para evitar complicações, resolveu sair daquele beco estreito e escuro e decidiu ir como
as outras pessoas, pela rua. Estava andando na calçada da Prole Avenida, os carros eram
poucos aquela hora da manhã, mas mesmo assim eram o suficiente para deixarem a rua
mais fedida do que já era.
Cydrick seguiu a Avenida Oito até chegar à entrada do metrô, uma escada rolante para
baixo. A placa acima da entrada indicava linha 9, era essa linha que ele precisava.
A plataforma do metrô era ampla, um chão liso com várias pilastras para sustentar as
ruas acima. Lâmpadas de luz esbranquiçadas no teto, e nas paredes haviam cartezes
eletrônicos feito de luzes azuis, que mais pareciam folhas azuladas que flutuavam no ar.
A plataforma estava praticamente vazia, eram poucas pessoas que pegavam o trem
subterrâneo àquela hora, e as que pegavam, eram jovens. Adolescentes como Cydrick,
que ficavam conversando sobre as noticiais que eram soltas, das telenovelas que
passavam na televisão ou das marchas que tocavam nas rádios do Estado.
Os balbucios foram ficando cada vez mais altos, conforme mais jovens iam chegando.
Cydrick esticou o pescoço para tentar achar um conhecido, avistou Gyovanni em meio a
multidão. Gyovanni era alto, assim como Cydrick, tinha corpo ossudo e pouco malhado.
O rosto era fino com um nariz acidentalmente grande de mais. Os olhos eram claros e os
cabelos escuros, vestia roupas apertadas como a blusa da escola dois números menores e
um jeans três números mais apertados.
— E ai. — Cydrick disse, quando chegou perto dele.
Gyovanni se virou, e por um instante deixou de falar de falar com a menina ao seu lado
para cumprimentar Cydrick.
— E ai, cara. — Disse. Ele colocou a mão da menina ao seu lado, ela era baixa, corpo
não muito desenvolvido, rosto com alguns acnes, mas ela tinha um sorriso bem
simpático. Os cabelos escuros eram longos e caiam até a cintura. — Essa é Synd.
— Oi. — Ela disse para Cydrick, estendeu a mão para um aperto.
— Oi. — Cydrick disse. Apertou a mão dela. — Você é nova aqui?
— Sou. — Respondeu. — Era do Setor Nove, mas como as coisas pioraram lá, e eu
tinha uma tia que mora aqui no Sete, acabei por me mudar para cá depois que meus pais
foram mortos.
— Meus pêsames. — Cydrick disse. Se lembrou por um minutos das noticias sobre o
Setor 9, e mesmo Nova- Asteca manipulando e amenizando as noticias, elas ainda
pareciam bem feias. Uma onda de quebra- paus havia se alastrado pelo Setor, pessoas
não respeitavam a lei nem os oficiais, uma pequena guerra civil havia se formado,
Cydrick torcia para não se espalhar para os outros setores. — Sabe, também perdi meus
pais quando novo.
— Eu sinto muito...
Ele iria começar a falar palavras para consolar Cydrick — era o que todos faziam. Mas
quando Synd iria abrir a boca, o barulho dos trilhos eletromagnéticos rangendo e o bip
do metrô chegando a interrompeu. O alvoroço começou, todos começaram a entrar nos
vagões, pessoas se empurrado, até mesmo se xingando. Cydrick acabou por optar a
sentar- se no terceiro vagão, em um banco nos fundos, Gyovanni sentou- se ao seu lado
e Synd ao lado de Gyovanni.

A viagem para a escola não demorou mais de vinte minutos, o que seria uma eternidade
para Cydrick se fosse caminhando, de metrô foram exatamente dezessete minutos.
Durante o caminho eles foram conversando sobre o confronto no Setor Nove, a perca de
Synd e sobre a nova vida dela na casa de sua tia. Ela havia se mostrado apta a esquecer
o Setor Nove, começar uma vida nova no Sete. Conversaram também sobre as matérias
e as dificuldades de cada um, Gyovanni havia falado que tinha dificuldade com
números, Cydrick confessou que era péssimo na escrita. O clima no vagão havia
diminuído muito rápido, o que fez Cydrick emprestar seu moletom para Synd, que
estava se tremendo de frio.
Quando o vagão parou a voz artificial indicando que eles já haviam chegado à escola
avisou. O reboliço recomeçou, mas na saída Cydrick não ouviu ninguém se xingar.
— A escola fica muito longe dessa estação? — Synd perguntou. A alguns minutos atrás
ela tentou verificar no seu fixer o mapa, mas por algum motivo ele havia parado de
pegar. — Vamos ter que andar muito ainda?
— Se a escola fica longe? — Gyaovanni repetiu, com ironia no tom de voz.
Ela ficou calada, Cydrick apenas sorriu para ela.
Saíram da plataforma pela escada rolante automática. A mudança de temperatura fora
tão repentina que Cydrick tivera um sobressalto. Dentro do metrô, estava gelado, mas
fora da plataforma, estava abafado. Synd tirou o moletom e devolveu para Cydrick,
agradeceu logo em seguida.
Cydrick pegou o casaco de volta e olhou para o outro lado da rua, a escola
definitivamente não ficava longe da estação.
O semáforo pareceu ficar verde para eles, justo na hora que eles foram passar. Um
ruído forte de um Drone rasgou o barulho dos motores dos carros. Cydrick olhou para
cima e viu as aeronaves voando em cima da escola, eram três, o que era completamente
incomum. Normalmente era apenas uma, mas o que havia ocorrido para que Nova-
Asteca providenciasse mais duas?
— A estação de metrô fica bem perto da escola. — Synd comentou. — Lá no Nove
ficava longe, tinha que andar três quadras para chegar à escola.
Gyovanni e Cydrick pareceram não se importar com o comentário da menina, apenas
prestavam atenção nas aeronaves que pairavam sobre a escola, troaram olhares
desconfiados. O Drone que sobrevoava a rua observando os alunos foi embora, voou na
direção do céu cinzento, provavelmente fora voltar para um dirigível, que era onde era
controlado remotamente.
Synd tentou usar seu fixer, agora estava pegando.
— Vocês ouvem rádio? — Ela perguntou. — Ontem eu escutem uma musica bem legal
na rádio Neo Gen.
— Essa rádio é podre. — Cydrick desdenhou. — É uma das três rádios controladas por
Nova- Asteca.
— Mas só existem três rádios. — Disse Synd, seu tom era de apelo, infantil. — Neo
Gen para os jovens, Folk para adultos e RONA para as noticias.
— Já tentou ouvir rádios fantasmas? — Gyovanni sugeriu. — Tocam musicas muito
boas.
— As rádios ilegais? — Disse ela, assustada. — É crime ouvi- las.
— Eles não conseguem ver o que a gente está escutando. — Disse Cydrick. — Eu ouço
muito as rádios fantasmas, nunca me aconteceu nada. Os Drones são os únicos que
conseguem captar a freqüência dos nossos fixer’s, ou seja, quando um Drone passar é só
desligar.
Eles finalmente haviam terminado de atravessar a enorme e larga avenida. Chegaram a
calçada junto com os outros estudantes. Os portões da escola estavam abertos,
esperando a entrada dos alunos,dois guardas armados com fuzis de calibre leve
esperavam os alunos entrarem.
As nuvens escuras começaram a aumentar no céu, como fungos em uma caixa velha
abandonada, foram tomando conta de tudo, até o céu estar inteiramente escuro, o dia
havia se transformado em noite. As finas gotículas de água fizeram todos os estudantes
entrarem, com todos dentro, os portões se fecharam.
Eles entraram e chegaram ao pátio principal da escola, uma grande área com mesas e
uma cantina. O teto retrátil agora estava fechado, para impedir a entrada da chuva. O
vento gelado começou a entrar pela escola, Cydrick achou melhor colocar o moletom
escuro.
— Então meninos. — Disse Synd. — Tenho que ir até a secretaria para acertar a minha
transferência, vou tentar ser rápida.
— Tudo bem. — Gyovanni respondeu. — Vamos para a sala, estamos te esperando.
Synd se separou deles e seguiu pelo corredor à direita, enquanto Cydrick e Gyovanni
seguiram pela esquerda. Eles não tinham assunto para conversar, Gyovannin não era o
melhor amigo de Cydrick, e para falar a verdade, Cydrick não tinha melhor amigo, a
pessoa mais próxima dele era Wanda, mas ela mais uma figura materna para ele.
— Então. — Gyovanni puxou assunto, parecia estar constrangido de falar com Cydrick.
— Vai com ela de volta para casa?
— Eu não sei. — Respondeu com tom de pensador. — Mas se eu voltar, podemos
voltar nós três.
— Desculpa, mas eu sei quando devo ou não participar.
— Do que está falando?
— Ela. — Disse Gyovanni. — Ela e você, digo, vocês dois. Ela gostou de você.
— Ela não gostou de mim, apenas se confortou comigo. — Cydrick virou o rosto,
observando o movimento no corredor. — Passamos pela mesma perda, só isso.
— Exatamente isso, ela encontrou conforto em você, — Ele insistiu. — Conforto em
todos os sentidos. Você não reparou na hora que o fixer dela deu problema? Ela estava
toda meiga em cima de você, se eu pudesse sair dali para deixar os dois sozinhos.
— Acho que está vendo coisa aonde não tem. — Disse Cydrick, quase sem paciência.
— Qual é, Cydrick? Você não precisa namorar ela, só pode ficar com ela e pronto, sem
compromisso.
— Não, obrigado. — Murmurou. — Esse já é o segundo qual é Cydrick que ouço hoje.
— Acho que já te entendi. — Gyovanni chegou a uma rápida conclusão, tão rápida que
Cydrick ficou desconfiado. — Você nunca fez isso antes, não é?
— Nunca fiz o que? — Ele perguntou, sem entender muito. Gyovanni não respondeu,
apenas o encarou com um olhar malicioso. — Mas é claro que já fiz isso. —
Respondeu. — Mas é claro que já beijei alguém.
— Quantas?
— Seis. — Deixou escapar. — Por que estou falando disso com você?
— Olha só, é pouco. Que tal aumentar esse numero para sete?
Cydrick cerrou os olhos,sua paciência com Gyovanni já havia acabado. O menino iria
insistir, mas quando olharam na sala de aula pode ver os olhos cor de ônix de Cydrick o
fuzilando. Parou e se sentou na carteira.

