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ESTUDOS SOBRE

DESENVOLVIMENTO REGIONAL
EM EXPERIÊNCIAS DE
SANTA CATARINA, PARANÁ E
MATO GROSSO DO SUL
APOIO: Este livro teve o apoio financeiro para publicação da

Os recursos referem-se ao Edital Pró-Eventos, Chamada Pública N. 06/2015 -


Pró-Eventos 2016/Fase 2 - Termo de Outorga N. 2016TR2035.

O presente livro compõe o Volume 2 dos Anais do IV Seminário Internacional de


Integração e Desenvolvimento Regional e IV Workshop sobre Desenvolvimento Regio-
nal no Território do Contestado, coordenado pelo Prof. Dr. Alexandre Assis Tomporos-
ki e Prof. Dr.Valdir Roque Dallabrida, cujo evento ocorreu nos dias 26 a 28 de outu-
bro/2016. O evento está vinculado ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento
Regional.
Alexandre Assis Tomporoski
Valdir Roque Dallabrida

(Organizadores)

ESTUDOS SOBRE
DESENVOLVIMENTO REGIONAL
EM EXPERIÊNCIAS DE
SANTA CATARINA, PARANÁ E
MATO GROSSO DO SUL

1ª edição

LiberArs
São Paulo - 2016
Estudos sobre desenvolvimento regional em experiências de Santa Catarina,
Paraná e Mato Grosso do Sul.
© 2016, Editora LiberArs Ltda.

Direitos de edição reservados à


Editora LiberArs Ltda.

ISBN 978-85-9459-027-5
Editores
Fransmar Costa Lima
Lauro Fabiano de Souza Carvalho

Revisão Ortográfica
Os organizadores
Editora LiberArs

Revisão técnica
Cesar Lima

Editoração e capa
Simone Alauk

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP

Tomporoski, Alexandre Assis


Estudos sobre desenvolvimento regional em experiências de Santa
Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul / Alexandre Assis Tompo-
roski, Valdir Roque Dallabrida (orgs.) – São Paulo: LiberArs, 2016.

ISBN 978-85-9459-027-5

1. Desenvolvimento Regional – Santa Catarina 2. Desenvolvimento


Regional – Paraná 3. Desenvolvimento Regional – Mato Grosso do
Sul 4. Desenvolvimento Territorial – atividade econômica I. Título

CDD 338.9
CDU 338

Todos os direitos reservados. A reprodução, ainda que parcial, por qualquer meio,
das páginas que compõem este livro, para uso não individual, mesmo para fins didáticos,
sem autorização escrita do editor, é ilícita e constitui uma contrafação danosa à cultura.
Foi feito o depósito legal.

Editora LiberArs Ltda.


www.liberars.com.br
contato@liberars.com.br
SUMÁRIO

PRIMEIRA PARTE
DESAFIOS, POSSIBILIDADES E PROSPECÇÕES SOBRE
DESENVOLVIMENTO NO TERRITÓRIO DO CONTESTADO

TERRITÓRIO DO CONTESTADO: ASPECTOS HISTÓRICOS DO


PROCESSO DE MARGINALIZAÇÃO
Sandro Luiz Bazzanella ........................................................................................................ 15

CICATRIZES DO CONTESTADO: A ESTATIZAÇÃO DA


SOUTHERN BRAZIL LUMBER AND COLONIZATION COMPANY
E O ADVENTO DO CAMPO DE INSTRUÇÃO MARECHAL HERMES
Alexandre Assis Tomporoski
Ana Claudia de Lemos Flenik ............................................................................................ 23

SERTÃO É TERRA ONDE PERU DÁ COICE, CANDEEIRO


DÁ CHOQUE E O CISCO FAZ A CURVA: BREVE ANÁLISE
SOBRE O “SERTÃO” NA HISTORIOGRAFIA CLÁSSICA BRASILEIRA E DO
CONTESTADO
Eloi Giovane Muchalovski................................................................................................... 39

A POBREZA NO PLANALTO NORTE CATARINENSE: REPRESENTAÇÕES


SOCIAIS E IMPLICAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL
Maria Luiza Milani
Pollyana Weber da Maia Pawlowytsch ........................................................................ 57

O TURISMO NO TERRITÓRIO DO CONTESTADO: POTENCIALIDADES


PAUTADAS EM ASPECTOS
HISTÓRICOS E POLÍTICAS PÚBLICAS
Alexandre Assis Tomporoski
Sandro Luiz Bazzanella
Ivone Mazutti de Geroni ...................................................................................................... 85

SIGNOS DISTINTIVOS TERRITORIAIS: INDICAÇÃO GEOGRÁFICA,


MARCAS COLETIVAS E SUA RELAÇÃO
COM O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
Karine Rohrbacher
Cilmara Corrêa de Lima Fante
Valdir Roque Dallabrida ................................................................................................... 103
QUESTÕES AMBIENTAIS ATUAIS: COMPREENDÊ-LAS, É PRECISO. UMA
VISÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DOS PROBLEMAS AMBIENTAIS
ATUAIS
Danielle de Ouro Mamed
Jairo Marchesan
Sandro Luiz Bazzanella ..................................................................................................... 115

PROGRAMA ENSINO MÉDIO INOVADOR: EXPECTATIVAS


DOS ESTUDANTES E ARTICULAÇÕES COM O DESENVOLVIMENTO
REGIONAL
Janete Paiter de Souza
Argos Gumbowsky
Maria Luiza Milani............................................................................................................... 119

IDEB: IMPORTANTE MECANISMO PARA PERCEBER A EDUCAÇÃO EM


DIFERENTES CONTEXTOS
Rosimari de Fátima Cubas Blaka .................................................................................. 123

SEGUNDA PARTE
DESAFIOS, POSSIBILIDADES E PROSPECÇÕES SOBRE
DESENVOLVIMENTO EM OUTROS ESTADOS DO BRASI

PERCEPÇÃO DA SOCIEDADE SOBRE A IMPORTÂNCIA DO TURISMO NO


DESENVOLVIMENTO LOCAL:
UMA ANÁLISE DO MUNICÍPIO DE PIRAQUARA/PR
Jorge Amaro Bastos Alves................................................................................................ 129

VALORIZAÇÃO DA TERRA NA REGIÃO OESTE DO PARANÁ: AINDA


VALE A PENA INVESTIR EM TERRAS NA REGIÃO?
Guilherme Asai
Moacir Piffer........................................................................................................................... 153

ECONOMIA CRIATIVA E MERCADO DE TRABALHO:


UMA ABORDAGEM INTRODUTÓRIA TENDO O
MATO GROSSO DO SUL COMO REFERÊNCIA
Fabrício A. Deffacci
Leoncio E. dos Santos Junior
Weronica D. Adamowski
Rafael Moreno ....................................................................................................................... 161

QUEREMOS INVESTIR EM ARMAZENAGEM DE GRÃOS?


ESTUDO COM PRODUTORES RURAIS DE PONTA PORÃ/MS
Igor Lopes Pereira / Francis Regis G.M. Barbosa
Thiago Quinhones
Carlos Otávio Zamberlan ................................................................................................. 167
A SUCESSÃO RURAL COMO FONTE DE REPRODUÇÃO SOCIAL: ESTUDO
NO ASSENTAMENTO DORCELINA FOLADOR
Gianete Paola Butarelli
Paulo Roberto da Silva
Raquel EberhardBuss
Carlos Otávio Zamberlan ................................................................................................. 171

ANÁLISE DO DESAMPARO DIGITAL NOS ASSENTAMENTOS RURAIS E


SEU DESSERVIÇO AO DESENVOLVIMENTO REGIONAL
Aline Robles Brito
Carlos Otávio Zamberlan
Edson Pereira de Souza
Romildo Camargo Martins .............................................................................................. 175

ARANDUASSU DIGITAL: UNA PROPUESTA DE INCLUSIÓN DIGITAL EN


ÁREAS REMOTAS
Carlos Busón Buesa
Carlos Octavio Zamberlan ............................................................................................... 179

ANÁLISE DOS RESULTADOS E METAS DO IDEB DA REDE PÚBLICA DO


MUNICÍPIO DE PONTA PORÃ/MS
Juliana Faoro Gomes Brissov
Carlos Otávio Zamberlan ................................................................................................. 183

DINÂMICA ECONÔMICA E ESPACIAL DAS EXPORTAÇÕES


DE PRODUTOS DE BASE FLORESTAL EM SANTA CATARINA. UMA
ANÁLISE PARA O PERÍODO DE 2005 – 2014.
Ivo Raulino .............................................................................................................................. 187
APRESENTAÇÃO

Apresentamos aos leitores o Volume 2 dos Anais do IV Seminário Inter-


nacional de Integração e Desenvolvimento Regional e IV Workshop sobre
Desenvolvimento Regional no Território do Contestado, como uma coletânea
de artigos, na forma de E-book. Os eventos em questão foram realizados du-
rante os dias 26, 27 e 28 de outubro de 2016, no Campus de Canoinhas da
Universidade do Contestado (UnC), como promoção do Programa de Mestrado
em Desenvolvimento Regional.
A coletânea é composta por dezessete artigos, os quais foram apresenta-
dos nos eventos referidos, ou fizeram parte de mesas de debate. Trata-se de
textos que reproduzem estudos, na sua maioria já com resultados finais, ou-
tros ainda em andamento, como inovações em termos de alternativas de de-
senvolvimento para regiões ou municípios dos estados do Mato Grosso do Sul,
Paraná e Santa Catarina (Brasil).
Assim, o livro está estruturado em duas partes. Na primeira parte, os
primeiros nove textos, apresentam desafios, possibilidades e prospecções
sobre desenvolvimento no Território do Contestado, recorte territorial inseri-
do nos estados de Santa Catarina e do Paraná. Na segunda parte, os outros oito
textos estão centrados em estudos que focam desafios, possibilidades e pros-
pecções sobre desenvolvimento em outros estados do Brasil, em especial,
Mato Grosso do Sul e Paraná.
Com esta publicação, o Programa de Mestrado da UnC, dá mais uma con-
tribuição para o debate do tema desenvolvimento regional, nos municípios de
sua região de Santa Catarina e outros estados.
Desejamos a todos uma boa leitura!

Prof. Dr. Valdir Roque Dallabrida


Prof. Dr. Alexandre Assis Tomporoski
ORGANIZADORES

11
PRIMEIRA PARTE

DESAFIOS, POSSIBILIDADES E PROSPECÇÕES SOBRE


DESENVOLVIMENTO NO TERRITÓRIO DO CONTESTADO

13
TERRITÓRIO DO CONTESTADO:
ASPECTOS HISTÓRICOS DO PROCESSO DE
MARGINALIZAÇÃO

Sandro Luiz Bazzanella1

1. INTRODUÇÃO

Para colocarmos em debate aspectos históricos do processo de margina-


lização do Território do Contestado, trazemos ao centro da cena reflexiva o
filósofo alemão Walter Benjamin, tomando como referência e pressuposto
reflexivo algumas das teses apresentadas pelo pensador em seu famoso texto:
“Sobre o conceito de história”. Este texto foi redigido na aurora de 1940, nos
anos iniciais da II Guerra Mundial e, pouco antes de Benjamin empreender
uma tentativa de escapar da França, sob o regime colaboracionista de Vichy,
em que refugiados alemães judeus e marxistas eram entregues às autoridades
da Gestapo. A tentativa de fuga foi frustrada. Capturado pela polícia franquista
na fronteira espanhola Walter Benjamin opta pelo suicídio em setembro de
1940.
Evidentemente, não se trata aqui de uma explanação do pensamento de
Benjamin, muito menos de uma abordagem das teses de sua filosofia da histó-
ria lida a contrapelo no referido texto: “Sobre o conceito de história”, ou mes-
mo dos pressupostos teológicos e filosóficos que compõe a concepção de his-
tória de Benjamin, mas a partir de algumas concepções presente nas teses
apresentadas no documento supracitado pensar refletir e, sobretudo, reme-
morar as condições que implicam no processo de marginalização do Território
do Contestado.

2. A QUESTÃO DOS CONCEITOS

Preliminarmente, ressalte-se que a temática proposta parte do pressu-


posto de que o Território do Contestado encontra-se em condição de margina-
lização. Portanto, tal proposição sugere que a situação de marginalização é
algo questionável, não desejável, ou que necessita ser superado e, de que tal
condição pode, ou deve ser compreendida a luz do processo histórico que o

1Doutor em Ciências Sociais, com atuação no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da


Universidade do Contestado. E-mail: sandroluizbazzanella@gmail.com

15
conformou e o conformam em suas dimensões sociais, políticas, econômicas e
culturais contemporâneas.
Neste contexto, a precisão conceitual em torno do termo marginalização
assume importância decisiva, o que nos remete a uma consulta aos dicionários
da língua portuguesa, que remetem o termo marginalização ao verbo margina-
lizar: 1. “Impedir que participe de; por a margem de uma sociedade, de um
grupo, da vida pública.” Assim, a definição de marginalização sugere uma ação
marcada pela violência perpetrada por indivíduos, que impedem que outros
indivíduos participem de determinado âmbito de relações individuais, ou
sociais. Sugere por extensão, ação violenta de grupos, ou de instituições que
cerceiam a participação de outros grupos, de setores da sociedade da vida
social de uma comunidade, de um território, ou mesmo de um país.

3. A CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA DE WALTER BENJAMIN E A


COMPREENSÃO DO PROCESSO HISTÓRICO DE MARGINALIZAÇÃO DO
CONTESTADO

É a partir destes pressupostos que as variáveis da concepção de história


de Walter Benjamin podem contribuir com nosso esforço de compreensão dos
processos históricos de marginalização do Território do Contestado. Assim, é
inerente a concepção benjaminiana de história a crítica ao historicismo e sua
visão de tempo derivado da historiografia iluminista marcado pela aposta no
continuum de um tempo rumo ao progresso, ou de seu homônimo contempo-
râneo de um tempo marcado pela ansiedade pelo desenvolvimento.

Benjamin visa a mesma concepção de “tempo homogêneo e vazio”, esse tempo


indiferente e infinito que corre sempre igual a si mesmo, que passa engolfan-
do o sofrimento, o horror, mas também o êxtase e a felicidade. A historiografia
que se baseia nesta concepção trivial do tempo como cronologia linear opera a
partir de princípios cujo fundamento se assenta num conceito totalmente em-
botado de causalidade histórica, como se a sucessão cronológica fosse sinôni-
mo de uma relação substancial de necessidade histórica: “O historicismo con-
tenta-se em estabelecer um nexo causal entre os diversos momentos da histó-
ria. Mas nenhum fato, por ser causa, já é, só por isso, um fato histórico. A isso
Benjamin opõe um conceito pleno de “tempo de agora”, ao mesmo tempo sur-
gimento do passado no presente e “evento do instante daquilo que começa a
ser... que deve, pelo seu começo, nascer a si, advir a si, sem partir de lugar ne-
nhum”. O instante imobiliza esse desenvolvimento temporal infinito que se
esvazia e se esgota e que chamamos – rapidamente demais – de história. Ben-
jamin opõe a exigência do presente, que ela seja o exercício árduo da paciên-
cia ou risco da decisão (GAGNEBIN, 2009, p. 96/97).

Ou seja, para Benjamin a “história que se lembra do passado também é


sempre escrita no presente e para o presente. A intensidade dessa valorização
e renovação quebra a continuidade da cronologia tranquila, imobiliza seu
fluxo infinito, instaura o instante e a instância da salvação” (GAGNEBIN, 2009,
p.97). Assim, o pensador nos propõe um tempo presente que não se apresenta

16
como o resultado necessário de um passado que se atualiza no presente, nem
mesmo como transição para outro tempo futuro, mas como um tempo que se
mantém imanente na absolutidade de seu presente vital. Ainda nesta perspec-
tiva, para Benjamin argumenta:

O passado não se entrega a nós; ele só nos envia sinais cifrados, que dão conta,
misteriosamente, de seus anseios de redenção. Cada geração recebe uma es-
cassa força messiânica para perceber esses anseios do passado. É a partir de
nossa luta no presente que podemos entrever a verdade das lutas que ocorre-
ram antes. A recuperação do passado se dá na forma de recordações que cinti-
lam num momento atual de perigo (KONDER, 1999, p. 105).

Ou seja, se compreende se age suficientemente diante das estruturas so-


ciais, políticas e econômicas e de seus processos de marginalização que con-
formam no presente limites e ameaças a vida humana e ao mundo na medida
em que capta os sinais, os acontecimentos passados que circunscrevem o pre-
sente. “A afinidade que temos com os que nos precederam passa pelo perigo,
em que nos encontramos, de ceder diante da opressão" (KONDER, 1999, p.
105). Nas palavras de Benjamin presentes na Tese VI: “Articular o passado
historicamente não significa conhecê-lo “tal como ele propriamente foi”. Signifi-
ca apoderar-se de uma lembrança tal como ela lampeja num instante de perigo.
(...) Em cada época é preciso tentar arrancar a transmissão da tradição ao con-
formismo que está na iminência de subjugá-la” (LÖWY, 2005, p.65).
Sob tais pressupostos é preciso atenção para o fato de que “O passado
acena para nós, de longe, mas só poderemos aproveitar a riqueza das energias
humanas encerradas nele se formos capazes de agir, no presente, com genuína
paixão libertadora” (KONDER, 1999, p. 105), com vontade crítica e, compro-
metida com as experiências vividas pelos seres humanos que conformam o
mundo em que nos circunscrevemos. Assim, questionar a condição de margi-
nalização do Território do Contestado a luz dos processos históricos significa
a partir de perspectivas da filosofia da história de Benjamin assumir uma tare-
fa ética inadiável.
Tarefa ética implícita no simples fato do nascimento de um cidadão do
Território do Contestado e o necessário reconhecimento social de uma dívida.
Dívida com sua subsistência, com a possibilidade de reconhecer-se herdeiro
de uma tradição comunitária e territorial e, por decorrência de ter assegurado
uma condição vital de pertencimento a terra, a cultura em que se circunscreve
e se circunscreverá sua visão de mundo e sua existência.
Na extensão da tarefa ética, apresenta-se necessariamente a tarefa políti-
ca de comprometer-se com a afirmação da liberdade como ponto de partida, a
partir do qual todo ser humano tem direito à vida, e a realização de sua potên-
cia vital individual e, em âmbito social. O reconhecimento no tempo presente
da tarefa ético-política revela-se no compromisso de afirmar uma sensibilida-
de estética adequada ao território, à seres humanos marginalizados, de quem

17
lhes foi retirado e negado o acesso à terra, as condições dignas de vida e de
exercício de sua liberdade de pensamento e ação e, por extensão a possibili-
dade de rememorar suas lutas, suas derrotas, suas vitórias, seu modo de ver e
se situar no mundo.

4. AUTORITARISMO E A NEGAÇÃO DA PALAVRA

Sob tais pressupostos, advindos da perspectiva benjaminiana de tempo e


de história, apresenta-se oportuno rememorar aspectos históricos constituti-
vos do processo de marginalização do Território do Contestado, cujas marcas
se apresentam em nosso modo de entendimento vivas e atuantes no presente.
O autoritarismo e sua variável extrativista.
O autoritarismo é marca registrada da conformação social e política bra-
sileira. Donos de Capitanias hereditárias, Senhores de engenho, Capitães do
mato, Generais, Coronéis, Doutores, Juízes, entre outras denominações são
alguns dos personagens que moldaram nossa sociedade de castas, reverbe-
rando tal condição em linguagem popular, ou em ditos populares, tais como:
“Manda quem pode, obedece que tem juízo”; “Aqui cada um sabe seu lugar”.
Assim, se pode partir do pressuposto de que o autoritarismo como um
dos aspectos determinantes do processo histórico de marginalização do Terri-
tório do Contestado se manifesta em dois momentos constitutivos de um con-
tinuum de práticas autoritárias. Primeiro na “Questão do Contestado”, em que
o Estado de Santa Catarina e o Estado do Paraná entraram em litígio, ou con-
testaram a posse destas terras e de traçados fronteiriços.
O que estava em jogo prioritariamente era o domínio territorial de cada
um destes entes federados. Os vínculos comunitários constitutivos da ocupa-
ção destas terras pela população nativa e, que transcendem o mero traçado de
fronteiras e a garantia de domínio de largas porções de terra por parte dos
dois estados não entraram nos cálculos dos interesses estratégicos da disputa
estatal. Fato que se evidencia na forma da condução jurídica da questão junto
ao Supremo Tribunal Federal da época e, sua solução por meio da intervenção
do então presidente da República, Venceslau Brás em abril de 1916, exigindo
dos referidos estados a assinatura de acordo. Assim, talvez se possa afirmar
que a questão do contestado foi tão somente uma questão de estado na qual os
seres humanos, a população do contestado, seu abandono por parte do estado,
suas mazelas, sua marginalização não foi incluída na contenda entre os esta-
dos, muito menos no acordo celebrado.
Ato contínuo, num segundo momento, a manifestação do autoritarismo
se manifesta na Guerra do Contestado. No que concerne ao conhecimento do
contexto de época, das causas da Guerra, do desenvolvimento e, desdobra-
mentos do conflito nos mais diversos âmbitos, o trabalho realizado pelos his-
toriadores é revelador e desautoriza quem vos fala a incursões nesta seara.
Mas, nos compete reconhecer as heranças autoritárias do conflito que se ma-

18
nifestam no processo histórico de marginalização contemporânea do Territó-
rio do Contestado.
Neste contexto, talvez se possa afirmar e, mesmo rememorar que a mar-
ginalização do Território do Contestado continua a manifestar-se na sutileza
de práticas autoritárias que promovem o silêncio em torno da Guerra do Con-
testado. A despeito dos avanços, dos estudos, das pesquisas e publicações em
torno do conflito, majoritariamente em âmbito acadêmico é fato de que a soci-
edade brasileira desconhece significativamente a existência do conflito, sua
intensidade, profundidade e, sobretudo as sequelas na conformação antropo-
lógica, política, econômica e cultural do Território do Contestado.
Ou por outra perspectiva, talvez seja possível reconhecer na estratégia
autoritária de promoção do silêncio em torno do conflito, o fato de apresentá-
lo como informação secundária em livros didáticos e manuais de história. Mais
recentemente, esta estratégia de silenciar o conflito e as contradições que lhe
são inerentes se apresenta na forma de apresentá-lo com produto turístico a
ser ofertados para os ávidos consumidores apressados em vivenciar novas e
instantâneas experiências numa infinidade de selfies descontraidamente de-
sinteressados de qualquer compreensão em relação a implicâncias éticas,
políticas e estéticas do processo de marginalização vivenciado cotidianamente
pelo Território do Contestado.
Assim torna-se urgente reconhecer que é inerente as práticas autoritá-
rias constitutivas da sociedade brasileira, promover senão patrocinar o silên-
cio, o esquecimento em torno das contradições, da violência de suas práticas
políticas, econômicas e sociais. Talvez, se possa afirmar que tais práticas auto-
ritárias circunscrevem a natureza humana, ou mesmo a condição humana,
apresentando-se em suas especificidades nos mais variados povos e culturas.
Mas, invariavelmente é preciso ter presente que fazer silenciar um fato, um
acontecimento, um ser humano, ou todo um território significa negar-lhes a
palavra. Negar a palavra é negar a possibilidade da narrativa, do testemunho
do que aqui ocorreu, do direito a rememoração dos fatos e acontecimentos
que envolveram as gerações que nos antecederam e, que conformaram as
bases históricas de marginalização do Território do Contestado na atualidade.
A imposição do silêncio ao Território do Contestado em relação a expressão
de suas fraturas, de suas contradições e conflitos conformou-se como estraté-
gia de mantê-lo a margem, marginalizado impedindo o reconhecimento de si
mesmo a partir de suas origens e, por extensão, de que este reconhecimento
se circunscrevesse como variável constitutiva da conformação da sociedade
brasileira.
Mas, é preciso também reconhecer que o silêncio é uma das formas que
assume a linguagem humana. No silêncio de um indivíduo, de uma comunida-
de, ou de um Território reside uma narrativa de resistência. A imposição do
silêncio, do esquecimento, ou mesmo a negação da palavra pode retardar a
manifestação do discurso e da ação por gerações, mas não impede que a nar-

19
rativa se inscreva nas entrelinhas do discurso e na ação autoritária no tempo
presente.
Na perspectiva aristotélica o que caracteriza o ser humano é sua condi-
ção política. Assim, o homem é um animal político por ser um animal falante,
por possuir uma linguagem que lhe permite compartilhar a multiplicidade de
possibilidades que o mundo lhe apresenta cotidianamente. A política é sua
condição de ser no mundo, de agir conjuntamente com outros seres humanos
na conformação de um mundo que acolha dignamente a condição humana.
A ação política resulta dos laços de confiança entre homens, comunida-
des e territórios. Sob tais pressupostos, atentemos para o fato de que a ação
autoritária de imposição do silêncio, por meio da intensidade da narrativa
oficial em suas mais diversas formas (citadas em momento anterior deste
discurso), significa negar a palavra. A negação da palavra incide na impossibi-
lidade da ação política comum na constituição de laços de confiança comunitá-
rios e territoriais, fundamentais e necessários a afirmação de uma visão de
mundo que transcenda a marginalização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob tais pressupostos, talvez nos seja possível reconhecer contempora-


neamente no processo histórico de marginalização do Território do Contesta-
do, as seguintes variáveis advindas da negação da palavra, da memória, da
rememoração das narrativas de um modo de vida comunitário, de suas alegri-
as, de suas lutas, de sofrimentos constitutivos do Território e, que, por exten-
são em maior ou menor grau, se apresentam como características da socieda-
de brasileira como um todo.

1. A dificuldade de tomarmo-nos como objeto, de compreender a


natureza de nossa condição e de nossas contradições societárias,
uma vez que nos falta o domínio da profundidade da palavra
como expressão de nossa visão de mundo, de pensamento e de
reflexão sobre nossa condição de ser e estar e compartilhar o
mundo.
2. A dificuldade de estabelecermos laços de confiança societários
que nos permitam a ação política comum promovendo o bem
comum, o espaço público como condição sine qua nom para as-
segurar o desenvolvimento humano e social.
3. A dificuldade de constituirmos instituições que se apresentem
como expressão de práticas societárias democráticas e, que por
sua natureza coíbam acordos e interesses de grupos que lesam
os interesses comunitários e societários e territoriais.
4. A dificuldade de superarmos práticas econômicas e políticas an-
coradas no extrativismo, que se caracteriza pelo descomprome-

20
timento com o desenvolvimento do território e, que por reverso
beneficiam interesses isolados.
5. A dificuldade de superarmos a desconfiança característica de
nossa conformação societária marcada pelo autoritarismo extra-
tivista de nossa condição.

Desta forma, a concepção de história advinda de Walter Benjamin nos


apresenta a urgência da rememoração dos processos históricos de marginali-
zação do Planalto Norte Catarinense, marcados pela manifestação passada e
presente do autoritarismo e de seu correlato, o extrativismo. O extrativismo
que se caracteriza antropologicamente pela fragilidade dos laços de pertenci-
mento ao Território desdobrando-se na dimensão econômica, social e humana
de baixo comprometimento com a distribuição equitativa da riqueza material
produzida, bem com a valorização do bem comum, dos laços confiança comu-
nitários e sociais. Tal condição apresenta-se imprescindível para a constitui-
ção de uma dimensão pública e de bem viver, que acolha e promova a digni-
dade dos seres humanos atuantes neste espaço, apresentando-se também
como garantia de vida e dignidade para as gerações futuras.
Esta tarefa pertence ao tempo de agora, ao tempo presente, ao tempo que
resta. É inadiável!

REFERÊNCIAS

GAGNEBIN, J. M. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva,


2009.
KONDER, L. Walter Benjamin: o marxismo da melancolia. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1999.
LÖWY, M. Walter Benjamin: aviso de incêndio – uma leitura das teses “Sobre o Con-
ceito de história”. Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Brandt. Tradução das te-
ses Jeanne Marie Gagnebin; Marcos Luiz Müller. São Paulo: Boitempo, 2005.

21
CICATRIZES DO CONTESTADO:
A ESTATIZAÇÃO DA SOUTHERN BRAZIL
LUMBER AND COLONIZATION COMPANY E O
ADVENTO DO CAMPO DE INSTRUÇÃO
MARECHAL HERMES1

Alexandre Assis Tomporoski2


Ana Claudia de Lemos Flenik3

INTRODUÇÃO

O ano de 2016 encerra o período de rememoração do centenário do Mo-


vimento Sertanejo do Contestado (1912-1916). Os últimos quatro anos foram
marcados por uma intensa agenda positiva sobre o tema, proposta e desen-
volvida tanto pelo público acadêmico - mediante atuação de pesquisadores de
diversas universidades brasileiras, dentre as quais, A UDESC, UFSC, UFSM,
UFFS e UNC -, quanto pela população em geral, especialmente nos municípios
do Planalto Norte Catarinense, que ainda convivem com as consequências
daquele processo histórico.
Ato contínuo ocorreu a ampliação do interesse em relação ao assunto.
Durante este período, a notoriedade obtida pelo tema se evidencia pela profí-
cua produção acadêmica, literária e audiovisual sobre o Contestado 4.

1 O presente texto, na sua primeira versão, foi publicado na revista Desenvolvimento Regional em
debate, v. 6, n. 3 (2016).
2 Mestranda do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado
em Canoinhas/SC.
3 Professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado
(UnC), Santa Catarina, Brasil. Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail:
alexandre@unc.br
4 No ano de 2012 ocorreu o lançamento do documentário "O Contestado: restos mortais", do cineasta
Sylvio Back. Em 2015 foi lançado outro documentário, intitulado "Terra Cabocla", da cineasta Márcia
Paraíso. Esta obra se propõem a encontrar os descendentes dos rebeldes do Contestado nos dias atuais.
A obra, além de esteticamente encantadora, consiste em importante documento sobre a vida no
Contestado nos dias atuais. Entre a produção literária, merece destaque a obra "Caboclos Rebeldes: uma
aventura pela Guerra do Contestado", de Ricardo Campos. O autor produziu uma obra direcionada ao
público infanto-juvenil a partir das pesquisas mais recentes sobre a temática, contribuindo assim para a
superação de um dos principais problemas enfrentados pelos pesquisadores atualmente: viabilizar que o
conhecimento acadêmico seja disponibilizado ao público em geral que, mesmo na região do conflito,
ainda desconhece sua própria história.

23
Especificamente em relação à produção acadêmica, revigorada a partir
do início dos anos 2000, constata-se que nos últimos anos vem ocorrendo a
consolidação dessa área de pesquisa, principalmente em decorrência das ses-
sões do Simpósio Nacional sobre o Centenário do Movimento do Contestado,
evento que vem reunindo pesquisadores de diferentes universidades e de
distintas áreas do conhecimento5. Os estudos sobre o Contestado, além de
abundantes, – realizados a partir de uma instrumentalização teórica ampla e
sofisticada, que considera intensa busca e utilização de fontes inéditas –, esta-
beleceram novas abordagens e interpretações acerca daquele movimento
social, as quais vêm superando preconceitos e estereótipos que, a título de
exemplo, definiam os rebeldes revoltosos como "fanáticos" ou "jagunços" 6.
O avanço das pesquisas desvelou a complexidade do movimento, com su-
as especificidades, a heterogeneidade e a regionalização de suas causas. Cabe
lembrar que os estudos mais recentes não se restringem ao período do confli-
to, transcendendo o recorte cronológico tradicional. Esses incipientes estudos
vêm proporcionando a instauração de outro profícuo campo de pesquisa, qual
seja, o exame das consequências da Guerra do Contestado para aquela região,
cuja população ainda convive com os ecos do passado.
O período que precedeu o conflito foi caracterizado pela ampliação do
controle da terra, seja pela atuação do capital estrangeiro, representado tanto
pela ferrovia de propriedade da Brazil Railway Company, quanto pela madei-
reira operada por sua subsidiária, a Southern Brazil Lumber and Colonization
Company, seja pela atuação dos coronéis ou grandes comerciantes. Naquele
contexto, dada a privatização da terra e, por conseguinte, a proibição de aden-
trar as matas para realizar a coleta da erva mate, a situação dos pequenos
posseiros e sitiantes tornara-se insustentável. É plausível afirmar que, ao me-
nos no território do planalto norte de Santa Catarina, esse fator influenciou
decisivamente a adesão daquela população marginalizada ao movimento ser-
tanejo do Contestado.
Dentre as causas para o início do movimento sertanejo, adquire relevân-
cia as consequências suscitadas pela atuação de companhias estrangeiras, dos
setores ferroviário e madeireiro. Ambas, municiadas com a típica voracidade
do capital, avançaram sobre a região, exaurindo os recursos naturais, exter-
minando vidas e aniquilando as esperanças – de milhares de pessoas pobres

5 A primeira edição do Simpósio Nacional sobre o Centenário do Movimento do Contestado foi


realizada no ano de 2012, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. Desde
então o evento é realizado regularmente, congregando pesquisadores e interessados na temática, o que
vem ampliando e fortalecendo esta área de pesquisa.
6 É razoável afirmar que a obra de Paulo Pinheiro Machado, Lideranças do Contestado, publicada no
ano de 2004, marcou o início de uma nova fase de estudos sobre o movimento do Contestado.
Paralelamente, a abertura de novos programas de pós-graduação, a ampliação de vagas nos programas
existentes e o incremento de recursos destinados a bolsas de pesquisa, ocorrido a partir do início dos
anos 2000, permitiu o aumento do número de pesquisadores dedicados ao tema, produzindo dissertações
e teses, destacando-se os trabalhos de: Oliveira (2006); Welter (2007); Rodrigues (2008); Valentini
(2009); Carvalho (2012); Espig (2012); Karsburg (2012); Tomporoski (2013).

24
do interior do planalto meridional brasileiro – de que era possível viver em
um mundo repleto de justiça e equidade.
Após o término dos combates, as companhias estrangeiras permanece-
ram naquela região. A Lumber Company operou em Três Barras até o ano de
1940, quando foi estatizada por Vargas, durante o Estado Novo. Posteriormen-
te, no local em que aquela empresa atuou, ocorreu a formação de um campo
de manobras do exército brasileiro, resultando em outro processo de expro-
priação de pequenos proprietários rurais, famílias que ainda hoje lutam para
reaver as terras que lhes foram subtraídas injustamente.
O presente artigo pretende examinar a articulação política da companhia
e as consequências de sua atuação por mais de cinco décadas, até sua transfe-
rência para o Ministério da Guerra e posterior transformação num campo de
manobras do exército brasileiro.
Dessa forma, a análise não se restringe tão somente ao período de insta-
lação e operação da companhia, examinando, também, os impactos resultantes
da presença da Lumber Company, inclusive, os eventos sucedidos após sua
desativação.

METODOLOGIA

Objetivando compreender as mudanças ocorridas na região do Contesta-


do, suscitadas pela presença da Lumber Company, seja no período em que
esteve sob controle do capital estrangeiro, seja após sua estatização e posteri-
or controle pelo Ministério da Guerra, o artigo utiliza sugestões teórico-
metodológicas que convergem às perspectivas da História Social Inglesa –
especialmente as noções sugeridas por Thompson – aplicáveis aos estudos
que optam por uma análise que valoriza uma “história de baixo”, a qual pro-
põe que os mais pobres também demonstram (mesmo que muitas vezes tal
fato seja ignorado) o desenvolvimento de uma consciência das condições soci-
ais e políticas de sua marginalização.
É importante destacar que, o enfoque proposto pela história social ingle-
sa também expõe a necessidade premente de desenvolver uma “história de
cima”, visando complementar a “história de baixo”, evitando-se, assim, negli-
genciar uma perspectiva relacional, ou seja, é preciso valorizar as relações
mútuas, e considerar a reciprocidade entre a classe trabalhadora e as classes
dominantes, além de suas relações com o Estado (THOMPSON, 1978, p.31).

A LUMBER COMPANY

O advento da Southern Brazil Lumber and Colonization Company, conecta-


se ao processo de construção de uma ferrovia que interligaria os estados do
sul do Brasil. Para este fim, o governo brasileiro firmou contrato com a Brazil
Railway Company, empresa responsável pela construção da estrada de ferro
que cruzaria o Planalto Norte Catarinense, tendo como pontos de partida e de

25
chegada as cidades de Itararé em São Paulo e de Santa Maria, no Rio Grande
do Sul, respectivamente.
O contrato para a construção da ferrovia estabelecia que a empresa res-
ponsável pela empreitada – a Brazil Railway Company – teria o direito de ex-
plorar as terras adjacentes à linha tronco, numa extensão de até quinze qui-
lômetros do leito da linha férrea. Essas terras eram cobertas por milhões de
pinheiros ou araucárias, imbuias, canelas pretas, cedros e cabriúvas. Objeti-
vando extrair e comercializar essa madeira de alto valor econômico e, mais
tarde, vender parte daquelas terras a imigrantes europeus, a Brazil Railway
Company constituiu uma subsidiária, a Southern Brazil Lumber and Colonizati-
on Company. Em 1910, a Lumber instalou em Três Barras, então território
paranaense contestado por Santa Catarina, uma moderna serraria. A empresa
instituiu um processo industrial altamente mecanizado, com elevada organi-
zação técnica, tornando-se a maior madeireira da América do Sul (CARVALHO,
2010).
A construção desta grande linha férrea alterou o modo de vida das popu-
lações residentes nas regiões por ela atravessadas, elevando o valor econômi-
co das terras, agravando problemas sociais e influenciando diretamente a
deflagração do movimento sertanejo do Contestado, entre os anos de 1912 a
1916, na região fronteiriça entre os estados do Paraná e de Santa Catarina.
A Brazil Railway Company atuou durante quase trinta anos sob controle
do capital estrangeiro, até sua estatização através da publicação do Decreto-
Lei n.º 2.346, de 22 de julho de 1940, assinado por Getúlio Vargas, em plena
vigência do Estado Novo.
A estatização ocorreu em favor dos “interesses nacionais”. Essa foi a justi-
ficativa apontada pelo decreto presidencial. A expressão tem um forte viés
econômico e financeiro. O fato da Brazil Railway Company e suas filiais contro-
larem setores de fundamental importância para o Brasil, tais sejam, ferroviá-
rio, portuário, energético e de colonização, contribuiu para a estatização. En-
tretanto, os problemas decorrentes da má gestão nas companhias do grupo
Farquhar influenciavam, sobremaneira, a economia nacional. Os atrasos no
cumprimento de obrigações com credores de capitais – alavancados em bolsas
europeias – geraram descontentamento e abalaram a confiança dos investido-
res estrangeiros na economia nacional. Isso constrangia a administração pú-
blica do país7. Com base nessa justificativa, o primeiro artigo do decreto in-
corporou ao patrimônio da União os bens e direitos tanto da Brazil Railway
Company – existentes em território nacional – quanto de suas dependentes,
caso da Southern Brazil Lumber and Colonization Company, além de outras
onze companhias8.

7A título de exemplo, a Brazil Railway Company encontrava-se sob regime de concordata, a qual não
fora homologada pela Justiça brasileira, desde 18 de julho de 1917.
8Decreto-Lei n.º 2.346, de 22 de julho de 1940.

26
Conforme será examinado posteriormente, em determinado momento,
após a estatização, o Ministério da Guerra assumiu definitivamente o controle
da Lumber Incorporada, o que significou mudanças no modus operandi adota-
do pela companhia. Alguns antigos costumes foram banidos. Fumar durante o
trabalho, por exemplo, foi proibido, inclusive para os chefes de seção. Os rela-
cionamentos, anteriormente imbuídos pelo lúdico, sofreram a imposição de
certa disciplina militar. A intransigência dos oficiais em suas relações com o
pessoal da Lumber gerou conflitos e contribuiu para o agravamento dos pro-
blemas que assolaram a empresa ao longo da década de 1940. O ex-operário
da Lumber, Leopoldo Padilha, rememorou um episódio que exemplifica esse
processo. Segundo ele, “o pessoal fumava, brincava e o Coronel não queria. Um
dia ele pegou o cachimbo de um feitor e jogou no fogo, na frente de todo mun-
do”9. Para Leopoldo, após a estatização da companhia e o controle exercido
pelo exército, “mudou muita coisa”, pois na “época dos americanos”, o “pessoal
trabalhava direitinho” e após a chegada dos militares “a coisa foi fracassan-
do”10.
Ao longo da década de 1940, após os militares assumirem o domínio da
Lumber, obrigações legais inerentes aos contratos de trabalho deixaram de ser
cumpridas.
No período compreendido entre os dias 15 e 20 de outubro de 1948, o
promotor público, Rubem Moritz da Costa, remeteu para avaliação do juiz da
comarca de Canoinhas, Euclides Cerqueira Cintra, um conjunto de requeri-
mentos impetrados por trabalhadores acidentados e não indenizados 11.
Os operários e a operária vitimados por acidentes de trabalho foram pre-
teridos pela administração da Lumber Incorporada. Em um dos casos, embora
transcorridos seis meses desde o acidente, o operário não tivera acesso ao
atendimento médico e aos direitos assegurados pela legislação trabalhista, até
a denúncia ao juiz da comarca. Nas audiências, a companhia declarou que não
contestava os acidentes, mas sim os direitos dos (a) acidentados (a). É preciso
considerar que o exército, apesar da atribuição institucional, não reconhecia a
imputação de responsabilidade para com os trabalhadores da antiga Lumber e,
por conseguinte, as indenizações decorrentes de acidentes de trabalho.
Os casos localizados tiveram decisões favoráveis aos trabalhadores, asse-
gurados os tratamentos médicos e os pagamentos das indenizações.
O inquérito do operário polonês Estefano Schlapak é emblemático. Este-
fano “de início trabalhou nas matas da companhia, sujeito ao tempo, não pa-
rando o serviço mesmo em caso de chuva”. Em consequência da arduidade

9Entrevista com o ex-operário da Lumber, Leopoldo Padilha, de 96 anos. Realizada em Três Barras, no
dia 03 de setembro de 2005.
10Idem.
11Ação Trabalhista: Santilha Rodrigues Faria versus Southern Brazil Lumber and Colonization
Company Incorporada. Três Barras, 24 de abril de 1948; Ação Trabalhista: Sizenando Naizer versus
SBLCC Incorporada. Três Barras, 07 de julho de 1948; Ação Trabalhista: Estefano Schlapak versus
SBLCC Incorporada. Três Barras, 20 de outubro de 1948. Arquivo Histórico Municipal de Canoinhas.

27
desse serviço, adoeceu. Antes de abandonar o trabalho, em função das dores
abdominais insuportáveis, Estefano trabalhava no serviço de maquinista do
guincho. Nessa ocasião, Estefano já havia dedicado 25 anos de trabalho à em-
presa, na qual começou aos 15 anos de idade e pela qual foi abandonado sem
atendimento ou indenização.
Considerando a intempestividade entre as datas de ocorrência dos aci-
dentes citados e as datas de avaliação pela Justiça, conclui-se que não houve o
cumprimento das determinações da legislação trabalhista, situação que evi-
dencia o abandono dos trabalhadores acidentados à mercê da própria sorte,
sem sequer o adjutório do tratamento médico condizente. O fato da Lumber
Incorporada declarar não reconhecer os direitos dos acidentados e não pres-
tar os atendimentos básicos imputados pela legislação, foi algo representativo
do modo como o pessoal da Lumber seria tratado pela nova gestão. Os traba-
lhadores precisariam continuar a resistir.

O edital

No ano de 1949, foi aberto um edital de concorrência pública, cujo objeto


consistia na venda dos bens da Lumber Incorporada. Inicialmente, não houve
apresentação de propostas, contudo, em dezembro de 1950, três firmas ad-
quiriram o acervo. As três empresas, Cia. Terra e Pinho Ltda., Groppe S.A., Cia.
Madeiras Del Alto Paraná, eram controladas pelo mesmo indivíduo, Alberto
Dalcanale12, empresário que atuou na colonização do sudoeste do Paraná e
oeste de Santa Catarina.
O acervo era constituído por um extenso rol de bens, dentre os quais:
uma propriedade em Calmon, com quinze mil alqueires 13 de terras e trezentos
e cinquenta mil pinheiros adultos; na região da Serra do Espigão, então muni-
cípio de Canoinhas, outros duzentos mil pinheiros adultos; remanescentes de
‘propriedades loteadas’, entre os quais muitos lotes que haviam sido vendidos
entre as estações ferroviárias de Canivete e Valões (atual Irineópolis); um
terreno com mais de dez mil metros quadrados, em São Francisco do Sul; na
região da Barra Funda, em São Paulo, um “palacete”, quatro casas menores e
um terreno com dez mil metros quadrados; uma propriedade com seiscentos
e cinquenta alqueires no então distrito canoinhense de Papanduva (atual mu-
nicípio de Papanduva); um terreno – com cerca de nove alqueires – onde esta-
va instalada a serraria, fábrica de caixas, laminadora, oficinas, casas, arma-
zéns, e hospital; aproximadamente quarenta e três quilômetros de linha férrea
assentada, além de maquinário da indústria de madeira, locomotivas, cerca de
quarenta vagões e plataformas para transporte de madeira pela ferrovia14.

12Diário do Congresso Nacional. Brasília, 23 de maio de 1953. Página 4374.


13Um alqueire representa, na região sob análise, 2,42 hectares.
14Diário do Congresso Nacional. 23 de maio de 1953. Página 4390.

28
Conquanto tenha sido efetivada a alienação do acervo, depreende-se que
houve irregularidades, seja no edital de concorrência pública, seja na posteri-
or partilha dos bens da Lumber. A proposta vencedora foi a única que consig-
nou preço superior ao mínimo estipulado no edital, correspondente a cin-
quenta milhões de cruzeiros, embora o excedente tenha sido de apenas
Cr$100.000,00 (cem mil cruzeiros). Apesar do edital de concorrência pública
não admitir a divisão dos bens da Lumber, após a negociação, uma parcela do
acervo foi celeremente escriturada em nome de terceiros.
Naquele contexto, também é preciso considerar o interesse do Ministério
da Guerra em instalar um Campo de Manobras na 5ª Região Militar, o que se
coadunou com a obtenção dos bens da antiga Lumber, após a estatização. Ou-
tro fator preponderante consistiu na atuação do governo do estado de Santa
Catarina, chefiado por Irineu Bornhausen, que colaborou decisivamente para
o processo de instalação do campo militar em Três Barras, inclusive assumin-
do o compromisso de cessão de terras – evidentemente após as desapropria-
ções – num total de dez mil hectares, na região de Papanduva, limítrofe ao
perímetro da Lumber.
No mês de março de 1951, um representante da 5ª Região Militar, cuja
sede do comando localizava-se em Curitiba, procurou o governo do estado de
Santa Catarina visando obter apoio para identificar uma área de terras entre
três e quatro mil alqueires. Tal área deveria estar localizada nas proximidades
da Lumber, em Três Barras, entre os rios Canoinhas, São João e Rio das Antas.
Em correspondência ao comandante da 5ª Região Militar, à época o General
Tristão de Alencar Pires, o governador catarinense, o udenista Irineu Bor-
nhausen, manifestou enlevo pela ideia, segundo ele, “visando o progresso que
advirá para Três Barras com o estabelecimento, ali, de uma Unidade do Exér-
cito Nacional”15. O governador enviou instruções ao prefeito municipal de
Canoinhas, orientando-o para que, juntamente com o representante da Com-
panhia de Madeiras Del Alto Paraná, empresa compradora do acervo da Lum-
ber, compusesse uma comissão com o objetivo de localizar uma área de terras
que atendesse aos interesses dos militares.
Transcorrido pouco mais de um mês, em nova correspondência do go-
verno catarinense destinada ao comando da 5ª Região Militar, o chefe do exe-
cutivo estadual ratificou sua intenção em colaborar com os interesses dos
militares, acerca da instalação do campo de manobras no município de Canoi-
nhas. O entusiasmo de Irineu Bornhausen com a negociata levou-o a declarar
que estava “(...) disposto a tomar todas as providências no sentido de desa-
propriar as terras necessárias à instalação, no município de Canoinhas, do
campo de Instruções e Manobras da 5ª Região Militar, na área escolhida pela

15Ofício N.º 85 – Florianópolis/SC, 12 de março de 1951. Do Governador do Estado de Santa Catarina


ao Comandante da 5ª Região Militar. Correspondências e Minutas do Palácio do Governo de Santa
Catarina para o Ministério da Guerra. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina.

29
Comissão designada por esse comando”16. Dessa forma, o então governador do
estado de Santa Catarina, delegou a responsabilidade pela escolha de uma
área de terras a uma comissão constituída por representantes do Ministério
da Guerra e pelo controlador das empresas que haviam adquirido os bens que
integravam o acervo da antiga Lumber. Nesse contexto, estranha o fato dessa
atribuição para escolher e desapropriar terras ter sido transferida a uma co-
missão que apresentava, entre seus membros, representantes de empresas
privadas.
Na mesma correspondência, o governador Irineu Bornhausen, com o ob-
jetivo de “reduzir os custos com as indenizações” decorrentes das desapropri-
ações, apresentou uma proposta para permuta das novas áreas de terras, que
seriam desapropriadas pelo estado catarinense, com áreas de terras outrora
pertencentes à antiga Lumber, transferidas ao Ministério da Guerra após a
estatização daquela companhia. O General Tristão, atônito, afirmou não ter
compreendido a proposta, afinal, segundo ele, o patrimônio total da Lumber,
elencadas as terras, instalações e reservas florestais, estaria avaliado em cin-
quenta milhões de cruzeiros, enquanto as áreas de terrenos que o exército
receberia, caso aquiescesse com a permuta, “embora mais extensas, são, po-
rém, de valor incomparavelmente bem mais reduzido do que aquelas terras da
Lumber”17. A tentativa do governador catarinense em ludibriar o Ministério da
Guerra, através de uma ardilosa proposta de permuta fundiária, foi pronta-
mente rechaçada pelo comando militar. Contudo, esse revés nos planos para
utilização do acervo da Lumber em prol de interesses privados, não significou
o abandono do projeto.
No dia 29 de maio de 1951, foi realizada uma reunião da Comissão Regi-
onal de Escolha de Imóveis para o Ministério da Guerra, na sede da Lumber
Company, em Três Barras, município de Canoinhas 18. Entre os presentes, en-
contravam-se os militares componentes da Comissão19, os delegados da Supe-
rintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional 20 e os repre-
sentantes da Companhia de Madeiras Del Alto Paraná21.
O empresário Alberto Dalcanale declarou abrir mão, em favor do Ministé-
rio da Guerra, de área sob controle da Cia. de Madeiras do Alto Paraná, situada

16Ofício N.º 161 – Florianópolis/SC, 20 de abril de 1951. Do Governador do Estado de Santa Catarina
ao Comandante da 5ª Região Militar. Correspondências e Minutas do Palácio do Governo de Santa
Catarina para o Ministério da Guerra. APESC.
17Ofício N.º 93 – SER/5ª R. M. Curitiba/PR, 27 de Abril de 1951. Do Comandante da 5ª Região Militar
ao Governador do Estado de Santa Catarina. APESC.
18Ata da Reunião realizada pela Comissão Regional de Escolha de Imóveis para o Ministério da
Guerra. Três Barras, município de Canoinhas, 29 de maio de 1951. APESC.
19General Sady Martins Vianna, Tenentes Coronéis Carlos Queiros Falcão e Murat Guimarães,
Capitães Basílio Marques dos Santos Sobrinho e Dr. José Alvarenga Moreira, sob a presidência do
primeiro.
20Hortencio Alcantara Filho e Ary d’Leary Paes Leme.
21Alberto Dalcanale e Wilen B. Martins.

30
na região compreendida entre os rios Canoinhas, Jangada, Papanduva, bem
como de glebas situadas nas regiões de Valões, São João da Barra e Toldo de
Cima, “exceção feita da área de reflorestamento da gleba de Valões”. Dalcanale
concordou com a transferência integral das instalações e maquinarias existen-
tes na sede da Lumber, em Três Barras, ao Ministério da Guerra22. Evidente-
mente, as cessões dos bens não foram motivadas por um patriotismo exacer-
bado por parte de Dalcanale. A transferência das áreas supracitadas (com
exceção feita àquelas povoadas por pinheiros) consistiu em um estratagema
que objetivou desatar os bens de menor valor e transferir os trabalhadores da
antiga Lumber para uma instância pública – no caso, o Ministério da Guerra –
desincumbindo as empresas de Dalcanale das obrigações referentes aos salá-
rios, encargos trabalhistas e de contingências resultantes de indenizações aos
operários da companhia incorporada.
Após a efetivação da transferência, prosseguiram as negociações para a
doação, pelo governo catarinense, de terrenos que complementariam a área
necessária para instalação de um campo militar. O governador de Santa Cata-
rina, Irineu Bornhausen, propôs uma solução, aceita pelo então ministro da
guerra, general Henrique Teixeira Lott, que consistiu na utilização dos recur-
sos consignados na emenda n.º 157, no montante de Cr$ 40.000.000,00 (qua-
renta milhões de cruzeiros), para fins de complementação da dotação orça-
mentária do Ministério da Guerra, visando prover recursos para pagamento
das indenizações decorrentes das desapropriações de terras necessárias à
composição do campo militar em Três Barras23. Portanto, a atuação de Bor-
nhausen foi decisiva para a instalação do campo militar, inclusive dispondo-se
a desapropriar novas áreas de terra necessárias à composição do campo, o
que, de fato, consistiu num compromisso formal, contudo destituído de ônus
para o governo catarinense. Através de manobra astuta, embora obscura, tan-
to os encargos trabalhistas quanto o ônus e o desgaste político, inerentes ao
processo de desapropriação de terras na região de Três Barras, foram transfe-
ridos ao Ministério da Guerra. Os empecilhos à maximização dos lucros das
empresas controladas por Dalcanale haviam sido removidos, incrementando a
expectativa de auferir vantagens – lícitas ou não – àqueles que apoiaram ou
contribuíram decisivamente para o desfecho do negócio.
Após a reunião realizada em Três Barras, e, por conseguinte, do desenla-
ce dos trâmites jurídicos, a partir do dia 11 de setembro de 1952, a área onde

22Ofício n.º 913. Florianópolis/SC, 31 de julho de 1957. Do Governador do Estado de Santa Catarina –
Jorge Lacerda – ao Comandante da 5ª Região Militar – general Aurélio Lyra Tavares. Além do
Superintendente das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União, a reunião de transferência teve a
presença de um representante do Ministério da Guerra, membros da Comissão de Levantamento e
Avaliação, representante do governo catarinense e dos compradores dos bens da Lumber, “tudo de
conformidade com os entendimentos havidos entre o Ministério da Guerra, a Superintendência, os
adquirentes do acervo da Lumber e o Estado de Santa Catarina”.
23Idem.

