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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

NATALIA CHRISTOFOLETTI BARRENHA

ESPAÇOS EM CONFLITO:
ENSAIOS SOBRE A CIDADE NO CINEMA ARGENTINO CONTEMPORÂNEO

CAMPINAS
2016

 
 
NATALIA CHRISTOFOLETTI BARRENHA

ESPAÇOS EM CONFLITO:
ENSAIOS SOBRE A CIDADE NO CINEMA ARGENTINO CONTEMPORÂNEO

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Artes da


Universidade Estadual de Campinas como parte dos
requisitos exigidos para obtenção do título de Doutora, na
área de Multimeios.

Orientadora: MIRIAM VIVIANA GÁRATE

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO


FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA
NATALIA CHRISTOFOLETTI BARRENHA, E ORIENTADA
PELA PROFA. DRA. MIRIAM VIVIANA GÁRATE.

CAMPINAS
2016

 
 
 
 
 
 
Para Diego.

 
 
AGRADECIMENTOS

Escrever esta tese foi tanto uma aflição quanto um profundo prazer; uma obrigação em
alguns dias e um trabalho de amor em outros. Inúmeras pessoas foram fundamentais e
especiais para encarar esse processo de quase cinco anos, desde a concepção do projeto
até o momento da defesa: das trocas sempre valiosas em congressos e outros eventos às
dicas de filmes e livros; dos e-mails e cafés atenciosos às conversas mais prosaicas e
acolhedoras (imagino que várias foram sucedidas de um banho de sal grosso por parte
de meus interlocutores, tamanha a encrenca que eu carregava com o doutorado, a tese,
um ou outro texto). Obrigada a todos que me escutaram e partilharam ideias comigo
nesse período. Também àqueles colaboradores anônimos das infinitas plataformas de
compartilhamento gratuito de filmes e livros que me proporcionaram acesso a uma
porção de obras inestimáveis para estas linhas e para a minha formação.
Agradeço principalmente à Miriam Gárate que me abriu caminhos e me fez acreditar
que eu poderia percorrê-los e realizar um trabalho sempre melhor, e por sua
compreensão com meus prazos sempre fora do prazo e com meu perfil inquieto. À
CAPES pela bolsa concedida durante quase todo o doutorado, crucial para que o
trabalho se desenvolvesse da melhor maneira possível. A todos os professores do
DECINE pelas aulas intrigantes e pela convivência espirituosa fora das classes –
especialmente ao Alfredo Suppia e ao Francisco Elinaldo Teixeira que toparam ser
suplentes na defesa, e mais uma vez ao Elinaldo, por propiciar minha primeira
experiência docente através do PED. Aos alunos da Midialogia 2013, sua paciência e
receptividade que resultaram, para mim, em uma vivência fascinante. Aos funcionários
do IA pela generosidade com minhas demandas.
Há uma crença de que ninguém tem certeza do que pensa sobre um determinado assunto
até que tenha colocado esses pensamentos no papel; da mesma forma, acredito que
compreendemos muito pouco o que pensamos até que tenhamos submetido nossa
reflexão a alguém. Assim, agradeço ao José Alves de Freitas Neto, pelas contribuições
durante o exame de qualificação, e a Cecília Mello, Gilberto Alexandre Sobrinho e
Ismail Xavier, por aceitarem participar do momento tão importante para nos
confrontarmos com nossos próprios pensamentos como é uma banca de defesa.
Agradeço ao Fernando Passos (além de tudo, presente na qualificação e na defesa) e à
Lucrecia Martel, parceiros do mestrado, por fazerem com que o cinema entrasse
definitivamente em minha vida e que sua presença diária como trabalho nunca tirasse o
prazer da paixão. À Regiane Ishii (cuja dissertação de mestrado foi iluminadora para a
definição do objeto desta tese) pela amizade carinhosa e por me apresentar à Giuliana
Bruno. À Marie Goulart que me ajudou com diversas sugestões, revisões e cuja
dissertação também foi essencial no momento fundacional da tese. À Daniela Gillone e
suas dicas preciosas na estruturação do projeto para a seleção do doutorado. À Maria do
Socorro Senne, pela revisão cuidadosa do texto em tempo recorde.
À Mônica Campo, também presente na banca (no susto!), fundamental em meu percurso
intelectual desde o mestrado, tão inteligente e maravilhosa que encontrá-la significa

 
 
passar, no mínimo, oito horas em sua companhia. Ao Yuji Kawasima e à Paula Ramos,
pelos momentos mais festivos e divertidos. À Ana Carolina Lahr, Flávia Oliveira
Machado, Gabriela Virdes e Paula Pulga pela cumplicidade fraterna. À Letizia Nicoli,
por saber tudo do mundo inteiro e estar sempre disposta a dividir. À Lúcia Monteiro,
Mariana Duccini, Marina da Costa Campos e Teresa Sanches pelas inúmeras parcerias
que se transformaram em amizade afetuosa. À Ligia Aguilhar e nossos papos sempre
contagiantes. Ao Josias Leme por ocupar com dedicação esse difícil papel de pai
postiço. À Lili Fernandes, ao Fernando Hebling e à Laila Hebling, por terem me
ensinado tanto em tão pouco tempo, e aos nossos amigos Alexandre Alvarenga, Caio
Rosa, Danilo Couto, Diego Paganini, Henrique Bortolotti, José Antônio Catelani,
Leonardo Bícego, Luís Guerreiro, Marcos Hummel, Renato Camarinho e Ricardo
Bassani, por me lembrarem, nas buenas e nas malas, o que é união. À Monique
Deheinzelin que, com um pequeno e prosaico comentário em um jantar, fez a fase final
da escrita muito mais leve: “mas não é uma maravilha fazer um doutorado?”.
Aos amigos do Multimeios Carla Paiva, Cássia Hosni, Felipe Bomfim, Jennifer Serra,
Líllian Bento, Priscyla Bettim, Rafael de Almeida, Régis Rasia, Renato Coelho,
Rodrigo Barreto, Teresa Noll e Viviana Echávez pelos intercâmbios intelectuais e pelo
companheirismo. Aos integrantes do grupo de estudos Cinema da América Latina e
vanguardas artísticas por todos os debates incríveis, especialmente à sua diretora Yanet
Aguilera que, gentilmente, discutiu comigo sobre El asaltante e Elefante blanco e a
quem devo diversas ideias que desenvolvo sobre esses filmes. Aos parceiros no comitê
editorial da Imagofagia, com quem sempre aprendo muito – especialmente sobre
trabalhar em equipe de verdade. Aos colegas argentinos do Centro de Investigación y
Nuevos Estudios sobre Cine (CIyNE) com quem é um privilégio investigar e um prazer
se encontrar, especialmente Anabella Castro Avelleyra, Ana Laura Lusnich, Andrea
Cuarterolo, Pablo Piedras e Silvana Flores. Também à Irene Depetris Chauvin e à Julia
Kratje pelos diálogos e dicas instigantes, mesmo que a distância. À AsAECA –
Asociación Argentina de Estudios de Cine y Audiovisual pela oportunidade de
participar de sua Clínica de Tesis e, novamente, a Ismail Xavier, meu supervisor nessa
atividade, que interveio com propostas estimulantes em um momento árido do trabalho.
À minha mãe Adriana, uma vez mais e sempre. Ao meu irmão Bruno que é todo fervor
criativo e vida. Ao meu pai que, mesmo depois de tantos anos de ausência, continua
sendo uma presença inspiradora. Ao Diego Cordes, “mi amor mi cómplice mi todo”.1 A
ele está dedicada esta tese e tudo aquilo que não cabe em palavras.
Agradeço ainda alguns interlocutores teóricos (felizmente presentes em minha vida não
apenas através dos livros, mas pessoalmente) sem os quais não teria escrito o que
escrevi aqui: Gonzalo Aguilar, David Oubiña e, outra vez mais, Ismail Xavier. Uma
mínima parte da felicidade intelectual que produz lê-los é a que desejo para os leitores
deste texto.

                                                                                                                       
1
BENEDETTI, Mario. “Te quiero” in Inventario uno (1950-1985). Buenos Aires: Sudamericana, 1963.

 
 
RESUMO

Nos últimos 20 anos, a relação entre cinema e cidade tem sido objeto de sucessivas
conferências ao redor do mundo, de um grande número de livros e coletâneas e de
especiais em revistas científicas de várias áreas. Também há 20 anos emergia o que se
convencionou denominar nuevo cine argentino: a retomada, após um período de crise,
da produção cinematográfica argentina. O espaço urbano assumiu papel privilegiado
nos filmes que inauguraram e consolidaram essa nova geração, aspecto abordado em
inúmeros estudos. O presente trabalho pretende pensar como se concebe e se percebe a
cidade nos filmes pós-nuevo cine: o espaço urbano ainda seria importante na
cinematografia argentina contemporânea, após alguns anos de intensas modificações no
panorama cinematográfico (com a consolidação das carreiras de diversos diretores e
produtoras do nuevo cine e o incessante aparecimento de novos e diversificados
cineastas, estéticas e modos de produção)? Sete longas-metragens irão compor o eixo do
texto: El asaltante (2007) e La sangre brota (2008), ambos de Pablo Fendrik, nos quais
as ruas da cidade são, quase exclusivamente, o espaço da ação, assim como em Castro
(Alejo Moguillansky, 2009); Una semana solos (Celina Murga, 2008) que se
desenvolve dentro de um condomínio fechado de alto padrão; El hombre de al lado
(Gastón Duprat e Mariano Cohn, 2009) que se passa dentro de uma casa e no limiar da
mesma; Elefante blanco (Pablo Trapero, 2012) cujos conflitos se dão em uma favela; e
Historia del miedo (Benjamín Naishtat, 2014), no qual temos personagens que habitam
um bairro privado, um alto edifício e a periferia. Nessas produções, a cidade constitui
potente linha de força para perceber a vida social e seus conflitos e não é apenas
cenário, mas elemento fundamental e estruturante. Localizam-se alguns temas que
dialogam de forma prolífica com as obras escolhidas e que vão nortear o texto: a
constante circulação dos personagens, o medo que os move ou os paralisa, os diversos
tipos de violência, a fuga – todos relacionados à construção de novas fronteiras e à
reconfiguração dos espaços públicos e privados. As aproximações propostas são, cada
uma a seu modo, formas oblíquas de nos debruçarmos sobre essa relação entre a cidade
e o cinema argentino contemporâneo. Assim, buscamos mobilizar este corpus como
uma forma particular de panorama no qual transitam diversas questões, identificando
recorrências e particularidades nos modos de filmar, escutar, experimentar e construir a
cidade.

Palavras-chave: cinema – Argentina, cinema – América Latina, cidades e vilas no


cinema, medo no cinema, violência no cinema.

 
 
ABSTRACT

During the past twenty years, the relationship between cinema and city has been the
subject matter of several conferences around the world. Also of a large number of
books, collected writings, and special articles in science periodicals from several areas.
Also, twenty years ago there came up something given the conventional name of nuevo
cine argentino (new Argentinian cinema): the comeback, after a time of crisis, of the
Argentinian cinematographic production. The urban space was given a privileged role in
the films that inaugurated and consolidated this new generation. This aspect is covered
in countless studies. This paper aims at thinking the way the city is conceived of and
perceived in post-nuevo cine films: was the urban still important in contemporary
Argentinian cinematography, after some years of intense changes in the
cinematographic landscape (such as the consolidation of the careers of several nuevo
cine directors and producing companies and the ceaseless emergence of new and
diversified film makers, aesthetics and modes of production)? Seven feature-length
films will be central to this thesis: El asaltante (2007) and La sangre brota (2008), both
by Pablo Fendrik, where the city streets are nearly exclusively the space for the action,
as in Castro (Alejo Moguillansky, 2009); Una semana solos (Celina Murga, 2008),
which takes place within a high-level gated community; El hombre de al lado (Gastón
Duprat and Mariano Cohn, 2009), which takes place within a house and its environs;
Elefante blanco (Pablo Trapero, 2012), whose conflicts happen within a slum; and
Historia del miedo (Benjamín Naishtat, 2014), where we have characters living in a
private neighborhood, a tall building and the city outskirts. In these productions, the city
is a strong power line to help us realize social life and its conflicts. It is not merely a
scenario, but a fundamental and structuring element. I place some themes that establish
a prolific discussion with the works chosen, and that will be the text guidelines: the
constant way the characters move about, the fear that moves or paralyze them and the
several kinds of violence – all related to the construction of new frontiers and
reconfiguration of public and private spaces. The approximations proposed are, each in
its own way, slanted ways of analyzing this relationship between the city and the
contemporary Argentinian cinema. So, we seek to call upon this corpus as a particular
form of landscape where several questions move about, identifying recurrences and
specificities in the ways of shooting, listening to, experiencing and constructing the city.

Key words: motion pictures – Argentina, motion pictures – Latin American, cities and
towns in motion pictures, fear in motion pictures, violence in motion pictures.

 
 
SUMÁRIO

1. Introdução, primeira parte:


considerações sobre um trajeto ................................................................................. 11

2. Introdução, segunda parte:


mise en scène do espaço como movimento ............................................................... 42

3. Histórias do medo ..................................................................................................... 79


3.1. O horror não está no horror: Historia del miedo .............................................. 82
3.2. A cidade partida: Una semana solos ................................................................ 94
3.3. Casa tomada: El hombre de al lado ……………………………………........ 104

4. Na cidade da fúria ……………………………………………………………....... 120


4.1. Distopias: La sangre brota …………………………………………..……... 124
4.2. Ruínas: Elefante blanco ………………………………………………...…... 137

5. Em transe-to …………………………………………………………………...…. 150


5.1. Cidade non-stop: Castro ………………………………………………......... 153
5.2. Cobrador: El asaltante …………………………………………………........ 162

6. Palavras finais:
espaços em conflito …………………………………………………………......... 171

Bibliografia ……………..……………………………………………………....... 178

 
 
11  
 

1. Introdução, primeira parte: considerações sobre um trajeto

No momento de finalmente juntar todas as anotações, fichamentos, ideias –


ou seja, escrever pra valer –, retomar dois filmes, um livro e uma videoinstalação que
haviam cruzado meu caminho um pouco antes, foi fundamental para espantar aquela
sensação de “barata voa” e encarar o word em branco. Alguns deles não têm relação
direta com os objetos ou objetivos da tese, mas ajudaram a organizar as reflexões e por
isso os incluo neste percurso.
Um dos filmes foi Caro diário (Caro diario, 1993),1 de Nanni Moretti;
especialmente seu primeiro segmento, intitulado “Na vespa”. Ainda não conhecia este
longa do diretor italiano e tive de vê-lo para uma disciplina que visitei sem
compromisso, já na fase final do doutorado, na Universidade de São Paulo, ministrada
pela Profa. Cecília Mello, quem eu andava lendo na ocasião devido a seu trabalho sobre
movimento e cidade no cinema contemporâneo – tema, também, da dita disciplina. Vi
uma parte do filme antes de sair para a aula, vi novamente a primeira parte em sala e, de
novo, dessa vez completo, quando voltei pra casa. Fascinante.
“Na vespa” começa com o plano-detalhe de uma mão escrevendo em um
caderno: “Caro diário, existe uma coisa que gosto de fazer mais que tudo!”, cortando
para uma câmera que flutua seguindo o protagonista em sua atividade favorita – andar
de vespa por Roma, ver as casas, os bairros, adentrar algumas residências, imaginar-se
morando nelas, passar por lugares que ama. O filme é como um fluxo de pensamento
convertido em imagens e músicas pelo narrador-personagem que, durante suas
divagações pelas ruas da cidade, vai também divagando sobre pequenos e grandes
acontecimentos que o afetam.
O cinema tem lugar preponderante nas reflexões de Moretti: da cômica
investida contra os críticos ao triste caminho percorrido para vislumbrar o local onde
Pasolini foi morto, passando pelo encontro com a atriz Jennifer Beals, os filmes dão
voltas na cabeça de Moretti como ele dá voltas por Roma, entrelaçando a cidade, o
cinema e a sua vida, tanto nos momentos mais banais quanto nos mais especiais.
Meu projeto anterior – a dissertação de mestrado que trabalhava com o som e
o processo de criação na obra da cineasta argentina Lucrecia Martel – me levou a Buenos

                                                                                                                       
1
Os filmes que possuem título em português estrearam comercialmente no Brasil.

 
 
12  
 

Aires, e uma breve estadia para um estágio de pesquisa transformou-se em uma vivência
de alguns anos. Devido ao permanente interesse pelo cinema argentino contemporâneo,
parecia apropriado que o próximo passo, o doutorado, seguisse esse caminho: foi
delineado um projeto sobre Martín Rejtman, um diretor da geração de Martel. Porém,
quando esse estudo deveria ter sido iniciado, outra coisa foi tomando minha atenção: a
volta ao Brasil. Um retorno que não se configurava exatamente como um retorno, já que
eu me instalaria em uma cidade que nunca havia habitado: São Paulo.
A exploração de uma cidade nova fazia-me atentar e frequentemente
provocava comparações sobre os modos de habitar, transitar e se relacionar nessas duas
urbes latino-americanas. Enquanto a presença de São Paulo se dava fisicamente, Buenos
Aires aparecia de maneira bastante reconhecível na obra de Rejtman. Seus longas de
ficção – Rapado (1992, estreia em 1995), Silvia Prieto (1999) e Los guantes mágicos
(2003) – me serviam para pensar certas questões com as quais me deparava, ao colocar
a cidade não como mero marco cenográfico ou ambiental, mas como um elemento
essencial ao assunto e a sua impostação narrativa. Como diria Geoffrey Nowell-Smith
(2001), tais produções não poderiam prescindir do uso da locação utilizada sem que isso
as alterasse de maneira radical. Dessa forma, filmes me davam voltas na cabeça,
enquanto eu dava voltas pelas ruas paulistanas, entrelaçando a(s) cidade(s), o cinema e
meu dia a dia on ou off tese. Encontrar-me com Caro diário alguns anos depois deu um
novo sentido a esses primeiros passos da reestruturação do projeto de doutorado. E em
seguida, entra o livro que mencionei no primeiro parágrafo.
Em Atlas of emotion. Journeys in art, architecture, and film (2007), a
arquiteta napolitana e professora da Universidade de Harvard Giuliana Bruno explora as
relações entre arquitetura, artes visuais, geografia, design, moda e, especialmente,
cinema. A escolha do conceito de atlas para intitular seu texto é estratégica para nuclear
seus objetivos teóricos e críticos: incitada por um impulso cartográfico de conectar
espaços e emoções, o trabalho de mapeamento é onipresente. Simultaneamente, a
jornada à qual ela faz alusão no título é um percurso pessoal.
A Carte du pays de Tendre (em tradução livre, Mapa do país da Ternura),
que Madeleine de Scudéry desenhou para ilustrar sua novela Clélie, histoire romaine
(publicada em 10 volumes em Paris, entre 1654 e 1660), acompanhou Bruno por anos,
não apenas impulsionando a escrita do Atlas, mas também pontuando sua viagem

 
 
13  
 

interior, incorporando as múltiplas trajetórias de sua vida cultural e como manifestação


de seu próprio senso de geografia. A Carte incorpora uma narrativa de viagem; dispõe,
na forma de paisagem, um itinerário de emoções. Faz um mundo de afetos visíveis para
nós – é a imagem que transmite uma paisagem interior. Para Bruno, ao traçar o
movimento de emoções, o mapa de Scudéry torna-se, além de um objeto de pesquisa,
itinerário e modelo cartográfico.
A descoberta deste livro de Giuliana Bruno significou, para mim, o mesmo
que a Carte du pays de Tendre significou para ela. Sua potência analítica e a maneira
como conduz seu texto foram especialmente inspiradoras, sobretudo no que toca ao
emprego da primeira pessoa em um texto geralmente pouco afeito a essa forma de
enunciação como é uma tese. Assim, Atlas of emotion tomou lugar de destaque na
minha imaginação e permitiu que eu me sentisse à vontade para incorporar aqui minha
própria experiência de espectadora, moradora e viajante. Senti-me compelida a estender
uma ponte entre a linguagem acadêmica e a subjetiva e, ao mesclar os percursos teórico,
analítico e afetivo nestas linhas, vi minha pesquisa sendo arquitetada como o livro de
Bruno, a Carte de Scudéry ou o filme de Moretti, os quais se fundamentam em
recorridos emocionais.
Vai um pouco nesse sentido o segundo filme que trago para este texto: João
Bénard da Costa – Outros amarão as coisas que amei (Manuel Mozos, 2014), biografia
inusual de um dos nomes incontornáveis do cinema de Portugal contada através de suas
reflexões e de seus amores (é um filme de amor, como o título promete). João Bénard
foi diretor da Cinemateca Portuguesa por 18 anos, professor, crítico, programador, ator
e, especialmente, alguém que fez do cinema uma ponte para a compreensão da vida e do
mundo – dimensão que o filme de Mozos traz de maneira integral.
O documentário reúne narração em off (feita pelo filho de João Bénard, cuja
voz é bastante parecida à do pai) de escritos do personagem,2 imagens de arquivo,
visitas aos lugares marcantes de sua vida e cenas de filmes nos quais atuou ou sobre os
quais discorreu apaixonadamente. Destes últimos, há três que se destacam: Johnny
Guitar (Nicholas Ray, 1954), A palavra (Ordet, Carl Theodor Dreyer, 1955) e O
fantasma apaixonado (The ghost and Mrs. Muir, Joseph Mankiewicz, 1947). Produções
                                                                                                                       
2
A maioria desses escritos são crônicas e críticas publicadas nos jornais portugueses O Independente e
Público. Os textos de O Independente foram reunidos no livro Os filmes da minha vida – Os meus filmes da
vida em 1990. Parte deles está disponível no blog http://filmesvida.blogspot.com.br/.