As horas dentro da escola pareceram passar bem lentamente. A ruído dos dirigíveis que
pairavam por cima do complexo escolar incomodavam a concentração não só de
Cydrick, mas de todos os alunos. A chuva começou a cair mais forte, o que os obrigou a
fecharem as janelas, a sala fora ficando quente, abafada, Cydrick fora obrigado a tirar o
moletom de pano escuro. Synd, que estava sentada atrás dele, pediu a blusa emprestado,
ele emprestou, e nesse momento Gyovanni fuzilou os dois com o mesmo olhar
malicioso que fizera no corredor, ela havia visto, e percebido. As aulas fora
extremamente entediantes, a primeira fora de historia do governo, segunda de Educação
militar, logo depois chegou a hora do intervalo. Não regressaram para a sala, mas sim
para a quadra de ginástica. Depois da Educação Física fora para a aula de matemática e
língua.
Depois de cinco horas, o sinal tocou e os alunos foram dispensados. A correria nos
corredores haviam começado, Cydrick havia reparado que as aeronaves ainda não
tinham ido embora. Fora andando pela janela, e mesmo com o vidro embaçado graças a
chuva, pode ver quatro dirigíveis, havia chegado mais uma.
— Você vem comigo? — Synd perguntou a ele. — Digo, embora, quero dizer, se
vamos embora juntos?
— Acho que não. — Disse. — Tenho que ir para o centro, eu trabalho. Onde está
Gyovanni? Ele pode te acompanhar.
— Ele saiu, disse que tinha que ajudar um amigo.
Cydrick revirou os olhos, entendeu rapidamente o que Gyovanni quis dizer com ajudar
um amigo.
— Então vamos. — Rumou até a porta, verificou se a bolsa estava aberta, fechou o
ultimo zíper, saiu para o corredor.
Os corredores já haviam se esvaziado e a escola estava praticamente vazia. Ela agarrou
no braço de Cydrick, ele não soube se fora porque ele andava muito rápido, ou porque
ela o queria. Rumaram até o pátio, Cydrick comprou dois lanches na cantina, um para
ele, outro para ela. Saíram da escola, atravessaram a rua, foram para a estação.
— Eu vou ter que te deixar aqui. — Ele disse. — Preciso ir para o centro, tenho que
pegar outra linha.
— Não tem problema. — Ela anuiu com a cabeça. Deu uma mordida no lancha que
ganhara do menino a poucos minutos atrás — Sei chegar em casa sozinha. — Sorriu, as
maças do rosto dela brilharam.
Um voz robótica ecoou pela plataforma, avisando que o trem que ia para o centro
estava prestes a passar, em menos de três minutos.
— Acho que essa é minha deixa. — Ele disse.
Ele fora caminhando até a ponta da plataforma, mas ela o puxou pelos dedos ossudos.
Ele estava com as palmas suadas, suas mãos tremiam e sua voz já estava falhando. Ela o
puxou, e quase que o dedos de ambos escorregaram. Ele se virou e começou a encará-
la, os olhos dela que até então eram escuros, começaram a ficar caramelo
— Sabe, Cydrick. — Disse com os olhos brilhando. — No Nove, eu tinha um
namorado. Ele era parecido com você, alto, magro, gente boa. Nós tínhamos muitas
coisas em comum, então, assim como meus pais, ele morreu nos confrontos.
O coração de Cydrick estava batendo forte, parecia que iria saltar tórax a fora. Sua
garganta secou a estação que já parecia estar deserta, agora realmente estava vazia, não
se via ninguém ali, além deles e das lâmpadas esbranquiçadas. Ela apertou a mão dele
com mais força e as palmas suas estavam coladas. Ele deu um passo a frente e pode
sentir o coração dela batendo.
— Sinto muito. — Foram apenas duas palavras que conseguiu dizer, a garganta estava
emperrada.
Ele a envolveu com os braços em um abraço caloroso, teve a impressão de sentir ela
solução. Quando estavam se separando, ele a beijou. Fora um beijo rápido, já que o
metrô dele não iria tardar a chegar. Ela parecia inexperiente, mais inexperiente que
Cydrick. No final, ele achara bom, a boca dela tinha gosto de cereja.
Eles tiveram que se soltar quando o vagão dera o ultimo bip de partida. Ele não queria
solta- la, queria ficar ali agora, com ela, queria ampará- la, compartilhar as dores, mas
não podia. Entrou no vagão de cabisbaixo, mas com uma certeza, a veria na manhã
seguinte.
Pela a janela ela a viu, os cabelos pareceram se balançar com um brisa gelada que
passou por lá. Ela disse por fim:
— Vou escutar as musicas que vocês me disseram. — Ela sorriu.
Suas bochechas estavam coradas, e os cabelos balançando com a brisa.
Ela desapareceu quando o vagão entrou no túnel sem iluminação.
3
MC VANNIt
Cydrick se sentou- se em um banco perto do final do vagão.
Ele ainda estava com o coração batendo forte, o cheiro e gosto de cereja não saíram de
sua boca, torceu para que não saísse tão cedo, não queria esquecer- se de Synd tão
rápido. Voltou- se para a realidade quando seu fixer começou a vibrar no bolso, tivera
um leve sobressalto e enrijeceu os ombros. Pegou o aparelho no bolso, era um
mensagem de vídeo, colocou os fones de ouvido, clicou para vê- la.
Eram duas siluetas escuras em plano médio, com a luz esbranquiçada saindo de trás. A
da direita era uma mulher, tinha cabelos longos e seios consideravelmente volumosos.
Ao seu lado estava um homem, magro e com cabelos mal arrumados. Eles estavam no
que parecia ser um hangar, era cinzento e o metal da parede traseira refletia a luz branca
que saia de trás dos dois.
A boca da silueta feminina se mexeu, e a voz robotizada e editada saiu seca:
— Olá, Cydrick. Sabemos quem você é, sabemos o que é capaz de fazer, queremos a
sua ajuda. Nos encontre na estação abandonada.
A transmissão terminou, a tela do fixer ficou cinzenta, com chuviscos para todos os
lados. Os ruídos que começaram a sair dos fones de ouvido obrigaram Cydrick a retire-
los. Os ouvidos começaram a coçar, algo o incomodava não só suas orelhas, mas sua
cabeça.
O que era aquilo que havia acabado de acontecer?
Uma mulher e um homem, em um galpão metálico, falando que o encontraria na
estação abandonada. Ainda estava tentando processar aquelas informações. Como assim
sabiam quem ele era, e o que ele fazia? Um calafrio se instalou na espinha de Cydrick,
os dedos na tela cinzenta do fixer gelaram, sua mão, agora trêmula, quase deixou o
aparelho escapar. Lentamente, deixou o fixer no colo, enquanto olhava para a janela do
outro lado do vagão.
Já estavam fora do Setor Sete, o trem já havia chegado à Cidade Central. Os prédios
baixos de cinco a seis andares deram lugar a construções colossais, arranhas céus que
pareciam alcançar a nuvens de fuligem atômica. Eram finos, elegantes e brilhantes, e as
finas gotas de chuva refletindo tudo que as lâmpadas multicoloridas iluminavam, fazia
tudo ficar mais brilhante. No centro da Cidade, estava o edifício Billing, e no topo do
pináculo, a projeção do relógio. O relógio era azul, com doze riscos pretos que
indicavam as horas, e ponteiros vermelhos que eram os minutos, curiosamente, para
quem não soubesse ver as horas do jeito tradicional, existia uma projeção digital na
parte de trás do relógio, Cydrick percebera isso quando forçou a vista para ver melhor.
Já eram quatro da tarde.

O vagão se encheu quando ele passou pela a primeira estação de metro que havia na
cidade. Eram diversas pessoas, magras, altas, baixas, gordas, mas Cydrick não quis
prestar atenção em ninguém. Uma senhora sentou- se ao seu lado, ela conversavam com
uma moça de meia idade, falaram sobre a vida no Setor Cinco, sobre a revolta no Nove,
sobre as noticias que passavam na radio, sobre as telenovelas. Coisas que Cydrick
desprezava com todas suas forças.
Quando deixou o vagão, na linha três, pode sentir a mudança de temperatura. O ar
quente e úmido ao mesmo tempo do vagão se transformou em uma brisa cortante, que
lhe atingia a cara continuamente. Se aqui dentro está assim, imagina lá fora, pensou
para si mesmo, se arrependeram por trazer uma blusa tão fina. Vestiu o moletom escuro,
colocou o capuz, não hesitou em sair pela escada rolante.
O vento gélido da estação ficou pior quando ele alcançou a saída. A brisa gelada
parecia que iria congelá- lo, suas respiração era marcada no ar com um nuvem de
fumaça esbranquiçada. A tarde chuvosa estava escura, já parecia estar de noite. As
luzes multicoloridas brilhavam como sempre, iluminando a cidade por completo. As
fachadas das lojas iluminavam as ruas mais escuras.
Cydrick seguiu pela Avenida 35, fora contemplando as fachadas coloridas das lojas.
Uma floricultura brilhava com luzes verdes e vermelhas, com uma facha eletrônica
repetindo as letras JH. Uma loja de roupas fazia seus manequins brilharem, e os cartazes
eletrônicos que exibiam os preços, faziam a demonstração das roupas com modelos
contratados.
Cydrick se pegou olhando atônito para todos os lados, como uma criança vendo os
bonecos de ação de uma galeria de colecionador. Ajeitou a expressão, tentou manter a
postura, não conseguiu. Adorava aquele lugar, e, mesmo as ruas sendo fétidas, aquela
ambientação com luzes coloridas o fazia se sentir bem. Virou na esquina da rua e
caminhou por cerca de mais cem metros, esbarrou com uma mulher baixa, de cabelos
dourados e rosto cansado. Ela não o viu, estava olhando atentamente para seu fixer, que
levava na mão rente ao corpo.
— Filho da puta. — Ela murmurou. — Será que não vê por onde anda?
Cydrick ficou boquiaberto. Ela que havia esbarrado nele, por que ela estaria o
xingando? Esperava pelo menos um pedido de desculpas, ficou a encarando, mas ela se
virou e desaparecera quando virou a esquina.
Voltou a olhar para frente, estava na Avenida 37, uma rua larga, com um enorme
semáforo que controlava o cruzamentos dos carros. Olhou para cima, viu o telão no topo
de um pequeno prédio, talvez o menor dali, deveria ter no mínimo quarenta andares,
Cydrick palpitou mentalmente. Passava uma propaganda, pessoas chorando, morrendo,
tiros, balas, poças e poças de sangue. A cena mudou, em plano médio apareceu uma
mulher. Era bonita, rosto fino, nariz pequeno e traços encantadores. Os cabelos escuros
eram como o céu sem estrelas de Nova- Asteca, eram trançados e caiam pelas costas até
a altura da cintura, uma franja cobria o olho esquerdo.
O emblema do Estado apareceu logo em seguida, cobrindo a mulher e os soldados atrás
dela.
“Nova- Asteca, por um amanhã melhor que o ontem.”
Hera. Esse era o nome da mulher, a Lider de Nova- Asteca, a mulher que salvara o
mundo nos Dias de Travas, a Grande Salvadora.
Cydrick voltou para a realidade quando a campainha do semáforo tocou. A parte
vermelha ficara verde, e os pedestres puderam atravessar.

O trabalho de Cydrick não era longe da Avenida 37, ficava a duas ruas de distancias,
passando pela a rua 39 e 40 ele conseguiu chegar até a loja que trabalhava. Era uma
lanchonete grande, com uma fachada eletrônica do lado de fora, “MC Vannit”, essas
eram as palavras que não pararam de aparecer na fachada eletrônica de cor amarela,
essas eram as letras que Cydrick via praticamente todos os dias.
Entrou quando as portas automáticas se abriram, e, como elas eram de vidro, ele já
conseguiu ver por dentro. Um lugar amplo, com várias mesas e cadeiras espalhadas.
Sem fazer cerimônia alguma, andou até o balcão no final. Era uma bancada cinza, com
um computador ao lado e dois drones repousando ao lado, ao fundo, cartazes eletrônicos
coloridos mostravam as iguarias para se comparar. Comidas gordurosas que apenas
iriam acabar com o tempo de vida dos outros, mas eles adoravam.
Cydrick passou pelo balcão, e seguira pela porta metálica ao lado dos cartazes. Ele
pescou o fixer no bolso, com algumas tateadas na tela colocou na demonstração do ID.
Um pequeno sensor ao lado da porta soltou um laser de cor azul, analisando o ID de
Cydrick. A porta correu para o lado, assim abrindo passagem.
A cozinha fedia a óleo e carne artificial. Os fogões eram cinzentos, com uma capa de
gordura amarelada por cima, pela parede escorriam líquidos suspeitos de cheiro
duvidoso. Na frente de uma das chapas automáticas estava uma menina baixa, pele
morena e cabelos presos em um coque frouxo, Vhin. Ela o olhou por cima do ombro,
abriu um rápido sorriso.
— Oi, Cydrick! — Disse, sua alegria evidente era uma coisa que Cydrick não
conseguia entender.
— Oi. — Disse, acenou em seguida.
Seu olhar e tom desinteressado fez ela voltar para as chapas automáticas. Ela abriu uma
gaveta e tirou um hambúrguer pronto, apertou um botão em cima da bancada e a porta
metálica que dava acesso a cozinha correu para o lado, um Drone entrou. Era escuro,
largo e com duas hélices que giratórias . Ela preparou o lanche com uma rapidez
absoluta, colocou a carne do pão, mostarda, molho de tomate, cebolas e o resto dos
condimentos que Cydrick nunca soube o que eram. Colocou a sanduíche em uma caixa
de cor púrpura e a deixou em cima do Drone.
O pequeno robô automatizado saiu da cozinha, indo direto para mesa do freguês.
Cydrick parou de prestar atenção em Vhin, se apressou em se trocar. Nos fundos da
cozinha havia um pequeno cômodo, com armários e um pequeno banco. Tinha paredes
cor de chumbo e chão oleoso.
Colocar o uniforme de trabalho, uma camisa arroxeada com um boné de mesma cor,
não fora uma tarefa difícil. Quando voltou para a cozinha, viu Vhin, de frente a
geladeira revisando a quantidade de cebola.
— Fiquei sabendo que vai ficar até tarde hoje. — Ela disse, seu sorriso discreto parecia
insinuar alguma coisa para ele.
— É... — Ele respondeu seco. Quase nunca falava com Vhin, e quando falava, sempre
havia uma terceira pessoa para ser a ponte entre os dois. — Foi Jaien que te disse?
— Não, foi o chefe. — Ela se virou para ele, ainda estava agachada, seus olhos escuros
refletiam com a luz esbranquiçada da geladeira, Cydrick se lembrou de Synd na estação.
— Ele disse que eu posso sair mais cedo, já que você vai me cobrir.
Ela se levantou, fechou a geladeira e logo em seguida levou as mãos para trás do
pescoço. Tirou o avental roxo como se o nó já estivesse frouxo, sua expressão de alivio
fez Cydrick se lembrar de quando ele mesmo fazia aquilo. Ela soltou os cabelos, as
madeixas caíram para as cotas, ela as arrumou rapidamente, jogou o cabelo para o lado,
dando a impressão que tinha uma lateral da cabeça raspada.
Ela ficava muito mais bonita daquele jeito, ele pensou. Sua expressão de cansada havia
dado lugar para um expressão alegre, como se ela acabasse de ouvir a melhor noticia do
mundo. Arrumou os cabelos mais um vez, olhou para Cydrick, reparou que lhe
encarava estaticamente.
— Algum problema? — Perguntou, arqueou uma das sobrancelhas.
— Nenhum. — Respondeu.
Sem dizer mais nada, ela jogou o avental para ele, que pegou sem o deixar lhe atingir a
face. Ela saiu da cozinha pela porta metálica, que correu para o lado com um chiado
seco.
Na parede esquerda, uma projeção se formou. Era uma tela azul, com dois quadrados
vermelhos. Dentro de um estava um “Vennit Ico”, um sanduíche de picles e raspas de
limão, e um “Vannit cheese”, um com mais queijo que a maioria. Cydrick se perguntou
quem comeria um lanche com raspas de limão, mas eu serviço ali era fazê- los, não
questioná- los.
Amarrou o avental atrás do pescoço, foi para frente das gavetas automáticas.