31
outrora funcionara a Southern Brazil Lumber and Colonization Company foi
transferida ao controle do exército brasileiro.
Nos anos subsequentes, a área da antiga Lumber permaneceu sob contro-
le do exército, porém a configuração do campo militar continuava indefinida
em função da necessidade de ampliação da área total, o que seria viabilizado
somente após os processos de desapropriações de terras dos camponeses
situados em áreas adjacentes à sede da antiga serraria, local que também
abrigaria o comando do futuro campo militar.

“Quem parte e reparte fica com a melhor parte” 24

O acervo da antiga Lumber foi alvo de negócios espúrios. O processo de


encampação dos bens pertencentes à Lumber Company esteve envolto em
irregularidades, escopo de estratagemas que objetivavam a divisão dos bens.
Os bens que integravam o acervo foram vendidos em concorrência pública,
por valores muito aquém daqueles vigentes no mercado, em desobediência ao
edital. Aqueles bens que apresentavam valores vultosos foram desmembra-
dos, e a serraria de Três Barras, que em determinada época fora a maior da
América do Sul e uma das maiores do mundo, tornou-se obsoleta, além de
padecer com a escassez de matéria prima em seu entorno. Dessa forma, a
Lumber transformou-se em um “presente de grego” para o Exército Nacional 25.
Aqueles bens que exibiam potencial para otimizar a geração de lucros –
dentre os quais uma ingente propriedade em Calmon, a fazenda São Roque,
com duas serrarias, desvios ferroviários, trezentos e cinquenta mil pinheiros,
imbúias, etc., edifícios em São Paulo e Paraná e vastos pinheirais na Serra do
Espigão, em Santa Catarina – permaneceram sob controle das empresas ad-
quirentes controladas por Alberto Dalcanale, e sua exploração gerou, imedia-
tamente, acentuado retorno econômico-financeiro. Em contrapartida, a serra-
ria de Três Barras – transferida por Dalcanale ao Ministério da Guerra – per-
manecia praticamente imobilizada, analogamente ao grupo de antigos traba-
lhadores da Lumber, que ficara sob responsabilidade do exército. Os custos
estimados para amortização dos encargos decorrentes de eventuais demis-
sões dos trabalhadores poderia atingir a cifra de quinze milhões de cruzei-
ros26.
Ainda no decorrer do ano de 1953, o então deputado federal Saulo Ra-
mos, apresentou um relatório – que fora submetido a uma Comissão Parla-
mentar de Inquérito – no qual detalhou as irregularidades envolvendo a Lum-
ber Company. O relatório sustentava que a Companhia Pinho e Terras Ltda.,
detentora da propriedade Calmon, com cerca de 350 mil pinheiros, além dos
três edifícios na região da Barra Funda, em São Paulo, cujos preços atingiam o

24Diário do Congresso Nacional. 23 de maio de 1953. Página 4391.


25Barriga Verde. Ano XVI. Nº 839. Canoinhas, 24 de março de 1954. Biblioteca Pública do Estado de
Santa Catarina.
26Barriga Verde. Canoinhas, 24 de março de 1954. Idem.

32
montante de Cr$8.500.000,00 (oito milhões e quinhentos mil cruzeiros), ime-
diatamente após a concretização da negociação, realizou a venda dos imóveis
localizados na Barra Funda, recebendo a importância de Cr$ 10.000.000,00
(dez milhões de cruzeiros). Sem dúvida um excelente negócio. Além disso, as
centenas de milhares de pinheiros possuíam valor estimado entre Cr$ 100 e
Cr$ 200 (cem e duzentos cruzeiros) a unidade, ou seja, após seu corte e venda,
também poderiam auferir lucro de dezenas de milhões de cruzeiros 27.
À empresa Groppe S.A., coube a parcela industrial do acervo, além de fai-
xas de terras marginais à Rede Viação Paraná Santa Catarina. Esses consisti-
ram nos itens do acervo que posteriormente foram transferidos ao Ministério
da Guerra.
A terceira empresa que compunha o consórcio, a Cia. De Madeiras Del Al-
to Paraná S.A., obteve os pinheirais da Serra do Espigão, uma propriedade na
localidade de Felipe Schmidt, município de Canoinhas, e uma área de dez mil
metros quadrados, em São Francisco do Sul.
O referido relatório estimava que o valor real dos bens e direitos da Lum-
ber atingiria o montante de Cr$ 100.000.000,00 (cem milhões de cruzeiros).
No entanto, o preço básico fora definido em apenas Cr$ 50.000.000,00 (cin-
quenta milhões de cruzeiros). Segundo o relatório, o preço dos pinheiros e das
propriedades fora subavaliado, em valores aquém das cotações do mercado,
na mesma época e nos mesmos locais.
Ao tomar conhecimento do interesse do Ministério da Guerra em compor
um campo militar na região de Três Barras, o proprietário das três empresas
consorciadas que adquiriram os bens da Lumber, Alberto Dalcanale, prontifi-
cou-se em ceder a propriedade de seiscentos e cinquenta alqueires, além da
parte industrial, maquinários, ferrovia, edifícios e algumas propriedades em
São Francisco do Sul. Certamente, um notório empresário do setor fundiário,
madeireiro e colonizador, não obtinha fortuna realizando doações motivadas
por seu patriotismo. Juntamente com a parcela do acervo, de interesse do
exército, Dalcanale transferiu os duzentos e sessenta e quatro trabalhadores
da Lumber e os correspondentes encargos trabalhistas. O jornal Barriga Verde,
em março de 1953, denunciou aquilo que definiu como “uma das mais negras
manobras para saquear a Fazenda Nacional”. Segundo o jornal, os dirigentes
das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União e os compradores do
acervo da Lumber Company, entre eles Irineu Bornhausen, então governador
do estado de Santa Catarina, pressionaram o Ministério da Guerra para que
assumisse os encargos trabalhistas, objetivando isentar os compradores do
acervo28.
No dia 04 de fevereiro de 1954, a filha de Alberto Dalcanale, Ivete Terezi-
nha29, e o filho do governador Irineu Bornhausen, Paulo Konder Bornhausen,
contraíram matrimônio. Enquanto as famílias Dalcanale e Konder Bornhausen

27Diário do Congresso Nacional. 23 de maio de 1953. Página 4390.


28Barriga Verde. Ano XVI. Nº 752. Canoinhas, 19 de março de 1953. BPESC.
29O nome de Ivete recebeu grande atenção no ano de 2003, quando uma investigação apontou a
realização de lavagem de dinheiro pelo Banco Araucária, do Paraná, controlado pelo seu irmão e
sobrinhos.

33
celebravam sua união por intermédio do casamento de Paulo e Ivete, os du-
zentos e sessenta e quatro trabalhadores da Lumber e suas famílias, num total
de aproximadamente mil e duzentas pessoas, padeciam com o segundo perío-
do de atrasos no recebimento dos salários. Surgiam os “flagelados de Três
Barras”.

“OS FLAGELADOS DE TRÊS BARRAS”30

Os duzentos e sessenta e quatro trabalhadores da Lumber Company que


se encontravam em atividade quando da estatização da companhia, foram
transformados em moeda de troca, pela Superintendência da União, pelo Mi-
nistério da Guerra e, principalmente, pelos compradores do acervo da empre-
sa. Ambos os envolvidos nas negociações fizeram o possível para se livrar da
responsabilidade sobre os trabalhadores, seus encargos trabalhistas e indeni-
zações decorrentes de eventuais demissões.
Após a transferência do segmento industrial da Lumber ao Ministério da
Guerra, ocorrida em julho de 1952, foi firmado um acordo entre as partes
interessadas, através do qual concordaram que as obrigações salariais do
pessoal da Lumber seriam arcadas pela Superintendência da União, até que o
Ministério da Guerra detivesse verbas para essa finalidade.
No entanto, a partir do mês de setembro de 1952, cessaram os pagamen-
tos dos salários, momento a partir do qual as duzentas e sessenta e quatro
famílias de trabalhadores da Lumber Incorporada iniciariam uma longa e an-
gustiante jornada, cuja primeira etapa duraria catorze meses! Os pagamentos
retroativos foram realizados somente no mês de dezembro de 1953, após
árdua batalha travada pelos trabalhadores e sua organização, a Sociedade
União Operária, com o apoio do Sindicato dos Oficiais Marceneiros e Traba-
lhadores nas Indústrias de Serrarias e Móveis de Madeira de Canoinhas, em
aliança com o advogado da Lumber, além de políticos da região.
A maioria dos trabalhadores recebia salários situados na faixa entre Cr$
600,00 (seiscentos cruzeiros) e Cr$ 900,00 (novecentos cruzeiros).
Os salários em atraso foram quitados após delicada negociação, que con-
tou com a participação do Ministro do Trabalho, João Goulart. Os salários pa-
gos correspondiam ao período de setembro de 1952 até dezembro de 1953.
Infelizmente, reincidências de atrasos nos pagamentos dos salários afligiriam
os trabalhadores da Lumber Incorporada e suas famílias, em períodos subse-
quentes. Todavia, além das questões trabalhistas, as desapropriações que
seriam realizadas no entorno da antiga serraria, objetivando a composição do
campo militar, também iriam suscitar sacrifícios dos camponeses que cultiva-
vam as terras contíguas à Lumber Incorporada.

AS DESAPROPRIAÇÕES

30Barriga Verde. Ano XVI. Nº 751. Canoinhas, 15 de março de 1953. BPESC.

34
O decreto n.º 50.570, de 18 de dezembro de 1956, autorizou a desapro-
priação de 7.614 (sete mil, seiscentos e catorze) hectares, atingindo oitenta e
nove lotes de pequenos agricultores, num total de sessenta e oito famílias.
O decreto de desapropriação apresentava diversas falhas técnicas. A títu-
lo de exemplo, não delimitava a localização da área desapropriada, apenas
referenciava terrenos situados no Estado de Santa Catarina. Além disso, não
descrevia os limites de cada propriedade, conforme a discriminação nas pró-
prias escrituras e, por fim, também não definia um dispositivo que permitisse
verificar os critérios de avaliação e validar os cálculos das verbas indenizató-
rias. Na etapa de arrolamento dos bens, a comissão do exército não conside-
rou pastos e ervais na composição das verbas indenizatórias, apenas as ben-
feitorias. Portanto, recursos imprescindíveis à subsistência daqueles campo-
neses, abruptamente lhes foram retirados, sem que houvesse a indenização
justa. Ademais, os valores das indenizações, consignados no decreto, apresen-
tavam acentuada defasagem, pois se referiam ao período em que o levanta-
mento da área de desapropriação fora efetuado. Ao considerar os índices de
inflação acumulada de 22,6% (vinte e dois inteiros e seis décimos por cento) e
12,7% (doze inteiros e sete décimos por cento) nos anos de 1956 e 1957, res-
pectivamente, depreende-se que os valores estabelecidos para as indeniza-
ções sofreram rápida perda de poder aquisitivo. No início da década de 1960,
os valores constantes no decreto sequer representavam 3% (três por cento)
do valor de mercado das terras (SCHIOCHET, 1988, p. 86).
Nesse mesmo período, os militares recrudesceram o tratamento dado aos
camponeses, que continuavam a morar nas terras desapropriadas. Proibiu-se
a retirada da madeira e da erva mate, recursos importantes para a subsistên-
cia dos pequenos agricultores, tendo sido formada, inclusive, uma comissão
para averiguar as eventuais transgressões a essa determinação. Além disso,
deu-se início às operações e manobras militares, que obrigavam os agriculto-
res desapropriados a se afastarem periodicamente de suas casas, uma eviden-
te estratégia para forçá-los a se retirarem definitivamente.
Em 1963, o poder judiciário concedeu títulos de posse provisória das ter-
ras desapropriadas ao exército, medida que lhe possibilitou assumir o domí-
nio das terras, embora ainda não tivesse efetuado o pagamento das indeniza-
ções, cujos valores seriam reavaliados em processo de revisão.
Não obstante o processo de revisão das indenizações, a atuação do exér-
cito, durante a remoção das famílias desapropriadas, marcou indelevelmente
aquelas pessoas. Diga-se de passagem que isto representa um vetor profícuo à
ampliação da pesquisa.
Na década de 1980, desapropriados e herdeiros se organizaram no Mo-
vimento dos Desapropriados de Papanduva. Sua atuação foi marcada, desde o
início, pela interposição de diversas ações judiciais, manifestações mediante
greves de fome e da organização de acampamento, na localidade de Poço
Grande, ao lado do Campo de Instrução Marechal Hermes. O acampamento foi

35
denominado de João Maria. O movimento também ocupou a sede do INCRA
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), em Florianópolis, du-
rante um ano, entre 1986 e 1987. Em 1987, também foi realizada a 2ª Romaria
da Terra/SC, que reuniu cerca de 20 mil pessoas (FAVARIN, 2009, p. 114). No
ano de 2007, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) reali-
zou uma ocupação e promoveu um debate acerca das terras do campo militar
serem improdutivas ou subutilizadas (em função do reduzido número de ma-
nobras realizadas). Além disso, houve denúncias de arrendamentos realizados
pelo exército, de áreas do campo, para o cultivo de grãos de soja por fazendei-
ros da região31.
O processo de desapropriação gerou enorme tensão social, pois os colo-
nos desapropriados sentiram-se lesados, haja vista que, segundo eles, o go-
verno federal estabeleceu preço irrisório pelas terras desapropriadas, destitu-
ído de isonomia, pois com terras que apresentavam de igual qualidade similar
foram sendo avaliadas com oscilações de até 100% (cem por cento) no valor
do hectare.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presença da Lumber Company afetou, de modo direto e indireto, em vá-


rias instâncias e em diferentes épocas, a região sob sua influência, no territó-
rio Contestado. Seja sob controle do capital estrangeiro, expandindo seu do-
mínio fundiário, expulsando milhares de pequenos posseiros das terras, exau-
rindo a madeira nobre, influenciando os eventos na Guerra do Contestado
(1912-1916) e, nos anos seguintes à guerra, cooptando autoridades e furtiva-
mente esquivando-se de suas obrigações decorrentes de acidentes de traba-
lhos. Da mesma forma, sob controle do governo, após sua estatização, a partir
de 1940, na suspeição que recai sobre o processo de venda do acervo da com-
panhia, mediante atuação parcial de autoridades públicas, utilizando-a como
embuste e cedendo-a, a partir de 1952, ao controle dos militares, momento a
partir do qual suas centenas de trabalhadores e familiares iniciaram um longo
e angustiante período com ausência de recebimento de salários, até seu desfe-
cho surpreendente, no qual o local da sede da companhia fora transformado
em um campo de instrução militar, por sua vez influenciando – novamente! –
desapropriações de terras adjacentes, gerando uma nova onda de injustiças
que reverbera até os dias atuais. Indubitavelmente, a presença da Lumber
Company – uma empresa – influenciou sobremaneira, outrora e hodiernamen-
te, o curso dos eventos, de modo direto e indireto, na região sob sua influência,
impactando no processo de desenvolvimento regional, não só na dimensão
econômica, mas gerando descontentamentos e conflitos sociais, logo, situa-
ções de marginalização socioeconômica.

31Correio do Norte. Ano 65. Edição n.º 3033. Canoinhas, 13 de Abril de 2012.

36
Acerca de sua influência indireta, já em seus derradeiros momentos, ou
seja, as desapropriações de terras realizadas para complementar a área neces-
sária à composição do campo de instrução militar, cuja sede coincidiu com o
local de instalação da companhia, nos dias atuais, muitos descendentes dos
antigos proprietários ainda mantém contendas judiciais, com o objetivo de
reaver as terras ou, ao menos, obter a reparação justa pelas verbas indeniza-
tórias defasadas pagas aos seus antepassados. Muitos acresceram suas dívidas
ao captar empréstimos para quitação dos honorários advocatícios e, ao rece-
berem suas indenizações, perceberam que a inflação havia corroído os valo-
res, impossibilitando a aquisição de outras áreas, semelhantes àquelas das
quais foram removidos.
Por conseguinte, em retrospectiva, tanto os duzentos e sessenta e quatro
trabalhadores da Lumber (e suas famílias), vinculadas ao quadro do Ministério
da Guerra – que padeceram com o descumprimento das obrigações salariais
de forma recorrente –, quanto os desapropriados do campo militar e seus
herdeiros, materializam alguns dos capítulos mais injustos da atuação das
classes dominantes, com o agravante da conivência do Estado em detrimento
dos interesses dos mais pobres.
Há que se considerar que muitos processos contundentes de exclusão
dos mais pobres, permanecem vigentes em toda a região do Contestado. Con-
quanto, em perspectiva, percebe-se um longo processo de exploração e exclu-
são, uma leitura diametralmente oposta permite vislumbrar que a resistência,
a organização e a luta dos excluídos, em prol do reconhecimento e cumpri-
mento de seus direitos, constitui uma tradição sólida, a qual atingiu seu auge
no movimento sertanejo do Contestado (1912-1916), nas décadas subsequen-
tes reinventada de modo dinâmico e ininterrupto.
São desafios que ainda precisam ser enfrentados, para amainar os impac-
tos de processos históricos de exploração e marginalização social do povo do
Contestado, com vistas aos avanços necessários no processo de desenvolvi-
mento das regiões atingidas.

REFERÊNCIAS

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37
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estudo sobre os discursos contemporâneos a respeito de João Maria em Santa Cata-
rina. Tese (Doutorado em Antropologia Social). UFSC, Florianópolis, 2007.

38
SERTÃO É TERRA ONDE PERU DÁ COICE,
CANDEEIRO DÁ CHOQUE E O CISCO FAZ A
CURVA: BREVE ANÁLISE SOBRE O “SERTÃO”
NA HISTORIOGRAFIA CLÁSSICA BRASILEIRA E
DO CONTESTADO

Eloi Giovane Muchalovski1

INTRODUÇÃO

Segundo um antigo provérbio nordestino o “sertão é terra onde peru dá


coice, candeeiro dá choque e o cisco faz a curva”. Esta frase, de caráter popular,
expressa com notoriedade a significância do termo “sertão” para o imaginário
social brasileiro, atribuindo toda uma gama de características que o fazem
representar diferentes e, às vezes, adversas acepções dos espaços físico e cul-
tural.
Não é de hoje que a categoria “sertão” tem sido objeto de problematiza-
ção de variados ramos da ciência como a Antropologia, Sociologia, Literatura,
Geografia e História. No caso específico da Geografia, é apreensível que, por
meio do surgimento da Geografia Humana na década de 1970, os estudos do
espaço, do regional, e suas relações com os sujeitos que nele estabelecem prá-
ticas, passaram a ganhar significativa força. A História trilhou um caminho
bastante símil, iniciado na primeira metade do século XX através dos avanços
teóricos e metodológicos que a escola do Annales2 empreendeu na historiogra-
fia, onde as fontes e a análise destas alcançaram uma visão diferenciada da-
quela interprendida pela escola positivista.
Vale aqui destacar a crítica que os teóricos marxistas realizaram frente
aos positivistas, questionando-os sobre a parcialidade de seu método de estu-
do histórico. Método que privilegiava fontes ditas oficiais, político-
administrativas: dos governantes, das elites, dos heróis; deixando de ver os

1 Graduado em História, discente do Programa de Mestrado em História e Regiões da Universidade


Estadual do Centro-Oeste/UNICENTRO – Paraná. Brasil. E-mail: eloigiovane@gmail.com
2 A Escola dos Annales foi um movimento historiográfico estabelecido pela revista francesa Annales
d'histoire économique et sociale, a qual incorporou uma série de métodos das Ciências Sociais à
pesquisa histórica, procurando avançar para além do pensamento positivista até então predominante.

39
sujeitos que não constavam nesses documentos: operários, camponeses, es-
cravos, indígenas, enfim, os vencidos; fato denunciador da análise positivista
materializar-se em uma visão míope da história, parcial e incompleta, ao passo
que deixava a margem uma série de elementos que seu método simplesmente
negligenciava.
Em processo contínuo, a historiografia se pulverizou atingindo variados
elementos da atividade humana. Nesse contexto, o espaço foi reivindicado
pela História, a qual passou a empreender intensa reflexão intelectual sobre o
conceito de região e suas categorias. Reflexão ainda em curso, evidenciada
pelo expressivo número de programas de mestrado e doutorado existentes no
Brasil que apadrinharam a problemática do regional em suas áreas de concen-
tração. Nessa acepção, o “sertão” ganhou certo destaque, se fazendo problema
de historiadores em diversas partes do país, em busca constante de sua deli-
mitação para além daquele simples designativo atribuído a uma das quatro
sub-regiões geográficas do Nordeste brasileiro.
Posto isso, o intento deste ensaio será demonstrar uma linearidade na
ideia de “sertão” desenvolvida nos primórdios da historiografia brasileira e
seu respectivo uso pelos “historiadores de farda” 3. Para tanto, se fará uso da
metodologia de análise de discurso tendo como objeto obras de alguns impor-
tantes intelectuais que iniciaram uma tentativa de narração do Brasil enquan-
to nação, sendo eles: Francisco Adolfo de Varnhagen, Capistrano de Abreu e
Sergio Buarque de Holanda. Neste desígnio, se realizará algumas ponderações
das valiosas contribuições da Literatura, em especial efetivadas por Guima-
rães Rosa e Euclides da Cunha, haja vista que estes escritores são basilares ao
se pensar o “sertão”. Nada obstante, a espinha dorsal do texto ombrear-se-á na
análise das obras “Contestado” de Alcibíades Miranda, e “Campanha do Contes-
tado: episódios e impressões” de Demerval Peixoto. Os referidos autores parti-
ciparam como combatentes do exercito durante a Guerra Sertaneja do Contes-
tado4, deixando em seus textos um consideravel conjunto de discursos que
evidenciam visoes sobre o “sertao”, coeficiente que justifica sua escolha neste
trabalho.
Ao final, discorrer-se-a sobre algumas reflexoes quanto aos recentes es-
tudos acerca do espaço, da regiao e sua correlaçao com o pubere conceito de
desenvolvimento, tentando assim direcionar para possíveis encaminhamentos
que a Historia oferece aqueles que pretendem utilizar-se dela para empreen-
der pesquisas de carater regional, ou mesmo de Historia Regional.

3 O termo “historiador de farda” é empregado pelo historiador Rogério Rosa Rodrigues (2012, p. 249)
para nomear oficiais que se dedicaram à pesquisa histórica sobre o Contestado, não sendo aceitos nessa
categoria oficiais que apenas produziram obras de memórias ou relatórios técnicos sobre o Contestado.
Cabe aqui ressaltar que Alcebíades Miranda não é contemplado pela análise de Rodrigues, fato que,
desta forma, não me dá autoridade para assim nomeá-lo.
4 Utilizo aqui a nomenclatura Guerra Sertaneja do Contestado por concordar com a observação feita
pelo historiador Paulo Pinheiro Machado (2004, p. 36), onde mesmo aponta ser esta mais adequada e,
por sua vez, já utilizada pelo sociólogo Maurício Vinhas de Queiroz (1977), indiretamente fazendo
referência a outras guerras e movimentos sertanejos brasileiros.

40
A ETIMOLOGIA DO “SERTÃO”

Etimologicamente, o “sertão” é uma categoria que atravessou o Atlântico.


A quem defenda que o termo tem origem numa noção de deserto, derivado da
palavra “desertão”. Contudo, ao que parece, sua real constituição está longe
disso – apesar algumas pesquisas etimológicas sugerirem tal, devido sua se-
melhança estrutural – há uma concepção que entende o “sertão” como um
elemento empregado para dizer sobre o interior, dizer o longe, o longe de
Portugal, o outro, ou seja, o espaço além das redondezas. Tal raciocínio está
inserido no pensamento de Janaína Amado (1995), onde a autora tenta reali-
zar um contraponto com a História, enfatizando que esse sentido do “sertão”,
o qual existira em Lisboa, já não mais existe no Velho Mundo, sendo ele trans-
ferido para o Brasil. Destarte, “sertão” é uma palavra que trespassou o Atlânti-
co, deixando de ser empregado em Portugal para servir de conceito em terras
brasileiras, muito pela ideia de um espaço vazio, um espaço longe.
O “Vocabulario portuguez & latino” do padre Raphael Bluteau, publicado
entre os anos de 1712 e 1728, é considerado por muitos com o primeiro dici-
onário da língua portuguesa, nele “sertão” está grafado como “sertaõ”, apre-
sentando este como significado de uma “região apartada do mar, & por todas
as partes, metida entre terras” (BLUTEAU, 1712-1728, p. 613). Já, o intelectual
Gustavo Barroso (1947), professor e romancista – dentre outras várias ativi-
dades que exercera – apresenta o “sertão” derivado de “mulcetão”, palavra que
teria sido abreviada para “certão”, significando o termo latino locus mediter-
raneus, que quer dizer o interior, longe da costa, oposto ao marítimo. O mesmo
Barroso (1947) apresenta ainda a possibilidade de “sertão” ser uma derivação
da língua bunda (angolana), especificamente das palavras “celtão” ou “certão”,
significado de “mato”.
Todavia, também é possível que a categoria tenha sido utilizada desde o
século XII, grafado como “sertão” ou “certão”, em referência a locais distantes
de Lisboa, ou ainda, advindo do latim clássico “serene”, “sertanum”, “desertum”.
Foi com frequência usada pela Coroa portuguesa e no Brasil fartamente en-
contrado na documentação oficial (AMADO, 1995, p. 4-5).
Enfim, existem muitos estudiosos da etimologia que ainda se debruçam
sobre estes aspectos, o que não é exatamente o foco da História, dos estudos
de cunho histórico. O que realmente compete ao ofício do historiador é apre-
ender a aplicação dos conceitos dentro da temporalidade, especificamente
quanto uma determinada palavra como “sertão”, por exemplo, passa a ser
volumosamente utilizada e significada, modificando seu sentido e sua aplica-
ção. Nessa perspectiva, cabe aqui ressaltar a importância da “história dos con-

41
ceitos”5, área teórica multidisciplinar das ciências humanas que se propõe a
investigar as mudanças nos significados de certos termos e palavras no tempo,
com intuito de demonstrar como que uma categoria pode associar-se a distin-
tos significados, o que permite captar a propagação dos discursos no imaginá-
rio social.
Portanto, uma das linhas possíveis de investigação conceitual se insere
na análise historiográfica, na captura das continuidades e rupturas presentes
nos discursos históricos, possibilitando ao historiador empreender um enten-
dimento sobre os espaços. Pois, como alude Agnes Heller (1993, p. 197), “a
historiografia reconstrói as idades passadas-presentes numa dimensão espa-
ço-temporal”.

O “SERTÃO” NA HISTORIOGRAFIA CLÁSSICA6 BRASILEIRA

Entendendo que historiografia é episteme, é conhecimento verdadeiro


(HELLER, 1993, p. 95), um hábito de seleção, o qual é dever do historiador
fazê-lo, talvez o primeiro a apontar ou a estabelecer essa contraposição seja,
no caso do Brasil, a figura de Francisco Adolfo Varnhagen. Há sempre na histo-
riografia alguns textos que são fundadores, pioneiros, esse é o caso de Var-
nhagen (REIS, 2006, p. 23). Seu trabalho sobre a história do Brasil 7 é precur-
sor de uma imagem, uma representação daquilo que é o “sertão”. Imagem que
passou a partir de então ser consolidada na historiografia brasileira, posto que
seu material foi visto, lido, enfim, utilizado para compor manuais escolares,
integrando a forma de ensinar como também a forma de se pesquisar. Em
suma, os trabalhos subsequentes se utilizaram substancialmente de Varnha-
gen.
Portanto, para este intelectual, o “sertão” além da ideia de interior, é um
elemento que precisa ser ocupado, uma vez que pode conter riquezas, mesmo
sendo antagônico, e um paradoxo ao litoral. É importante entender que Var-
nhagen escreve sua narrativa no século XIX, é um ser deste período, alguém
que pensa ideologicamente seu tempo, um tempo aristocrático, onde “sertão”

5 No que tange a história conceitual ou história dos conceitos, no caso específico do estudo histórico,
destaco a figura do historiador alemão Reinhart Koselleck. Intelectual que contribuiu significativamente
para a superação da tradicional história das ideias, expondo que o estudo dos conceitos deve estar
sempre relacionado a uma dada realidade social. Sugiro assim, como leitura introdutória e
aprofundamento da reflexão de Koselleck, o artigo de Julio Bentivoglio (2010): A história conceitual de
Reinhart Koselleck; texto que sintetiza muito bem as contribuições deste importante historiador.
6 Atribuo aqui o termo “historiografia brasileira clássica” por entender que a abordagem, neste trabalho
realizada, não abrange todo o cabedal da historiografia brasileira, uma vez que para isso haveria a
necessidade de incluir vários outros importantes historiadores nesse tratamento, como Gilberto Freyre e
Caio Prado Junior. Sendo assim, a denominação clássica, por mim utilizada, não se configura em um
termo recorrente, mas sim uma maneira particular para delimitar três das principais obras escritas no
início da construção de uma narrativa da história nacional.
7 Obra publicada ordinalmente em dois volumes; o primeiro em 1854 e o segundo em 1857; sob o título
de História Geral do Brazil. Texto em que Varnhagen (monarquista declarado), procurou realizar um
trabalho de construção de Brasil independente, identificado com sua história e orgulhoso de suas
riquezas geográficas e naturais.

42
é um elemento do interior, de difícil penetração, desabitado, o qual precisa ser
civilizado, ocupado efetivamente. Entretanto, no discurso deste estudioso, o
ponto mais importante, que aqui interessa, é que o “sertão” não é desenvolvi-
do.

A obra de Varnhagen como um todo está a serviço da construção do Estado


nacional brasileiro, da ideia de nação, da nacionalidade e da delimitação do
território brasileiro. Para o autor tanto a história quanto a literatura deveriam
tratar de forma incisiva de todas essas questões, tornando-as dessa maneira
“úteis” para o império (GONÇALVES, 2008, p. 95).

A falta do desenvolvimento, é um dos aspectos que perpetuam dentre os


múltiplos significados do “sertão” e, assim sendo, ele pode deixar de existir,
uma vez que há a possibilidade de desenvolver-se, perdendo dessa maneira
sua característica principal.
Outro ponto central do pensamento de Varnhagen, diz respeito à pericu-
losidade do “sertão”, vislumbrando um espaço sem lei, onde os criminosos
podem fugir, refugiar-se, onde impera a violência sem que prevaleça a justiça.
Percebe-se que este é um texto fundador na perspectiva conceitual do “sertão”
dentro da historiografia, especialmente por inserir ideias antes não atribuídas
ao termo. Mesmo com todos seus problemas, Varnhagen é muito mais que um
militar e diplomata, é um historiador, seu trabalho tem um compromisso de
caráter histórico.
Se o expediente de Varnhagen tem um sentido de fundação, há outro tex-
to que ao tratar do “sertão” teve a capacidade de hierarquizar. Este é a obra
“Os Sertões” de Euclides da Cunha, ele está na maior parte dos trabalhos que
tratam de “sertão”, pelo menos em uma nota de rodapé ou na bibliografia.
Falar do tema sem falar de Euclides da Cunha é ímprobo.
Euclides é fundamental por ter a capacidade de sistematizar seu pensa-
mento. Sua narrativa é, além de literária, uma narrativa problematizadora da
realidade. Foi um estudioso da Geografia, da Geologia e da sociedade como um
todo, crítico político. Tinha uma posição social e uma postura muito bem esta-
belecida, dando a seu trabalho, além de um aspecto inovador, uma capacidade
de hierarquizar e consolidar uma dada imagem do “sertão”. Imagem que põe
esta categoria fora da História, fora da escrita, consequentemente, assim como
Varnhagen, um espaço da violência.
A concepção de Euclides da Cunha é a que será empregada por muitos
dos estudiosos que o sucederão, utilizando o “sertão” como espaço de violên-
cia, o que é, em contrapartida, reflexo da sua exclusão aos olhos da História, da
política, do interesse público, ou seja, da forma como o litoral se punha ao
interior.

Euclides viu o sertão como reflexo do litoral: a barbárie estaria por toda parte.
Criticou as jornadas jacobinas no Rio de Janeiro, em março de 1897, quando
multidões reagiram à notícia da derrota da terceira expedição contra Canudos

43
com a destruição de jornais monárquicos e o assassinato de um jornalista
(VENTURA, 1998, p. 68).

Nesse sentido, se o litoral é o progresso, o “sertão” é a sua falta. Sendo o


espaço próximo ao mar o local urbanizado e civilizado, o interior é seu o opos-
to, onde tudo é mais difícil, mais longe. Onde seus habitantes não têm a mesma
capacidade intelectual e organizacional do que os do litoral. O interessante é
que Euclides não coloca isso em tom de julgamento, de menosprezo – apesar
dessa concepção, dessa maneira de ver o interior, de ver o sertanejo como um
sujeito rude, bárbaro – ele consegue vislumbrar alguns elementos nestes su-
jeitos. Vê o espaço como responsável pelas dificuldades, um sentido etimoló-
gico bastante similar com ideia de “desertão”, uma vez que o deserto é um
local de difícil adaptação, de sobrevivência, é isolado e vazio. Essa imagem é
fundadora e hierarquizante, com preponderância de que a civilização, a socie-
dade tem uma responsabilidade com os espaços. O “sertão” é um problema a
ser resolvido pelo litoral.
Outro importante estudioso a problematizar o “sertão” é Capistrano de
Abreu. Um intelectual que surge na historiografia como um indivíduo capaz de
autorizar, de dar respaldo, preocupado com a questão geográfica, muito seme-
lhante ao trabalho desenvolvido pela primeira geração dos Analles, especial-
mente na figura de Marc Bloch8. Uma concepção de História que vai além,
onde o “sertão” pode configurar uma região de pouca fauna (o que é hoje pos-
sível visualizar quando se fala da caatinga, por exemplo). Mas, para Capistra-
no, o “sertão” pode também ser um local de muita mata, contudo, é vazio, de
difícil penetração; direcionando para uma ideia de lugar para onde se pode
fugir, criando a imagem de que o “sertão” é o local dos marginais, dos que
precisam esconder-se, daqueles que estão fora da História.
Um dos aspectos mais marcantes do texto de Capistrano de Abreu está
em inaugurar uma narrativa histórica que coloca o brasileiro no centro do
processo, do desenvolvimento. Segundo Reis (1998):

Capistrano será um dos iniciadores da corrente do pensamento histórico bra-


sileiro que “redescobrirá o Brasil”, valorizando o seu povo, as suas lutas, os
seus costumes, a miscigenação, o clima tropical e a natureza brasileira. Ele
atribuirá a este povo a condição de sujeito da sua própria história, que não
deveria vir mais nem de cima e nem de fora, mas dele próprio. O futuro do
Brasil torna-se tarefa do povo brasileiro e, para melhor vislumbrá-lo, Capis-
trano recupera o passado deste povo em suas lutas e vitórias. Capistrano foi
pioneiro na procura das identidades do povo brasileiro, contra o português e
o Estado Imperial e as elites luso-brasileiras.

8 Marc Léopold Benjamim Bloch (1886-1944), historiador medievalista francês, pertenceu à primeira
geração da Escola dos Analles, deu os primeiros encaminhamentos do olhar geográfico para a História,
assim como propôs uma a interdisciplinaridade nos objetos das ciências. Sugiro o texto de Guilherme
Ribeiro (2009): A Geografia testemunha a História – paisagem, região e interdisciplinaridade em Marc
Bloch, para elucidar melhor esta questão.

44
Entendo a lógica de um povo sujeito da sua própria história, logo aquilo
que para Capistrano era o desabitado, desconhecido, isolado, marginal, o peri-
goso; passa também ser possível de riquezas, um espaço que necessita ser
civilizado. Logo, passa também a ser passível de confronto, de beligerância. A
análise empreendida por Capistrano dá a factível condição de a historiografia
entender as regiões como espaços de disputa, de conflito; justamente em um
momento que as antigas províncias passavam a ter status de Estados autôno-
mos e soberanos.
Apesar de o “sertão” ter bandidos, marginais, ele precisa, no pensamento
da época, ser percorrido e civilizado, ser desenvolvido. O “sertão”, na concep-
ção de Capistrano de Abreu, necessita ser povoado por colonizadores. Até
mesmo os bandeirantes, quando se fixavam em determinados locais, passa-
vam de devastadores a colonizadores, vivendo com aquilo que o “sertão” lhes
fornecia (REIS, 1998, p. 76).
Por fim, inclui-se neste debate Sergio Buarque de Holanda. Um historia-
dor que consegue inserir o “sertão” em uma categoria polivalente, uma vez
que seus textos podem ser lidos de inúmeras maneiras. Um intelectual de
obras muito dispersas, as quais foram aglutinadas9, mas que mesmo assim foi
muito significativo para a historiografia brasileira, principalmente no que
tange o “sertão”. Sua contribuição foi seguida por inúmeros profissionais da
História, que, mais de quarenta anos depois, ainda seguem um caminho defi-
nido por Holanda.
Para este autor, o “sertão” é decorrente da pobreza da população. Ele
surge em decurso da existência de uma população extremamente pobre, assim
como a pobreza também pode surgir da presença do “sertão”. Não obstante,
para Holanda o remédio da penúria é o “sertão”, ou seja, quando parte da soci-
edade, marginalizada do capital, não consegue participar do sistema, é para o
“sertão” que estas pessoas correm. É a pobreza o motor da busca e da constru-
ção do “sertão”.
Para Sergio Buarque de Holanda (1945), especificamente em seu texto
“Monções”, o “sertão” é ocupado pela canoa, pelas vias fluviais. São as mon-
ções10 que se alastram pelo interior povoando as margens dos rios, ocupando
os espaços como linhas de transporte. Holanda considera que para a época
(segunda década do século XVIII e a primeira metade do século XIX), os rios
eram as estradas dos colonizadores, vias fluviais que aos poucos constroem
uma rede de ocupação do espaço que passam a fazer duplo sentido, ou seja,

9 Posso aqui destacar três principais obras que compõem a grande contribuição de Sergio Buarque de
Holanda para a historiografia brasileira, são elas: Raízes do Brasil (1936), Monções (1945) e Visão do
Paraíso (1959).
10 Cabe esclarecer que as “monções”, aqui referenciadas, não têm relação com termo da Geografia
usado para categorizar determinados ventos sazonais. Foram expedições fluviais que mantiveram
comunicações entre São Paulo e Mato Grosso nos séculos XVIII e XIX.

45
trazem e levam mercadorias e serviços. A interiorização do “sertão” se dá com
as vias fluviais.
Todavia, um importante ponto de sua narrativa, refere-se ao fato do “ser-
tão” ser o elemento de adaptação do homem. Holanda faz um trabalho etno-
gráfico, gastando todas suas veias de aproximação antropológica para mostrar
essa capacidade de adaptação do homem. É dessa adaptação, sugerida no iní-
cio do século XX por Euclides da Cunha, que, agora, na década de 1950, melhor
trabalhada por Holanda, que se vê na historiografia brasileira a figura do ser-
tanejo, de pele sofrida, que anda sempre em companhia de sua arma, passan-
do o dia inteiro montado num cavalo e que usa roupas rústicas. Aqui está ma-
terializada uma figura que é a do mameluco, do bandeirante. É esse tipo de
sujeito que é adaptado àquelas condições do “sertão”, um local difícil, hostil,
mas que é passível de amoldamento para a sobrevivência de determinadas
pessoas. Como aponta Reis (2006, p. 118):

Se, durante o século XIX, a realidade social excluía e o pensamento a legitima-


va, agora a realidade continuava excluindo, mas sem a legitimação cúmplice
do pensamento brasileiro. Este passou a defender a inclusão de negros, índios,
mulheres, pobres de todo tipo, enfim, de todos os marginalizados da socieda-
de oligárquica, do passado, os quais deverão ser integrados à sociedade brasi-
leira no futuro. O Brasil não teria futuro excluindo a sua própria população do
gozo dos direitos da cidadania.

Para Holanda, não é fácil viver no “sertão”, ele é duro, é hostil, porém foi
possível dominá-lo, e isso é mérito do português, na figura do bandeirante,
que soube se adaptar as condições adversas, soube entender que era melhor
para sua vida andar de sandálias do que com as pesadas botas que trazia da
Europa, soube descobrir que, em alguns casos, os alimentos utilizados pelos
indígenas eram muito melhores do que a comida portuguesa que estava acos-
tumado a fazer. É a adaptação do homem que propicia o domínio e, conse-
quentemente, o alastramento pelo “sertão”.
Desta forma, o “sertão” passa a ser conduzido, passa a ser tomado por
uma perspectiva de abertura. O sujeito que se mete pelo interior é um aventu-
reiro, um destemido, corajoso, mas, acima de tudo organizado, pois este espa-
ço desbravado passa a ser organizado metodicamente. Fato materializado em
viagens em que se estabeleciam pontos de paradas, as quais aos poucos se
tornavam pontos de apoio, depois pontos de abastecimentos, até tornarem-se
vilas. Uma viagem que antes era aventureira, agora se transformara em uma
viagem de estada, um percurso recorrente.
Contudo, o ponto fundamental do pensamento de Sergio Buarque de Ho-
landa consiste em povoar o “sertão” de aspectos sobrenaturais. Ele consegue
ver ali uma série de aspectos que não são apenas político, econômico, físico, ou
material, e sim sobrenatural. Ou seja, existe uma série de elementos que são
decorrentes das lendas, das crenças. O sertanejo precisa extravasar esse des-

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conhecido, acreditando em determinadas coisas que permitem vencer as difi-
culdades, povoando o “sertão” do sobrenatural: um “sertão” mítico.
Guimarães Rosa é outro autor da Literatura que tem uma forma diferente
de abordar o “sertão”: virando-o do avesso; dando distinto caminho para o
termo, que é um percurso trilhado por outros posteriormente. O “sertão” pas-
sa a ser um elemento muito mais simbólico – ele é físico, mas também é sim-
bólico – podendo estar em todo lugar e, ao mesmo tempo, não estar. As suas
frases traduzem que “sertão” é “sertão”, ele é pulverizado em vários sentidos.
O que Guimarães Rosa faz e, de certa maneira, a historiografia também
efetiva, é aplicar no espaço e no tempo dilemas que são humanos, como o
poder, por exemplo, onde as disputas do bem e do mal se fazem presentes,
permeando o imaginário humano do sobrenatural. É esse o percurso que a
literatura consolidou e que, de certa forma, a História vem trilhando. O “ser-
tão” é físico e é imaginário, essa é a capacidade que Literatura tem ao consoli-
dar uma narrativa ideológica dos espaços, onde o “sertão” se mostra represen-
tado como um local de disputa. Assim, na historiografia, passa a ser muito
mais recorrente, principalmente nas décadas de 1970 e 1980, muito por inte-
grar as reflexões do espaço. Quando a História começa a pensar sobre as sin-
gularidades e as representações do espaço, ela encontra o “sertão”, o fazendo
cotidiano.
Durante longo tempo a historiografia dedicou-se a estudar as grandes
disputas políticas no litoral, já que seria lá que elas em sua maioria ocorreri-
am. A historiografia empreendeu uma visão em que o espaço político poderia
existir para além do litoral, refletindo sobre as singularidades dos espaços,
descobrindo assim os “sertões”. Após a década de 1970 a História passou a
reivindicá-los, impingindo a ideia de que os historiadores precisavam pensar o
conceito de região em condições diferenciadas, não ficando mais condicionado
aos palácios, a casas grandes, mas também ao espaço do aldeão, do camponês.
Destarte, a História encontrou o caboclo, o sertanejo, enfim, o “sertão do Con-
testado”.

O “SERTÃO” NA HISTORIOGRAFIA CLÁSSICA DO CONTESTADO

De imediato, um dos erros possíveis e suscetível de crítica a este traba-


lho, constitui-se na seleção das obras memorialistas sobre o Contestado que
compõe a análise aqui empreendida, no caso, os textos: “Contestado” de Alcibí-
ades Miranda, e “Campanha do Contestado – episódios e impressões” de Demer-
val Peixoto.
Deixou-se de lado uma copiosa produção realizada por outros oficiais
combatentes do movimento que, ao findar da beligerância, empreenderam
intensa produção escrita de suas memórias. Dentre eles destaca-se o “Relató-
rio” do General Setembrino de Carvalho (1916), “A campanha do Contestado:
as operações da Columna Sul” (1917-18) de Herculano Teixeira d’Assumpção,

47
“Apontamentos para a história: o Contestado”11 (1920) e “Guerra em sertões
brasileiros: do fanatismo à solução do secular litígio entre o Paraná e Santa
Catarina” (1931) ambas de José Octaviano Pinto Soares, “O Contestado entre
Paraná e Santa Catarina” (1918) de Ezequiel Antunes, “A jornada de Taquaru-
çu: feito guerreiro” (1936) de Antônio Alves Cerqueira e “Reminiscência do
Contestado: subsídio para a história” (1918) de José Vieira da Rosa.
Salienta-se, porém, que para uma abrangência total necessitar-se-ia de
uma abordagem muito mais extensa, a fim de dar conta de sua amplitude.
Sendo assim, um recorte se fez necessário, contudo, um recorte metodologi-
camente pensado, onde a escolha realizada se justifica pelo fato destes dois
trabalhos supracitados terem, cada um, uma peculiaridade.
Entre todas as obras passíveis de problematização do “sertão”, a escolha
por Alcebíades Miranda e Demerval Peixoto se fez por dois motivos. O primei-
ro, devido o texto de Peixoto ter sido, no ano de 1995, reeditado em três vo-
lumes, os quais se fazem presentes em muitas escolas da rede pública do Pa-
raná e Santa Catarina, o que o torna um dos materiais de maior acesso aos
estudantes de nível fundamental e médio sobre a temática do Contestado. O
segundo motivo, diz respeito a Miranda, especificamente por este não figurar
muito nas discussões historiográficas recentes. Márcia Janete Espig (2008),
historiadora que faz uma excelente discussão historiográfica do Contestado,
em sua tese de doutorado não apresenta Miranda em seu debate, apenas o cita
nas referências bibliográficas. Rogério Rosa Rodrigues (2012), que publicou
elucidativo capítulo sobre as narrativas históricas dos historiadores de farda
na obra “Nem fanáticos nem jagunços: reflexões sobre o Contestado (1912-
2012)”, também não o cita. Contudo, é importante esclarecer que Alcebíades
Miranda apesar de ter concluído seu trabalho ainda em 1939, uma publicação
somente veio acontecer em 1987, o que pode ter impactado para sua não cos-
tumeira presença nos debates historiográficos 12.
Miranda era capitão do 10º Batalhão do 4º Regimento de Infantaria, se-
diado na cidade de Curitiba, quando participou das operações do exército no
Contestado. Segundo o próprio, teria decidido registrar diariamente o que
com ele se passasse quando completou trinta e cinco anos de idade. Fato este,
a indicar sua consciência sobre a importância que teria para a temporalidade,
tanto que fez questão de mencionar em seu texto o desejo de que seu trabalho
prestasse algum serviço à história da sua pátria (MIRANDA, 2012, p. 12).
Não se sabe o que verdadeiramente motivou-o e redigir a obra, entretan-
to, Alcebíades coloca, de maneira pincelada, algumas sugestões ao longo da

11 Espig (2008, p. 36) esclarece que o livro de Pinto Soares tem uma errata em que o título da obra foi
corrigido para Subsídios para a história – o Contestado, fato este que deve ser apreendido com cuidado
ao passo de se não se fazerem confusões quanto a busca de Soares nas bibliografias, uma vez que
determinados pesquisados o citam com uma nomenclatura e, outros, com outra.
12 Importante considerar que não realizei nenhum tipo de pesquisa sobre a esporádica abordagem de
Alcebíades Miranda na historiografia, apenas aqui apresento uma constatação sem qualquer
aprofundamento mais detalhado.

48
redação. Já de início, estabelece forte crítica aos escritos dos oficiais que o
antecederam, numa tentativa de apresentar-se muito mais fiel aos documen-
tos e comprometido com a verdade histórica.

Os documentos consultados, variadíssimos, foram, porém tão discordes no


modo de narrar e mesmo de apreciar os acontecimentos tão cheios de lendas
e de fantasias, que resolvi fazer uma colheita geral, dentro dos estritos liames
da verdade e com dados seguros traçar uma “Notícia” dessa campanha, que
traduzisse o que de fato ocorrera, relegando para outros destinos a invencio-
nice, a lenda, os delírios literários, as fantasias dos escritores antecedentes
(MIRANDA, 2012, p. 10).

Em vários outros momentos atenua os méritos do General Setembrino de


Carvalho na vitória sobre os caboclos, enaltecendo a figura do Capitão Tertuli-
ano Potiguara, haja vista que “[...] não foram os seis mil homens do general
Setembrino que deram o golpe de morte nos fanáticos do Contestado, [...] fo-
ram os bravos comandados de Potiguara” (MIRANDA, 2012, p. 24).
Em Miranda, assim como em vários outros memorialistas do Contestado,
o “sertão” é recorrente na narrativa, apresentado geralmente na introdução
do trabalho, situação esta muito comum nos textos históricos da primeira
metade do século XX, onde a necessidade da contextualização geográfica se
fazia necessário. O palco, os espaços em que os fatos aconteciam, necessitava,
para a prática da época, serem dimensionados, narrados, imaginados, muitas
das vezes com excessivas explicações sobre o solo, o clima, a fauna, a flora, etc.
Em síntese, um recorte de trabalho geográfico colado em um texto de História.
Por conseguinte, os conceitos eram empregados. A análise destes corro-
bora com a ideia de Horst Walter Blanke (2006), quando o autor descreve as
funções da historiografia, demonstrando com clareza o quanto que o esforço
analítico dos trabalhos existentes sobre um determinado tema, contribui sig-
nificativamente para a superação de determinadas visões de mundo. De tal
maneira, que ao pensarmos o “sertão do Contestado” em Miranda, vemos um
espaço pouco conhecido, no qual nem mesmo os mapas sobre a região eram
passíveis de crédito, pois os erros eram grosseiros13.
O “sertão” em Miranda materializa-se como uma região pouco palmilha-
da, onde predomina a mata virgem, riscada por um ou outro trilho de carguei-
ros em que tão somente transitavam pessoas a pé, geralmente criminosos e
fugitivos das mais variadas circunstâncias. Vê-se neste aspecto um discurso
muito semelhante aquele utilizado por Capistrano de Abreu, em que o “sertão”
é um local de criminosos e marginais, mas que pode ser também um espaço a
ser desenvolvido.

13 Miranda (2012, p. 22) aponta que o “sertão” era tão pouco conhecido que um mapa de possível
autoria de Caetano Valões, bandeirante fundador da então vila de Valões, hoje município de Irineópolis,
trazia a menção que o rio Timbó era afluente de rio Pelotas.

49
Para Alcebíades Miranda, o “sertão” é o efeito do abandono político. A
criminalidade e ignorância são resultados da incúria dos governantes, os quais
tão somente preocuparam-se com a região litorânea do Brasil, deixando o
interior do país a margem das iniciativas.
Nesse sentido, o do abandono político, se estabelece na narrativa uma
constante necessidade de comparação entre Canudos e o Contestado, materia-
lizados como fenômenos de morbidez social. Locais onde as situações crimi-
nógenas são parecidas, com absoluta falta de assistência, mas que necessitam
diferenciação e analogia, especialmente quanto ao ambiente e aos sujeitos que
os habitam.

Lá o mato é carrasquento, as bibocas acentuadas, o sertão é mais vasto e mais


agreste, o calor é intenso e a seca tortura os habitantes. Aqui os bosques não
são espessos e impenetráveis, mas sim vales férteis, circundados de matas, re-
gados por límpidos cursos líquidos, onde não raramente são aproveitadas as
quedas d’água para moverem rodas de moendas e de serranias em embrião.
[...] Assim sendo, a vida do sertanejo do norte e a do sertanejo do sul diferem
sensivelmente, no tocante à parte material. [...] São, entretanto, no ponto de
vista moral, perfeitamente análogos: ignorância, fanatismo, espírito de inde-
pendência e um certo comunismo aí imperam (MIRANDA, 2012, p. 14-15).

A chave para Miranda empreender a análise entre Canudos e Contestado,


é certamente a eminente necessidade de se fazer referência a Euclides da Cu-
nha, de se buscar de alguma maneira fazer crítica ao texto do escritor carioca.
Miranda deprecia Euclides afirmando que ele não teria realizado uma devida e
necessária comparação entre os “sertões” do norte e, os de Santa Catarina e
Paraná ao chamar o gaúcho de sertanejo. Para Alcebíades Miranda, no Rio
Grande do Sul não existem propriamente “sertões”, e que os “paralelos estabe-
lecidos entre os teatros das operações do vaqueiro e do gaúcho se referem
mais especificamente no chão do nordeste e ao pampa rio-grandense” (MI-
RANDA, 2012, p. 14). Acrescenta que com relação aos “sertões” catarinenses e
paranaenses a coisa é outra, “são análogos aos do norte, quanto à solidão e ao
quase abandono em que se ostentam a vegetação” (MIRANDA, 2012, p. 14).
A citação a Euclides da Cunha é quase que capital nos textos dos historia-
dores de farda, geralmente com crítica. Segundo Rodrigues (2012, p. 251):

Embora militarmente vencedor, o que se cristalizou no imaginário nacional,


acerca da atuação do exército, foi a imagem de despreparo e da violência des-
medida. Tal fama deve muito à obra seminal de Euclides da Cunha, publicada
em 1902. Como defendido por Belthod Zilly, o sucesso de Os sertões reside an-
tes na capacidade literária de universalizar os feitos e personagens de Canu-
dos que na pesquisa histórica, ou mesmo nas teses sociológicas incorporadas
ao texto. A esta análise, mais um fator poderia ser acrescentado: a conjuntura
política e social enfrentada no país, em especial no contexto militar. Até as
primeiras duas décadas do século XX, as forças armadas eram vistas como ins-
tituições que abrigavam vagabundos e desordeiros, além de possuírem a fama
de manter práticas do tempo da escravidão, como os castigos corporais. É con-

50
tra essa representação social que os historiadores de farda lutaram. Isso ajuda
a compreender a presença marcante de Os sertões em suas narrativas.