 
 
14  
 

que, obviamente, tratam da morte – entretanto, Outros amarão as coisas que amei se
imprime como uma vibrante celebração da vida. E, também, da inteligência e da
sensibilidade.
Houve longos aplausos na sessão em que o vi e, por isso, pensei que o
diretor estivesse presente, mas não. O público festejava e agradecia aos belos 75
minutos que havia compartilhado com o filme. Eu agradeceria outra vez, mais tarde, a
descoberta dos textos de João Bénard que não conhecia e pelos quais terminei obcecada.
Em suas críticas, há uma mescla de fervor amoroso com análise meticulosa, tanto das
obras quanto de seus contextos de produção e recepção. O encontro com esse material
proporcionou um reencontro com meus objetivos de escrever e pensar o cinema que
andavam um tanto perdidos, apesar de parecerem evidentes, ao serem puxados um
pouco pelo trabalho construído até ali, um pouco pela carreira almejada a se construir.
Mas, como firmou o próprio Bénard, “(...) quando nos pegam na mão para nos lembrar
o óbvio, é porque o óbvio não é tão óbvio como aparenta sê-lo”. Eu pude recordar,
então, do cinema como aquilo que imprime novo impulso ao girar das coisas, como
oração noturna antes de dormir, como lugar de confluência de amizades. E, enfim, se
conto tudo isso aqui, é para (re)afirmar meu desejo em fazer destas palavras um
conjunto de apontamentos para uma conversa inacabada que busca aproximar-se de
outros interlocutores e, assim, uma ponte para a compreensão da vida e do mundo
através do cinema, desejo compreendido ou reacendido pelas linhas que Bénard deixou.

***

Estes apontamentos têm origem em uma proposta de investigação das


relações entre cotidianidade, banalidade e política na obra de Rejtman. A reestruturação
deste projeto começou, como já comentei, com minha mudança de país e com o
deslocamento de minha atenção para outros aspectos da obra do cineasta argentino,
mais ligados à presença da cidade em seus longas, e sofreu turning point decisivo
quando me deparei com o artigo “Una nueva cartografía para el cine argentino”, da
crítica de cinema Marcela Gamberini. Nesse texto, a autora discutia a fuga da cidade em
alguns dos mais destacados filmes da Competição Argentina do BAFICI (Buenos Aires
Festival Internacional de Cine Independiente) de 2012:

 
 
15  
 

(...) chama a atenção que três dos filmes mostrados pelo BAFICI nesta
última edição trabalhem com tantos espaços abertos, territórios
imensos. (...) Este espaço virgem, desabitado, inquietante (…) é o
protagonista de Los salvajes, de Alejandro Fadel, de Germania, de
Maximiliano Schonfeld, de La araña vampiro, de Gabriel Medina.
Um espaço a recorrer, a transitar, um espaço vazio que lentamente se
enche de corpos, de árvores, de rios, de violência, de casas, de
enfrentamentos. (...) O recorrido desses exteriores, incomensuráveis e
excessivos, é a prova que os personagens devem superar. (...) O
verdadeiramente importante é o recorrido desses espaços, o
transcorrer. O resultado desse caminhar, fugir, escapar, buscar é uma
forte sensação de desorientação (GAMBERINI, 2012).3

Para Gamberini, esses filmes apresentavam uma nova maneira de narrar, já


que esse espaço seria o protagonista e se conectava com a perda de sentido da
urbanidade. Se essa é uma nova cartografia, como sugere o título, em que consistia a
cartografia anterior?
Primeiramente, a questão da fuga, tal como colocada pela autora, é
trabalhada por Esteban Dipaola como uma constante na literatura e no cinema nascentes
na década de 1990 que atravessa os anos e segue se manifestando nas obras de hoje. Em
seu livro Todo el resto. Estética y pulsión de los años ‘90,4 Dipaola pensa os anos 1990
como uma pulsão de referência na cultura e na política argentinas atuais; anos que
seguem irrompendo nas experiências, nos vínculos e nas formas de compreender a
multiplicidade de narrativas presentes do país (2012a, p. 14). A noção de fuga é chave
para o pesquisador em sua exploração. No cinema, especificamente, Dipaola aponta que
os filmes do que se conheceu como nuevo cine argentino recorriam permanentemente à
estética de uma experiência de fuga e de traslados. Para ele:

Os dois filmes precursores desse novo cinema, Rapado (Martín


Rejtman, 1995) e Pizza, birra, faso (Adrián Caetano e Bruno Stagnaro,
1998) se inserem especificamente nesse modelo. No primeiro, a
sequência do roubo da moto de Lucio, o personagem principal, com a
que se inicia o filme, inaugura as trajetórias e derivas que esse
personagem terá a partir de então, toda uma forma de circulação que
mostra a insistência do espaço público e da temporalidade em decurso
que, no discurso padrão sobre a época, parece negada ou obstruída. Da
mesma maneira, os personagens de Pizza, birra, faso transitam a cidade,
a compõem nesses traslados e acabam fugindo da polícia, da cidade e da
própria vida sobre essa mesma experiência e narrativa da fuga. Em
                                                                                                                       
3
Todos os textos que não possuem edição em português foram traduzidos por mim.
4
Agradeço à Anabella Castro Avelleyra a indicação desse livro.

 
 
16  
 

outro plano, o mundo do trabalho, do desemprego e do desarraigo são


também projetados sobre essa dimensão da fuga em Mundo grúa de
Pablo Trapero (1999), no qual Rulo, ao ficar sem trabalho, deve optar
por trasladar-se a outra cidade e recomeçar com um emprego novo
(DIPAOLA, 2012a, p. 14-15).

Dipaola também associa a fuga a uma transformação na representação da


identidade, que ele vai caracterizar como uma fuga do Eu. O autor parte da mudança de
registro e perspectiva que se dá nos anos 1990 – entre os 1980 de ebulição democrática
e greves gerais e o pós-2001 caracterizado por uma reacomodação cidadã às novas
lógicas políticas e sociais da globalização –, intermédio que põe em crise o sentimento
da necessidade de um Grande relato nacional (enfatizando não a questão do relato,
inexistente por si mesmo, mas da necessidade dele). Assim, a década de 1990 se
expressa como a puesta en crisis da obstinação pela necessidade de um Grande relato;
deixa-se de perseguir a universalidade de um relato histórico único, constituindo esses
anos como os portadores de uma narração diáfana, mais aberta, mais propensa a uma
perpétua ressignificação.
Referindo-se à literatura, o autor discorre que, enquanto o reclamo de
identidade e a apresentação deixam de ser exigidos, aparece uma nova dinâmica e
proceder dos vínculos: os personagens já não têm relações fixas entre si, mas mutantes;
as subjetividades mais fluidas nunca terminam de concretizar uma figura identitária.

Essa fluidez e dinâmica de cruzamentos e trajetórias de diferentes


personagens é também o que começa a se vislumbrar no cinema
nacional, pois aqui tampouco se revela uma exigência identitária, mas
toda narrativa do Eu vai sendo concebida nas distintas formas de
compor os vínculos (DIPAOLA, 2012a, p. 23).

Sábado (Juan Villegas, 2001), Tan de repente (Diego Lerman, 2002) e o já


citado Silvia Prieto são filmes emblemáticos para compreender essa fuga do Eu,
segundo Dipaola. Neles, os personagens vão derivando entre vínculos entrecruzados,
fazendo possível uma composição narrativa do Eu de acordo com circunstâncias
fortuitas – já não é possível pensar em uma unidade do Eu, mas em uma permanente
transformação e metamorfose. As narrativas descentradas ou na forma de um trajeto e as

 
 
17  
 

derivas identitárias, a partir da transposição permanente de vínculos, conformam uma


espécie de indeterminação e de fuga do Eu.5
Em Los salvajes, Germania e La araña vampiro, tomados por Gamberini
como base para sua observação, podemos encontrar tanto essa questão da fuga quanto
alguns resquícios da fuga do Eu (como a movimentação entre o dialeto do Volga e o
castelhano entre os jovens de Germania; ou o enfrentamento do protagonista de La
araña vampiro com sua personalidade, guiado por figuras misteriosas que o vão
passando de mão em mão), presentes nos filmes evocados por Dipaola. O que os
diferencia especialmente é o espaço que seus personagens percorrem: no primeiro caso,
o campo, como já exposto por Gamberini; no segundo, a cidade.
A cidade aparece como um proeminente elemento da narrativa não só nos
filmes citados até agora, mas em outras produções consagradas do nuevo cine como
Fuga de cérebros (Fernando Musa, 1998), Mala época (Mariano de Rosa, Nicolás Saad,
Rodrigo Moreno e Salvador Roselli, 1998), 76 89 03 (Cristian Bernard e Flavio Nardini,
1999), Bolivia (Adrián Caetano, 2001), Caja negra (Luis Ortega, 2001), La fe del
volcán (Ana Poliak, 2001), Solo por hoy (Ariel Rotter, 2001), Vagón fumador (Verónica
Chen, 2001) e Todo juntos (Federico León, 2002), além dos inúmeros filmes de Raúl
Perrone. O chamado nuevo cine argentino (NCA) foi a retomada, após um período de
crise, da produção cinematográfica argentina. O nuevo cine floresceu em meados da
década de 1990, impulsionado por uma série de fatores como a criação de uma lei de
fomento ao setor (que apoiava a produção através de créditos, subsídios, concursos e
programas de ação através do Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales –
INCAA), a reativação da cota de tela para filmes nacionais, o surgimento de inúmeras
escolas de cinema e o acesso a equipamentos devido à convertibilidade cambiária (1
peso = 1 dólar), que provocaram uma imediata reativação da indústria e um dinamismo
inédito no setor. Uma nova geração entrou em cena, trazendo novas sensibilidades
estéticas e novos princípios ideológicos. Negando com veemência o cinema produzido
anteriormente, geralmente desenvolvido dentro de estúdios, o nuevo cine carrega suas
câmeras leves, equipes reduzidas e orçamento restrito para filmar nas ruas
(BARRENHA, 2013).

                                                                                                                       
5
Mariana Sanjurjo, no texto “Derivas de la identidad en la filmografía de Martín Rejtman” (2007), faz uma
interessante análise dos filmes de dito diretor a partir dessa perspectiva.

 
 
18  
 

Apesar de existir uma negação sistemática dos realizadores do nuevo cine em


pertencer a um movimento, não é difícil encontrar elementos comuns entre suas obras.6
Em realidade, não houve uma busca programática por parte dos novos cineastas, e suas
poéticas são variadas. Porém, estabeleceu-se um novo regime criativo, no qual todos
estavam atravessados por preocupações como a austeridade da mise en scène e com um
realismo estético. Para Malena Verardi (2009), a busca por colocar em cena uma nova
representação da cidade e um novo modo de vinculação com o mundo urbano também
atravessava grande parte dos filmes. Como reforça Alberto Chamorro em seu livro
Argentina, cine y ciudad: espacio urbano y la narrativa fílmica de los últimos años:

(...) apesar da grande variedade de temas e estilos existentes nas


produções fílmicas da época, os diretores e os filmes do nuevo cine
argentino sim tiveram elementos em comum. Entre eles, o fato de ter
apresentado de forma consistente, através de sua narrativa, a relação
entre os espaços urbanos – tanto reais ou físicos como intangíveis –
que faz parte do imaginário cidadão (CHAMORRO, 2011, p.13).

Os filmes que inauguraram e consolidaram essa nova geração se


empenharam em cartografar as consequências da implantação das políticas neoliberais
no país nos anos 1990, seguindo uma necessidade de representar os novos atores sociais
que irromperam na sociedade argentina ou alcançaram novas formas de visibilidade.
Tais transformações se davam especialmente no espaço urbano, atraindo os cineastas a
delinear novos mapas sociais e geográficos através dos filmes, nos quais predominava
um olhar documental e realista devido à urgência de testemunhar e registrar o presente
(VELIZ, 2010).7
Em seu estudo sobre o nuevo cine argentino, Jens Andermann (2015)
dedica um capítulo à cidade como locação principal para a mise en scène da crise
social. Após uma breve discussão que aponta o estouro da crise de dezembro de 2001
                                                                                                                       
6
Ademais, como comenta Nicolás Prividera, não se trata de generalizar, mas de pensar em termos
geracionais: “Se todas as gerações têm suas irreconciliáveis diferenças, também as une um mesmo
pertencimento (mesmo que seja apenas a um tempo e espaço determinados, e aos conflitos que as
atravessam), e essa inevitável comunidade não pode senão produzir uma obra em comum” (2014, p. 46).
7
Como comenta Sergio Wolf, parece haver “uma espécie de grande consciência por parte dos diretores [do
NCA] de que o único que podem contar é o que tem defronte de si agora, diante de seus olhos, e não
houvesse nada atrás ou à frente” (2004, p. 179). Sobre essa imersão dos cineastas do nuevo cine no presente,
ver a tese de doutorado História e cinema. O tempo como representação em Lucrecia Martel e Beto Brant
(2010), da historiadora Mônica Brincalepe Campo. Ver também El país del cine (2014), de Nicolás
Prividera, que segue um caminho diferente aos de Wolf e Campo, ao fazer uma crítica contundente a essa
ancoragem no presente, considerando os filmes (especialmente as ficções) a-históricos e apolíticos.

 
 
19  
 

como uma intervenção cinemático-urbana, o autor considera quatro itinerários pela


cidade contemporânea como lugar da crise: o espaço nômade das margens sociais, o
interior doméstico ameaçado da classe média, os espaços noturnos e codificados da
diversidade sexual e a cidade desfamiliarizada, alternativa e habitada por imigrantes e
exilados. Para Andermann, “todos esses itinerários podem ser pensados como
tentativas de construir uma perspectiva distanciada e deslocada para dar conta do
estranhamento que todos os habitantes de Buenos Aires experimentam como resultado
da crise urbana” (2015, p. 18).
No primeiro tópico proposto, o teórico destaca como as margens e os
marginalizados provocaram uma fissura no urbano com o qual o cinema argentino
estava acostumado: o que antes ficava fora de campo torna-se o cerne dos filmes.
Andermann se ocupa especialmente de Pizza, birra, faso para abordar essa questão.
Considerado o filme inaugural do NCA, o longa de Caetano e Stagnaro foi analisado
amiúde com respeito à relação que estabelece com a cidade – relação cujas
características iriam ecoar em muitas outras produções, como as aqui citadas. Uma
dessas características, destacada por Andermann, é a desiconização da cidade: ao invés
de pontos reconhecíveis, a ação transcorre em esquinas anônimas, entre postos de
comida barata e descampados suburbanos às margens do rio. O Obelisco, postal
portenho por excelência, é literalmente invertido,

(...) com a monumentalidade de sua superfície visível corroída pela


podridão social, não só porque se descobre que o mesmo é oco por
dentro, mas por conter um refúgio temporário para vagabundos, com
recortes de revistas pornôs como papel de parede. Mais ainda, a
ascensão dos jovens até o topo do monumento não produz nenhuma
vista panorâmica da cidade a seus pés, como uma espécie de
empoderamento visual momentâneo e compensatório dos excluídos
(...). De fato, [tal empoderamento] é deixado de lado quando Frula
(Walter Díaz) se apoia em uma das janelas, dando as costas ao
espetáculo de luzes que podemos apenas entrever atrás dele
(ANDERMANN, 2015, p. 76).

Seguindo a Joanna Page (2009), Andermann pensa ainda como a


marginalização, em Pizza, birra, faso, se explora principalmente mais como uma
disjunção temporal que como um deslocamento espacial: na urbe globalizada, de fluxos
e movimentos acelerados, estar sentado, sem fazer nada, como ocorre com os jovens do
filme, é ser identificado como parte dos párias da cidade. O autor considera as imagens

 
 
20  
 

que abrem o longa uma espécie de manifesto fundador de um cinema que se coloca do
outro lado do limite de velocidade do neoliberalismo.
No artigo “Pizza, birra, faso: la ciudad y el margen” (2009), Malena Verardi
faz um dos mais interessantes exames do filme que, segundo ela, permite dar conta das
transformações dos modos de representar a cidade e da relação entre os espaços urbanos
e suburbanos no NCA. Analisando a estruturação de espaços, Verardi encontra, como
princípio construtivo, a constante delimitação de um dentro e um fora, configurando
uma cidade dual de espaços exclusivos e marginais. Nessa cidade, as exclusões espacial
e social se determinam mutuamente:

A partir da perspectiva espacial, o relato apresenta a cidade como


demarcada por fronteiras que separam as zonas de possível ação para
os jovens protagonistas de aquelas cujo acesso não lhes é permitido. A
narração manifesta a polarização de uma cidade que, cada vez mais,
vincula os espaços com a capacidade de consumo de seus habitantes.
Embora os protagonistas circulem livremente pelas ruas da cidade,
toda vez que ingressam em uma “zona proibida” a imagem se
encarrega de fazer visível certo incômodo, certa defasagem,
evidenciando o não pertencimento dos jovens. Ao contrário, quando
circulam pelos espaços marginais que habitam cotidianamente,
produz-se um encaixe com a paisagem. A mise en scène dessa
polarização questiona a naturalização de um olhar que demonstra a
indiferença quando a miséria – dos espaços e dos personagens – se
circunscreve a determinado âmbito, e incômodo se essa
miserabilidade atravessa as fronteiras de seu nicho para se introduzir
nesse outro espaço (...). A resolução da tensão entre permitido-
proibido e dentro-fora se dá com o encurralamento dos marginais em
direção, justamente, à margem da cidade, onde se efetiva sua expulsão
final. A partir da perspectiva social, o relato dá conta da
impossibilidade de inscrição no tecido da sociedade que vigora para os
protagonistas (VERARDI, 2009).

Gonzalo Aguilar também utiliza o filme para desenvolver o conceito de


nomadismo, em seu seminal ensaio sobre o NCA, Otros mundos (2006). Nesse estudo, o
autor entende o nomadismo como um estado contemporâneo de permanentes
movimentos, translações, situações de não pertencimento e dissolução de qualquer
instância de permanência,89 e o opõe ao sedentarismo. Porém, ainda que a mobilidade
seja importante para determinar se a narração é nômade ou sedentária, o pesquisador
                                                                                                                       
8
Como afirma Aguilar, é possível falar de migração ou de diáspora, mas a virtude do termo nomadismo é
que excede a questão nacional ou comunitária.
9
Essa descrição nos remete à fuga da qual se ocupa Dipaola e, por vezes, Aguilar usa essa denominação
para referir-se ao nomadismo.

 
 
21  
 

desenvolve as noções de nomadismo e sedentarismo mais a partir do papel que as famílias


ocupam nas narrativas – ainda que se trate de famílias em crise. Segundo Aguilar,

Quando os personagens insistem em manter essa ordem (patriarcal),


nos encontramos ante um processo de desagregação e uma
imobilidade, uma paralisia e uma letargia que merece a denominação
de sedentarismo. Quando a família, ao contrário, está ausente e os
personagens não têm um lugar de pertencimento nem um lar ao qual
retornar, nos encontramos ante um caso de nomadismo. Na verdade,
nomadismo e sedentarismo são signos complementares dos novos
tempos, mas mostram estados diferentes: enquanto o nomadismo é a
ausência de lar, a falta de poderosos laços de pertencimento
(restritivos e normativos) e uma mobilidade permanente e
imprevisível, o sedentarismo mostra a decomposição dos lares e das
famílias, a ineficácia dos laços de associação tradicionais e modernos
e a paralisia daqueles que insistem em perpetuar essa ordem
(AGUILAR, 2006, p. 41).