Cydrick havia trabalhado duas horas a mais do que o habitual. Ficara no serviço das
dezesseis e quinze até as vinte e uma horas. Era de noite quando saiu do MC Vannit, já
estava seu o uniforme da trabalho, vestia um jeans largo com uma camisa de algodão
fino, o moletom escuro, o protegia do frio noturno da Cidade Central.
A chuva estava intensa, mas como faltava apenas uma hora para o toque de recolher,
não pode esperar ela diminuir. Com o capuz levantado, ele caminhava rapidamente,
voltou para a Avenida 37, atravessou a larga avenida sem nem mesmo olhar para os
semáforos, o movimento dos carros era baixo.
O eco da turbina de um dirigível sobrevoou Cydrick e as outras pessoas na calçada, que
também andavam apressadas, Cydrick pode reparar, nenhuma delas estavam usando
guarda- chuva. As luzes das fachadas coloridas pareciam falhar com as gotas de água
passando rapidamente, e, as ruas que já exalavam um cheiro ruim, soltaram um odor
pior ainda.
O dirigível acendeu uma enorme lanterna, que ficava na gôndola, que iluminou as
pessoas na calçada. Todos olharam atônitos para cima.
“Atenção” A voz metálica e robotizada do dirigível soou mais aguda que o esperado,
Cydrick pode sentir uma fornicação por dentro do ouvido. “Devido os conflitos do
Setor Nove, estamos avisando para todos que fiquem acordados essa noite. Durante a
noite, enviaremos um representante do Estado para buscar comida. Quem tiver uma
quantidade excessiva de comida será obrigado a doar metade para o Setor Nove.
Tenham uma boa noite, agora são vinte uma e cinco, dezenove gruas com previsão de
muita chuva.”
O enorme farol se apagou, e o olhar de desinteresse fora coletivo. As pessoas, que a um
minuto atrás olhavam com os olhos brilhantes para uma luz que vinha de cima, que
pareciam estar olhando para um milagre, agora estavam de volta com suas expressões
fechadas, trancadas como maçanetas eletrônicas. Olhos com rugas, olheiras e pés de
galinha, eram uma coisa comum, Cydrick notou isso quando passava pela multidão. Ele
esbarrava em várias pessoas, e diferente da mulher de mais cedo, eles não reclamavam,
já estavam muito ocupados murmurando algo sobre o racionamento de comida.
Chegar à estação pareceu não ser uma tarefa difícil, em poucos minutos Cydrick
conseguira chegar. Seu corpo estava completamente molhado, dos pés à cabeça, o
moletom pingava água, o jeans estava três tons mais escuros e a mochila era
praticamente uma pequena caixa d’água.
Por sorte ele tinha deixado os cadernos dentro de um saco a prova d’água, que havia
ganhado de Wanda há um mês atrás, pensara que não teria utilidade, até agora. Tirou o
capuz rapidamente, o que fez, involuntariamente, jogar um pouco de água para trás.
Quando olhou, havia acertado uma mulher, mas suas expressão de brava e
inconformada não deixaram Cydrick se desculpar, ela parecia que não iria perdoá- lo.
Ele entrou no vagão o mais rápido que pode, sentou- se em um assento perto da porta
de saída, repousou a mochila em seu colo, esperou o metrô começar a deslizar.

Wanda estava sentada no sofá, olhando atentamente a programação da televisão com


seus olhos de lince. Sua expressão estava séria, os olhos semicerrados e suas
sobrancelhas arqueadas. Vestia uma camiseta vermelha, e um calça casual de cor
escura.
Olhou pela janela da casa, viu a tremenda chuva que caia no lado de fora, estava
preocupada com Cydrick. Ele era o único a não estar em casa, e não iria demorar muito
para o toque de recolher começar, faltavam apenas poucos minutos para as vinte e duas
horas. Ela olhou para o outro lado, acompanhou com os olhos Robby sair da cozinha e
subir as escadas, ele levava duas canecas de chocolate quente, e estava com roubas de
frio como ela. Na metade do caminho ele lhe lançou um olhar, um misto de
arrependimento e ódio, ela não soube porquê.
Will se levantou, ele estava, como sempre, deitado no sofá. Seus cabelos escuros
estavam desarrumados, e apenas uma das sobrancelhas levantadas, ele encarava Wanda
como a quem exigisse uma resposta.
— Ele ainda não chegou. — Ela disse, a solenidade e controle de sua voz fazia Will,
que era uma pessoa calma, se lembrar o quão Wanda possuía autocontrole. Não era
comum a voz dela falhar, tremular, engasgar, Wanda sempre pareceu ter controle de seu
corpo por completo. — Faltam apenas quinze minutos.
— Relaxa. — Ele colocou a mão no ombro dela. — Vai dar tudo certo.
Interrompendo os olhares de Wanda e Will, a campainha soou. Ela se levantou do sofá
para ver quem era, seu coração palpitou por Cydrick, mas seu subconsciente dissera não
ser ele. Quando abriu a porta viu que sua mente estava certa.
Eram dois soldados do Estado
4
Facas Escarlate
Wanda teve um sobressalto quando encarou os dois oficiais. O que estava à suas
esquerda era um homem, alto, barba aparada, cabelos cortados no penteado do estado e
os olhos dourados pareciam estarem pegando fogo. À direita estava uma mulher, era
alta, poucos centímetros menos que o outro oficial, a pele era negra, cabelos cor do
chocolate presos em um coque e olhos concentrados, ela parecia que iria aplicar uma
punição severa a Wanda. Ambos vestiam a farda do exercito de Nova- Asteca — um
macacão escuro com pequenas tiras de ferro nos braços, o brasão no peito esquerdo e
um cinto com duas granadas, um coldre (com uma pistola), e uma arma de choque.
A oficial colocou uma mão no ombro direito de Wanda, e com um empurrou a tirou de
seu caminho. Certamente, eles queria algo, e não era a comida. Com Wanda fora do
caminho, ambos os oficias caminharam até o meio da sala, Will, que olhava assustado
para tudo aquilo, não soube o que fazer, ficara paralisado, apenas observando a situação.
Os soldados olharam em volta, pareciam estarem avaliando a casa inteira, foram atas as
escadas, não chegaram a subir e voltaram para o centro da sala, fitaram a cozinha de
longe, se quisessem comida, deduziu Wanda mentalmente, eles teria ido para lá. Mas ao
invés disso, eles permaneceram na sala, a oficial se debruçou e cochichou algo no
ouvido de seu parceiro de operações.
— O que vocês querem? — Wanda finalmente perguntou, e mesmo estando falando
com autoridades, não havia amenizado seu tom.
Os dois soldados olharam para ela. Will, que ainda estava estático, levantou as
sobrancelhas, seus olhos brilhavam, reparou Wanda, de medo. A oficial mulher deu um
passo à frente.
— Estamos atrás de Robby Ghuilam. Portador de ID um, nove, seis ,dois, dois, três,
cinco, três, sete, oito. — Ela fez uma breve pausa para respirar. — Ele foi convocado
para se juntar ao exercito. Na junta que irá para o Setor Nove, tentar restaurar a paz.
— Então não vieram buscar comida? — Wanda perguntou.
— Não. — O oficial de expressão brava fora quem respondeu. — A comida será
recolhida mais tarde, nós viemos atrás de Robby.
Wanda olhou para Will, eles trocaram olhares desconfiados. Ele fez um gesto com a
mão para ela, querendo indicar alguma coisa, mas parou quando os oficias olharam.
— Eu vou chamá- lo. — Wanda disse.
Ela caminhou até as escadas com passos rápidos e largos, suas pernas estavam
falhando, e seu estomago havia ficado vazio, era como se borboletas estivessem voando
lá dentro. Ela quase não conseguiu subir o primeiro degrau, algo naqueles soldados a
deixavam desconfiada, um pressentimento que saía de seu subconsciente. Por sorte,
Robby estava no topo da escada, com os cabelos desarrumados e o rosto nem tão
amigável.
Ele deu o primeiro passo para começar a descer as escadas.
— Robby! — Ela o chamou. — Dois soldados estão aqui para te ver.
— Diga a eles que eu estou ocupado. — Ele virou os olhos para Wanda.
— Isso é sério, Robby. — Ela disse, sua voz tremeu, Hobby arregalou os olhos. — Eles
querem te levar para o Nove.
Ainda espantado, Robby desceu as escadas, se perguntou no meio do caminho o que os
tais oficiais tinham de tão ameaçador? E o mais importante, por que Wanda estaria com
medo?
Os oficias os receberam de volta com olhares ríspidos. A mulher, olhava atenta para
Robby, como uma fera analisando a presa, ela o mediu dos pés a cabeça. O homem, por
outro lado, ficou apenas olhando em volta, analisando pela terceira vez a casa deles.
— Estou aqui. — Robby falou, seu tom de descaso havia dado lugar a uma entonação
séria e pontual, como um soldado. Ele bateu continência, para tentar impressionar a
oficial.
Ela lhe lançou um olhar de pena, algo que fez ele, Wanda e Will estremecerem. Robby
engoliu em seco, não podia revidar nem ao mesmo protestar.
— Robby Ghuilam, você foi convocado pelo décimo sétimo comando de Nova- Asteca
para servir ao pelotão militar que irá apaziguar o Setor Nove. — A oficial parecia mais
séria do que nunca. — Eu, Anha Hund, e meu parceiro de operações, Alerg Clain,
estamos aqui para te levar.
Robby e Anha trocaram rápidos olhares, Wanda pareceu que viu faíscas saírem dos
olhos deles. O soldado, que agora estava com a mão no coldre, estava fiando a disputa
ocular. Ele deu um passo a frente e disse calmamente:
— Caso se recuse ir por livre e espontânea vontade, vamos ser forçados a levar você.
— Vão se fuder. — Robby disse em reposta, seu descaso havia voltado, os olhos
estavam revirados e a língua para fora. — Peguem logo a comida e sumam.
— Já que é assim... — A oficial respirou fundo, pareceu contar mentalmente até três,
soltou o ar dos pulmões. — Teremos que eliminar vocês. — Ela disse, sem precedentes
algum.
O soldado tirou a pistola do coldre e a colocou contra a face de Wanda. Era uma arma
de corpo escuro, de um metal reluzente, o cano era quadriculado e a mira a laser na
parte de baixo queimava a rotina da menina aos poucos. Ela olhou atônita para dentro da
arma, tinha vontade de sair da linha de tiro e pular em cima de Robby, o enforcar e bater
até ele perder a consciência, mas não podia. Suas pernas vacilaram, e sua respiração
acelerou, iria dizer algo, mas a oficial fora mais rápida.
— Isso foi um claro sinal de rebeldia. — Ela franziu o cenho, e seus olhos escuros e
sem vida pareciam estar brilhando agora, um sorriso sádico havia brotado no canto do
rosto. — Fora assim no Setor Nove. Mas agora será diferente, vamos conter vocês antes
que tentem algo contra o Estado. Damos proteção a vocês e é assim que retribuem? Por
isso não devem viver livres, vocês estragam tudo.
— Não somos livres! — Robby protestou. — Vivemos em uma falsa liberdade, vocês
monitoram tudo de suas aeronaves, com seus Drones e câmeras que acham que são
escondidas.
Ela tirou a pistola da cintura, apontou para a face dele.
— Robby, você é um rebelde que deve ser detido. Seus amigos são seus cúmplices,
também serão eliminados, pelo bem de Nova- Asteca. — Ela olhou para Wanda, que
não parecia muito feliz. Os lábios dela tremiam, ela parecia que iria voar na direção da
oficial e lhe bater até morrer. — Mocinha, você tem algo a dizer?
Wanda respirou fundo, seus nervos de aço já haviam se desfeito, e agora ela havia
virado uma menina acanhada na frente de uma arma, mas isso não foi o suficiente para
lhe fazer perder a postura.
Sorriu.
— Vão se foder.