Para Susan Aparecida de Oliveira (2006, p. 13), as interpretações do Con-


testado na primeira metade do século XX, revelaram-se pautadas pela polari-
zação entre “sertão” e cidade, entre barbárie e civilização, sendo que o modo
como Euclides da Cunha apresentou seu texto, efetivando a crença de um rea-
lismo e uma confiança em seu testemunho, incitou os oficias memorialistas,
como Miranda, à intencionalmente ou não, imitá-lo para garantir determinado
realismo na narrativa. Por outro lado, também houve uma tentativa de faze-
rem-se heterogêneos, na procura de recuperar uma imagem do Exército, em
certa medida deteriorada por Os sertões.
Tal polarização, mencionada por Oliveira (2006), surge no discurso de
Miranda quando este estabelece uma diferenciação visual que teria feito
quando participou das operações no Contestado, como também em vista pos-
terior a região. Para ele, haveria uma vida nômade no “sertão”, comprovada
pelo raro encontrar de uma construção de alvenaria. Quase tudo se construíra
com a madeira, incluindo as estações de trem. Na sua visão, nos próprios cen-
tros mais habitados do norte do Paraná predominava a construção com o
madeiro (MIRANDA, 2012, p. 17).
Em suma, o “sertão” para Alcebíades Miranda constitui um espaço em
que predomina a criminalidade e a ignorância. Mas, não uma ignorância bus-
cada, premeditada; e sim responsabilizada, efetivada pelos seus governantes
que historicamente o negligenciaram. Um espaço habitado por sujeitos desas-
seados, que se nutrem mal, o que, porém, não lhes causam maiores prejuízos.
Sertanejos que não amam o trabalho, libertinos e supersticiosos. Todavia, um
local que pode ser diferente, de paz reinante, obtido com a efetiva presença de
escolas nas mais remotas paragens e recônditas regiões, e firmado com o cas-
tigo às “[...] autoridades que abusam dos cargos para perseguir desafetos de
qualquer classe” (MIRANDA, 2012, p. 23).
Como já apresentado, outro memorialista em debate neste expediente é
Demerval Peixoto, oficial que esteve na região de conflito entre setembro de
1914 a abril de 1915, junto à expedição de Setembrino de Carvalho (RODRI-
GUES, 2012, p. 242) e que, logo ao findar do conflito, sob o pseudônimo de
Criveláro Marcial14, escreveu a obra “A campanha do Contestado: episódios e
impressões”. Trabalho publicado em três volumes, lançados em anos diferen-
tes, sendo o primeiro em 1916, o seguinte em 1918 e o terceiro em 1920, este
último acrescido das duas primeiras partes abarcando todos os volumes em
um único livro.

14 Segundo observação de Rodrigues (2008, p. 139), Demerval Peixoto certamente utilizou-se do


pseudônimo Cliveláro Marcial devido à proximidade e envolvimento na campanha do Contestado,
procurando assim não ter seu nome ligado diretamente ao conflito.

51
A obra de Peixoto foi, à época, muito bem recebida pela crítica, compro-
vando que a rede de sociabilidade dos oficiais escritores não estava limitada
apenas a classe militar. A imprensa nacional teceu elogios ao trabalho, desta-
cando-o como brilhante, de alta cultura literária, digna dos mais calorosos
louvores (RODRIGUES, 2012, p. 249-250). Nada obstante Peixoto,

[...] não levou adiante a vida como intelectual, restringindo-se, além dos três
volumes sobre a Guerra do Contestado (1916-1920), a redigir o livro [...] Me-
mórias de um velho soldado (1960) e a tradução de outro sobre infantaria,
chamado O que é preciso saber sobre infantaria, de M. Abadie (1928) (RODRI-
GUES, 2008, p. 142).

É certo afirmar que não mais se sustenta a ideia, por tempo propagada,
de que o Contestado não teve um destaque na mídia, um vulto de importância
como teve Canudos, por falta de um Euclides da Cunha15. As obras publicadas,
já após a assinatura do acordo de limites, foram numerosas, seguindo um
crescente que atingiu certamente um ápice após a publicação, em 2004, do
trabalho de Paulo Pinheiro Machado: “Lideranças do Contestado”; obra que
trouxe uma série de aprofundamentos ao tema. Somado a isso, é considerável
assinalar que, agora, com a passagem do centenário da guerra (2012-2016),
está em curso um aumento ainda maior no número de trabalhos sobre o Con-
testado, uma vez que datas comemorativas, de cem ou cinquenta anos de de-
terminados fatos históricos, acabam motivando um avolumar nos expedientes.
Se, Peixoto foi merecedor de elogios, o “sertão” em sua narrativa de certo
modo também teve a mesma sorte. Para ele os aspectos naturais da região
eram verdadeiros tesouros, especialmente o pinho e o mate, riquezas que
poderiam fazer daquele espaço uma nova Canaã, à medida que a República o
fazia ressurgir do abandono (PEIXOTO, 1920, p. 10).
Assim como em Miranda (2012), “A campanha do Contestado: episódios e
impressões” (1920) inicia com a busca da contextualização geográfica, porém,
não em termos naturais, mas sim abordando seus núcleos habitados. Segundo
Luís Roberto Soares, o qual redigiu a introdução da edição de 1995 da respec-
tiva obra, a narrativa de Demerval Peixoto é de inspiração positivista, advinda
da Escola Militar do Rio de Janeiro, escola que formava as vanguardas das
elites dirigentes da época. Escola preocupada com a construção de um Estado
Nacional forte, enaltecendo as qualidades pátrias e com um forte ideal civiliza-
tório.
Sendo assim, as primeiras páginas objetivam dar ao leitor uma visão ge-
ral dos centros “urbanos” da região. Várias vilas e municípios são descritos
evidenciando seu atraso e pobreza. Somente duas municipalidades escapam

15 Opinião apresentada por Paulo Pinheiro Machado em palestra intitulada Contestado na sala de aula
– reflexões e possibilidades para o Desenvolvimento Regional. Palestra esta proferida durante o I
Seminário sobre Educação e Desenvolvimento Regional: os planos de educação e os desafios, realizado
na cidade de Canoinhas entre os dias 16 e 20 de maio de 2016.

52
de sua crítica: Ponta Grossa e Curitiba. Entretanto, é de se salientar que estes
centros não foram palco dos conflitos e são certamente mencionados pelo
autor no intuito de estabelecer comparação entre os tão próximos e díspares
vilarejos.
Os rios também se destacam na redação, suas nascentes e cursos são de-
talhados com cuidado, deixando claro que, para este intelectual militar, o “ser-
tão” não é um espaço árido, de pouca flora ou carente de chuvas, é um “sertão”
muito mais constituído de práticas, conceituado pela atividade humana, na
concepção “certeauriana”: um espaço praticado (CERTEAU, 1994).
O “sertão” para Peixoto apresenta-se muito mais como um ambiente de
causa e efeito do humanal do que do geográfico. Há uma perceptível preocu-
pação com os sujeitos que empreendem relações naquele ambiente, sejam elas
de caráter social, cultural, econômica ou militar. Nesse sentido, e no que con-
cerne esta problematização, o sertanejo talvez seja um dos elementos mais
constantes em toda a narrativa, um elemento que vivera em total abandono,
espoliado pelos prepotentes, os quais por vezes podem se tornar vítimas des-
tes rancorosos e vingativos sertanejos (PEIXOTO, 1920, p. 11).
Em momentos euclidianos, Peixoto tece elogios condenatórios aos serta-
nejos (RODRIGUES, 2008, p. 146). A dicotomia de seu discurso é recorrente,
ao passo que deseja justificar a ação militar, mas também não ser duro para
com os seus irmãos de pátria:

No sertanejo do Contestado tinha-se assistido a reprodução da brutalidade da


coragem dos caipiras dos sertões nortistas. Ante as vidas preciosas de officia-
es e de soldados do exército, ceifadas na guerrilha cruenta, depois da victória
é justo render-se a homenagem merecida: - crueis na luta os infelizes irmãos
das matas, eram dignos de admiração pela ouzadia com que enfrentaram as
tropas regulares e, ainda mais dignos de piedade pela loucura com que se de-
fendiam, excedendo a furia dos javalis, a agilidade dos tigres e a valentia estoi-
ca do rei das féras. Rendamos essa homenagem merecida aos nossos irmãos
enlouquecidos das selvas (PEIXOTO, 1920, p. 739)16.

Enfim, Demarval Peixoto entende o “sertão” como um espaço inculto, es-


te é o termo mais utilizado por ele para exprimir sua visão. Não é isolado, não
é despovoado, tanto que pode ser formado por núcleos habitados, o que ele
chamaria de “cidade sertã” (PEIXOTO, 1920, p. 127). É uma área que possui
riquezas, a qual poderia ser uma das regiões mais pujantes no início do século
XX, fato este não ocorrido pelo “fanatismo” e pela opressão coronelista.
Como há de se perceber, os discursos memorialistas do Contestado são
bastante ricos de conceituações e de representações sobre os espaços, sobre
os elementos humanos que neles empreendem sociabilidades, o que faz o
“sertão”, por exemplo, extravasar a concepção física, geográfica, adentrado ao

16 Nota dos Organizadores: por se tratar de escrito de épocas passadas, algumas citações deste e outros
textos contêm erros de ortografia, considerando as normas atuais.

53
sobrenatural, aos espaços sociais, exprimindo, especialmente em Peixoto, uma
ideia de que ele pode apresentar-se em toda parte. Pode ser a expressão do
desconforme, daquilo que é diferente, desigual do modelo esteticamente con-
cebido como o padrão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2008), ao discorrer sobre o concei-


to de região, alerta para o crescente número de programas de pós-graduação
que inserem a problemática regional em suas linhas de pesquisa e áreas de
concentração, observando e levantando questionamentos sobre a pouca dis-
cussão e problematização do conceito nestes programas.
O provável grande erro em vários dos trabalhos de conceituação, situa-se
no isolamento da análise empreendida pelas diversas ciências, pois, em varia-
dos casos, geógrafos ensejaram por um referencial apenas geográfico, outros,
tão somente pelo sociológico, e os historiadores utilizando apenas o histórico
(MUCHALOVSKI, 2008, p. 13). O medievalista Marc Bloch, no início século
passado, já alertava para a necessidade da interdisciplinaridade dos estudos
de História, pregando isto como instrumento de renovação e aperfeiçoamento
(RIBEIRO, 2009, p. 10).
Na mesma medida que os conceitos surgem como ponto chave de qual-
quer tema enquanto conhecimento científico, a história conceitual emergiu
como área teórica a inserir estes debates no seu cerne, tornando-os objeto,
problema, no que tange a ação das palavras, dos termos, dos conceitos dentro
da temporalidade.
Como apresentado neste artigo, o “sertão” – uma ramificação possível do
conceito de região – mostrou-se um elemento de múltiplas concepções, visto
de volúveis formas dentro da análise historiográfica aqui empreendida. Po-
rém, o ponto central a ser pensado insere-se no quanto o discurso sobre o
“sertão”, no contexto do Contestado – agora pensado geograficamente, atrela-
do ao elemento basilar da Geografia, o território – impôs, ou ainda impõe en-
traves àquilo que se chamaria de desenvolvimento, uma vez que, conforme se
pode ver, a ideia do desenvolvimento é presente no pensamento sobre o “ser-
tão”.
Conforme exposto, Varnhagen confere o “sertão” como algo não desen-
volvido. Euclides da Cunha aponta a dicotomia sertão/litoral, argumentando
este último ser o progresso, enquanto o outro: o atraso; todavia, um atraso a
ser resolvido pelo litoral. Capistrano de Abreu coloca o brasileiro no centro do
desenvolvimento, o elemento responsável por empreendê-lo, de promover o
progresso. Para Sergio Buarque de Holanda, o “sertão” é a pobreza, é para lá
que as pessoas se dirigem na dificuldade e de lá que se foge na ostentação.
No que concerne o espaço do Contestado, as obras aqui problematizadas
demonstraram um aspecto interessante e equipolente: tanto para Alcebíades
Miranda quanto para Demerval Peixoto, o atraso, a ausência do desenvolvi-

54
mento17 do “sertão”, é resultado do abandono político. Miranda inclusive su-
gere a falta de escolas como promotor de tal. Apesar de estes oficiais escrito-
res produzirem uma narrativa fortemente preconceituosa, positivista e elitis-
ta, ainda assim apontaram as falhas da esfera política como agente conseguin-
te da segregação social. Agora, passados mais de cem anos da Guerra do Con-
testado, muitos dos discursos ainda são os mesmos, o próprio termo “sertão”
perpetua, utilizado para referir-se a determinadas regiões de Santa Catarina
(AMADO, 1995, p. 1).
Neste território do planalto catarinense persiste o abandono. Dados do
ranking de IDH do Brasil de 2010, publicado no Atlas de desenvolvimento
Humano do Brasil de 2013, apontam para a discrepância entre regiões em de
Santa Catariana. Se Joinville, ao norte do estado, ocupa a posição de número
21, São Miguel do Oeste a 37, Tubarão a de número 67 e Florianópolis a posi-
ção 3. No Contestado, Três Barras está na 1720ª, Timbó Grande na 2924ª e
Lebon Regis na 3136ª posição (MUCHALOVSKI, 2015, p. 10). Dados que pode-
riam muito bem ser contemporâneos a Euclides da Cunha, quando este já
afirmava ser o litoral o espaço da riqueza e o interior o seu avesso.
Hoje, no centenário da Guerra Sertaneja do Contestado, o “sertão” parece
continuar. Se outrora o esquecimento e a falta de investimentos já eram per-
cebidos pelos seus críticos mais tendenciosos e elitistas, atualmente o que
mudara? Pensar sobre o processo histórico, os discursos, os conceitos, pode,
quem sabe, materializar-se num mecanismo para o entendimento do “sertão
do Contestado”, no intuito de ser amparo para a criação de medidas que pro-
movam o “desenvolvimento”, não necessariamente econômico, mas social.
Onde a parcela historicamente menos favorecida da população seja protago-
nista dos investimentos públicos, e não apenas referência nos discursos que,
dia após dia, ano após ano e eleição após eleição, prometem mudança no qua-
dro estabelecido, mas que, demonstram ser incapazes de efetivarem mudan-
ças substanciais. Os estudos estão sendo feitos, as alternativas estão sendo
levantadas, o material intelectual já é consideravelmente relevante, cabendo
aos que, detêm o poder da mudança, pô-las em prática.

REFERÊNCIAS

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BLANKE, H. W. Para uma nova história da historiografia. In: MALERBA, J. (Org.). A

17 Obviamente que considero aqui a ideia de desenvolvimento de cada autor, não sendo este conceito
analisado em profundidade no discurso, servindo apenas de apontamento. Pois, o próprio conceito de
desenvolvimento é muito jovem, debatido com maior intensidade após o fim da Segunda Guerra Mun-
dial.

55
história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006. p. 27-
64.
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56
A POBREZA NO PLANALTO NORTE
CATARINENSE: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E
IMPLICAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO
REGIONAL1

Maria Luiza Milani2


Pollyana Weber da Maia Pawlowytsch 3

INTRODUÇÃO

O objetivo do estudo foi o de analisar as representações sociais dos sujei-


tos que vivem em condição de pobreza no Planalto Norte de Santa Catarina.
Assim, este texto evidencia como os usuários da transferência de renda – Pro-
grama Bolsa Família – do Planalto Norte Catarinense expressam suas repre-
sentações sociais de pobreza para que se possa considerar entre as implica-
ções para o desenvolvimento regional. A problemática da pobreza tem atraído
atenção e preocupações em nível mundial, com estudos e reflexões acerca da
desigualdade de renda, a inclusão e exclusão social. Estes aspectos têm se
mostrado temas cada vez mais centrais, pois a pobreza e a desigualdade social
se apresentam em índices que retratam o processo histórico da sociedade
brasileira nas sucessivas gerações, destacando sua persistência como fator de
destaque e preocupações.
Em linhas gerais a pobreza é entendida como estado de privação, não
apenas material, quando um sujeito tem seu bem estar comprometido. A po-
breza pode se expressar por meio de formas distintas e explica uma proble-
mática social. Historicamente a pobreza no Brasil passou a ser destacada a
partir das décadas de 1977 e 1998, nas análises das Pesquisas Nacionais por
Amostragem de Domicílios (APNAD), realizadas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Com estes estudos é que se tornou possível
formar indicadores sociais com o objetivo de sustentar as reflexões sobre a

1 O presente texto, na sua primeira versão, foi publicado na revista Desenvolvimento Regional em
debate, v. 6, n. 3 (2016).
2 Doutora em Serviço Social, com atuação no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da
Universidade do Contestado (UnC). E-mail: marialuiza@unc.br
3 Psicóloga, Mestre em Desenvolvimento Regional no Mestrado em Desenvolvimento Regional da
UnC.

57
distribuição de renda ou os padrões de vida e seus dos indivíduos da socieda-
de brasileira.
Os cenários da pobreza no Brasil são expostos pelos meios de comunica-
ção, os quais divulgam este problema decorrente da sociedade produtiva e
social, organizada em classes sociais. A condição de miséria e pobreza é vivida
por mais de 16,27 milhões de pessoas no Brasil, isto é o equivalente a 8,5% da
população (IBGE, 2013).
O IBGE revelou que no ano de 2013, dos 16,27 milhões de brasileiros que
viviam em condição de extrema pobreza, 4,8% não possuíam nenhuma renda
e, os demais 11,4 milhões possuíam rendimento per capita de R$ 1,00 a R$
70,00. A linha da pobreza no Brasil é delineada nesse parâmetro (renda per
capita de até R$ 70,00). Nesse caso a identificação das pessoas vivendo em
condições proporcionadas por essa renda é reconhecida pela condição de
pobreza extrema.
Os fatores que envolvem a miséria e a pobreza envolvem a responsabili-
dade social do Estado, o desemprego; a baixa escolaridade; restritas oportuni-
dades de capacitação profissional, trabalho e renda; exclusão social de seg-
mentos dos resultados da produção social. Nesse contexto o próprio sujeito
representa sua baixa estima, desvalorização pessoal, falta de confiança do
sujeito e da própria sociedade sobre ele.
Sob as abordagens teóricas pode-se entender que a pobreza está intima-
mente relacionada com o nível de renda de um grupo social, parâmetro que
expõe os cenários de uma sociedade. Entende-se que a linha de pobreza está
relacionada com o desenvolvimento de determinada sociedade, logo, pode
existir relação entre a existência da pobreza e o desenvolvimento de uma re-
gião.
Desta forma, pode-se entender que a existência de situações de pobreza
pode provocar um círculo de ruptura e isolamento pelo qual o pobre passa a
ser visto pela sociedade como alguém vulnerável, humilhado, destituído de
dignidade, de igualdade de oportunidades, autonomia e fundamentalmente
promotor de uma ausência constante de participação social.
O que representa para a sociedade não ter emprego, ter um trabalho mal
remunerado, possuir uma casa sem capacidades para satisfazer as necessida-
des básicas, não trazem apenas carência de recursos e impossibilidade de
adquirir bens de consumo; mas trazem também ao próprio indivíduo sensa-
ção de inutilidade, incapacidade de se realizar. Sensação esta, que impede os
indivíduos de usufruírem do mundo. É a partir desta percepção que se enten-
de a necessidade de estudar a pobreza e a exclusão social.
A exclusão social é uma problemática recorrente nas discussões em par-
ticular quando o recorte é a fome, em particular quando se evidenciam os
paradoxos nas nações ricas economicamente como é o caso brasileiro, os
quais fundamentam a formulação das políticas públicas em especial as de
enfrentamento a pobreza.

58
É neste contexto que se inserem as políticas públicas de assistência social
que dentre seus programas e ações promovidas, destaca-se os recursos estra-
tégicos de minimizar e erradicar a fome, a pobreza e a desigualdade social.
Esse recurso estratégico das políticas públicas e da assistência social, os pro-
gramas de transferência de renda (desenvolvidos a partir de política pública)
apresentam-se como estratégia do Estado para enfrentar a pobreza. Neste
estudo o Programa Bolsa Família brasileiro.
O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que be-
neficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza no Brasil desde
o ano de 2003. O Planalto Norte Catarinense apresenta um total de 34.612
famílias inscritas no Bolsa Família (PBF) atingindo um percentual de 9,69% da
população total da região (IBGE, 2013).
A lógica deste programa é que o acesso a uma renda mínima associada à
oferta de serviços básicos existentes nos municípios deveria possibilitar auto-
nomia às famílias pobres. Frente a esta discussão, pode-se entender a pobreza
como um conceito socialmente construído e definido por sua história, muitas
vezes associado a padrões estabelecidos pela mesma sociedade, em dados
momentos de seu desenvolvimento.
Ainda, na mesma perspectiva de construção social, a temática da pobreza
sob a concepção subjetiva, leva à identificação do reflexo social na produção
de pobreza, pela qual o sujeito passa a ser reconhecido no seu espaço como
pessoa com história e necessidades além das financeiras. Muitas vezes ao se
estudar o ambiente onde os sujeitos em condição de pobreza estão inseridos
observa-se comportamentos sociais de exclusão, de segregação social e de
pouco reconhecimento social por parte das próprias pessoas pertencentes a
este contexto.
Para tanto, o estudo teve como problemática: quais são as representa-
ções sociais dos sujeitos que vivem em condição de pobreza e sua interferên-
cia ao desenvolvimento no Planalto Norte Catarinense?
Na perspectiva de responder a esse problema, o objetivo geral do estudo
portanto, foi o de evidenciar as representações sociais dos sujeitos beneficiá-
rios no Bolsa Família no Planalto Norte Catarinense sobre sua condição de
pobreza e como tanto pobreza como o auto reconhecimento do sujeito pobre
implicam no desenvolvimento da região.
O texto deste é descrito na seguinte ordem: em um primeiro momento é
apresentado o referencial teórico estruturado com os principais temas que
abrangem este estudo, no segundo momento os procedimentos metodológicos
para a sua construção são descritos, para proporcionar entendimento dos
resultados e discussão que são apresentados em um terceiro momento e por
fim, este estudo conclui-se com a apresentação das considerações finais.

POBREZA

59
A pobreza pode ser entendida sob diversos aspectos, como privação em
termos de materiais, na forma de fome ou na baixa qualidade de moradia,
tratando-se de termos econômicos, pode ser entendida sob forma de inade-
quação de renda e em termos sociais, é definida como isolamento da comuni-
dade ou sentimento de baixa autoestima (VINHAS, 2006).
Esta problemática tem alcançado patamares cada vez mais elevados em
todo o mundo; no Brasil nas últimas décadas vem se observando cada vez
mais desigualdade na distribuição de renda e significativos níveis de pobreza
(SILVA, BANDEIRA e LOPES, 2011). Logo, explicar este fenômeno exige um
esforço para o seu entendimento no campo das determinações sociais.
Para melhor entendimento sobre o fenômeno pobreza faz-se necessária a
identificação de abordagens que o descrevem. A literatura especifica identifica
quatro abordagens fundamentais para sua compreensão no âmbito social,
sendo as elas: as culturalistas; as estruturalistas; as liberais-neoliberais; e, as
abordagens que concebem a pobreza como fenômeno multidimensional (SIL-
VA, 2004).
As abordagens culturalistas da pobreza concebem-na como decorrência
de fatores internos, comportamentais e valorativos defendidos pelos pobres,
nos quais o fator cultural é entendido como único determinante da pobreza no
mundo. Oscar Lewis (1983) um dos principais defensores desta teoria é citado
por Paugam (2003, p.51).

A cultura da pobreza é ao mesmo tempo, uma adaptação e uma reação dos


pobres à sua posição marginal em uma sociedade de classes estratificada, ex-
tremamente individualizada e capitalista. Representa um esforço para comba-
ter os sentimentos de desespero que surgem quando os pobres compreendem
o quanto é improvável que tenham êxito concebido segundo valores e objeti-
vos da sociedade em que vivem. [...]. A cultura da pobreza não é somente uma
adaptação a uma série de condições objetivas do conjunto da sociedade. Uma
vez que se manifeste, tende a se perpetuar de geração em geração, em razão
do efeito que produz nas crianças. Quando as crianças dos cortiços atingem
seis ou sete anos, em geral já assimilaram os valores básicos e os hábitos de
sua sub-cultura, e não se encontram em condições psicológicas para aprovei-
tar plenamente a evolução ou os progressos possíveis de acontecer durante
sua vida.

Este tipo de concepção tem sido adotado no Brasil como base para a ela-
boração de políticas públicas de enfrentamento da pobreza desde os anos de
1970. Já as abordagens estruturalistas, cuja discussão predominava nos anos
de 1950, se posicionam inversamente as abordagens culturalistas, uma vez
que concentra nas explicações sobre a pobreza em fatores externos e estrutu-
rais, entendendo o comportamento dos pobres como consequência e não co-
mo causa da pobreza (JESUS e COSTA, 2007).

60
A tese estrutural, consequentemente opera uma mudança de perspectiva: se
os mais desfavorecidos são afastados temporária ou definitivamente do mer-
cado de trabalho e das instituições oficiais, isso não ocorre porque se desinte-
ressam pelos valores da sociedade em geral, mas porque na ausência de renda
estável, de poder e de instrução, reconhecem que suas chances de promoção
social são comprometidas e que estão condenados a viver por mais ou menos
tempo em um contexto cultural no limite da exclusão social (PAUGAM, 2003,
p.52).

Esta vertente tem suas bases no marxista que concebe e explica a socie-
dade capitalista pelos processos de exploração do trabalho pelo capital. Jesus
e Costa (2007) complementam esta concepção descrevendo que a corrente
estruturalista a qual propõe que se considerem as questões estruturais que
definem o ambiente dos pobres e que os comportamentos descritos por Lewis
(1981) sejam definidos como consequência da pobreza e não como causa
como propôs a teoria culturalista.
Já a abordagem liberal-neoliberal dos anos de 1970 converge com a cul-
turalista. Aquela identifica as causas da pobreza e não concorda com inter-
venções sobre a pobreza realizadas pelo Estado. Para essa abordagem a inter-
venção do Estado sobre a pobreza poderia desestimular o indivíduo buscar no
trabalho a condição de interação social. Para os liberais ortodoxos, não deve-
ria ocorrer nenhuma intervenção do Estado sobre a pobreza. Aqueles qualifi-
cam o pobre como o indivíduo incapaz de competir no mercado. Mas um gru-
po de liberais aceitou a necessidade da intervenção do Estado desde que fosse
pontual e em circunstâncias bem definidas (SILVA, 2000).
Por fim, a abordagem da pobreza enquanto fenômeno multidimensional
provoca a discussão na qual se defende a pobreza de forma complexa, levando
em conta juízos de valor em termos relativos ou absolutos.
Crespo e Gurovitz (2002, p.3) descrevem que “a pobreza pode ser estu-
dada apenas do ponto de vista econômico ou incorporada a aspectos não
econômicos à análise, sendo contextualizada de forma dependente ou não da
estrutura sócio política da sociedade”. Esta abordagem tem como proposta
central contestar as concepções de pobreza por visões homogêneas e dicotô-
micas. A abordagem multidimensional define a pobreza a partir de três esfe-
ras que se inter-relacionam: a pobreza como juízo de valor, a pobreza relativa
e a pobreza absoluta (SILVA, 2007).
Crespo e Gurovitz (2002, p.03) dizem que a pobreza como juízo de valor:

[...] quando se trata de uma visão subjetiva, abstrata, do indivíduo, acerca do


que deveria ser um grau suficiente de satisfação de necessidades, ou do que
deveria ser um nível de privação normalmente suportável. O indivíduo ex-
pressa sentimentos e receitas, de caráter basicamente normativo, do que de-
veriam ser os padrões contemporâneos da sociedade quanto à pobreza. Não
leva em conta uma situação social concreta, objetivamente identificável, ca-
racterizada pela falta de recursos. Desse modo, tal enfoque não esconde sua

61
fragilidade, embora seja bastante óbvio que mesmo uma conceituação objeti-
va da pobreza não se furta à presença de algum juízo de valor.

Silva (2000) descreve que a concepção de pobreza a partir de um juízo de


valor, por vezes pode dar base à interpretação empírica do fenômeno, defen-
dendo que a compreensão a partir de uma visão dualista pode explicar melhor
as manifestações empíricas da pobreza. Ainda, a autora aponta que a noção de
insuficiência dos níveis de vida e a de desigualdade na distribuição de renda
sustenta a explicação mais frequentemente utilizada para esclarecer a pobre-
za, a partir das definições de pobreza absoluta e pobreza relativa.
Crespo e Gurovitz (2002) ao descreverem que as percepções de pobreza
relativa se fazem a partir de cunho macroeconômico, assim como o conceito
de pobreza e dizem que:

A pobreza relativa tem relação direta com a desigualdade na distribuição de


renda. É explicitada segundo o padrão de vida vigente na sociedade que define
como pobres as pessoas situadas na camada inferior da distribuição de renda,
quando comparadas àquelas melhor posicionadas. O conceito de pobreza rela-
tiva é descrito como aquela situação em que o indivíduo, quando comparado a
outros, tem menos de algum atributo desejado, seja renda, sejam condições
favoráveis de emprego ou poder. Já o enfoque absoluto na conceituação da
pobreza se observa quando da fixação de padrões para o nível mínimo ou su-
ficiente de necessidades, conhecido como linha ou limite da pobreza, determi-
nando a percentagem da população que se encontra abaixo desse nível. Esse
padrão de vida mínimo, apresentado sob diferentes aspectos, sejam nutricio-
nais, de moradia ou de vestuário, é normalmente avaliado segundo preços re-
levantes, calculando a renda necessária para custeá-los (CRESPO e GUROVITZ,
2002 p.03-04).

O enfoque de pobreza absoluta é utilizado como um instrumento para a


concepção de intervenções do Estado que fixa padrões para o nível mínimo ou
suficiente de necessidades dos indivíduos, padrão conhecido como linha ou
limite de pobreza que determina o percentual da população que se encontra
abaixo deste nível.
]Vinhas (2006) escreve que para o estabelecimento dos limites de pobre-
za são considerados três enfoques: o enfoque biológico que define a pobreza a
partir de requisitos nutricionais mínimos da dieta alimentar; o enfoque das
necessidades básicas considera a alimentação, a moradia, vestuário e serviços
essenciais de água, saneamento, transporte público, serviços médicos e de
educação como necessários; e o ultimo enfoque definem a ideia o salário mí-
nimo que defende a ideia de um salário mínimo inicial deva ser dinheiro ne-
cessário para suprir um nível de vida mínimo.
Já a definição de pobreza relativa se mantém a partir da noção de desi-
gualdade e da ausência de condições que permite aos pobres participarem de
um padrão mínimo de sobrevivência oferecido, com um padrão de renda que
atenda às condições mínimas de vida para o indivíduo (SILVA, 2000).

62
Considerando essas diferentes abordagens sobre pobreza no decorrer do
século XX três novas concepções foram desenvolvidas: a concepção de sobre-
vivência, de necessidades básicas e de privação relativa.
Durante os séculos XIX e XX até a década de 1950 o enfoque de sobrevi-
vência predominou. Teve origem no trabalho de nutricionistas inglesas que
apontavam que a renda do mais pobre não era suficiente para a manutenção
do rendimento físico de um indivíduo. Este enfoque tinha como objetivo pre-
servar a ênfase no individualismo compatível com o ideário da teoria liberal
(apresentada acima neste estudo). A partir deste ponto de vista e com a utili-
zação de medidas estatísticas formulou-se o primeiro modelo de proteção
social para o Estado de bem estar fundamentado em políticas nacionais de
assistência (SILVA, 2007).
A partir de 1970, novas exigências como serviços de água potável, sane-
amento básico, saúde, educação e cultura passaram a serem consideradas
necessidades mínimas para a sobrevivência e por esta razão a pobreza rece-
beu a conotação relacionada com as necessidades básicas (PEREIRA-PEREIRA,
2000).
Rocha (2006, p. 19) expõe que a adoção da “abordagem de necessidades
básicas insatisfeitas significa ir além daquelas de alimentação para incorporar
uma gama mais ampla de necessidades humanas, tais como educação, sanea-
mento, habitação” em contingencia dos direitos sociais previstos pela Consti-
tuição Federal Brasileira de 1988.
Por esta razão a noção de pobreza abrange outros aspectos da vida coti-
diana dos sujeitos, considerando que estes não só se alimentam como também
se relacionam e trabalham.
Somente nos anos de 1980 é que a pobreza foi vista por outro enfoque
mais abrangente e rigoroso, com maior direcionamento para se definir as
interferências sobre a pobreza, que passou a ser entendida como privação
relativa. Este conceito introduziu ao estudo da pobreza variáveis mais amplas,
que a conduziram para o entendimento de que os sujeitos podem sofrer priva-
ções em diversas esferas da vida, não implicando somente na privação materi-
al. Estas privações sofridas pelas pessoas determinavam o seu posicionamento
em todas as esferas sociais (CRESPO e GUROVITZ, 2002).
Outra forma de se entender a pobreza e que ampara a estruturação deste
estudo a citada por Silva (2007). Esta autora considera a pobreza enquanto
expressão objetiva ou subjetiva. A primeira expressão se refere às manifesta-
ções concretas do fenômeno na vida dos pobres, por outro lado a dimensão
subjetiva da pobreza diz respeito ao como o fenômeno é percebido pela socie-
dade em geral, inclusive pelos próprios sujeitos da pobreza.
Conforme Silva (2007) a pobreza é perceptível em diversos lugares e si-
tuações. Captar sua dimensão é complexo e subjetivo, uma vez que ela apre-
senta uma multidimensionalidade, podendo ser explicada de forma absoluta,
relativa e subjetiva.

63
Um dos parâmetros mais conhecidos para a determinação da pobreza e
que indica a pobreza extrema é o parâmetro estabelecido pelo Banco Mundial
o qual estabelece que pobres extremos são os que viviam com menos de 1
dólar por dia. Este parâmetro é criticado por atender uma perspectiva limita-
da da problemática, ou seja, mensura renda e consumo na perspectiva econô-
mica, uma vez que a pobreza vem se mostrando cada vez mais multifacetada.
Em complemento aos critérios e situações da pobreza e da pobreza ex-
trema no Brasil, apontados no início deste estudo o IBGE identificou também
que a predominância da população nestas condições localizava-se no meio
rural e que os estados do nordeste concentram a maior parte dos sujeitos
extremamente pobres (9,61 milhões), a região sudeste possui 2,72 milhões de
sujeitos nestas condições, seguido pelo norte com um contingente de 2,65
milhões, no sul são 715,96 mil sujeitos em condições de extrema pobreza (IB-
GE, 2013).
A criação de um indicador que sintetizasse a pobreza em suas mais di-
versas dimensões surgiu no ano de 1990 pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD) e denominou-se Índice de Pobreza Humana
(IPH) no ano de 1997. Este índice tem sido utilizado desde então em estudos
sobre o desenvolvimento humano (IPEA, 2007).
A definição e respectiva caracterização de desenvolvimento humano têm
por objetivo aferir o avanço da qualidade de vida de uma população conside-
rando suas características econômicas, culturais, sociais e políticas. Esta abor-
dagem procura focar diretamente para as pessoas, suas oportunidades e capa-
cidades.
A definição do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi criado pela
Organização das Nações Unidas (ONU) para avaliar a qualidade de vida e o
desenvolvimento econômico da população. Este índice varia de zero (quando
não apresenta nenhum desenvolvimento) até 1 (hum) (quando é considerado
que há desenvolvimento humano total). Por este parâmetro, é elaborado rela-
tório sobre o desenvolvimento humano de 187 países, pelo Programa das
Nações Unidas (PNUD). No ano de 2013 o Brasil manteve-se nesse ranking
mundial no 85° lugar apresentando o IDH de 0,73 (PNUD, 2013). O Brasil nas
últimas décadas veio demonstrando tendência de aprofundamento da desi-
gualdade pela distribuição de renda gerando elevados níveis de pobreza.
Neste estudo da pobreza se trata ela a partir de uma perspectiva social,
pela qual o sujeito pobre se relaciona com os atores sociais. Portanto, é neces-
sário estudar o pensamento social do que é pobreza e de que forma ela está
representada na sociedade a partir da visão do próprio sujeito pobre é descri-
ta neste estudo sob orientação das representações sociais.
A desigualdade social em especial carrega consigo a pobreza como condi-
ção social e historicamente produzida, porém, o seu enfrentamento faz parte
das estratégias da superação da desigualdade, que vem por meio da transfe-

64
rência de renda, que no Brasil é prevista por programas sociais, tais como o
Bolsa Família.
O Programa Bolsa Família4 é um programa de transferência de renda di-
reta para as famílias, vinculado a um auxílio financeiro para famílias que se
encontram em condições de pobreza extrema.
Este programa foi criação a partir da medida provisória número 132 de
20 de outubro de 2003, posteriormente convertida na lei número 10.836 de
09 de janeiro de 2004. É gerenciado pelo Ministério de Desenvolvimento Soci-
al e Combate à Fome (MDS). É o mais relevante programa no desenvolvimento
histórico entre os programas de transferência de renda no Brasil.
A seleção das famílias para receberem o benefício do PBF ocorre pela
sua inclusão no cadastro único para programa Socais (CadÚnico) que é pre-
enchido nos municípios, utilizando-se de uma ferramenta eletrônica. A partir
dos dados cadastrados, o MDS seleciona sistematicamente as famílias que
serão incluídas no PBF.
No estado de Santa Catarina eram 134.132 famílias beneficiadas pelo
PBF, destas 4.501 famílias (3,35%) fazem parte do recorte amostral deste
estudo por pertencem aos municípios estudados (Mafra, São bento do Sul,
Irineópolis e Três barras) (MDS, 2014).

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A definição de representação social 5 vem sendo discutida com mais fre-


quência a partir dos últimos 40 anos. Um dos fatores desencadeadores dessa
discussão pode ser atribuído ao interesse em estudos acerca de fenômenos de
domínio simbólico. Mesmo com a emergência de outros conceitos oriundos da
sociologia em busca de uma definição deste simbólico, é na psicologia social
que a representação social vem sendo fundamentada teoricamente, a partir de
Serge Moscovicci6 (ARRUDA, 2002). A psicologia social aborda as representa-
ções sociais a partir da relação sujeito sociedade, acreditando que os indiví-

4O Programa Bolsa Família pauta-se em três dimensões essenciais a superação da fome e da pobreza,
sendo elas a promoção do alivio imediato da pobreza a partir da transferência de renda às famílias
classificadas pobres ou extremamente pobres; o exercício dos direitos sociais básicos nas áreas de saúde
e educação através das condicionalidades e a coordenação de programas complementares que tem por
objetivo possibilitar as famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família consigam superar a situação
de vulnerabilidade e pobreza (MDS, 2013).
5 A psicologia social aborda as representações sociais no âmbito do seu campo, do seu objeto de estudo,
da relação indivíduo-sociedade e de um interesse pela cognição, embora não situado no paradigma
clássico da psicologia. Esta abordagem se reflete sobre como os indivíduos, os grupos, os sujeitos
sociais, constroem seu conhecimento a partir da sua inscrição social, cultural, de forma a se compreen-
der como a sociedade se dá a conhecer e constrói esse conhecimento com os indivíduos.
6 Romeno naturalizado francês Serge Moscovici é dono de uma obra considerável, tão importante para
a psicologia (seu campo de formação e atuação) como para a história e as ciências sociais. Seus traba-
lhos e sua teoria das representações sociais (TRS) têm influenciado ao longo das últimas quatro décadas
pesquisadores tanto na Europa como nas Américas, incluindo o Brasil. Entre sua vasta obra – doze
livros individuais e quatorze que ele organizou ou escreveu em conjunto com outros autores –, apenas
dois foram traduzidos para o português.

65
duos, grupos e sociedade constroem seus conhecimentos a partir de uma ins-
crição social e cultural.
Alves-Mazzotti (2008, p.21) conceitua representações sociais, dizendo
que

Nas sociedades modernas, somos diariamente confrontados com uma grande


massa de informações. As novas questões e os eventos que surgem no hori-
zonte social frequentemente exigem, por nos afetarem de alguma maneira,
que busquemos compreendê-los, aproximando-os daquilo que já conhecemos,
usando palavras que fazem parte de nosso repertório. Nas conversações diá-
rias, em casa, no trabalho, com os amigos, somos instados a nos manifestar
sobre eles procurando explicações, fazendo julgamentos e tomando posições.
Estas interações sociais vão criando “universos consensuais” no âmbito dos
quais as novas representações vão sendo produzidas e comunicadas, passan-
do a fazer parte desse universo não mais como simples opiniões, mas como
verdadeiras “teorias” do senso comum, construções esquemáticas que visam
dar conta da complexidade do objeto, facilitar a comunicação e orientar con-
dutas.

As produções teóricas de Moscovicci surgem em 1961, na França, pro-


duzindo impacto nos meios sociais devido a seu direcionamento e principal-
mente por contrariar o behaviorismo, paradigma dominante da Psicologia que
buscava na época através da experimentação estabelecer o que era cientifico.
O direcionamento teórico de Moscovicci era para fenômenos marcados
pelo subjetivismo, que possuíam metodologias ainda diferentes do que se
considerava ciência na época, que dependia da interpretação do pesquisador
para a sua análise (ARRUDA, 2002).
Moscovicci (2003, p.172) descreve que:

A teoria das representações sociais é singular, parece-me devido ao fato de es-


ta teoria tender mais e mais, na direção de se tornar uma teoria geral dos fe-
nômenos sociais e uma teoria especifica dos fenômenos psíquicos. Este para-
doxo não se dá por acaso, ele provem da natureza profunda das coisas. É uma
teoria geral a medida que dentro do que lhe compete uma sociedade não po-
deria ser definida pela simples presença de um coletivo que reuniu indivíduos
através de uma hierarquia de poder por exemplo, ou através de intercâmbios
baseados em interesses mútuos.

Pode-se entender então que as teorias das representações sociais opera-


cionalizam um conceito para se analisar com o pensamento social em sua
dinâmica e em sua diversidade7
Ainda Moscovicci juntamente com Nemeth (1974), apud Moscovicci
(2003), afirmam que as representações sociais são conjuntos dinâmicos que

7 A teoria das Representações Sociais parte da premissa de que existem formas diferentes de conhecer e
de se comunicar, e estas diferenças são guiadas por guiadas por objetivos sociais diferentes, gerando à
este sujeito social a compreensão de seu universo a partir do que lhe é definido pela sociedade que
pertence (ARRUDA, 2004).

66
provocam a produção de comportamentos e relações como meio de modificar
o outro, de forma lógica, própria, em uma linguagem particular não se trans-
formando nem em opiniões sobre objetos ou imagens, mais sim teorias ou
ciências coletivas que se destinam a interpretação da realidade atual.
Desta forma o estudo das representações sociais provoca uma releitura
do saber popular, do conhecimento do cotidiano e do conhecimento pré-
teórico de que falam Berger e Luckmann (1978), de forma que o conhecimen-
to sobre a realidade torne-se socialmente construído. Esta construção se dá a
partir do saber do sujeito interligado com a sua inscrição social. A isso Mosco-
vicci (1961) dá o nome de processo social (ARRUDA, 2002).
Moscovicci (1961, p.26) descreve que processo social

[...] é um processo de familiarização pelo qual os objetos e os indivíduos vêm a


ser compreendidos e distinguidos na base de modelos ou encontros anterio-
res. A predominância do passado sobre o presente, da resposta sobre o estí-
mulo, da imagem sobre a realidade tem como única razão fazer com que nin-
guém ache nada de novo sob o sol. A familiaridade constitui ao mesmo tempo
um estado das relações no grupo e uma norma de julgamento de tudo o que
acontece.

Estudar a Teoria das Representações Sociais na interface da ciências so-


ciais, sobre aspectos psicológicos e sociológicos, tem se mostrado uma alter-
nativa de plasticidade em busca da compreensão de fenômenos sociais, uma
vez que estes são móveis e voláteis. A partir desta perspectiva vê-se a impor-
tância de estudar as representações sociais a partir da vivencia de sujeitos que
se encontram em condição de pobreza e extrema pobreza. Identificando o
papel das políticas públicas neste cenário a partir do desenvolvimento de
programas sociais.
Para o entendimento de pobreza relaciona-se algum tipo de privação seja
ela material, cultural ou social em face aos recursos disponíveis de um sujeito,
tem-se a necessidade de maior exploração deste universo científico uma vez
que entende-se importante que o sujeito reconhecido como pobre possa con-
tribuir com estes dados de forma que o mesmo aponte pelo seu discurso as
características da exclusão social que sofre.
A exclusão social historicamente produzida no Brasil desde a época do
Brasil Colônia passou a ser mais observada a partir da década de 1970, mo-
mento em que foi relacionada com o crescimento econômico brasileiro.
Sendo assim estudar a pobreza mostra-se relevante tanto para fins cientí-
ficos, como para identificar políticas públicas, ou mesmo constituir novas
políticas públicas que objetivem o enfrentamento da exclusão. Este estudo
ainda é relevante para entender os fins sociais na busca por uma condição
mais justa e humana para a garantia dos direitos a todas as pessoas indiferen-
te de sua condição econômica e social. É neste contexto, que o presente estudo
busca contribuir para um melhor entendimento sobre as representações soci-

67
ais dos indivíduos que vivem em condição de pobreza no Planalto Norte Cata-
rinense.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi desenvolvida na região denominada Planalto Norte Catari-


nense, na qual vivem 357.039 habitantes (IBGE, 2013, composta pelos muni-
cípios de Bela Vista do Toldo, Canoinhas, Irineópolis, Itaiópolis, Mafra, Major
Vieira, Monte Castelo, Papanduva, Porto União e Três Barras. Desse universo,
foram definidos quadro municípios para a pesquisa de campo tendo-se como
critério de definição, serem os dois municípios de maior IDH – M regional e
dois de menor IDH – M regional.
Participaram deste estudo 115 mulheres com idade entre 18 e 63 anos,
dos municípios de São Bento do Sul (N-31), Mafra (N-36), Irineópolis (N-18) e
Três Barras (N-30). Essa amostra foi constituída por mães inscritas no Pro-
grama Bolsa Família desses quatro municípios, integrantes dos grupos do
Programa de Convivência e Fortalecimento de Vínculos dos Centros de Refe-
rências de Assistência Social (CRAS), no mês de setembro do ano de 2013.
Como critério de inclusão utilizou-se a assinatura no Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
Das 115 entrevistadas, 91,29% possuíam escolaridade de até o primeiro
grau concluído, fator que julgam ser o influenciador da dificuldade de inserção
no mercado de trabalho. Somente 23,47% destas mães encontravam-se inse-
ridas no mercado de trabalho, ainda que informal.
Todas as pesquisadas para este estudo, beneficiárias do Programa Bolsa
Família (principal programa de transferência de renda desenvolvido pelo
estado para enfrentar a pobreza e a pobreza extrema) tinham renda per capita
inferior a um (1) salário mínimo (33,04%, R$ 724,00) e 66,96% recebiam
renda de um (1) salário mínimo.

Tabela 1 - Apresentação dos participantes do estudo

Participantes beneficiá- Participantes beneficiá-


Municípios partici- Participantes do encon- rios convidados para rios que aceitaram
pantes do estudo tro no dia da coleta de participar participar
dados
São Bento do Sul 52 49 31 (63,26%)
Mafra 48 41 36 (87,80%)
Irineópolis 33 25 18 (72%)
Três Barras 40 35 30 (85,71%)
Total de sujeitos que aceitaram participar do estudo 115

Fonte: Dados do estudo (2014).

68
O estudo desenvolvido foi orientado pelos procedimentos metodológicos
da abordagem qualitativa e explicativa. A pesquisa de campo foi desenvolvida
pela aplicação de uma entrevista semidirigida para mulheres, conforme amos-
tragem descrita acima.
O roteiro da entrevista era composto por sete (7) perguntas e o local da
coleta de dados foi a residência dos sujeitos, quando de visita realizada pela
pesquisadora durante os meses de agosto a outubro de 2014. A entrevista
teve duração média de 30 minutos e foi realizada em local da casa escolhido
pelo pesquisado. Este cuidado foi tomado em virtude de a gravação das res-
postas não fosse afetada. Para a análise dos dados deste estudo utilizou-se
como procedimento metodológico a análise do discurso do sujeito coletivo
(LEFÈVRE, LEFÈVRE e TEIXEIRA, 2000). A entrevista semidirigida foi gravada
após autorização das participantes da pesquisa de campo e os discursos cole-
tados foram transcritos na íntegra para seguidamente ser realizada a análise
pela técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram deste estudo 115 mulheres com idade entre 18 e 63 anos,


dos municípios de São Bento do Sul (N-31), Mafra (N-36), Irineópolis(N-18) e
Três Barras (N-30).
Considerando características sociais e demográficas da região, pode-se
afirmar que das entrevistadas, 50,43% (N-58) possuíam escolaridade de 1º
grau incompleto, 40,86% (N-47) possuíam o 1º grau completo, 7,82% (N-9)
possuíam o 2º grau incompleto e nenhuma entrevistada possuía o 2º grau
completo ou qualquer curso técnico ou profissionalizante.
Em outra questão identificou-se a relação das pesquisadas com o merca-
do de trabalho. Então 23,47% (N-27) encontravam-se ativas no mercado de
trabalho informal, 76,53% (N-88) encontravam-se fora do mercado de traba-
lho seja ele formal ou informal e nenhuma da pesquisadas estava inserida no
mercado de trabalho formal.
Devido ao estudo tratar de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Fa-
mília e os sujeitos do estudo tratarem-se de mães, levantou-se também o nú-
mero de integrantes dos grupos familiares de cada pesquisada. Foi possível
apontar que 33,91% (N-39) dos participantes possuem famílias compostas
com até 3 integrantes, 45,21% (N-52) dos participantes possuem famílias
compostas por 4 ou 5 integrantes e 20,86% (N-24) tinham famílias compostas
com mais de 6 integrantes.
No que se refere a renda per capita das pesquisadas, identificou-se que
66.95% (N-77) possuem renda de 1 salário mínimo; 33,05% (N-38) afirmou
possuir renda per capita inferior a 1 salário mínimo e nenhuma entrevistada
possuía renda superior a 1 salário mínimo.
Os questionamentos realizados em toda entrevista apresentaram respos-
tas bastante semelhantes nos quatro municípios nos quais foi realizada a pes-

69
quisa de campo. Desta forma se apresenta uma única análise do DSC para os
participantes deste estudo.
O quadro abaixo apresenta o primeiro questionamento realizado aos su-
jeitos que consiste em buscar o entendimento do que é pobreza para as entre-
vistadas.

Quadro 1 - Análise do Discurso do Sujeito coletivo frente ao questionamento do que é pobreza

O que é Pobreza para você?


Expressões Chaves
Sujeito 25 (S Bento do Sul): “pobreza é não ter nada e não ver saída desta situação, é tão difícil de
dizer que nem consigo colocar tudo que penso, imagine é tudo de ruim que você possa imaginar [...]”

Sujeito 7 (Mafra): “pobreza é ver meus filhos sentindo a mesma dificuldade que eu senti quando era
criança, é ter que repetir para eles o que eu ouvia da minha mãe (“isso não é coisa para pessoas po-
bres”) hoje repito para minhas filhas, para mim pobreza é a falta de tudo, é a necessidade de ter que
depender das outras pessoas (dinheiro, roupa, comida)”

Sujeito 11 (Irineópolis): “é a falta de dinheiro, sem dinheiro falta todo o resto, não se tem comida,
roupa nova, coisas para oferecer para seus filhos, acho que tudo se resume em falta de tudo... até de
esperança [...] o meu mundo é muito diferente o seu”

Sujeito 3 (Três Barras): “pobreza é ser visto de forma diferente pelas pessoas, sentir vergonha por não
conseguir ser melhor do que o dia de ontem e saber que os próximos amanhãs serão todos iguais, sem
dinheiro, tem trabalho, sem vida digna me sinto preso a esta condição ”.
Ideia Central
Pobreza é a falta de tudo, dinheiro, esperança, é ter que depender de outras pessoas é sentir vergonha
de ser visto diferente pela sociedade.
Discurso Síntese:
A pobreza é não se ter dinheiro, não conseguir oferecer melhores coisas para seus filhos, é depender
da ajuda de outras pessoas sempre. É sentir que se é tratado de forma diferente pela sociedade, muitas
vezes deixado de lado, quando as oportunidades vão ficando cada vez mais difíceis de serem encon-
tradas, isso só faz com que sejamos mais pobres. Até parece que ser pobre é bom, e que não queremos
melhorar, as pessoas com mais dinheiro devem pensar que não queremos crescer como elas, até
queremos mais não temos a mesma oportunidades, o nosso mundo é diferente não se tem a mesma
liberdade de quem tem dinheiro.

Fonte: Dados do estudo (2014).

É possível observar nos depoimentos do quadro acima que a pobreza


também é compreendida pelo sujeito entrevistado a partir de uma leitura
multidimensional, pela qual a falta de dinheiro, e os recursos adquiridos com
ele, muitas vezes é apresentada como primeira condição de pobreza Porém
verifica-se um reconhecimento da falta de oportunidade, da indiferença social
e liberdade.
Freire (2011) descreve que a abordagem multidimensional da pobreza
pode ser definida como privação de capacidades, ou seja, privação de liberda-
de de escolha entre diferentes alternativas de modo de vida e este fator pode
impedir as pessoas pobres conduzirem sua vida possuindo razões de valoriza-
ção.

70
Já o autor Sen (2000), compreende a pobreza de forma mais completa,
descrevendo-a como uma ausência de funcionamento (habilidade de realiza-
ções) e de capacidades (liberdade para realizar), propondo principalmente
que a pobreza não deve ser vista como uma questão apenas econômica e indi-
vidual, mas sim como um conceito social, de forma que a pobreza possa ser
analisada a partir de estados e ações humanas.
Desta forma pode-se identificar no discurso deste grupo a ausência de li-
berdade de escolha, fator que os mantém na condição de pobreza, pois estes
podem até escolher não serem sujeitos pobres ou não estarem em condição de
pobreza, principalmente devida as condições que estão expostas os priva da
liberdade de simplesmente mudar de vida, ao buscarem oportunidades (fator
presente no discurso individual de muitos participantes), falta-lhes espaço e
aceitação na sociedade.
Santos (2007) descreve que a pobreza quando definida como privação de
capacidades acaba por refletir na liberdade das pessoas e Sen (2001) classifica
três razões distintas para liberdade; (1) a que por si só gera bem-estar, (2) a
que permite a realização de funcionamentos relevantes para o bem-estar e (3)
a que possibilita ao indivíduo a realizar a condição de agente social. Desta
forma a privação de liberdade pode contribuir para o empobrecimento dos
sujeitos.
Outro questionamento levantado por este estudo buscou por um enten-
dimento referente ao porque existem pessoas em situação de pobreza. Abaixo
é possível identificar os relatos apresentados.