Assim, o que é decisivo nessa classificação do autor é a família como


mundo de referência e a existência ou não de um lugar estável (algo como um lar) para
o qual os regressos sejam sempre possíveis. De qualquer forma, tanto nomadismo como
sedentarismo pressupõem deslocamentos: o primeiro trata do trânsito por espaços nos
quais nenhum chega a se converter em ponto de retorno; predominam os itinerários
erráticos ou em direção ao mundo dos dejetos, da vagabundagem e da delinquência
(tudo aquilo que o capitalismo pretende colocar, imaginariamente, nas margens, como
assinala Aguilar). O segundo se refere a um movimento espiralado e em direção aos
interiores; vence a claustrofobia e a desintegração. Pizza, birra, faso sintetizaria as
coordenadas do cinema nômade, enquanto O pântano (La ciénaga, Lucrecia Martel,
2001) seria o representante mais incisivo do cinema sedentário.
O sedentarismo do qual fala Aguilar conecta-se com o segundo tópico
desenvolvido por Jens Andermann: o do interior doméstico ameaçado da classe média.
O teórico alemão agrega mais uma camada ao conceito de Aguilar: para ele, o foco do
sedentarismo no lar e em suas extensões implica a possibilidade de narrar não apenas a
crise, mas, também, a recuperação (uma possibilidade de “retorno” que não está à
disposição do nomadismo). Assim, o espaço interior é uma esfera de pertencimento pela
qual se deve tomar partido e defender de um exterior hostil (o da debacle financeira) e
em torno da qual a comunidade pode se reunir e recuperar sua força. Invoca-se e, ao
mesmo tempo, nega-se a crise da cidade e da nação, que se “resolve” através da retirada

 
 
22  
 

a espaços interiores que albergam um núcleo de valores (ANDERMANN, 2015, p. 87).


Segundo Andermann, os filmes de Juan José Campanella O filho da noiva (El hijo de la
novia, 2001) e Clube da lua (Luna de Avellaneda, 2004), com o restaurante familiar e o
clube de bairro, respectivamente, seriam representativos dessa reconstrução da
comunidade,10 assim como Esperando o messias (Esperando al mesías, 2000), O
abraço partido (El abrazo partido, 2003) e As leis de família (Derecho de familia,
2005), de Daniel Burman.
O terceiro tópico exposto por Andermann discute a cidade como um espaço
erotizado, conectado de forma imediata e intensa com sua condição de mercado
enquanto cenário para o espetáculo da mercadoria. Trata-se de uma cidade noturna que
corresponde tanto ao lado escuro do neoliberalismo11 como a um plano onírico povoado
de fantasias que abordam a experiência urbana da diversidade sexual. Nos filmes que se
encaixam nessa tendência – o autor destaca Un año sin amor (Anahí Berneri, 2004),
Ronda nocturna (de Edgardo Cozarinsky, escritor e importante figura do cinema under
dos anos 1970 que volta a filmar na Argentina após vinte anos em Paris, 2005) e o já
citado Vagón fumador –, a atitude frente à crise costuma ser mais ambígua e complexa,
já que não se busca a recomposição de nada. Aparecem outras temporalidades,
problemáticas e modos de experimentar e codificar o espaço urbano que, ao ser mais
múltiplo e fluído, propõe outras questões para além das mais frequentes como
centro/margem, ricos/pobres, família/desagregação.
Em sua tese de doutorado sobre figuras fantasmagóricas no cinema latino-
americano do século XXI e as marcas da crise no imaginário da cidade contemporânea,
Carolina Rueda considera que, na produção cinematográfica pós-2000 do continente, o
mapa físico da cidade adquire importância visceral e se converte em uma ferramenta
fundamental mediante a qual se exibem a marginalização de comunidades, as grandes
diferenças sociais e a desordem do espaço urbano em geral, entre outros efeitos da

                                                                                                                       
10
Apesar de ser considerado parte do NCA, especialmente no exterior, Campanella trabalha com modos de
produção e poéticas bastante diferentes aos do nuevo cine, sendo mais ligado aos grandes conglomerados de
comunicação e a grandes estúdios. Fabián Bielinsky e Marcelo Piñeyro, junto a Campanella, são alguns
realizadores que se destacam entre esses “diretores industriais”. Tais esquemas mais “industriais” de
produção também foram renovados a partir de meados dos anos 1990 para acompanhar os novos padrões de
consumo. Podemos notar renovações estéticas e temáticas que se correspondem com as propostas do NCA,
sendo a presença da cidade uma delas – filmes como Nove rainhas (Nueve reinas, Bielinsky, 2000) e Taxi,
un encuentro (Gabriela David, 2000) são exemplos notáveis da importância do espaço urbano nas tramas.
11
Nesse sentido, Verardi (2009) já chamava a atenção para Pizza, birra, faso como um filme noturno, no
qual a noite parecia ser o cenário mais adequado para a observação daquelas cenas que o dia invisibilizava.

 
 
23  
 

economia global/neoliberal (2012, p. 17). A cidade se descobre como um espaço


simbólico que contém tanto sinais do passado como dos efeitos das mais recentes
políticas econômicas – sinais que a autora vai interpretar através do conceito de
fantasmagoria: aquilo que se encontra oculto no inconsciente coletivo e histórico, e que
o cinema vai colocar em cena. Ronda nocturna é um dos filmes privilegiados por Rueda
para abordar as capacidades de resistência e de desfrute do outro rechaçado em meio de
uma vida incerta, mas não totalmente desafortunada, em megas urbes – entrecruzando o
primeiro e o terceiro tópicos de Andermann.
Para Rueda, o filme de Cozarinsky expõe tanto a vida “sem-teto” (nesse
sentido, repercutindo também o nomadismo de Aguilar) e sua precariedade como
propõe um giro que busca ressignificar a rua (enquanto referente do abjeto) ao
apresentá-la nos termos de um espaço propício para a autonomia pessoal, a liberdade e o
gozo. Sem ocultar os problemas da marginalidade urbana, o filme retrata o potencial do
espaço físico da cidade e do sujeito que vive na rua e da rua. A autora conclui
repercutindo Walter Benjamin (quando este se referia à Paris do século XIX), que
afirmava que aqueles que vivem na rua e aproveitam o que ali se encontra são sujeitos
revolucionários: por um lado, por serem capazes de modificar marcas passadas para
gerar formas de resistência em relação às crescentes redes de controle e aos ditames
sociais e, por outro, por serem capazes de contribuir com a criação de formas
alternativas de agir, geralmente rejeitadas pelos setores convencionais da sociedade
(Rueda, 2012, p. 135-136).
As ideias de Andermann e de Rueda continuam dialogando ao tratarem de
Bolivia – analisado, pelo primeiro, sob o tópico da cidade desfamiliarizada, alternativa e
habitada por imigrantes e exilados; e, pela segunda, a partir dos problemas de
(i)migração, especialmente do campo à cidade. Sendo que o NCA encontra na cidade
uma maneira de localizar a crise, como afirma Andermann, para este autor a migração, a
diáspora e o exílio capturam esse traço fragmentário e desarticulado da cidade
cinematográfica melhor que qualquer outra forma de experiência. A virada daquela
Argentina que atraía as pessoas nos anos 1990 para a Argentina que ultrapassava os
20% de desemprego em 2001 acabou fazendo com que muitos imigrantes sem
condições de retorno ao local de origem (ou sem ter para onde ir) tivessem de se adaptar
à nova realidade do país. Como coloca Andermann, “o migrante preso em um lugar que,

 
 
24  
 

ao invés de um refúgio seguro, resulta ser um lugar de desastre socioeconômico, sofre


um duplo deslocamento, desligado tanto do lar que abandonou como do destino que, em
algum momento, parecia albergar a promessa de um futuro melhor” (2015, p. 99).
Os filmes (além de Bolivia, alguns documentários) aos quais se dedica
Andermann nesse último tópico, intitulado por ele como “Cidades em trânsito”,
proporcionam, segundo o teórico, um ponto de vista diverso sobre uma cidade e um país
em crise. No longa de Caetano, a atenção recai sobre o lugar no qual se dá a ação (um
bar/café em Buenos Aires), utilizando tal espaço para pensar como as pessoas o ocupam e
como isso as coloca, automaticamente, em um papel social: o lugar como localização e
como função, dependendo de onde cada um se encontre na cadeia de produção capitalista.
Como comenta Gonzalo Aguilar (2006), a morte do protagonista, o boliviano Freddy, se
dá no umbral entre o bar e a rua, como se este fosse um lugar que ele não deveria
ultrapassar. Rueda se concentra mais na história de ressentimento e “ódio” do outro (no
caso, o imigrante boliviano) e na persistência no presente da discriminação racial e da
xenofobia de acordo com o remoto conceito de “civilização e barbárie”, remetendo ao
violento processo segregacionista de formação da nação argentina. Porém, a autora
também reconhece como se conforma uma série de territórios dentro do reduzido espaço
do café, os quais se correspondem com o ofício e a subjetividade de cada personagem.
Para ela, esses territórios encontram-se divididos por linhas imaginárias de certa forma
análogas aos extensos territórios que, dentro do mapa do país, narram uma história de
hierarquias e de subalternização – forma de organização que também se repete na cidade,
como podemos lembrar no já comentado Pizza, birra, faso.
Em seu trabalho sobre a renovação do espaço no nuevo cine, Marcos Adrián
Pérez Llahí (2007) prefere se debruçar sobre produções que se situam nas antípodas de
um realismo reinante, como Picado fino (Esteban Sapir, 1996), sobre a qual comenta
que “a opacidade que a vocação experimental dá ao filme não termina nunca de apagar
seu compromisso oblíquo com o lugar real que o filme não chega a atualizar
completamente, pois está aferrado aos enquadramentos fragmentários e aos planos
detalhes” (p. 76), característica que estende a El nadador inmóvil (Fernán Rudnik,
2000). O autor ainda cita Hoteles (Aldo Paparella, 2004) e Monobloc (Luis Ortega,
2005), nos quais há um corte definitivo com a identificação do lugar real – independente
disso, o espaço continua tendo uma função marcante nos relatos.

 
 
25  
 

Há ainda os filmes de ficção científica que trazem cidades inventadas ou


reinventadas: Moebius (Gustavo Mosquera, 1996), La sonámbula (Fernando Spiner,
1998) e La antena (Esteban Sapir, 2007). Para falar do cinema de ficção científica
argentino, Andrea Cuarterolo (2007) parte de uma referência inevitável dentro da
cinematografia do país: Invasión, de Hugo Santiago (1969). Com argumento de Jorge
Luis Borges e Adolfo Bioy Casares e roteiro do diretor junto a Borges, para muitos o
filme se encontra mais próximo do cinema fantástico ou noir que da ficção científica;
porém, a autora o considera um solitário antecedente que traça diversas linhas que serão
seguidas pela maioria das obras nacionais do gênero:

(...) Os caminhos abertos pelo filme de Santiago permitirão, por um


lado, o surgimento de uma versão vernácula do gênero com identidade
própria e, por outro, ajudarão a outorgar verossimilhança a uma
temática, até então, ligada ao imaginário hollywoodiano. A primeira
dessas linhas se relaciona com a construção do espaço. Santiago situa
a ação do filme em Aquilea, uma cidade imaginária, mas que remete,
inconfundivelmente, a Buenos Aires. (...) O próprio Santiago
reconhece que “Aquilea é Buenos Aires mas é Aquilea e é a Argentina
mas é Aquilea”. Desta maneira, identifica o referente para depois
desnaturalizá-lo. Nesta operação, toma diversos aspectos da cidade
real (as ruas centrais, a paisagem portuária, o típico café portenho, a
Bombonera) e os reorganiza com uma nova lógica, criando um
espaço, ao mesmo tempo, estranho e familiar, ameaçador e cotidiano,
imaginário e real. Com mais ou menos variações, é esta forma de
construir o espaço que vai marcar a maioria dos filmes argentinos de
ficção científica das décadas seguintes (CUARTEROLO, 2007, p. 83-
84).12

Assim, as produções de ficção científica do nuevo cine também mantêm a


atenção voltada para o espaço urbano: seja representando cidades fictícias que seguem
convenções do gênero; seja recuperando índices da cidade contemporânea para projetar
uma cidade construída; ou quando a concepção visual pareceria não diferir da cidade
atual, mas por efeito da narração a transforma em uma cidade imaginária
(BRIGNARDELLO, PÉREZ RIAL e TURQUET, 2008).

***
                                                                                                                       
12
Pérez Llahí, no texto citado anteriormente, também invoca o filme de Santiago para tratar da reinvenção
do espaço no cinema argentino: “Invasión é, definitivamente, o primeiro expoente de um cinema argentino
que vai começar a lutar com seu território para inventar um lugar próprio no qual transcorrer, mesmo que
nunca deixe de estar tingido de uma inevitável localidade” (2007, p. 75).

 
 
26  
 

No livro World film locations: Buenos Aires (2014),13 uma série de


pesquisadores abordam inúmeros filmes (especialmente argentinos) do cinema
silencioso aos dias atuais em sua relação com a cidade de Buenos Aires.14 Questões
bastante interessantes sobre tal relação são sugeridas, porém pouco desenvolvidas – em
sintonia com a breve extensão do material, e de seu perfil pouco acadêmico (de caráter
divulgador, destinado a um público amplo e plural). De qualquer maneira, os pontos
abordados oferecem um panorama preliminar bastante completo da ligação entre o
espaço urbano da capital argentina e a cinematografia do país, pinçando aspectos como:
- a oposição entre a vida idílica no campo e a cidade corruptora, ou a nostálgica e
pitoresca vida rural versus a exaltação do progresso modernizador de Buenos Aires que
caracterizaram por muitos anos a produção local dos primeiros tempos;
- a chegada do som que demandava lugares, ruídos, idioma e músicas reconhecíveis;
- os filmes de tango que ofereciam um mapeamento particular de Buenos Aires com a
presença dos arrabales (arrabaldes, subúrbios), conventillos (cortiços), casas modestas
em partes não tão famosas da cidade, esquinas particulares de La Boca, cafés e bares de
bairro, cabarés e milongas;
- o peronismo que transformou Buenos Aires em um espaço social e politicamente
contestado, ao mesmo tempo em que impulsionou o cinema nacional com diversas leis
de fomento e proteção;
- a apresentação da cidade como possibilidade revolucionária pelos cineastas das
décadas de 1960 e 1970, cuja clandestinidade fazia da realização e da exibição
cinematográfica urbana um ato político;
- a reconfiguração do espaço urbano nos filmes pós-redemocratização, com a ocupação
e reemergência da cidade: o espaço público, antes opressivo, é aberto, e as ruas são
lugares privilegiados para se pensar o passado recente;

                                                                                                                       
13
Este exemplar faz parte da coleção World Film Locations, cujo objetivo, segundo o site da Intellect Books
(uma das editoras), é explorar e revelar as relações entre a cidade e o cinema usando uma aproximação
predominantemente visual (http://www.intellectbooks.co.uk/books/view-Series,id=27/). Inspirada pela seção
“On location” da revista The Big Picture (também editada pela Intellect: http://thebigpicturemagazine.com/),
a série já lançou mais de quarenta livros desde 2011.
14
Na introdução da compilação, os organizadores Santiago Oyarzabal e Michael Pigott esclarecem que a
Ciudad Autónoma de Buenos Aires é delimitada pelo Riachuelo e pela autopista General Paz, mas que o
livro abarca também os subúrbios que a permeiam e penetram: tais áreas, que compõem a Grande Buenos
Aires, não são apenas essenciais à identidade da Capital Federal, mas as diferenças, as interações e os ideais
que surgem dessa coexistência estão intimamente imbricados no cotidiano da(s) cidade(s).

 
 
27  
 

- finalmente, e como viemos discutindo até aqui, a consolidação do espaço urbano como
um lugar privilegiado para se pensar as relações sociais, políticas e culturais nos filmes
do NCA – os quais, geralmente, ignoram ícones arquitetônicos e promovem uma rica
exposição da vida na cidade.
E como se dá a relação entre a cidade e o cinema argentino nos últimos
anos? Como afirma Gonzalo Aguilar em um breve epílogo para a edição de Otros
mundos publicada em 2010, “muitos dos princípios que regiam o cinema a princípios
dos anos 2000 se modificaram radicalmente, e o que antes eram casos isolados hoje
configuram uma tendência cujos caminhos são muito difíceis de prever” (p. 238). Há
mais de uma década já se discute que o nuevo cine transitou o tempo de uma geração
inteira, lapso demasiado extenso para a dinâmica própria de um movimento
cinematográfico.
David Oubiña, por exemplo, escreve em 2004 que, após dez anos, a
renovação terminou por construir outro establishment, renunciando frequentemente à
experimentação para refugiar-se nas convenções, na autoindulgência e no
conservadorismo. Sergio Wolf, em um debate promovido pela revista Otros Cines em
2007, denominado “Qual é a verdadeira situação do cinema argentino?”, prefere propor
outro enfoque e fixar uma periodização do NCA a partir da estreia, naquele ano, de dois
filmes que ele considera definidores, devido à capacidade de refletir sobre suas próprias
problemáticas: Estrellas (Federico León e Marcos Martínez) e UPA – Una película
argentina (Camila Toker, Santiago Giralt e Tamae Garateguy).

Justamente, a autoconsciência de dois filmes recentes como Estrellas


e UPA me faz pensar em um modelo que já é um circuito fechado,
encerrado. A ironia sobre os não atores e o cruzamento entre o
documental e o ficcional em Estrellas; a ironia sobre o cálculo dos
novos diretores que fazem filmes pensando nos festivais em UPA
demonstram o esgotamento de um período e propõem (inclusive
através do jogo e do humor) a necessidade de passar a outra fase
(WOLF, 2007).

Historias extraordinarias (Mariano Llinás, 2008) é outro filme considerado


divisor de águas entre o NCA e o que virá depois. Houve grande furor entre a crítica
argentina, que o comparou, várias vezes, com Pizza, birra, faso, no sentido que, depois
dele, o cinema nacional não seria o mesmo. Agustín Campero escolheu a produção de

 
 
28  
 

Llinás para fechar seu livro Nuevo cine argentino. De Rapado a Historias
extraordinarias (2009), Jaime Pena utilizou o título para nomear a compilação
organizada por ele Historias extraordinarias. Nuevo cine argentino 1999-2008 (2009),
localizando-o como arremate da primeira década de NCA ou inaugurador de um NCA
2.0 que então se iniciava, e Gonzalo Aguilar o colocou como principal representante do
que chamou de cinema anômalo.
A consolidação do cinema anômalo, segundo Aguilar, foi um dos
acontecimentos mais significativos no cinema argentino entre 2006 e 2010, período
entre a publicação de Otros cines e de sua reedição. Com este termo, ele se refere a
uma série de filmes que não se vinculam ao INCAA para conseguir orçamento e que
buscam instaurar outros circuitos de exibição. Partindo do subtítulo do livro de
Campero, Aguilar acredita que o NCA traçou o caminho de um filme independente a
outro. Porém, enquanto Rapado foi uma obra independente em um contexto hostil;
descobrimento e aprendizagem ante a escassez de opções, Historias extraordinarias
tem a independência como uma escolha, uma postura estética, política e vital;
estratégia e fortalecimento de um modo de pensar o cinema (AGUILAR, 2010, p.
240). Dessa forma, o cinema anômalo não se enfrenta necessariamente a uma ordem,
mas se faz à margem dela, e foi o filme de Llinás que realizou essa torção e
inaugurou uma nova modalidade de realização fora dos moldes de produção
previsíveis e convencionais15 e de busca do público em outros lugares que não os
cinemas – como os museus.
Assim, apesar de sua narrativa de aventuras, do excesso de elementos e da
voz over predominante que confronta a estética minimalista de grande parte dos filmes
do NCA, Historias extraordinarias se configura como ponto de inflexão mais por sua
forma de produção que pelo paradigma estético que promove. Como provoca Nicolás
Prividera (2014), o filme de Llinás não possui nada de extraordinário em si mesmo –
construindo-se, na verdade, como uma profusão de histórias mínimas e reproduzindo o
modelo do título a que parece contestar: Historias mínimas, de Carlos Sorín (2002) – e

                                                                                                                       
15
Mais especificamente, q ue se convencionaram a partir das leis de fomento de meados da década de 1990,
que citamos anteriormente. Tais leis, benéficas para estabilizar o fenômeno do nuevo cine, deveriam ser
repensadas e atualizadas, segundo propõem esses novos cineastas (que, aliás, não deixam de produzir
através de outros caminhos enquanto se envolvem nesse debate).