Cydrick tentava ser o mais rápido possível, faltavam apenas mais dez minutos para o
toque de recolher começar, e não queria passar a noite em um CRME. A chuva, que
estava mais forte do que nunca, o fizera pegar abrigo dentro de um pequeno bar, ficou
por volta por dez minutos lá até poder sair para as ruas novamente. Passava por entre
becos, atalhos que só pegava quando estava com muita pressa. Era uma lacuna entre
prédios residenciais, algo que não era muito comum de ter no Setor Sete.
Era um beco fétido, com lixeiras jogadas no chão e algumas luzes avermelhadas bem
fracas. Com capuz na cabeça, Cydrick desviava de todas as pilhas de entulho que
encontrava.
Fora então que ouviu um choro.
Virou o pescoço para a direção de origem, avistou um estreito pedaço de beco sem
saída. Caminhou lentamente até lá, e entre uma pequena passagem se espremeu, esticou
o pescoço e viu da onde saiam tantos choros.
Eram cinco meninos, Cydrick palpitou que teriam a mesma idade que ele, pela estrutura
física. Eles estavam em um circulo, chutando um pequeno filhote de cachorro. O
pequeno animal chorava, tentava se defender mas não conseguia, seu pelo estava
machado de sangue e um dos olhos, notou Cydrick, era cego.
Cydrick poderia ir defender o cachorro, brigar com aquele meninos pelo o que era
certo, mas preferiu não fazê- lo. Não tinha apreço por animais, ninguém em Nova-
Asteca tinha, animais domésticos não existiam, estava surpreso por ter visto aquele
cachorro. Olhou para a parede a frente e viu um enorme cartaz, era a propaganda contra
animais domésticos.
“Animais não fazem nada pelo nosso Estado. Apenas usufleem de nossas riquezas sem
nós dar nada em troca. Sujam nossas ruas, poluem nosso rios, eles devem ser
eliminados, todos.”
Resolveu sair logo dali.

Cydrick não demorou muito para chegar em casa, havia feito o resto do trajeto em
cinco minutos. Saiu do beco com passos rápidos e compridos,não queria mais escutar os
choros do filhote de cachorro, queria se livrar o mais rápido o possível da chuva.
As ruas estavam cobertas com uma pequena camada de água, como um tapete que
refletia as luzes das fachadas de luz e dos postes. Cydrick revirou os olhos só de pensar
que iria ter que lavar os tênis. A chuva havia se intensificado, agora já eram pingos
grossos que causavam um enorme incômodo quando lhe alvejavam. O capuz parecia ser
apenas um fino pedaço de pano que não servia para proteger nada, a cara de Cydrick
estava encharcada e pela ponta do nariz escorria um pingo.
Quando saiu do beco pode ver a casa onde morava, a Irmandade. Um sobrado de dois
andares cor de chumbo, ao lado de dois pequenos edifícios pequenos da mesma cor.
Aquela hora, os postes eram as únicas coisas coloridas. Olhou para o céu e viu um
dirigível, ele apontava sua enorme lanterna para o chão, fazendo uma analise nas ruas
vizinhas. Cydrick tentara ser o mais rápido possível, não queria correr o risco de ser
visto pelos oficiais dentro da aeronave.
Quando conseguiu atravessar a rua, se apressou para entrar em casa. Não viu nenhuma
luz acesa pela janela ao lado da porta, não ouviu o barulho da televisão ou nem ao
menos de Wanda e Will conversando, o que era corriqueiro de acontecer, eles sempre
esperavam Cydrick chegar para depois irem dormir. Por instantes, ficou perturbado,
algo em sua cabeça dizia para não abrir a porta. Estava levando a mão para a maçaneta,
hesitou.
Viu uma sombra em um janela do prédio ao lado. Era um mulher de meia idade, ele
encarava Cydrick com pena, como se algo trágico estivesse para acontecer. O olhar cor
de caramelo mal iluminado o penetrou tão profundamente que havia desistido de vez de
abrir a porta, ele viu uma lágrima brilhar no olho da mulher, por que ela deveria estar
chorando em o ver?
A desconhecida entrou para dentro, fechou a janela.
Cydrick, movido pela curiosidade e o medo, entrou em um pequeno e estreito beco, que
dividia o terreno da casa da Irmandade com o prédio vizinho. Se esgueirou até a janela
de seu quarto. Se apoiando em uma caixa metálica que ficava ali e na janela semi-
aberta conseguiu subir. Entrou lentamente, como um bandido.
As luzes estavam apagadas, assim como as deixara quando saiu pela manhã. Caminhou
até o interruptor do lado da porta o acendeu logo em seguida. Seu quarto estava
exatamente como o deixara quando saiu para ir à escola. Nada fora do lugar, tudo
arrumadíssimo.
Mesmo que tudo aparentava estar em seu devido lugar, a algo ainda deixava Cydrick
desconfortável. O olhar daquela mulher, a lagrima, ela queria dizer algo. Sentiu o
desconforto se alastrar pelo corpo, e seu estomago vazio, que clamava por comida,
agora parecia estar cheio de borboletas a voar.
A roupa encharcada começou a pingar em seu tapete, e mesmo que não suportava o
cheiro de tapete molhado, não saiu de cima, ainda estava pensativo. Caminhou até a
cabeceira da cama, pegou a caixa escura onde guardava os dardos, a esvaziou quando
jogou todos os pequenos e precisos dardos na cama. Tirou o fundo falso com um traço e
pegou três facas de arremesso. As pontas de seus dedos, que a essa altura já estavam
geladas como a chuva, pareciam congelar mais ainda quando tocaram na lâmpada.
As mãos de Cydrick começaram a tremer, suas pernas bambearam e sua vista ficou
turva. O suor gelado correu pela lateral do rosto. Rumou a até a maçaneta, ficou por
alguns segundos encarando a peça metálica, dessa vez não hesitou.
Quando abriu a porta, a luz amarelada do corredor preencheu sua vista. As facas de
arremesso, que estavam uma na mão direita, outra na esquerda e uma em uma bolso,
pareciam ter perdido o sentido. Estava se sentindo um idiota paranóico. Olhou para os
dois lados, viu a curva no final do corredor à sua direita, e na outra direção a escada que
levava para o primeiro andar. Decidiu seguir para a curva no corredor.
O corredor não levava para outros lugares a não ser o quarto que Robby compartilhava
com Wag, e o quarto de Wanda, que Cydrick nunca havia entrado. Ela nunca o permitia
entrar, e quando ela não estava em casa ele nunca lembrara de ir lá, a situação sempre
fora cômica.
Sua respiração, que podia ser ouvida fortemente, ficou mais potente quando ele avisou
um fio de sangue por debaixo da porta do quarto de Robby. Ele correu em disparada até
lá.
Quando abriu a porta do quarto, com um chute com a sola do pé, pode ver Wag, o
namorado de Robby morto. Ele estava sobre a cama, com uma poça de sangue por
baixo, sangue esse que não parava de vazar de sua cabeça, que estava aberta, com um
enorme buraco de bala no centro.
Cydrick arregalou os olhos. O corpo tremeu por completo, os punhos enrijeceram tanto
que achou que iria quebrar as facas. Nada passou pela sua cabeça, nem quem poderia ter
feito aquilo.
Não era comum ter assassinatos por Nova- Asteca, mas pelos Setores, sempre era
corriqueiro ver casos de assassinatos e assassinos em série, mas no momento, não tinha
nenhum rumor no Setor Sete.
Não precisou ir até o corpo de Wag para saber que ele estava morto, fechou a porta.
Com dois passos, andou até a porta de Wanda, trancada. Certamente ninguém havia
entrado lá dentro, então provavelmente Wanda deveria estar bem, Cydrick pensou.
Correndo até a escada ele a desceu. O andar de baixo conseguiu deixar Cydrick com
lágrimas nos olhos. Will estava morto, estirado no sofá, com um tiro no peito. Os olhos
estavam revirados e as sobrancelhas arqueadas, como sempre costumava ficar. Ao lado
do corpo de Wil estava Robby, morto, o rosto que tanto cuidava estava arroxeado, os
lábios inchados e os olhos saltadas, provavelmente fora enforcado.
Cydrick se negou olhar para o corpo de Wanda, mas fora tarde de mais. Ela estava a
poucos centímetros de seu pé, com uma bala alojada na garganta, as mãos ,estáticas,
estavam duras e apontando para a porta, certamente ele estava o esperando.
Fora quando o barulho da descarga pode ser ouvido, Cydrick não estava sozinho.
Correu até a cozinha, saltou pelo balcão e se escondeu atrás do mesmo.
Apoiou a costas na parede de mármore e pode ouvir duas vozes. Uma era masculina,
seca e rouca, outra feminina, ríspida e irônica.
— O que vamos fazer com toda essa sujeira? — Perguntou a voz masculina. Cydrick
pode ouvir eles espalmando as mãos, e em seguida o interruptor do banheiro sendo
apagado.
— Só tenho uma certeza. — Respondeu a mulher. — Esses rebeldes foram eliminados,
mais uma conquista para o Estado!
— Então, nós já vamos? — Disse o homem, ele fora caminhando até a porta, mas a
mulher o puxou pela manga da farda. — O que foi?
— Não estamos sozinhos aqui. — Ela cerrou o cenho. — Tem mais alguém. Está
vendo essas manchas de sangue, tem uma pegada aqui. — Ela apontou com a ponta do
dedo, chegando tão próximo que conseguiu encostar no sangue.
Cydrick não pode ver, mas ouviu os dois sacando a arma. Eles foram seguindo a trilha
de passos e peadas deixados por Cydrick, ele pode sentir eles se aproximando. Com as
costas quase afundando no balcão de concreto, fechou os olhos.
Se levantou. Os oficias tiveram um sobressalto quando o viram, ele pode reparar a arma
na mão de ambos tremendo. Por um segundo ficaram apenas se encarando, Cydrick
pode reparar que a mulher alta, negra e de expressão rígida parecia bem mais centrada
que seu parceiro de operações, um homem alvo de cabelos loiros o sorriso no rosto.
Cydrick atirou uma faca com toda sua forca contra o rosto do soltado. A faca cruzou o
ar em poucos segundos, e quando eles se deram por si, o oficial já estava morto, caído
no chão com um jato saindo da fissura que a faca havia aberto em seu crânio.
— Mas que merda é essa?! — A mulher perguntou.
Cydrick conseguiu se projetar para o lado antes da mulher atirar. O disparou apenas
atingiu um utensílio de cozinha, que estava ao fundo. Ele se recompôs rapidamente e
socou a oficial na lateral do rosto, a pistola voou da mão dela e ela caiu de bruços no
chão. Levantando- se rapidamente, a soldada conseguiu aplicar um cruzado de direita
em Cydrick, que fora atingido em cheio. Ela fora se aproximando dele enquanto ele se
recuperava, o atingiu com um chute na bochecha. Cydrick rolou para o lado, a oficial
ainda não satisfeita pisou em seu peito com uma força descomunal, o fez perder todo ar
que tinha.
Cydrick enfiou uma faca no pé da oficial, ele gemeu de dor. O sangue que jorrou
coloriu os coturnos escuros dela, e a camisa de Cydrick. Ela perdeu o equilíbrio e
Cydrick conseguiu se levantar. Em pé, ela a encarou bem nos olhos, e, mesmo ela
parecendo saber que aqueles seus últimos momentos, ela o fuzilava com um olhar de
dever cumprido. Cydrick pegou a ultima faca que lhe restara, no bolso da calça, e, sem
hesitar, a enfiou no pescoço da oficial.
O sangue saiu da garganta de Anha, que caiu. Os joelhos outrora rígidos, agora
pereciam serem feitos de sacolas de plástico. A oficial caiu no chão, os olhos revirando
e, aos poucos, se afogando no próprio sangue.
5
A RESISTENCIA
Cydrick precisava pensar no que havia acabado de vivenciar. Queria chorar, colocar a
mágoa de ver todos seus amigos mortos para fora. Não agüentava, quando viu Wag não
se importou muito por não ter afeto com ele, Wag apenas ligava para Robby e vice-
versa. Mas Wanda e Will, eles eram os irmão e irmã mais velha que Cydrick não tinha,
quando finalmente havia se afeiçoado a outras pessoas, eles morreram.
Virou o rosto quando encarou Wanda, o fitando com seu olhar sem vida. Os olhos de
lince agora estavam opacos e cinzentos.
Caminhou até os oficiais, agora mortos, e pegou suas facas. Com um tranco retirou da
cabeça do loiro sua faca prateada, e não fez cerimônia nenhuma para retirar as facas do
pé e do pescoço da oficial. O soco que ela havia lhe acertado ainda estava doendo,
Cydrick pode sentir a mandíbula estralando quando ela o acertara, mas no momento não
havia conseguido ligar para a dor.
Com o corpo balançando por inteiro, subiu as escadas. Cada passo parecia uma
eternidade, mas em menos de dois minutos já havia conseguido vencê- la. Apoiado nas
paredes, conseguiu rumar até seu quarto, sem delonga alguma, caiu na cama.