Quadro 2 - Discurso do Sujeito Coletivo frente ao questionamento do porquê existem pessoas em


condição de pobreza

Por que existem pessoas em condição de pobreza?


Expressões Chaves

Sujeito 12 (S Bento do Sul): “falta de oportunidades desde criança, não estudei, fui morar com uma
pessoa muito nova, para sair de casa, hoje tenho 5 filhos destes 2 pequenos, estou sozinha, não
consigo trabalhar. Mais resumo tudo em falta de estudo e isso leva a falta de oportunidade, sem
estudo não tem trabalho. Pense, tenho 39 anos estudei até a 5ª série e tenho 5 filhos, você acha que
alguém vai me dar trabalho?”

Sujeito 21 (Mafra): “não tem emprego, já andei a cidade toda atrás de um mais ninguém precisa, na
verdade eu sei e sinto que ninguém quer contratar pessoas mais velhas com pouco estudo, não sei
falar bonito, não tenho roupas boas, isso conta muito. Hoje eu trabalho por dia, mais sabe como é
né, hoje tem e manhã não tem. Mas é como vou levando a vida e dando de comer e vestir para meus
filhos. Hoje sinto a importância do estudo”.

Sujeito 2 (Irineópolis): “não sei dizer com certeza, mas eu estou assim porque não estudei. Só
consigo trabalho por dia, quando alguém dá, do tipo, limpar uma casa ou outra, mais não fico muito
tempo, logo as pessoas não querem mais. Sou pobre porque não consigo ver formas de deixar de ser
pobre”

Sujeito 18 (Três Barras): “falta de trabalho, não estudei. Hoje o estudo conta muito, sem ele não se
consegue fazer serviço nenhum. Não terminei a oitava série, sei ler e sei escrever mais é pouco e já
tenho 40 anos. Hoje está cheio de gente mais nova, com muito mais estudo. Tenho feito alguns

71
cursinhos profissionalizantes para ver se ajuda, mais a professora já falou, se eu não voltar estudar
não vou conseguir”
Ideia Central
A falta de estudo leva a falta de oportunidade de trabalho, fator que impede a superação da condi-
ção de pobreza.
Discurso Síntese:
Existem pessoas em condição de pobreza porque não estudaram, a falta do estudo atrapalha para
conseguir trabalho, sem trabalho não tem dinheiro, a falta de estudo provoca a falta de condições de
trabalho digno, sem trabalho digno não tem experiência sem experiência e com idade avançada aí
situação fica pior.

Fonte: Dados do estudo (2014).

O discurso apresentado acima aponta o direcionamento para a falta de


estudo como principal provocador da falta de oportunidade. Logo, estar em
condição de pobreza. Este direcionamento no discurso pode ser relacionado
com dados já identificados nas características demográficas apresentadas
anteriormente as quais mostram percentual de 91,29% com escolaridade de
até o 1º grau concluído.
Pontili (2004) descreve que muitas pesquisas já foram realizadas na área
da economia, e os resultados têm apontado a importância da escolaridade
como fator desencadeador de uma melhoria da qualidade de vida dos sujeitos.
Deve-se considerar então que a educação ao compor um dos direitos
fundamentais do sujeito, visa o seu preparo para o exercício da cidadania e a
qualificação para o trabalho (BRASIL 1998).
Ao se perceber no discurso dos sujeitos participantes deste estudo que a
falta de escolaridade é um fator provocador da falta de oportunidades, princi-
palmente de trabalho na vida destes sujeitos, é possível identificar pelos dis-
cursos o sentimento das entrevistadas sobre a responsabilidade que possuem
sobre sua condição de pobreza, quando 11,30% (N-13) manifestaram não se
sentirem responsáveis por sua condição atual, repassam essa responsabilida-
de ao estado que não oferecia melhores condições de vida e principalmente de
mais trabalho. Mas 88,70% (N-102) assumiu para si a responsabilidade pela
sua condição. Este resultado justifica-se pelos com os dados do quadro 2,
quando foi questionado o porquê da existência da pobreza e o discurso coleti-
vo identificado pauta-se na falta de escolaridade. A tabela abaixo apresenta o
discurso individual de sujeitos que complementaram sua justificativa sobre
sua condição de pobreza.

Tabela 2 - Discurso individual de sujeitos sobre a responsabilidade pela sua condição de pobreza

SIC “sou pobre porque não estudei, nunca gostei da escola desde pequeno e meus pais não me manda-
vam ir, isso fez com que eu desistisse muito cedo (estudei até a 5ª série), pois achava que ir para a
escola era perca de tempo, naquela época eu gostava mesmo de brincar, depois o tempo foi passando,
passei a trabalhar nas casas para ter um dinheirinho, e quando comecei buscar serviço de verdade, vi

72
que devia ter estudado mais, e que ia ser difícil ter um trabalho bom” (Sujeito 22 município de Mafra)

SIC ”sou muito responsável sim, tanto que hoje obrigo meus filhos irem para escola, pois sei qual vai
ser o futuro deles se não estudarem [...]” (Sujeito 28 Três Barras)

SIC “ quando vi que devia ter estudado mais para conseguir trabalho, voltei a estudar, estas escolas
especiais, mais não consegui acompanhar. Hoje não consigo trabalhar registrada, pois não tenho a
oitava série e não adianta, não consigo aprender as coisas, já estou muito velha”. (Sujeito 11 São Bento
do Sul)

SIC “ sem estudo não tem trabalho, sem trabalho não tem dinheiro, sem dinheiro sou pobre” (Sujeito 3
Irineópolis)

Fonte: Dados do estudo (2014).

Outro dado importante manifestado pelas entrevistadas para a composi-


ção deste estudo tratou da possibilidade de superarem a situação de pobreza
que se encontravam. O quadro abaixo mostra numericamente entendimento
da superação da própria condição de pobreza.

Quadro 3 - Entendimento sobre a possibilidade de sair da condição de pobreza que se encontram

Municípios SIM NÃO


Freq (%) Freq (%)
São Bento do Sul 28 90,32 3 9,68
Mafra 34 94,44 2 5,56
Irineópolis 18 100 0 0
Três Barras 24 80 6 20
Total 104 90,43 11 9,56

Fonte: Dados do estudo (2014).

Foram 90,43% (N104) dos sujeitos que entendiam possível saírem da si-
tuação de pobreza atual, mas 9,57% (N11) entendia haver limitações para
ultrapassarem essa condição. A tabela 3 apresenta o discurso individual de
sujeitos ao complementarem o questionamento da entrevista.

Tabela 3 - Entendimento sobre a possibilidade de saírem da condição de pobreza que se encon-


tram

SIC “existe possibilidade sim, mais depende muita coisa, voltei a estudar, também estou participando de
alguns cursos profissionalizantes oferecidos pela prefeitura, queria ter certeza que é só isso, para que eu

73
possa trabalhar registrada e daí possa ser feliz, sem me preocupar se amanhã vou ter dinheiro para
comprar comida ou roupa para meus filhos, vou andar na rua de cabeça erguida, me sentindo igual a
todo mundo” (Sujeito 12 município de Mafra)

SIC “já estou fazendo meus filhos irem para escola, não deixo perder um dia, se meus pais tivessem
feito isso comigo talvez eu estivesse melhor de vida, mais agora não dá para olhar para traz, tenho que
olhar para frente e não deixar que meus filhos tenho a mesma vida que eu” (Sujeito 8 Três Barras)

SIC “ estou certa que dá para melhorar, até porque já melhorei muito, eu já fui muito pobre, sem ter luz
e água em casa, roubava água de noite nos vizinhos para poder tomar durante o dia, hoje eu estou
estudando, faço uma matéria por vez porque não tenho mais cabeça para acompanhar, mais logo termi-
no, daí vou buscar emprego igual a todo mundo”. (Sujeito 19 São Bento do Sul)

SIC “eu não vejo forma de deixar de ser pobre, nunca fui diferente, meus pais tinham menos do que eu,
acho que enquanto a sociedade não olhar melhor para nós vamos ser sempre os necessitados, eu não
tenho esperança de ver as coisas mudar, acho que morro antes” (Sujeito 11 Irineópolis)

Fonte: Dados do estudo (2014).

É possível observar nos discursos individuais apresentados que estraté-


gias já estavam sendo utilizadas na tentativa de mudar de situação. As entre-
vistadas buscavam a liberdade de escolherem em que condições quereriam
viver. Isso pode ser identificado nos discursos dos sujeitos do município de
Mafra, Três Barras e São Bento do Sul, quando apontaram alternativas tais
como: voltar a estudar, participar de cursos profissionalizantes oferecidos
pelos Programas de Fortalecimentos de Vínculos, manterem seus filhos na
escola.
Sob os argumentos de Amartya Sen é possível analisar nos discursos
acima apresentados que há necessidade dos sujeitos entrevistados terem a
liberdade para usufruírem e realizarem aquilo que pode agregar valor, pelo
trabalho e reconhecimento social. Esta afirmativa converge com a abordagem
seniana pela qual a liberdade é considerada intrinsecamente importante por
enriquecer a vida humana, a partir do favorecimento de oportunidades das
pessoas terem resultados e participação social.
Santos (2007) complementa essa ideia dizendo que a expansão da liber-
dade deve ser vista como principal fim8 e principal meio9 do desenvolvimen-
to.

8 O papel constitutivo está associado às liberdades substantivas que inclui a capacidade de evitar a
fome, a subnutrição, doenças que podem ser prevenidas, morte prematura, bem como as liberdades
associadas à instrução, à participação política, à liberdade de expressão, etc. As liberdades substantivas
devem ser consideradas importantes independentemente do interesse individual em exercê-las ou não:
mesmo que uma pessoa não tenha vontade de exercer sua liberdade de expressão, por exemplo, seria
uma privação se ela não pudesse ter a escolha por manifestar-se ou não. Essas liberdades são parte
integrante do enriquecimento da vida humana. (SANTOS, 2007, p.38).
9 Já as liberdades instrumentais são importantes na medida em que contribuem para promoção de outros
tipos de liberdades (liberdade política, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantia de trans-
parência e segurança protetora), que se inter-relacionam entre si, permitindo uma liberdade global do
sujeito (SANTOS, 2007).

74
Na entrevista se indagou aos sujeitos sobre o que poderia contribuir para
que saíssem desta situação.

Quadro 4 - Discurso do Sujeito Coletivo sobre o questionamento do que poderia contribuir para o
entrevistados sair da condição de pobreza

O que poderia contribuir para você sair desta situação?


Expressões Chaves

Sujeito 23 (S Bento do Sul): “mais emprego”

Sujeito 21 (Mafra): “mais oportunidade de trabalho digno, não é por que sou pobre que não posso ter
um trabalho bom, em um lugar limpo, parece que as pessoas esperam que os pobres façam o trabalho
ruim e o rico o trabalho bom, agora estou trabalhando em lugar ruim porque ainda estou estudando,
ainda sou pobre, mais quero ir trabalhar em um lugar bom ”.

Sujeito 2 (Irineópolis): “duas coisas, mais trabalho e melhorar a renda do benefício, pois é muito
baixa e não dá para fazer muita coisa, tenho 5 filhos dar de comer e vestir todo mundo, não é barato ”

Sujeito 18 (Três Barras): “mais oportunidade para trabalhar, na medida que as pessoas vejam que com
o trabalho dá para deixar de ser pobre e começarem a trabalhar e não ficar dependendo só de ajuda as
coisas melhoram. Vejo muita gente que mora perto da minha casa que fica esperando a ajuda cair do
céu, veja, tenho 4 filhas, meu marido foi embora... o que eu posso fazer, buscar trabalho para dar
coisas para elas e ensinar elas serem diferentes ou ficar em casa esperando ajuda igual a muita gente e
ensinar minhas filhas fazer a mesma coisa amanhã. ”
Ideia Central

Mais oportunidade de trabalho digno


Discurso Síntese

Com mais oportunidade de trabalho, ficaria mais fácil sair desta condição.

Fonte: Dados do estudo (2014).

Na análise dos dados acima se direciona para a relação trabalho e renda


como alternativa de superação da condição da atual condição de pobreza. Mas
esta relação pode acontecer devido ao sentimento de privação, quando a falta
de dinheiro leva a falta de outras estratégias. Como o dinheiro tem uma rela-
ção direta com o trabalho, entende-se que se tiver trabalho se tem dinheiro,
logo mais condições e menos privação.
Albuquerque (1995) escreve que existe uma dependência familiar relati-
vamente grande das rendas dos chefes de família e esta dependência ocorre
principalmente a partir da sub utilização da força de trabalho familiar.
O apontamento do autor acima é apropriado quando se relaciona ele ao
questionamento de quantas pessoas da família se encontravam trabalhando
(formal ou informalmente). Identificou-se que dos grupos familiares estavam
inseridos no mercado de trabalho 23,47% (N27), e apenas um membro famili-
ar trabalhando informalmente, o restante dos sujeitos entrevistados, 76,52%
(N88) encontravam-se fora do mercado de trabalho.

75
Considerando que todos os integrantes do estudo, inseridos ou não no
mercado de trabalho, eram beneficiários do Programa Bolsa Família, a ques-
tão recaiu sobre o conhecimento dos entrevistados sobre os programas para o
enfrentamento da pobreza oferecidos por seu município. Pode-se observar
que 80,87% (N93) disseram conhecer a existência de programas de enfrenta-
mento a pobreza oferecidos em seu município e 19,13% (N22) assumiram não
conhecer programas oferecidos com esta finalidade, mesmo estando inseridos
e estarem sendo beneficiados pelo PBF.

Tabela 4 - Programas de enfrentamento a pobreza oferecidos nos municípios onde ocorreu o


estudo

São Bento do Mafra Três Barras Irineópolis


Sul
Programa Bolsa Família 1126 1643 1047 685
BPC – Idosos 251 157 30 137
BPC - PCD 335 398 88 03
Renda Mensal Vitalícia 18 09 01 00

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social (maio/2014).

Na identificação dos programas oferecidos pelos municípios onde acon-


teceu a pesquisa, com o propósito de enfrentamento a pobreza, foram menci-
onados pelas entrevistadas.
Quando comparados com dados anteriores sobre o conhecimento dos
participantes do estudo frente aos programas oferecidos, observa-se que os
Benefício de Prestação Continuada (BPC) - Idosos, o Benefício de Prestação
Continuada (BPC) Pessoa com deficiência e a Renda Mensal Vitalícia, não fo-
ram apontados. Isso pode ser relacionado ao fato de que os entrevistados
consideraram como programas existentes somente os programas aos têm
acesso.
A entrevista encerrou-se com um questionamento referente à percepção
das entrevistadas sobre sua condição de vida após a inclusão em um programa
social.
Identificou-se que 100% (N115) assumiram ter melhorado sua condição
de vida a partir da entrada em programas sociais, que para as entrevistas re-
sumiu-se no PBF.

Quadro 5 - Discurso do Sujeito Coletivo frente ao questionamento sobre a especificação das me-
lhorias vivenciadas a partir da inclusão no PBF

76
Qual melhoria foi percebida em sua condição de vida após a sua inclusão no PBF?
Expressões Chaves

Sujeito 16 (S Bento do Sul): “pude comprar mais coisas, não são muitas, mas já dá para oferecer
o mínimo para meus filhos, de vez em quando trabalho de faxineira e já entra um pouco mais de
dinheiro (R$ 50,00 dia), com isso atendo as necessidades da minha família”

Sujeito 29 (Mafra): “consegui melhorar algumas coisas em minha casa, comprei TV, uma cozi-
nha nova, fico muito feliz quando estou em casa e vejo que as coisas estão melhorando, bem
devagar, mais a 5 anos atrás eu morava de favor no quartinho de uma amiga, tinha uma pia e dois
colchões, hoje tenho até TV, sou muito feliz ”.

Sujeito 2 (Irineópolis): “consigo comprar as coisas, pouquinhas, mais não falta mais comida, o
restante as outras pessoas ajudam, com roupas que não usam mais, ou moveis que iam jogar fora,
é assim que eu vou conseguir as coisas. O bolsa família me ajuda com a comida necessária para a
sobrevivência, tomara que eu nunca perca. ”

Sujeito 18 (Três Barras): “como melhorei, não preciso mais dizer não para tudo para meus filhos,
me sinto mais importante quando vou no mercado e consigo comprar e pagar minhas compras,
sinto que não devo nada para ninguém, me sinto mais digna.”.
Ideia Central

Aquisição de bens materiais, dignidade e autonomia.


Discurso Síntese

O PBF ajuda muito, consegui comprar coisas para a casa, oferecer necessidades mínimas para
meus filhos, me sinto mais importante e capaz de me manter sozinha, sem ficar pedindo tudo.

Fonte: Dados do estudo (2014).

Pelo discurso acima é possível identificar a percepção de melhoria na


condição de vida após ter acessado o benefício do Programa Bolsa Família, e
que esta melhoria refere-se a aquisição de bens materiais, ficando claro no
discurso acima que a principal melhoria incide autonomia e no sentimento de
dignidade.
Em análise pautada na teoria de Sen (2000) pode-se relacionar este sen-
timento de dignidade e autonomia com a liberdade exposta por este autor.
Freire (2011) aponta a importância da liberdade na vida dos indivíduos e
explica-as a partir da teoria de Sen (2000) Este identifica a liberdade por meio
de três principais formas, a pobreza econômica, a carência de serviços públi-
cos e assistência social e a negação de liberdade política e civil.
Ao analisar o discurso acima, pode-se identificar que a inclusão destas
famílias no PBF ameniza a ausência de dois dos tipos de liberdades propostos
por Sen (2000). A liberdade provocada pela pobreza econômica caracterizada
pela ausência de recursos econômicos (impede a aquisição de bens essenciais
como alimento, moradia, vestuário). Isso é identificado quando em discursos
individuais destacam-se essencialmente a aquisição de alimentos, roupas e
bens materiais.
Porém, um segundo tipo de liberdade revela-se amenizada para estes su-
jeitos após o acesso ao Programa. Trata-se da liberdade política e civil, que se

77
caracteriza pela restrição da participação das pessoas em determinados gru-
pos sociais ou econômicos. Identifica-se que as pessoas beneficiadas podem
passar participar mais ativamente na sociedade em que vivem, quando em
discursos individuais entrevistados se manifestam dizendo que “hoje não
tenho vergonha de andar na rua, sempre te recebo aproveito para comprara
as coisas que estão faltando, e faço isso me sentindo importante, igual as ou-
tras pessoas” (SIC).
A partir do discurso dos sujeitos pesquisados para este estudo, quando
perguntados sobre o que é pobreza, do porquê existem pessoas nesta condi-
ção, quais fatores contribuíram para que a condição destas pessoas fosse esta,
de que forma o Estado contribui para a superação desta condição e, que me-
lhorias foram identificadas nas suas vidas a partir do momento em que foram
incluídos em programas sociais de erradicação à pobreza, objetivou-se o en-
tendimento de uma possível relação entre a pobreza dos sujeitos pesquisados
para o estudo e as condições de desenvolvimento da região na qual vivem.
O estudo foi desenvolvido no território do Planalto Norte Catarinense
que é constituído por 13 municípios. A seleção dos municípios envolvidos no
estudo considerou dois municípios com maior IDHM (São Bento do Sul e Ma-
fra) e dois municípios com o menor IDHM (Irineópolis e Três Barras).
A partir desta definição realizou-se uma pesquisa buscando caracterizar
a pobreza na região estudada. O Planalto Norte Catarinense é tido nas mensu-
rações estaduais como um território de concentração de pobreza. O quadro
abaixo apresenta os números encontrados relacionado com os quatro municí-
pios estudados.

Quadro 6 - Representação da pobreza nos municípios estudados

São Bento do
Sul Mafra Três Barras Irineópolis
IDHM 0,76 0,73 0,70 0,69
População Municipal – 74.801 52.912 18.129 10.448
habitantes
Cad Único10 4.293 6.991 3.177 1.377
Pobreza Extrema 527 1.021 647 479
Programa Bolsa Família 1.126 1.643 1.047 685
Benefício Social de Pobre- 169 306 649 42
za Extrema (BSPE)
BPC – Idosos 251 157 30 25
BPB – Pessoas com Defici- 335 398 88 137
ência

Fonte: MDS (maio 2014).

10 Famílias Cadastradas no Cadastro Único (2013)

78
Ao se observar os dados do quadro acima se constata que o município de
São Bento do Sul possui 1,5% da sua população como beneficiária do PBF, o
município de Mafra possui 3,10% da sua população na condição de beneficiá-
ria do PBF, o município de Três Barras possui 5,77% de sua população na
condição de beneficiária do PBF e o município de Irineópolis possui 6,55% de
sua população na condição de beneficiários do Programa Bolsa Família.
Estes dados permitem a relação do estudo com afirmativa de Amartya
Sen (2000) quando este escreve que a visão do que é ser pobre é influenciada
pela determinação do espaço em que esta pobreza é apreciada. É possível
verificar pelo quadro que os municípios de Irineópolis e Três Barras possuem
o menor IDHM do grupo estudado e consequentemente apresentam um maior
percentual de pessoas beneficiárias pelo Programa Bolsa Família.
Este fator nos remete ao pensamento de que quanto menor foi o IDHM
maior é a confirmação da existência da pobreza e da exclusão. Pois para se
analisar o nível de desenvolvimento é preciso considerar a relação de altos
índices de pobreza, as condições e as possibilidades de melhoria da sociedade.

DESAFIOS DA POBREZA PARA O DESENVOLVIMENTO NO PLANALTO


NORTE CATARINENSE

Superar o cenário de região não desenvolvida é o desafio ao Planalto


Norte Catarinense, que comprovadamente é uma região de condições vulne-
rabilizadoras tanto é que se tornou objeto da implementação do Programa
governamental Territórios da Cidadania.
Os municípios do Planalto Norte Catarinense muito pouco se diferem en-
tre si em termos sócio produtivos, mesmo com que tenha um certo diferencial
de desenvolvimento nos extremos dessa região. Porto União e Rio e Negrinho
e São Bento do Sul formam dois nichos com certo desenvolvimento, nos quais
a produção e a indústria se destacaram e se tornaram atrativos aos trabalha-
dores da região, fazendo com que o êxodo rural-urbano-urbano acontecesse
produzindo consequências, entre elas o formação de bolsões de pobreza.
Ainda no que tange aos desafios essa região preserva projetos societários
sustentados em uma herança de diversidades (multirracial, cultural, política,
ética e ambiental), como síntese das ações e pensamentos dos migrantes atra-
ídos pelo atrativo da potencial economia eficaz regional.
Frente a essas reflexões constata-se que a pobreza nas sociedades capita-
listas e uma questão central, não importa o potencial atrativo econômico que
se apresente. Portanto, o enfrentamento da pobreza como uma direção social
e política brasileira no pós constituição de 1988, foi um dos recursos estraté-
gicos para o desenvolvimento, pois no Planalto Norte Catarinense em 2013,
34.612 famílias estavam inscritas no Bolsa Família (PBF) atingindo um per-
centual de 9,69% da população total da região (IBGE, 2013).
Isto é, em realidades com essas condições o desafio perpassa pelo deline-
amento de intervenções que deveriam promover desfechos ao desenvolvi-

79
mento nas dimensões sociais, econômicas, educacionais, culturais e também
políticas. Trata-se de acionar transformações societárias em que os atores
possam reconhecer-se, conjugarem-se, corresponsabilizarem-se e coparticipa-
rem do redirecionamento ético-político da classe trabalhadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluídas as etapas nestas considerações finais, responder as questões


que nortearam a problemática pode-se destacar quais são as representações
sociais dos sujeitos que vivem em condição de pobreza e sua implicação na
desenvolvimento no Planalto Norte Catarinense.
A pesquisa revelou que os sujeitos pobres entendem que existem pessoas
nesta condição principalmente devido à falta de estudos, que leva a falta de
oportunidade de trabalho digno, bem como os entrevistados sentiram-se res-
ponsáveis pela situação quem se encontravam. Apontaram a falta de estudo e
a falta de oportunidade de trabalho como os principais fatores provocadores
desta realidade. No entanto na análise do discurso dos sujeitos, a possibilidade
de saírem desta situação se faz presente no discurso de 90,43% dos sujeitos e
também no comportamento de muitos deles quando afirmam que retomaram
seus estudos e que participam de cursos profissionalizantes oferecidos pelo
Programa de Fortalecimento de Vínculos de seu município.
A oportunidade de trabalho digno esteve presente no discurso dos sujei-
tos quando apontados os fatores que poderiam contribuir para que os mes-
mos saíssem da situação em que se encontram.
Quanto aos programas de enfrentamento a pobreza, oferecidos pelos
municípios pertencentes ao território estudado, verificou-se no discurso de
80,87% dos participantes o conhecimento sobre o Programa Bolsa Família,
porém os demais já citados anteriormente (BPC – Idosos/BPC Pessoas com
Deficiência e RMV) não se fizeram presentes durante o discurso. Logo pode-se
concluir que 19,13% dos participantes do estudo são beneficiários do Pro-
grama Bolsa Família, porém este apontamento não faz parte do discurso dos
mesmos como um programa de enfrentamento à pobreza.
Este estudo tratou da pobreza a partir da visão de privação de capacida-
des básicas, quando a renda baixa é um fator reconhecido como uma das prin-
cipais causas da pobreza, porém não a única. Acredita-se que a pobreza deve
ser vista a partir de um entendimento de privação de liberdade, pois uma
renda mais alta permite maiores condições de liberdade de escolha.
Agora, quando pensamos na forma de como as representações sociais, ou
seja, o entendimento que os sujeitos possuem sobre o sentimento de ser pobre
se relaciona com o desenvolvimento da região do Planalto Norte Catarinense,
podemos apontar que os sujeitos conseguem fazer uma relação de seu desen-
volvimento pessoal com o desenvolvimento de seu município, isso mostra-se
evidente durante na análise das entrevistas quando se identifica em fragmen-
tos dos discursos dos sujeitos participantes uma relação direta da ausência de
oportunidades com a realidade que observam no espaço que vivem.

80
Apontando muitas vezes que existem muitas pessoas na mesma condição
que eles, ou até mesmo pior, pois quando não estavam inseridos em nenhum
programa de benefício social a pobreza se fazia bem mais evidente. Estes en-
trevistados assumem poder ajudar as outras pessoas em condição mais com-
prometida que a sua, pois hoje já estão menos pobres.
O sentimento de não ser mais pobre, ou estar em uma condição de po-
breza menor atualmente, justifica-se quando se analisa que as beneficiadas
com um programa e estarem participando de uma circulação comunitária e
social as faz entenderem-se como alguém que já venceu alguns obstáculos,
sentirem-se mais livres para fazer escolhas no contexto social. A compreensão
de pobreza e a autodefinição de pobreza nesta situação acaba por ser supera-
da pelo fato de que agora possuem um pouco mais de condição de atender
suas necessidades mínimas.
Verificou-se em fragmentos do discurso dos sujeitos participantes do es-
tudo que a sua condição acaba indiretamente refletindo no crescimento de sua
cidade (principalmente a partir de uma leitura de renda versus poder de com-
pra) e também a partir da percepção de condição de estudo versus oportuni-
dade de trabalho.
Desta forma conclui-se que os elementos identificados neste estudo re-
forçam a visão de que o desenvolvimento da região também está relacionado
com a sensação de liberdade de escolhas e de envolvimento social de seus
sujeitos, permitindo que as entrevistadas passem a e sentir-se ativos no pro-
cesso de crescimento pessoal e crescimento de sua região. A ausência de en-
tendimento sobre o seu crescimento pessoal impede a leitura de crescimento
de região.

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82
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dade de São Paulo, São Paulo, 2006. Disponível em: <www.teses.usp.br>. Acesso
em: 10 jul. 2013.

83
O TURISMO NO TERRITÓRIO DO
CONTESTADO: POTENCIALIDADES
PAUTADAS EM ASPECTOS HISTÓRICOS E
POLÍTICAS PÚBLICAS

Alexandre Assis Tomporoski1


Sandro Luiz Bazzanella2
Ivone Mazutti de Geroni 3

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O objetivo deste artigo consiste em examinar os principais aspectos per-


tinentes ao turismo enquanto estratégia de desenvolvimento aplicável ao
território do Contestado. A abordagem considera a prerrogativa do estado em
intervir nos segmentos da sociedade, através de políticas públicas capazes de
fomentar o desenvolvimento da atividade turística pela iniciativa privada.
O Território do Contestado abrange, preponderantemente, a região norte
e centro-oeste do estado de Santa Catarina. Conforme será examinado, neste
território eclodiu, entre os anos de 1912 e 1916, um dos maiores movimentos
sociais da história brasileira, que se transformou em uma guerra civil de gran-
des proporções, e ceifou dezenas de milhares de vidas.
Entretanto, anteriormente à deflagração da Guerra do Contestado, no
território sob análise, ocorreu um processo incisivo de concentração da pro-
priedade da terra, agravado pelo advento do capital estrangeiro no início do
século XX, o qual, além de intensificar a concentração fundiária, também pro-
moveu a instauração do extrativismo de produção.
Portanto, a formação histórica do Território do Contestado culminou em
uma conjuntura que ainda hoje se manifesta, caracterizada pela concentração
fundiária e pela perpetuação do modelo econômico amparado no extrativis-
mo. Neste contexto, urge examinar estratégias alternativas, que permitam

1 Doutor em História, com atuação no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da


Universidade do Contestado (UnC). E-mail: alexandre@unc.br
2 Doutor em Ciências Sociais, com atuação no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da
UnC.
3 Possui graduação em Turismo, mestranda em Desenvolvimento Regional pela UnC e atualmente
Prefeita Municipal de Calmon SC.

85
fomentar o desenvolvimento sustentável e, assim, amenizar os impactos de-
correntes deste processo histórico.
Dentre as possíveis estratégias de desenvolvimento, advém o turismo
pautado na herança imaterial do Contestado. Com este propósito, cabe exami-
nar, a priori, o papel do Estado no estabelecimento de políticas públicas que
permitam viabilizar, de fato, o turismo.
Dada a relevância, incumbe ao poder público intervir e regulamentar a
atuação da iniciativa privada. Assim, torna-se imprescindível analisar a evolu-
ção das relações entre o poder público e o turismo, além das competências
que lhe são inerentes, a fim de promover a efetiva implementação da atividade
turística.

ASPECTOS HISTÓRICOS DO TERRITÓRIO DO CONTESTADO

O povoamento do Território do Contestado remonta, em seus primór-


dios, à população humana nativa, constituída por grupos indígenas, das tribos
Xoklengs e Kaingangs.
Contudo, este contexto transformou-se a partir do ano de 1728, quando
ocorreu a abertura da Estrada de Tropas, caminho que interligava os estados
do Rio Grande do Sul e São Paulo, e estabeleceu o início do processo de povo-
amento da região. Dadas as necessidades primárias de descanso e alimenta-
ção, os tropeiros, durante sua longa jornada, transportando produtos e ani-
mais comercializados principalmente na feira de Sorocaba (São Paulo), reali-
zavam paradas e, nestes locais, ao longo do Caminho de Tropas, paulatina-
mente foram surgindo povoados, que mais tarde originaram alguns dos muni-
cípios que atualmente integram o Território do Contestado.
Além do Caminho de Tropas, o povoamento da região foi influenciado pe-
la chegada dos imigrantes, oriundos, em grande proporção, do continente
europeu. O ano de 1829 registra a chegada dos primeiros imigrantes, de ori-
gem alemã, ao município de Rio Negro (PR).
Posteriormente, sucessivas levas de imigrantes adentraram a região, e, a
partir dos anos 1890, acentuou-se a chegada de imigrantes provenientes de
diversos países europeus, destacando-se aqueles de nacionalidade alemã,
polonesa e ucraniana.
No Território do Contestado ocorreu a manifestação do coronelismo 4, fe-
nômeno através do qual fazendeiros e comerciantes, proprietários de grandes
latifúndios, exerciam influência sobre o poder político local. Essa influência
política advinha não somente do latifúndio e da correspondente riqueza que o

4 O termo “coronel” vem da extinta guarda nacional imperial, que lutou nas guerras do Prata, do
Uruguai e do Paraguai, entre os anos de 1851 a 1870, convertendo-se em termo meramente decorativo
após as mencionadas guerras e abolido na Primeira República. No Império, cada município possuía um
regimento da guarda nacional, o posto de “coronel” era concedido ou vendido ao chefe político deste
município, que normalmente era o mais rico comerciante, industrial ou fazendeiro (MACHADO, 2004,
p. 93).

86
mesmo poderia gerar, mas, também, do contingente de agregados que residi-
am no entorno da propriedade, representados pelos peões, homens de confi-
ança e pelos fazendeiros de menor expressão, posseiros e lavradores dos ar-
redores, que ofereciam apoio e lealdade ao coronel. Essa capacidade de dispor
de significado contingente de homens, proporcionava ao coronel a possibili-
dade de exercer funções de polícia, acentuando ainda mais seu domínio.
Todavia, com o advento da República, ocorreu o fortalecimento do poder
político local, exercido pelos mandatários legitimamente eleitos, implicando
na gradativa decadência da influência política dos coronéis.
Neste território, um recurso altamente relevante para a população pobre,
em grande medida constituída por caboclos, consistia na extração da erva-
mate, que proporcionava, ao menos, a subsistência daquelas pessoas.
Entretanto, a partir da vigência da lei nº 601, de 18 de setembro de 1850,
sancionada por Dom Pedro II, conhecida como a “Lei de Terras”, houve uma
transformação gradual na relação entre os coronéis e a população cabocla. A
Lei de Terras, na tentativa de organizar a propriedade privada no Brasil, aca-
bou por privilegiar os grandes fazendeiros e proprietários de latifúndios, pois,
com a legitimação da propriedade, as maiores e melhores áreas que haviam
sido obtidas através da posse, permaneceram sob controle dos grandes fazen-
deiros. Estes, com o decorrer do tempo, passaram a proibir o acesso dos cabo-
clos aos ervais nativos de suas propriedades, restringindo-os de recursos an-
teriormente disponíveis. Esta conjuntura acentuou o processo de exclusão da
população pobre.
Não obstante a atuação dos coronéis, o advento e a inserção do capital es-
trangeiro, a partir da primeira década do século XX, contribuiu decisivamente
para concentração da propriedade privada, e, por conseguinte, para o agra-
vamento da tensão social.
O governo brasileiro, com o objetivo de construir uma ferrovia que inter-
ligasse os estados do sul do Brasil, assinou um contrato com a Brazil Railway
Company, companhia responsável pela construção da rede ferroviária, tendo
como pontos de partida e de chegada as cidades de Itararé em São Paulo e de
Santa Maria, no Rio Grande do Sul. No ano 1910, foi concluída a construção do
trecho que atravessava o território catarinense, num total de trezentos e oi-
tenta quilômetros, entre a cidade de União da Vitória, no Paraná, e Marcelino
Ramos, no Rio Grande do Sul, às margens do rio Uruguai.
Entrementes, o contrato para construção da ferrovia estabelecia que a
companhia responsável pela empreitada – a Brazil Railway Company – teria o
direito de explorar as terras adjacentes à linha tronco, numa extensão de até
quinze quilômetros do leito da linha férrea. Essas terras eram cobertas por
milhões de pinheiros ou araucárias, imbuias, canelas pretas, cedros e cabriú-
vas. Objetivando extrair e comercializar essa madeira de alto valor econômico
e, mais tarde, vender parte daquelas terras a imigrantes europeus, a Brazil
Railway Company constituiu uma subsidiária, a Southern Brazil Lumber and

87
Colonization Company. Em 1910, a Lumber instalou, em Três Barras, então
território paranaense contestado por Santa Catarina, uma moderna serraria. A
empresa instituiu um processo industrial altamente mecanizado, tornando-se
a maior madeireira em atividade na América do Sul (CARVALHO, 2010).
Com o avanço de suas atividades, a Southern Brazil Lumber and Coloniza-
tion Company instaurou um incisivo processo de expansão fundiária, em mui-
tos casos utilizando-se de seu corpo de segurança (contingente de homens
armados) para obter as terras almejadas. Além disso, o processo fabril, inicia-
do nas densas matas, através do arraste das árvores tombadas por guinchos,
dentre as quais pinheiros araucárias, imbuias, canelas pretas, cedros e cabriú-
vas, destruía toda a vegetação existente no percurso, ou seja, árvores menores,
espécies economicamente menos interessantes e também grandes quantida-
des de árvores de erva-mate, cuja extração, como já relatado, consistia em
recurso preponderante para a sobrevivência da população pobre que habitava
a região.
Depreende-se, portanto, que naquele contexto histórico, caracterizado
pelo controle da terra exercido pelos grandes proprietários de latifúndios, ou
seja, os coronéis, e, concomitantemente, pelo capital estrangeiro, representa-
do pela Brazil Railway Company e sua subsidiária, a Southern Brazil Lumber
and Colonization Company, a situação da população cabocla, formada por pe-
quenos posseiros e sitiantes, tornara-se insustentável, dada a privatização da
terra e a proibição de explorar a erva-mate. Assim, esse processo de exclusão
e marginalização contribuiu decisivamente para a adesão dos caboclos aos
redutos e influenciou peremptoriamente a deflagração do movimento sertane-
jo do Contestado (1912-1916), comumente denominado Guerra do Contesta-
do.
Embora a disputa entre os estados do Paraná e de Santa Catarina – a
Questão de Limites – tenha assumido, durante muito tempo, a condição de
causa principal para a eclosão da Guerra do Contestado, o avanço das pesqui-
sas explicitou uma diversidade de motivações e de objetivos, conforme a regi-
ão da zona contestada e dos setores sociais que aderiram ao movimento. Ma-
chado assim sintetiza:

Para os habitantes de Taquaruçu e Perdizes, locais de origem do movimento, a


rebelião foi o caminho trilhado após a violência que os coronéis e o governo,
em sua totalidade, haviam praticado contra o monge José Maria. Para os siti-
antes e posseiros dos vales do Timbó, Tamanduá e Paciência, era um meio de
combater a presença cada vez mais agressiva dos coronéis Fabrício Vieira e
Arthur de Paulo e Souza, que desejavam estender suas propriedades e sua in-
fluência política sobre aquelas regiões. Para as oposições políticas formais aos
chefes municipais de Curitibanos e Canoinhas, significava uma oportunidade
ímpar de minar o poder do coronel Albuquerque e do Major Vieira. Para os an-
tigos maragatos de todo o planalto, a “guerra santa” significava a volta à ativa
e uma chance de desforra contra os pica-paus (MACHADO, 2004, p. 259).

88
Ao analisar as motivações dos integrantes do movimento sertanejo do
Contestado, podemos atribuir ao mesmo um caráter de conflito social, no qual
os alvos dos rebeldes revoltosos demonstraram a racionalidade intrínseca do
movimento: o capital estrangeiro; o domínio político e fundiário dos coronéis;
a exclusão da população nacional em detrimento do assentamento de estran-
geiros; a injustiças praticadas por aqueles que ocupavam cargos nos governos
das esferas estadual e federal.

CONSEQUÊNCIAS DA FORMAÇÃO HISTÓRICA DO TERRITÓRIO


CONTESTADO

Embora no ano de 2016 transcorra o centenário de encerramento do


movimento do Contestado, constata-se, na memória da população do Territó-
rio do Contestado, a permanência de uma interpretação negativa sobre os
eventos ocorridos no início do século XX. Este fato é um indicativo de que os
impactos decorrentes do conflito ainda subsistem. Subsequentemente ao tér-
mino do conflito, a condenação do movimento, seja pelas elites, seja pelos
governantes, imputou ao Contestado estigma pejorativo, motivado pelo fato
dos ocupantes daquele território aderirem à luta contra as injustiças desenca-
deadas pelo establishment. O trauma, a ferida e o medo, marcaram indelevel-
mente a população do Território do Contestado, e a análise desse contexto
poderá contribuir para explicar os inúmeros problemas que o território ainda
enfrenta.
Portanto, transcorrido um século, o Território do Contestado continua
enfrentando sérios entraves à superação de injustiças históricas. Vários fato-
res podem ser elencados para esclarecer as causas dessa conjuntura. Um as-
pecto relevante consiste no incisivo processo de concentração da propriedade
da terra. Tanto os grandes proprietários rurais, quanto as ingentes empresas
multinacionais, ampliaram seu domínio fundiário, expandindo a cultura de
grãos (especialmente a soja) e a silvicultura. A partir do final dos anos 1960,
em substituição à araucária, deu-se o fenômeno da introdução de novas espé-
cies de vegetação, árvores exóticas, como o Pinus illiottii, e, desde então, essas
árvores têm sido destinadas como fonte primária de matéria-prima às indús-
trias de celulose, papel e móveis.
A introdução do pinus resultou na continuidade do processo de extrati-
vismo de produção e, por conseguinte, na ampliação do processo de concen-
tração fundiária.5 Além disso, a utilização desta espécie exótica ocasionou
outras perturbações ao processo de desenvolvimento sustentável do territó-

5 Atualmente, os estabelecimentos com menos de 50 hectares constituem 82,7% da área ocupada por
propriedades rurais, contudo, essas propriedades ocupam somente 28,6% da área total. Por outro lado,
aqueles estabelecimentos agropecuários com mais de 500 hectares representam apenas 1,2% da área
ocupada por propriedades rurais, mas ocupam 32,2% da área territorial, praticamente um terço da área
total (SOUZA, 2009).

89
rio. A disseminação dos reflorestamentos, privilegiando esta monocultura,
reduz as áreas que poderiam ser utilizadas para diversificação produtiva.
Cabe destacar, também, que sobreveio a intensificação da exploração
comercial da erva-mate, pelas médias e grandes ervateiras que dominam o
setor, restringindo o acesso a elemento historicamente fundamental para
subsistência dos setores socialmente mais fragilizados. Esse domínio desesti-
mula a busca, por exemplo, pela agregação de valor à erva-mate, matéria-
prima de altíssima qualidade produzida na região.
De todo o exposto anteriormente, é razoável delimitar três fatores vigen-
tes no Território do Contestado que geram entraves à implementação de es-
tratégias de desenvolvimento territorial sustentável: o trauma associado ao
conflito social e ao genocídio praticado contra os caboclos, impondo, à popula-
ção que reside naquele território, sentimentos de vergonha e consequente
silenciamento; a expansão fundiária, outrora já vivenciada, que promove a
concentração da propriedade da terra, sob controle de grandes proprietários
rurais e de empresas multinacionais; a perpetuação do modelo econômico
baseado primordialmente no extrativismo.
Em meados da segunda década do século XXI, o contexto atual caracteri-
za-se, no Território do Contestado, pela concentração exacerbada da riqueza
por grupos minoritários, que assim o fazem há gerações; a precarização das
condições de vida dos trabalhadores urbanos e rurais; os empecilhos à organi-
zação e atuação política da população empobrecida do Território do Contesta-
do; a degradação do patrimônio material e imaterial, particularmente aquele
associado à memória das populações tradicionais e de seus remanescentes,
bem como dos segmentos empobrecidos da região; o processo de concentra-
ção da propriedade da terra por companhias madeireiras e do setor de celulo-
se, algumas estrangeiras, que monopolizam o acesso à terra – tal qual ocorreu
no passado – e disseminam espécies vegetais exóticas, desestimulando a con-
tinuidade das atividades na pequena propriedade, ignorando os limites dos
recursos ambientais e socializando detritos danosos ao meio ambiente, resul-
tantes de sua produção industrial; a continuidade do processo centenário de
exclusão e marginalização das populações tradicionais – indígenas, grupos
afrodescendentes (caso dos quilombolas), sertanejos, caboclos, além dos des-
cendentes daqueles que estiveram nos redutos da Guerra do Contestado – que
agora incide sobre seus remanescentes, grupos estes que permanecem impe-
didos de acessar a fração justa da riqueza produzida no território, em grande
medida, pelos próprios braços.
Ademais, ressaltam-se as dificuldades para superação do modelo econô-
mico vigente, amparado em produtos primários, os quais não necessitam de
beneficiamento, reduzindo o valor agregado e desestimulando o crescimento
econômico. Uma consequência diretamente observável, decorrente da conti-
nuidade desse modelo, virtualmente esgotado, consiste na proliferação dos
problemas sociais que afligem o Território do Contestado, o qual, embora

90
integre um dos estados mais desenvolvidos da federação, destaca-se pelos
índices decepcionantes de desigualdade social.
Conquanto o crescimento econômico e a expansão dos programas sociais
permitirem amenizar desigualdades históricas da sociedade brasileira, os
municípios que integram o Território do Contestado apresentam, hodierna-
mente, alguns dos mais baixos índices de desenvolvimento humano do estado
de Santa Catarina (IBGE, 2010), de acordo com sua classificação no IDHM
(Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios), compondo um bolsão
de pobreza e exclusão, precipuamente nas áreas onde a luta sertaneja foi mais
intensa.
É preciso salientar que, países ou territórios, caracterizados pela vigência
de uma matriz produtiva baseada no extrativismo, apresentam carências no
setor exportador, impossibilitando a obtenção de excedentes em divisas, vi-
sando a execução de investimentos em infraestrutura e nos setores básicos da
sociedade. No território do Contestado, manifestam-se essas carências. Suas
exportações resultam de produtos primários da agricultura e das atividades
das indústrias extrativistas, mormente a silvicultura direcionada à produção
de celulose. Todavia, nesses setores – vinculados à produção de commodities
– os preços são controlados pelos países dominantes ou por grandes corpora-
ções. Por conseguinte, dada a exploração maciça dos recursos naturais, eleva-
se a concentração fundiária e se produz acentuado impacto ambiental, especi-
almente a degradação do solo e dos mananciais, gerando, em contrapartida,
retorno econômico desproporcional à sociedade do entorno.
Destas questões, suscita a problemática que este projeto visa examinar: É
possível contribuir para a construção de um processo de desenvolvimento
territorial em bases alternativas, mediante proposta que considere a identida-
de territorial e os recursos materiais e imateriais do território, contrapondo-
se às práticas que ainda se manifestam entre as políticas públicas e empreen-
dimentos econômicos, que impedem a superação de um modelo que promove
a dilapidação dos recursos ambientais, além da concentração da riqueza e
perpetuação da miséria e exclusão social?.
Conforme será analisado neste artigo, especificamente no Território do
Contestado, uma estratégia altamente promissora consiste na revitalização do
turismo.

A INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO

O poder público não pode permanecer indiferente ao turismo, tendo em


vista os impactos econômicos desta atividade, dentre os quais o aumento no
volume dos negócios, o incremento de recursos provenientes de transporte,
diversões, espetáculos, entre outros, e a participação na geração de empregos
e renda, de forma direta e indireta. Além disso, cabe destacar os efeitos cultu-
rais e a integração entre países. Admitindo o fato de que o poder público não

91
pode permanecer alheio ou indiferente à atividade turística, deve-se definir as
condições e delimitar o espaço de implementação.
Incumbe ao setor público promover a expansão e a captação de correntes
turísticas; a adequação e regulamentação normativa do funcionamento das
empresas; o estímulo e facilidade ao desenvolvimento da oferta turística, me-
diante determinadas planificações, bem como mediante a disponibilização de
canais creditícios apropriados, e o estabelecimento de estímulos fiscais. Tam-
bém corresponde ao setor público ditar normas visando regular a exploração
dos valores e atrativos existentes. Neste contexto, cabe destacar a relevância
do tratamento adequado da ordenação urbanística, a defesa da paisagem e a
criação de infraestrutura, tanto de acesso e comunicação, como de serviços
urbanos. SEDETUR/RS. Turismo estratégia gaúcha. (1998, p. 18).
O poder público, atuando dentro de sua esfera, pode manter uma postura
de subsídio e de complementação às ações desenvolvidas pelo setor privado,
no que concerne a atividade turística. Justifica-se sua presença em decorrência
dos seguintes fatores:

 Insuficiência da iniciativa privada, por falta de interesse em


operações a longo prazo, risco excessivo, carência de mentalida-
de e consciência dos problemas enfocados;
 Necessidade de favorecer estímulos à iniciativa privada, tanto
nos aspectos econômicos da exploração, como na tecnologia pro-
fissional, investigação, planificação e programação;
 Carência de inversões do setor privado na execução de planos
considerados mais adequados ao desenvolvimento da atividade
turística;
 Falta de rentabilidade ou inapropriada destinação de recursos
privados, o que exige a adoção de medidas de caráter fiscal e fi-
nanceiro;
 Inadequação das atividades privadas às funções de planejamen-
to geral ou regional, seguindo princípios de concentração ou dis-
tribuição geográfica que estudos econômicos indicam de escassa
ou contraproducente viabilidade;
 Regulamentação do funcionamento das empresas do setor pú-
blico em matéria de turismo, mediante ações: normativa, sancio-
nadora, de ajuda e estímulo, de gestão direta em caso de insufici-
ência da iniciativa privada (SESSA, 1968. P. 158).

Na hipótese de intervenção do poder público, deduz-se que é necessária a


instauração de condições apropriadas, que permitam atuar convenientemen-
te, de forma eficiente e eficaz, diante das demandas de implementação e ges-
tão de atividades turísticas. Por outro lado, essa ação ou intervenção do poder
público não pode e não deve se estender indefinidamente.

92
Segundo Sessa (1968), após a Segunda Guerra Mundial, independente-
mente do sistema político adotado pelas nações, verificou-se uma intervenção
cada vez mais acentuada dos governos nos vários setores de atividades das
nações. O turismo, com todos os efeitos que suscita no campo cultural, social,
político, de balanço de pagamento, não poderia ser exceção. Assim, o poder
público poderá adotar duas atitudes perante a realidade turística:
1ª atitude contrária: Um país ou uma região pode encontrar-se num con-
texto desfavorável, de tal modo que o desenvolvimento da atividade turística
torna-se inviável naquela conjuntura. Isto é, o país ou a região pode não pre-
encher os pré-requisitos da viabilidade turística. Nesse caso, suscitam dificul-
dades em incorporar o turismo como uma atividade a mais na administração
municipal, estadual ou nacional. Poderá acontecer, também, que a nação pre-
encha todos os pré-requisitos da viabilidade turística, porém o poder público
não considera o desenvolvimento dessa atividade em detrimento de outras
mais importantes. A atitude contrária do poder público também pode estar
relacionada aos seus efeitos predatórios. De fato, o turismo tem ocasionado a
devastação de paisagens, usos e costumes. Os exemplos que podem confirmar
tal afirmativa são inúmeros.
Além disso, tem-se verificado que algumas sociedades mais fechadas re-
sistem em aderir a este fenômeno de massa, contudo, outros segmentos tem
se posicionado negativamente em relação ao turismo. Ultimamente, observa-
se que países que já estiveram no topo do ranking internacional estão redu-
zindo o seu desenvolvimento turístico, dados os aspectos predatórios que o
mesmo envolve. É preciso salientar que a decisão desses países deve servir de
alerta às nações que estão projetando na atividade turística possibilidades de
contribuição para suas estratégias de desenvolvimento. Tais países ao consta-
tarem sua viabilidade turística, ao verificarem que preenchem os pré-
requisitos exigidos, se lançam à conquista dos mercados, no intuito de equili-
brar as suas contas através do ingresso de divisas. Nesse contexto a palavra
“divisas” assume importância e urgência para países, povos e comunidades.
Se, por um lado, países que assim se comportaram foram recompensados
através do incremento significativo de divisas, as consequências, em termos
ecológicos e culturais, foram incalculáveis. Apresenta-se algo complexo a um
morador nativo sentir-se estrangeiro em seu próprio país, constatar seus usos
e costumes sacrificados na ânsia da arrecadação de divisas. Diante das consi-
derações anteriores, dois aspectos podem ser analisados: a) Um país que pro-
jeta possibilidades através da intensificação da atividade turística. O seu de-
senvolvimento através do turismo deve estar devidamente preparado para o
impacto que ele proporciona; b) Os recursos turísticos que atraem os turistas
aos centros receptores são, com o passar do tempo, deteriorados. Nesse caso,
tanto o turista quanto o nativo são prejudicados, pois, o turista perde o incen-
tivo, senão o interesse, em se deslocar a polos turísticos descaracterizados; o
nativo, por sua vez, perde o visitante que consistia em sua fonte de renda.

93
Sobre tais pressupostos, é preciso definir uma política de turismo que em
fase inicial eduque ou instrumentalize o seu povo para a prática do turismo. Se
isso for levado a termo, talvez poder-se-á transitar de uma atitude contrária a
outra favorável ao desenvolvimento do turismo, em que todas as partes en-
volvidas sejam beneficiadas.
2ª atitude favorável: O poder público incorpora a atividade turística em
sua estratégia de desenvolvimento. Cada país ou região atribui ao turismo
uma determinada importância, que repercutirá em sua política econômica. É a
partir destas perspectivas que o turismo poderá se organizar e se estruturar.
Segundo Tocqueville (2004), não é verdade dizer que os homens que vi-
vem na era democrática sejam naturalmente indiferentes às ciências, às letras
e às artes, cumpre somente reconhecer que eles a cultivam à sua maneira, e
introduzem nesse âmbito as qualidades e os defeitos que lhe são próprios.
Afirma, também, que na América, a paixão pelo bem estar material nem
sempre é exclusiva, porém é generalizada; nem todos a experimentam da
mesma maneira, contudo todos a sentem. A preocupação em satisfazer as
menores necessidades do corpo e de prover as pequenas comodidades da
vida, assume importância universal aos espíritos.
Nos povos democráticos, os indivíduos são muito fracos, mas o estado
que os representa e os mantém em seus domínios, é muito forte. Em nenhum
outro lugar os cidadãos parecem menores do que numa nação democrática.
Em nenhum outro lugar a própria nação se parece maior e seu espírito reper-
cute com facilidade em um vasto quadro. Nas sociedades democráticas, a ima-
ginação dos homens se reduz quando eles pensam em si mesmos; ela se es-
tende indefinidamente quando pensam no estado. Decorre desse fato que os
mesmos homens que vivem pequenamente em casas apertadas, com frequên-
cia, visam ao gigantesco quando se trata de monumentos públicos (TOCQUE-
VILLE, 2004).
Os americanos estabeleceram o local em que desejavam constituir sua
capital: o ressinto de uma cidade imensa, que, ainda hoje, não é mais povoada
do que Pontoise, mas que, segundo eles, deve conter um milhão de habitantes;
já arrancaram as árvores num raio de dez léguas com medo de que viessem a
incomodar os futuros cidadãos dessa metrópole imaginária. Ergueram no
centro da cidade um palácio magnífico, para servir de sede ao congresso e lhe
deram o pomposo nome de Capitólio.
A questão do turismo é uma das temáticas de maior interesse nos últimos
tempos. Fala-se muito em turista e constituem-se entes públicos em governos
municipais, estaduais, nacionais para se ocuparem dessa atividade. Porém, o
que se verifica é que, apesar dos entes públicos serem constituídos, a ativida-
de do turismo não se apresenta em toda sua intensidade nas políticas econô-
micas do governo. Esses entes ou organismos públicos, relegados a uma con-
dição secundária no interior da política econômica, estão fadados a inoperân-
cia e a ineficácia, sobretudo no caso específico do turismo, atividade que exige

94
ação. O poder público adotará uma atitude proativa face ao turismo a partir do
momento em que atribuir a essa atividade prioridade em sua política econô-
mica.
Adotar uma política propositiva em relação ao turismo significa acompa-
nhar a situação conjuntural, executando medidas ágeis e adequadas. A capaci-
dade de resposta do setor público às exigências impostas pelo turismo, em um
dado momento, deve ser quase imediata, pois as decisões devem gerar ações
efetivas.