 
 
29  
 

seu maior mérito é obrigar a uma revisão do cinema argentino em geral e do NCA em
particular.16
Pensar e expor todo esse itinerário me pareceu importante para, finalmente,
sistematizar o que me interessa explorar neste trabalho: como se concebe e se percebe a
cidade nos filmes pós-NCA. O espaço urbano ainda seria privilegiado na cinematografia
argentina contemporânea, após alguns anos de intensas modificações no panorama
cinematográfico (com a consolidação das carreiras de diversos diretores e produtoras do
nuevo cine e o incessante aparecimento de novos e diversificados cineastas, estéticas e
modos de produção), como questiona Gamberini? Ainda são válidos conceitos como os
de fuga, nomadismo, sedentarismo, entre outras categorias que expusemos
anteriormente, como as propostas por Jens Andermann?
A decisão de adotar uma perspectiva do presente não obedece tanto a uma
opção metodológica, mas a uma estratégia que permite a análise crítica simultânea ao
relato pessoal: tal recorte me interpela tanto teórica quanto intimamente. Ademais, me
faz pensar que lugar ocupa minha própria produção na elaboração do conhecimento
(especialmente se tratando de uma mirada estrangeira), e é também por isso que assumo
os riscos do ensaio, com o que esta forma implica de envolvimento subjetivo e de
pensamento em marcha. Nesse sentido, também me sinto mais à vontade para puxar
algumas linhas e deixá-las soltas.
Sete filmes irão compor o eixo do texto: El asaltante (2007) e La sangre
brota (2008), ambos de Pablo Fendrik, cujas ruas da cidade são, quase
exclusivamente, o espaço da ação, assim como em Castro (Alejo Moguillansky,
2009); Una semana solos (Celina Murga, 2008) que se desenvolve dentro de um
condomínio fechado de alto padrão; O homem ao lado (El hombre de al lado, Gastón
Duprat e Mariano Cohn, 2009) que se passa dentro de uma casa e no limiar da mesma,
dramatizando a questão dos espaços público e privado; Elefante branco (Elefante
blanco, Pablo Trapero, 2012) cujos conflitos se dão em uma favela; e Bem perto de

                                                                                                                       
16
A despeito do ânimo de manifesto que o longa de Llinás gerou, é importante não esquecer que Raúl
Perrone (considerado um dos pioneiros e inspiradores do NCA) filma e exibe por fora dos circuitos
tradicionais desde suas primeiras produções do fim dos anos 1980 até hoje (somando em seu currículo mais
de 30 obras). Há também todo um universo de produção de filmes B que se concentra no já consolidado
Buenos Aires Rojo Sangre – Festival Internacional de Cine de Terror, Fantástico y Bizarro, que se realiza
desde 2000. Imagino que, com o cada vez mais disseminado uso do digital, devem existir inúmeras outras
redes de realização e difusão independentes que não lograram a visibilidade do filme de Llinás, mas
integram o que Aguilar denomina cinema anômalo.

 
 
30  
 

Buenos Aires (Historia del miedo, Benjamín Naishtat, 2014), no qual temos
personagens que habitam um bairro privado, um alto edifício no centro da cidade e a
periferia. A partir deles, poderão ser estendidas conversas com outros filmes do país e
também latino-americanos, especialmente brasileiros, para complexificar e
dimensionar de forma relacional as proposições apresentadas – sendo que não se
configura um compromisso com reflexões aprofundadas dos mesmos, mantendo maior
atenção sobre a cinematografia argentina.
Nessas produções, a cidade constitui potente linha de força para perceber a
vida social e seus conflitos e não é apenas cenário, mas elemento fundamental e
estruturante, como explorarei nas análises. Sergio Wolf afirma que, ademais de poder
examinar os modos como o espaço é construído no cinema, o mesmo também pode ser
pensado como tema. Para o crítico argentino, “há filmes nos quais a topografia demarca
e expande outras coordenadas, conota e informa algo mais que o referido a seu valor de
uso para o relato ou para os personagens” (1993, p. 45, destacados no original).17
Nos últimos 20 anos, a relação entre cinema e cidade tem sido objeto de
sucessivas conferências ao redor do mundo, de um grande número de livros e coletâneas
(especialmente em língua inglesa) e de especiais em revistas científicas de várias áreas.
Dita relação tem alcances enormes e enfoques que convocam a quase qualquer
disciplina humanística, tendo geralmente caráter interdisciplinar e possibilitando
inúmeros cruzamentos metodológicos, especialmente com a Arquitetura, a Cartografia,
a Geografia e a Sociologia. Grande parte dessa literatura acadêmica toma como
embasamento teórico o reconhecimento, a partir da década de 1970, do espaço como
categoria organizadora, e da espacialização como termo de análise e descrição da
sociedade e culturas moderna e pós-moderna (MELLO, 2011). Esse fenômeno,
intitulado spatial turn (guinada ou virada espacial), tem em Henri Lefebvre e Michel
Foucault seus principais referentes, já que suas análises do espaço contribuíram bastante
para o entendimento da organização e da coerência do mundo moderno, influenciando
consideravelmente o interesse cada vez maior no espaço. Aos trabalhos dos filósofos

                                                                                                                       
17
De maneira similar, Giuliana Bruno constata: “Lugares e até meios de transporte são específicos a gêneros
fílmicos e ciclos que, por sua vez, mudam a maneira como remapeamos esses lugares. A estrada de ferro e a
paisagem aberta geraram e moldaram o western, o espaço sideral definiu o domínio da ficção científica, o
carro determinou o road movie, e a casa delimitou a fronteira do melodrama – uma fronteira não
transgredida facilmente. Em muitos casos, no entanto, essas fronteiras existem apenas para serem
transgredidas” (BRUNO, 2007, p. 28).

 
 
31  
 

franceses unem-se os estudos de David Harvey, impulsionando uma reavaliação crítica


do espaço e da espacialidade no pensamento social (ARIAS e WARF, 2009 apud
ANDREWS, 2014).
Costuma-se apontar a consolidação e o avigoramento do debate
cinema/cidade a partir da conversa entre Karen Lury e Doreen Massey, em uma
edição especial da revista Screen intitulada “Space/Place/City and Film”, publicada
em 1999, na qual as pesquisadoras identificaram o foco no espaço (com uma
inclinação desproporcional para o espaço urbano) e no filme como um subcampo de
investigação. Apesar do interesse não apenas pelo histórico da relação entre cinema
e cidade, mas também pelos updates dos tratamentos sobre o tema, não tenho a
intenção de fazer um raconto dessas teorias.18 O que me interessa – e frente à
extensa possibilidade de engajamentos entre o cinema e a cidade – é expor as
reflexões que deslindam a maneira como abordarei essa relação e que atravessarão e
guiarão as análises.

***

Jean-Louis Comolli (2008) aponta que filmar uma cidade recoloca a


questão do sentido: reprodução do mesmo ou produção de outro? Sua interrogação
me transporta à famosa frase de Marco Polo à Kublai Khan em As cidades invisíveis:
“(...) jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo,
existe uma ligação entre eles” (CALVINO, 2003, p. 27). Essa ligação é
constantemente destacada ao se tratar da cidade cinematográfica – ademais, em via
de mão dupla: por um lado, quando os universos ficcionais se ancoram em lugares
reais; por outro, quando tais universos afetam a maneira como o mundo é percebido.
Conforme afirma Maria Helena Braga e Vaz da Costa (2006), um filme não somente
retrata as cidades e os lugares, mas assume papel central na construção das

                                                                                                                       
18
Vários títulos poderão ser consultados nas referências, ao final do texto, e muitas obras já trataram de
recuperar e sistematizar tal bibliografia, entre as quais gostaria de destacar a introdução de Julia Hallam e
Les Roberts ao livro organizado por eles Locating the moving image (2014), na qual buscam esclarecer
denominações e delinear teórica e metodologicamente perspectivas pertencentes à virada espacial nos
estudos de cinema, identificando áreas temáticas e indicando seus autores; e Film and urban space: critical
possibilities (2014), de Geraldine Pratt e Rose Marie San Juan, cujo título já diz a que vem. Um dos poucos
materiais em português que podem ser consultados é o excelente relatório de pós-doutorado de Cecília
Mello: Movimento e espaços urbanos no cinema mundial contemporâneo (2011).

 
 
32  
 

imaginações geográficas dos indivíduos, ajudando tanto a “inventar” esses espaços


quanto influenciando o entendimento dos mesmos. Adrián Gorelik (2004) reforça
essa perspectiva, ao sustentar que a cidade e suas representações se produzem
mutuamente: não há cidade sem sua representação, e as representações não apenas
decodificam o texto urbano em conhecimento social como incidem no próprio
sentido de transformação social da cidade.
Para Pérez Llahí (2013), a cidade já se constitui como um discurso prévio ao
filme: a figuração da cidade no filme supõe, pois, uma relação intertextual entre esse
discurso anterior e aquele que se erige, então, em forma audiovisual. Para Prysthon
(2006), há muitos modos de representar o urbano: modos estes que vão gerando padrões
estéticos, os quais vão imaginando, desenhando e construindo outras cidades, outras
formas de traduzi-las. Da mesma maneira, para Sylvia Caiuby Novaes (2012), a cidade
é um acervo de imagens que se constroem ao longo da história, que se preservam na
memória coletiva e que são apropriadas pela memória individual – imagens que, de
diversos modos, ativam o imaginário sobre este espaço e que os cineastas, por sua vez,
nos devolvem, construindo novas imagens.
Assim, não busco opor a “cidade real” à “cidade cinematográfica”, mas
entrecruzá-las. Os filmes do corpus foram realizados em locações e é claro o anseio de
localizá-las, seja por externas ou internas de marcos reconhecíveis ou, na ausência
deles, por meio de referências através de diálogos ou da caracterização dos
personagens. Afinal, como afirma Davi Arrigucci Jr., a ficção não se traduz em
realidade imediata – os filmes inventam suas próprias verdades imaginárias por meio
de procedimentos de linguagem e de construção, afastando-se do mero documento.
“Essa verdade humana inventada é muito mais viva e reveladora da experiência
histórica e de uma tremenda realidade, do que se ele [o cinema] se limitasse a
reproduzir fatos da realidade aparente” (2006, p. 12).
Segundo Sergio Wolf (1993), a problemática do espaço é central no relato
cinematográfico, já que consiste em transformar o que comumente é uma multiplicidade
de lugares heterogêneos em uma unidade de lugares, dado que estes existem da maneira
determinada pelos criadores apenas dentro do filme. Assim, mais que representar, o

 
 
33  
 

cinema intervém no espaço.19 Irene Depetris Chauvin (2013) aponta que uma forma de
compreender essa intervenção é através da categoria de prática espacial, a partir da qual
Michel de Certeau (1994) concebe o espaço como um lugar praticado, resultado da
mobilidade dos corpos, da experiência e da interação humana.

Esse andar dos indivíduos configura uma enunciação pela qual, como
resultado do movimento, da prática, os “lugares” adquirem novos
sentidos que os convertem em “espaços”. (...) A ficção é entendida,
também, desde esta perspectiva, como uma proposta de deslocamento
na qual toda história seria uma história de viagem, uma prática
espacial, cujos “recorridos” fazem ver os “lugares” de um modo
particular e os convertem em “espaços”. Embora Certeau analise os
trânsitos citadinos e nunca se refira diretamente ao cinema, a ênfase
nas trajetórias e nas práticas é aplicável ao cinema. Muitos aspectos da
imagem em movimento têm a ver com os atos de habitar e atravessar
o espaço: os filmes realizam “recorridos” de seus espaços, mas, ao
mesmo tempo, o aparato cinematográfico reinventa esses espaços
antes que reproduzi-los mimeticamente (DEPETRIS CHAUVIN,
2013, p. 160).

Cecília Mello também trabalha com a visão do cinema como prática espacial,
mas se dedica a pensá-lo mais como produtor de espaços: ao movimentar-se através do
espaço real, o cinema acaba criando um novo espaço, o espaço cinematográfico,
construído a partir do enquadramento, dos ângulos e movimentos de câmera, da
iluminação (natural ou artificial), da interação com os atores ou os habitantes reais de uma
cidade, da montagem, em suma, de todos os recursos da arte cinematográfica e das outras
artes com as quais o cinema interage (MELLO, 2011, p. 35). Além de Certeau, Mello

                                                                                                                       
19
Stephen Heath, em seu texto Narrative space (1976), considera que o cinema manipula o espaço ao longo
do desenvolvimento de uma narrativa. Para Heath, isso se dá especialmente através do movimento dos
personagens, da câmera e de uma tomada para outra (por meio da montagem se representa a “passagem” de
um espaço a outro no tempo). É possível também fragmentar o espaço como, por exemplo, através dos
closes. Mark Garrett Cooper (2002) avança sobre as ideias de Heath, propondo que a construção do espaço
fílmico também pode se dar em apenas um frame fixo – ou seja, mesmo que não haja movimento ou edição.
Além das intervenções de Cooper, Cecília Mello observa como a abordagem de Heath foi sendo contestada
a partir da identificação de uma qualidade sensorial da experiência cinematográfica por Gilles Deleuze que
assinalou, nos anos 1980, uma passagem do modelo espectatorial de óptico para háptico, contribuindo assim
para um distanciamento da noção de representação na teoria do cinema: “A ênfase na natureza háptica da
experiência cinematográfica pôs em xeque abordagens acerca do espaço no cinema tais como a de Stephen
Heath (1976), afinada à tradição teórica de inspiração semiótico-psicanalítica. Para Heath, a narrativa seria o
elemento que asseguraria um posicionamento coerente ao espectador habituado ao ponto de visto estático da
perspectiva renascentista, garantindo a coerência espacial a despeito da mobilidade inerente ao cinema. No
processo de revisão pelo qual passou a teoria cinematográfica, a ideia do cinema como herdeiro direto da
perspectiva Renascentista foi plenamente rechaçada, e a apreciação do espaço fílmico passou a ser
considerada acima de tudo a partir da experiência tátil e do movimento” (MELLO, 2011, p. 57). Tratarei
mais detidamente da qualidade háptica do cinema no capítulo 2.

 
 
34  
 

utiliza as conceituações de Milton Santos e de Doreen Massey do espaço como


elemento transitório e em constante mutação, centrais para que se dissipe a ideia do
mesmo como algo fechado, imóvel e desprovido de movimento.
Sob a perspectiva de Certeau, o espaço realiza-se enquanto vivenciado, ou
seja, a partir de sua ocupação e apropriação, que o potencializa, atualiza, ressignifica
constantemente – os sujeitos, em seus itinerários, simbolizam o lugar a partir das
interferências, tanto corporais quanto cognitivas, nas configurações físicas do lugar. De
maneira similar, Milton Santos (2014), partindo da noção de forma-conteúdo,20 pensa o
espaço como a articulação entre objeto e ação; potência e ato dialeticamente integrados.
Para o geógrafo brasileiro, “a paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento,
exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e
natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima” (2014, p. 103).

A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais-concretos. Nesse


sentido, a paisagem é transtemporal, juntando objetos passados e
presentes, uma construção transversal. O espaço é sempre um
presente, uma construção horizontal, uma situação única. Cada
paisagem se caracteriza por uma dada distribuição de formas-objetos,
providas de um conteúdo técnico específico. Já o espaço resulta da
intrusão da sociedade nessas formas-objetos. Por isso, esses objetos
não mudam de lugar, mas mudam de função, isto é, de significação, de
valor sistêmico. A paisagem é, pois, um sistema material e, nessa
condição, relativamente imutável; o espaço é um sistema de valores,
que se transforma permanentemente (SANTOS, 2014, p. 103-104).

Já Doreen Massey (2008) concebe o espaço como uma imbricação de


trajetórias, sempre aberto ao inesperado, ao acaso, e que, enquanto locus da existência
contemporânea, é marcado pela multiplicidade, pelo encontro com o outro – colocando-
nos permanentemente frente ao desafio do novo. Assim, o espaço não é fixo e está em
permanente construção. Mello (2011) destaca como Massey, na entrevista a Lury,
insiste na necessidade de se pensar o espaço como dotado de movimento, distinto de
uma noção estática e divorciada do tempo, além de identificar a cidade como uma forma
                                                                                                                       
20
“A cada evento, a forma se recria. Assim, a forma-conteúdo não pode ser considerada apenas como forma,
nem apenas como conteúdo. Ela significa que o evento, para se realizar, encaixa-se na forma disponível
mais adequada a que se realizem as funções de que é portador. Por outro lado, desde o momento em que o
evento se dá, a forma, o objeto que o acolhe ganha uma outra significação, provinda desse encontro. Em
termos de significação e de realidade, um não pode ser entendido sem o outro e, de fato, um não existe sem
o outro. (...) Essa ideia também supõe o tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de
sistemas de objetos [formas] e sistemas de ações [conteúdos]” (SANTOS, 2014, p. 102-103).

 
 
35  
 

intensa de justaposições e simultaneidades e acreditar que o cinema (por ser um meio


que viaja por espaços diversos) molda-se perfeitamente a essas características espaciais.
Mello devota especial atenção aos estudos de Giuliana Bruno (2007) e a como
ela define o espaço a partir de suas características dinâmicas, de seu constante movimento
e oposto à ideia de representação ou recorte estático do tempo. Ainda seguindo a Bruno, a
autora brasileira enfatiza a possibilidade do cinema em proporcionar o que se pode
chamar de viagem do olhar – seu potencial de acessar, conhecer, criar impressões,
sensações e até mesmo memórias urbanas a partir de um filme.
Como assinala Pérez Llahí (2013), averiguar os vínculos entre cidade e
cinema é dar conta dos laços possíveis entre a produção simbólica que implica o
discurso audiovisual e aquela representada pela referência urbana. Ancorando-me
nessas abordagens, procuro entender a cidade e o cinema como práticas espaciais, e
foco na interconexão entre tais práticas na investigação da centralidade do espaço
urbano, tanto para a compreensão dos conflitos e tensionamentos sociais que os filmes
apontam quanto para a construção de suas imagens, sons e narrativas. Dessa forma,
tento articular elementos da análise fílmica, da teoria e história do cinema e do processo
criativo dos diretores a cidades que são tidas não apenas como estruturas físicas, mas
também como espaços de significações, experiências, trocas e memórias, atentando para
o que Regiane Ishii (2015) denomina investimentos espaciais, que envolvem complexos
expedientes na passagem do espaço real para um novo, o espaço fílmico.

***

Assim como Andermann distinguiu quatro itinerários pela cidade do NCA,


localizo alguns temas que dialogam de forma prolífica com as sete obras escolhidas e
que vão nortear o texto, intitulando os capítulos, como detalharemos a seguir.
Entretanto, tais assuntos terminam por estar tão intrincados que, ao traçar a estrutura da
tese, me veio à memória um jogo de espelhos contrapostos: um tópico se projeta em
outro que se projeta em outro que se projeta em outro... inter-relacionando e iluminando
os filmes de diversas maneiras. Dessa forma, os temas não pretendem representar
categorias isoladas, ligando-se e se incrementando à medida que avançam.

 
 
36  
 

No projeto inicial sobre os filmes de Martín Rejtman, uma das coisas que
mais me intrigava era a ideia da “narração como circulação”, como conceitua Oubiña
(2005, p. 11) a respeito dos filmes do cineasta. Para Verardi (2010, p. 282), a circulação
é um dos assuntos centrais dos longas e aparece também como eixo de toda a obra de
Rejtman – o movimento contínuo, o trânsito, atravessa os personagens e os objetos
convertendo-se em uma das chaves de leitura do universo proposto pelo cineasta. Como
acabo de comentar, os filmes do diretor são utilizados por Aguilar (2006) para discutir a
ideia de nomadismo, e por Dipaola (2012a) para abordar a noção de fuga.
Oubiña (2005, p. 06) analisa que os filmes de Rejtman são microcosmos de
personagens que reaparecem e se recombinam, a partir de pequenas situações que se
repetem e com uma seleção limitada de objetos que se dedicam a circular de maneira tão
imparável quanto impassível. Para Aguilar, “o cinema de Rejtman é um mapa em que
pessoas e coisas não deixam de traçar recorridos” (2006, p. 61). Segundo o autor, um dos
traços do mundo rejtmaniano é que tudo e todos estão se movendo permanentemente: os
personagens frequentemente não têm casa e estão sempre se deslocando, jamais se detêm,
viajando de carro, de avião, de trem, de moto ou no skate, e as coisas não deixam de ser
trocadas, vendidas, presenteadas, passadas de mão em mão. Os animais emulam esse
destino e também vão de um lado a outro, assim como os afetos, as relações e até as
depressões; alguns assuntos são repetidos ou reciclados, as identidades não são firmes e
estão flutuando, da mesma forma que os diálogos à deriva.21
Em uma análise preliminar do corpus, a ideia da circulação voltava a aparecer
devido à constante movimentação, especialmente, dos personagens. Se em Rejtman22 a
circulação das pessoas e dos objetos configura-se como elemento organizador da
experiência, determinando a direção e o ritmo dos acontecimentos, qual o papel dos
deslocamentos nos filmes a serem analisados? Como os personagens atravessam espaços
que não são apenas pano de fundo de seus dramas, mas parte intrínseca da arquitetura do
drama, acredito que os diferentes modos de narrar esses trânsitos correspondem a formas
                                                                                                                       
21
Uma passagem que me parece paradigmática e imperdível que gostaria de citar é esta de Los guantes
mágicos: Alejandro encontra casualmente Piraña, escuta seu disco de rock frenético e fica com dor de
ouvido. Vai a um médico que o encaminha a um oftalmologista, quem lhe receita óculos e diz: “O corpo aos
40 é como essas casas velhas – quando alguém toca algo, mesmo que seja um encanamento insignificante,
percebe que o que está podre é estrutural. Está tudo conectado. Na verdade, está tudo podre. Tem que
continuar arrumando uma coisa, que leva a outra e depois a outra. Até não terminar nunca. Aconteceu
comigo. No fim, me cansei e decidi vender. Me mudei a um apartamento muito mais novo”.
22
Sobre a obra de Rejtman, ver – além dos trabalhos já citados – a dissertação de mestrado de Fábio Allan
Mendes Ramalho (2009).