Dessa vez não tivera sonho algum.


Fora essa noticia que recebera de seu subconsciente quando acordou. Esperava sair de
seu quarto e ver Wanda tomando café em sua caneca vermelha, Will dormindo no sofá,
e até mesmo, Robby reclamando da vida. Mas não, viu apenas os defuntos, Will com
um disparo no centro da cabeça, Wanda com a garganta cortada, Robby alvejado, e os
dois soldados, ambos mortos por Cydrick.
Não queria ficar mais ali. Em menos de vinte minutos conseguiu se aprontar. Com
roubas escuras e discretas se vestiu, uma camisa escura de algodão de mangas longas,
uma calça de jeans escuro e sua bolsa de escola, que agora transportava algumas roupas
e suas facas de arremesso, que decidira levar caso algo ocorresse de ruim, tinha plena
noção que o povo de Nova- Asteca não era piedoso com moradores de rua.
Cydrick não sabia para onde ia, nem se iria para algum lugar, queria apenas fugir dali, o
Estado havia estragado tudo o que mais gostava.
Saiu pela porta da frente de casa, com o fixer na mão. Enfrentou o vento gelado de
dezesseis graus, que o fez apenas colocar o capuz. O dia cinzento estava exatamente
como qualquer outro, nem parecia que era final de semana, seria nesse dia que haviam
combinado de jantar fora, ele e seus amigos da Irmandade, mas agora eles não podiam,
estavam mortos.
Quando virou o rosto para o lado, a fim de acompanhar o movimento na rua, pode ver a
mulher da janela. A vizinha que estava tentando o alertar ontem. Ela ficou surpresa em
o ver, a sua expressão de espanto assustou Cydrick, parecia que tinha acabado de ver
um fantasma. Ele tentou ir na direção dela, mas a mulher fechou a expressão e abaixou a
face, apertou o passo até chegar a entrada de seu prédio, Cydrick desistiu.
Ignorando o que havia acabado de acontecer, ele se pôs a andar.
Por minutos ficou apenas dando voltas no Setor Sete, talvez aquela fosse a ultima vez
que ele o visse. Não tinha planos para voltar para lá, não tinha planos para onde iria,
mas era uma certeza, para lá não iria voltar.
Mas antes de sair de lá, lembrou se que tinha uma coisa para se fazer, ainda havia uma
pessoa que tinha que se despedir. Franziu o cenho para si mesmo, estava com uma
determinação que não era sua, sabia que agora não tinha como voltar atrás.

Achar onde Synd morava não fora um problema. No dia anterior, quando o fixer dela
havia dado problemas na hora de mostrar os mapas do Setor, Cydrick havia pego o
aparelho para consertar. Ele viu a única localização que marcava na tela, a casa dela, e
como tinha memória boa, conseguiu guardar bem a localização.
Quando virou a rua conseguiu avistar o pequeno prédio onde a menina morava. De
acordo com as palavras trocadas por Gyovanni por mensagem no dia anterior, ela
morava no terceiro andar, apartamento 31.
O prédio, por fora, era cor de chumbo, assim como todos da vizinhança. Era baixo e
achatado, na fachada exibia um letreiro eletrônico estático, com as palavas “ED.
GHAL”. A porta de entrada na parte de baixo estava aberta, e Cydrick não teve
problemas para entrar, soltara um blefe para o vigia eletrônico, falando que era um
conhecido da Synd.
Por dentro o prédio não podia ser mais simples, paredes brancas, chão alvo e escadas da
mesma cor. O cheiro era de desinfetante e o clima fresco, os ar condicionados do local
pareciam funcionar muito bem.
Quando subiu os três lances de escadas, Cydrick bateu na segunda porta que encontrou.
Seus três toques ecoaram pelo corredor vazio, de repente, lá se parecia mais com um
deserto. Não havia mais ninguém no corredor, era uma imensidão alva, com luzes
azuladas e janelas que deixavam a luz cor de chumbo entrar. Cydrick conseguiu ouvir
algo vindo de dentro, um choro agudo, soluços e respirações ofegantes.
Bateu na porta novamente, agora teve resposta.
— Quem é? — Perguntou a voz de dentro, ela saiu ríspida e seca, poderia saber
claramente que a pessoa lá dentro estava chorando. — Vá embora, não é nada para ver
aqui...
— Eu sou um amigo da Synd, queria falar com ela. — Disse Cydrick, sem jeito.
— Você era um amigo dela? — A voz perguntou, mas não deixou tempo para ele
responder. — Pode entrar...
Depois de abrir a porta, Cydrick pode ver a dona de tal voz tão ríspida e amarga. Era
uma mulher, sentada em um sofá de almofadas escuras. Ela estava com os cotovelos
apoiados nas coxas, sustentando o rosto com expressão triste. Os cabelos longos e
castanhos caiam sobre a face, mas mesmo assim Cydrick conseguiu ver que ele estava
chorando. Quando a tia de Synd percebera que ele já havia entrado, ela levantou cara
para olhá-lo.
Ela literalmente não parecia nada bem, Cydrick comentou mentalmente consigo
mesmo. Além da expressão caída, os olhos estava vermelhos e inchados, como os de
uma pessoa que chorara muito. Os cabelos desgrenhados estava grudados ao rosto cheio
de suor e lágrimas.
Por que ela estaria assim? Cydrick se perguntou.
— O enterro dela é hoje à tarde, acho que veio na hora errada... — Ela falou. Quando
pronunciara a palavra “enterro” , percebeu Cydrick, ela soluçou mais uma vez.
— Enterro? — Ele perguntou, não fazia mínima idéia do que ela estava falando. —
Enterro de quem?
Lagrimas escorreram no rosto da mulher, ela jogou os cabelos para trás, afim de
arrumá-los, mas alguns fios ainda continuaram grudados em sua cara.
— Não ficou sabendo? — Perguntou retoricamente. — Synd, ela... — Hesitou. — ela
morreu ontem...
O mundo de Cydrick desabou. As pernas falharam e o coração não teve tempo de
acelerar. No fundo, ainda tinha esperança de ser uma brincadeira dela e de sua tia.
— Como assim ela morreu? — Ele perguntou, seus olhos estavam arregalados e o tom
alterado, não era possível aquilo estar acontecendo. — Eu estava com ela ontem...
— Foi de noite. Ela me disse que iria passar na Cidade Central, eu então deixei, não vi
nada de perigoso que pudesse acontecer. Aconteceu que um Drone captou uma
freqüência suspeita do fixer dela, ela foi capturada e levada para um CRME. — Ela
pegou ar para continuar explicando. — Por ser do Setor Nove, ela foi acusada de
terrorismo e crimes contra o Estado. Foi executada no mesmo instante... — Chorou. —
Eu recebi o recado hoje, por sorte fui inocentada. Eles liberaram o corpo para fazer o
enterro.
Cydrick se virou rapidamente, caminhou em direção a saída.
— Espere, onde está indo? — A tia da menina perguntou, ele não viu sentido na
pergunta dela, ela não deveria se importar por ele.
Cydrick não respondeu ela, sua boca não estava mais conseguido pronunciar nada.
Bateu a porta atrás de si quando saiu.