EVOLUÇÃO DO PODER PÚBLICO E TURISMO

Segundo Boschi (2000), a partir de uma análise histórica da evolução em


suas relações com o poder público, o turismo transitou por três etapas, repre-
sentando uma mera vigilância ou cuidado do poder público para com o turis-
mo, englobando um conjunto de proibições relativas ao setor. Integra uma
primeira fase, aquele conjunto de normas que regulamenta as condições que
devem ser preenchidas pelo turista ao ingressar no país. No tocante aos recur-
sos turísticos históricos, culturais e naturais, bem como à infraestrutura de
alojamento e transporte, o poder público limitou-se a especificar algumas
determinações no que se refere a edificações, conservação de monumentos
históricos, ou a uma série de prescrições relativas à saúde pública e segurança.
Cabe observar, ainda, que nessa primeira fase o setor público ateve-se aos
aspectos quantitativos do turismo. Ou seja, a sua política turística visava o
ingresso de muitos viajantes. Alguns países, entre os quais a Espanha, França,
Estados Unidos e Itália, estão entre os mais visitados do mundo, e oportuni-
zam a criação de muitos empregos e o melhor equilíbrio da balança de paga-
mento através do aporte de divisas.
Uma segunda fase caracterizou-se pela atividade de fomento e produção
do turismo. Nessa etapa, registrou-se uma mudança de perspectiva. O poder
público concede estímulos ao incremento da infraestrutura turística, como a
construção de meios de hospedagem, agências de turismo, financiamentos
especiais e isenção de impostos.
Já a terceira etapa fundamenta-se no intervencionismo. Nessa etapa, o
Estado não se limita a estabelecer proibições ou a participar da atividade tu-
rística através do fomento e da produção. O poder público se engaja, ele mes-
mo, em atividades turísticas, principalmente através de autarquias ou empre-
sas estatais. No Brasil, a partir dos anos 1970, surgiram em todos os estados
da união organismos oficiais de turismo para se incumbirem especificamente
do setor. Quanto maior for à importância do turismo na economia, maior o
grau de intervenção do poder público.
O intervencionismo é explicado através do princípio da subsidiariedade,
que consiste no pressuposto de que aquilo que o indivíduo pode fazer por si
mesmo, não deve ser feito pelo Estado. Ou seja, não cabe ao Estado intervir na
solução de problemas, a não ser que um grupo social ou um indivíduo sejam

95
incapazes de resolvê-lo. Caso haja a necessidade de intervenção do poder
público, esta deve se extinguir a partir do momento que determinado grupo
ou individuo possam alcançar soluções adequadas, independente da ação do
Estado. Portanto, a intervenção é de caráter transitório. Isso porque não cabe
ao Estado assumir a condição de empresário, a não ser nos casos específicos
em que a iniciativa privada não encontre estímulos para agir, ou, por questões
de interesse nacional. Assim, o princípio da subsidiariedade demonstra os
limites da intervenção do estado no desempenho das atividades humanas,
fornecendo limitações à condução desse intervencionismo.
No que concerne à atividade turística, segue-se o mesmo raciocínio. De-
ve-se, contudo, ressaltar que o princípio da subsidiariedade pode explicar os
limites do intervencionismo em países que apresentam economias liberais, ou
capitalistas. Porém, este não é o caso dos países socialistas, onde o estado
assume todas as iniciativas, cabendo a ele planejar, executar e administrar os
diversos programas, entre os quais, o turismo. Caracterizado e definido o in-
tervencionismo do poder público na atividade turística, cabe analisar a ques-
tão das competências.

COMPETÊNCIAS

As atividades turísticas abrangem um conjunto de variáveis, de tal forma


que as competências se pulverizam, incorporam-se em várias atividades soci-
oeconômicas do país. Os insumos do produto turístico estão sob a responsabi-
lidade de vários organismos ou entes públicos. Por exemplo, ao se examinar
um hotel ou uma agência de viagem, verifica-se que existem diversos orga-
nismos que interferem na sua atividade. A problemática atual do turismo é
muito intensa, e suas soluções afetam uma enorme variedade de serviços do
setor público.
No desenvolvimento das atividades socioeconômicas de um país, inde-
pendentemente de sua caracterização, existe entre elas um inter-
relacionamento e, inclusive, uma interdependência. Essa é a dinâmica que
caracteriza a vida econômica dos países. Na medida em que surge a necessi-
dade de conferir ordenamento a todas essas atividades, visando um melhor
desempenho, procura-se agrupar aquelas afins, vinculando-as a um organismo
específico. Desse modo, as atividades educacionais estão vinculadas a um
organismo que se ocupa prioritariamente com a problemática que afeta este
tipo de atividade. As atividades agrícolas, industriais, financeiras e turísticas
obedecem à mesma diretriz. Elas são organizadas e designadas a um organis-
mo que se incumbirá de conduzi-las.
Nesta perspectiva, o tratamento dispensado as diferentes atividades des-
ses diferentes organismos, está relacionado com a posição que ocupam na
hierarquia administrativa. Se uma atividade for contemplada com um Ministé-
rio em nível nacional, ou com uma secretaria no âmbito do quadro administra-

96
tivo estadual, isso significa que esta atividade possui um status equivalente ao
mais alto nível hierárquico na esfera da administração pública.
É importante ressaltar que a determinação do grau hierárquico do orga-
nismo incumbido da atividade turística, é diretamente proporcional à sua
importância dentro do contexto das demais atividades. Assim, para equacio-
nar a pulverização das atividades turísticas nos diferentes segmentos, inde-
pendentemente das atribuições e responsabilidades, é necessário cooperação
entre as diversas instâncias. As atividades se inter-relacionam e para que o
estado, através de seu governo, possa obter harmonia e conduzir suas ações
com eficiência e eficácia, faz-se necessário desenvolver uma mentalidade, bem
como fomentar o espírito de cooperação entre os organismos de um país,
estado ou município.
Em decorrência deste espírito de cooperação, resultam ações integradas,
fundamentais para se atingir a maximização dos esforços e dos recursos fi-
nanceiros. Na teoria, essas ideias encontram um campo fértil para a discussão,
contudo, na prática, torna-se difícil viabilizar o espírito de cooperação e as
ações integradas, haja vista que existem muitos interesses e ambições pesso-
ais que se colocam acima dos interesses dos próprios organismos. Essa distor-
ção tem causado entraves e estrangulamentos ao pleno e eficiente curso das
atividades de um país. No que se refere ao turismo, existe um certo agravante,
pois geralmente se apresenta subordinado a outro organismo. Assim enqua-
drado administrativamente, o setor turístico geralmente não recebe a devida
atenção. Além disso, a esses organismos frequentemente são designados pro-
fissionais que não possuem a devida qualificação técnica. . Nesse cenário, a
condução política da administração do tempo livre sofre uma dupla crise,
devido aos seguintes aspectos: a) A centralização teórica do poder num orga-
nismo sem, contudo, exercê-lo, porque esse poder repetidas vezes é comparti-
lhado com os outros organismos pressupostamente mais poderosos; b) O
suposto incremento na eficiência, que resultaria da descentralização do poder
em delegacias regionais, encarregadas de aplicar as políticas e ações voltadas
ao turismo, é inviabilizada pela ausência de respaldo legal e de recursos finan-
ceiros e humanos, além do escasso apoio dos comitês de coordenação inter-
departamentais, devido a sua pouca operacionalidade (BOULLIÓN, 2009).
A intervenção do poder público em matéria do turismo pode advir de di-
versas motivações:
(i) Políticas: Para um determinado país, a valorização dos seus recursos
naturais, históricos, culturais e artísticos, pode se constituir em prestígio. Na
verdade, o turismo é um dos meios mais eficazes para tornar conhecidos to-
dos esses valores. Outra causa que justifica a intervenção do poder público, diz
respeito à atuação desordenada das empresas de turismo, inclusive podendo
afetar as relações internacionais entre os países. Daí a necessidade de fiscali-
zar a atuação dessas empresas, através de legislação específica emanada dos
poderes públicos, visando assegurar aos turistas as garantias almejadas.

97
(ii) Econômicas: Relativas à renda nacional, às oportunidades de empre-
go e aos seus efeitos multiplicadores. O turismo tem se constituído em ele-
mento propulsor do desenvolvimento e do crescimento econômico de alguns
países e regiões, contribuindo com elevados percentuais na receita nacional
bruta. É inegável sua contribuição, e na redistribuição de todos esses benefí-
cios, o poder público não poderia se omitir.
(iii) Sociais: A prática do turismo atinge os mais variados segmentos da
sociedade. O poder público, que deve zelar pelo bem estar de todos esses ci-
dadãos, não pode permanecer alheio a todos os anseios e às necessidades
decorrentes desta atividade.
(iv) Meios de ação: A intervenção do poder público na área do turismo
ocorre de variadas formas. Todo o conjunto de leis, decretos, resoluções, visa
proporcionar o ordenamento da atividade turística. É precisamente essa base
legal que torna possível o ordenamento turístico.
A atuação do poder público deve direcionar a ação da livre iniciativa, no
sentido de resguardar o bem público ou os interesses majoritários da socieda-
de. O objetivo do lucro, que caracteriza a iniciativa privada, ofusca, por vezes,
a sua função pública. O poder público também possui a capacidade de deses-
timular a iniciativa privada, mediante instrumentos legais que negligenciem a
essência da atividade. O turismo, como uma atividade dinâmica, precisa cons-
tantemente ser analisado e ordenado. Desse fato decorre constante reformu-
lação de todo o aparato legal. Alguns países, onde a atividade turística encon-
tra-se mais desenvolvida, apresentam verdadeiros tratados sobre o direito
aplicado ao turismo.
Ao analisar o fenômeno turístico, enfocam-se os aspectos econômicos,
sociais, ecológicos e jurídicos. Sem adentrar nas minúcias que uma análise
abrangente requereria, o turismo é uma atividade condicionada aos instru-
mentos legais emanados dos poderes públicos. Justifica-se a partir do pressu-
posto que o direito de locomoção está ligado a liberdade da pessoa humana.
Ao examinar a legislação dos mais diferentes países, encontra-se em toda a
prerrogativa de salvaguardar o direito de locomoção dos seus cidadãos. O
turismo é uma forma de exercitar essa liberdade.

AS POTENCIALIDADES TURÍSTICAS DO TERRITÓRIO DO CONTESTADO

A atividade turística pode ser concebida sob a perspectiva de oportuni-


dade, capaz de fomentar estratégias de desenvolvimento, com o intuito de
obliterar o ciclo recorrente da pobreza, em âmbito nacional e territorial. As
potencialidades latentes do turismo poderão contribuir eficientemente para
um crescimento econômico duradouro e sustentável. Portanto, ao contrário
das commodities, o setor de turismo pode operar desvinculado das grandes
multinacionais e dos países estrangeiros. Além disso, sua implementação pode
ocorrer em territórios menos desenvolvidos, paralelamente a outras ativida-
des que visem o incremento do desenvolvimento.
Por conseguinte, no Território do Contestado, é plausível segregar as po-
tencialidades no âmbito da atividade turística em: (i) o turismo histórico am-

98
parado na herança imaterial do Contestado; (ii) o turismo decorrente dos
ativos naturais inseridos no território.
O potencial endógeno do Território do Contestado, em velar pela história
de um movimento social consiste em recurso que admite sua utilização para
finalidades turísticas. Neste contexto, o turismo histórico pode abranger a
herança imaterial decorrente da religiosidade; dos episódios épicos da Guerra
do Contestado trespassados por conflitos bélicos, incluindo-se, neste caso, a
visitação aos locais históricos em que ocorreram os combates e, inclusive, a
representação artística das batalhas mediante personagens figurados entre
soldados e revoltosos; passeios de trem mediante revitalização de trechos da
linha férrea construída pelo capital estrangeiro no início do século XIX e que
constituiu fator preponderante a para eclosão da Guerra do Contestado; visi-
tação aos museus que salvaguardam os registros históricos da Guerra do Con-
testado; práticas e costumes seculares inerentes à cultura e à culinária. Cada
aspecto pode ampliar uma gama variada de opções, por exemplo, no que tange
à religiosidade, há muitos locais em que se atribui milagres ao monge São João
Maria, até hoje considerados verdadeiros santuários, que merecem a visitação,
seja pela fé religiosa, seja pela beleza inegável da natureza.
Ao contrário dos aspectos singulares propiciados pelo turismo histórico
com amparo na herança imaterial, que fornecem atributos exclusivos e o dife-
renciam de outros polos turísticos existentes fora do território, o turismo
decorrente dos ativos naturais inseridos no Território do Contestado poderá
abranger, principalmente, o turismo rural, cujas principais atrações são a na-
tureza e a culinária
Cabe destacar que ambas as opções exigem investimentos adequados pa-
ra viabilização. No que tange ao turismo histórico pautado na herança imate-
rial, o investimento primário consiste na educação, mediante disseminação da
história do Contestado dentre os habitantes do território. Esse é um processo
sinérgico, aonde o conhecimento assume papel preponderante e pode resultar
no incremento do interesse pelo turismo histórico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ano em que vivemos demarca o centenário do término da Guerra do


Contestado. Embora transcorridos cem anos, muitos fatores que influenciaram
a deflagração do conflito ainda permanecem vigentes no Território do Contes-
tado. A análise histórica permite compreender que a concentração fundiária e
o processo extrativista de produção, este último inicialmente promovido pelo
capital estrangeiro, resultaram em um grave processo de exclusão social, que
ainda hoje incide sobre os municípios que integram o Território do Contesta-
do. Ademais, há cem anos, as oligarquias que dominavam e exerciam o poder,
em prol de seus interesses, se apressaram em condenar o movimento sertane-
jo do Contestado, fato que imbuiu na população, gradativamente, um senti-
mento pejorativo, inclusive uma espécie de vergonha perante os acontecimen-

99
tos históricos que moldaram o Contestado. Diante de tal realidade, o instru-
mento fundamental para alterar este estado de coisas é a educação, mediante
a disseminação do conhecimento amparado em pesquisas recentes, que de-
monstram a nobreza de valores assumidos pelos revoltosos que aderiram às
trincheiras durante a Guerra do Contestado.
A educação e a disseminação do conhecimento poderão, paulatinamente,
contribuir para a obliteração deste sentimento pejorativo e, por sua vez, o
turismo também possui enorme potencial para auxiliar a suprimir as errôneas
concepções arraigadas na consciência coletiva da população residente no Ter-
ritório do Contestado.
Além deste nobre atributo, o turismo também representa uma atividade
que pode propiciar alternativas de desenvolvimento sustentável do território.
Cabe ressaltar que a articulação entre turismo e desenvolvimento produz
resultados positivos, tais como aporte de recursos para investimentos, mu-
dança dos padrões de comportamento, estímulo ao processo de cosmopoliti-
zação, etc. Contudo, o sucesso desta empreitada e a obtenção de suas conse-
quências benéficas, dependem primordialmente de planejamento e, em última
instância, da política que será aplicada ao setor.
Ademais, as características específicas da atividade turística – o fato de se
amparar em relações pessoais, exigir o consumo no espaço local, possibilitar
sua vinculação a outros setores da economia, etc., a tornam especialmente
apta para induzir processos de desenvolvimento em determinados territórios,
particularmente aqueles historicamente alijados, que apresentam contingen-
tes populacionais ainda excluídos do acesso aos benefícios da sociedade mo-
derna.
A elaboração do planejamento demanda o envolvimento do Estado, o
qual, através de políticas públicas, viabilizadas por meio de instrumentos pre-
cisos, deve almejar objetivos voltados ao desenvolvimento e, ao mesmo tem-
po, evitar consequências perniciosas que poderão eventualmente sobrevir.
Dentre as ações efetivas, destaca-se a importância do incentivo à constituição
de empresas oriundas do próprio território, dentre as quais, aquelas compro-
metidas com a atividade turística.
A intervenção do setor público na atividade turística pode ser necessária,
porém não deve se restringir a uma simples função reguladora ou fiscalizado-
ra da atividade. Apesar da progressiva implantação da filosofia liberal, verifi-
cada nos últimos anos, em que o setor privado assume a condição de protago-
nista, cabe ao setor público estabelecer as condições adequadas para que as
pequenas empresas turísticas possam desenvolver com eficácia suas ativida-
des econômicas.
O desenvolvimento turístico ocorre em consequência de uma política de
planejamento meticulosa, baseada na atividade econômica e no desenvolvi-
mento humano e social de comunidades e povos. Deve estruturar-se sobre
ideais e princípios de bem estar e de felicidade das pessoas. Os problemas

100
sociais de uma comunidade não poderão ser solucionados na ausência de uma
economia forte e, o turismo, pode contribuir para alcançar este objetivo.
O turismo desenvolvido através da integração entre a sociedade civil e o
interesse público, ultrapassa conceitos de gestão pública e pode assegurar
maior flexibilidade e distribuição equitativa de lucros, que eventualmente
possa gerar em determinada localidade.
As questões da regionalização, sob a concepção de que regional não se
restringe a limites físicos ou geográficos, tampouco ao caráter político admi-
nistrativo, corresponde, acima de tudo, às afinidades e consequente constru-
ção de identidades culturais.
O poder público pode e deve cumprir seu papel no desenvolvimento do
turismo, conscientizando as populações das ações executadas e as sensibili-
zando em todos os aspectos relevantes, pois a atividade turística só pode ser
desenvolvida de maneira sustentável – econômica e ambientalmente – caso
resulte em benefícios para a localidade.
No âmbito do Território do Contestado, há potencialidades que podem
ser exploradas em prol da atividade turística. O principal fator se relaciona à
herança imaterial do Contestado, que se traduz em aspectos históricos, religi-
osos e culturais, capaz de propiciar atrações turísticas de interesse regional
ou, inclusive, nacional. Além da singularidade inerente à herança imaterial do
Contestado, os ativos naturais do território também possuem potencial para
se transformarem em atrações de interesse turístico, desde que ocorram in-
vestimentos adequados em sua estruturação e promoção.

REFERÊNCIAS

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de experiências municipais no Brasil. Rio de Janeiro; IU-PERJ, 2002.
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102
SIGNOS DISTINTIVOS TERRITORIAIS:
INDICAÇÃO GEOGRÁFICA, MARCAS
COLETIVAS E SUA RELAÇÃO COM O
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

Karine Rohrbacher1
Cilmara Corrêa de Lima Fante2
Valdir Roque Dallabrida3

RESUMO

O tema signos distintivos territoriais e sua relação com o desenvolvimen-


to remete à valorização dos aspectos que possam tornar reconhecidos os ele-
mentos identitários de um determinado território. Quanto aos signos, entre
eles estão os que representam produtos ou serviços que, pela sua especifici-
dade, notoriedade e/ou tradição, torna reconhecido o território em que são
produzidos. Neste caso, avaliza a aplicação dos institutos da Indicação Geográ-
fica ou Marcas Coletivas. A pesquisa da qual resultou o presente texto teve por
objetivo elucidar os aspectos legais sobre Indicações Geográficas e Marcas
Coletivas, por meio de pesquisas bibliográficas, pela consulta de livros, leis e
artigos científicos, além de estabelecer relações com o desenvolvimento terri-
torial. O estudo elucidou aspectos conceituais e as principais diferenciações
existentes entre esses dois institutos, além de fazer prospecções sobre a con-
tribuição dos signos distintivos no desenvolvimento territorial.

INTRODUÇÃO

É oportuno o reconhecimento da importância dos signos distintivos, no


mundo comercialmente competitivo, visto que distinguem produtos e serviços
quanto à sua procedência, fabricação e características, garantindo a qualidade

1 Graduanda em Direito na Universidade do Contestado (UnC), bolsista de Iniciação Científica no


Projeto de Pesquisa Signos Distintivos Territoriais e Indicação Geográfica: um estudo sobre os desafios
e perspectivas como alternativa de Desenvolvimento Territorial, financiado pelo CNPq. Este texto
resume estudos do projeto de Iniciação Científica, junto com os orientadores. E-
mail: karinerohrbacher@hotmail.com.
2 Graduada em Direito, mestranda no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC.
3 Geógrafo, Doutor em Desenvolvimento Regional, professor e orientador no Mestrado em
Desenvolvimento Regional da UnC. E-mail: valdirdallabrida@gmail.com

103
esperada pelo consumidor. O instituto da Indicação Geográfica (IG) e Marcas
Coletivas (MC), além de proteger os produtos e serviços, conferem informa-
ções referentes à origem e qualidades dos mesmos. O resultado esperado é
que tal processo contribua na agregação de valor ao produto ou serviço prote-
gido, gerando um ganho para a coletividade envolvida, com isso, contribuindo
no desenvolvimento territorial do local em que se inserem.
O presente artigo pretende analisar os temas signos distintivos territori-
ais, com destaque para a Indicação Geográfica e Marcas Coletivas, focando-se
em questões de ordem legal, estabelecendo relações com o desenvolvimento
territorial, evidenciando os aspectos relevantes para a proteção e obtenção
dos direitos inerentes a esses institutos.
A pesquisa é explicativa, pois se preocupa em identificar os fatores que
contribuem para a ocorrência de certos fenômenos, como por exemplo, qual a
importância dos signos distintivos, como as IG e MC, no desenvolvimento ter-
ritorial. Utiliza-se de estudos bibliográficos.
Como resultado, buscou-se situar o tema signos distintivos territoriais e
os institutos da Indicação Geográfica e Marcas Coletivas no direito internacio-
nal e brasileiro. Oportunizou identificar os diferenciais entre estes institutos,
além de fazer prospecções sobre a contribuição dos signos distintivos no de-
senvolvimento territorial.
Assim, o presente texto, além desta introdução, é composto por outras
quatro partes. Assim, inicialmente, (i) dá-se destaque aos conceitos de territó-
rio, signos distintivos e desenvolvimento territorial, (ii) resume-se os princi-
pais aspectos conceituais e legais sobre Indicação Geográfica e Marcas Coleti-
vas, (iii) destacam-se os diferenciais entre esses dois institutos, além de, fi-
nalmente, (iv) serem feitas considerações finais.

1 TERRITÓRIO, SIGNOS DISTINTIVOS E DESENVOLVIMENTO


TERRITORIAL

O território, concebido como espaço de relações entre sociedade e natu-


reza e os diferentes grupos sociais, é onde ocorrem dinâmicas socioeconômi-
cas, histórico-culturais e ambientais, das quais decorrem os processos de de-
senvolvimento territorial (DALLABRIDA, 2016). Alguns territórios possuem
características que facilitam sua identificação por meio de signos e, ao mesmo
tempo, servem como forma de identificação e/ou distinção. Tratam-se dos
signos distintivos territoriais (DALLABRIDA, PULPÓN e TABASCO, 2016).
A alusão ao território é para referir-se a uma fração do espaço instituída
pela relação entre atores sociais, econômicos e institucionais que atuam no
âmbito espacial em referência, sustentadas em motivações políticas, sociais,
ambientais, econômicas, culturais ou religiosas (DALLABRIDA, 2006). O terri-
tório vai além de uma base física formada pela relação entre indivíduos e em-
presas, pois também acolhe uma organização complexa composta por laços

104
que não se restringem aos atributos naturais, mas levam em conta também
raízes históricas, políticas e identidades (ABRAMOVAY, 2010).
Saquet (2015) associa-se a outros autores que consideram o território
uma construção social, histórica, relacional, sempre vinculada a processos de
apropriação do espaço, que atingem pessoas ou grupos sociais. Portanto, para
o autor,

O território é resultado e determinante da reprodução da relação sociedade-


natureza e da concomitante territorialização. Os territórios são produzidos
espaço-temporalmente pelo exercício do poder por determinado grupo ou
classe social e por suas respectivas territorialidades cotidianas (SAQUET,
2015, p. 45).

Desde a antiguidade os signos distintivos são utilizados para identificar e


diferenciar a origem de bens, sua propriedade, origem comercial ou geográfi-
ca. Desse modo, elucida Bruch (2011, p. 21):

Um signo é qualquer coisa que, de um lado, é assim determinada por um obje-


to e, de outro, assim determinada por uma ideia na mente de uma pessoa; esta
última determinação que denomina o interpretante do signo é, desse modo,
mediatamente determinada por aquele objeto. O objeto é o local, a cultura e a
tradição, os fatores naturais e humanos que compõem a origem geográfica. O
signo representa tudo que constitui essa origem geográfica.

Segundo a legislação vigente no Brasil, os signos distintivos são sinais


usados no mercado para identificar e distinguir produtos ou serviços, empre-
sas, estabelecimentos, regiões ou localidades. São eles: (a) marca; (b) nome
empresarial; (c) títulos de estabelecimento; (d) indicações geográficas; (d)
nomes de domínio (GONÇALVES, 2007). Esses institutos são aplicados com o
fim de diferenciar produtos ou serviços colocados no mercado, sendo que, no
caso da IG e MC, são regulamentados pela Lei 9.279/96 4.
No caso da IG trata-se de um signo distintivo que representa a cultura, a
tradição, ou o terroir5, de um território, distinguível dos demais. Temos então,
como resultado, o que convencionamos chamar de signos distintivos territori-
ais6, ou seja, signos que distinguem produtos ou serviços que tem origem em
um território específico (DALLABRIDA, PULPÓN e TABASCO, 2016).
A valorização do território, incluídos seus ativos e recursos, ou mais pre-
cisamente, seu patrimônio territorial (DALLABRIDA, 2016) 7, resultante do

4 Adiante, faz-se referência aos aspectos legais.


5 Que pode ser traduzido como meio físico natural específico, que, por isso, atribui ao produto
características únicas.
6 Bruch (2011) prefere denominar de "signos distintivos de origem".
7 Em Dallabrida (2016), patrimônio territorial é concebido como o conjunto de ativos e recursos,
materiais e imateriais, genéricos e específicos, disponíveis em um determinado território. Assim, os
elementos constitutivos do patrimônio territorial são considerados referentes para as pessoas que

105
reconhecimento de um produto ou serviço na forma de signo distintivo terri-
torial, tem maior potencial para contribuir no desenvolvimento territorial.
Sobre desenvolvimento, assumimos aqui a concepção expressa em Dalla-
brida (2015, p. 235):

O desenvolvimento territorial é entendido como um processo de mudança


continuada, situado histórica e territorialmente, mas integrado em dinâmicas
intraterritoriais, supra territoriais e globais, sustentado na potenciação dos
recursos e ativos (materiais e imateriais, genéricos e específicos) existentes
no local, com vistas à dinamização socioeconômica e à melhoria da qualidade
de vida da sua população.

O desenvolvimento territorial, consiste na valorização do território atra-


vés da atividade da população que nele habita, utilizando-se dos recursos e
ativos disponíveis e das habilidades dos agentes locais (DALLABRIDA, 2016).
Os signos distintivos são um meio utilizado para valorizar as característi-
cas próprias, tanto do território quanto dos produtos que nele se encontram.
Estes são distinguidos dos demais existentes, demonstrando sua originalidade
e características próprias. Assim, um signo distintivo territorial tem potencial
de contribuir no desenvolvimento de um território ou região, por difundir o
conhecimento tradicional, favorecer a reputação do meio rural, certificando a
origem do produto, valorizando os fatores naturais locais, como clima, solo,
temperatura, ou fatores humanos, como o modo de produzir. Isso remete à
abordagem sobre IG e MC.

2 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA E MARCAS COLETIVAS: QUESTÕES


CONCEITUAIS E LEGAIS

Faz-se menção, a seguir, dos dois principais institutos relacionados aos


signos distintivos territoriais: Indicação Geográfica e Marcas Coletivas.

2.1 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA

A IG constitui um direito de propriedade intelectual autônomo reconhe-


cido nacional e internacionalmente, a exemplo de uma patente ou de uma
marca. No Brasil é reconhecida pela Lei de Propriedade Industrial nº 9.279, de
14 de maio de 1996 (BRASIL,1996). Internacionalmente é reconhecida pelo
Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados
ao Comércio (em inglês, Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights –
TRIPS), da Organização Mundial do Comércio.
A IG é o nome geográfico que distingue um produto ou serviço de outros
semelhantes, devido às características diferenciadas que estão relacionadas à
sua origem geográfica, devido a aspectos naturais e/ou humanos. As IG no

habitam determinado território, que, ao mesmo tempo as identificam e servem como potencialidades no
processo de planejamento do futuro desejado, o projeto político de desenvolvimento territorial.

106
Brasil se dividem em duas espécies: Indicação de Procedência (IP) e Denomi-
nação de Origem (DO). Essa divisão permite distinguir os produtos ou serviços
que recebem uma indicação ligada somente a sua procedência, que designa o
lugar onde acontece a fabricação ou prestação de um serviço, daqueles produ-
tos ou serviços que também apresentam características específicas, incluindo
fatores naturais e humanos.
O artigo 177 da Lei 9.279/96 (BRASIL, 1996), bem como o artigo 2º, §1º
da Instrução Normativa nº 25/2013 (BRASIL, 2013) estabelecem o que consti-
tui a IP ou DO. A IP remete a um produto ou serviço, indicando o local onde
são produzidos ou prestados, independentemente de outros fatores, ou seja,
não precisando necessariamente que as condições geográficas interfiram. Ou
seja, a IP denota uma localidade que se tornou conhecida pela produção de um
determinado produto ou serviço, que associado à sua procedência acaba lhe
agregando valor. Já a DO indica ser o nome geográfico do país ou região que
designe um produto ou um serviço, cujas qualidades específicas estejam rela-
cionadas ao meio geográfico, incluindo os fatores naturais e humanos.
A DO possui um diferencial em relação à IP, por trazer maior complexi-
dade, uma vez que um produto ou serviço necessita apresentar certos requisi-
tos para possuir tal classificação, envolvendo os fatores geográficos, naturais e
humanos. Ou seja, é necessário que o meio geográfico em que acontece a pro-
dução ou prestação de serviços seja responsável pelas características específi-
cas, não sendo obrigatório que exista notoriedade do local. Já a IP se relaciona
com o aspecto de notoriedade, o qual contribui para a reputação e reconheci-
mento de um local devido às qualidades dos produtos fabricados, que serão
reconhecidos pelos consumidores.
Pimentel (2013), simplifica, explicando que a IP compreende a IG que te-
nha se tornado conhecida como centro da fama de um determinado produto e
a DO designa o próprio produto. Igualmente, a proteção estender-se-á à repre-
sentação gráfica ou figurativa da IG, bem como, à representação geográfica de
país, cidade, região ou localidade de seu território, cujo nome seja IG. Em ou-
tras palavras, na DO não basta que o produto tenha se tornado conhecido
pelas pessoas como de determinado local; é imprescindível que suas caracte-
rísticas sejam únicas devido às condições geográficas e/ou, inclusive, devido
ao savoir faire (saber fazer tradicionalmente dominado pelas pessoas do local
envolvidas).
A proteção jurídica, prevista para o instituto da IG, em primeiro lugar, vi-
sa impedir terceiros, que não cumprem os requisitos legais, de fabricar, im-
portar, exportar, vender, expor ou oferecer à venda ou ter em estoque produto
que se apresente como IG. Em segundo lugar, impede terceiros de usar, em
produto, recipiente, invólucro, cinta, rótulo, fatura, circular, cartaz ou em ou-
tro meio de divulgação ou propaganda, termos retificativos, tais como tipo,
espécie, gênero, sistema, semelhante, sucedâneo, idêntico, ou equivalente, não
ressalvando a verdadeira procedência do produto. E, em terceiro lugar, impe-

107
de terceiros de usar marca, nome comercial, título de estabelecimento, insíg-
nia, expressão ou sinal de propaganda ou qualquer outra forma que indique
procedência que não a verdadeira, ou vender ou expor à venda produto com
esses sinais. Importante destacar que o registro das IG é de natureza declara-
tória, uma vez que implica no reconhecimento de condições pré-existentes,
seja da reputação ou da influência do meio geográfico no produto (PIMENTEL,
2013).
O reconhecimento de um produto com IG se trata de uma estratégia de
qualificação, valorizando a diversidade e a singularidade de produtos enraiza-
dos em territórios específicos, podendo constituir-se em processo catalisador
de novas dinâmicas de desenvolvimento territorial, podendo ser entendido
como um processo de inovação institucional (NIEDERLE, 2014). Ou seja, a
proteção concedida a um produto ou serviço através de seu reconhecimento
como IG confere vantagens ao produtor, ao consumidor e à economia da regi-
ão, pela valorização dada ao produto, reputação do local de origem e aumento
da renda destinada ao produtor, além de atestar os níveis de qualidade de
produtos relacionados ao meio, de uma determinada área geográfica, com
impactos no desenvolvimento territorial.

2.2 MARCAS COLETIVAS

A Lei 9.276/96 em seus artigos 122 e seguintes traz a previsão legal rela-
cionada às marcas, onde preceitua que pode ser registrado como marca um
sinal distintivo visualmente perceptível, não compreendido nas proibições
legais (BRASIL, 1996). As marcas representam uma categoria múltipla de
signos distintivos compreendidos nos direitos de propriedade intelectual,
subdividindo em marcas de produtos ou serviços, marcas de certificação e
marcas coletivas. Neste estudo faz-se menção às Marcas Coletivas (MC).
O sinal distintivo denominado como marca possibilita a identificação de
um produto pelos consumidores, de modo a distingui-lo de outros semelhan-
tes. A utilização das marcas tende a ser algo vantajoso para as estratégias
empresarias, uma vez que além de diferenciar produtos ou serviços de outros
existentes no mercado, transmite confiabilidade aos consumidores. Conforme
o artigo 131 da Lei 9279/96 (BRASIL, 1996), a proteção abrange o uso da
marca em papéis, impressos, propaganda e documentos relativos à atividade
do titular, sendo que, as marcas presentes no mercado possuem formas varia-
das, impostas aos produtos como etiquetas, adesivos, rótulos, embalagens,
entre outros.
Ressalta-se que a proteção concedida às marcas é restrita ao território
nacional em que é requerida, de acordo com o princípio da territorialidade,
bem como, o pedido de marca deverá ser solicitado juntamente com a indica-
ção de quais produtos ou serviços deverá assinalar (BARBOSA; DUPIM; PE-
RALTA, 2016).

108
Com relação à proteção de marcas, regulamentada pela Lei 9.279/96, há
a previsão das MC que podem ser consideradas subespécie da categoria mar-
ca. No artigo 123, III, da Lei 9.279/96 encontra-se expresso ser Marca Coletiva
“[...] aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos de mem-
bros de uma determinada entidade” (BRASIL, 1996).
Uma MC geralmente pertence a uma associação ou cooperativa cujos
membros podem utilizar a mesma para comercializar os seus produtos. A
associação, geralmente, estabelece uma série de critérios, direitos e obriga-
ções para o uso da marca coletiva (por exemplo, padrões de qualidade) e auto-
riza cada empresa associada a utilizar a marca desde que respeite tais crité-
rios. As MC podem ser um meio eficaz para a comercialização conjunta dos
produtos de um grupo de empresas para as quais seria mais difícil levar os
consumidores a reconhecer as suas próprias marcas e/ou levarem os princi-
pais distribuidores a aceitar a comercialização dos seus produtos (BRASIL,
2013).
A MC necessita que o pedido de registro contenha o regulamento de utili-
zação, que dispõe sobre as condições e proibições de uso da marca. Tal regu-
lamento deve ser apresentado no prazo de 60 dias após o depósito, quando
este não acompanhar o pedido, nos termos do artigo 147 da Lei 9.279/96
(BRASIL, 1996). Sobre o tema, é importante transcrever os apontamentos de
Cerdan et al. (2010, p. 78):

A Marca Coletiva identifica produtos ou serviços provindos de membros de


uma determinada entidade. Este tipo de marca também tem uma função dife-
renciadora. Ela pode ser utilizada por Associações ou Cooperativas, por
exemplo, cujos associados ou cooperados elaboram produtos que são dispo-
nibilizados no mercado com uma mesma marca. Isso pode garantir uma maior
visibilidade e força à marca, o que não aconteceria se cada um dos associados
ou cooperados utilizasse uma marca própria.

Em relação às causas de extinção do registro, conforme o artigo 151 da


lei 9.279/96, a MC extingue-se quando a entidade deixar de existir, ou a marca
for utilizada em outras condições que não aquelas previstas no regulamento
de utilização (BRASIL, 1996). De acordo com o disposto nos artigos 152 e 153
da Lei 9.279/96, só será admitida a renúncia do registro de MC quando reque-
rida nos termos do contrato social ou estatuto da própria entidade, ou con-
forme o regulamento de utilização.
Ainda, a caducidade do registro será declarada se a MC não for usada por
mais de uma pessoa autorizada. Entretanto, nos termos do Artigo 154 da refe-
rida lei, mesmo se houver caducidade, a MC que já tenha sido usada e cujo
registro tenha sido extinto não poderá ser registrada em nome de terceiro,
antes de expirado o prazo de cinco anos, contados da extinção do registro.
Desse modo, as MC podem se tornar instrumento hábil para fins de pu-
blicidade de produtos ou serviços, uma vez que atestam e asseguram a quali-
dade destes. Podem ser utilizadas também como ferramenta de inovação, de

109
desenvolvimento tecnológico e econômico, contribuindo para o crescimento
de pequenas e médias empresas, devido, por exemplo, ao aumento da cliente-
la, através dos laços de confiança formados entre o empresário, seus produtos
e o consumidor.

3 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS INSTITUTOS DA INDICAÇÃO


GEOGRÁFICA E AS MARCAS COLETIVAS

Além da contextualização do tema aqui referido, por meio da revisão da


bibliografia, se teve o propósito de explicitar as principais diferenças entre os
dois institutos que servem para distinguir produtos ou serviços. A primeira
dimensão do propósito, a contextualização, está transcrita no item anterior.
Na sequência, faz-se menção às diferenças entre IG e MC.
Tanto as IG, quanto as Marcas Coletivas são sinais distintivos que possu-
em características próprias. A IG tem a função de proteger o nome geográfico,
diferenciando produtos que possuem uma origem geográfica específica de
outros semelhantes. Já a MC é usada para identificar produtos ou serviços
provindos de membros de uma determinada entidade, como por exemplo, os
que provêm de uma cooperativa ou associação.
A principal função de uma MC é identificar produtos ou serviços da enti-
dade coletiva titular da marca, tendo o direito de usá-la os membros ou asso-
ciados à entidade requerente. Após se efetuar o registro de uma MC, se garan-
te a titularidade à entidade ou associação representativa da coletividade que a
requereu, devendo tal registro ser precedido por um regulamento que conte-
nha todas as diretrizes a serem seguidas por quem decidir utilizar a marca em
seus produtos. Ademais, a vigência da proteção é de dez anos renováveis inde-
finidamente (BARBOSA; DUPIM; PERALTA, 2016).
Por outro lado, a função da IG é identificar a procedência de produtos e
serviços cuja reputação, qualidade ou outra característica se deva ao seu local
de origem, sendo de titularidade dos produtores e prestadores de serviços
locais estabelecidos no local e que satisfaçam as condições de cada espécie de
IG.
Os direitos de uso estão restritos aos produtores ou prestadores de ser-
viços estabelecidos no local, com atendimento aos requisitos de qualidade, no
caso de DO. Ainda, a vigência da proteção é indefinida enquanto existir as
condições previstas para cada espécie de IG, independente de renovação
(BARBOSA; DUPIM; PERALTA, 2016).
Para resumir as diferenças entre os dois institutos, Indicações Geográfi-
cas e Marcas Coletivas, utiliza-se contribuição de Dupim e Hasenclever (2016),
resumindo outros estudos, conforme Quadro 1.

Quadro 1- Diferenciais entre os institutos da Indicação Geográfica e Marcas Coletivas

110
Características Indicações Geográficas Marcas Coletivas
Legislação em Lei 9279/96 e Instrução
Lei 9279/96 e Instrução Normativa 25/2013.
vigor Normativa 25/2013.
Identificar a procedência de produtos e serviços Identificar produtos e servi-
Função cuja reputação, qualidade ou outra característica ços da entidade coletiva
se deva ao seu local de origem. titular da marca.
Produtores e prestadores de serviços locais
Entidade coletiva representa-
Titularidade estabelecidos no local e que satisfaçam as condi-
tiva de coletividade.
ções de cada espécie de IG.
Apresentar regulamento de uso, delimitação da
Condições para Apresentar regulamento de
área geográfica e comprovações relacionadas à
registro utilização.
espécie de IG solicitada.
Restrito aos produtores ou prestadores de servi-
ços estabelecidos no local e atendimento aos Membros ou associados à
Direito de uso requisitos de qualidade, no caso de Denominação entidade titular da marca.
de Origem.
Indefinida enquanto existir condições previstas
Vigência da Dez anos, renováveis indefi-
para cada espécie de IG, independente de reno-
proteção nidamente.
vação.

Fonte: Adaptado pelos autores, de Dupim e Hasenclever (2016, p. 170-171).

Por fim, segundo Niederle (2014), o número de IG reconhecidas no país


cresce de forma acelerada, respondendo aos anseios de produtores, técnicos e
pesquisadores em criar alternativas de diferenciação nos mercados alimenta-
res, bem como, às expectativas sociais de novos grupos de consumidores em
busca de alimentos de qualidade e origem reconhecida. Assim sendo, entende-
se que, tanto as IG quanto as MC, constituem-se em um potencial à dinamiza-
ção socioeconômica dos territórios atingidos, logo, refletindo-se no desenvol-
vimento territorial.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve por objetivo elucidar o tema relacionado aos


signos distintivos territoriais, Indicação Geográfica e Marcas Coletivas, refe-
rindo questões de ordem conceitual e legal, fazendo comparativos entre os
dois institutos, além de estabelecer relações com o desenvolvimento territori-
al. Os resultados foram mais efetivos no que se refere às duas primeiras di-
mensões, a elucidação do tema e a comparação entre os dois institutos, este
último aspecto resumido no Quadro 1. Quanto à relação com o desenvolvi-
mento territorial, o estudo apenas permitiu fazer prospecções, já que não
foram analisados dados estatísticos.
Os indicativos feitos por Dupim e Hasenclever (2016) podem servir de
parâmetro para referendar tais prospecções. Tais autores, resumindo contri-
buição do International Trade Centre, se referem à interação entre os institu-
tos da IG ou MC e os impactos sociais e econômicos nos territórios atingidos.
Destacam os autores que os impactos podem ser de diferentes categorias: (i)
na economia, estimulando a produção local, aumentando a demanda e o re-

111
torno financeiro; (ii) na empregabilidade, gerando empregos diretos e indire-
tos e diminuindo o êxodo rural; (iii) na cultura e qualidade, contribuindo na
preservação do saber fazer e melhoria da qualidade de vida; (iv) na governan-
ça do território (ou governança territorial)8, fortalecendo a cooperação regio-
nal, bem como, as instituições locais, além do aumento da capacidade de coor-
denação entre os atores do território (sociais, econômicos e/ou institucio-
nais).
Essa argumentação é reforçada por Pimentel (2013), quando afirma que
os dois institutos são promissores no fortalecimento da cooperação e promo-
ção do território, reunindo esforços, dividindo responsabilidades, otimizando
investimentos e compartilhando diferentes experiências na busca de um obje-
tivo comum. Desse modo, segundo argumenta o autor, os signos distintivos
colaboram no desenvolvimento territorial, por difundir o conhecimento tradi-
cional de determinadas regiões, melhorar a reputação do meio rural, trazendo
benefícios para a região, econômicos, culturais, bem como, ambientais, na
medida em que preservam a biodiversidade, os recursos genéticos locais e o
meio ambiente.
Ou seja, indubitavelmente, em graus diferenciados, a proteção, distinção
e maior divulgação regional e internacional de produtos e serviços com espe-
cificidade territorial, por meio dos institutos da IG ou MC, Tem potencial signi-
ficativo de promover impactos positivos na economia, na empregabilidade, na
cultura, na qualidade de vida e na governança dos âmbitos espaciais atingidos.
Em próximos estudos, pretende-se aprofundar o tema, utilizando informações
estatísticas que representem os aspectos indicados por Dupim e Hasenclever
(2016).
Por fim, é importante ressaltar que o reconhecimento ou registro de
qualquer desses signos distintivos, por si só, não é capaz de consolidar os
benefícios acima apontados, nem mesmo outros que também podem ser al-
cançados. Para tanto, faz-se necessária a participação direta de todos os atores
envolvidos, nas ações envolvidas na IG e MC, de forma integrada com o pro-
cesso de planejamento e gestão do desenvolvimento territorial.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, R. Para uma teoria dos estudos territoriais. In: VIEIRA, P. F.; CAZELLA,
A.; CERDAN, C.; CARRIÈRE. J-P (Orgs.). Desenvolvimento Territorial Susten-
tável no Brasil. Subsídios para uma apolítica de fomento. Florianópolis:
APED/Secco, 2010, p. 27-47.

8 "A governança territorial corresponde a um processo de planejamento e gestão de dinâmicas territori-


ais que dá prioridade a uma ótica inovadora, partilhada e colaborativa, por meio de relações horizontais.
No entanto, esse processo inclui lutas de poder, discussões, negociações e, por fim, deliberações, entre
agentes estatais, representantes dos setores sociais e empresariais, de centros universitários ou de inves-
tigação. Processos desta natureza fundamentam-se num papel insubstituível do Estado, numa noção
qualificada de democracia, e no protagonismo da sociedade civil, objetivando harmonizar uma visão
sobre o futuro e um determinado padrão de desenvolvimento territorial" (DALLABRIDA, 2015, p.
325).

112
BARBOSA, P. M. S; DUPIM, L. C.; PERALTA, P. P. Marcas e Indicações Geográficas:
conflitos de registrabilidade nos 20 anos da LPI. In: LOCATELLI, L. (Org). Indica-
ções Geográficas: desafios e perspectivas nos 20 anos da Lei de Propriedade Indus-
trial. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2016, p. 157-188.
BRASIL. Instrução Normativa Nº 25/2013 de 21 de agosto de 2013. Estabelece as condi-
ções para o Registro das Indicações Geográficas. Disponível em: <
http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/indicacao-geografica/legislacao-indicacao-
geografica-1> Acesso em 10/08/2016.
BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à
propriedade industrial. Diário Oficial da União. Brasília, 14 de maio de 1996.
BRUCH, K. L. B. Signos distintivos de origem: entre o velho e o novo mundo vitiviníco-
la. Programa de Pós-Graduação em Direito (Tese de Doutorado), Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul/Université Rennes I, Porto Alegre, RS / Rennes, France,
2011.
CERDAN, C. M.; BRUCH, K. L.; SILVA, A. L. (Org.) Curso de propriedade intelectual
& inovação no agronegócio: Módulo II, indicação geográfica/ Ministério da Agri-
cultura, Pecuária e Abastecimento. 2ª ed. Brasília: MAPA/Florianópolis: SE-
aD/UFSC/FAPEU, 2010.
DALLABRIDA, V. R. Território, Governança e Desenvolvimento Territorial: indicati-
vos teórico-metodológicos, tendo a Indicação Geográfica como referência. São Pau-
lo: LiberArs, 2016.
_____. Governança territorial: do debate teórico à avaliação da sua prática. Análise Social,
v. L(2º), n. 215, 2015, p. 304-328.
_____. Território. In: SIEDENBERG, D. R. Dicionário do Desenvolvimento Regional.
Santa Cruz do Sul: EDUNISC, p. 161-162, 2006.
DALLABRIDA, V. R. PULPÓN, A. R. R.; TABASCO, J. J. P. Signos Distintivos Territori-
ais, Indicação Geográfica E Desenvolvimento Territorial: uma primeira apreciação
sobre experiências na Espanha e Brasil. IX Encontro Nacional de Pesquisadores em
Gestão Social/ENAPEGS, Anais... Porto Alegre: UFRGS, 19 a 21 de maio de 2016.
DUPIM, L. C. O.; HASENCLEVER, L. Indicações Geográficas e Desenvolvimento Local
no Brasil: Estudo de Casos. In: LOCATELLI, L. (Org.). Indicações Geográficas:
Desafios e perspectivas nos 20 anos da Lei de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro,
Lumen Juris, 2016, p. 33-48.
GONÇALVES, M. F. W. Propriedade Industrial e a Proteção dos Nomes Geográficos:
Indicações geográficas, indicações de procedência e denominações de origem. Curi-
tiba: Juruá Editora, 2007.
INPI. A Criação de uma Marca. Uma Introdução às Marcas de Produtos e Serviços para
as Pequenas e Médias Empresas. Rio de Janeiro, 2013. NIEDERLE, P. A. Desen-
volvimento, Instituições e Mercados Agroalimentares: os usos das Indicações Geo-
gráficas. Desenvolvimento Regional em debate, v.4, n.2, p. 21-43, jul./dez. 2014.
PIMENTEL, L. O. Os desafios dos aspectos legais na prática de estruturação das Indicações
Geográficas. In: DALLABRIDA, V. R. Território, identidade territorial e desen-
volvimento regional: reflexões sobre Indicação Geográfica e novas possibilidades
de desenvolvimento com base em ativos com especificidade territorial. São Paulo:
LiberArs, p. 135-143, 2013.
SAQUET, M. Por uma geografia das territorialidades e das temporalidades. Uma con-
cepção multidimensional voltada para a cooperação e para o desenvolvimento terri-
torial. 2ª. Edição revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Ed. Consequência, 2015.

113
QUESTÕES AMBIENTAIS ATUAIS:
COMPREENDÊ-LAS, É PRECISO. UMA VISÃO
HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DOS PROBLEMAS
AMBIENTAIS ATUAIS1

Danielle de Ouro Mamed2


Jairo Marchesan3
Sandro Luiz Bazzanella4

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa compreender que a racionalidade ecológica atu-


al demanda um esforço teórico no sentido de vislumbrar as raízes que com-
põem sua construção. Da antiguidade até a modernidade, notadamente, foram
construídos e modificados os discursos sobre as relações entre sociedade e
natureza, culminando no pensamento ecológico atual, que se reflete nas políti-
cas públicas voltadas a esta finalidade. Diante disto, busca-se analisar alguns
aspectos sobre a reflexão das sociedades humanas a respeito da natureza,
desde a antiguidade, com a ideia de physis na Grécia antiga, até as transforma-
ções trazidas pela modernidade, para então analisar as tendências da ecologia
atual. A partir de tais análises, busca-se vislumbrar quais os principais com-
ponentes da lógica ambiental na contemporaneidade.

CONCEITOS TEÓRICOS E SUA COMPREENSÃO

No que tange à compreensão da natureza na antiguidade, destaca-se a


noção de physis grega. Segundo Koike (1999, p. 167), esta ideia é apresentada

1 Esta pesquisa é parte integrante do Estágio Pós-Doutoral da primeira autora, no âmbito do Programa
de Mestrado em Desenvolvimento Regional, na Universidade do Contestado, com financiamento da
CAPES.
2 Advogada. Doutora em Direito Econômico e Socioambiental (PUCPR). Professora em estágio pós-
doutoral na Universidade do Contestado (UnC) – Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regio-
nal. Santa Catarina. Brasil. E-mail: mamed.danielle@gmail.com
3 Graduado em Estudos Sociais. Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina,
Professor na Universidade do Contestado (UnC) – Programa de Mestrado em Desenvolvimento
Regional (Santa Catarina. Brasil.) e professor efetivo da Escola Estadual de Educação Básica Professor
Olavo Cecco Rigon em Concórdia (Santa Catarina, Brasil). E-mail: jairo@unc.br
4 Filósofo. Doutor em Desenvolvimento Regional, com atuação no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional da UnC. Santa Catarina. Brasil. E-mail: sandro@unc.br

115
em tempos atuais como natureza, não sendo este, no entanto, o sentido atribu-
ído pelos antigos. De acordo com o autor, é possível pensar que a physis grega
designava a própria realidade ou manifestação do real, porém numa dimensão
muito mais abrangente, já que contempla aspectos metafísicos como a gênese,
a essência, a substância e a forma das coisas, incluindo componentes psíquicos
e espirituais (1999, p. 167-176). A participação desses elementos de natureza
metafísica, no entanto, é fragilizada com o advento da modernidade.
Como parte das transformações proporcionadas pelo pensamento mo-
derno a respeito da natureza destaca-se a fragmentação das ciências, retiran-
do qualquer caráter subjetivo que pudesse a elas estar vinculado. Nesse senti-
do, Prigonine e Stengers (1991, p. 1) concluem que o ser humano assume a
posição de um estranho ao mundo que descreve. A partir da modernidade, fica
latente a ideia nuclear de que as ciências devem servir à construção de um
conhecimento hegemônico voltado à dominação e modificação da natureza.
Deste modo, a metamorfose da ciência consiste na perda de interesse pelos
fenômenos imutáveis ou estáveis, para dar lugar ao debate diante das evolu-
ções, crises e instabilidades (PRIGONINE e STENGERS, 1991, p. 4), focando-se
na finalidade explícita de modificar a natureza conforme os interesses das
sociedades.
Como componente do pensamento ecológico atual, há que se considerar
que há uma influência de alguns ciclos históricos que podem ser resumidos,
grosso modo, como: a) o ideário de superação do atraso pela tentativa de inte-
grar-se na economia pela exploração primária dos recursos naturais; b) Após
séculos de exploração, a influência que rege as questões ambientais volta-se à
identificação e superação dos problemas ambientais, cuja solução advém de
uma proposta inserida por um agente externo: primeiramente, as políticas
preservacionistas e, após a verificação de sua inviabilidade, as políticas de
desenvolvimento sustentável; c) Visualizada a sua insuficiência, vê-se a cria-
ção de novas e velhas soluções, sendo a mais atual a economia verde e sua
ideologia de mercantilização da natureza (MAMED, 2016).