 
 
37  
 

distintas de pensar a cidade que percorrem ou, pelo menos, formas particulares de
preludiar e representar algumas de suas questões. Assim, o segundo capítulo, intitulado
Introdução, segunda parte: mise en scène do espaço como movimento, estruturou-se
como uma apresentação dos filmes, a partir do elemento que alinha a costura entre eles: o
movimento. Nele, procuro analisar as figurações da circulação e apontar como elas
participam da construção dos espaços das/nas obras. Por vezes, o texto parecerá errante e,
as ideias parecerão incompletas, mas o objetivo é que o capítulo realmente funcione
apenas como porta de entrada para o corpus.
As relações entre medo e experiência urbana guiam o terceiro capítulo,
Histórias do medo, que se concentra em Historia del miedo, Una semana solos e El
hombre de al lado, nos quais se destacam o medo como fator fundamental para
engendrar pautas de segregação social e espacial e o outro como ser temido por
excelência. Paira uma atmosfera de fobópole nesses filmes – termo criado pelo geógrafo
Marcelo Lopes de Souza (2008) que condensa o que o pesquisador tenta qualificar
como cidades nas quais o medo e a percepção crescente do risco (do ângulo da
segurança pública) assumem posição cada vez mais proeminente, relacionando-se
complexamente com vários fenômenos de tipo defensivo, preventivo ou repressor
levados a cabo pelo Estado ou pela sociedade civil.
Segundo Yi-fu Tuan (2005) e Zigmund Bauman (2008), o medo está
totalmente ligado à incerteza, à incompletude, à instabilidade, à estranheza, ao
desequilíbrio, à imprevisibilidade e à sensação de fragilidade diante de tudo isso. Os
filmes de Naishtat, Murga, Duprat e Cohn estão embebidos desses elementos de
diversas formas, e a ressignificação constante – que mantém a incerteza, a instabilidade,
etc. – é matéria corrente nos três.
O estudo de Historia del miedo se inspira em reflexões sobre algumas
produções brasileiras recentes como Trabalhar cansa (Juliana Rojas e Marco Dutra,
2011) e O som ao redor (Kléber Mendonça Filho, 2012) que retratam o cotidiano, mas se
afastam do realismo tradicional para abraçar de maneira sutil aos códigos do horror.
Artigos como os de Mariana Souto (2012), de Cristiane da Silveira Lima e Milene
Migliano (2013) e de Kim Wilheim Dória (2014) sobre essas obras voltaram minha
atenção para a presença do gênero nas diversas representações do medo e suas

 
 
38  
 

articulações com as vivências na cidade, fazendo com que a presença de ingredientes do


horror (como os monstros e o suspense, entre outros) conduzisse minha análise.
A abordagem de Una semana solos se pauta pela ruptura do senso de
comunidade, a partir do advento dos condomínios fechados e – de maneira bastante
próxima a Historia del miedo – pela inscrição do extracampo enquanto agente ou
nascedouro do temor. As potências narrativas derivadas da trilha sonora têm lugar
privilegiado no debate: o filme se ancora no silêncio que vai sendo povoado por ruídos
em off, a partir da chegada de alguém que traz o desconhecido a um mundo até então
absolutamente controlado. Através do silêncio e dos sons, delineiam-se as relações entre
os personagens (quem tem voz ou não, quem deve ser ouvido ou não), descreve-se uma
propriedade importante do espaço da ação (a paisagem sonora tranquila) e se traça sua
fragilidade (a “invasão” pelos sons em off), adensando os conflitos e potencializando o
questionamento que o filme propõe sobre uma forma de habitar a cidade entre fronteiras
espaciais e sociais cada vez mais inflexíveis.
El hombre de al lado aprofunda o tema do rompimento dos laços na
sociedade urbana, ao estender essa quebra ao interior da casa. A questão do viver junto
e suas disputas cede lugar à emergência do estranho (segundo Freud) no familiar, que
desloca progressivamente os objetos e objetivos do medo durante o longa. Proponho
algumas conexões entre o filme e dois clássicos contos da literatura argentina do século
XX que se dedicaram a trabalhar de forma notável os temores das sociedades de seus
tempos: “Casa tomada”, de Julio Cortázar, e “Cabecita negra”, de Germán
Rozenmacher.
Assim como o medo, e intimamente relacionado a ele, a violência marca a
configuração física da cidade e influencia a conexão entre os indivíduos. Como afirma
Souza, o espaço urbano não é, em si, o responsável pela geração da violência, mas “(...)
as práticas de violência não estão dissociadas do espaço. Aqui também o espaço
comparece em sua dupla qualidade de produto social e condicionante das relações
sociais” (2008, p. 11). A violência aparece em todos os filmes de diversas formas: às
vezes, não diretamente, no embate entre indivíduos, senão nas entrelinhas, em gestos e
diálogos, em algumas trivialidades das quais os personagens não conseguem escapar.
No quarto capítulo, Na cidade da fúria, interessa-me investigar a violência que se faz
presente de maneira mais enfática, que se transforma em física e desemboca no

 
 
39  
 

aniquilamento do outro, contaminando cada aspecto das tramas, conforme rebenta e


distribui seus estilhaços, como acontece em La sangre brota e Elefante blanco.
Em ambos, identifica-se o que a antropóloga Rose Satiko Gitirana Hijiki
(2012) classificou como imagem-violência, ou seja, as cenas de agressão construídas
de modo gráfico, com imagens literais da violência praticada (a chamada “violência
explícita”) e também com recursos estilísticos em que a linguagem é considerada
violenta (como a montagem rápida e fragmentada e a câmera instável). Carolina
Rocha e Elizabeth Monte Garcés (2010 apud LIE e MANDOLESSI, 2012) lembram que
é uma característica do nuevo cine argentino a representação de Buenos Aires (cidade que
abriga os dois filmes analisados) como um “quarto espaço” onde todas as mitologias que
definem a nação colapsam, onde não há lugares protegidos em que a violência esteja
ausente, nem esperança para a redenção, e onde os personagens se enfrentam com um
excesso de violência que parece transbordar dos limites da tela. A noção de “quarto
espaço” (“fourth space”) utilizada pelas autoras segue o conceito de James Richard Giles:

Em sua análise dos espaços de violência na literatura americana, Giles


alcunha o conceito de “quarto espaço” para descrever um espaço onde
os personagens são empurrados às margens, e em que são incapazes
de resistir ou contra-arrestar a violência imperante. Edward Soja havia
proposto o conceito de “terceiro espaço” (“third space”) para se referir
a um espaço limiar entre culturas, gêneros e raças onde é possível
resistir a diversas formas de opressão. Oposto a essa conotação
positiva de Soja, o “quarto espaço” de Giles é um espaço marcado
pela violência sistemática, representada às vezes como a consequência
inevitável do capitalismo falocêntrico e outras como a expressão de
mitologias degradadas (LIE e MANDOLESSI, 2012, p. 106-107).

La sangre brota tematiza, de modo mais extremo e violento, o


desmembramento familiar e social que já se exibia nos filmes trabalhados no capítulo
anterior. A atmosfera distópica que acomete a diegese será o sustentáculo para se
pensar como são construídas, no longa, as experiências de transitar e de se relacionar
em um espaço que rodeia e pressiona os personagens a todo o momento, a circulação e
a circularidade a que eles estão condenados e a brutalidade que permeia todo e
qualquer contato.
A ruína enquanto espectro, tanto do fracasso quanto da resistência, irá
modular o exame sobre Elefante blanco, produção que aposta na mobilização não apenas
da ideia de ruína como de outras ideias que cercam um universo complexo como a favela

 
 
40  
 

(ou villa, como é chamada na Argentina) – entre elas, a violência como um elemento
constitutivo da cotidianidade. Esse movimento se dá através da vivência de personagens
alheios a tal mundo e que elegem ser parte dele, mergulhando em uma trajetória de
aprendizagem que, como tudo no filme, tem a dupla cara de destruição e de construção.
No capítulo 5, Em transe-to, a fuga é o mote que estrutura Castro e El
asaltante, os quais também se irmanam pela apreensão sensorial que fazem dos espaços
que percorrem. Movimento recorrente dentre os acionados pelos personagens do corpus,
a fuga é, nestes filmes, o recurso através do qual os protagonistas desdobram atitudes
críticas – às vezes radicais e explosivas, às vezes silenciosas – diante de noções fixadas,
sugerindo certo ceticismo em relação à “estabilidade” e à “ordem” que eles
(des)encontram na normalidade. A questão da fuga conforme sugerida por Dipaola
continua a pulsar no cinema argentino.
Castro foi bem descrito pelo crítico português Jorge Mourinha como “uma
tragédia existencialista a fingir que é uma comédia dobrada de atualização pós-moderna
do velho burlesco dos tempos de mudo reencarnado em arte performativa” (2010). Pois
a apreciação do filme de Moguillansky tentará articular todos esses dados com o
itinerário hipercinético do personagem-título e de seus perseguidores que transformam a
cidade em um fluxo incessante.
A cidade também é um fluxo – ou, mais bem, um flou – em El asaltante,
como o homem que se funde a ela. A indeterminação que rege o filme se replica em seu
estudo, que deambula por diversos caminhos e conceitos, tentando compreender essa
confusão entre corpo e espaço, entre perseguir e ser perseguido, hostilizar e ser
hostilizado.
As aproximações propostas são, cada uma a seu modo, formas oblíquas de
se debruçar sobre essa relação entre a cidade e o cinema argentino contemporâneo.
Assim, busco mobilizar este corpus como uma forma singular de panorama no qual
transitam diversas questões, identificando recorrências e particularidades nos modos de
filmar, escutar, experimentar e conceber a cidade. Apesar de soar como uma tarefa
cartográfica, com a tentativa de assinalar tendências, rumos e linhagens, a investigação
pretende se encaminhar mais como uma série de reflexões sobre a singularidade de cada
filme e de intervenções que estimulem um diálogo entre eles, prescindindo da aspiração
de construir um mapa estático ou de pensar as produções como exemplares

 
 
41  
 

representantes de uma totalidade cerrada. Nesse sentido, nos identificamos mais com
uma noção de mapeamento proposta por Giuliana Bruno:

Mapeando, desenhamos (n)o passado, não para conservar as imagens


passadas, mas para compreender a sua fusão com o presente e avaliar
se ele está, realmente, oferecendo-nos algo novo. Ao fazer isso,
abrimos nossos olhos para o que, antes, não podíamos ver de nosso
presente, o que pode se tornar uma barreira para o nosso futuro. Como
os replicantes de Blade Runner, nós ainda sondamos o mapa do nosso
espaço vivido, não para encontrar o que perdemos, mas para procurar
pistas de nossa historicidade limitada, para medir que prazeres da
descoberta podem estar à frente. Memórias fotográficas e fílmicas –
frágeis ainda que duradouras – são fragmentos deste processo
arquivístico, porosamente embutido em nosso caminho lacunar, parte
da nossa própria cartografia mutante. Como documentos móveis de
história e frações de nossas histórias pessoais em movimento, os
filmes atuam como traços, veículos e passagens da nossa subjetividade
retrospectiva (BRUNO, 2007, p. 418).

Pensando no sentido de mapear, trago à baila o trabalho de Bouchra Khalili


The mapping journey project (2008-2011), videoinstalação da qual falei na abertura
deste texto. Nessa obra, refugiados criam uma cartografia alternativa da região do
Mediterrâneo, traçando suas rotas ziguezagueantes na superfície de um mapa
convencional. Em entrevista a Dorothea Schoene em 2012, Khalili conta que se inspirou
no processo cinematográfico baseado na inter-relação entre os espaços on e off screen,
que permite uma aproximação visual tanto metonímica como dêitica, sugerindo uma
reflexão sobre a habilidade das experiências humanas (no caso, das existências
clandestinas) de gerar geografias alternativas. A artista estava interessada em confrontar
o desenho mais normativo que existe (o mapa político) com as mais singulares situações
e vivências. Para Maike Wetzel (2012), The mapping journey project tem apelo tanto
intuitivo quanto intelectual – é possível “apenas” ver mapas e ouvir documentos de
áudio de imigrantes ilegais ou perder-se completamente em paisagens hipnóticas.
Enfim, produzindo experiências espaciais o cinema pode, ao mesmo tempo,
localizar e desafiar a imaginação e o pensamento. De que modo diversos filmes
argentinos dos últimos anos operam esse nexo, e como suas relações com o espaço
urbano podem iluminar aspectos inesperados e produzir novos sentidos é, então, o que
tratarei de explorar no recorrido que começa aqui.

 
 
42  
 

2. Introdução, segunda parte: mise en scène do espaço como movimento

Em Castro, o protagonista, Castro, “ontologicamente foge”, como afirma


Alejo Moguillansky (Buenos Aires, 1978) em entrevista à revista Escribiendo Cine
(PANESSI, 2009). Atrás dele vão vários outros personagens, e o primeiro longa do
diretor se estrutura a partir do tema da perseguição e suas variações. Como pode sugerir
o ontologicamente acrescentado pelo cineasta, não se esclarecem as motivações tanto de
perseguido quanto de perseguidores, as quais acabam perdendo importância. Segundo
Gonzalo Aguilar, “o filme mostra como a perseguição adquire sentido em si mesma e
como nunca se produz a ancoragem ou o encontro do objeto que lhe outorgue um
sentido por fora dela” (2010, p. 252). Assim, transforma-se esse mecanismo básico do
policial em um MacGuffin que dá lugar a uma série de coreografias e jogos espaciais
que fazem dos deslocamentos em si o principal interesse do filme. Como afirma Esteban
Dipaola a respeito,

A circulação proposta em Castro não é o que faz a narração fluir, mas


a própria narração em fluxo é a que possibilita o modelo de circulação
e a expressão dos trânsitos. Não há uma representação do mundo, suas
relações e sua circulação; mais claramente se trata de uma expressão
dos fluxos, dos trânsitos, dos lugares, das pessoas e dos objetos que as
fazem interagir (DIPAOLA, 2009, p. 10).

Manter-se em movimento é a única forma de sobreviver em Castro, como


afigura o homem do quarto de cima da pensão, de quem só se escutam os passos – quando
não se escutam mais, é porque morreu (AGUILAR, 2010). É correndo que o personagem-
título vai articulando a história de seus múltiplos desterros, até chegar ao desterro
definitivo, ao se chocar (intencionalmente) com uma parede que finalmente cessa seu
tráfego. Os perseguidores nunca alcançam Castro, desistindo por motivos insignificantes
ou sendo impedidos por algo invisível (talvez pela consciência de que a busca não pode
parar). A circulação se dá não apenas através dos corpos, mas também dos nomes que
passeiam de boca em boca, viajando pelo ar. Vive-se em um equilíbrio instável que
apenas o movimento contínuo pode assegurar. Para Dipaola, “trata-se de uma sorte de
running movie, no qual tudo o que se pode fazer é correr, escapar, transitar” (2009, p. 14).
A câmera tampouco se livra dessa sina e se esforça para não perder nada de
vista (embora isso aconteça mais de uma vez), fazendo rápidos movimentos ao

 
 
43  
 

acompanhar tanto os atores quanto os meios de transporte dos quais eles se utilizam,
além das pistas (não importa se verdadeiras ou falsas) que vão sendo deixadas. O relato
articula panorâmicas, travellings e planos-sequência para seguir todos os deslocamentos
que possuem um grande desenvolvimento formal e forte conexão com a dança
contemporânea – reflexo da colaboração entre Moguillansky e o grupo de dança-teatro
experimental Krapp, do qual são membros Edgardo Castro (quem incorpora a Castro) e
Luciana Acuña (que aparece nos créditos do filme como diretora coreográfica).23
Aguilar localiza Castro entre aquelas obras que caracterizou como
composições coreográficas: imagens que se centram nas relações entre os corpos, o
espaço e os planos. “As coreografias são uma mise en scène do corpo, uma exibição da
teatralidade da vida e do poder do cinema para entregar performances mais poderosas”
(2010, p. 248).24 O pesquisador qualifica Moguillansky como o mais coreográfico dos
cineastas argentinos porque ele não representa a dança em si mesma, mas a dilui na vida
cotidiana, e chama a atenção para seu trabalho como montador em quase uma vintena
de longas nos últimos dez anos,25 o que o dotou de um sentido único da rítmica da
imagem (AGUILAR, 2014).

Em Castro, não só os personagens se deslocam pela cidade como em


um grande baile (tendo os ônibus como figurantes), mas a medição
dos planos está trabalhada em uma progressão geométrica e como uma
linha melódica com seus harmônicos, contrapontos e ritornellos (...).
Em uma mise en scène na qual não se pode evitar a rememoração do
filme Invasión, de Hugo Santiago, a teatralidade, o musical, o
pictórico e o cinematográfico confluem em um cinema que, como no
curta-metragem que Beckett fez com Buster Keaton,26 o slapstick se
combina com a busca metafísica de um tal Castro que, de modo
lacaniano, funciona como o objet petit a (AGUILAR, 2010, p. 251).
                                                                                                                       
23
O filme seguinte de Moguillansky, El loro y el cisne (2013), tem o Krapp como protagonista: numa mise
en abyme, articula uma faceta documental do processo de criação do grupo (e de outras companhias de
dança) com uma história romântica entre uma bailarina e o técnico de som de uma equipe de filmagem que
acompanha o desenvolvimento de um espetáculo. El escarabajo de oro (2014), último longa do cineasta até
o momento, foi realizado em sintonia com a peça Por el dinero (2014), na qual Moguillansky atua e ocupa a
direção junto, novamente, a Luciana Acuña.
24
Aqui, nos encontramos novamente com Rejtman e sua “narração como circulação”, ainda que de maneira
diversa – Aguilar assinala o documentário Copacabana, realizado pelo diretor em 2007, também como uma
composição coreográfica. Retratando a comunidade boliviana de Buenos Aires, o filme investiga as
coreografias do popular: “Sempre houve algo rítmico e dançante nos filmes de Rejtman, mas em
Copacabana a coreografia é feita pelos outros e o diretor sabe manter essa distância” (AGUILAR, 2010, p.
249).
25
Entre eles o já mencionado Historias extraordinarias, La rabia (Albertina Carri, 2008), Secuestro y
muerte (Rafael Filippelli, 2010), Viola (Matías Piñeiro, 2012) e El cielo del centauro (Hugo Santiago, 2015).
26
Trata-se de Film (1965).

 
 
44  
 

Como se nota a partir dessas considerações, a poética de Castro está


contagiada por uma porção de referências (a serem tratadas no capítulo 5), entre as quais
considero Invasión uma das mais significativas na medida em que emana sua forma de
construir a cidade.27 Sendo a perseguição o que move o filme de Moguillansky, o trânsito
pelas ruas é fundamental e inevitável, transformando-as em mediadoras das vidas em
jogo: a cidade e o destino que os personagens podem ter estão fortemente intrincados. Da
mesma maneira, na produção de 1969, há fugas e buscas como coração narrativo e
estético, e o papel ativo do espaço urbano. Entretanto, o que especialmente reverbera de
Invasión em Castro é o acosso de uma condição fantástica (que nunca termina de se
concretar) sobre a maneira como a cidade da diegese deve ser apreendida.
Conforme analisa Cuarterolo no trecho reproduzido na página 15, Santiago
identifica (ainda que de forma escorregadia) Buenos Aires para depois desnaturalizá-la
ao reordenar suas paisagens, criando uma confusão entre o reconhecimento e o
desconhecimento desse lugar. Moguillansky, igualmente, localiza seu espaço de ação
(de forma ainda mais concreta que Hugo Santiago, como também detalharei no capítulo
5) e o reescreve mediante a cadência coreográfica dos incessantes deslocamentos,
flertando com a emergência de um universo estranho – mas que nunca desemboca em
uma cidade abstrata, como manifestado pelo diretor:

Há um pensamento no filme que tem a ver com registrar a cidade e


pensar nela, passageiramente, como um gerador de ficção. Quer dizer,
que a ficção não preceda de maneira estrita à rodagem, mas que os
lugares registrados pelo filme sejam os que a promovem. É aí onde
Castro, sendo um filme tão fora de lugar, se torna, dentro de nossas
cabeças, um filme realista. O caráter das locações do filme, essa
“saturação do urbano”, é o primeiro motor do caráter extenuado que
têm os personagens (Entrevista de Moguillansky a PANESSI, 2009).