O crepúsculo em Nova-Asteca se abatera mais rápido que de costume. Por volta das
seis da tarde a chuva fina e incômoda começou a cair, mas Cydrick não se importou,
estava dentro do metrô, passando por túneis subterrâneos. Desde que pegara a linha
Doze para ir para a Cidade Central, só pensara em um coisa, o que seria de sua vida
agora?
Não tinha para onde ir, não tinha parentes, amigos, familiares, nem em quem confiar. A
solução mais prática que brotara em sua mente era se alistar no exército, mas não queria
fazer parte daquela corja.
Quando o metrô parou, ele desceu e caminhou pela plataforma, tentou não esbarrar em
ninguém até sair. E, assim como todos os dias que resolvera passear pela cidade, as
luzes multicoloridas lhe invadiram a vista. Porém, desta vez, aquelas luzes haviam
perdido o encanto que tinham sobre o garoto, Cydrick não queria mais saber daquilo,
Nova-Asteca não tinha mais sentido.
Caminhou até perder a noção do tempo, mas logo se situou quando olhou para o
distante pináculo do Billing, as horas projetadas maçavam nove e quarenta e cinco, fora
então que entendeu reboliço. Pessoas se esbarravão e não perdiam perdão, queriam
apenas voltar para suas casas nos Setores, mas Cydrick não tinha porquê ter pressa, não
tinha mais casa.
Mas ainda tinha um local para ir, pensou, e o local não ficava muito longe.
Pegou um trem na estação e rumara para o Setor Oito, um local pacato que ele quase
nunca visitava. Quando saiu da estação, viu as ruas praticamente apagadas, os postes de
luz falhavam em intervalos de cinco segundos, era como se alguém tivesse por trás
daquela falha.
O frio havia piorado, Cydrick se arrependera de levar apenas uma fina blusa de frio. O
capuz era o suficiente para suprir o calor na cabeça, mas o resto seu corpo não tinha
algo quente. O jeans parecia ser um fino algodão, e o moletom da blusa agora mais
aprecia uma fina camada de seda. A chuva pingando no chão era o único ruído que se
ouvia, as luzes nas casas já estavam apagadas e as pessoas dormindo.
No céu, Cydrick pode ver um dirigível sobrevoando. A aeronave jogou sua enorme
lanterna, e Cydrick se esgueirou para um beco. Quando a luz passou, pode voltar para a
rua.
Em menos de cinco minutos ele havia chegado aonde queria, na estação abandonada.
Um local amplo, de estrutura ainda firme, apesar de velha. Era toda feita de metal
cinzento, mas que já estava marrom, devido à ferrugem. A entrada estava quebrada,
com duas ripas de ferro impedindo alguma invasão.
Conforme fora contornando o local, Cydrick fora pensando na historia daquele lugar.
Não sabia exatamente porque o Estado havia abandonado aquela estação, eles apenas
abandonaram, sem dar satisfação para o povo. Percebeu que boa parte das ações de
Nova-Asteca não tinham sentido.
Na lateral do complexo, conseguiu avistar uma janela, era pequena e esguia, mas viu
que conseguia passar.
Se esgueirar por uma janela suja e empoeirada não era uma boa experiência, comentou
mentalmente consigo mesmo. Seu jeans estava três tons mais escuros, e o moletom com
uma enorme mancha preta na lateral. Saiu em um banheiro abandonado, os azulejos que
outrora já foram alvos, agora estavam tão escuros como as manchas de podridão no teto.
A porta estava entre aberta. Saiu
Uma vez dentro da estação, ele sabia que não teria volta. O lugar parecia maior por
dentro. Os túneis, nos quais os supostos trens sairiam, estavam quebrados e com rochas
enormes na frente. Os trilhos finos de ferro platinado estavam sujos e quebrados,
entortados para os lados, e, as plataforma que seriam brancas eram tão escuras quando o
céu conturbado.
Cydrick olhou para todos os lados, talvez não tivesse mais ninguém te esperando, já
havia se passado um dia depois da “chamada”.
O silencio fora quebrado quando uma voz disse algo.
— Você parece estar um pouco atrasado. — Era masculina, sóbria e controlada. Não
era ameaçadora, muito menos intimidadora, era apenas a voz de um homem de idade
mais elevada, presumiu.
A única reação que Cydrick tivera foi tirar uma faca, que guardava no bolso, para fora.
Colocou o punhal prateado na direção da voz, eram poucos movimentos para atirá-lo e
acabar com a vida do dono da voz. A mão trêmula de Cydrick fazia o punhal refletir a
luz de uma pequena lâmpada acima do garoto.
— Abaixe isso. — Disse o homem quando saiu das sombras. Ele era alto e magro, rosto
largo com barba rasteira. Os cabelos encaracolados não eram arrumados, dando
aparência que ele havia acabado de acordar. Ostentava um sorriso irônico e dentes tão
alvos como as plataformas das outras estações. Vestia-se dos pés da cabeça com uma
única cor, preto. Uma roupa que lembrava em todos os aspectos as fardas de Nova-
Asteca, a única diferença era que não existia brasão algum. — Não precisamos de
violência aqui.
— Quem é você? — Cydrick perguntou, sua voz não estava falhando, e suas mãos já
haviam parado de tremer. — O que quer comigo.
— Eu me chamo Shey, sou um agente da Resistência. — Disse com tom imponente. —
E eu quero de convidar para fazer parte da revolução.
Cydrick não teve reação, continuou estático, com a faca apontada para o sujeito.
Revolução? Será que era isso que estava acontecendo no Setor Nove? Não via como
aquilo era possível, Nova- Asteca nunca iria permitir.
Shey começou a se aproximar, seu sorriso fora ficando maior, e seus olhos cor de
caramelo refletiram quando entraram em contado com a luz amarelada da lâmpada. Ele
não parecia que iria atar Cydrick, mas naquela altura, Cydrick não queria confiar em
ninguém.
— Caso não acredite, eu posso te mostrar. — Ele disse. Levantou as mãos na altura do
ombro, como se quisesse aquietar um animal. — Nossa base fica embaixo dessa
estação.
Cydrick não cedeu, continuou com a faca apontada para Shey, e, o agente não aprecia
ter medo.
— Cydrick, sabemos pelo o que você passou, da perda que teve. — Disse Shey com
tom ameno e calmo. — Eles eram importante para você, não é mesmo?
— Como sabem? — Cydrick respondeu com uma pergunta, mas não era só aquela que
rodeava em sua cabeça. Sua voz já não estava mais estável, já havia se descontrolado e
afinado no final da frase. — Como vocês sabem do que aconteceu?
— Se você aceitar ir comigo até nossa base eu posso não só te responder, mas te
mostrar todas as respostas para todas as perguntas. — Disse o agente. — Cydrick, se te
convocamos é porque sabemos quem você é e pelo o que passou. Pense um pouco, o
mundo não seria um lugar melhor sem o governo autoritário de Nova- Asteca? Pessoas
são mortas por não querer servirem para o exercito, e outras são consideradas
cúmplices, outras não podem escutar as musicas que gostam, pense, isso é tamanha
injustiça, não?
Cydrick hesitou em responder.
— Se recusar, infelizmente irei descobrir que é só mais um peão do Estado, mais um
alienado em meio a multidão. — Sorrateiramente, Shey finalmente conseguira se
aproximar do garoto, havia colocado uma das mão no ombro de Cydrick, mas ele estava
com o olhar tão turbulento que nem ao menos notara. — Não queremos ferir você,
queremos apenas um mundo melhor,e, achamos que quer o mesmo.
Com os dedos gelados e os olhos estáticos no agente, Cydrick retrocedeu alguns passos.
Shey não deu um passo a frente para segui- lo, seus olhos cor de caramelo estavam
relaxados, parecia ter certeza que Cydrick iria aceitar. E, mesmo ainda estando
desconfiando de algo, ele o fez.
— Eu aceito.
O sorriso na face de Shey parecia não ter sido controlado, seus dentes branquíssimos
ficaram a mostra, entrando em contraste com a lâmpada antiga que iluminava o local.
— Muito bem. — Prosseguiu. — Agora pode abaixar essa faca.
— Ainda não. — Cydrick retrocedeu alguns passos, e com olhar desconfiado disse: —
Só abaixo a faca se me dizer para que carrega uma arma em uma conversa que disse ser
pacífica.
Com um risada baixa, Shey apenas o encarou. Uma sombra cobriu seu rosto, deixando
os olhos duas pedras brilhantes em meio a uma imensidão escura.
— Você é mesmo um ótimo observador, Cydrick. — Disse lentamente. — Não é a toa
que está aqui agora, conseguiu me analisar pela sombra....
— Existe um volume atrás de você, sua sombra deixa isso bem perceptível, queria que
eu percebesse. — Argumentou Cydrick.
— De fato. — Shey anuiu com a cabeça. — Deixei assim de propósito, queria saber se
notaria.
Ainda com os olhares em conflito, Cydrick não hesitou em guarda a faca na bolsa.
Girou o punhal prateado entre os dedos e o jogou por uma fresta aberta no zíper. Shey
tirou a arma das costas, e mostrou para o garoto que a arma estava vazia. E, mesmo
ainda estando um pouco desconfiado, Cydrick o seguiu pelo caminho estreito que o
agente seguira.
Rumaram por um corredor escuro com uma fraca iluminação cor rubra, as paredes
eram banhadas de um liquido estranho, que Cydrick mentalmente palpitou ser óleo.
Cydrick pegou o fixer na bolsa, mas antes que ativasse a função de lanterna, Shey pegou
o aparelho da mão do menino.
— Você está louco?! — Perguntou retoricamente. Antes que Cydrick pudesse reagir,
ele jogou o fixer no chão, e com apenas um pé esmagou o pequeno aparelho retangular.
Cydrick encarou Shey, que agora lhe lançava um olhar de reprovação estrema. — Se
esse aparelho entrasse na base poderia comprometer a nossa localização.
— Eu não sabia... — Disse, naquela hora, mais parecia uma criança que acabara de
tomar bronca da professora.
Shey continuou pelo corredor não muito largo, com passos largos sem dizer uma
palavra a mais. Cydrick o seguiu pela imensidão semi- rubra.
Com o passar do tempo, Cydrick percebera, o chão de concreto deu cugar a placas de
ferro. Cada passo deles era marcado com um ruído estridente no metal gelado das
plataformas.
O corredor se alargou em uma ante- sala, era quadricular e não tinha nenhum tipo de
sofá ou banco, como Cydrick estava habituado. Era um lugar vazio, como o corredor.
Com mais óleo escorrendo pelas paredes e com manchas de mofo pelas mesmas. Ao
fundo se via uma porta dupla de metal. Com pressa, Shey se aproximou.
— Agente Shey Flender.
Por alguns segundos, nada aconteceu. Até que uma luz azulada acendeu na porta a
direita. Shey se ajeitou na direção da luz, e um laser passou pelo seu corpo, o analisando
dos pés a cabeça.
— Avaliação completa. — Disse uma voz mecânica e aguda. Era para ser algo
feminino, Cydrick pensou, mas se essa era a intenção, haviam falhado miseravelmente.
As portas dublas se abriram, e a luz branca que saiu de dentro obrigou Cydrick a fechar
os olhos. A imensidão alva havia o fuzilado a vista, deixando todo o rubro escuro do
corredor mal iluminado, por deverás, parecia quando Cydrick abria a geladeira de
madrugada.
Shey, que aparentemente não teve problemas para se acostumar, entrou no elevador.
Cydrick o seguiu, mas ainda com a vista semicerrada. O elevador era cinza, porém a
luz branca era tão forte que parecia fazer o cinza emanar brancura. As lâmpadas eram
posicionadas no teto, e o ar daquele lugar era fresco, queimava quando passava pelas
narinas de Cydrick. De súbito, a temperatura abaixara, Cydrick cruzou os braços acima
do peito, tentando buscar calor.
As portas se fecharam, limitando a luz branca apenas para eles. O elevador começou a
deslizar para baixo, como um peixe em um cardume.
— Ainda me lembro de quando isso aconteceu comigo. — Disse Shey, seu tom era
irônico e o seu sorriso comprovava isso. Ele estava olhando fixamente para as portas de
metal, que poderiam se abrir a qualquer momento. Os cabelos castanhos agora tinham
um brilho prateado, reparou Cydrick, talvez fosse por causa de alguns fios cinzas, que
agora estava evidentes. Os olhos estavam em uma cor entre prata e dourado, cor que
Cydrick não soube distinguir. — Não quero estragar a surpresa, mas ainda terão mais
coisas que lhe deixaram desconfortável.
6
BASE

Era essa a palavra que Cydrick procurava para se descrever, desconfortável. Mas na
situação que se encontrava, isso poderia ser apenas um apelido.
— Você foi convocado, assim como eu? — Perguntou a Shey.
O agente, ainda com a visão presa na porta, respondeu calmamente:
— Mas é claro, ninguém nasceu na Resistência, todos fomos convocados. Fomos
chamados por nossos dons, pelos nossos talentos e pelas nossas habilidades, observados
por meses até que nós chamássemos.
Cydrick mostrou estar surpreso apenas levantando as sobrancelhas.
— E como vocês monitoram as pessoas?
— Temos os melhores Hackers da nação. — Shey respondeu, finalmente havia virado o
rosto e encarado Cydrick. — Espero e pouco e você irá ver, deixe que sua própria visão
responda suas perguntas.
A caixa metálica e branca onde estavam parou subitamente. Os joelhos de Cydrick se
dobraram, como se tivesse acabado de amortecer uma queda. Shey arrumou sua postura,
agora realmente parecia um soldado. A pistola que a poucos minutos atrás escondia nas
calças, estava presa em um coldre de couro amarrado na cintura. As mãos estavam para
trás do corpo e o queixo levantando.
Quando as portas se abriram, as expectativas de Cydrick cessaram. Aquela enorme
incógnita que perambulava pela sua mente, finalmente estava sendo respondida. A ante-
sala onde foram recebidos por dois soldados, ambos vestidos de preto, era larga. Um
local retangular que afinava no final, e seguia por um corredor de cor cinza chumbo. Os
soldados balançaram a cabeça em positivo quando Shye passou por eles, e cochicharam
algo sobre Cydrick, ele conseguiu ouvir. Antes de saírem, Cydrick conseguiu ver que
preso ao cinto deles estava um capacete, talvez fora da Resistência eles teriam que usar
aquela peça de vidraça escura. No braço direito de ambos havia uma argola prateada,
feita de metal reluzente. Sem perguntar para Shey o que aquilo significava, resolveu
seguir calado.
O corredor, assim como o elevador e provavelmente toda a Base, era gelado por um
forte ar condicionado, e, regado pelas luzes esbranquiçadas. O chão agora era concreto
maciço cor chumbo, deixando as placas de metal apenas para algumas partes. As
paredes eram decoradas com placas eletrônicas de cor azul e setas brancas, indicando os
caminhos para onde deveriam seguir.
— Primeiro vou levá- lo para seu quarto, deve estar cansado. — Disse Shey.
Cydrick fez que sim com a cabeça, não estava conseguindo falar nada. O corredor por
onde andavam se alargou em uma sala redonda e enorme, mais pessoas perambulavam
pela Base, mais que Cydrick imaginava. Pensou o quão aquele lugar poderia ser grande,
já que afinal, eram pelo menos oito entradas e saídas naquela sala redonda.
— Essa é a sua Data. — Shey tirou algo do bolso. Era um pequeno cartão eletrônico,
com a foto, o nome e uma seqüência de números que provavelmente funcionavam como
os ID’s do Estado. — È a sua identificação aqui, então não a perca. Sem isso você não é
ninguém aqui dentro. — Ele entregou a Data para o menino, que pegou rapidamente. —
Vou comunicar sua chegada para a Líder Juno.
Sem se despedir, Shey seguiu por um corredor à direita.
Cydrick seguiu pelo corredor de dormitórios, pelo menos era isso que a placa eletrônica
indicava na entrada. A passagem pelo corredor era ampla, justo para agüentar o volume
de pessoas que passavam por ali. As pessoas, ele pode perceber, não estavam mais de
fardas ou uniformes escuros, estavam com roupas finas e cinzas, algo mais casual.
De acordo com o que estava escrito em sua Data, seu quarto era o numero 37. Para
chegar a seu aposento, teve que passar entre um espaço vazio no meio de duas
mulheres, que estavam conversando. A da esquerda, que estava com as costas apoiadas
na parede, era alta, magra e ossuda. Os cabelos escarlate caiam por debaixo do boné
escuro que vestia. A da direita tinha idade mais elevada, as rugas se sobrepunham por
debaixo dos olhos como bolsões de areia, os cabelos brancos eram encaracolados e o
óculos na ponta do nariz refletia a luz braça.
Com um “Licença” Cydrick passou por elas. Sem tremer ou hesitar, ele passou
horizontalmente o cartão de Data pelo leitor. Um LED azul acendeu em cima do
identificador e a porta abriu. Uma voz robótica repetiu seu nome. Antes de entrar,
Cydrick conseguiu ouvir um pedaço da conversa das senhoritas que estavam a poucos
centímetros de sua porta.
— Esse é o novato? — Perguntou a menina com boné, ela agora havia se inclinado para
frente, e falava com sussurros.
— É. — A mulher de cabelos brancos respondeu com poucas palavras. — Ouvi dizer
que ele vai integrar na Divisão Zero.
Deixando o conversa das duas de lado, entrou.
O choque de temperatura fora tão repentino que alguns pelos de Cydrick se arrepiaram.
O frio artificial do corredor fora rompido por um calor aconchegante, feito por um
aquecedor que Cydrick conseguiu ver que estava posicionado ao lado da cama. O quarto
não era muito diferente do que tinha na Irmandade, por alguns segundos a idéia
mirabolante de que eles tentariam reproduzir o quarto dele passou por sua cabeça, mas
ele a descartou rapidamente, não deveria ser tão paranóico. A cama ficava encostada na
parede, do outro lado ficava um armário embutido à parede, com portas de ferro. Mais
ao fundo ficava uma porta para a suíte.
Sem janelas, fez essa observação mentalmente para si mesmo.
Quando tirou a mochila, passando a alça por cima da cabeça, pareceu estar tirando um
peso de toneladas. Nunca imaginou que suas roupas e facas poderiam pesar tanto, puxou
a gola da camisa para o lado e conseguiu ver uma marca vermelha por cima do ombro.
Um bom descanso, é disso que preciso.
Se deitou lentamente na cama, e percebeu que o travesseiro era mais confortável que
esperava. Olhou com o canto do olho para o criado mudo ao lado, conseguiu avistar um
pequeno painel. Eram números e um botão vermelho.
Apertou o botão maior, o projetou acima da cama lançou uma imagem para a parede a
frente. Era uma televisão, passava um filme, explosões, facadas, tiros, mortes. Coisas
que nunca seriam permitidas nos televisores dos Setores. E dentre explosões e disparos,
acabou pegando no sono.