OBJETIVO DO ESTUDO

Analisar a formação e influência do pensamento na antiguidade e na mo-


dernidade e seus reflexos nas relações entre sociedades e natureza contempo-
rânea, identificando os alcances e limites das questões ambientais contempo-
râneas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa utilizou-se de metodo dedutivo, adotando-se o pro-


cedimento monográfico e a pesquisa bibliográfica para lograr o objetivo pro-
posto. O presente texto reflete parte dos estudos realizados no âmbito de Es-

116
tágio Pós-Doutoral, que embasarão a pesquisa principal, a ser apresentada ao
término do período.

ANÁLISES E RESULTADOS

A concepção utilitarista da natureza a partir da modernidade representa


uma ruptura com o pensamento antigo de physis que incluía a essência da
existência em suas análises. Tal desligamento é refletido de forma clara, no
pensamento ecológico contemporâneo, o que fica demonstrado mesmo nas
concepções atuais de desenvolvimento sustentável, cujo ideário busca vincu-
lar o cuidado com o meio ambiente às necessidades sociais e aos interesses
econômicos, com um acentuado predomínio dos interesses de mercado frente
à preservação do meio ambiente.
Na análise da conformação do pensamento ecológico atual, portanto, de-
monstra-se a presença de um ou outro elemento refletindo este histórico em-
bate entre diferentes concepções de natureza ao longo da história, incluindo a
persistente separação entre humanidade e natureza. Desde a antiguidade, as
sociedades debatem-se sobre sua condição de parte indissociável ou agente
externo ao meio natural, oscilação observada ao longo da história e refletida
nos modos de ser, fazer e viver das sociedades, refletidos na ecologia contem-
porânea. Na sociedade atual, vê-se algumas tentativas de recuperar o vínculo
com a essência da natureza, ao mesmo tempo que em que é observada a tenta-
tiva de impor uma racionalidade cada vez mais especializada e que pressupõe
a mercantilização dos elementos ambientais.

PRINCIPAIS CONCLUSÕES

Não há como se pretender analisar o status quo atual da questão ambien-


tal sem considerar a gênese da ideologia que o sustenta. Realizar tal análise é
uma tarefa extremamente complexa e que demanda um esforço de resgatar
concepções de longa data que surgiram e se repetem ao longo da história. Da
análise realizada, vê-se que o antigo dilema do ser humano de se incluir como
parte da natureza ou como agente exterior a ela continua latente na humani-
dade. A ideologia hegemônica, ao mesmo tempo que se apresenta como inter-
pretação da realidade, também se mostra como imposição que busca criar
soluções para a conflituosa relação entre ser-humano e natureza. Pensar como
tais conflitos precisam ser resolvidos na sociedade atual talvez seja um cami-
nho para superar a crise ecológica do tempo presente.

POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES PRÁTICAS

A reflexão proposta traz como contribuição prática o despertar das ciên-


cias para a compreensão da gênese do pensamento ambiental através de uma
perspectiva histórica. Muito se fala da questão ambiental e dos dilemas que
esta impõe à sociedade, porém, comumente as análises se restringem a aspec-

117
tos pontuais que não contemplam a origem dos problemas enfrentados. Deste
modo, pensar a questão ambiental através de um resgate do pensamento eco-
lógico ao longo do tempo é um esforço que poderá contribuir para o necessá-
rio aprofundamento da temática e para a busca de soluções realmente eficazes
para a gestão dos recursos naturais.

REFERÊNCIAS

KOIKE, K. Aspectos da physis grega. In: Revista perspectiva filosófica. V. VI, n. 12, jul-
dez, 1999.
MAMED, D. O. Pagamentos por Serviços Ambientais e mercantilização da natureza na
sociedade moderna capitalista. Paraná, 2016. Tese (Doutorado em Direito) – Pon-
tifícia Universidade Católica. Curitiba, 2016.
PRIGONINE, I.; STENGERS, I. Nova Aliança: Metamorfose da ciência. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1991.

118
PROGRAMA ENSINO MÉDIO INOVADOR:
EXPECTATIVAS DOS ESTUDANTES E
ARTICULAÇÕES COM O DESENVOLVIMENTO
REGIONAL1

Janete Paiter de Souza2


Argos Gumbowsky3
Maria Luiza Milani4

INTRODUÇÃO

A premência da melhoria na qualidade do tempo e espaço da aprendiza-


gem do aluno estipulou uma nova investida no Ensino Médio em 2010, com a
criação do Ensino Médio Inovador (EMI). O Programa de Educação Integral,
atendendo ao Decreto Federal nº 7.083/2010, no seu artigo 1º, em adição às
Diretrizes Nacionais do Ensino Médio, alvitra a visão da educação interdimen-
sional como espaço exclusivo do exercício da cidadania e propõe o protago-
nismo juvenil como um traço importante de sua estratégia educativa.
Aliado a este cenário, tem-se a crise educacional cujas raízes históricas
estão efetivadas na evasão e reprovação escolar que, em sua essência metodo-
lógica e conteudista, confronta-se com as tendências da educação no século
XXI.

OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente relato é resultado de pesquisa que versou sobre a implanta-


ção do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI) em duas escolas públicas
de Educação Básica na 25ª Gerência de Educação (GERED). Teve por objetivo
analisar como se desenvolveu a operacionalização do Programa Ensino Médio
Inovador nas escolas públicas da 25ª GERED.

1 Estrato da Dissertação intitulada: Um olhar sobre a implantação do Programa Ensino Médio Inovador
(ProEMI) em duas escolas públicas da 25ª Gerência de Educação: uma análise
2 Pedagoga. Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade do Contestado. E-mail:
janetepaiter@gmail.com
3 Doutor em Educação e professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da
Universidade do Contestado. E-mail: argosgum@gmail.com
4 Doutora em Serviço Social e professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da
Universidade do Contestado. E-mail: marialuiza@unc.br

119
Tratou-se de um estudo bibliográfico, de campo, exploratório, documen-
tal, quali e quantitativo. Utilizou-se a escala de Likert. Relata-se o resultado da
pesquisa realizada com 317 alunos de 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio Ino-
vador da EEB Almirante Barroso e; EEB Santa Cruz de em Canoinhas-SC.

ANÁLISE E RESULTADOS

As novas Diretrizes Curriculares do Ensino Médio e o Decreto Federal nº


7.083/2012, foram acolhidos pela Secretaria de Estado da Educação de Santa
Catarina (SED), a partir de 2012. Viabilizou-se a ampliação e a consolidação do
Ensino Médio Integral em 95 escolas da rede de ensino pública estadual. No
ano de 2010, quando 18 escolas iniciaram as atividades do ProEMI, o número
de alunos somava 2.246 matriculas; em 2014, 130 escolas catarinenses ofere-
ciam esta modalidade contando com 16.370 alunos.
Os estudantes ao serem questionados sobre as expectativas em relação
aos estudos ou trabalho, após a conclusão do Programa Ensino Médio
Inovador, evidenciaram: 32,8% concordam plenamente que o EMI contribui
para a formação de jovens conscientes para o exercício da cidadania; 38,2%
que promove melhores perspectivas de inclusão dos jovens no mercado de
trabalho; 41% que propicia melhores perspectivas para ingresso no Ensino
Superior; 47% que melhora o desempenho do Exame Nacional do Ensino Mé-
dio (ENEM); 30,9% dos Jovens avaliam que o curso contriubui com intenções
futuras em interagir e contribuir para o desenvolvimento regional; apenas
28,7% consideram que estimula o empreendedorismo.
O desenvolvimento de uma região está também vinculado ao processo
educacional. A sociedade contemporânea baseia-se no conhecimento e suas
variações. A concepção de educação deve voltar-se ao desenvolvimento local.
Nesta perspectiva, cabe indagar se a educação está formando pessoas que
atendam às necessidades da territorialidade.
O sentido de educação inovadora voltada ao desenvolvimento regional
reporta-se aos estudos educativos da comunidade e região, onde as vivências
baseadas no cotidiano resultam em questionamentos e estudos desses espa-
ços em sala de aula. Através das viagens de estudos oferecidas aos alunos que
frequentam o ProEMI, é possível estimular o educando a desenvolver sua
autonomia, espírito crítico e curiosidade na construção do conhecimento de
sua região.
De acordo com Miranda (2010, p. 623), “[...] a geração de significados e
sentidos que conformam identidades e pressupõem aprendizagens, a partir de
experiências com o espaço urbano, assumem papel fundamental”. Assim, para
modificar o espaço onde vive, é necessário conhecê-lo, o que propõe Dietzsch
(2006, p. 734), quando afirma que:

Se pensarmos a cidade menos como cidadela, e mais como fonte e núcleo de


irradiação cidadã, como tarefa pedagógica de todos e de cada um, talvez pos-

120
samos avançar um pouco mais. Por enquanto seria precipitado concluir que a
educação vem enfrentando, a contento, o desacordo citadino. Porque não bas-
ta ensinar na cidade; é preciso ensinar a cidade.

Dietzsch (2006) explicita seu pressuposto: é preciso conhecer o território


onde vive para poder participar, interagir e ajudar a transformar. Em adição,
propõe-se discutir de forma propositiva a função da educação na promoção do
desenvolvimento, problematizando a educação na égide do desenvolvimento
da região.
Espera-se que a escola cumpra com seu papel social para a formação da
cidadania. O percurso formativo envolve perspectivas dos jovens na dimensão
histórica e social, nas quais o fazer pedagógico precisa estar em consonância
com os sujeitos. A necessidade de formar cidadãos capazes de interagir no seu
entorno promove iniciativas de origens variadas e complexas, das quais a
educação é o trampolim necessário para essa transformação.
Em síntese, o desafio de mesclar a educação na história do desenvolvi-
mento de uma região torna-se cada vez mais difícil e necessário. Efetivamente,
a educação para o desenvolvimento é um processo dinâmico e participativo,
que envolve a triangulação de escola, sociedade e governo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Programa: Ensino Médio


Inovador – Documento Orientador. Brasília, set. 2009.
______. Portaria nº 971, de 09 de outubro de 2009. Institui o Programa Ensino Médio Ino-
vador. Diário Oficial da União. Brasília, 13 out. 2009.
______. Presidência da República. Casa Civil. Decreto nº 7.083, de 27 de janeiro de 2010.
Institucionaliza o Programa Mais Educação. Brasília, DF, 2010. Diário Oficial da
União - Seção 1 - Edição Extra - 27/1/2010, p. 2.
DIETZSCH, M. J. M. Leituras da Cidade e Educação. Caderno de Pesquisas. São Paulo,
v.26, n.129, p.5-14, set./dez. 2006.
ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA SANTA CRUZ. Projeto Político Pedagógico - Canoi-
nhas, junho de 2012.
MIRANDA, S. R. Olhares sobre a cidade, atravessados pelo tempo: o urbano em seus sub-
terrâneos educativos. In: SANTOS, L. L. C. P. et al. (Org.). Convergências e ten-
sões no campo da formação e do trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica,
2010.

121
IDEB: IMPORTANTE MECANISMO PARA
PERCEBER A EDUCAÇÃO EM DIFERENTES
CONTEXTOS

Rosimari de Fátima Cubas Blaka1

INTRODUÇÃO

O tema Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) aborda os


resultados da qualidade do ensino por meio da avaliação em larga escala rea-
lizada nos 03 (três) últimos processo educacionais nos municípios integrantes
do Planalto Norte Catarinense: Canoinhas, Bela Vista do Toldo, Major Vieira e
Três Barras. A observação destes municípios ocorre pelo curso de pedagogia
da Universidade do Contestado (UnC), Campus Canoinhas (SC), que contempla
maior abrangência de acadêmicos em sua formação pedagógica.
A partir da década de 90 o Ministério da Educação - MEC instituiu através
do INEP o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e a Prova
Brasil que são avaliações externas que verificam os resultados das políticas
educacionais implementadas para melhorar a qualidade da educação. A Prova
Brasil é uma medida de avaliação comum a todas as unidades escolares e alia-
da as taxas de rendimento do Censo Escolar, que norteiam o IDEB.
De acordo com Freitas (2007, p. 19), “A avaliação é uma atividade orien-
tada para o futuro. Avalia-se para tentar manter ou melhorar nossa atuação
futura”. Essa é a base da distinção entre medir e avaliar. Medir refere-se ao
presente e ao passado e visa obter informações a respeito do progresso con-
quistado pelos estudantes. Avaliar refere-se à reflexão sobre as informações
obtidas com vistas a planejar o futuro.
As avaliações externas, consideradas em larga escala, realizadas pelo
MEC a cada 02 (dois) anos, oferecem dados que não avaliam individualmente
o aluno, mas a classe como um todo, informando a etapa e nível de ensino, por
escola, rede de ensino e sistema escolar, possibilitando amplos objetivos para
a melhoria da qualidade do ensino, de acordo com CENPEC (2007, p.10):

As avaliações nacionais são cada vez mais comuns na maioria dos países da
América Latina. Embora seus resultados ainda pouco influenciem as políticas
educacionais adotadas, é possível observar que as avaliações têm uma inten-
ção nobre: acompanhar como anda o direito de aprender dos alunos.

1Pedagoga, Professora e Coordenadora do Curso de Pedagogia. Mestre em Desenvolvimento Regional.


pela Universidade do Contestado. E-mail: rosimaricubas@yahoo.com.br.

123
OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O objetivo deste estudo é apresentar os últimos resultados do IDEB 2011,


2013 e 2015 dos 04 (quatro) municípios integrantes do Planalto Norte Catari-
nense de abrangência da UnC – Canoinhas, citando Canoinhas, Bela Vista do
Toldo, Major Vieira e Três Barras.
Para obtenção dos dados utilizou-se de pesquisa investigativa e biblio-
gráfica, buscando indicadores que apresentam os avanços obtidos pelos muni-
cípios na Educação Básica Pública, Ensino Fundamental - anos iniciais e finais;
como também, os desafios a serem superados pelas redes de ensino Estadual e
Municipais e as metas a serem atingidas a cada etapa de avaliação. Os resulta-
dos proporcionam mecanismos importantes para a gestão pública planejar e
investir em melhorias na organização administrativa e pedagógica. E que estes
podem ser utilizados como parâmetros para o acompanhamento e a avaliação
da qualidade do ensino e aprendizagem.

ANÁLISE E RESULTADOS

Os procedimentos adotados para pesquisar e identificar os resultados do


IDEB dos municípios citados estão pautados nos dados oficiais do INEP/MEC.
O que se busca com esse processo amplo de avaliação é a complementa-
ridade entre a avaliação individual, realizada pelo professor em sala de aula e
a avaliação educacional que demonstra, amplamente, as competências de
aprendizagem adquiridas pelos alunos através dos indicadores do IDEB. Para
obtenção desses resultados conta-se com a Prova Brasil, realizada no ensino
fundamental, 5º e 9º anos, finalizando cada etapa deste nível de ensino, utili-
zada para o acompanhamento da aprendizagem coletiva dos alunos.
Mediante a análise dos dados dos 04 (quatro) municípios estudados e su-
as respectivas avaliações, e observando os dados disponibilizados pelo INEP
sobre o número de participantes na Prova Brasil, percebe-se avanços nos re-
sultados e até superação das metas projetadas nos municípios de Canoinhas e
Três Barras, entretanto, verifica-se também que houve número de alunos
insuficientes nos municípios de Bela Vista do Todos e Major Viera para a reali-
zação das provas, não sendo possível obter resultados, como se pode observar
no Quadro 1.
As possibilidades de análises das informações sobre o IDEB dos municí-
pios pesquisados são amplas, multifacetadas e diversificadas. Mediante as
etapas do processo de pesquisa, pode-se destacar o contexto socioeconômico
das comunidades envolvidas, baixo Índice de Desenvolvimento Humano Mu-
nicipal - IDHM, bem como, os percentuais de professores habilitados para
atuar na Educação Básica de acordo com o INEP/MEC. Também ficam eviden-
tes os desafios que precisam ser superados através de atividades pedagógicas
e administrativas direcionadas a cada contexto educacional, nos municípios
referenciados. Diante dessa realidade entende-se que há necessidade de in-

124
vestimento púbico financeiro e de formação para atingir amplamente todos os
municípios, pois as dificuldades de conseguir crescimento nos índices educa-
cionais não é realidade somente dos municípios pesquisados, e sim, situação
comum da educação básica nacional.

Quadro 1- Situação do IDEB nos municípios estudados

Anos Iniciais Anos Finais


Ensino Fundamental Ensino Fundamental
MUNICÍ- IDEB IDEB IDEB Meta Meta IDEB IDEB IDEB Meta Meta
PIOS 2011 2013 2015 2015 2021 2011 2013 2015 2015 2021
Canoinhas 5.8 5.9 6.4 5.8 6.5 4.7 4.6 5.3 5.3 6.0
Bela Vista 5.1 * ** 5.6 6.3 4.7 * ** 4.8 5.5
do Toldo
Major 5.3 * 5.8 5.3 6.1 4.5 4.2 5.1 5.0 5.8
Vieira
Três Barras 4.9 4.6 5.2 5.2 6.0 4.2 3.8 4.2 4.5 5.3

Fonte: INEP/MEC
* Número de participantes na Prova Brasil insuficiente para que os resultados sejam divulgados.
** Sem média na Prova Brasil 2015: Não participou ou não atendeu os requisitos necessários para
ter o desempenho calculado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).


Disponível em www.inep.gov.br. Acesso em 30 de Setembro 2016.
CENPEC. A Prova Brasil na escola: material para professores, coordenadores pedagógicos e
diretores de escolas de ensino fundamental. São Paulo, 2007. Disponível em:
http://coordenacaoescolagestores.mec.gov.br/ufsc. Acesso em: 10 de julho de 2016.
FREITAS, L. C.; FERNANDES, C. O. Indagações sobre currículo: currículo e avaliação.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007 (Organização
do documento: Jeanete Beauchamp; Sandra Denise Pagel; Aricélia Ribeiro do Nas-
cimento).

125
SEGUNDA PARTE

DESAFIOS, POSSIBILIDADES E PROSPECÇÕES SOBRE


DESENVOLVIMENTO EM OUTROS ESTADOS DO BRASIL

127
PERCEPÇÃO DA SOCIEDADE SOBRE A
IMPORTÂNCIA DO TURISMO NO
DESENVOLVIMENTO LOCAL: UMA ANÁLISE
DO MUNICÍPIO DE PIRAQUARA/PR

Jorge Amaro Bastos Alves1

INTRODUÇÃO

Este artigo buscou identificar a contribuição do turismo no desenvolvi-


mento local e preservação da paisagem e mananciais. Fez-se um estudo no
sentido de se analisar como a sociedade piraquarense vê a atividade turística
no município de Piraquara, localizado no estado do Paraná, na porção leste da
Região Metropolitana de Curitiba (RMC), e também, de que forma o turismo
pode contribuir para se firmar como uma das estratégias relevantes de desen-
volvimento local.
Em termos metodológicos, analisou-se o tema com intuito de levantar
dados e formular análises utilizando-se de pesquisa bibliográfica realizada em
livros, periódicos especializados e outras publicações, pertinentes ao tema, de
pesquisa documental em arquivos da Prefeitura Municipal de Piraquara e
também da pesquisa descritiva, pois os fatos foram registrados, classificados e
interpretados, sem interferência do pesquisador. Os dados analisados foram
extraídos de um estudo monográfico feito pelo autor mediante coleta de dados
primários junto a sociedade piraquarense baseado no critério de relevância
para a pesquisa. A amostra foi estratificada entre os representantes dos Pode-
res Legislativo e Executivo do município, membros da iniciativa privada –
proprietários de estabelecimentos ligados a economia do turismo – e cidadãos
vinculados direta ou indiretamente com o turismo no município. A população
da pesquisa constou de um total de 17 entrevistados dentre 22 questionários
entregues em mãos e/ou via e-mail. Utilizou-se como instrumento de coleta de
dados um questionário contendo 14 questões sendo 5 abertas, 7 fechadas e 2
mistas2 (ALVES, 2008).

1Economista (UFSC), Doutorando em Ciência e Tecnologia Ambiental (UNIVALI), Mestre em


Desenvolvimento Regional (UnC) e Especialista em Planejamento e Gestão do Turismo (UFPR). E-
mail: jamaro91@yahoo.com.br
2 Estudo monográfico realizado no curso de especialização em Planejamento e Gestão do Turismo da
Universidade Federal do Paraná disponível em: https://works.bepress.com/jorgeab_alves/11/download/.

129
Julga-se relevante esse estudo, dado que, o desenvolvimento turístico de
uma região se torna desafio para os gestores públicos e privados, e cada vez
mais, a sustentabilidade de um destino turístico depende de uma gestão com-
partilhada entre o setor privado, o Estado e a comunidade local. Importante
frisar que, o tema desse estudo tem “o turismo como objeto de estudo [que] é
constituído por um centro no qual as diferentes disciplinas se entrelaçam”,
promovendo assim, um encadeamento de conhecimentos interdisciplinares
(DENCKER, 1998).
Atinente a isso, destaca-se que, os princípios indutores do desenvolvi-
mento do turismo são intrínsecos ao desenvolvimento econômico, e nesse
sentido, a diferenciação básica entre os conceitos de desenvolvimento e cres-
cimento econômico são caracterizados respectivamente pelos aspectos da
qualidade e da quantidade. Portanto, o desenvolvimento das cidades e regiões
é estabelecido, entre outras coisas, pelas transformações que ocorrem no re-
gime econômico em vigor ao longo do tempo, meneado principalmente pela
economia do país, e, principalmente em tempos de globalização, pela mundial.
Ademais, o turismo pode contribuir na geração de emprego, renda, de-
senvolvimento local e preservação da paisagem e mananciais, o que acarreta
numa rede de causas e efeitos entre a ecologia, a economia, e particularmente,
o turismo, envolvendo principalmente a indústria turística, defensores do
meio ambiente e comunidade (OMT, 2003). Diante disso, as tradicionais des-
crições do turismo (características dos visitantes, motivações de sua visita,
etc.) têm sido complementadas – e se tornando mais interessantes para a ad-
ministração pública e para a sociedade – em função da importância da realiza-
ção de estudos com caráter econômico.
Não obstante, devido à preocupação com a qualidade de vida presente
nas sociedades pós-industriais o turismo juntamente com o lazer, a cultura, as
artes, o esporte pode ser, conforme Barros (2005), a única alternativa para o
desenvolvimento local, sendo seriamente considerado por governos, estudio-
sos e comunidades.
Assim, crê-se que os gestores devam almejar em analisar o turismo sob a
ótica do Desenvolvimento Local, ou seja, verificar que tipos de turismo devem
ser desenvolvidos para que estes proporcionem desenvolvimento no sentido
amplo da palavra, no que concernem as diversas dimensões do desenvolvi-
mento sustentável, quais sejam, a econômica, a social, institucional e a ambi-
ental.
Em razão disso, esse artigo se mostra atual e importante, cuja temática
assentada no desenvolvimento local e turismo sustentável vêm despertando
interesse de estudiosos do turismo, bem como, de outros profissionais afetos a
sua multidisciplinaridade.
Estruturou-se esse artigo em quatro seções além dessa introdução, sendo
que na primeira se abordam as motivações para o turismo e na segunda seção
pontua-se a questão do turismo como atividade econômica. A terceira seção

130
abrange a administração pública, a questão ambiental e a sustentabilidade da
atividade turística, enquanto na quarta parte se faz uma análise do desenvol-
vimento do turismo no município de Piraquara, seguindo-se as considerações
finais.

MOTIVAÇÕES PARA O TURISMO

Num conceito abrangente, o turismo é dito como sendo um fenômeno


que envolve viagens. Porém, quando se pesquisa sua origem, o turismo é fla-
grado já em tempos remotos da civilização do homem. Um dos motivos consti-
tutivos para esse aparecimento primitivo do turismo segundo Alves (1987, p.
14) é que, “A curiosidade, inata no ser humano, fez dele um turista, mesmo
antes de existir o turismo organizado.” Além disso, complementa o autor, o
homem na antiguidade era também motivado a viajar por interesses político e
comercial ou por sentimentos religiosos.
A expansão do turismo notadamente como atividade econômica se inten-
sificou a partir do final da Segunda Guerra Mundial, em função de alguns fato-
res, tais como, a evolução da legislação social (tempo de trabalho, repouso
semanal, férias anuais remuneradas, etc.); a elevação do nível educacional,
com a abordagem de conhecimentos que passaram a despertar o interesse por
conhecer outros lugares no mundo e melhoria nos sistemas de transportes,
incluindo a evolução da aviação comercial e dos acessos rodoviários e ferrovi-
ários (GARRIDO, 2001).
Nos dias de hoje, a demanda turística se estabelece, não só pelo sentido
de lazer do homem, mas também, pelo fato da modernidade e o desenvolvi-
mento tecnológico, aliado a crescente disputa mercadológica do homem pela
busca de sua sobrevivência econômico-financeira, imporem um ritmo de tra-
balho exaustivo ao homem moderno. Esse contexto guinda o turismo a uma
posição de atividade profícua, pela simples razão que o homem necessita pe-
riodicamente renovar sua mente e energia, para que possa mantê-las saudá-
veis.
Nesse contexto, surgiram demandas por novos interesses de viagens, a
exemplo de diferentes formas de esportes e lazer, intercâmbio cultural, visita
a sítios históricos revitalizados e a parques naturais, desencadeando o proces-
so de segmentação do turismo, que colabora grandemente para a expansão e
especialização do setor. Para Barros (2005), esses novos motivadores princi-
palmente nas sociedades pós-industriais fizeram com que o turismo se desen-
volvesse até se tornar atualmente, uma das atividades econômicas mais im-
portantes em nível regional e global.
Nesse aspecto, o caráter econômico do turismo é sem dúvida eloquente,
mas a inegável e clara importância das demais variáveis que perfazem o tu-
rismo levou a Organização Mundial de Turismo (OMT) a estabelecer uma de-
finição mais ampla e holística do turismo que “[...] compreende as atividades
que realizam as pessoas durante suas viagens e estadas em lugares diferentes

131
ao seu entorno habitual por um período consecutivo inferior a um ano com
finalidade de lazer, negócios ou outras” (OMT, 2001, p. 3).

A ECONOMIA DO TURISMO

No que tange a atividade econômica, cabe frisar que o turismo envolve a


prestação de serviços, que o caracteriza como uma atividade terciária, não
permitindo conceituá-lo como indústria, uma vez que no turismo, a matéria-
prima, no caso os atrativos turísticos, não são processados, ou seja, na indús-
tria a matéria-prima obtém-se de recursos naturais e no turismo é fornecida
pelos atrativos.
Isto não significa, no entanto, que os atrativos não agreguem valores ao
se transformarem em produtos competitivos e estimularem fluxos de pessoas,
sendo, portanto, uma complexa atividade socioeconômica, que gera a produ-
ção de bens e serviços para o homem, visando à satisfação de diversas neces-
sidades básicas e secundárias.
Em termos econômicos, duas dimensões importantes podem ser estabe-
lecidas no contexto do turismo: a primeira se refere à chamada “indústria do
turismo”, formada pelo conjunto de empresas prestadoras de serviços (hos-
pedagem, alimentação, transporte, agenciamento, entretenimento entre ou-
tros) que compõem o produto turístico e atendem às necessidades de seus
consumidores, os turistas. Nessa dimensão são estabelecidas as relações seto-
riais diretas de produção; a segunda dimensão é denominada “economia do
turismo”, que assume um aspecto mais amplo, pois, relaciona-se direta e indi-
retamente com outros setores produtivos, na condição de induzidor ou pro-
vedor de demandas, gerando agregados à renda e ao produto nacional (GAR-
RIDO, 2001, aspas no original).
Para Petrocchi (2001), o turismo é uma atividade econômica geradora de
emprego e renda e tornou-se um fenômeno que compreende vários aspectos
da sociedade. Sendo assim, o turismo sofre influência de variáveis sociais,
políticas, econômicas, demográficas, geográficas, culturais, entre outras, tanto
da região de destino como da região de origem do turista.
No ano 2009, as atividades características do Turismo no Brasil geraram
um total de R$ R$ 213,3 bilhões de valor bruto da produção (VBP) 3. Como são
atividades de serviços, é possível medir sua participação no total do valor
bruto da produção de serviços no país que foi de 7,3%. Na comparação com o
total da economia brasileira, a produção das Atividades Características do
Turismo representou 3,9% (IBGE, 2012).
No que tange a ótica da atividade econômica, o turismo é definido “[...] a
partir da perspectiva de demanda, ou seja, como o resultado econômico do

3 VBP é a expressão monetária que soma todos os serviços turísticos produzidos no país. Nesse valor
tem a chamada “dupla contagem”, pois soma os produtos finais com os insumos usados em sua
produção. É diferente, portanto, do Valor Agregado Bruto (VAB), que é o valor da produção sem
duplicações, que se obtém descontando do VBP, o valor dos insumos utilizados no processo produtivo.

132
consumo dos visitantes” (IBGE, 2008, p. 9). Assim, é possível avaliar o impacto
direto e indireto gerado pelo turismo na economia de um país ou região, utili-
zando-se métodos que permitem quantificar os gastos efetuados pelos turis-
tas. Uma das técnicas é o efeito multiplicador do gasto turístico que se baseia
no número de vezes que esse gasto circula na economia local.
A matriz do efeito multiplicador elaborada por Inskeep (1991, p. 388)
apud Garrido (2001, p. 34), a partir de informações provenientes da OMT,
aponta três modalidades de gastos turísticos: gastos diretos, isto é, serviços ou
produtos comprados diretamente pelo turista, gastos efetuados pelas empre-
sas turísticas e, os beneficiados finais, ou seja, os diversos prestadores de ser-
viços que representam as atividades econômicas que indiretamente estão
incorporadas na atividade turística (FIGURA 1).

Figura 1 – Matriz de Inskeep

Fonte: Garrido (2001, P. 34).

133
PLANEJAMENTO PÚBLICO, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE

O desenvolvimento das cidades e regiões é estabelecido, entre outras coi-


sas, pelas transformações que ocorrem no regime econômico em vigor ao
longo do tempo, meneado principalmente pela economia do país, e, princi-
palmente em tempos de globalização, pela economia mundial. Outros fatores
importantes para o desenvolvimento local e regional são o planejamento e as
políticas públicas adotadas pelo poder público.
O turismo é um fenômeno que tem forte impacto positivo na economia,
porém, a despeito dos benefícios econômicos, a atividade turística pode pro-
vocar uma série de efeitos indesejáveis. Entre esses efeitos, pode-se citar a
concentração de renda, descaracterização de culturas frágeis, discriminação
social, impactos ambientais negativos e ainda conflitos entre turistas e a co-
munidade anfitriã local.
Por conseguinte, no que tange ao meio ambiente, o desenvolvimento tu-
rístico de forma geral também é conflitante, podendo causar problemas ambi-
entais, como, destruição da paisagem, impactos ecológicos sequenciais, polui-
ção das águas, entre outros.
Assim, para haver turismo que traga além de benefícios econômicos, a
conservação e preservação do patrimônio natural, é necessário uma infraes-
trutura, não necessariamente grande, mas, que seja eficaz. Todavia, para que o
gestor público possa fazer frente a isto, faz-se necessário um planejamento,
que uma vez elaborado, terá esse gasto provisionado em seu orçamento. Nes-
se contexto, Boullón (2002) ressalta que a estrutura turística proporcionada
pelo setor público, em geral, enfrenta problemas decorrentes da falta de or-
çamento, o que dificulta a realização de investimentos necessários à manuten-
ção ou qualificação da infraestrutura urbana e turística.
É fato, que o turismo quando planejado corretamente, contempla os re-
cursos naturais de maneira a causar o mínimo impacto possível, interage bem
com a população local e obviamente, torna-se uma atividade rentável para os
proprietários dos recursos que geram as atividades turísticas. A junção desses
três fatores denomina-se turismo sustentável4.
Diante disso, três aspectos devem ser considerados, quando se menciona
a complexidade do fenômeno turístico, conforme Magalhães (2002): o primei-
ro diz respeito à satisfação das necessidades dos turistas; o segundo se refere
à população residente, no que tange aos custos e benefícios que o turismo
pode lhe trazer, e por último, a conservação dos patrimônios culturais e ambi-
ental que, na maioria das vezes, é o motivo do deslocamento do turista. É fun-
damental, portanto, que para um município obter sucesso na dinamização

4 Turismo Sustentável é definido pelo Acordo de Mohonk (New Paltz/EUA), como sendo aquele que
busca minimizar os impactos ambientais e socioculturais, ao mesmo tempo que promove benefícios
econômicos para as comunidades locais e destinos - regiões e países (ECOBRASIL, 2016).

134
econômica e turística em seu território deve colocar o turismo como parte do
debate no planejamento municipal.
É necessário, por conseguinte, entender o turismo segundo uma nova vi-
são estratégica de desenvolvimento que visa maximizar as potencialidades
locais que sejam capazes de aproveitar esse fenômeno e transformá-lo em
uma alavanca de crescimento econômico para toda a sociedade.
Cabe aqui, então, pontuar uma questão intensamente discutida tanto no
meio científico como pelo mercado: pode o turismo ser manejado e desenvol-
vido localmente de forma sustentável? Com efeito, evidencia-se que a ativida-
de turística segundo Rodrigues (2002, p. 49) “[...] permite e facilita o uso fugaz
e intenso do território como parte integrante do ideal da modernidade que
considera o desenvolvimento como uma meta a ser atingida, medida e media-
da pela produção de mercadorias.”
Deste modo, é perceptível que o turismo na sua essência é incompatível
com a ideia de desenvolvimento sustentável 5, pois, a prática turística busca
sempre o consumo dos lugares belos e com natureza abundante [...], transfor-
mando-os para serem “comercializáveis”, nos padrões de “conforto e qualida-
de de vida do mundo moderno”, ou seja, o turismo como atividade acaba sa-
cralizando a natureza e submetendo-a ao mundo da mercadoria (RODRIGUES,
2002, p. 49, aspas no original).
Nesse pensamento Rabahy (1990) apud Barros (2005, p. 31), afirma que
“a busca e o contato direto com a natureza tem sido características da deman-
da turística contemporânea, porém os recursos naturais são limitados e a
atividade turística se localiza preferentemente em áreas onde estes recursos
são mais disponíveis.”
Pode-se afirmar, portanto, que o turismo, é um “consumidor da nature-
za”, haja vista, que essa é condição sine qua non para que exista a atividade
turística. Todavia, embora isso seja fato, o turismo possui em seu bojo, carac-
terísticas e ferramentas que podem efetivamente contribuir para o desenvol-
vimento local, podendo deixar de ser apenas, um instrumento mercantilista
voltado para a satisfação do turista, como usualmente se sucede.
Quando uma região fomenta o desenvolvimento do turismo em seu terri-
tório, a consequência imediata é o realce de seus atrativos turísticos. O reflexo
natural deste estímulo se traduz em aumento do fluxo turístico, que com fre-
quência, suscita o surgimento do que literatura econômica chama de externa-
lidades6. Diga-se a propósito, que é inevitável que uma localidade seja desco-

5 O conceito de desenvolvimento sustentável foi cunhado em 1987 quando da conclusão do documento


intitulado Nosso Futuro Comum, conhecido como “Relatório Brundtland”, elaborado pela Comissão
Mundial das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento como sendo aquele que atende
as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas
próprias necessidades (BRUNDTLAND, 1991).
6 Efeitos externos positivos ou negativos sobre terceiros gerados por atividades de empresas que im-
põem benefícios ou prejuízos a outras ou às populações circundantes sem que estas recebam indeniza-
ções pelos prejuízos causados.

135
berta pelo turista, pois, este é ávido por descobrir novos lugares como comen-
ta Bahl (2004, p. 32) porque, “o ser humano – turista em potencial – busca
facilidades para a realização de seus deslocamentos, gerando um processo de
escolhas e seleção de localidades a visitar, motivado pela propaganda ordena-
da e muitas vezes verbal.”

Figura 2 – Valores e Princípios do Turismo Sustentável

Fonte: Hall (2001), Apud Barros (2005, P. 40).

Para atender uma demanda crescente de turistas, faz-se mister, que o tu-
rismo seja planejado de modo que, suas externalidades negativas sejam redu-
zidas a um patamar aceitável, para que não causem maiores danos aos ecos-
sistemas. Assim, para que o turismo se apresente como a melhor alternativa
vindoura, deve-se buscar seu planejamento e gerenciamento de forma inte-
grada no que tange aos seus sistemas econômicos, sociais e ambientais (Figu-
ra 2).
Em outras palavras, Ruschmann (2001), frisa que a atividade turística
proporciona efeitos favoráveis nas localidades receptoras se houver uma pla-
nificação adequada dos governos, das empresas e das comunidades envolvi-
das. Esta planificação deve estar diretamente vinculada com a visão da susten-
tabilidade dos projetos e ações turísticas, fundamentais para o sucesso e a
minimização dos impactos negativos. Salienta ainda, que oferecer oportunida-
de e acesso a um maior fluxo de pessoas, contrapõe-se a tarefa de proteger e
evitar a descaracterização dos locais privilegiados pela natureza e do patri-
mônio cultural das comunidades.
Diante desse contexto, um dos pontos importantes quando se pensa em
desenvolvimento local é, ponderar a participação da sociedade local no plane-

136
jamento da ocupação do espaço, principalmente no tocante ao fomento da
atividade turística, que Ruschmann (2001, p. 163), reputa como:

O maior problema da ausência do planejamento em localidades turísticas re-


side no seu crescimento descontrolado, que leva à descaracterização e à perda
da originalidade das destinações que motiva o fluxo dos turistas, e o empre-
endimento de ações isoladas, esporádicas, eleitoreiras e desvinculadas de uma
visão ampla do fenômeno turístico.

Ou seja, ao colocar-se o turismo como uma opção sustentável, torna-se


imperioso, que haja um planejamento turístico que determine os investimen-
tos necessários para norteando assim, a atuação econômica para obter maior
lucro, bem como, definindo claramente o objetivo ecológico de preservar e
fazer uso do conceito de turismo sustentável.
Dessa forma, para que haja um desenvolvimento do turismo como uma
atividade sustentável que agregue valor para o município e seu entorno, faz-se
necessário pensar primeiramente na elaboração de um planejamento integra-
do, principalmente em tempos globalizados, onde o que passa a influenciar
cada vez mais o desenvolvimento de um município são fatores externos.
À medida que a cidade esteja planejada de forma integrada, as questões
turísticas podem ser mais bem organizadas e discutidas, haja vista, que o de-
senvolvimento turístico de uma região é composto por distintos desafios para
o gestor público e privado, tais como, a questão da pobreza, a conservação
ambiental e patrimonial, além dos demais impactos da atividade turística nas
comunidades locais. Ou seja, são situações diferentes e oriundas de vários
ambientes, que devem ser previstas e discutidas por planejadores de diversas
áreas.
O planejamento do turismo, dessa forma, deve envolver as pessoas que
vivem no local, além do governo e da classe empresarial local, buscando res-
peitar a cultura e os recursos naturais da área. Para a Secretaria de Estado do
Turismo do Paraná, um Plano Municipal de Desenvolvimento Sustentável do
Turismo

É um documento do planejamento onde estão reunidas propostas globais que


deverão nortear o processo de desenvolvimento sustentável do turismo no
município. Estas propostas possuem um pequeno grau de detalhamento e são
definidas em função do diagnóstico da situação atual do Município (SETU,
2005, p. 40).

Um projeto de planejamento turístico começa com a realização de um in-


ventário turístico, ou seja, uma análise integrada do ambiente externo, do
meio ambiente e dos atrativos naturais no seu entorno, da sociedade, e da
economia (SETU, 2005). Quando se sabe a oferta 7 turística existente, pode-se
então, desenvolver estratégias para atingir a demanda correta.

7 Assim como ocorre em outras atividades industriais e profissionais, a existência de uma maior
segmentação da demanda acarretou numa maior especialização da oferta. Alguns segmentos turísticos
são: religioso, vinícola, negócios, esportivo, gastronômico, cultural, melhor idade, rural, entre outros.

137
Já o objetivo final do planejamento, de acordo com Bernardi (2007), deve
ser melhorar a qualidade de vida das pessoas que moram naquele ambiente
urbano, mantendo equilíbrio ambiental e preservando seus recursos para as
futuras gerações.
Não obstante, outros instrumentos mais específicos e contemporâneos
que já vêm sendo adotados por muitos municípios são os Conselhos Munici-
pais de Meio Ambiente e os Conselhos Municipais de Turismo, onde a popula-
ção local, juntamente com os setores privado e público, debate e decide os
rumos das políticas locais (SALVATI, 2004).
Concluindo essa parte, turismo se for implantado dentro dos princípios
da sustentabilidade definidos pela SETU (2005, p. 39), ou seja, “sem degrada-
ção e destruição dos recursos naturais e artificiais; planejado e gerido de mo-
do a melhorar a qualidade de vida da comunidade local e que envolve repre-
sentantes da iniciativa pública e privada”, tornar-se-á uma fonte potencial de
entrada de divisas podendo gerar novas oportunidades de emprego e estimu-
lar a demanda por produtos e indústrias locais.

O DESENVOLVIMENTO DO TURISMO NO MUNICÍPIO DE PIRAQUARA/PR

Piraquara está localizada nas encostas da Serra do Mar estando a apro-


ximadamente 22 km da capital, e faz parte da “Rotas do Pinhão” roteiro turís-
tico que envolve um misto de aventura, história, gastronomia, paisagens bucó-
licas e rurais (PARANÁ, 2016). Seus limites geográficos são (figura 3): ao norte
com o município de Quatro Barras, a leste com Morretes, ao sul com São José
dos Pinhais e a oeste com Pinhais. Seu território ocupa uma área de 224,12
km², com altitude média de 897 metros acima do nível do mar e está inserido
no Setor Leste da Mesorregião Metropolitana de Curitiba (RMC) (PMP, 2016).

Figura 3 – Mapa de Localização do Município De Piraquara

Fonte: Tesseroli (2008, p.11).

138
O turismo no município de Piraquara é essencialmente voltado para a
exuberância de suas riquezas naturais. Parte de seu território é considerado
Área de Proteção Ambiental (APA)8 onde estão localizados mananciais de
abastecimento público de interesse de municípios vizinhos.
Assim, o desenvolvimento de atividades economicamente produtivas no
município se torna restrito pelo fato de seu território abrigar várias áreas de
proteção ambiental, fator que reflete diretamente na arrecadação tributária.
Portanto, pode-se dizer que uma das opções viáveis para o desenvolvimento
sustentável de Piraquara passa pelo turismo ser praticado de forma sustentá-
vel associado à conservação do ecossistema, contribuindo assim para garantir
o suprimento de água para as atividades humanas.
O município (figura 4), conta hoje com cerca de 100 mil habitantes é o
maior fornecedor de água dos municípios próximos, e, no entanto, sofre com o
crescimento populacional oriundo principalmente, de famílias que se instalam
aqui pelo baixo custo de vida, e que trabalham em Curitiba e outras cidades no
entorno (COMATUR, 2008; ROTEIRO 2008; TESSEROLLI, 2008).

Figura 4 – Vista Aérea do Município de Piraquara/PR

Fonte: Prefeitura Municipal de Piraquara (2008).

8 Unidade de conservação de uso sustentável, estabelecida pela Lei Federal n.º 6902/81, constituída por
terras públicas ou privadas (IBAMA, 2016).

139
No que tange a crescimento populacional, entre 1991 e 1996, segundo
Hardt e Hardt (2007, p. 5303) “[...] Piraquara registrou a maior taxa de cres-
cimento anual da [...] [RMC], 10,9% a.a. [...] com o estabelecimento de ocupa-
ções irregulares e geração de bolsões de pobreza [...]. Um dos motivos foi o
aumento das ocupações irregulares em áreas de preservação ambiental, como
é o caso da região do Guarituba. Essa região concentra a área de maior pobre-
za no município, abrigando atualmente mais de 42.000 pessoas, contingente
significativamente superior ao total da população urbana em 2000, bem como,
o bairro é mais populoso que a maioria dos municípios paranaenses (HARDT;
HARDT, 2007; TESSEROLLI, 2008).
Salienta-se que, uma parceria entre os governos federal, estadual e muni-
cipal realizou na região do Guarituba, um dos maiores processos de regulari-
zação fundiária do Brasil com realocação de famílias de áreas impróprias para
habitação, construção de habitações populares, saneamento básico, drenagem,
pavimentação, entre outros (TESSEROLLI, 2008). Além desse bairro hoje estar
com outro aspecto em termos socioambientais, a prefeitura está presente no
local através de uma unidade administrativa9 para atender a população da
região.
Outro aspecto relevante desse aumento populacional no município foi a
valorização mobiliária da capital Curitiba que ao crescer e se modernizar mo-
tivou um contingente populacional a ‘orbitar’ no seu entorno próximo bus-
cando áreas de baixo valor comercial, o que na maioria das vezes significava
áreas de interesse ou risco ambiental, poupadas pelo mercado imobiliário
formal ou com proibição de atividades, especialmente o uso habitacional, por
parte do poder público. Dessa forma, formaram-se grandes e precários bol-
sões urbanos, sem qualquer infraestrutura de serviços como coleta de lixo ou
esgoto, degradando o meio ambiente e contaminando o solo (SZUCHMAN;
OBA; HARDT, 2006, [n.p.]).
O contexto da dimensão de volume dos mananciais no território de Pira-
quara é muito significativo, pois, 93% do seu território são considerados áreas
de manancial, formadas por cinco bacias que produzem água para a RMC e,
principalmente, para Curitiba, cuja população é de mais de 1,7 milhão de pes-
soas. Na RMC são consumidos 7.200 litros de água por segundo e Piraquara
sozinha fornece 3.200 litros por segundo, ou seja, praticamente a metade da
água consumida (Clavisso apud LOPES, 2007). Dessa forma, o município busca
alternativas que promovam o desenvolvimento sustentável, e, entre essas, o
turismo vem sendo seriamente considerado e desenvolvido.
Um outro fator que pesa negativamente no desenvolvimento econômico
do município é a proximidade de Curitiba que de certa forma prejudica o co-
mércio local, aliado a características de cidade-dormitório (TESSEROLLI,
2008).

9 Inaugurada em 25 de junho de 2016.

140
No que concerne ao orçamento público municipal, quando se compara a
estimativa de receitas de Piraquara com alguns municípios da RMC que pos-
suem uma população equivalente, percebe-se que a restrição legal para o de-
senvolvimento imposta pelos mananciais onera significativamente Piraquara.
O município de Araucária por exemplo, possui orçamento cerca de dez vezes
maior, sendo um município fortemente industrializado e produtor de efluen-
tes líquidos potencialmente poluidores dos corpos hídricos; o município de
Pinhais que foi desmembrado de Piraquara na década de 1980 tem orçamento
cerca de três vezes maior, e possui em seu território empresas potencialmente
poluidoras (Clavisso, apud LOPES, 2007).
Apesar desse aspecto orçamentário, o município tem conseguido realizar
importantes investimentos e o fluxo de turismo no município vem aumentan-
do progressivamente. “Quase todo fim de semana, o município recebe ônibus
com turistas - a maioria procedente de Curitiba - que vem para conhecer nos-
sas belezas naturais e as trilhas ecológicas existentes.” (ZAITER, 2008 apud
ALVES, 2008). Esse fluxo crescente de turistas e visitantes, talvez seja motiva-
do pela fuga do stress e do caos urbano que impera no cotidiano das grandes
cidades, pressionando cada vez mais as pessoas a buscarem paraísos ecológi-
cos como Piraquara.
Nesse pensamento, Ruschmann (2001) afirma que a degeneração da qua-
lidade de vida nos grandes conglomerados urbanos e seu impacto psicológico
aliado a busca pelo verde, incentivam as viagens de férias e de fins de semana.
A paisagem captada pelo turista quando visita o município de Piraquara,
que fica na sua lembrança, de acordo com Zaiter (2008) apud Alves (2008),
“são as montanhas e a presença da água que é abundante; a região possui
atualmente três trilhas ecológicas catalogadas que recebem fluxo constante de
visitantes”. Portanto percebe-se que a imagem que marca a região é definida.
Nesse sentido, Boullón (2002, p. 80) cita que:

A melhor forma de determinarmos um espaço turístico é recorrermos ao mé-


todo empírico, por meio do qual podemos observar a distribuição territorial
dos atrativos turísticos e do empreendimento, a fim de detectarmos os agru-
pamentos e as concentrações que saltam à vista.

O patrimônio histórico e cultural é outro importante atrativo de Piraqua-


ra, pois a cidade congrega a única colonização de trentino-tiroleses do Paraná
que chegaram em 1878, no município com 59 famílias totalizando 300 pesso-
as, que formaram a Colônia Imperial Santa Maria do Novo Tirol da Boca da
Serra (PIRAQUARA, 2016).
O turismo étnico também se destaca. Foi criada em 2007 a reserva indí-
gena Aldeia Araçaí que estabelece uma área em Piraquara como reserva indí-
gena municipal. A aldeia é composta por cerca de 90 índios da tribo Guarani
que mantém tradições e rituais vividos pelos ancestrais, como a prática de

141
caça e pesca, e os rituais de danças e cura de doentes. Os 40 hectares de terra
da aldeia ficam às margens da barragem do Piraquara I (ALVES, 2008).
De fato, a conjuntura da riqueza principalmente do patrimônio natural e
histórico-cultural de Piraquara impressiona e se constitui no grande atrativo
turístico (Figura 5).

Figura 5 – Imagens de alguns atrativos turísticos de Piraquara

Fonte: Tesserolli (2008, p. 34).

Entretanto, o município carece de equipamentos e serviços turísticos que


são “o conjunto de edificações, instalações e serviços indispensáveis ao desen-
volvimento da atividade turística; são constituídos pelos meios de hospeda-
gem, alimentação, entretenimento, agenciamento, informações e outros servi-
ços voltados para o atendimento aos turistas” (OLIVEIRA, 2002, p. 66).
De fato, o município ainda tem um longo caminho a percorrer nesse con-
texto; sublinha-se que ainda não tem um planejamento turístico, existindo
apenas um inventário turístico10. Não obstante, os poucos equipamentos exis-
tentes, esses em geral têm boa qualidade, o que permite iniciar um planeja-
mento turístico para adequar a demanda a infraestrutura local.
Diante do exposto, pode-se afirmar o turismo no município depende pra-
ticamente das suas belezas naturais que enchem os olhos dos visitantes e dos
turistas como por exemplo, a Serra da Baitaca, uma unidade de conservação
com 3.053,21 hectares que tem como finalidade garantir a conservação da

10 Elaborado na gestão municipal 2001-2004.

142
diversidade biológica. No período de 2007 a 2012 houve crescimento expres-
sivo de visitantes, com uma variação de 29,7% (PARANÁ, 2014).
Os turistas e visitantes utilizam como ponto de referência o Centro de In-
formações Turísticas (CIT), inaugurado em 2006. A percepção do autor desse
artigo11 é que o município vivencia um clima de otimismo e a administração
pública e os empresários locais ligados ao turismo vêm realizando alguns
esforços que começam a surtir efeito. O município desde os anos 2010 está
também na rota do enoturismo – baseado na apreciação dos vinhos, da cultura
e tradições dos locais onde a bebida é produzida – haja vista, que “[...] um au-
dacioso e inovador projeto... [...] A Cave Colinas de Pedra é um empreendimen-
to com características únicas, que abriga em um mesmo local a exuberância da
mata atlântica, parte da história da centenária estrada de ferro Curiti-
ba/Paranaguá, além de boa gastronomia e degustação de vinho espumante.”
(PIRAQUARA, 2015, [n.p]).
Em termos de eventos, a Festa do Carneiro no Rolete tornou-se uma das
mais conhecidas em toda a região e a Festa Trentina relembra a história da
imigração. A cidade também fortaleceu o polo gastronômico nas proximidades
da antiga estação de trem no centro (PIRAQUARA, 2016).

Figura 6 – Interior do trem de luxo

Fonte: Serra Verde Express (2016).

Aliás, quando se fala em trem, este está fortemente ligado ao turismo no


município. A operadora “Serra Verde Express” 12 oferece um passeio periódico
de Litorina, saindo de Curitiba com destino a Piraquara para um jantar típico

11 O autor é residente e domiciliado no município de Piraquara desde 2008.


12 A Serra Verde Express detém a concessão do trem de passageiros no trecho Paranaguá - Curitiba.

143
no restaurante franco-italiano “Obra Prima”. Além disso, Piraquara está na
rota do primeiro trem de turismo de luxo do Brasil (figura 6), o que traz re-
cursos e gera empregos em localidades onde o trem para, pois incrementa a
economia do turismo trazendo ganhos ao comércio local.
Nos últimos oito anos a administração pública municipal vem adotando
uma postura de priorizar obras e políticas públicas que visem o desenvolvi-
mento econômico local e o bem-estar social. Isso reflete indiretamente na
atividade turística do município, haja vista, que antes de ser bom para o turis-
ta, a cidade deve ser proporcionar uma vida saudável para seus cidadãos.
Importante salientar que a cidade já conta desde 2006 com um Conselho Mu-
nicipal de Meio Ambiente, Agricultura e Turismo (COMATUR), sendo a ques-
tão ambiental o grande diferencial do município.
Nesse sentido, entre as várias obras realizadas nos últimos anos, cabe
destacar a construção do Teatro Municipal e do Parque das Águas com espaço
para lazer e esportes, pista de caminhada, lâmina d’água, palco para apresen-
tações e paisagismo. Além disso, o principal acesso da capital para o municí-
pio, a rodovia PR-415 está sendo duplicado o que certamente ajudará no de-
senvolvimento da cidade, dado que com maior facilidade de acesso, haverá um
aumento do fluxo de visitantes proveniente da Grande Curitiba, fomentando a
economia e o turismo.
A fim de se analisar como o Turismo é visto pela administração pública,
fez-se uma apreciação da Lei Orgânica Municipal (LOM) e do Plano Diretor
Municipal (PDM) que juntos constituem o arcabouço legal do município de
Piraquara.
A lei orgânica do município de Piraquara 13 no capítulo V, prevê medidas e
leis capazes de instrumentalizar sobre o meio ambiente (PIRAQUARA, 1990).
Considerando-se que o turismo, como qualquer outra atividade, pode ameaçar
a ordem pública, inclusive, podendo se tornar uma atividade abusiva e preju-
dicial à comunidade, a LOM pode prever medidas que regulem essa atividade.
No entanto, destaca-se que até o presente momento, a LOM não prevê nenhum
dispositivo que fiscalize e assegure o desenvolvimento e as possíveis implica-
ções do turismo.
No que tange ao Plano Diretor Municipal, Piraquara o elaborou em parce-
ria com a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), documento que foi
amplamente discutido com a comunidade em 12 reuniões e, posteriormente,
aprovado pela Câmara de Vereadores (AEN, 2004). O Plano Diretor entrou em
vigor em outubro de 2006 e norteará a gestão do município pelos próximos 30
anos.
Nesse contexto, Alves (2008) destaca que, segundo a Constituição Fede-
ral e o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor é o instrumento básico de política

13 Lei promulgada em 05 de abril de 1990. Disponível em:


<http://www.camarapiraquara.pr.gov.br/imagens/downloads/c9f0f895fb98ab9159f51fd0297e236d.pdf>
.