Da mesma forma que em Castro, em El asaltante o movimento ininterrupto


pela cidade impulsionado por uma(s) fuga(s) é o eixo organizador, e tampouco se
apresenta de maneira definitiva o motor de tais perseguições, que neste caso vai se
metamorfoseando no decorrer da trama. Porém, ao contrário da cadência coreografada do
filme de Moguillansky, no primeiro longa-metragem de Pablo Fendrik (Buenos Aires,
                                                                                                                       
27
Aqui, é interessante lembrar que Moguillansky dirigiu o documentário Borges/Santiago: variaciones
sobre um guión (2008), especial que acompanhou o lançamento de uma nova edição do DVD de Invasión.

 
 
45  
 

1973) os deslocamentos não são nada fluidos e se caracterizam pela falta de estabilidade
de uma câmera na mão que não descola do protagonista, repercutindo sua agitação.
No início, os créditos piscam na tela sobre um fundo preto. Em off, há uma
profusão de sons que vão se fundindo e nos confundindo: provavelmente um carro que
arranca; um rock que parece sair de caixas de som ruins, abafadas; o silêncio. Não é
possível imaginar qual é esse ambiente e, só após um jump cut que revela a imagem,
observamos, em plongée, um homem de meia-idade, elegante, sozinho, que bebe um
suco de caixinha e caminha lentamente, indo e vindo, em uma esquina. Não há nenhum
carro, e o farfalhar da árvore que quase tapa nossa visão se junta ao canto de
passarinhos que toma a rua deserta.
Mais um corte, mais créditos sobre tela negra: novamente, alguns sons são
fundidos, outros são interrompidos e substituídos por ruídos completamente diferentes.
Já não podemos identificar se é o carro ou a música anteriores e, conforme os créditos
avançam, há “cortes secos sonoros” que revezam esse ruído grave que nos é estranho
com o silêncio, passarinhos, ou com outros carros menos barulhentos e vozes. As vozes
aumentam de volume até o fim dos créditos, quando nos encontramos de novo com o
homem de terno. Desta vez, a câmera está bem próxima dele, na altura da nuca, e todo o
fundo é desfocado – depois, ela se move na linha de seus ombros para ver o mesmo que
o personagem.
Nessas duas primeiras aparições, avistamos o homem de costas ou de perfil,
sem poder contemplá-lo de maneira privilegiada. Primeiro, ele parece ser espiado, sendo
o foco do ponto de vista. Em seguida, ele parece espiar, sendo o dono do ponto de vista.
Ademais, não reconhecemos os sons que o circundam devido aos variados cortes e
fusões – não identificamos alguns ruídos; outros são interrompidos de maneira brusca.
Essa indeterminação do começo se instalará em todo o filme: o que pode ser a matrícula
em uma escola acaba sendo um roubo, quem persegue torna-se perseguido, uma arma é
um brinquedo, a frieza cede ao descontrole, uma fuga converte-se em um resgate, o que
pode ser um pai de aluno é na verdade um assaltante e também um professor, Alejandro
Williams é Carlos Schultz que é Ramos. Os sentidos não deixam de se movimentar.
Não existe apenas a irresolução visual, sonora e narrativa, mas também a
espacial, que desorienta e gera suspense. Apesar dos inúmeros planos-sequência, a
continuidade do espaço é frequentemente truncada, seja pelos enquadramentos

 
 
46  
 

instáveis, seja pelas elipses, seja pelos falsos raccords. O espaço termina sempre
entrevisto, em fragmentos. Igualmente, há apenas fragmentos do corpo do homem.
Enquanto os pedaços desse corpo inquieto promovem uma fixação ansiosa
do olhar (já que os gestos não possuem progressão dramática, mas algo de brusco e
imprevisível) e ocupam, literal e permanentemente, o centro do quadro, os pedaços de
espaço urbano os rodeiam. O deslocamento gera imagens desfocadas que diluem o
corpo e o aglutinam à cidade, e também diluem a cidade e a aglutinam ao corpo,
fazendo desses fragmentos uma totalidade – ainda que seja uma totalidade borrada,
imprecisa, mas que firma a relação simbiótica entre ambos.
O corpo absorvido pela cidade (e vice-versa) através do movimento abre
lugar para uma relação mais sensorial e intuitiva com o filme – aposta também presente
em Castro, ainda que de maneira diversa, já que o longa de Moguillansky propõe uma
apreensão mais sensorial de sua proposta, ao se deixar invadir pelo que Cristian Borges
denomina apelo coreográfico, ou seja, quando a narrativa (ou um momento de suspensão
da mesma) “se vê tomada por uma movimentação de corpos muito próxima da dança
contemporânea e que sugere laços estreitos, por um lado, com o gênero musical e, por
outro, com as ‘atrações’ dos primórdios do cinema” (BORGES, 2014, p. 47).
A presença do gênero musical no filme se dá, especialmente, com a explícita
referência a Os guarda-chuvas do amor, de Jacques Demy (Les parapluies de
Cherbourg, 1964), musical atípico sem dança em que apenas se canta – porém, não se
dialogam canções como no clássico modelo hollywoodiano, mas se cantam os diálogos.
Apesar do constante colorido que exala o amor jovial entre Geneviève e Guy (obrigado
a partir para a guerra da Argélia, deixa a garota grávida que acaba se casando por
pressão da mãe com um rico comerciante), a inevitável separação do casalzinho e as
vicissitudes da existência fazem com que Les parapluies... seja tão melancólico como
Castro, e tão cinza quanto a cena que este lhe dedica: em um bairro comercial
usualmente lotado de gente e de bugigangas, as ruas aparecem sem vida, abandonadas e
degradadas.
O musical subversivo do cineasta francês traz seres à deriva, em processo de
ruptura com o mundo, como uma típica obra da nouvelle vague – que ecoa em Castro
não somente através do filme de Demy. A fuga e um destino semelhante ligam Castro
ao protagonista de O demônio das onze horas (Pierrot le fou, Jean-Luc Godard, 1965), e

 
 
47  
 

um dos personagens, Samuel, reproduz a emblemática cena em que Pierrot pinta,


desenganado, seu próprio rosto. Há ainda os acasos da linguagem e das relações (que
permanecem nos filmes seguintes de Moguillansky) típicos de Éric Rohmer, os quais
colidem com a obsessão do diretor-montador argentino pelo espírito de cálculo e pelo
domínio das situações. Na opinião de Aguilar (2014), esse encontro entre acaso e
cálculo – ou a vontade de controle que tropeça com o real e não resiste a ele – é o tema
central da obra de Moguillansky e o que a faz tão coreográfica.
O apelo coreográfico (presente em Castro também através do burlesco,
como desenvolverei no capítulo 5), para Borges, pode ser considerado uma tentativa de
recuperação de um espaço perdido (ou dominado) do cinema após o advento do sonoro:
a mobilidade que é subjugada pela palavra.

Com o advento do sonoro, entre o final dos anos 1920 e o início dos
1930, muito rapidamente intensifica-se algo que já começava a
despontar, ainda que timidamente, no cinema silencioso: os corpos
vão gradualmente perdendo sua mobilidade em nome da proeminência
das palavras. Muito pouco daquilo que se via na movimentação
delirante e às vezes difusa dos filmes de Méliès, das comédias
burlescas de Mack Sennet, Charles Chaplin ou Buster Keaton e de
obras das vanguardas europeias, como as de Vertov, Eisenstein,
Epstein, Dulac e Buñuel, permanece nesse cinema em que falar,
muitas vezes compulsivamente, torna-se a tônica (...). Isso não
significa, obviamente, que os personagens do cinema silencioso não
falavam ou que aqueles do sonoro não se moviam; apenas que a
ênfase dada a cada uma dessas ações – falar ou mover-se – é
deslocada de um período a outro (BORGES, 2014, p. 47-48).

Como argumenta o autor, o aumento considerável do peso dado à palavra e ao


uso de diálogos recai sobre o modo como o roteiro literário adquiriu predominância sobre
outras formas de concepção de obras audiovisuais – contradizendo e eclipsando, assim, a
vocação movente do cinema e sua aproximação intrínseca com a música e a dança.
“Contar uma história” acabou se impondo como sua função primordial, deixando em
segundo plano o fato de que, como a música, o cinema também pode ser apenas sentido.

A potência do cinema radica em sua profunda inversão do platonismo;


nesse fazer da percepção o dado primordial do conhecimento e não
seu falseamento. Ao dar prioridade ao simulacro sobre o modelo, o
cinema (quando quer e o deixam) promove outras possibilidades de
pensar a partir da percepção; a partir daquilo que sempre remete à
ordem do corporal (PARODI, 2004, p. 74).

 
 
48  
 

Osmar Gonçalves (2014), na apresentação da coletânea Narrativas


sensoriais (onde foi publicado o texto de Borges), discute a recente emergência, em
diversas práticas audiovisuais, de um tipo de produção que se sustenta na autonomia da
imagem e do som; que aposta em sua força plástica e fragmentária mais do que na
narração ou em qualquer outra articulação de linguagem. Essas obras recusam a ideia da
arte como representação e afirmam uma compreensão do audiovisual que vai além do
“contar uma história” – sendo as narrativas, se existentes, mínimas ou incipientes;
formas expressivas ligadas a uma lógica do sensível.

Tais filmes e instalações nos apresentam um mundo em criação e


movimento, um mundo em constante devir. Ainda vislumbrado,
precário, ainda por se fazer. Nas narrativas sensoriais, o que
vislumbramos são novas modalidades de apreensão e de percepção
do mundo, modos mais abertos às ambiguidades e transformações do
real, onde podemos perceber não apenas o valor da representação e
do simbólico, mas também das forças (instáveis, em devir), das
pequenas impressões, das atmosferas onde nada de preciso é ainda
dado, onde o pensamento apenas se ensaia, se deslocando levemente
da experiência (GONÇALVES, 2014, p. 18).
 
O pesquisador identifica duas principais formas de narrativas sensoriais: de
um lado, ele percebe um movimento no sentido da contenção e da rarefação, a busca por
formas mais sóbrias e minimalistas, atentas aos pequenos gestos, aos pequenos eventos
que afloram na superfície do cotidiano. Obras cuja força parece emergir de certo rigor
descritivo, de um olhar fotográfico – essencialmente distendido e silencioso – que se volta
às delicadezas, às insignificâncias e às pequenas epifanias do cotidiano.28 De outro lado,
aparecem mundos dispersivos e lacunares, universos sem totalidade nem encadeamento –
um conjunto de caleidoscópios audiovisuais abertos e em movimento. São obras que
orquestram cenas polissêmicas e polifônicas, nas quais a narrativa se fragmenta,
decompondo-se em pequenas histórias que se cruzam e se misturam a serviço de
sensações múltiplas, cabendo ao espectador organizar os elementos dispersos, estabelecer
relações, montar as peças do mosaico, enquanto deambula por um espaço
simultaneamente real e fictício (GONÇALVES, 2014). Com suas especificidades, Castro
e El asaltante poderiam ser parte do segundo grupo identificado pelo autor.
                                                                                                                       
28
Cao Guimarães, Marcellvs L., Miguel Rio Branco, Lucas Bambozzi, Katia Maciel, André Parente, Abbas
Kiarostami, Doug Aitken, David Claerbout, Elija-Llisa Ahtila, Pipilotti Rist, Pierre Huygue são elencados
pelo autor como exemplos dessa vertente.

 
 
49  
 

Essa predileção por uma forma de narrar na qual o sensorial é valorizado


como dimensão primordial se relaciona com uma nova abordagem da experiência
cinematográfica que se desloca do óptico para o háptico. Segundo Laura Marks (2002
apud GONÇALVES, 2012), ainda que o termo háptico não seja exatamente novo, ele
volta a ganhar destaque nos anos 1980, a partir de algumas reflexões de Gilles Deleuze
e Félix Guattari que qualificam como háptico um tipo de imagem que induz um espaço
e um tipo de percepção mais tátil do que visual. Dentre os diversos estudos que têm se
dedicado à qualidade sensorial da imagem desde então, vou recuperar brevemente dois:
de Marks (2000) e de nossa já conhecida Giuliana Bruno (2007).29
Em seu livro The skin of the film, Marks parte dos filósofos franceses e do
historiador de arte do século XIX Aloïs Riegl para se dedicar à noção de visualidade
háptica: diferentemente do que ocorre com o olhar tradicional, o tátil entra em jogo
quando a imagem reproduz uma impressão palpável, e a visão funciona como um órgão
do tato, ao promover uma sensorialidade que evoca – tanto pela granulosidade da
imagem, pelos primeiríssimos planos, pelos chicotes,30 como pelo recurso da inscrição
de cenas de contatos físicos, de abraços ou do enfoque nas mãos dos personagens – uma
maneira de olhar que, de certa forma, acariciaria a superfície. A visualidade óptica veria
as coisas com distância suficiente para percebê-las como formas espacialmente distintas
(ou seja, a concepção usual da visão), estando dependente da separação entre o sujeito
que vê e o objeto. Já a visualidade háptica tende a percorrer a superfície do objeto: mais
inclinada para o movimento do que para o foco, mais aproximada ao roçar (graze) do
que ao olhar (gaze) (MARKS, 2000, p. 163).   Marks esclarece que um filme (ou vídeo,
ou fotografia, ou pintura) pode oferecer imagens hápticas, enquanto o termo visualidade
háptica proposto por ela enfatiza a inclinação do espectador para percebê-las.
A teórica canadense ainda aponta que, assim como a visão pode ser háptica,
a escuta também pode. Pensando que escutamos sons específicos enquanto ouvimos o
som ambiente como um todo indiferenciado, a escuta háptica seria o breve momento
em que todos os sons são indiferenciados – antes que façamos a escolha dos sons que
mais nos afetam. Como bem sintetiza Erly Vieira Jr. a partir do pensamento de Marks:
                                                                                                                       
29
Como esclarece Erly Vieira Jr., a noção de háptico que se propõe está “além de uma certa anestesia de
sentidos que as convenções do cinema hegemônico (mesmo o contemporâneo, com suas desconstruções
narrativas pós-modernas e choques perceptivos proporcionados pelo 3D) há muito promovera em nossos
corpos de espectadores” (2014, p. 1221).
30
Panorâmica muito rápida que deixa a imagem borrada. Em inglês, whip pan; em espanhol, barrido.

 
 
50  
 

Deste modo, a escuta háptica duraria curtos períodos de tempo, até


que algum som venha a ocupar o foco de nossa atenção. Como a
definição de qual som irá guiar a percepção do espectador se dá de
indivíduo para indivíduo, por uma série de fatores (além da memória
afetiva, temos a capacidade de funcionamento do aparelho auditivo, e
até mesmo as condições de reprodução das frequências sonoras
durante a exibição de um filme), podemos pensar esse mecanismo
como uma espécie de arejamento/afrouxamento no processo de
produção de sentidos que cada um faz de uma determinada cena,
valorizando assim outros conteúdos audiovisuais que não aqueles pré-
concebidos como centrais para a narrativa. Deste modo, a hapticidade
auditiva pode ser um mecanismo capaz de ampliar a experiência
sensorial do espectador, uma espécie de potência centrífuga de
reorganização das relações espaciais a partir do som (VIEIRA JR.,
2014, p. 1232).

Já Bruno recorre à passagem do óptico para o háptico proposta por


Deleuze/Guattari para pensar o cinema como uma arte espacial, parente da arquitetura,
identificando uma transição entre comportamentos do olhar do voyeur ao voyageur: o
óptico estaria ligado a uma ideia de voyeur, que assiste a tudo distanciadamente,
enquanto o háptico estaria associado ao voyageur e seu olhar que desliza e passeia pelas
superfícies. O voyageur se conecta a uma construção tátil do espaço. Como assinala
Cecília Mello, “isso significa que a imagem em movimento cria pelas cidades trajetórias
que, além de mapear o real da locação e criar através da prática o espaço fílmico,
conduz o olhar do espectador imóvel do cinema, que passa então a viajar através de
múltiplos espaços e tempos” (2011, p. 55).

A língua inglesa faz uma transição oral sem emendas entre sight
(visão) e site (lugar). O site-seeing também é uma passagem. O
movimento do ótico para o háptico propõe uma crítica à pesquisa
acadêmica focada no olhar fílmico, que não levou em conta a emoção
do espaço que se dá a ver. Muitos aspectos da imagem em movimento
– por exemplo, os atos de habitar e atravessar espaços – não foram
explicados pelo arcabouço teórico lacaniano, que não estava
interessado em explorar o afeto da espacialidade, mesmo em termos
psicanalíticos. Preso em um olhar lacaniano, cujo impacto espacial
mantinha-se inexplorado, o espectador do cinema foi transformado em
um voyeur. Por contraste, quando falamos de site-seeing sugerimos
que, devido à mobilização espaço-corporal do cinema, o espectador é
na realidade um voyageur, um passageiro que atravessa um terreno
háptico e emotivo (BRUNO, 2007, p. 15-16).

A partir disso, Bruno vai considerar que assistir a um filme seria uma forma
imaginária de flânerie. Nos casos de Castro e El asaltante, o olhar descompromissado e

 
 
51  
 

admirador do flâneur clássico é deslocado pela fuga a uma experiência frenética e


incômoda, e que desemboca, no primeiro caso, na imobilidade da morte e, no segundo,
na perda do domínio do corpo e no cansaço extremo.
La sangre brota também propõe uma flânerie bastante disruptiva e um
incômodo que ataca todos os sentidos. O segundo longa de Fendrik estava planejado
para ser sua ópera prima,31 mas a extensão de sua preparação levou o cineasta a
realizar, de maneira rocker (como qualificou o produtor Juan Pablo Gugliotta), El
asaltante no meio do processo, resultando em diversos pontos de contato entre ambos
os filmes. Como comenta o diretor em algumas entrevistas (CHIAPPUSSI, 2009 e
HACIENDO CINE, 2009), El asaltante foi uma espécie de exercício tanto para
desafogar a ansiedade de filmar como para testar ideias sobre a criação de tensão e de
certos climas. Sem roteiro e com argumento baseado em uma notícia de jornal, nove
dias de filmagem e duas semanas de edição com uma equipe de oito pessoas, (pouco)
dinheiro e câmera emprestados, Fendrik buscava com El asaltante a “epiderme da
experiência” (GODFRID, 2009).
Em La sangre brota, a escala de produção se multiplica de maneira
exponencial: feito em parceria com a Alemanha e a França, com passagem por diversos
laboratórios de desenvolvimento de projeto, um roteiro supertrabalhado, uma equipe
três vezes maior e locações na complicada região comercial (extremamente
movimentada) ao redor da praça Primera Junta, em Buenos Aires.32 Nele,
acompanhamos dois núcleos de personagens: uma família de classe média pauperizada
(Leandro, seus pais Arturo e Irene, seu irmão Ramiro, uma possível prima distante
chamada Romina) e algumas pessoas dos setores baixos em extrema dificuldade entre as
quais não há indícios de laços de sangue e cuja união se pauta pela necessidade (Sandra
e seu bebê, Luis e Vanesa). Partes de uma sociedade em colapso assemelham-se pela
aflição que rodeia seus cotidianos. Enquanto os adultos fazem malabarismos para não
                                                                                                                       
31
Fendrik havia trabalhado como assistente de direção de Alejandro Agresti em El viento se llevó lo que
(1998) e Valentín (2002) e colaborado nos roteiros de Vida en Falcon (Jorge Gaggero, 2004) e Las vidas
posibles (Sandra Gugliotta, 2007). A primeira versão do roteiro de La sangre brota, originalmente intitulado
Mala sangre, foi escrita em 2004 e desde então buscava financiamento. Em 2014, o diretor lançou El ardor,
uma coprodução com Brasil e França de grande orçamento.
32
Em entrevista à revista Haciendo Cine (2009), Fendrik conta que, para as filmagens de El asaltante, nunca
pedia permissões para filmar na rua: após muitos ensaios, se reunia com a equipe em algum bar próximo à
locação para repassar movimentos e então fazer as tomadas o mais rápido possível, antes que chegasse
alguma autoridade que os proibisse de filmar. Apesar do risco maior, o cineasta resolve dobrar a aposta e
manter o método em La sangre brota, pois gerava uma energia e uma tensão extra muito positivas para o
filme.