Sem sonhos esquisitos, infelizmente, tudo que Cydrick estava vivendo era à pura
realidade. A televisão estava desligada, o que fez perceber que em certo ponto da noite,
eles desligavam as luzes, talvez para economizar energia, pensou.
Ergue- se lentamente, percebera que ainda estava com a mesma roupa de antes, suada,
suja e fétida. Os pés, ainda dentro do tênis, estavam doendo e latejando. Quando se
desfez dos sapatos pode sentir um alivio passando pelo corpo todo.
Um bip ecoou pelo quarto, Cydrick acabou tendo um leve sobressalto. Enrijeceu os
ombros, mas os relaxou quando viu o que era. O projetor acima da cama estava
exibindo uma imagem estática, era o rosto de Shey.
Ele estava em uma sala cinza, uma mesa e uma projeção de gráficos jazia no plano de
trás. Encara Cydrick com imponência, como se soubesse que o menino já estava
acordado.
— Cydrick? — Chamou. — Espero que já esteja acordado. Daqui a cerca de quinze
minutos eu irei passar por aí, irei te mostrar as instalações e te explicar melhor como as
coisas funcionam por aqui.
A transmissão se acabou no mesmo instante que Shey terminara de falar, o projetor se
apagou e o quarto voltou ao breu que estava. Porém, em poucos segundos as luzes do
teto se acenderam. Ainda não acostumado com lâmpadas tão claras, teve que cobrir os
olhos novamente.
Como Shey havia lhe dito na transmissão, em menos de vinte minutos iria perambular
pela base, então resolveu se arrumar.
Em menos de dez minutos lá estava Cydrick, com água quente escorrendo pelo corpo e
uma toalha amarrada na cintura. Caminhou até o armário à esquerda e o abriu, se
surpreendeu. As roupas estavam arrumadíssimas, e curiosamente, todas eram
exatamente de seu numero.
Escolheu uma camisa fina de pano escuro e uma calça feita de um pano que não sabia
exatamente o que era, era mais grosso que jeans mas muito semelhante ao mesmo
tempo. Enquanto se vestia, pensou em que sabor era a pasta de dentes da Resistência,
era de cor branca, tinha um gosto salgado e ao mesmo tempo doce. Quando a colocara
na boca fez uma careta, lembrou- se, mas fora rápido se acostumar. No fundo, o creme
dental lembrava menta.
Terminou de se arrumar quando abotoou um botão prateado na manga da blusa. Se
olhou rapidamente em um espelho retrátil que descobrira a poços minutos — ficava ao
lado do armário. Estava no mínimo apresentável.
Alguém bateu na porta, mas já sabia quem era.
Quando abriu não se surpreendeu em ver Shey, lhe encarando com seu sorriso
entreaberto e alvo. Os cabelos, notou, continuavam mal arrumados, e raspar a barba
ainda era uma tarefa na lista de afazeres do agente. Estava fardado, mas sem pistola ou
equipamento algum.
— Vejo que descobriu as roupas no armário. — Rompeu o silencio que estava entre os
dois com poucas palavras. Seu tom irônico estava em sua voz, como sempre.
— Descobri. — Cydrick concordou. — Achei bizarro vocês saberem exatamente meu
número.
— Essa não é a única coisa que você irá achar bizarro.
Shey se virou de costas e rumou para a direção de saída do corredor. E, apesar de
Cydrick achar que fosse cedo, muitas pessoas já caminhavam pelos corredor, pode
notar. Elas passavam por eles e acenavam com um leve movimento de cabeça, eram
raras as que perguntavam “tudo bem?”, notou Cydrick que todas que perguntaram,
eram mulheres, aparentemente interessadas em Shey. As outras pessoas passavam como
robôs, com os olhos perdidos em pensamentos e estáticos para o caminho. Talvez estão
assim porque acabaram de acordar, pensou, ninguém levanta com disposição.
Chegaram à enorme sala redonda, Shey colocou uma das mãos na cintura e começou a
olhar envolta.
Cydrick olhou para o agente, sem entender, estava perdido?
— Vamos para onde primeiro? — Perguntou.
— A lista de lugar é tão grande que eu acabei me perdendo, deve ser a fome e seus
efeitos sobre mim.
Fome, essa palavra fora lançada contra Cydrick como uma bala que lhe atingira
diretamente o estomago. Percebeu que estava tremendo desde que acordara, e não era de
medo ou hesitação, era fome. Desde que chegara a Base, não havia posto nada na boca,
nem ao menos água.
— Está com fome? — Shey perguntou rapidamente.
O barulho do estomago do menino roncando fez o agente o encarar, seus olhos
caramelos estavam fixados na barriga de Cydrick.
— Eu acho que sim. — Respondeu Cydrick, com uma leve risada no canto do rosto.
Shey disso algo, que Cydrick não conseguiu assimilar por ter dito muito rápido, e logo
rumou para o terceiro corredor à direita. A placa eletrônica de cor vermelha na frente da
passagem indicava algo como “Refeitório”, e os cartazes eletrônicos, que exibiam
imagens de comidas saudáveis e faziam propagandas de alimentações balanceadas,
projetados nas paredes cinzentas comprovaram essa certeza.
— O que é Divisão Zero? — De súbito, Cydrick perguntou.
Shey virou tão rapidamente a face para ele, que o barulho da vértebra do pescoço
estralando pode ser ouvido. Seus olhos agora estavam apagados, como lâmpadas
queimadas e sua expressão era uma mistura de reprovação e algo que Cydrick
conseguiria descrever como “cala a boca”.
— Quem te falou sobre isso? — Perguntou, rígido. Sua testa enrugada fez Cydrick
descobrir outro lado de Shey, um lado rígido e sombrio.
— Ninguém. — Respondeu firmemente, não parecia ter medo da expressão franzida de
Shey. — Eu ouvi duas mulheres comentando sobre isso. Uma disse que eu seria da
Divisão Zero.
— Vhexi e Kalia, só pode ter sido elas. — Ele disse os nomes das mulheres, em
seguida revirou os olhos, como se tivesse nojo delas. — Fofoqueiras.... — Desdenhou.
— Falaram com você?
— Não. Eu que fui o enxerido e ouvi a conversa das duas... — A foz de Cydrick falhou,
quando ele viu o enorme lugar onde haviam acabou de chegar.
Era um pátio de tamanho descomunal, com mesas e cadeiras cor de musgo espalhadas
pelo local, fazendo corredores por onde Cydrick e Shey começaram a passar. À direita
ficavam máquinas de sucos e refrigerante, letreiros projetados por LED’s faziam a
propaganda dos sabores. Á esquerda ficavam cartazes digitais exibindo as comidas que
estavam disponíveis e imagens rápidas de programas que estavam sendo exibidos. Ao
fundo havia uma bancada de mármore com alguns alie mentos postos a disposição para
todos.
Por segundos, Cydrick apenas deixou aquelas luzes reluzirem em seus olhos. Quando
seu deu conta, estava como no centro, com os olhos atônitos e a boca aberta, exatamente
como uma criança de cinco anos. Quando sua visão voltou para onde estava, pode ver
Shey ao fundo, com uma bandeja na mão, pegando algumas fritas e colocando na
mesma. Correu até o agente e começou a repetir seus movimentos.
Pegou um pequeno pote com um conteúdo marrom, que a principio não soube o que
era. Em seguida pescou na banda alguma fatias de pão e uma maça. Hesitou na hora de
pegar algo que se parecia com morando, mas a casca era mais grossa e resistente.
Recolheu na mão para perto do corpo, como se tivesse acabado de se queimar. Shey
olhou para ele com o canto do olho, levantou uma sobrancelha.
Cydrick tentou disfarçar, mas a comida ao lado da fruta de casca grossa também era
desconhecida, algo alaranjado partido em fatias finas com pontos pretos por cima.
— Não sabe o que é, não é? — Shey perguntou.
Cydrick não respondeu, uma coisa se remexeu dentro dele, vergonha?
— Não precisa ter medo de admitir, quando vim para cá também não sabia. — Shey
disse, de alguma forma, tentava confortá- lo. — São lichias, ótimas frutas por sinal. —
Estendeu o braço na frente de Cydrick e pegou algumas, deixou duas na bandeja do
iniciado. — E isso. — Se dirigiu a outra fruta. — É um mamão.
Tentando ser um pouco altruísta, Cydrick pegou um pedaço de mamão pode si só.
Algumas daquelas pequenas bolas pretas caíram para o lado, Shey explicou que eram as
sementes da fruta. Depois de pegarem comida, foram para a direita, pegar algo para
beber. Shey escolheu uma lata de cor roxa, e Cydrick, ainda hesitante, decidiu pegar um
pouco de limonada.
Se sentaram em uma mesa no centro. Durante o caminho, Cydrick percebeu que todos
o olhavam, era como se ele tivesse uma doença contagiosa. Como se ele fosse uma
problema, como se fosse um estranho. Ao fundo do refeitório, pode avistar a menina de
boné e cabelos escarlate, a fofoqueira. Shey acenou para ela, e ela devolveu com um
enorme sorriso.
— Kalia. — Disse o agente, seu sorriso e sua risada era de uma pessoa envergonhada.
Cydrick começou a comer, sem dar atenção para os flertes à distancia do agente.
Passou o creme marrom em algumas fatias de pão, e quando comeu se surpreendeu com
o gosto.
— O que é isso? — De boca cheia perguntou a Shey.
— Se chama creme de avelã. — Ele respondeu, deu um gole no suco de cor púrpura.
— Todas essas frutas e coisas, nunca as vi para vender. — Comentou, seu tom de
surpresa o fez parecer uma pessoa com medo em um ambiente completamente diferente
a qual estava habituado, talvez era realmente isso.
— Não me surpreende — Disse Shey, se encostou na cadeira de ferro e fechou os
olhos. As palavras solenes começaram a sair de sua boca, — afinal, estão todas
extintas.
— Foi a Guerra, não? — Cydrick semicerrou os olhos, algo na Guerra sempre o
incomodava, mexia consigo falar naquela assunto.
— A Guerra, os Dias Escuros, a política de Nova- Asteca, tudo ajudou para a extinção
de diversas espécies. — Shey ainda estava com a expressão séria, provavelmente
também não lhe agradava falar sobre aquilo
— Você era vivo, não era? Digo, quando a Guerra ocorreu?
— Era. — O agente respondeu pausadamente, havia fechado os olhos, era como se
tivesse revisando as imagens em sua mente. — Ainda me lembro quando o primeiro
míssil fora disparado, as bombas atômicas destruindo países, deformando continentes,
destruindo tudo que tocavam. Maquinas que alteraram o clima fazendo inundações,
derretendo geleiras propositalmente... — Ele se ajeitou na cadeira, e com uma tosse
engoliu um pigarro. — Ainda lembre de meu irmão saindo pela porta e indo servir ao
exercito, disse que iria mudar o mundo. Uma semana depois recebemos a noticia que o
avião que ele e outros soldados estavam havia sido atingido por uma enorme explosão,