144
urbana. Ademais, o PDM é fundamental para que haja um balanço legal apon-
tando os limites na relação dinâmica entre o desenvolvimento turístico sus-
tentável, o meio ambiente e o crescimento econômico necessário.
Fazendo-se uma análise dos principais trechos do PDM que abordam o
Turismo, destaca-se o seguinte:
 A finalidade do PDM que está expressa no art. 6 é o incentivo ao
turismo rural e ecológico no Município, também definida no art.
47, inciso IV;
 No art. 8, inciso VIII, está descrito que o objetivo é dinamizar o
turismo ecológico-rural a partir do aproveitamento da estrutura
existente no que concerne ao patrimônio histórico, cultural e de
recursos naturais tendo por metas como:
a) reforçar os elementos identificadores e diferenciadores do Mu-
nicípio que tenham ou possam vir a ter potencial turístico;
b) implantar equipamentos de infraestrutura turística;
c) estimular a construção da cidadania e o compromisso do cidadão
com a sua cidade;
d) adotar práticas de comunicação social que evidenciem os atrati-
vos turísticos do Município.
 O Turismo é considerado como área estratégica para o desenvol-
vimento econômico e social do município, conforme expresso no
art. 29, que é específico sobre o turismo como fator desenvolvi-
mento econômico;
 O art. 24 estabelece diretrizes de desenvolvimento econômico
via integração entre o Poder Público, a sociedade civil e o setor
privado;
 O art. 67 prevê implantação de áreas de lazer e de apoio ao tu-
rismo nos vazios urbanos.
Posto isso, observou-se que o município cumpriu com alguns compro-
missos firmados no Plano Diretor, notadamente, através de medidas compen-
satórias promovidas pela Sanepar, decorrentes de um termo de compromisso
para promover algumas obras de caráter indenizatórias em função da inunda-
ção de área no município para a construção da Barragem Piraquara II inaugu-
rada em 29 de setembro de 200814. Do total investido na obra da barragem, R$
5 milhões foram destinados para aplicação em 12 ações compensatórias para
o município, as quais se destacam (AEN, 2006, grifos nosso):
a) Plano Diretor do município o qual visa planejar o crescimento
sustentável;
b) Três trilhas no Parque Marumbi com objetivo de incrementar
o turismo ecológico foram executadas obras de recuperação e

14 A obra contou com investimentos na ordem de R$ 74 milhões, tem capacidade para reservar 21
milhões de metros cúbicos de água. A barragem tem 17 metros de altura, 670 metros de comprimento, e
exigiu, para a construção do aterro, 364 mil metros cúbicos de terra compactada (SANEPAR, 2008a).

145
manejo das trilhas dos mananciais da serra. Foram projetadas
dentro de conceitos modernos para utilização e manutenção sus-
tentável das trilhas ecológicas e possuem três categorias de es-
forço físico - fácil (trilha Chaminé/dois mil metros); médio (Salto
da Caixa/1.200 metros); moderado a difícil (Morro do Ca-
nal/1.600 metros);
c) Salão de Eventos da Colônia Santa Maria, local tradicional-
mente conhecido por abrigar a Festa do Carneiro, realizada anu-
almente em junho que foi totalmente remodelado;
d) Casa de Guarda e o Centro de Visitantes do Instituto Ambi-
ental do Paraná (IAP) localizados na Unidade de Conservação
do Instituto Ambiental na Floresta Metropolitana, visitado por
professores e estudantes da região.
e) Instalação do Centro de Informações Turísticas na antiga Es-
tação Ferroviária de Piraquara para divulgação do turismo;
f) Placas indicativas turísticas: No total, 50 totens orientativos e
placas de sinalização do Caminho Trentino foram instalados em
toda a bacia do Rio Piraquara, onde orientam e divulgam os di-
versos produtos e seus produtores da região.
g) Cooperativa Trento Transforma: construção de uma “Vila
Agroecológica” que funciona dentro de padrões ambientalmente
corretos, ou seja, vai permitir que os produtores desenvolvam
diversas atividades permitidas pela legislação numa área de pro-
teção ambiental. O trabalho recebe apoio e assistência técnica do
Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Emater) e da Prefeitura de Piraquara, e é fiscalizado pelo IAP. O
complexo é equipado com abatedouro de pequeno porte para
caprinos, ovinos, suínos e peixes; uma unidade de produção
agroartesanal, outra para produção de mel; vinícola de pequeno
porte; unidade de laticínios e processamento de produtos de ori-
gem animal. Estima-se que 200 produtores rurais da região da
Bacia do Piraquara são beneficiados diretamente, e indiretamen-
te os cerca de 100 mil habitantes do município.
h) Reforma da Igreja Colônia Santa Maria - Polo Turístico Cul-
tural e Histórico desenvolvido na Colônia Santa Maria do
Novo Tirol: igreja instalada no século XIX tem imagens trazidas
da região do Trento, da Itália.
i) Dois portais instalados na PR-415, portais que identificam o
município como “A Capital da Água”.
Findando essa parte, fica patente que quando existe bom senso, as parce-
rias são producentes. Nota-se, no entanto, que os investimentos devem tam-
bém se ater a parte de talento humano tão necessária para uma gestão qualifi-
cada que faça jus aos recursos públicos empregados.

146
RESULTADOS E DISCUSSÕES DA PERCEPÇÃO DA SOCIEDADE EM
RELAÇÃO AO TURISMO

Com base na pesquisa realizada, pode-se afirmar que para a sociedade


piraquarense o turismo é um fator relevante para o desenvolvimento do mu-
nicípio. Porém, para se ter o turismo de fato como importante gerador de ri-
quezas no município, será necessário que novos projetos reforcem as caracte-
rísticas singulares da região. Para que isso aconteça, o município deve elabo-
rar um Plano Municipal de Desenvolvimento Sustentável do Turismo, e isso foi
ratificado na sua pesquisa por 100% da amostra qualitativa da sociedade pi-
raquarense (ALVES, 2008).
Com isso, se desenvolverá um turismo profissional que certamente atrai-
rá para a região, os segmentos de público que valoriza os atrativos e as rique-
zas que o município possui, isto é, o “verde” e a água em abundância. Assim,
esses turistas não hesitarão em deixar seus recursos, que entrarão na econo-
mia da cidade girando a roda do desenvolvimento local quando perceberem
uma cidade dotada de valores históricos, artísticos e culturais expressivos, e
possuidora de qualidade de vida expressiva. Junte-se a isso um clima de mon-
tanha e belezas naturais que favorecem atividades de contemplação e intera-
ção com a natureza, e existirá então um município em harmonia com o visitan-
te. Esse é o cenário que deve ser buscado por Piraquara.
Também é importante pontuar a falta de equipamentos turísticos que
continua a ser um problema sério, muito embora, algumas iniciativas isoladas
por parte de alguns empresários sejam louváveis. Nesse aspecto, cabe ao em-
presário capitanear essa questão, e não apenas esperar inciativas do poder
público, pois, empresário que não corre riscos, não deve permanecer no mer-
cado. Correr riscos é inerente a atividade empresarial e empreendedora, as-
sim como, o lucro também o é.
Nesse contexto, 94,1% da amostra da sociedade piraquarense acham que
em termos de estrutura turística, o município tem como destaque apenas os
bons atrativos turísticos naturais, mas, como é sabido, o turismo não se de-
senvolve apenas com belezas naturais (ALVES, 2008).
Assim, ficou patente que a falta de infraestrutura turística é crucial para o
desenvolvimento do turismo, notadamente a hospedagem que para 88,2%
dos entrevistados a qualificam como ruim e 11,8% regular. Outro destaque
negativo foi a gastronomia, que 70,6% reputam como regular, 17,6% ruim e
apenas 11,8% boa. Por consequência, o atendimento ao turista no que con-
cerne a mão-de-obra especializada, 64,7% dos entrevistados julgam ser ruim e
29,4% regular. Chama a atenção também a conservação do patrimônio his-
tórico-cultural, que para 56, 3% é qualificada como ruim e 31,3% a conside-
ram regular (ALVES, 2008).
Respeitante ao enunciado acima, pode-se dizer que Piraquara ainda não é
um produto turístico, ou seja, o que nasce da oferta turística – aquela que tem
seus elementos de atrativos (naturais e culturais) – combinado a uma estrutu-

147
ra de utilidade pública e geral e serviços turísticos. Sem essa combinação e
sem a interação de seus agentes, os elementos que formam o produto turístico
passam a não ter o mesmo valor para o Turismo.
Conclui-se afirmando, que a percepção que a sociedade do município de
Piraquara tem acerca da importância do turismo é alta, porém, a atividade
turística ainda é incipiente em termos de receita proveniente da sua cadeia
produtiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através das pesquisas realizadas foi possível chegar a alguns resultados


relevantes que permitem concluir que as políticas públicas do município vol-
tadas para o turismo são bem formuladas e suficientes para o desenvolvimen-
to da atividade turística.
Contudo, é visível que falta em nosso entendimento, um melhor planeja-
mento dessas políticas públicas, as quais deveriam estar contidas em um Pla-
nejamento Turístico que se integre aos demais documentos normatizadores
existentes em outras áreas como a Lei Orgânica e o Plano Diretor, haja vista,
que o Plano Diretor do município em estudo identifica e analisa as caracterís-
ticas físicas e espaciais da cidade, as atividades turísticas predominantes, as
vocações turísticas e as potencialidades para o bom desenvolvimento do tu-
rismo. Nesse pensamento, crê-se que a falta de um modelo de desenvolvimen-
to turístico no município não possibilita que esta cidade alcance uma maior
competitividade no turismo regional, pois, esse planejamento reuniria propos-
tas em âmbito macro que norteariam o processo de desenvolvimento susten-
tável do turismo no município.
Por fim, destaca-se que o turismo no município vem se desenvolvendo –
embora ainda de maneira tímida – em parte devido a ações empreendedoras
de alguns empresários, e por outro lado, em razão de alguns esforços envida-
dos pelo poder público municipal para fomentar a atividade turística e princi-
palmente realizando ações pontuais em diversas outras áreas que beneficiam
diretamente os moradores da cidade e indiretamente favorecem o turista.

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151
VALORIZAÇÃO DA TERRA NA REGIÃO OESTE
DO PARANÁ: AINDA VALE A PENA INVESTIR
EM TERRAS NA REGIÃO?

Guilherme Asai1
Moacir Piffer2

INTRODUÇÃO

Com a consolidação de áreas de agricultura como aconteceu na região sul


do Brasil nas décadas de 1950 e 1960 e no centro-oeste em meados de 1990,
abre-se espaço para novas fronteiras agrícolas como a região do MAPITOBA
(área compreendida entre os estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia).
A vantagem em se investir nas novas áreas de fronteira agrícola advém
desde o baixo valor na compra de terras até sua possível valorização. Gurgel e
Asai (2014) concluíram que as terras em novas fronteiras agrícolas, como o
MAPITOBA, vê atraindo a instalação de empresas do agronegócio, ocasionan-
do uma valorização rápida dessas áreas.
Tal fato pode ser explicado pela teoria da oferta e demanda. Segundo Va-
rian (2006) preço de um determinado bem está no equilíbrio entre a quanti-
dade ofertada e a quantidade demandada, sendo no equilíbrio a quantidade
demandada é igual à ofertada, no mercado de terras está máxima também é
válida.
Para um investidor, a diversificação de investimentos apontada por
Markowitz (1952) na moderna teoria de portfólios, descreve a diversificação
de investimentos através de títulos que proporcionam um máximo de retorno
esperado associada à diminuição do risco. Aliado a esta teoria, Marcus, Bodie,
e Kane (2000) indicam o ouro e os imóveis fornecem proteção da hiperinfla-
ção, com vantagem para os imóveis no longo prazo. Sayad (1977) alerta que o
investimento em terras apresenta uma fonte alternativa de ganhos, o processo
produtivo.
Outros autores como Sayad (1977), Reydon e Plata (2000), Dias, Vieira e
Amaral (2001) e Rahal (2003) apontam a valorização da terra como parte do

1 Aluno de doutorado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste


do Paraná – Unioeste/Toledo.
2 Professor do doutorado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – Unioeste/Toledo.

153
processo ligado as atividades agropecuárias, ou seja, o preço das terras é in-
fluenciado pela atividade ligada a ela, mais do que a teoria econômica.
Ferro e Castro (2013) concluem que as o preço da terra está diretamente
relacionado à renda que se pode obter dela, onde o preço da soja indica a ren-
da obtida da terra para todas as regiões pesquisadas pelos autores. Relacio-
nando as áreas consolidadas com as áreas de fronteira, Ferro e Castro (2013)
indicam que existe uma maior possibilidade de especulação devido ao maior
potencial de crescimento, entretanto as áreas consolidadas ainda apresenta
valorização positiva dependendo da quantidade ofertada em cada região.
Dentro desse contexto, as áreas onde a agricultura é uma atividade con-
solidada devem ter uma taxa de valorização inferior às áreas de fronteira,
contudo, será que os investimentos em terras nessas áreas ainda podem ser
rentáveis?
Este trabalho tem o objetivo de apontar a oscilação no valor das terras na
Região Oeste do Paraná (ROP) observando se houve valorização nos preços e
indicar se o investimento em terras na região ainda é rentável em uma área
agrícola já consolidada. Adicionalmente, pretende-se avaliar o risco desse
investimento, apontando o risco-retorno das terras na região e em qual (is)
município (s) da ROP apresenta maior rentabilidade com menor risco.
O presente trabalho está dividido em cinco partes, incluindo esta de in-
trodução. A segunda parte irá apresentar de forma breve a ROP, a terceira irá
descrever os dados e a metodologia empregada no trabalho, a quarta parte
tratará dos resultados obtidos e a última será dedicada as considerações fi-
nais.

1 REGIÃO OESTE DO PARANÁ

No período compreendido entre 1950 e 1960, a ROP sofreu um cresci-


mento populacional advindo de um processo migratório para setor rural, dife-
rentemente do que ocorria no restante do país, dado que a expansão da pro-
dução era baseada na incorporação de novas terras (WILLERS, LIMA, STADU-
TO, 2008).
Com o passar dos anos e o advindo da tecnologia empregada na agricul-
tura, a ROP tornou-se destaque na produção agropecuária. Para Lima et al.
(2006), o estado do Paraná apresentou um perfil de uso de solo para as lavou-
ras temporárias e pastagens naturais no período de 1975 a 1995.
Até 1970 a estrutura fundiária da ROP estava em expansão porque ainda
existiam terras para serem ocupadas, esgotando-se cinco anos depois, em
1975, tornando a agricultura mais intensiva. Evoluindo na estrutura fundiária
da região, em 1999, 36,36% do total das terras estavam em mãos dos mini e
pequenos produtores (propriedades até 10 hectares) e 59,99% eram proprie-
dade de médios produtores (de 10 a 100 hectares), indicando uma concentra-
ção de terras e criação de latifúndios (RIPPEL et al., 2006).

154
Por se tratar da última fronteira do Paraná a ser ocupada, Alves et al.
(2007) apontam que a atividade agrícola na ROP expandiu-se rapidamente na
década de 1980, com o surgimento e crescimento de agroindústrias e coopera-
tivas. Para Lima, Eberhardt e Barros (2011), de 1999 a 2005, municípios do
ROP tinham suas economias voltadas para o setor primário.
Tanto Rippel et al. (2006), quanto Alves et al. (2007) apontam que a po-
pulação da região é urbanizada nos polos de Toledo, Cascavel e Foz do Iguaçu,
mas as modificações do perfil da população nas últimas décadas não se faz
possível a caracterização como região agrícola.
Desta forma, a ROP apresenta uma distribuição de população tanto na
faixa rural, quanto na urbana e apresenta uma concentração de terras para os
médios proprietários, com ênfase no plantio de lavouras temporárias como
grãos, tendo estas terras agricultáveis como objeto desde estudo.

2 METODOLOGIA

O trabalho apresenta caráter quantitativo com dados secundários obti-


dos junto ao Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Estado
da Agricultura e do Abastecimento (SEAB) do Estado do Paraná. Estes dados
são relativos aos preços médios de terras agrícolas municipais, onde foi extra-
ído o conjunto de dados relativos aos municípios do ROP no período de 1998 a
2015.
Para expurgar o efeito inflacionário no período compreendido de análise,
os preços médios das terras foram deflacionados – base 2015 – utilizando o
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE).
Para analisar os retornos obtidos no investimento com as terras na ROP,
no período analisado, a técnica adotada neste trabalho será o cálculo do Com-
pound Anual Growth Rate (CAGR). Trata-se de uma medida de crescimento
geométrica constante, ou seja, o CAGR calcula uma taxa de retorno uniforme
anual do período considerado.
O Compound Anual Growth Rate pode ser considerado como uma média
anual da taxa de retorno de um investimento e é calculado seguindo a Equação
(1).

1
𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 ( )
𝑛
𝐶𝐴𝐺𝑅 = (𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 𝐷𝑎𝑡𝑎 𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 ) −1
𝐷𝑎𝑡𝑎 𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙

(1)

Como forma de se mensurar o risco implícito no investimento em terras,


irá se adotar a volatilidade como medida de risco, assim a volatilidade dos

155
preços das terras indicará o quão arriscado seria o investimento em terras em
determinando município. O uso da volatilidade representa a variação no preço
do ativo ao longo do tempo, cuja maior volatilidade indica maio risco.
Logo, a volatilidade é mensurada de acordo com a Equação (2):

1
𝜎=√ ∑𝑛𝑖=1(ui − ū)2
𝑛−1

(2)3

Tanto a volatilidade, quando o CAGR, são indicativos históricos e podem


não representar o comportamento do preço de terras no futuro, isto se deve a
diversos fatores, como o acaso, por exemplo, que podem ocasionar distúrbios
e alterações no cenário impedindo o comportamento natural e previsível no
valor das terras.
Vale ressaltar que neste trabalho não considerou custos, taxas e impos-
tos, entre outros que podem interferir na valorização do imóvel. Ainda não
foram considerados ganhos provenientes do uso da terra, como o lucro em
plantações e criações de animais. Portanto, a valorização considerada foi so-
mente aquela da própria valorização temporal da terra.

4 A VALORIZAÇÃO DA TERRA NA ROP

O encerramento da fase de fronteira agrícola da ROP que, segundo Alves


et al. (2006), aconteceu em 1980. A consolidação da região fez com que Lima
et al. (2006) e Lima et al. (2011) indicassem a ROP como um importante polo
de desenvolvimento econômico.
Dentro desse contexto, torna-se natural a valorização das terras, tanto
agrícolas como urbanas dessa região. De acordo com o Gráfico 1, todos os 50
municípios que compõe a ROP tiveram valorização real no preço de suas ter-
ras. Destaca-se os municípios de Guaraniaçu, Diamante do Sul, Diamante
D'Oeste, Lindoeste e Iguatu com valorizações acima dos dez por cento ao ano
dentro do período analisado.
O Gráfico 1 ilustra a valorização individual de todos os municípios da Re-
gião Oeste do Paraná.

3 𝑆𝑖
Em que: 𝑢𝑖 = ln ( ); i intervalo de tempo (i = 0, 1, 2, ... ,n); S é o preço do ativo; n + 1 = número de
𝑆𝑖−1
observações.

156
Gráfico 1. Valorização (CAGR) do preço das terras dos municípios da Região Oeste do Paraná.

11,29%
Lindoeste 11,21%
10,61%
Diamante do Sul 10,15%
10,04%
Anahy 9,91%
9,65%
Santa Lúcia 9,49%
9,34%
Capitão Leônidas Marques 9,12%
9,05%
São José das Palmeiras 9,05%
9,04%
Três Barras do Paraná 8,83%
8,39%
Missal 8,34%
8,13%
Catanduvas 8,10%
7,57%
Corbélia 7,49%
7,29%
Mercedes 7,16%
7,02%
Santa Terezinha de Itaipu 7,00%
6,94%
Serranópolis do Iguaçu 6,91%
6,88%
Ouro Verde do Oeste 6,78%
6,77%
Cascavel 6,74%
6,70%
Ramilândia 6,68%
6,67%
Itaipulândia 6,61%
6,55%
Nova Santa Rosa 6,46%
6,33%
Cafelândia 6,32%
6,31%
Terra Roxa 6,17%
5,95%
Assis Chateaubriand 5,94%
5,88%
Pato Bragado 5,79%
5,75%
Matelândia 5,54%
5,52%
Jesuítas 5,43%
5,29%
Marechal Cândido Rondon 5,16%
0,00% 2,00% 4,00% 6,00% 8,00% 10,00% 12,00%

Fonte: elaboração própria.

Com uma média de valorização, por município, superior a 7,5% ao ano a


ROP demonstra que os investimentos em terras agrícolas ainda podem ser
rentáveis para a região. Em termos de preços médios das terras agrícolas, o
aumento de preços foi significativo, passando de R$ 9.519 por hectare em
1998 para R$ 33.466 por hectare em 2015, representando um crescimento de
mais de 250%.

157
O Gráfico 2 ilustra os padrões médios de preço na região.

Gráfico 2. Nível médio de preço das terras dos municípios da Região Oeste do Paraná.

33.466

9.519

1998 2015
Valores médios

Fonte: elaboração própria.

Segregando os municípios em microrregiões, a microrregião de Toledo


foi a que obteve menor valorização no valor de suas terras com um CAGR mé-
dio dos municípios de 6,57% ao ano. Já a microrregião de Cascavel foi a que
obteve a maior valorização média, com 8,85% ao ano, enquanto a microrregi-
ão de Foz do Iguaçu apresentou valorização de 7,1% ao ano no período de
1998 a 2015.
Nota-se que dos municípios que tiveram maiores taxas de valorização de
suas terras agrícolas, a exceção de Diamante D'Oeste, todos estão localizados
na microrregião de Cascavel, denotando a melhor performance da microrregi-
ão de Cascavel região frente às outras.
Ao que se refere ao risco, à dinâmica se altera e a microrregião de Toledo
é a que tem menor risco em se investir em terras, baseado na volatilidade de
seus preços. A microrregião de Toledo teve menor volatilidade com 19,53%
de oscilação, enquanto a microrregião de Cascavel a maior volatilidade com
22,82%.
A Tabela 1 indica os retornos e os riscos de cada microrregião.
Observando os resultados da taxa de retorno e do risco, a máxima de
“quanto maior o risco, maior o retorno” é observada nos investimentos com
terras na Região Oeste do Paraná. As microrregiões que obtiveram maiores
retornos, também tiveram maiores riscos nos preços das terras.
Dado o efeito nulo da inflação no período analisado, as performances al-
cançadas com a valorização da terra apresentaram-se, no período de 1998 a
2015, formas de investimento com taxa real superiores a 6,5% anual.

158
Tabela 1- Risco e retorno para cada microrregião da ROP

Taxa de retorno Risco (volati-


Microrregião
(CAGR) lidade)
Toledo 6,57% 19,53%
Cascavel 8,85% 22,83%
Foz do Iguaçu 7,10% 21,21%

Fonte: elaboração própria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi apontar a oscilação no valor das terras na


Região Oeste do Paraná para verificar se houve valorização nos preços e aferir
se o investimento em terras na região ainda é rentável em uma área agrícola
consolidada.
Conforme comentado por Ferro e Castro (2013) o potencial de valoriza-
ção nas áreas de fronteira agrícola tornam-se maiores do que em áreas conso-
lidadas, fato indicado no estudo de Gurgel e Asai (2014).
Neste ponto, o presente estudo indica que as áreas agrícolas consolida-
das da ROP tiveram valorização positiva e, quando dada à possibilidade de
investimento, tiveram valorização real média para as microrregiões – de Cas-
cavel, Toledo e Foz do Iguaçu – de mais de 7% ao ano no período de 1998 a
2015, indicando ganhos sucessivos no período analisado.
Assim, mesmo passada a fase de fronteira agrícola da região que se en-
cerrou nos anos de 1980 é possível afirmar que, para a ROP, os investimentos
em terras ainda são rentáveis e possibilitam ganhos reais, além da preserva-
ção do patrimônio.

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160
ECONOMIA CRIATIVA E MERCADO DE
TRABALHO: UMA ABORDAGEM
INTRODUTÓRIA TENDO O MATO GROSSO DO
SUL COMO REFERÊNCIA1

Fabrício A. Deffacci2
Leoncio E. dos Santos Junior3
Weronica D. Adamowski4
Rafael Moreno5

INTRODUÇÃO

A capacidade produtiva está relacionada diretamente ao desenvolvimen-


to do capital humano. A existência das forças produtivas depende, mesmo
frente da tecnologia, da capacidade humana de executar as tarefas. Segundo
Florida (2011, p. 4), “[...] a força motriz é a ascensão da criatividade humana
como agente central na economia e a vida em sociedade”. As tecnologias, seu
uso e criação, foram baseados em extensões do conhecimento humano.
Essa mudança conceitual fomentou a busca por novas soluções para a
criação/geração de emprego e renda. O Estado, como queria Keynes (1996),
não teve condições de inserir toda a mão de obra efetiva no mercado de traba-
lho. As políticas públicas não foram suficientes para suprir as demandas. Con-
comitantemente as mudanças conceituais, o avanço das tecnologias a partir da
década de 1950, transformaram a sociedade pós-industrial (HARVEY, 1999).
Diante disso, os conceitos de Economia Criativa podem contribuir na inovação
no mercado de trabalho. Segundo o Ministério da Cultura do Brasil, os setores
criativos são aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal

1Pesquisa prévia, realizada com apoio da Fundação de apoio ao Desenvolvimento do Ensino, ciência e
tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul.
2 Doutor em Ciências Sociais, docente do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e
Sistemas Produtivos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
3 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
4Mestranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
5 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

161
um ato criativo gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbó-
lica é determinante do seu valor, resultando em produção de riqueza cultural,
econômica e social (MIC, 2011). Mas como definir as áreas? Segundo A Confe-
rência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento - UNCTAD
(2010) podem ser assim caracterizados os diversos setores da Economia Cria-
tiva (Figura 1).

Figura 1 – Classificação dos Setores Criativos.

Fonte: UNCTAD (2010).

OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente texto tem o objetivo de identificar no mercado de trabalho de


Mato Grosso do Sul o índice de participação na Economia Criativa, no período
de 2004 a 2013. Com isso, pretende-se uma visualização ampla destes núme-
ros contribuindo de forma significativa no crescimento dos Estados. Neste
trabalho introdutório, evidenciam-se as questões com autores que tratam
sobre o referido tema. Posteriormente, a representação deste mercado de
trabalho ficara demonstrada em pesquisa a ser realizada nos órgãos públicos
e instituições privadas que permitem aos leitores identificar as pesquisas já
existentes sobre Economia Criativa. Identificou-se que no Mato Grosso do Sul
os trabalhadores empregados em funções denominadas no conceito de Eco-
nomia Criativa representam 1% do mercado de trabalho nacional. Outro dado

162
a ser considerado exemplifica o índice relativo ao nível salarial, de acordo com
o qual o Estado também fica abaixo da média. A construção da pesquisa se deu
por meio de dados primários (bibliográficos). Posteriormente foram usados
dados secundários com o suporte da metodologia quantitativa. Na conclusão
são feitas as discussões dos resultados obtidos, averiguando no Estado de
Mato Grosso do Sul em comparativo aos demais Estados, um crescimento
inferior, todavia possibilitando identificar nestes resultados novas perspecti-
vas para a Economia Criativa, com sugestões e indicativos para o seu cresci-
mento.

ANÁLISE E RESULTADOS

A importância de diagnosticar e demonstrar os números servirá de fo-


mento não apenas ao aprofundamento de novas pesquisas, utilizando outras
variáveis, mas também, utilizar os resultados como ferramentas de incentivo a
projetos de políticas públicas e de iniciativa privada.
No primeiro gráfico aborda-se a realidade do Brasil com relação a Eco-
nomia Criativa e participação desta no PIB nacional (Gráfico 1).

Gráfico 1- PIB Criativo Estimado no Brasil, comparado ao PIB total

PIB Criativo Estimado e sua participação no PIB total Brasileiro


2004 - 2013

2013 2,6
2012 2,55
2011 2,49
2010 2,46
2009 2,38
2008 2,37
2007 2,21
2006 2,26
2005 2,2
2004 2,09
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3

Participação PIB total BR Linear (Participação PIB total BR)

Fonte: Fonte: Sistema Firjan – Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil – 2014.

O primeiro gráfico ajuda a entender a evolução contínua na Economia


Criativa no Brasil. Em uma década, saiu de uma representação de 2,09% do
PIB nacional para 2,60%. Se considerado de forma empírica que o PIB nacio-

163
nal também manteve um crescimento continuo, os resultados serão maiores.
No entanto, pela quantidade de profissões que abrangem a Economia Criativa,
verificamos um potencial que futuramente poderá ser explorado.

Gráfico 2- representa a participação da Economia Criativa nos Estados.

Participação dos Empregados Criativos no total de


empregados no Estado de 2004 e 2013

MS 1
0,9

DF 1,7
1,4

RS 1,9
1,6

SC 2
1,5

RJ 2,3
1,8

SP 2,5
2

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3

2013 2004 Linear (2013)

Fonte: Sistema Firjan – Mapeamento da Industria Criativa no Brasil – 2014.

No entanto, de forma a delimitar a pesquisa, podemos indicar a realidade


de Mato Grosso do Sul com os 05 (cinco) Estados da nação com maior repre-
sentatividade. No comparativo com o Estado de São Paulo que em 2004, 2%
de sua mão de obra empregada representava os profissionais da Economia
Criativa. O aumento para 2,5% em 2013 deve também ser interpretado.

164
Gráfico 3- Remuneração média mensal no setor criativo

Remuneração média mensal dos Profissionais Criativos, por Estado

3.437,00
MS
2.504,00

5.127,00
SE
3.464,00

5.240,00
Título do Eixo

AM
4.234,00

5.851,00
SP
4.956,00

6.925,00
DF
5.307,00

8.682,00
RJ
6.348,00

0,00 1.000,002.000,003.000,004.000,005.000,006.000,007.000,008.000,009.000,0010.000,00
Remuneração

2013 2004

Fonte: Sistema Firjan – Mapeamento da Industria Criativa no Brasil – 2014.

O Gráfico 3 evidencia a disparidade de Mato Grosso do Sul com os Esta-


dos comparados. Mesmo com o crescimento remuneratório no período estu-
dado, a diferença para o Estado de Rio de Janeiro que está em primeiro lugar
na pesquisa, está em mais de 100%.
Após um breve levantamento, foi possível identificar a disparidade entre
os Estados pesquisados. Mato Grosso do Sul, em todos os quesitos, está com
uma diferença elevada no comparativo.

REFERÊNCIAS

FIRJAN. Mapeamento da indústria criativa no Brasil, 2014. Disponível em


http://www.firjan.com.br/EconomiaCriativa/pages/default.aspxAcesso em:
14/09/2016.
FLORIDA, R. A ascensão da classe criativa e seu papel na transformação do trabalho, do
lazer, da comunidade e do cotidiano. Porto Alegre: L&PM Editores, 2011.
HARVEY, D. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Editora Loyola, 2007.

165
KEYNES, J. M. A teoria geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Editora Nova
Cultura Ltda., 1996.
MIC - MINISTÉRIO DA CULTURA. Plano da Secretaria da Economia Criativa: políticas.
Diretrizes e ações 2011 a 2014. Disponível em: http://www2.cultura.gov.br/site/wp-
content/uploads/2012/08/livro_web2edicao.pdf. Acesso em: 16/09/2016.
UNCTAD - United Nations Conference on Trade and Development. The Creative Economy
Report 2010: creative economy– a feasible development option. Geneva: United Na-
tion, 2010. Disponível em: http://unctad.org/pt/docs/ditctab20103_pt.pdf. Acesso
em: 10/09/2016.

166
QUEREMOS INVESTIR EM ARMAZENAGEM DE
GRÃOS? ESTUDO COM PRODUTORES RURAIS
DE PONTA PORÃ/MS1

Igor Lopes Pereira2


Francis Regis G.M. Barbosa3
Thiago Quinhones4
Carlos Otávio Zamberlan5

INTRODUÇÃO

A agricultura, segundo Santos (2009), é definida como a arte de cultivar a


terra. Arte essa decorrente da ação do homem sobre o processo produtivo à
procura da satisfação de suas necessidades básicas. A agricultura é fundamen-
tal para a sobrevivência do ser humano e ao longo dos anos houve um intenso
aperfeiçoamento no setor fazendo com que novas tecnologias fossem aplica-
das junto à produção o que auxiliou no crescimento, não só da produção, mas
da produtividade. Esse fato contribui para pensar a agricultura dentro de um
sistema nada simples, que envolve vários atores e serviços dentro de uma
complexa cadeia de produção, repleta de atividades relacionadas com aspec-
tos de agregação de valor ao produto oriundo do campo. Dentro desse proces-
so se encontra a gestão logística e dentro dela a atividade de armazenamento.
A capacidade estática de armazenamento de grãos no Brasil compreende cer-
ca de 15,1% nas propriedades rurais (CONAB, 2005), ou seja, de tudo o que e
produzido em grãos apenas esse percentual indicado tem a possibilidade de
ser estocado em sistemas de armazenamentos de grãos, o restante da produ-
ção é escoado no momento da safra.

1 Pesquisa financiada com recursos provenientes do CNPq (edital universal/2013)


2 Acadêmico de Curso de Graduação em Administração da UEMS/Unidade de Ponta Porã.
Jipinho30@gmail.com
3 Mestre em Agronegócios pela UFGD e Professor do Curso de Ciências Econômicas da UEMS e-mail:
ppgdrs@uems.br
4 Bacharel em Administração pela UEMS/ Unidade de Ponta Porã, Aluno Especial do PPGDRS. E-mail
thiagoqr85@gmail.com
5 Doutor em Economia pela UFRGS e Professor do Mestrado em Desenvolvimento Regional e de
Sistemas Produtivos da UEMS_PPGDRS/UEMS e-mail: ppgdrs@uems.br

167
OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O Armazenamento na propriedade rural é importante para dar vazão ao


sistema logístico, pois possibilita a manutenção do produto, a comercialização
em períodos propícios, onde o preço é mais elevado, e o transporte com me-
nor custo em virtude da oferta, por não coincidir com períodos de safra. Por-
tanto o mote é identificar a propensão de investimentos em sistemas de arma-
zenagem a nível de propriedade rural pelos produtores de soja filiados ao
sindicato rural de Ponta Porã/MS.
Para alcançar esse objetivo fez-se uso de uma pesquisa descritiva e de le-
vantamento com uma amostra de 51 produtores de uma população de 84
sojicultores filiados ao sindicato rural de Ponta Porã/MS. A amostra foi aleató-
ria onde se aplicou um questionário com questões fechadas em escalas nomi-
nais e intervalares que permitiram uma análise descritiva com análise de ten-
dência central e por frequência. A coleta de dados se deu pela técnica de en-
trevista. O questionário foi dividido em três blocos, o primeiro para identificar
a propriedade rural, o segundo para identificar o produtor rural e, por fim, o
terceiro para ver a propensão ao investimento em sistemas de armazenagem
de grãos. A análise foi através da estatística descritiva com ênfase em tendên-
cia central auxiliada pelo programa IBM SPSS 23.

ANÁLISE E RESULTADOS

Os 51 produtores analisados possuem unidades de produção com média


de 854,35 hectares, tendo como moda 700 hectares. Em relação a propriedade
das terras, em média 486,66 hectares são terras arrendadas, frente aos 854,35
ha. plantados.
A produtividade mínima relatada foi de 50 sacos de soja por hectare e a
máxima de 66 sacos por hectare. Com relação aos maquinários, 92% dos pro-
dutores possuem maquinário próprio. Quanto ao sistema logístico, 27,45%
dos produtores entrevistados possuem sistema de armazenagem própria,
indicando que os filiados ao Sindicato Rural de Ponta Porã/MS se destacam
em relação ao padrão brasileiro, os demais se utilizam de sistemas de armaze-
namentos de grãos terceirizados. Ainda nota-se que 45% dos produtores são
ligados a cooperativas, e se utilizam delas para sanar essa deficiência logística,
pois depositam sua safra em seus sistemas de armazenagem. Ainda na logísti-
ca, 54% dos produtores rurais afirmaram terceirizarem o transporte. A dis-
tância média entre a unidade produtora e o sistema de armazenagem terceiri-
zado é de 14,27 km.
Com relação à venda do grão, os produtores comercializam 25,88% da
sua produção antes da colheita, 7,95% comercializam durante o período de
colheita e 66,17% dos grãos são comercializados após a safra.
Algumas variáveis analisadas foram correlacionadas, sendo uma delas,
possuir sistema de armazenagem vs tamanho da unidade produtiva, verificou-

168
se que os produtores que possuem armazenagem própria cultivam áreas
iguais ou superiores a 600 hectares. A maior parte dos produtores que planta
acima de 1000 hectares possui armazenagem própria. No entanto, as duas
maiores áreas não possuem esses sistemas.
O estudo concluiu que os 51 produtores rurais entrevistados tem uma
percepção similar, quanto se diz respeito ao sistema de armazenagem, a nível
de propriedade rural
Com relação à estrutura de armazenagem/transporte obteve-se uma mé-
dia 4,76, em uma escala entre 0 a 10, ou seja, os produtores indicaram que
estrutura de armazenagem e transporte atual não é suficiente para atender a
demanda, um gargalo no sistema produtivo da cultura de soja e ocasiona mai-
ores custos, e consequentemente uma menor lucratividade para o produtor.
Quando se trata do investimento em sistema de armazenagem, em nível
de unidade produtiva, a média obtida foi 9,01 em uma escala de 0 a 10, indi-
cando que os produtores percebem a vantagem em investimentos em siste-
mas de armazenagens em suas propriedades. Quando indagados sobre a ideia
em investir, os produtores pretendem ampliar as estruturas de armazenagem
e aqueles com maior área plantada que ainda estão filiados à cooperativa indi-
caram vontade em efetuar investimento nesses sistemas.
Concluiu-se, a partir disso que existe propensão dos produtores a inves-
tir em sistema de armazenamento na unidade produtora, mas isso está relaci-
onado com a quantidade de hectares utilizados para o plantio da soja.

REFERÊNCIAS

COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. CONAB, 2013. Série Histórica.


Disponível em < www.conab.br > (último acesso em: 03/08/2015).
SANTOS, G. J. Administração de custos na agropecuária. 4. Ed. – São Paulo: Atlas,
2009.

169
A SUCESSÃO RURAL COMO FONTE DE
REPRODUÇÃO SOCIAL: ESTUDO NO
ASSENTAMENTO DORCELINA FOLADOR

Gianete Paola Butarelli1


Paulo Roberto da Silva2
Raquel EberhardBuss3
Carlos Otávio Zamberlan4

INTRODUÇÃO

Mato Grosso do Sul desde sua colonização teve exploradas as potenciali-


dades da agricultura e o direcionamento, ainda quando estado de Mato Gros-
so, a desenvolver a agricultura de grande porte na modalidade de extensos
latifúndios de terra (ALBANEZ, 2013).
Entretanto, a evidência do estado limita-se à esfera econômica do Agro-
negócio de exportação, de forma que as questões consideradas “menores”
continuam revestidas de invisibilidade perante parte da sociedade. Todavia,
Mato Grosso do Sul vem, ao longo dos últimos anos, desenvolvendo caracterís-
ticas importantes que possibilitam a inserção da agricultura familiar como
modalidade produtiva.
De acordo com Sangalli e Schlindwein (2013) a agricultura familiar exer-
ce uma função vital para promover o desenvolvimento regional, pois assegura
o acesso a políticas de crédito dentre outros benefícios. Segundo a FAO (2012)
a agricultura familiar auxilia a garantir a segurança alimentar da população
em âmbito local, regional e até mundial. Como as atividades são voltadas para
a produção de alimentos, recai sobre a categoria produtiva familiar a tarefa de
suprir a lacuna não desenvolvida pelo grande produtor rural.

1 Mestranda do Programa de pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos da


Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, PPGDRS/UEMS. E-mail: advbutarelli@gmail.com
2 Mestrando do Programa de pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, PPGDRS/UEMS. E-mail: paulo.rosilva@gmail.com
3 Mestranda do Programa de pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, PPGDRS/UEMS. E-mail: raquelbuss89@hotmail.com
4 Doutor em Economia e Professor do Mestrado em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos
da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, PPGDRS/UEMS. E-mail: ppgdrs@uems.br

171
As discussões acerca da agricultura familiar tomaram dimensão no esta-
do sobretudo a partir da política recente de distribuição de terras, com a ins-
talação da reforma agrária e o consequente estabelecimento de assentamen-
tos rurais. Essa nova modalidade de ordenamento do território passou a ser
considerada como um caminho capaz de induzir as interfaces social, ambien-
tal e econômica do desenvolvimento.
A partir dessas possibilidades contemporâneas surgem novas e desafia-
doras problemáticas a serem pesquisadas e discutidas. Em se tratando das
problemáticas existentes no âmbito da agricultura familiar merece destaque o
êxodo rural entre os jovens, questão que, segundo Abramovay (1998), deve
ser necessariamente considerada pelas regiões que pretendam o fortaleci-
mento desse modelo.
Para Weisheimer (2005) o êxodo rural entre os jovens se origina na invi-
sibilidade a eles imposta. Em movimento cíclico, da invisibilidade emerge a
migração que fortalece a invisibilidade, e deste modo o problema se sustenta.
Kummer e Colognese (2013), constataram que as pesquisas enfocadas na
juventude rural se debruçam exclusivamente sobre as dinâmicas de saída
(êxodo, migração) e permanência (sucessão, reprodução social) dos jovens no
meio rural. Entretanto, enquanto a dinâmica de saída é vastamente explorada
por pesquisadores, a de permanência se constitui como pontual lacuna na
produção científica.

OBJETIVO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O objetivo deste trabalho é compreender a sucessão familiar entre os as-


sentados rurais com sucessores, a partir da perspectiva dos jovens que per-
manecem no meio rural. Foram enfocados como objeto de pesquisa as unida-
des familiares do assentamento Dorcelina Folador, município de Ponta Porã –
MS, que apresentam em sua composição familiar jovens de 14 a 29 anos. Tal
intervalo etário foi definido através da categorização estabelecida por Abra-
movay (1998) conjugada às disposições da Organização Mundial da Saúde
(OMS) que caracterizam “juventude” e “juventude rural”.
Para a consecução do objetivo foram coletados dados primários através
de entrevistas e aplicação de questionários aos representantes de estabeleci-
mentos rurais que, em primeira seleção, apresentaram a existência de jovens
em sua composição familiar. Posteriormente foram reunidas as informações
coletadas a campo, analisadas e interpretadas por meio de análises lexicais.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Constatou-se que 86% dos jovens rurais pesquisados consideram existir


diferenças entre o jovem urbano e o rural. Os aspectos recorrentes utilizados
pelos pesquisados nessa percepção foram: poucas oportunidades de estudo,
trabalho e lazer para o jovem rural, ao contrário das oportunidades assegura-

172
das ao jovem urbano; inserção precoce do jovem rural no trabalho / trabalho
pesado.
Sobre as motivações existentes para que os jovens migrem em direção ao
meio urbano os pesquisados apontaram a falta de trabalho como o principal
aspecto que desencadeia a migração, seguido da busca por melhores condi-
ções de estudo.
Como fatores que motivaram a permanência dos entrevistados no meio
rural foram apontados de forma equilibrada a “tranquilidade/afinidades com
o campo” e a “família”. A população jovem pesquisada direcionou significativa
importância à família, fato que pode indicar um diferencial presente na estru-
tura social familiar dos jovens que almejam reproduzir o modo de vida rural.
Do total dos pesquisados 55% afirmaram ter projeto de vida possível de ser
realizado no assentamento rural. Pode-se considerar que os jovens que per-
manecem no assentamento gostam do campo, sobretudo pela tranquilidade
desse modo de vida, próximos à família, orientados por uma rotina de ritmo
próprio.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, R. et al. Juventude e agricultura familiar: desafios dos novos padrões


sucessórios. Brasília: UNESCO, 1998.
ALBANEZ, J. L. Ervais em queda: transformações no campo no extremo sul de mato grosso
(1940-1970). Dourados-MS: Ed. UFGD, 2013.
BRUMER, A. A problemática dos jovens rurais na pós-modernidade. In: CARNEIRO,
Maria José; CASTRO, E. G. (Orgs.). Juventude rural em perspectiva. Rio de Janei-
ro: Mauad X, 2007.
FAO - Organização das nações unidas para a alimentação e agricultura. Representação da
FAO no Brasil. O aumento populacional e os desafios da segurança alimentar: FAO
debate produção e demanda mundial por alimentos no Fórum SEBRAE de Conhe-
cimento. Brasília, 2012. Disponível em: www.fao.org.br/apdsa.asp com acesso em
29 junho 2016.
KUMMER, R; COLOGNESE, S. A. Juventude rural no Brasil: entre ficar e partir. Tempo
da ciência, volume 20, número 39, 2013.
SANGALLI, A. R; SCHLINDWEIN, M. M. A contribuição da agricultura familiar para o
desenvolvimento rural de Mato Grosso do Sul – Brasil. REDES, Santa Cruz do Sul,
v. 18, n. 3, p. 82-99, set./dez. 2013.
WEISHEIMER, N. Juventudes Rurais: mapa de estudos recentes. Brasília: MDA, 2005.

173
ANÁLISE DO DESAMPARO DIGITAL NOS
ASSENTAMENTOS RURAIS E SEU DESSERVIÇO
AO DESENVOLVIMENTO REGIONAL1

Aline Robles Brito2


Carlos Otávio Zamberlan3
Edson Pereira de Souza4
Romildo Camargo Martins5

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de novas tecnologias que favorecem e agilizam o


acesso às informações revigora a necessidade de políticas públicas ou priva-
das voltadas a Inclusão Digital, sob pena de ocasionar um distanciamento
ainda maior das populações excluídas deste processo revolucionário que a
tecnologia propõe.
Se por um lado as Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação
(TDICs) têm provido uma série de transformações positivas em diversos seto-
res da sociedade, por outro, tem suscitado uma realidade social marcada por
novas formas de dominação, desigualdades e exclusões (GROSSI et al., 2013).
Nesta ótica, Assumpção e Mori (2006) reforçam que os programas de in-
clusão digital devem ser estabelecidos de forma que a tecnologia seja utilizada
na melhoria da qualidade de vida das pessoas, extrapolando o usual aprendi-
zado da informática. Os autores propõem o uso da tecnologia para solução de
problemas básicos percebidos na saúde, saneamento e meio ambiente; na
formação de redes cooperativas entre pessoas com o uso da tecnologia; na
produção e circulação de informações locais, como jornais e outros veículos de
comunicação comunitários; no registro e difusão da cultura local por meio das
tecnologias, entre outros.
De fato, há de se reconhecer a existência de políticas de inclusão digital,
desenvolvidas pela esfera federal (como o Projeto Inclusão Digital Rural –

1Projeto de pesquisa, apoiado pela FUNDECT.


2 Mestranda do PPGDRS – UEMS. E-mail: alinerobles.brito@gmail.com
3Prof. Dr. em Economia – UEMS. E-mail: otaviozamberlan@gmail.com
4 Mestrando do PPGDRS – UEMS. E-mail:edsonps@uems.br
5 Mestrando do PPGDRS – UEMS. E-mail:romldocamargo@gmail.com

175
SENAR), entretanto estas, em geral se apresentam pontuais e descontínuas. A
percepção de falha nesse processo esperta nova propositura, que objetiva
estabelecer o empoderamento do conhecimento (informação) como ferra-
menta de libertação, de estímulo a criatividade e a reflexão.
Dentro deste entendimento, o desenvolvimento de novas tecnologias
transforma o risco de um fracionamento digital em oportunidade, ao transfe-
rirem os benefícios da computação, da internet e das tecnologias relacionadas,
para todos os segmentos da população, até mesmo para aqueles que estejam
em desvantagem devido à educação, gênero, idade, etnia ou que vivem em
regiões remotas (como em aldeias e assentamentos rurais), ou seja, em áreas
geograficamente distantes dos centros urbanos (TAKARASHI, 2000).
Uma vez que a desigualdade social e a exclusão digital coexistam, e a se-
gunda amplia este desequilíbrio, exigem-se novas percepções e posturas, que
permitam então amenizar este quadro. A assimilação destas dicotomias digi-
tais e suas consequências induzem a diversos questionamentos: O uso das
Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDICs) contribuiria
para o aprimoramento da capacidade criativa e reflexiva dos assentados?
Como o empoderamento consubstanciado através das TDICs poderia refletir
positivamente no cotidiano dos assentados? Quais as consequências da exclu-
são digital para o desenvolvimento social e econômico nos assentamentos
rurais?

OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

No contexto questionador explanado anteriormente, tais indagações in-


duzem ao objetivo deste estudo, que pretende descrever as consequências
sociais e econômicas causadas pelo desamparo digital à população do Assen-
tamento Rural “Itamarati I”, localizado no município de Ponta Porã-MS.
Tratar-se-á de uma pesquisa descritiva, bibliográfica e de natureza explo-
ratória, onde os dados coletados, através da pesquisa de campo, serão anali-
sados em caráter quali-quantitativo.

RESULTADOS ESPERADOS

O desamparo digital é uma definição que faz analogia ao termo “exclusão


digital” e que pretende dar sinonímia a ausência de políticas públicas e de
iniciativas privadas de inclusão digital em assentamentos rurais. Por meio
desta definição pretende-se evidenciar o estado de abandono, além de incitar
novas discussões sobre o tema. Trata-se de um assunto relevante, pois a de-
mocratização do acesso às novas tecnologias pode consubstanciar em melho-
res condições de vida, aos residentes rurais.
As TDICs em conjunto com a rede mundial de computadores ou World
Wide Web – também conhecida WWW ou Web – tem ampliado o fluxo infor-
macional, estabelecendo novos patamares de interação e conectividade mun-

176
dial, onde nesta “subordinação virtual” é quase inaceitável conjugar o verbo
“desconectar”. Aliás, as TDICs, têm-se infiltrado no cotidiano das pessoas e das
organizações. Tornando possível, por intermédio delas, realizar compras e
efetuar vendas, registrar e discutir opiniões, realizar negócios, fazer pesquisas
e buscar informações, entre outras atividades, sendo inúmeras as possibilida-
des.
Dessa forma, evidencia-se aqui que apesar da existência de programas de
inclusão digital por meio da iniciativa federal, os resultados ainda não são
perceptíveis no assentamento Itamarati I, especificamente, e é nesse sentido
que esta pesquisa se faz de suma importância, ao visar observar desde como
essa inclusão digital acontece e se acontece, caracterizando quais são as ex-
pectativas desta população rural frente às TDIC’s, além de identificar quais
seriam as consequências deste desamparo digital, e de que maneira as novas
tecnologias poderiam vir a contribuir para o desenvolvimento social destas
comunidades, compreendendo se haveria o interesse destas em participarem
dessa interação e inclusão tecnológica.
Os construtos da pesquisa serão formados com base nesses aspectos e
seriam direcionados para os assentados, visando analisar sob a percepção
deles acerca da realidade que vivenciam, descrevendo as consequências deste
desamparo digital e como a inclusão tecnológica pode favorecer o desenvol-
vimento regional, minimizando assim seus desserviços e as barreiras físicas
que os distanciam dos grandes centros.
Ademais, pretende-se ao final incitar novas discussões acerca deste as-
sunto, possibilitando o envolvimento dos agentes e dos atores locais, seja na
indicação de novas oportunidades de inclusão e/ou no aprimoramento daque-
las existentes, a luz dos resultados da pesquisa.

REFERÊNCIAS

GROSSI, M. G. R. Estudo das características de software e implementação de um sof-


tware livre para o sistema de gerenciamento de bibliotecas universitárias fede-
rais brasileiras. 2008. 253f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação). Univer-
sidade Federal de Minas Gerais, Escola de Ciência da Informação, 2008.
MORI, Cristina; ASSUMPÇÃO, Rodrigo. Inclusão digital: discursos, práticas e um longo
caminho a percorrer. [S.l.; s.n.], 2006. Disponível em:
http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/resumo_e-
desenvolvimento_pdf_final. Acesso em: 15set 2016.
TAKARASHI, T. Sociedade da informação no Brasil: Livro Verde. MCT, Brasília, 2000.