 
 
52  
 

cair na pobreza que se teme – pobreza mais relacionada à decadência material no


primeiro grupo, e diretamente à sobrevivência no segundo –, os jovens encaram a vida
circulando pelo que ainda sobrou do entramado urbano.
Arturo é a base econômica da família que parece ter tido uma vida mais
confortável no passado, conforme indicam a residência de dois andares onde vive e o
ofício pouco habitual que compartilha com sua mulher como professor de bridge, um
complexo jogo de cartas de origem inglesa que denota um gosto típico de elite. Contudo,
algo mudou, e ele possui um segundo emprego como taxista, o qual deve ocultar de seus
amigos e da vizinhança devido à insistência de Irene em manter as aparências,
evidenciada por sua obsessão em saber se o marido estacionou o veículo longe de casa.
Devido ao ambiente repulsivo instalado nesse “lar”33 – que já expeliu a
Ramiro, uma ausência presente que, subentende-se pela fala da mãe, mudou-se ou fugiu
para os Estados Unidos por causa de alguma contenda com o pai –, a vida de Arturo está
virtualmente alojada no táxi em movimento. Como afirma Beatriz Urraca (2012), o
carro tem papel importante como princípio organizador e estilístico da narrativa,
condicionando um desenvolvimento particular do personagem de Arturo, ao causar os
encontros e acidentes que fazem a trama progredir. Além disso, continua a autora, ele
tematiza a tela demarcando o espaço interior e o exterior: por vezes, as janelas e o para-
brisa constituem marcos que reduzem a visão do espectador e do personagem,
estabelecendo um fora de campo dentro da tela. Em outros momentos, os espelhos e
vidros oferecem uma possibilidade de multiplicação da imagem, ampliando o campo de
visão – é possível ver não apenas o que está à frente, mas também atrás; não apenas o
que personagem observa, mas ele observando.
Quando não está acompanhado de nenhum passageiro, Arturo transforma o
veículo em um universo paralelo, com seu próprio ar e próprio som, completamente
isolado do ambiente que o cerca e o perturba. A única coisa que ele não consegue
eliminar desse seu mundo ideal é a voz feminina do radiotáxi que o chama
insistentemente, não permitindo que ele se esqueça da condição de taxista (o que é
acentuado por sua identificação através de um número) que tanto lhe desgosta.
Ao contrário da “eletricidade” que domina os outros deslocamentos – que
se reflete na montagem acelerada, na câmera inquieta e na agitação dentro do quadro –

                                                                                                                       
33
A utilização das aspas será justificada no capítulo 4.

 
 
53  
 

, o deslocamento do táxi de Arturo é suave, e o mesmo parece flutuar. Isso não impede
uma sensação de vertigem e desconforto (especialmente nas curvas), inserindo um
caráter de instabilidade no único lugar e na única pessoa que parecem guardar algum
indício de estabilidade.
Se o carro é o lugar de Arturo por excelência, a rua é o lugar de Leandro. A
sequência inicial já estabelece sua intimidade com esse território, apresentando o
personagem em um terraço, a partir do qual é possível avistar privilegiadamente a
cidade até seus edifícios mais longínquos (apesar da combinação entre sol e névoa
típicos do começo da manhã), assim como escutá-la. Os ruídos de construção e de
trânsito vão se mesclando a um hipnótico som agudo que caracterizará o adolescente,
atuando como antecipação às suas aparições e exteriorizando sua percepção
permanentemente alterada pelos comprimidos de ecstasy.
Enquanto seus pais, especialmente Irene, insistem em manter hábitos da
“tradicional família de bem” (bem economicamente, para ser específica – comportamento
entrevisto não apenas nos diálogos mas na maneira de se vestir e de caminhar do casal),
Leandro se esforça para transgredir esse tipo de atitude o tempo todo através de sua
vestimenta, de sua aparência descuidada, de seu trabalho ilegal vinculado à venda de
drogas, de seus atos infratores (como fumar no ônibus) e do vagabundeio que faz do
espaço público seu lugar de pertencimento mais que o espaço privado.
Ligado a esse desenraizamento, o movimento também se constituirá como
um dos atributos mais marcantes de Leandro e está presente desde sua apresentação: ele
faz sexo, anda pela rua, pega um ônibus. E continua: verifica seu “local de trabalho”,
deambula, passa por sua casa, vê amigos, boludea, segue uma garota (Vanesa), flerta
com ela, ajuda-a a distribuir panfletos, atravessa avenidas movimentadas, galerias,
comércios, parques e corre loucamente após um roubo. Romina, como uma sombra,
tenta acompanhá-lo.
Vanesa, igualmente, tem o movimento entre seus atributos, mas não se
move por si só e vai sendo arrastada, sem resistência, pela vida: seguindo as indicações
de Sandra, ora cuida da arruinada loja de conserto de celulares, ora sai para divulgá-la;
compartilha sua cotidianidade (anda de ônibus, trabalha) com Luis, homem maduro que
está negociando a virgindade da teen com sua chefe/“protetora”, o que ela sabe e aceita
porque acredita que deve ajudar à mulher e ao bebê; passa a tarde pra lá e pra cá a

 
 
54  
 

convite do desconhecido e desejoso Leandro. A câmera invasiva repete o


comportamento dos rapazes e avança sobre a garota, seu pescoço, sua nuca, sua barriga,
capta a textura da sua pele, explorando provocante e hostilmente seu corpo.
Ao mesmo tempo em que é conduzida e explorada à revelia, Vanesa é a
salvação ao redor da qual se move o núcleo do filme completado por Sandra e Luis. A
primeira está tão desesperada por algo que nunca se revela, mas se imagina (pode ser
qualquer coisa relacionada a uma vida já fragilizada pela precariedade e pela falta) que
seu corpo – confundindo-se com o do filho, sempre em seu colo – está tomado por uma
mescla entre balanço de ninar, chacoalho descontrolado e tremedeira, sem contar suas
andanças, como se não pudesse descansar da vigília da garota, quem materializa sua
única e última solução. O segundo, ao que tudo indica, tão secundário nas esferas
amorosa e social da vida (pelo patetismo de sua paixão platônica, pela ojeriza de sua
conduta), vê na adolescente a esperança de ser o primeiro em algo.
Exibida a partir da submissão, como um ser frágil e manipulável, a voz e as
afirmações incisivas de Vanesa desconstroem essa impressão inicial: ela percebe coisas
que muitos não se dão conta (“Mirá, mirá bien”, diz, convocando Leandro a partilhar
das misérias que ocupam a cidade)34 e encara altiva seu destino infeliz, deixando-se
levar porque compreende, mais que qualquer outro personagem, que não importa a
direção: nenhum caminho oferece saída.
A circulação, em La sangre brota, não leva a nenhum lugar, resultando
apenas em uma circularidade – como será desenvolvido no capítulo 4. Além disso, o
constante zoom escruta os corpos com muita proximidade, impedindo-os de se moverem
livremente, como se estivessem acuados no quadro: por mais que se debata e
movimente, continua-se confinado. Mesmo assim, os personagens seguem em constante
trânsito, como se esquivando de uma condição que os submete.
Irene é a única que não se arrisca pelo espaço urbano, o que não a impede de
se sujar no sangue que brota nas ruas; tampouco a isenta da inércia inútil que acomete a
todos do lado de fora, já que perambula sem cessar pela casa, a fim de organizá-la e
preservá-la, como se dedica a preservar os bons modos, a cobiçada caixinha de
economias, seus preciosos comprimidos de Valium. Na única vez que sai da residência
                                                                                                                       
34
Como notam Julieta Lorea e Constanza Tagliaferri (2013), embora o cruzamento de estratos sociais
pareça irrelevante para Leandro em sua paquera, Vanesa faz questão de marcar uma diferença entre eles ao,
mais de uma vez, acusá-lo depreciativamente de cheto (“mauricinho”, playboy).

 
 
55  
 

(retorna exausta, parece passar mal) é para abastecer esse seu último recanto, esse
espaço que a permite viver ficcionalmente em outro tempo, mais glorioso.
De acordo com Julieta Lorea e Constanza Tagliaferri (2013), Irene é uma figura
alerta e controladora que a todo o tempo surpreende e increpa os membros de sua família:
enfrenta Leandro ao pensar que ele estava roubando seus remédios, retém o marido no hall
para saber onde está o táxi, impede-o de pegar as economias para enviá-las a Ramiro (filho
pródigo que quer voltar pra casa). A circulação de sua presença ameaçadora, que desponta
agressiva detrás das portas, faz da casa um campo minado que ninguém quer enfrentar,
contribuindo para a destruição dos laços familiares já em frangalhos.
De certa forma, a desagregação da residência familiar (e de seu entorno) a
partir de um olhar movente e vigilante também se dá em El hombre de al lado.35 O
sofisticado arquiteto Leonardo Kachanovsky vive com sua esposa Ana, a filha
adolescente Lola e a empregada paraguaia Elba36 na também sofisticada Casa Curutchet,
única obra de Le Corbusier na América Latina.37 “A marretadas”, ele é obrigado a
interagir com seu vizinho Víctor Chubelo através da janela – uma fronteira que os une e
os separa, de acordo com a acepção de fronteira proposta por Andréa França:

Fronteira como linha demarcadora do idêntico, que limita, torna


estável e mesmo enclausura um certo conjunto de valores e crenças,
mas também lugar instável, de passagem e transição para o outro, o
diferente. E ainda, fronteira como linha que se defronta com o
estranho que habita o mais íntimo do território e o ameaça de dentro
como o absolutamente exterior (FRANÇA, 2003, p. 21).

                                                                                                                       
35
El hombre de al lado é o quarto longa-metragem da dupla Cohn (Villa Ballester, 1975) e Duprat (Bahía
Blanca, 1969), antecedido por Enciclopedia (2000), Yo presidente (2006) e El artista (2008); sucedido por
Querida, voy a comprar cigarrillos y vuelvo (2011), Living stars (2014) e El ciudadano ilustre (2016). A
parceria entre ambos começou no início da década de 1990, durante a qual produziram mais de uma vintena
de obras de videoarte que circularam por diversos museus do mundo todo. Trabalharam também na televisão
e, em 2002, idealizaram o canal de TV da Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Ciudad Abierta.
36
Nos filmes do corpus que contam com empregadas, estas provêm de cidades diferentes das que habitam
então: em Una semana solos, Esther é de Paraná, na província de Entre Ríos (a cerca de 500 quilômetros da
Capital Federal), o que ela mesma afirma. Em Historia del miedo e El hombre de al lado, adivinhamos que
Teresa e Elba possuem origens distintas às dos outros personagens devido a seus sotaques.
37
A Casa Curutchet foi projetada por Le Corbusier em 1948 e edificada entre 1949 e 1953 em La Plata
(cerca de 60 km ao sul de Buenos Aires). Encomendada ao arquiteto pelo médico Pedro Curutchet, a
construção da casa teve muitos problemas e custou dez vezes mais que o planejado. Curutchet viveu aí com
sua família por 12 anos, na década de 1960. Depois, o local esteve desocupado e esquecido, até que em 1988
uma fundação médica o alugou e, mais recentemente, o Colégio de Arquitetos da Província de Buenos Aires
o utiliza como sede. Atualmente, há um projeto para expropriá-la e transformá-la em patrimônio público. É
importante lembrar que La Plata foi uma das primeiras cidades do mundo (fundada em 1882) construída a
partir de um plano urbanístico prévio, seguindo uma concepção racionalista dos centros urbanos em voga
em fins do século XIX.

 
 
56  
 

Víctor quer abrir uma janela para receber uns raios de sol, mas sua vista dá
diretamente para a sala de Leonardo, o que dispara o conflito – no espaço íntimo dos
Kachanovsky se instala um olhar invasivo que provoca medo, conforme a percepção do
arquiteto que compartilhamos. Buscando resolver a desavença, os homens se encontram
para conversar, ora através da janela em construção, ora através de outras fronteiras
como o portão ou outra janela da Curutchet, ora fazendo Elba de passa-recado: em
poucas ocasiões estão frente a frente sem algo que os “emoldure”, que contorne os
limites de cada um (REIS, 2012). As diferenças entre ambos e os terrenos que habitam
são constantemente marcados.
Porém, na tentativa de expulsar essa “presença” assustadora que altera a
rotina da família, Leonardo vai cruzando algumas dessas linhas – passando de vítima a
algoz desajeitado. Primeiro, em busca do ruído que toma a casa, ou mergulhado em
angústia, ele perambula pela residência, transformando-a em um labirinto que dificulta a
mobilidade dos outros membros em seus interiores confusos, promovendo desencontros.
A inquietação e o enervamento do arquiteto, sua obsessão por segurança, são muito
mais perturbadores para a vivência na casa que a interferência inesperada e chocante de
Víctor. Posteriormente, reproduzindo e devolvendo, de maneira muito mais incisiva, o
olhar lançado pelo homem ao lado.
Se os limites entre os personagens vão ficando cada vez mais difusos, os
limites espaciais vão sendo endurecidos a partir da atitude de Leonardo – não só
internamente. A Curutchet poderia ser considerada, como denominou Beatriz Colomina
(1998, p. 127), uma “casa exibicionista”. A autora apregoa que o que distingue a
arquitetura do século XX é o papel central ocupado pela casa: por um lado, porque a
casa foi o mais importante veículo de investigação para novas ideias na área; por outro,
pela maneira como essas novas ideias são desenvolvidas em outros “espaços” como
fotografias, publicações, exibições, congressos, feiras, revistas, jornais, museus, galerias
de arte, competições, publicidades e computadores – fazendo com que a casa se torne
uma nova forma de espaço público.

 
 
57  
 

A cidade nunca pôde ser separada do espaço doméstico. O que se passa


na praça pública molda o espaço doméstico que parecia estar separado
dela, e vice-versa. Mas no século XX, os dois campos – privado e
público – estão completamente misturados. Este entrelaçamento tem
uma longa história. Eletricidade, equipamentos, novas tecnologias e
materiais de construção, e novas formas de comunicação têm
transformado radicalmente a casa. Do telefone ao rádio, à televisão, aos
computadores, aos aparelhos de fax e ao e-mail, a casa tem sido
continuamente invadida, com o que é público e o que é privado
interminavelmente renegociados (COLOMINA, 1998, p. 130).

Esse aspecto é claramente absorvido pelos moradores da Curutchet,


especialmente o arquiteto que faz ligações internacionais a trabalho e se projeta da casa
para o mundo a partir de seu website e do programa de televisão. Além disso, ao ser
uma “casa de grife”, a Curutchet está sujeita aos olhares como se fosse uma obra de arte
em uma exposição – é uma casa, mas é também um objeto arquitetônico notável, e pode
ainda ser utilizada para jogos de sedução e de poder. Esse processo de comunhão com o
público vem de mãos dadas com alguns preceitos da arquitetura modernista, como a
utilização das falsas paredes de vidro e das largas janelas horizontais de Le Corbusier
que redefiniram o espaço privado e o abriram ao exterior – características que se
destacam na Curutchet. Seu portão é o maior emblema disso, pois está como flutuando
na fachada, e para ingressar ao local pode-se passar por ele ou não – sendo sua utilidade
uma simples convenção.
Assim, ainda que a virtualização do cotidiano diminua distâncias entre
pessoas e lugares, e as transparências permitam o contato entre interior e exterior,
apenas Leonardo pode se mover e mover o seu olhar, tanto dentro como fora da
Curutchet – enfatizando o contraponto entre celeridade, multidirecionalidade e fluidez
dos movimentos nos espaços virtuais versus obstrução e caráter travado dos
movimentos no espaço físico, o que igualmente se relaciona com as fronteiras. Víctor
não pode ocupar a casa nem que seja para defendê-la (ele morre nela), nem construir um
novo espaço (a janela é fechada).
A fronteira também é uma questão presente nos filmes do corpus que se
passam em condomínios fechados: Historia del miedo e Una semana solos. Enquanto
no primeiro o country é um dos espaços explorados, no segundo ele é o local da ação
por excelência – conjuntura que irá contaminar todo o desenvolvimento da trama.
Country é uma das denominações recebidas pelos condomínios fechados na Argentina,

 
 
58  
 

assim como bairro fechado ou privado, enclave fortificado, gated community, entre
outras. Sob esses nomes se agrupa uma grande diversidade de conjuntos habitacionais:
são heterogêneos quanto a sua fisionomia e tamanho, aos grupos socioeconômicos que
os habitam, às formas de organização, aos estilos arquitetônicos e aos serviços
incorporados. Contudo, têm em comum o fato de privatizar o espaço público e, em
termos gerais, possuem uma gestão interna que não compartilham com o resto dos
cidadãos. Com relação aos bairros fechados existentes há décadas (a partir de 1930), foi
modificada a concepção de residência secundária de luxo para determinadas temporadas
(fins de semana, férias) para a de moradia permanente devido, por um lado, à busca de
uma vida mais saudável e próxima do “verde” e, por outro, devido à segurança – além
de se constituir como ícone de um novo modo de vida exitoso (KRALICH, 2009), como
irei explanar agora.
Durante a maior parte do século XX, a sociedade argentina se distinguiu da
de outros países periféricos por suas amplas camadas médias e sua estrutura social
relativamente mais igualitária. Como explica Maristella Svampa, o desenvolvimento
histórico das classes médias nas grandes cidades da Argentina constituía uma
excepcionalidade para a América Latina, continente caracterizado, desde sua origem,
pela profunda fratura social e marcadas hierarquias que tiveram como correlato uma
distância insuperável entre as distintas classes sociais. Tal processo é mais tardio na
Argentina porque “diferentemente de outros países latino-americanos, onde a
heterogeneidade aparece alimentada por uma distância étnica e cultural, a Argentina se
caracterizou por uma tendência à homogeneidade social e pelo desenvolvimento de uma
cultura mais igualitária” (SVAMPA, 2008, p. 14). Tal tendência começa a se fissurar
com o último golpe de Estado, em 1976, que rompe com esse modelo e instaura práticas
que acentuam as diferenças sociais, e se intensifica nos anos 1990 com a entrada ao
neoliberalismo.38

                                                                                                                       
38
A partir de 1976, a Argentina experimentou uma significativa transformação vinculada ao abandono do
modelo substitutivo de importações e à adoção de um novo modelo baseado na abertura e desregulação
econômica. As mudanças radicais na economia foram promovidas e acompanhadas por uma série de
transformações institucionais, entre as quais se destaca a modificação do papel do Estado. A liberalização
dos mercados, incluindo o mercado de trabalho, foi um pilar central das políticas implementadas,
especialmente no começo dos anos 1990. Ainda que numerosos países latino-americanos tenham adotado
políticas de corte neoliberal nessa década, a Argentina constituiu, talvez, um caso paradigmático tanto pela
radicalidade na aplicação de ditas políticas como na celeridade do processo (CERRUTTI e GRIMSON,
2008).

 
 
59  
 

A emergência de condomínios fechados (junto à primavera das versões


privadas de segurança, educação, transporte, telefonia, planos médicos, universidades,
cemitérios, aposentadorias...) na Argentina foi uma das características da década de 1990,
unida à consumação simbólica e efetiva de um imaginário que deixava os despossuídos de
um sistema feroz de segregação “portas afora”, contribuindo para elevar as disparidades
sociais e para a construção discursiva de sujeitos exitosos ou fracassados, ou, como
denomina Svampa (2008), “ganhadores” e “perdedores”. Para Laura Elina Raso (2010),
os “ganhadores” foram os emergentes significativos de um modelo que marcou uma
evidente tendência a se distanciar das classes médias “perdedoras” e que concluiu essa
diferença, em muitos casos, através da edificação dos countries.

A expansão dos countries e dos bairros privados na Argentina foi, sem


dúvida, um dos fenômenos mais emblemáticos e radicais dos anos
1990. Emblemático, pois as urbanizações privadas se expandiram em
um contexto de notório aumento das desigualdades sociais, cujo pano
de fundo era a reconfiguração do Estado a partir do esvaziamento do
público e a mercantilização dos serviços básicos (educação, saúde e
segurança). Convertida em um valor de troca, a segurança se
constituiu em um bem caro e apreciado, cuja possessão marca, desde
então, fortes fronteiras sociais e, mais ainda, diferentes categorias de
cidadania. Assim, os residentes de countries, bairros e cidades
privadas representam o triunfo de um modelo de cidadania restringida,
de traços patrimonialistas, montada, por um lado, sobre a figura do
cidadão proprietário e, por outro, sobre a exigência de autorregulação.
Radical, pois esse estilo residencial implicava a determinação de uma
fronteira espacial sobre a base de uma rotunda separação entre o
“dentro” e o “fora”. Esta divisão, que pretendia evitar a mescla própria
do espaço urbano aberto, foi gerando, “portas adentro”, formas de
sociabilidade baseadas na tendência à homogeneidade e modelos de
socialização que propõem novos desafios e interrogantes (SVAMPA,
2008, p. 275).