o corpo dele foi desintegrado na explosão. Todos choraram por semanas, mas eu não,eu
era novo de mais para reconhecer a dor de uma perda, tinha só sete anos....
— Deve ter sido triste. — Cydrick lamentou. — Você não me parece muito confortável
falando sobre isso.
— E era para estar?
7
JUNO
— E essa. — Shey abriu os braços quando a porta de metal correu para o lado, o
barulho do pistão de gás a puxando ecoou no silencio que era o local, soltando uma leve
fumaça. — È a sala dos computadores.
Depois de comerem o primeiro lugar para onde Shey rumara fora para um corredor e
norte. Durante o caminho, notou Cydrick, as pessoas já estava com seus uniformes,
fardas escuras, mas as pessoas desses corredores não tinham armas nem algo do tipo,
mas sim Fixer’s, aparelhos retangulares idênticos aos distribuídos pelo Estado. Iria
perguntar o que aqueles aparelhos estavam fazendo ali, já que no dia anterior Shey
havia quebrado o dele dizendo que Fixer’s poderiam denunciar a localização. Mas no
instante que as palavras estavam saindo de sua boca, Shey havia aberto a porta das salas
dos computadores.
O ar condicionado do local parecia ser mil vezes mais potente do que o da Base inteira.
O ar era gélido, e as narinas de Cydrick queimavam mais do que o habitual. Espirrou
silenciosa e rapidamente, não queria romper aquele vácuo de palavras que estava ali. AS
pessoas, sentadas em cadeiras almofadas, teclavam nos seus teclados digitas
rapidamente, sem parar nenhum segundo. Letras verdes subiam por todas as telas.
Cydrick não conseguiu ver o que tinha na sala além de computadores com LED’s e
teclados projetados, já que a sala era escura, as lâmpadas claras ficavam apenas do lado
de fora. Imaginou quanto tempo àquelas pessoas demorariam a se acostumar à
claridade.
Shey se afastou de Cydrick, o deixando perto de uma homem mal encarado, que,
durante curtos intervalos, olhava para ele na tentativa de intimidá- lo. Quando Shey
voltou ele estava acompanhado por uma moça, alta, pálida, olhos escuros e cabelos
vermelhos ocultos por um boné. Seu nome era Kalia.
Sem deixar Cydrick fazer pergunta alguma os três saíram da sala. Kalia encarou o
menino rapidamente, Cydrick pode notar seu sorriso irônico. Os dentes incisivos dela
eram maior que o comum, fazendo dela um pouco.... diferente.
— O pessoal daqui não parece muito amigável. — Comentou Cydrick depois que as
portas se fecharam
— Amigável é o que não são. — Shey respondeu. — Estão aqui pela inteligência, não
pelo carisma.
— Por aqui. — Disse Kalia, os guiando.
Ela estava na frente, andava com passos largos e parecia estar com pressa. Seu tom era
sério, como de uma pessoa amarga ou frustrada. Ela caminhava com a cabeça, deixando
a sombra do boné encobrir sua face deverás ríspida. Seus cabelos, provavelmente
tingidos, eram vermelho vivo, ficavam em evidencia naquela roupa escura.
Ela virou e entrou em um corredor pouco mais estreito que o anterior, com uma única
porta dupla no final. Se aproximou, e com um movimento rápido passou a Data pelo
leitor eletrônico. O LED acima brilhou e um bip ecoou. Acesso permitido, disse uma
voz robotizada.
As portas se abriram rapidamente, tempo suficiente só para a agente entrar. Cydrick e
Shey ficaram para fora.
— Está com a sua Data aí? — Shey perguntou enquanto sacava a Data do bolso. Com a
mesma rapidez e experiência que Kalia, ele não fez cerimônia alguma para passar o
cartão no leitor.
— Estou. — Cydrick respondeu alguns segundos antes de Shey entrar e as portas se
fecharem. Começou a apalpar os bolsos, por um instante pensara que tivera esquecido a
Data no quarto, mas conseguiu sentir algo retangular em seu bolso. Suspirou, e tentando
ser rápido como os dois anteriores, passou o cartão sem hesitar.
As portas correram para o lado, assim revelando um quarto quadrado, não muito
aconchegante. A luz que saia do teto era alaranjada e uma poltrona almofada estava
virada para a entrada, como se tivesse esperando por Cydrick. Kalia estava na frente de
um painel na parede, revisando algumas informações que Cydrick não se deu o trabalho
de entender. Shey estava apoiado perto dela, com um pé e as costas apoiados na parede.
Ele acenou para Cydrick em um afirmativo que ele entendeu como “Pode se sentar”.
Obedecendo a “ordem” de Shey, resolveu se sentar.
As almofadas da poltrona pareciam que iriam o engolir, fora essa a impressão que teve.
Era confortáveis, algo inseparável com qualquer outra coisa, parecia ser feita de nuvem.
— O que é aqui? — Perguntou, mas desta vez, Shey não parecia muito disposto a
responder.
O olhar do agente era frio, como de um cientista prestes de fazer uma experiência
arriscada. Um brilho de remorso e medo tremulava na expressão de Shey.
— Você vai participar do Teste.
Cydrick arregalou os olhos, por algum motivo, conseguiu perceber algo sombrio no
tom de voz e no comportamento de ambos os agente. Seus pelos se arrepiaram, e seus
punho se cerraram quase que involuntariamente. Mas antes que tentasse levantar e fazer
mais perguntas, Shey amarrou suas mãos com tiras de couro. Tentou reagir, mas elas
estavam muito firmes, se permanecesse mais alguns minutos assim seus pulsos ficariam
cortados.
— Você não comentou de teste algum... — Disse, sua voz começou a falhar, como a de
uma criança acanhada. Tentou tirar seu pulso, mas dessa vez pode sentir a tira de couro
cortando a parte superior, reagiu com um chiado.
— O Teste é secreto. — Shey respondeu, ele se levantou o começou a encarar Cydrick
por cima, como se estivesse observando parasitas no chão. Seus olhos estavam dourados
com a luz alaranjada da sala, mas ao mesmo tempo haviam sombras que faziam a vista
se perder. — Se conseguir concluir o teste, você realmente será um membro da
Resistência. — Concluiu.
— E caso eu não conseguir? — Perguntou, na situação que estava, aquela era a única
coisa que podia fazer. — Eu serei dispensado?
— Ainda não falou dessa parte com ele? — Kalia perguntou a Shey. Seus olhos escuros
eram tão irônicos e sádicos quanto seu sorriso. Os cabelos pareciam estar um tom mais
forte com aquela iluminação. Ela mexeu algo na tela azulada e em seguida, com um
movimento leve e elegante abriu um enorme quadrado. A foto de Cydrick havia
aparecido ali, assim como seu nome e os outros dados de sua Data. — Pensei que já
tinha explicado todos os tramites com o iniciado.
Shey retribuiu o sorriso dela com um igual. Ele encarou o menino amarrado na
poltrona.
— Cydrick, não podemos te dispensar. Você já sabe a localização da Resistência e boa
parte das instalações. Seria um risco te liberar. — Suspirou, parecia estar tão nervoso
quando Cydrick, mas ele não tinha porque estar daquele jeito, não estava amarrado na
cadeira conversando com desconhecidos sobre um teste. — Então caso você falhe,
teremos que te eliminar.
As palavras saíram secas e sem sentimento algum, a ironia havia ido embora, assim
como o sarcasmo e os sorrisos discretos. As sobrancelhas, ambas erguidas, estavam
projetando uma sombra sobre o olhar do agente, algo que fez Cydrick deduzir que ele
estava nervoso. Muito nervoso.
Kalia surgiu por trás de Cydrick e colocou dois eletrodos na lateral de sua cabeça. Eram
ventosas pegajosas, talvez banhadas no próprio suor de Cydrick, que escorria pelos
poros como água em um cachoeira.
— Boa sorte. — Kalia soprou em sua orelha. Apesar dela estar sendo solidaria, ele
ainda não pode se agradar, a ironia não saia da voz dela, era como se ela estivesse
zombando dele o tempo inteiro.
— Como foi o teste de vocês? — Perguntou de súbito.
— Ótimo. — Ela respondeu enquanto não tirava os olhos do painel azul. Os dedos
deslizavam como folhas ao vento naquela tela índigo. — Enfrentar algumas aranhas não
foi de nada, perdi meu medo.
— O meu não foi tão agradável assim, rever meu irmão naquele estado... — Shey
respondeu, virou o rosto para lado e pareceu se perder em pensamentos.
— O Teste avalia o medo das pessoas?
— Na verdade o Teste avalia os limites da pessoa. — Shey limitou a explicação para
poucas frases. — Queremos saber até onde nossos agentes podem ir.
— Tudo pronto! — Kalia anunciou, ela olhou rapidamente para Shey, que lhe encarou
de volta e anuiu com a cabeça. — Garoto, você vai se sentir um pouco cansado depois
do Teste, então, espere até eu te liberar.
— Ok. — Concordou.
— Vamos lá. — Ela apertou algo na tela azulada.
As luzes alaranjadas se apagaram, o ar condicionado quente do local pareceu desligar, e
todos os barulhos externos cessaram. Os eletrodos tremeram nas veias lateral do crânio,
e uma leve vertigem atingiu a cabeça de Cydrick, por um minuto se imaginou girando
em círculos, mas logo firmou os pés no chão. Ambas as siluetas sumiram subitamente,
Shey e Kalia se desfizeram em poeira escura, se juntaram as sombras da sala. A vista de
Cydrick fora se fechando automaticamente, como se estivesse com sono.
Quando as pálpebras se abriram, enxergava apenas um enorme borrão cinzento. Sua
visão, completamente disfocada, não o ajudava em nada, assim como os outros sentidos,
que nessa hora, não parecia existir. Não sentia cheiro de nada, muito menos ouvia algo,
era como se o ouvido e o nariz estivessem tampados por algo. O único sentido que
aparentemente funcionava era o tato, já que conseguia, levemente, sentir o chão gelado
e duro onde estava deitado. A textura era similar ao asfalto das ruas de Nova- Asteca,
mas algumas pedras lhe incomodavam na parte superior das costas, eram pedregulhos
pontudos, pequenos espinhos rochosos.
Sua visão começou a se alinhar, e o que via em dobre começou a virar um só. O céu
cinzento, coberto de poeira atômica e algo atrás, uma bola de luz que supostamente seria
o sol. O clima era quente, mas nunca tropical, como aquela terra já fora um dia. Um
vento ambiente fez grãos de poeira voar em sua boca, Cydrick tossiu, uma tosse
artificial, não pode sentir a garganta coçando, o pigarro subindo, uma sensação se
apossou de seu corpo. Era agonizante não ter resposta alguma de nervos, sua pele agora
era de aço, sem sentir nada. Seus pés não captavam a dureza no chão, não podia dizer
para si mesmo se a rua era de almofadas confortáveis ou de um concreto formal.

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