177
ARANDUASSU DIGITAL: UNA PROPUESTA DE
INCLUSIÓN DIGITAL EN ÁREAS REMOTAS

Carlos Busón Buesa1


Carlos Octavio Zamberlan2

INTRODUCCIÓN

Si queremos plantear una propuesta educativa creíble, debemos de tener


en cuenta la íntima relación que existe entre el mundo del trabajo, la tecnolo-
gía y la educación, las tres variables están íntimamente relacionadas, depen-
diendo una de la otra, conocerlas permitirá definir mejor nuestros objetivos.
No es ningún secreto saber el motivo de la insistencia en desarrollar ob-
jetivos, recomendaciones, publicación de informes, y evaluaciones de orga-
nismos, como son la Unión Europea, la OCDE, el Banco Mundial, el Foro Eco-
nómico Mundial, la UNESCO, etc., que insisten en la necesidad de un cambio en
el modelo educativo vigente, adaptándolo a las nuevas necesidades de la so-
ciedad, se insiste en potenciar el desarrollo de competencias digitales, esto
está íntimamente relacionado con la “economía del conocimiento”.
Son necesarios trabajadores e profesionales preparados para esta nueva
economía. Esto requiere la adaptación de la educación a los nuevos modelos
económicos, lo que sin duda puede aumentar aún más la brecha entre países
ricos de los que están en vías desarrollo y aquellos que en este momento se
encuentran por debajo de los umbrales de pobreza. Así como generar dichas
brechas dentro de las sociedades desarrolladas, si los estudiantes no tienen
las oportunidades de beneficiarse de ella. La educación nunca es un gasto, es
una inversión, fundamental y estratégica, para el crecimiento económico, so-
cial y cultural de un país.
La llegada de la tecnología al medio educativo antes estaba limitada a una
cuestión de equipamiento, esto, en muchos casos ya no es un problema, se
disponen de los medios técnicos necesarios. Ahora, lo que es indispensable
desarrollar son los métodos para usar dichas tecnologías, el problema actual
ya no son los medios, es una cuestión de métodos de enseñanza, y para ello
hay que formar a los docentes. Echeverría (2000) propone la necesidad de

1 Doutor em educação e Comunicação pela UNED/Madri/Espanha, Pós-doutorando pelo


PPGDRS/UEMS E-mail: cbuson@gmail.com
2 Doutor em Economia pela UFRGS e professor do Mestrado em Desenvolvimento Regional e de
Sistemas Produtivos - PPGDRS/UEMS. E-mail: ppgdrs@uems.br

179
desarrollar políticas adaptadas a los nuevos entornos en los países desarrolla-
dos, sin olvidar de extenderlas a todas las naciones más desfavorecidas para
que reduzcan las brechas digitales y sociales entre los pueblos.
No dejamos de insistir que pese a todas las posibilidades tecnológicas,
debemos tener en cuenta que dicha tecnología no está disponible para todo el
alumnado y profesorado. La brecha digital existe, pero no debemos olvidar
que en nuestro mundo existen muchas más brechas, algunas muy profundas.

OBJETIVOS Y MÉTODOS

Desarrollamos un proyecto de inclusión digital “El ARANDUASSU DIGI-


TAL”, inspirándonos en los parámetros de la Agenda 2030, de desarrollo sos-
tenible de las Naciones Unidas, la educación de calidad y la reducción de
desigualdades. Decidimos adaptar nuestro proyecto de forma que permita
que permita desarrollar la inclusión digital en aquellas comunidades más
vulnerables. Como son, en nuestro caso, las aldeas indígenas, los asentamien-
tos rurales, así como las escuelas rurales, así como todos aquellos que se en-
cuentran desconectados de Internet por cuestiones de infraestructura tecno-
lógica. Es prioritario desarrollar proyectos de inclusión digital en todos los
entornos, sobre todo en aquellos menos favorecidos. Según el BANCO MUN-
DIAL (2015, 12) los pueblos indígenas no se han beneficiado en la misma me-
dida del aumento exponencial y la democratización de las nuevas tecnologías.
La brecha digital refuerza formas preexistentes de exclusión, pues el acceso a
nuevas tecnologías se ha convertido en un aspecto fundamental del capital
social en sociedades latinoamericanas cada vez más globalizadas.
Desde el PPGDRS3 de la UEMS4 con sede en Ponta Porã, había la inquietud
de desarrollar mecanismos de desarrollo local que pudieran incidir positiva-
mente en el crecimiento económico, social y cultural. Por todo ello se empezó
a gestar a finales de 2015 y 2016 un proyecto que abarcase todos estos ámbi-
tos.
Lo proyecto parte de crear un sistema modular de aprendizaje digital que
puede adaptarse y modificarse dependiendo de las necesidades. Seria imple-
mentado mediante facilitadores locales, en nuestro caso alumnos universita-
rios de dichas comunidades. Hemos optado por desarrollarlo íntegramente en
software libre. En un primer momento queremos llevar información digital
básica, fundamentalmente materiales de consulta como libros, enciclopedias y
otros materiales útiles en la educación. Los datos previos nos indican un esca-
so uso de libros en dichas comunidades, sobretodo por su alto coste y dificul-
tad en obtenerlos. Lo que dificulta la difusión del conocimiento. Optamos por
distribuir materiales libre y gratuitos como la Wikipedia, el Wikidicionario, la

3 Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e de Sistemas Produtivos.


4 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

180
biblioteca Gutemberg, entre otros, en un soporte offline sin necesidad de recu-
rrir a Internet.

ANÁLISIS Y RESULTADOS ESPERADOS

El proyecto pretende desarrollar una comunidad de aprendizaje. Las co-


munidades de aprendizaje son un término ampliamente utilizado en la comu-
nidad educativa, resultado de la colaboración entre entes y personas que per-
ciben el potencial de desarrollo mutuo. Para Torres 5 (2001), una Comunidad
de Aprendizaje es una comunidad humana organizada que construye y se
involucra en un proyecto educativo y cultural propio, para educarse a sí mis-
ma lo que implica revisar la distinción convencional que existe entre escuela y
comunidad, así como entre educación formal, no-formal e informal, y los mo-
dos convencionales de ver y concretar las vinculaciones entre ellas.
Nuestro proyecto pretende asimismo desarrollar una investigación del
uso de dichos materiales, antes y después de la misma, para observar su acep-
tación, utilización, los puntos positivos, así como, las dificultades observadas
de forma que podamos desarrollar nuevas versiones mejor adaptadas a los
contextos que queremos llegar.

REFERENCIAS

BANCO MUNDIAL (2015, 12) Banco Mundial. 2015. Latinomérica Indígena en el Siglo
XXI. Washington, D.C.: Banco Mundial. Licencia: Creative Commons de Recono-
cimiento CC BY 3.0 IGO.
ECHEVERRÍA (2000) Derecho a la educación y sociedad globalizada por Javier Echever-
ría. - Consultado el 05-09-2016, en Internet
<http://www.oei.es/salactsi/entorno3.htm>
TORRES (2001) Documento presentado en el “Simposio Internacional sobre Comunidades
de Aprendizaje”, Barcelona Forum 2004, Barcelona, 5-6 Octubre 2001. - Consultado
el 05-09-2016, en Internet
< http://www.udlap.mx/rsu/pdf/1/RepensandoloEducativodesdeelDesarrolloLocal.pdf>

5 Documento presentado en el “Simposio Internacional sobre Comunidades de Aprendizaje”,


Barcelona Fórum 2004, Barcelona, 5-6 Octubre 2001. - Consultado el 20-11-2010, en
Internet<http://www.udlap.mx/rsu/pdf/1/RepensandoloEducativodesdeelDesarrolloLocal.pdf>

181
ANÁLISE DOS RESULTADOS E METAS DO IDEB1
DA REDE PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE PONTA
PORÃ/MS2

Juliana Faoro Gomes Brissov3


Carlos Otávio Zamberlan4

INTRODUÇÃO

Segundo Paulo Freire (1996) a educação é uma forma de intervenção no


mundo” principalmente quanto às suas ideologias: o ser, o pensar, o agir, o
viver em sociedade e a construção do saber. A dificuldade se verifica no estado
em que se compreende no Brasil como forma ideológica de dominantes e do-
minados. Como então avaliar a qualidade de ensino no Brasil a partir desses
pensamentos? A oportunidade escolar é realmente para todos, como propõe o
princípio das leis, diretrizes e bases (Lei 9394/96)5?
Para avaliar o saber/conteúdo, a qualidade educacional no Brasil aplica-
se um exame padronizado bianualmente para os alunos do final de cada etapa
de ensino (4ªsérie/5ºano, 8ªsérie/9º ano e 3ª série do ensino médio) em to-
das as escolas, tanto públicas (federais, estaduais e municipais),como priva-
das, a partir das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, combinado à
taxa de aprovação e permanência dos estudantes nas escolas durante este
período, resultando no indicador de Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica – IDEB6. Por abranger amplas responsabilidades, a educação propõe o

1 Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.


2 Projeto de Pesquisa apoiado pela Fundect.
3 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos -
PPGDRS pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul – UEMS.
4 Doutor em Economia e professor, coordenador do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento
Regional e Sistemas Produtivos - PPGDRS pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul –
UEMS. E-mail: otaviozamberlan@gmail.com
5 Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo
Presidente da República Fernando Henrique Cardozo que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional.
6 “O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é o indicador objetivo para a verificação do
cumprimento das metas fixadas no Termo de Adesão ao Compromisso Todos pela Educação, eixo do
Plano de Desenvolvimento da Educação que trata da educação básica. O Ideb será calculado e
divulgado periodicamente pelo Inep, a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo
Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep, o Saeb – para as unidades da federação e para
o país, e a Prova Brasil – para os municípios”.

183
desenvolvimento quando conceituado numa dimensão multifuncional e inter-
disciplinar na esfera social, política, econômica, humana e sustentável (SAN-
TOS et al., 2012). Assim sendo, pode expandir ou limitar o conhecimento
quando avaliado de forma interdisciplinar ou monodisciplinar, resultando no
progresso ou deterioramento de toda uma sociedade.

OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente resumo pretende a partir do sistema avaliativo de educação


entender as limitações e a integração do desenvolvimento regional analisando
os resultados e metas divulgadas pelo IDEB no município de Ponta Porã, Mato
Grosso do Sul. Os resultados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP7referem-se aos dez últimos
anos (2005 a 2015) e as metas projetadas até 2021, não foram observados os
resultados e metas da 3ª série do ensino médio e da rede privada, pelo não
fornecimento dos dados no site do INEP.

ANÁLISE E RESULTADOS

No município de Ponta Porã/MS, os resultados divulgados pelo IDEB


abrangem a rede pública de ensino (federais, estaduais e municipais) nos anos
iniciais (4ª série/5º ano) e anos finais (8ª série/9º ano) do ensino fundamen-
tal.

Gráfico 1- Resultados do IDEB em Ponta Porã - 1

IDEB - Resultados e metas


ponta porã/ms - anos iniciais
Resultados Metas

6
4
2
0
2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
Resultados 3,3 4 4,5 5 5,2 5,7
Metas 3,3 3,7 4,1 4,4 4,7 5 5,3 5,5

7 “O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) é uma autarquia
federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), cuja missão é promover estudos, pesquisas e
avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro com o objetivo de subsidiar a formulação e
implementação de políticas públicas para a área educacional a partir de parâmetros de qualidade e
equidade, bem como produzir informações claras e confiáveis aos gestores, pesquisadores, educadores e
público em geral”.(INEP)

184
Fonte: Dados organizados pelos autores com base no Instituto Nacional de Pesquisas Educacio-
nais Anísio Teixeira (Inep)/ Ministério da Educação (MEC).

Observando o gráfico pode-se perceber uma tendência na melhora dos


resultados do indicador, sempre próximo e superior a meta estabelecida. En-
tão, pode-se concluir que há uma melhora da qualidade de ensino nas séries
iniciais, pois o último resultado em 2015 foi superior ao observado nos anos
anteriores.

Gráfico 1- Resultados do IDEB em Ponta Porã - 2

IDEB - Resultados e metas


ponta porã/ms - anos finais

Resultados Metas

6
4
2
0
2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
Resultados 3,1 3,4 3,6 3,6 3,8 4,2
Metas 3,1 3,3 3,6 4 4,3 4,6 4,9 5,1

Fonte: Dados organizados pelos autores com base no Instituto Nacional de Pesquisas Educacio-
nais Anísio Teixeira (Inep)/Ministério da Educação(MEC).

O gráfico acima mostra que nos anos finais, as metas foram projetadas
em 2007 com a média 3.1, e o resultado só foi superior a meta em 2007 e
2009. Já em 2011foi igual, mas em 2013 e 2015 os resultados foram pouco
inferiores à meta estabelecida. Com isso, constatou-se o declínio na qualidade
de ensino em relação ao que foi percebido nos anos iniciais.
Observa-se a decadência no nível do ensino fundamental dos anos finais
para os anos iniciais. Entretanto, segundo o INEP a média de países desenvol-
vidos é 6.0 esclarecendo que o Ensino Fundamental não atingiu a média, con-
cluindo que ainda se possui uma fraca educação na região. A partir desta rea-
lidade, para impulsionar o desenvolvimento local no município de Ponta Porã
no que tange a educação, os governantes e a comunidade escolar deverão
propor mudanças fundamentais nas políticas públicas de educação, realizando
uma análise aprofundada das questões locais, a fim de proporcionar o pro-

185
gresso da região, uma vez que, a educação e o desenvolvimento são agentes
integradores e propulsores da emancipação democrática.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de de-
zembro de 1996. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm Acesso em:
14 de setembro de 2016.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
http://portal.inep.gov.br/conheca-o-inep Acesso em: 15 de setembro de 2016.
SANTOS, E. L.; BRAGA, V.; SANTOS, R. S.; BRAGA, A. M. S. Desenvolvimento: um
conceito multidimensional. Desenvolvimento Regional em debate. Ano 2, n. 1, p.
44-61, jul. 2012.

186
DINÂMICA ECONÔMICA E ESPACIAL DAS
EXPORTAÇÕES DE PRODUTOS DE BASE
FLORESTAL EM SANTA CATARINA.
UMA ANÁLISE PARA O PERÍODO DE 2005 – 2014.

Ivo Raulino1

1. Introdução

As exportações constituem-se numa importante alternativa de cresci-


mento das empresas, evitando capacidade produtiva ociosa. Ao contrário do
que se supõe geralmente, não são as exportações que estimulam o crescimen-
to e o desenvolvimento, mas é o crescimento interno da economia que acaba
gerando excedentes exportáveis, cujos impactos serão observados nos muni-
cípios, pois é lá que geralmente encontramos as bases produtivas das empre-
sas. Neste sentido, ao discutir-se a dinâmica espacial e econômica das expor-
tações das empresas de base florestal, procurou-se verificar basicamente se as
modificações nas exportações, para mais ou para menos, deve-se basicamente
às variáveis macroeconômicas, como a taxa de câmbio, ou se há outros fatores
determinantes da competitividade externa, expressa nas exportações, que de
alguma forma estejam relacionados com atributos construídos pelas empre-
sas, e que de alguma forma estejam relacionados os municípios nos quais en-
contram-se inseridos.

2. Cadeia produtiva de base florestal

O Setor Florestal Brasileiro (SFB) é marcado por uma amplitude de in-


dústrias e de produtos, sendo composto, basicamente, por três cadeias produ-
tivas : da madeira industrial (papel e celulose e painéis de madeira constituí-
da), do processamento mecânico da madeira (serrados e compensados) e da
madeira para energia ( lenha, cavaco e carvão vegetal).
De todos os segmentos produtivos do SFB, o de celulose e papel tem mai-
or expressão, contribuindo de forma relevante para o desenvolvimento do
Brasil. A cadeia produtiva deste setor abrange as etapas de produção de ma-
deira, energia, papel e celulose, conversão em artefatos de papel e papelão,

1
Economista e Doutor em Geografia Econômica pela USP. Pesquisador vinculado
ao Instituto Ignácio Rangel. E-mail: raulino@usp.br.

187
reciclagem de papel, produção gráfica e editorial, além de atividades de co-
mércio, distribuição e transporte.
O segmento de madeira reconstituída é composto por uma gama variada
de produtos, muito embora os mais conhecidos sejam o MDF (Medium Density
Fibreboard), o aglomerado, o OSB (Oriented Strand Board ) e as chapas de
fibras, destinados às fábricas de móveis, à construção civil, à fabricação de
outros produtos e à exportação. Já a indústria do processamento mecânico
corresponde às serrarias, às produtoras de lâminas para a indústria de com-
pensados, as de lâminas decorativas e as produtoras de Produtos de Maior
Valor Agregado ( PMVA). Dentre os principais PMVA produzidos no país, ain-
da que com foco no mercado externo, podem ser citados os blocks, blanks,
molduras, fence, pisos, janelas e outros, enquanto os voltados ao setor move-
leiro são principalmente os pré- cortados, componentes estruturais, EGP (
Edge Glued Panel) e outros.
A cadeia produtiva de base florestal catarinense, em 2015, representada
por 14.821 empresas, empregava 91.500 trabalhadores.

Figura Nº 01: Nº de empresas do setor florestal em SC por atividade em 2015.

Fonte: Anuário Estatístico de base florestal SC 2016.

Santa Catarina apresenta ampla variedade de empresas ligadas à indús-


tria de base florestal, as quais foram atraídas, em especial pela sua extensa
área e ampla distribuição do maciço florestal. O eixo central do Estado, repre-
sentado principalmente por Caçador e Lages, está entre as principais regiões
produtoras de serrado em SC, enquanto que Rio Negrinho e Canoinhas são

188
destaque na produção de compensado, assim como Três Barras, Otacílio Costa
e Correia Pinto se destacam no segmento de celulose e papel.
Dentro do segmento da indústria madeireira, as atividades de serrarias
com o desdobro de madeira em tora, bem como a produção de artefatos de
madeira ( exceto móveis ) são as que possuíam em 2015 o maior número e
empresas ativas.
Já com relação ao número de empregos nas atividades industriais de base
florestal, SC responde por 14% dos postos de trabalho do setor florestal ma-
deireiro nacional. O setor é um importante empregador de mão de obra direta
e formal do Estado, contribuindo na geração de empregos que estão distribuí-
dos, na sua maioria, nas diferentes regiões e municípios catarinenses.

Figura Nº 02: Evolução do nº de empregos formais e diretos em SC


no setor florestal por segmentos.

Fonte: Anuário Estatístico de base florestal SC 2016.

Entre 2006-2014, a taxa de crescimento anual do número de empregos


no setor em SC foi da ordem de 0,57% ao ano, alcançando neste último ano
92,6 mil postos de trabalho. Deste total em 2014, 32.106 ( 35%), estão con-
centrados nos seguintes municípios em ordem de importância : (1) Caçador;
(2) São Bento do Sul; (3) Lages; (4) Rio Negrinho; (5) Três Barras; (6) Santa
Cecília ; (7) Mafra; (8) Blumenau; (9) Canoinhas; e (10) Otacílio Costa.

189
Figura Nº 03: Nº de empregos formais diretos em SC nos dez municípios mais expressivos.

Fonte: Anuário Estatístico de base florestal SC 2016.

A geração de empregos formais relativos à atividade de silvicultura (


produção florestal), está concentrada principalmente nos municípios de Caça-
dor e Lages. Já a indústria de Celulose e Papel concentra o maior número de
empregos nos municípios de Três Barras, Caçador, Otacílio Costa e Lages. A
indústria madeireira, por sua vez, está pulverizada no Estado, com concentra-
ção quanto ao maior número de empregos gerados nos municípios de Caça-
dor, Lages e Santa Cecília.

3. A dinâmica das exportações

Tabela Nº 01: Santa Catarina. Exportações de produtos de base florestal – 2005– 2014.
Em US$ mil FOB.

Produto 2005 2007 2009 2011 2013 2014


Madeira e obras de 566.358 620.319 349.382 390.124 479.383 574.788
madeira
- Madeira serrada 87.470 91.806 58.203 76.118 68.199 101.746
-Madeira laminada 2.190 8.082 497 2.615 5.639 5.656
-Madeira perfilada 33.938 36.722 9.950 18.293 37.844 46.134
-Painéis madeira reconsti- 14.074 16.294 9.053 4.990 8.656 18.153
tuída
(MDF e aglomerado)
-Painéis madeira compen- 129.918 144.916 95.973 91.652 117.667 123.770
sada
- Molduras de madeira 18.642 11.369 10.613 13.516 25.825 33.835
- Caixas, engradados e 726 1.931 5.550 8.798 20.236 19.228
paletes
- Ferramentas, armações e 28.978 29.104 20.102 30.537 21.404 27.316
cabos

190
- Portas, janelas, assoalhos 199.671 233.166 122.283 126.410 146.018 152.969
e obras de marcenaria e
carpintaria
- Outras madeiras e obras 50.749 38.698 17.158 17.195 27.894 46.381
de madeira
Papel e celulose 176.386 202.166 150.153 226.517 201.431 235.805
- Pasta de celulose e papel 29.772 3.498 1.662 9.778 10.676 10.965
sanitário
- Embalagens e pasta 25.437 42.976 37.355 50.032 55.086 51.819
“quate”
- Papel e cartão kraft, 116.627 148.109 111.120 163.551 130.601 167.310
kraftliner
- Outras pastas e papéis 4.549 7.293 16 ----- ----- 5.711
Móveis de madeira 415.314 342.486 240.680 187.895 173.951 190.878
- Móveis madeira p/ 20.115 14.950 5.698 3.031 2.231 2.104
escritório
- Móveis de madeira p/ 15.241 24.659 13.718 9.270 7.665 8.705
cozinha
- Móveis de madeira p/ 171.965 130.063 106.964 94.698 90.063 107.103
quartos
- Outros móveis de madeira 170.711 140.098 90.921 62.735 58.946 58.633
- Componentes p/ móveis 36.824 31.562 22.381 16.263 14.718 14.333
de madeira
- Outros ----- 1.018 999 1.705 329 -----
Total Produtos Florestais 1.159.158 1.173.366 754.250 810.464 862.249 1.001.471

Fonte : Tabela elaborada pelo autor com base nos dados do MDIC.

Na tabela nº 01 apresenta-se as exportações de produtos de base flores-


tal para o período 2005-2014.
De forma geral, observa-se três grandes grupos de produtos: madeira e
obras de madeira, papel e celulose e móveis de madeira.
Considerando-se o período 2005-2014, constata-se uma queda de 13,5%
nas exportações agregadas, passando de US$ 1.159.158 em 2005 para US$
1.001.871 em 2014.
No entanto, ao considerar-se o comportamento dos três grandes grupos
de produtos, observa-se comportamentos distintos. O grupo madeira e obras
de madeira praticamente manteve em 2014 seu nível de exportações pratica-
do em 2005. Já o grupo papel e celulose apresentou, no período em considera-
ção, crescimento da ordem de 33,6%, ou seja, um crescimento médio anual da
ordem de 3,3%, impulsionado basicamente pelas exportações de papel e car-
tão kraft.
Por outro lado, o grupo móveis de madeira foi o que apresentou o pior
resultado no período, passando de US$ 415.314 de exportações em 2005 para
US$ 190.878 em 2014. Uma queda da ordem de 54,0%. Praticamente todos os
tipos de móveis de madeira sofreram queda nas suas exportações.
Outra importante análise das exportações de produtos de base florestal
pode ser realizada sob a perspectiva espacial das mesmas.
Embora em praticamente todo o Estado de Santa Catarina existam em-
presas que utilizam a madeira como matéria prima, sabe-se que a cadeia pro-
dutiva, envolvendo desde a produção de matéria prima (reflorestamentos),
até a produção de artigos de base florestal, concentra-se basicamente no Pla-
nalto Norte, região Serrana e parte da região do Contestado.

191
Inicialmente cabe aqui uma importante observação. Ao discutir-se a di-
nâmica espacial das exportações, considerar-se-á a participação dos municí-
pios neste processo. Para tanto, selecionou-se os quinze municípios mais ex-
pressivos em termos de exportações de produtos de base florestal.
Com efeito, do ponto de vista da dinâmica espacial, o período 2005 –
2014 apresentou mudanças significativas nas exportações.
Inicialmente constata-se que os mesmos praticamente mantiveram sua
participação percentual ao longo do período em consideração, passando de
67,7% em 2005 para 71,7% em 2014, revelando significativo grau de concen-
tração espacial.
No entanto, analisando-se cada município em particular, percebe-se, de
imediato, algumas mudanças significativas.
Com efeito, a mudança mais expressiva ocorreu com o município de São
Bento do Sul, que apresentou queda nas suas exportações da ordem de 60%,
passando de US$ 216.211 mil em 2005 para US$ 87.893 mil em 2014, confor-
me dados da tabela nº 02.
Ainda com relação à queda nas exportações, vale destacar os municípios
de Canoinhas, com redução nas exportações da ordem de 57,0% e Rio Negri-
nho, que reduziu suas exportações em 31,5%.
Por outro lado, dentre os municípios que apresentaram crescimento em
suas exportações estão Campos Novos (265%), Três Barras (148%), Vargem
Bonita (89%), Curitibanos (49%), e Salete (40%).
Essa mudança na dinâmica espacial encontra explicações basicamente no
tipo de produto de base florestal exportado por cada município.

Tabela Nº 02: Exportações do complexo Agro florestal de SC por municípios – 2005 -2014. Em
US$ Mil FOB.

Municípios Anos
2005 2007 2009 2011 2013 2014
São Bento do Sul 216.211 145.583 111.787 88.467 75.527 87.893
Caçador 113.664 105.370 74.362 95.461 125.387 129.282
Rio Negrinho 84.920 92.432 31.655 33.477 49.034 58.291
Otacílio Costa 79.856 105.821 64.268 96.078 86.841 87.064
Lages 55.304 50.727 38.386 41.654 53.955 50.018
Canoinhas 50.743 50.108 34.862 23.828 20.433 21.903
Santa Cecília 40.625 36.804 36.848 34.374 45.046 44.053
Mafra 27.238 30.607 23.805 20.518 19.854 20.412
Três Barras 24.274 27.532 25.742 28.265 29.306 60.283
Salete 16.000 15.937 10.733 11.846 16.846 22.326
Pouso Redondo 17.218 18.454 6.518 4.212 6.868 5.009
Campos Novos 10.569 22.196 21.251 39.777 34.206 33.948
Timbó Grande ----- ----- ----- 14.504 20.607 21.424
Curitibanos 37.589 31.187 19.001 26.335 25.251 55.993
Vargem Bonita 11.052 14.248 12.914 19.749 21.389 20.873
A – Total (1+2+..15) 785.263 747.006 512.132 578.545 630.550 718.772
B – Total de SC 1.159.158 1.173.366 754.250 810.464 862.249 1.001.871
Participação % A/B 67,7% 63,7% 67,9% 71,4% 73,1% 71,7%

Fonte : Tabela elaborada pelo autor com base nos dados do MDIC.

192
No Planalto Norte de SC concentra-se cerca de 80% da produção de mó-
veis de madeira, em torno dos municípios de São Bento do Sul, Rio Negrinho,
Mafra e Campo Alegre.
Os municípios de São Bento do Sul e Rio Negrinho foram os que apresen-
taram as maiores quedas nas suas exportações. Em 2005, os dois municípios
respondiam por 63,6% de todas as exportações de móveis de madeira em
Santa Catarina, passando para algo em torno de 44,5% do total exportado pelo
Estado em 2014. Uma redução na participação sobre o total da ordem de vinte
pontos percentuais. No caso de São Bento do Sul, as alterações foram dramáti-
cas. Para que se tenha uma melhor compreensão do problema, em 2005, a
Industria Artefama, maior empresa exportadora de móveis do município, ex-
portou U$ 31.202 mil o que representava 14,5% do total de móveis exporta-
dos pelo município. Em 2015, a empresa praticamente não exporta mais, en-
contrando-se em recuperação judicial a partir do ano de 2012. O caso da Arte-
fama nos dá uma dimensão das consequências econômicas e sociais sobre
determinados setores da economia voltados basicamente ao setor externo,
quando são afetados por mudanças na política macroeconômica do Governo
Federal.
Por outro lado merece destaque o município de Caçador, que apresentou
crescimento nas exportações de móveis de madeira da ordem de 51%, pas-
sando de US$ 22.848 mil em 2005 para US$ 34.451 mil em 2014.
Considerando-se o total das exportações do complexo agroflorestal de
Caçador, percebe-se que o município apresentou ligeiro crescimento entre o
período 2005 – 2014 da ordem de 13,5%. Entre os anos de 2005 e 2009 apre-
sentou redução nas exportações totais, iniciando um movimento de recupera-
ção a partir do ano de 2010, chegando em 2014 com um volume de exporta-
ções da ordem de US$ 129.282 mil. Esse dinamismo exportador do município
deve-se ao fato de que o mesmo apresenta uma diversificação nas suas expor-
tações de produtos de base florestal, fruto de uma diversificação industrial
baseada no uso da madeira como matéria – prima.
Ao contrário de São Bento do Sul, Mafra, Rio Negrinho e Campo Alegre,
cujas exportações concentram-se basicamente nos móveis de madeira, Caça-
dor possui uma diversificação maior, que inclui móveis de madeira, portas e
janelas e molduras de madeira, além de papel e celulose.
Com relação às molduras, o município é o maior exportador nacional do
produto, com volume de US$ 21.703 mil em 2014.
Nas exportações de móveis de madeira, há em Caçador duas empresas,
que são a Temasa Ind. de Móveis Ltda e a Ind. de Móveis Rotta Ltda, que res-
pondem por 90% das exportações. Estas duas empresas têm sido responsá-
veis pela ascensão de Caçador como um novo centro produtor de móveis em
série. Já com relação às exportações de portas e janelas, o município expor-
tou, em 2014, US$ 55.685 mil , o que corresponde a 45% do total exportado
pelo Estado de Santa Catarina. Há em Caçador três grandes empresas expor-

193
tando portas e janelas: a Frameport, a Adami Madeiras e a Sincol S/A. Vale
destacar que a Frameport exporta praticamente 100% de sua produção para
mercados na Europa, EUA e Ásia.
Também merecem destaque a ascensão dos municípios de Curitibanos e
Timbó Grande. O primeiro manteve seu ritmo nas exportações até 2013, ex-
portando neste ano algo em torno de vinte e cinco milhões de dólares de pro-
dutos como madeira serrada e cabos de madeira para ferramentas. Encon-
tram-se no município como principais exportadores a Malinski Madeiras Ltda,
a Madescur Ind. Com. Madeiras Ltda, a Madeiras Brocardo Ltda, a Madeiras
Marisol Ltda e a Latina Sul Madeiras Ltda. No entanto, a partir de 2014 o mu-
nicípio deu um salto nas suas exportações. Isso deve-se ao fato de que o muni-
cípio é sede da Berneck S/A, uma gigante do complexo agroflorestal, que pro-
duz MDF para o mercado interno e externo, e que começou a exportar a partir
de Santa Catarina. Inicialmente, em 2013, a empresa exportou algo em torno
de cinco milhões de dólares. Mas, em 2014 a empresa exportou cerca de trinta
milhões de dólares e em 2015 chegou a exportar quarenta e dois milhões de
dólares em MDF.
Já quanto ao desempenho de Timbó Grande, o município passou a expor-
tar a partir de 2010, de forma tímida, mas já em 2014 apresentou exportações
na casa de vinte milhões de dólares. Essa ascensão do município deve-se ao
fato de ser sede de uma filial da empresa Lavrasul S/A Compensados e Lami-
nados, que começou a exportar a partir de Timbó Grande em 2010. Isso justi-
fica em parte o declínio nas exportações de Canoinhas a partir de 2010. A sede
da Lavrasul S/A fica em Canoinhas e tudo leva a crer que a empresa decidiu
ampliar as suas exportações a partir de sua filial em Timbó Grande.
Também é importante destacar a participação de Santa Cecília nas expor-
tações de produtos de base florestal. Neste sentido, percebe-se de que o muni-
cípio conseguiu manter o seu nível de exportações no período em considera-
ção, apresentando basicamente dois produtos em sua pauta de exportações:
madeira compensada e móveis de madeira., O município é sede da Guararapes
Indústria de Compensados, que exportou em 2014 U$ 34.219 mil, o que cor-
responde a 77,6% de todas as exportações do município naquele ano. A em-
presa tem como destino no exterior basicamente o mercado americano, para o
qual fornece madeira compensada para o setor da construção civil.
Concluindo a análise da dinâmica espacial, cabe mencionar o desempe-
nho dos municípios de Campos novos, Vargem Bonita e Três Barras, ambas
sedes de grandes empresas de celulose e papel. Em Três Barras temos a Rige-
sa, que no período 2005-2014 ampliou em 162% as suas exportações. Em
Campos novos temos a Iguaçu Celulose e Papel, que no mesmo período tam-
bém ampliou as suas exportações, passando de modestos nove milhões de
dólares para mais de trinta milhões de dólares em 2014.

194
Em Vargem Bonita está a sede da Irani Papel e Celulose, que no período
em consideração apresentou crescimento da ordem de 86% nas suas exporta-
ções.
Foram estas três grandes empresas, cuja produção é fortemente vertica-
lizada, as responsáveis pelo aumento das exportações de celulose e papel em
Santa Catarina, já que a outra grande empresa, que é a Klabin, manteve prati-
camente seu nível de exportações no período em consideração. A Klabin em
Santa Catarina exporta a partir de três municípios, onde mantém unidades
produtivas : Correia Pinto, Lages e Otacílio Costa. O desempenho exportador
das principais empresas de papel e celulose em Santa Catarina está na tabela
nº 03 abaixo.

Tabela Nº 03: Exportações de papel e celulose das principais empresas de SC. Em Mil US$ FOB.

Empresas Anos
2005 2007 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Klabin 103.539 134.009 95.241 102.771 128.592 107.617 118.285 132.153
Irani 21.499 33.283 26.693 23.329 21.225 19.901 21.819 39.728
Iguaçú 9.206 19.857 19.739 26.787 38.617 33.461 31.646 30.750
Rigesa 15.182 18.016 16.869 20.935 21.600 12.663 14.504 39.912
Primo 10.325 8.167 3.684 7.807 8.420 6.227 5.133 2.181
Tedesco
Totais 159.751 213.332 162.226 181.629 218.454 179.869 191.387 244.724

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base nos dados do MDIC.

A compreensão da dinâmica espacial das exportações passa pelo enten-


dimento acerca da dinâmica econômica . Nesse sentido, no Brasil, a partir de
meados dos anos 1990, inicia-se um processo de maior abertura comercial,
num contexto de avanço da globalização, o que acaba expondo de forma mais
intensa as empresas brasileiras à concorrência externa.
A Globalização, tratada por alguns autores como a mundialização do capi-
tal ( Chesnais,1996), ou como um estágio mais avançado do processo histórico
de internacionalização das economias ( Coutinho, 1992), tem provocado im-
portantes e rápidas mudanças econômicas e sociais, que afetam tanto as for-
mas concorrenciais, as estruturas produtivas, assim como os padrões de con-
sumo.
Para Gonçalves (1998), a globalização produtiva caracteriza-se por três
processos: avanço do processo de internacionalização da produção, acirra-
mento da concorrência internacional e uma maior integração entre as estrutu-
ras produtivas das economias nacionais.
Nessa mesma linha de raciocínio, Baumann (1996), destaca a convergên-
cia das características do processo produtivo nas diversas economias.

195
Pressionado pelo avanço da globalização, a partir de janeiro de 1999, o
Governo brasileiro passa a adotar o regime de câmbio flutuante, o que faz com
que até 2002 houvesse uma forte desvalorização na taxa de câmbio. No entan-
to, a partir de 2004, já no governo Lula, começa a ocorrer uma constante e
gradual valorização nominal da taxa de câmbio, fenômeno que vai até 2011,
quando o dólar chegou ao patamar de R$ 1,88 ( gráfico 01).

Gráfico nº 01 : Taxa nominal de câmbio para o período 2001-2015.

5
3,91
4 3,53
2,89
2,65 2,65
R$/US$

3 2,32 2,34 2,14 2,34 2,34


2,04
1,77 1,74 1,67 1,88
2

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
ANOS

Fonte: Elaborada pelo autor a partir de dados do BACEN.

O contexto dessa forte valorização do real frente ao dólar é marcado por


uma política de combate à inflação apoiada na taxa de câmbio, que se valoriza
como reflexo da política de juros elevados, que passou a atrair para o Brasil
um elevado fluxo financeiro, capital tipicamente especulativo , aplicado em
Bolsa de Valores e no sistema financeiro.
Os efeitos fazem se sentir sobre a balança comercial do país, com redução
nas exportações e aumento nas importações.
Do ponto de vista das exportações, sabe-se que a valorização do real fren-
te ao dólar provoca efeitos negativos sobre as exportações de várias empresas
dos mais diferentes setores da economia nacional. Neste sentido, os números
indicam que as exportações de produtos de base florestal não fogem à regra.
Se considerarmos as exportações de base florestal de Santa Catarina à
partir do ano de 2002, percebe-se que até 2006 houve aumento de 52,6%,
com notável crescimento médio da ordem de 10,5% ao ano nas exportações
de produtos florestais, com reflexos em toda a cadeia de base florestal. Não
por acaso é exatamente nesse período em que ocorrerá uma forte desvalori-
zação na taxa de câmbio, o que fez aumentar a competitividade externa das
empresas nacionais, incluídas aí as empresas catarinenses do setor.

196
No entanto, a partir de 2006 inicia-se no país um processo de apreciação
cambial, que irá afetar as exportações nacionais. Em Santa Catarina as expor-
tações de base florestal também foram afetadas, com impacto mais significati-
vo sobre as exportações de móveis de madeira e, com menor intensidade as
exportações de Madeira e obras de madeira.
A taxa de câmbio é um importante elemento da política comercial de um
país, na medida em que é através dela que as empresas nacionais irão se de-
frontar com seus concorrentes nos mais diferentes mercados externos. É tam-
bém um importante elemento de medida do grau de competitividade externa
das empresas nacionais no exterior. No entanto, não é o único elemento de-
terminante da competitividade externa.
De forma ampla, é preciso dizer de que a competitividade está ligada à
capacidade de competir, o que numa abordagem geral pode ser resultante de
vários fatores que permitem que os agentes tenham maiores chances de “ga-
nhar” o jogo econômico, mesmo que por um determinado período de tempo.
A grande diversidade de conceitos e abordagens sobre a competitividade
tem origem nas diferentes correntes teóricas que estão centrando esforços em
compreender o crescente aumento da competição capitalista.
A noção de competitividade depende da perspectiva em que a corrente
teórica vislumbra a competição. Neste sentido, as abordagens ligadas ao “ma-
instream”, que entendem a racionalidade econômica como a maximização de
uma função maximização como lucros, vendas ou crescimento, costumam
entender a competitividade como um resultado, uma relação “ex post”. As
empresas que apresentarem um melhor desempenho revelado são as que se
apresentam mais competitivas.
Por outro lado, as correntes ligadas ao enfoque neo-schumpeteriano, cos-
tumam entender a competitividade como algo dinâmico. As decisões tomadas
hoje, em ambiente de incerteza, poderão refletir em uma maior capacidade de
competir.

Kupfer (1991) detalha melhor esta divisão dos conceitos de competitivi-


dade:

i) competitividade como desempenho : nessa vertente, a competitividade é de


alguma forma expressa na participação no mercado (“market-share”) alcan-
çada por uma firma em um mercado em um momento do tempo [...]para os
que advogam a versão desempenho, competitividade, como um fenômeno “ex-
post”, é o resultado de um vasto conjunto de fatores, dentre os quais a eficiên-
cia técnica produtiva é apenas um deles e nem sempre o mais importante. ii)
competitividade como eficiência : nessa versão, busca- se de alguma forma
traduzir a competitividade através da relação insumo produto praticada pela
firma, i.e., na capacidade da empresa de converter insumos em produtos com
o máximo de rendimento [...] para os que seguem a vertente “eficiência”, por
sua vez, competitividade é um fenômeno “ex ante”, i.e., é um grau de capacita-
ção detido pelas firmas, que se traduz nas técnicas por elas praticadas. O de-

197
sempenho no mercado seria uma provável conseqüência [sic] da competitivi-
dade e não sua expressão ( p. 262 – 264 ).

Por outro lado, de acordo com Possas (1996),

[...] se o “locus” da concorrência é, por definição, o mercado, seu agente é, na-


turalmente, a empresa, mediante a formulação e execução de estratégias
competitivas. No entanto, como competitividade pressupõe capacidade inova-
tiva (“lato sensu”), as condições específicas (tecnológicas, produtivas e de
mercado) da indústria considerada e do ambiente econômico num sentido
mais amplo (externalidades físicas, sociais, técnico-científicas; condições insti-
tucionais; aparato regulatório) são decisivas para que as empresas desenvol-
vam seu potencial competitivo, naturalmente diferenciado e assimétrico ( p.
73).

O ponto de partida, portanto, é o estudo das estratégias adotadas pelas


empresas. Neste sentido, Possas (1999), entende que a busca pela vantagem
competitiva deve centrar-se em dois tipos de estratégias. São elas: vantagens
de custos e vantagens de diferenciação de produtos. Segundo a autora, a em-
presa deve escolher uma destas duas estratégias por ser muito difícil conse-
guir ganhos em todas as áreas.
As vantagens de custos têm as seguintes dimensões, segundo Possas
(1999): a) economias de escala; b) economia de escopo; c) capacidade de fi-
nanciamento da firma; d) patentes e licenciamento de tecnologia; e) relações
com fornecedores e(ou) garantia de matérias-primas; f) relações com a mão-
de-obra; g) organização da produção; h) eficiência administrativa e i) capaci-
tação.
Já as vantagens de diferenciação de produto são conseguidas com: a) es-
pecificação; b) desempenho ou confiabilidade; c) durabilidade; d) ergonomia e
“design”; e) estética; f) linhas de produto; g) custo de utilização do produto; h)
imagem e marca; i) formas de comercialização; j) assistência técnica e suporte
ao usuário; k) financiamento aos usuários e l) relações com usuários.
A firma, ao escolher sua estratégia básica, deve empreender ações dentro
destas dimensões para que consiga vantagens sobre as demais. As dimensões
têm caráter setorial, ou seja, para cada setor uma determinada dimensão tem
maior importância. Ao mesmo tempo, as dimensões da concorrência devem
ser analisadas dentro de uma perspectiva temporal. Estas dimensões, por sua
vez, tem caráter histórico:

[...] nunca é demais lembrar o caráter histórico do processo competitivo, tanto


pelo surgimento de novas dimensões da concorrência e perda da importância
de outras, como pelo fato de que esse processo só tem importância funda-
mental numa sociedade capitalista como a nossa, que em principio não há por
que julgar eterna (POSSAS, 1999, p. 98).

É o caráter temporal das dimensões da concorrência que faz dos autores


neoschumpeterianos apontarem a competitividade como um fator “ex-ante”.

198
Por outro lado, Ferraz et al. (1997) propõe que a análise da competitivi-
dade deve ser centrada em três fatores principais. Estes fatores englobam
diversos aspectos que vão desde os internos às empresas até aqueles que se
referem à inter-relação do país com o mundo. Os fatores propostos são: a)
empresariais; b) estruturais; c) sistêmicos.
Nos fatores empresariais estão incluídos a idade e a produtividade do ca-
pital fixo, as técnicas de gestão e produção, as estratégias de “marketing” e
logística, pesquisa e desenvolvimento e treinamento de pessoal. São os fatores
empresariais que consideram as ações das empresas, enquanto, participantes
ativos do processo econômico. As decisões de uma empresa hoje a capacita
para poder auferir melhor desempenho no futuro, porém, sobre ambiente de
incerteza. Ou seja, somente posteriormente é que se saberá se as medidas
foram acertadas.
Os fatores estruturais são aqueles sobre os quais a capacidade de inter-
venção da empresa é limitada pela mediação do processo de concorrência,
estando por isso apenas parcialmente sobre sua área de influência. Desta for-
ma, o tamanho do mercado, o grau de integração da cadeia produtiva e o pro-
cesso de terceirização devem ser analisados como componentes dos fatores
estruturais. Porém, os fatores estruturais não são baseados apenas no padrão
de concorrência. Vê- se que já existem algumas externalidades com as quais as
empresas devem lidar. No entanto, estas externalidades podem sofrer alguma
influência por parte das empresas. Por exemplo, as exigências dos consumido-
res é algo totalmente externo às empresas, mas campanhas publicitárias po-
dem afetar positivamente esta externalidade.
Os fatores sistêmicos envolvem, por sua vez, os seguintes aspectos que
são totalmente externos às empresas: a) macroeconômicos; b) político institu-
cionais; c) legais -regulatórios; d) infraestruturais; e) sociais; e f) internacio-
nais. O aspecto macroeconômico apresenta quesitos como taxa de câmbio,
carga tributária, taxa de juros, política salarial, dentre outros. Já o aspecto
político-institucional está ligado à estrutura política e como esta determina as
políticas governamentais, tais como política tributária, políticas de incentivos
regionais e/ou setoriais e outros. Os parâmetros legais regulatórios são refle-
xos da estrutura jurídica do Estado, quer seja com leis de proteção à proprie-
dade industrial, quer seja com leis de preservação ambiental ou até mesmo de
defesa da concorrência. A infra-estrutura, por outro lado, pode afetar a com-
petitividade pelos custos extras que podem representar. Desta forma, insumos
como energia, transportes, telecomunicações e outros são chaves para a análi-
se deste parâmetro dos fatores sistêmicos.
Dentro dos fatores sociais encontram-se, principalmente, aqueles relati-
vos à mão- de- obra, quais sejam: sua abundância/escassez, nível de educação,
estrutura sindical e seguridade social. Por fim, os aspectos internacionais po-
dem afetar tanto o mercado consumidor da empresa, quanto suas fontes de

199
recursos. Assim, o comportamento do comércio mundial e os fluxos internaci-
onais de capital são fatores que podem afetar a competitividade.
Em pesquisa realizada na indústria de base florestal da região de Lages,
Hoff et al. (2006), buscando verificar a competitividade do setor, selecionou
um universo de 60 empresas, todas filiadas ao Sindimadeira, das quais 20
foram efetivamente visitadas para a aplicação de um questionário, em setores
como serrarias, laminadoras, fábricas de painéis de madeira, fábricas de mó-
veis, artefatos de madeira, além das fábricas de celulose e papel. Estas por
sinal foram excluídas da pesquisa, por razões não especificadas pelos autores.
Embora os autores não tragam dados empíricos sobre o desempenho das
empresas sobre o setor objeto da pesquisa, os mesmos concluem que muitos
dos padrões competitivos estabelecidos pelo referencial teórico adotado pe-
los autores não estão sendo seguidos, o que faz deste um setor pouco competi-
tivo nos mercados nacional e internacional. Para os autores, o que mantém o
setor ainda produzindo é, principalmente, o baixo custo de produção, propor-
cionado pela produtividade da matéria prima e pelo baixo investimento nas
plantas industriais (p. 131) (sic), embora os autores do estudo não tenham
apresentado nenhum indicador empírico do desempenho das firmas, como
por exemplo, as exportações, que são um importante indicador para avaliar-se
o desempenho externo das empresas de qualquer setor. Quais foram as em-
presas pesquisadas não sabemos, já que os autores decidiram optar pelo uso
de metodologia que omite o nome das empresas.
As conclusões dos autores não se aplicam de forma generalizada às de-
mais empresas no estado de Santa Catarina. Com efeito, observando-se os
dados da tabela nº 01, com relação às exportações de Madeira e obras de ma-
deira, é provável que exportações de produtos mais simples como madeira
serrada, laminada ou perfilada, seja de fato realizada por empresas cuja van-
tagem competitiva seja de fato proveniente de baixo custo de produção, pro-
veniente de produtividade da matéria prima. No entanto, ainda dentro deste
grupo de exportações, quando observamos as exportações de portas e janelas
e painéis de madeira reconstituída (MDF e Aglomerados), a competitividade
de empresas como a Frameport, a Sincol, a Adami, a Rhoden, a Guararapes, a
Lavrasul e a Berneck, em boa medida é resultado do forte processo de vertica-
lização da produção, desde a matéria prima, até aos bens finais, gerando aqui-
lo que (CHANDLER, 1990), chama de economias de escala e com posteriores
economias de variedade ou escopo, além de outros atributos apontados pelo
referencial teórico acima adotado. São todas grandes empresas, com partici-
pação expressiva nas exportações, e que mesmo num contexto de forte valori-
zação cambial não apresentaram queda em suas exportações, o que evidencia
forte capacidade competitiva em mercados externos, em razão de atributos
construídos internamente por estas empresas.
Por lado, quando consideramos o setor produtor de móveis de madeira,
constata-se que a taxa de câmbio parece ter sido um problema sério para uma

200
boa parte das empresas catarinenses exportadoras de móveis, como é o caso
da indústria moveleira de São Bento do Sul. A propósito das exportações de
São Bento do Sul, importante análise sobre as empresas deste município foi
realizada por (COMERLATTO, 2007), que já em 2007 apontava também a taxa
de câmbio como um entrave à continuidade das exportações de móveis pelas
empresas de São Bento do Sul. No entanto, o autor vai além e detecta outro
fator importante. Em sua pesquisa realizada junto a dez empresas exportado-
ras de móveis, constatou-se que todas elas exportavam 100% de sua produ-
ção, principalmente para o mercado americano. E o que é pior : as empresas
exportavam com marca dos compradores e não com marca própria, ou seja, as
exportadoras de móveis produziam o que na literatura se chama de private
label , ou seja, quando as empresas produzem bens de consumo para outras
empresas comercializarem como sendo produção sua. Além disso, o autor
detectou também o fato de que as empresas de São Bento do Sul encontram-se
numa cadeia produtiva global comandada pelo que (GEREFFI, 1994) chama de
Buyer- Driven , ou seja, a produção e exportação destas empresas é comandada
por grandes redes de compradores no exterior, principalmente nos EUA, que
encomendam estes móveis que são produzidos em São Bento do Sul mas ex-
portados com a marca do comprador nos EUA, fazendo com a maior parte do
valor gerado ao longo da cadeia produtiva seja apropriado pelos compradores
nos EUA e não pela indústria moveleira em São Bento do Sul. Neste contexto,
as grandes redes de compradores no exterior exigem principalmente preços
competitivos, pressionando em muito as margens de lucros das empresas
produtoras. Segundo (COMERLATTO, 2007), a inserção da indústria de móveis
de São Bento do Sul na cadeia mercantil global de móveis se dá de forma am-
plamente dependente e subordinada aos interesses dos compradores estran-
geiros. Este fato, aliado a já mencionada forte valorização da taxa de câmbio,
foram os fatores determinantes na debaclê da indústria moveleira de São
Bento do Sul. Há que se frisar também de que grande parte destas empresas
de São Bento do Sul não optou pelo mercado interno, mesmo num período de
crescimento da economia brasileira, quando se observou o crescimento da
renda per capta nacional, o que poderia se constituir numa válvula de escape
para períodos de crise nas exportações. Percebe-se que foi um erro de estra-
tégia empresarial.
Estratégia diferente parece ter sido adotada por outras empresas no es-
tado de SC, como é o caso da Móveis Rotta de Caçador e da móveis Rennar de
Fraiburgo, que inicialmente voltaram-se para o mercado interno, passando a
buscar o mercado externo somente num segundo momento, quando já haviam
se consolidadas como grandes empresas produtoras nacionais. Além disso, a
forma de inserção das duas empresas no mercado externo não se deu de for-
ma subordinada a nenhuma rede de compradores. Em 1998, a duas empresas
resolveram constituir uma empresa responsável pela comercialização dos
seus móveis, no exterior, principalmente nos EUA, onde no estado da Carolina

201
do Norte, criaram a Brazil Furniture Global (BFG). Esta empresa trata de co-
mercializar nos EUA a produção das duas empresas, que procuram se inserir
cada vez mais no mercado americano, mas cada qual produzindo e vendendo
as suas marcas próprias, apropriando-se, portanto, dos ganhos decorrentes
desta inserção na cadeia global de produção e comercialização de móveis.
Cabe mencionar que a Móveis Rotta, ao lada da Móveis Temasa, ambas de
Caçador, são empresas fortemente verticalizadas, produzindo inclusive a pró-
pria matéria prima, através de reflorestamentos próprios de pinus, o que pro-
porciona a estas empresas significativos ganhos de escala de produção, além
das economias de variedade.
Finalmente, uma análise do desempenho do setor de celulose e papel em
Santa Catarina, permite afirmar de que o setor não sofreu os impactos da forte
valorização cambial. A exceção parece ter sido a Primo Tedesco, de Caçador,
cujas exportações reduziram-se significativamente. A Klabin S/A, maior em-
presa do setor em Santa Catarina e maior exportadora, manteve seu nível de
exportações, apresentando inclusive leve crescimento da ordem de 2,85% ao
ano. Também com relação à Irani papel e celulose, também se constata que a
empresa manteve sua participação nas exportações. Já com relação à Rigesa
S/A e à Iguaçu Papel e Celulose, observa-se notável aumento na participação
das exportações do setor em Santa Catarina. A Rigesa apresentou crescimento
de 162,8% em suas exportações, o que lhe confere uma taxa média anual de
crescimento da ordem de 16,3%. Expressivo também foi o desempenho da
Iguaçu, no período em consideração aumentou suas exportações em 234%, o
que lhe confere uma taxa média anual da ordem de 23,4% em suas exporta-
ções de papel. São todas empresas fortemente verticalizadas em seu processo
de produção, inclusive sendo detentoras de enormes áreas de reflorestamen-
tos, que produzem a principal matéria prima para o setor, o que lhes confere
vantagens competitivas via ganhos de escala. Analisando as exportações de
celulose e papel nacionais para o período de 2001-2011, (COELHO et al.,
2013), aponta que em função do crescimento da demanda mundial por parte
da Europa e da China, os preços vem aumentando, tornando o mercado exter-
no ainda mais atrativo, embora o nível de competição do setor de papel seja
muito mais acirrado e as empresas mundiais, tais como a International Paper,
a Union Comp., a Weyyerhauser e a Mcmillan Bloend, apresentam elevadas
escalas de produção, canais de distribuição preferenciais e custos de capital
reduzido. No entanto, a indústria de celulose e papel nacional apresentou um
acréscimo na participação do comércio internacional com aumento das expor-
tações, consubstanciado pela existência de importantes vantagens comparati-
vas e variações discretas no preço médio.

4. Considerações Finais

202
As mudanças nas exportações de produtos de base florestal por parte dos
municípios considerados, mostrou-se sensível às modificações na taxa de
câmbio, para alguns, ao passo que para outros não chegou a constituir-se num
problema, na medida em que as empresas, responsáveis pelas exportações
destes bens de consumo, apresentavam outros atributos competitivos para
opor-se a um eventual processo de valorização da taxa de câmbio.
Para municípios como São Bento do Sul e Rio Negrinho, cuja atividade
econômica predominante é a indústria moveleira, a valorização da taxa de
câmbio foi determinante para o declínio das atividades exportadoras, embora
se constate de que foi também a forma como as empresas moveleiras optaram
por exportar seus produtos, basicamente através de agentes exportadores e
na forma de private label, outro fator explicativo importante para a queda
drástica nas exportações das empresas destes municípios.
Por outro lado, constatou-se que, embora a taxa de câmbio seja a mesma
para todos os agentes econômicos, vários municípios conseguiram ampliar
sua participação nas exportações, em função de que as empresas, baseadas
nestes municípios, construíram historicamente outros atributos que lhes
permitiram ampliar sua capacidade competitiva externa, como é o caso das
empresas de Caçador, principalmente.

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