Destarte, o espaço urbano é atravessado por novos modos de organização


que respondem a novas determinações da realidade social. O surgimento e propagação
dos condomínios fechados fazem parte dessa nova estruturação do espaço, pela qual há
um movimento de suburbanização de alguns grupos sociais de renda média e alta e a
invalidação progressiva do modelo tradicional centro-periferia das cidades latino-
americanas pela aparição de novas formas de segregação urbana. O aparecimento de
bairros privados em zonas periféricas (tradicionalmente pobres e marginais) ajudou a

 
 
60  
 

criar um novo tipo de construção do social e acentuou a marginalização dos bairros-


satélites desses bairros fechados (RASO, 2010).39
Seguindo a Rodrigo Cattaneo Pineda e a Marie-France Prévôt-Schapira
(2008), não suponho a existência de um passado urbano harmonioso e coesivo – como
afirmam os pesquisadores, a cultura urbana nunca foi inclusiva. Passa-se de um modelo
de espaços compartilhados com fronteiras simbólicas relativamente flexíveis a outro no
qual as fronteiras duras se convertem em hegemônicas (CERRUTTI e GRIMSON,
2008). Teresa Pires do Rio Caldeira (2000), em sua análise da forma pela qual o crime,
o medo da violência e o desrespeito aos direitos da cidadania têm se combinado a
transformações urbanas para produzir um novo padrão de segregação espacial nas
últimas décadas,40 apresenta pelo menos três formas diferentes de segregação social no
espaço público ao longo do século XX: a primeira estendeu-se do final do século XIX
até os anos 1940 e produziu uma cidade concentrada em que os diferentes grupos
sociais se comprimiam em uma área urbana pequena e estavam segregados por tipos de
moradia. A segunda forma urbana, a já citada centro-periferia, dominou o
desenvolvimento da cidade dos anos 1940 até os anos 1980. Nela, diferentes grupos
sociais estão separados por grandes distâncias: as classes média e alta concentram-se
nos bairros centrais com boa infraestrutura, e os pobres vivem nas distantes e precárias
periferias. Embora ainda se discuta e conceba a cidade em termos do segundo padrão,
Caldeira destaca essa terceira forma que vem se configurando entre os anos 1980-1990
e mudando consideravelmente a cidade e sua região metropolitana.

Sobrepostas ao padrão centro-periferia, as transformações recentes


estão gerando espaços nos quais os diferentes grupos sociais estão
muitas vezes próximos, mas estão separados por muros e tecnologias
de segurança, e tendem a não circular ou interagir em áreas comuns. O
principal instrumento desse novo padrão de segregação espacial é o
que chamo de “enclaves fortificados”. Trata-se de espaços
privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer
e trabalho (CALDEIRA, 2000, p. 211).

                                                                                                                       
39
Os condomínios fechados ligam-se à cidade por meio de vias rápidas, sendo que a expansão de ambos
coincide justamente para facilitar o deslocamento desses moradores através do carro. A incrementação do
transporte público nessas vias não acompanha tal desenvolvimento, deixando claro o privilégio do transporte
individual e dificultando a movimentação das pessoas de menor poder aquisitivo que vivem nos subúrbios e
não possuem carro.
40
Apesar de se dedicar a São Paulo, várias considerações de Caldeira podem ser aplicadas a Buenos Aires e
a muitas outras grandes cidades contemporâneas, especialmente latino-americanas.

 
 
61  
 

Cattaneo Pineda e Prévôt-Schapiro refletem na mesma direção de


Caldeira: para eles, os processos de territorialização e desterritorialização associados ao
capitalismo tardio dissolvem as categorias habituais de descrição da cidade (centro,
subúrbio, área metropolitana etc.) e convidam a pensar sobre seus processos de
heterogeneização, marcados ainda mais pela fragmentação e pela exclusão.
Para Josepa Bru e Joan Vicente (2005), os countries reforçam um
descompromisso com a cidade, pois implicam um empobrecimento da vivência no
espaço público e da experiência de contato com o outro. Ante uma visão de vícios
públicos, emergem as virtudes privadas: do parque ao jardim, da praça ao shopping, da
rua às galerias, da polícia ao guarda de segurança, do bairro ao condomínio fechado. O
público fica como residual, não desejado e apenas para quem não tem alternativa.
O medo é uma das razões que impulsiona essa maneira de morar: viver em
um todo homogêneo, de iguais – que exclui detrás do muro o outro diferente e que
representa uma ameaça –, gera uma ilusão de segurança. Nesse sentido, é importante ver
a violência urbana não como a causa da existência dos condomínios, mas como uma
linguagem simplificadora que localiza medos difusos. Para Zygmund Bauman (apud
HORTIGUERA, 2014), o efeito mais prejudicial e reiterado da obsessão pela segurança
em uma comunidade não apenas fere as relações de confiança, como funda a suspeita
recíproca – a falta de confiança abre buracos, desenha limites e fortifica fronteiras com
preconceitos mútuos que promovem intermináveis antagonismos. Seguindo a Richard
Sennett, Bauman (2009) afirma que quanto mais as pessoas se isolam nessas
comunidades muradas feitas de semelhantes, menos são capazes de lidar com o
diferente, mais têm medo deles, e procuram mais a companhia de seus semelhantes,
gerando, em suma, um círculo que não se consegue romper.
Dessa forma, a frenética expansão dos condomínios fechados expõe as
consequências da desarticulação das formas de sociabilidade e os modelos de
socialização que estavam na base de uma cultura que se propunha igualitária. Caldeira
complementa afirmando que “as regras que organizam o espaço urbano são basicamente
padrões de diferenciação social e de separação. Essas regras variam cultural e
historicamente, revelam os princípios que estruturam a vida pública e indicam como os
grupos sociais se inter-relacionam no espaço da cidade” (2000, p. 211). Assim, a

 
 
62  
 

irrupção e multiplicação de countries no país expressaram como a morfologia urbana


expôs a profunda fragmentação social da Argentina contemporânea.41
Em 2004, uma série de notícias sobre a primeira geração de crianças
crescidas em countries chamou a atenção da cineasta Celina Murga (Paraná, 1973), que
passou a se perguntar sobre a perspectiva de mundo vivenciada por tal geração. Essa
investigação resultou em seu segundo longa de ficção, Una semana solos, no qual
algumas crianças e adolescentes (de entre sete e 15 anos, mais ou menos) passam uns
dias sem a presença dos pais no condomínio fechado de alto padrão onde vivem, nos
arredores de Buenos Aires.42
Os vínculos parentais demoram a se definir, e custa descobrir quem são
irmãos, primos ou apenas amigos: há duas famílias, sendo uma delas formada pelos
irmãos Facundo, María (quem parece estar encarregada do grupo) e Quique, o
menorzinho, e a outra de seus primos (irmãos entre si) Sofía, Fernando e Rodrigo.
Todos devem se instalar na casa dos primeiros, por onde transitam alguns amigos e
onde também está Esther, a empregada, que convida seu irmão adolescente Juan,
proveniente de Entre Ríos, a passar uns dias com ela e se entreter com a garotada de
idade similar.
Em meio à preguiça das tardes de verão pós-escola, os personagens invadem
algumas casas vazias43 – demonstrando, como afirma Sven Pötting (2003), que a
                                                                                                                       
41
Ver La ciudad vista (2010), de Beatriz Sarlo, que faz um ensaio perspicaz sobre as mudanças ocorridas
em Buenos Aires nos últimos anos, notando, especialmente, como a Capital Federal se converteu em uma
cidade permeada por uma enorme separação. Para ela, o surgimento de espaços cada vez mais cindidos e
dissociados da trama urbana como enclaves do mercado para consumo (os shoppings) ou exclusão social
(os countries de um lado, as favelas de outro) transformou a cidade em um campo de batalha por onde
transitam todos os medos, alimentados pela imprensa: “Não há cidade sem discurso sobre a cidade. A
cidade existe nos discursos tanto como em seus espaços materiais e, assim como a vontade de cidade a
converteu em um lugar desejável, o medo à cidade pode torná-la um deserto onde o receio prevaleça
sobre a liberdade. A cidade se parte e de sua utopia universalista se arrancam pedaços que uns consideram
estranhos porque justamente ali estão os outros” (SARLO, 2010, p. 97, destacados no original).
42
No momento em que se filmava Una semana solos, em 2007, o universo dos countries estava no centro da
atenção do país ao motivar o best seller do momento e ser o cenário da crônica policial da qual todos
falavam: Las viudas de los jueves, de Claudia Piñeiro, Prêmio Clarín de Novela 2005 (que depois deu
origem ao filme homônimo) e o crime de Nora Dalmasso, assassinada em novembro de 2006 em sua casa
em um condomínio fechado de luxo em Río Cuarto (província de Córdoba) – crime que, até hoje, não foi
solucionado. Além disso, eram recém-publicados os livros Vidas perfectas. Los countries por dentro, de
Carla Castelo, e Mundo privado: historias de vida en countries, barrios y ciudades cerradas, de Patricia
Rojas, e o filme Cara de queso (2006), de Ariel Winograd. Sem contar os desdobramentos de outro crime
marcante ocorrido em 2002: o homicídio de María Marta García Belsunce, também em sua casa (em um
bairro fechado de Pilar, Grande Buenos Aires) e tampouco encerrado.
43
A diretora se inspirou em uma situação contada por uma das moradoras de countries entrevistada por
Maristella Svampa em seu livro Los que ganaron, um dos primeiros estudos a se debruçar sobre o fenômeno
dos condomínios fechados na Argentina (GORODISCHER, 2007).

 
 
63  
 

comunidade exclusiva, simulação de um lugar onde há apenas riqueza e beleza, também


pode ser cenário de criminalidade. Entre experiências cotidianas das mais banais
(travessuras, paqueras, videogames, televisão, música pop, esmaltes) às mais cruéis
(preconceito de classe, racismo e vandalismo), passando pela transgressão típica da
idade (desafio à autoridade, ausência de limites – faltar ao colégio, dirigir um carro), o
filme materializa e particulariza algumas fraturas do aparente paraíso que os
condomínios fechados pretendiam ser, o que fica exposto com a chegada de Juan.
Apontando traços desse tipo de socialização e advertindo sobre suas
contradições, Una semana solos reflete sobre como se delineiam espaços não apenas
concretamente, através dos muros, mas especialmente através de barreiras imateriais,
como a invisibilidade (não só visual, mas também auditiva) de diferentes identidades e o
afastamento do que é diferente. Em uma entrevista que me concedeu durante o BAFICI
2012, Murga comenta como pensava a representação das crianças nesse contexto:

Ao observar as crianças de Una semana solos, coloquei a lupa sobre


um microcosmo que está devolvendo um entorno social e político. Há
um estado de coisas que tem a ver com um contexto adulto de
discussões e de políticas; há uma análise sobre o social a partir da
observação do cotidiano. Todos estamos atravessados pelo social e,
acompanhando às crianças de Una semana solos, podemos pensar
nessa sociedade hoje: o que a sustenta, sobre quais pautas está
baseada, e aí é onde aparece a dimensão política. (...) [As crianças] são
receptoras de uma circunstância que as pressiona. O confinamento do
condomínio fechado é muito gráfico nesse sentido: há um estado de
coisas que as limita e elas não têm muita ação. Quando agem, o fazem
por reação frente a algo que as oprime (Murga em entrevista a
BARRENHA, 2012).44

Assim, a ausência dos pais é física e afetiva, mas se adverte nos


comportamentos das crianças que reproduzem essa concepção de mundo recortado
entre dentro e fora, e estratificado do lado de dentro. Elas se movem com segurança e
soltura nesses parâmetros, se distinguem e distinguem os outros sem titubear,

                                                                                                                       
44
Aqui, é interessante lembrar uma entrevista posterior com Murga, realizada por Paulina Bettendorff e
Agustina Pérez Rial em 2013. À pergunta “Como você chega às histórias de seus filmes?”, a cineasta
responde: “Me interessa contar pequenos mundos, geralmente fechados, porque a escola, o country, a cidade
de Paraná, convenhamos, o são. (...) Há algo da relação entre o personagem e o meio ambiente que o
condiciona que sempre está posto em jogo de alguma maneira. Creio que há uma relação muito direta entre a
pessoa e o meio ambiente. Influenciam-se mutuamente o tempo todo. E isso está muito presente em meus
filmes. Em geral, me custa fazer primeiros planos muito fechados, porque há algo do entorno que, para mim,
está sempre atuando” (Murga em entrevista a BETTENDORFF e PÉREZ RIAL, 2014).

 
 
64  
 

conhecem as regras e como desrespeitá-las e repetem discursos sobre as conveniências


de se morar em um bairro fechado (GONZÁLEZ, 2009). E como elas vivem dessas
conveniências? Abraçando e, ao mesmo tempo, desarranjando uma rotina entre
agradável e tediosa que é a única disponível, e Murga expressa essa tensão com uma
atmosfera de calmaria de sesta.
Ana y los otros (2003), primeiro longa da cineasta,45 é um filme de
deslocamentos: ao visitar sua cidade natal quase uma década depois de ter se mudado,
Ana se entrega à deambulação contemplativa e prazerosa (mais estimulada ainda pelo
verão e pela paisagem litorânea), durante a qual se topa com antigos amigos, vizinhos e
conhecidos – antes familiares, agora outros. Como observa Julia Kratje, a protagonista é
uma flâneuse e não importa o ponto de chegada, mas o vagar, e “a multiplicação de
encontros efêmeros desenha uma cartografia itinerante sobre a base das afinidades e do
acaso” (2016, p. 07). Complementando esse quadro, segundo a autora, estão os espaços
elípticos, fragmentados e associativos, assim como o constante desvio das expectativas
narrativas, que junto às filmagens quase exclusivamente em exteriores confirma a
disposição de estar no mundo e encarar os caminhos e descaminhos que ele oferece.
Una semana solos, ao contrário de seu precedente, é um filme de isolamento
– o que não impede que nele existam deslocamentos, e há muitos. Porém, desta vez, a
movimentação dos personagens é encurralada, sem perspectivas, morosa – como
veremos no capítulo seguinte, já na primeira sequência se estabelece uma mise en scène
opressora, em que se corre apenas em círculos e é impossível avistar o horizonte mesmo
em um campo aberto.
As crianças revezam mornos passeios em bicicleta, a pé ou mesmo de carro
com a monotonia da televisão, do videogame ou do descanso no chão da sala. Nem a
piscina “pública” se mostra interessante, já que não se faz nada de diferente do que
poderia ser feito na piscina privada. Os jogos em grupo tampouco provocam algum tipo
de estímulo, ou são fugazes: no esconde-esconde, no pingue-pongue, na forca ou na
brincadeira com bola que preparam no meio da casa, em todas as ocasiões há alguém

                                                                                                                       
45
Antes, Murga atuou como assistente de direção e realizou alguns curtas-metragens. Após o lançamento de
Una semana solos, foi convidada para participar do programa The Rolex Mentor and Protégé Arts Initiative,
no qual passou um ano trabalhando junto a seu tutor Martin Scorsese, quem produziu sua ficção seguinte La
tercera orilla (2014). Entre um filme e outro, dirigiu o documentário Escuela normal (2012).

 
 
65  
 

que resiste ou desiste em/de participar, devolvendo os personagens ao controle remoto,


a seus quartos, à apatia.46
O que os move parece ser a inércia, já que se sabe que não há mais nada de
novo para ver, nada de surpreendente para esperar, como espera Ana ao andar a esmo
por um lugar em mutação (que lhe era ordinário e agora é misterioso). O mundo em que
circulam as crianças, o mundo do country, lhes é totalmente conhecido, e por mais que
se perambule haverá indefectivelmente um encontro com muros ou com árvores que
formam uma cerca – como constata o rebelde coleguinha Tomás que, além de não ir à
escola e dormir na casa dos vizinhos sem avisar, se dedica a espiar por entre as
folhagens (o que, no fluxo dos outros atos do menino, assume caráter de infração).
A infração, afinal, é o que dá um pouco de picância ao cotidiano das
crianças que, na impossibilidade de expansão, voltam suas ansiedades portas adentro:
frente ao insosso dos espaços abertos que acessam, se utilizam dos espaços mais
particulares – as casas alheias – para criar algum regime de descontrole e de risco em
meio à comodidade permanente. Porém, tampouco há algo de deslumbrante nessa ação,
realizada de maneira tão mecânica quanto todo o resto.
A presença “estranha” de Juan pressagia alguns abalos nessa estrutura e
nesse marasmo, mas outra vez a promessa é falida. Se o adolescente entrerriano
logra atravessar a fronteira física do country (ainda que após um longo processo), ele
nunca logra cruzar a fronteira simbólica que o separa dos moradores – que, por sua
vez, perdem uma oportunidade de se enfrentar com o desconhecido que tanto
buscam (e nunca encontram) em suas derivas pelos bosques, pelo clube, pelas casas,
pelo country em geral.
Em Ana y los otros, a outredade é explícita já no título e possui duas caras:
o distanciamento daqueles que eram próximos, a aproximação do improvável (um
garotinho). O que há em comum entre ambas é a disponibilidade para o encontro,
mesmo que este não funcione – Ana está aberta para o mundo e está aberta para o outro.
Em Una semana solos, as crianças estão fechadas em um mundo e fechadas para o
outro. Também como prevê o título, de alguma forma, estão sozinhas.

                                                                                                                       
46
Em entrevista a Mercedes Halfon (2009), Murga conta que, “nos castings, uma das perguntas que
fazíamos para ganhar intimidade [com as crianças] era do quê elas gostavam de brincar. A maioria dizia
futebol, tênis, algum esporte organizado. Chamou-nos muito a atenção que não aparecesse a ideia de jogo
livre, caótico ou inventado”.

 
 
66  
 

Hugo Hortiguera (2012) trabalha de maneira análoga o movimento dos


personagens em outro filme argentino que se centra em um bairro privado: As viúvas
das quintas-feiras (Las viudas de los jueves, Marcelo Piñeyro, 2009). O autor aponta,
entre os elementos sobressalentes do longa, o âmbito endogâmico das relações (a
sociabilidade apenas entre iguais) e o ar claustrofóbico das imagens:

Os habitantes que se movem pelo country aparecem quase sempre em


primeiros planos nítidos que definem seus contornos, imersos sempre
em um leve desenfoque do segundo plano. Parecem figuras vedadas
de uma pintura na qual nada se contamina, destoa ou distrai. (...) Nada
de importante pode existir para além dos personagens ou do espaço
imediato, tampouco vale a pena mostrá-lo detalhadamente. São
individualidades que se movem sem sair de suas bolhas. Similar
prática é observada com o além-muro da urbanização à qual tão só
escapam as famílias de Piñeyro. O exterior, naqueles poucos
momentos em que a câmera se atreve a sair do perímetro murado para
acompanhar a algum dos personagens, se percebe como pano de fundo
quase sempre borrado ou escuro, alterado apenas por um trânsito
incessante e barulhento, em contínuo movimento. Nesses territórios do
afora não se podem vislumbrar ruas ou lugares reconhecíveis ou
icônicos da cidade. (…) Só se verão dela espaços de fluxo, sempre
periféricos. Os carros vão e vêm por estradas que trazem os
protagonistas, ou entram e saem dessa fronteira marcada pela barreira
e pelo guarda de segurança. Assim, o externo só será representado por
ruas em penumbras pouco iluminadas pelos faróis dos carros que
passam (HORTIGUERA, 2012, p. 121).

Em Historia del miedo, a cidade também se apresenta de maneira esquiva –


impressão que será revisada no decorrer da trama, como explorarei no próximo capítulo.
Já na sequência de abertura são distribuídas pistas da importância desse espaço no filme:
uma longa tomada aérea que sobrevoa o que parece ser um clube, passando por um
condomínio fechado com suas mansões e piscinas, e por um bairro humilde adjacente a
esses lugares pomposos.
O primeiro longa de Naishtat (Buenos Aires, 1986)47 é estruturado como
uma série de situações em que os personagens experimentam medos difíceis de nomear,
mas que têm a ver com a sensação de mal-estar urbano que (n)os rodeia. Transitando
entre o aterrorizante e a normalidade, tais acontecimentos despertam a dúvida e deixam

                                                                                                                       
47
Naishtat dirigiu diversos curtas a partir de 2007 e estreou em 2015 seu segundo longa de ficção, El
movimiento, espécie de western gauchesco experimental em que retrata um período especialmente violento
do processo de construção da Argentina – especificamente a década de 1830 – que costuma ser chamado de
“época de desorganização nacional”.

 
 
67  
 

os personagens e os espectadores inquietos e temerosos – o que é enfatizado pela


utilização de elementos formais e temáticos típicos do horror, além do recorrente
emprego do suspense.
A produção se organiza ao redor de três conjuntos de personagens e lugares:
1) uma família de classe alta que vive em um country; 2) Camilo e sua mãe Edith que
vivem em um apartamento na cidade – porém, nas alturas, também tentando se apartar do
que acontece ao redor, e cujas características da residência indicam, como no primeiro
caso, uma confortável situação econômica; 3) um conjunto de pessoas da classe baixa
relacionadas por vínculos de parentesco, amorosos ou de trabalho, e que prestam serviços
aos anteriores.
Não há um desenvolvimento dos personagens, cujos nomes são sempre
pronunciados en passant, como se suas individualidades e trajetórias não tivessem muito
interesse para a trama e só importassem seus atos imediatos, sem contextualização ou
motivação. Essa escassa caracterização dos indivíduos desloca certo protagonismo ao
espaço: os diferentes mundos que coexistem na produção são bastante bem delineados
(especialmente através de suas paisagens sonoras)48 e são as residências que revelam o
pouco que sabemos sobre cada um, enquanto a movimentação nelas e entre elas moldam
os acontecimentos do filme, sempre relacionados à maneira como é ocupado cada lugar e
às fronteiras reais e fictícias estabelecidas.
Somos introduzidos ao condomínio fechado por meio de planos bastante
abertos e que privilegiam as áreas externas da propriedade, nas quais seus ocupantes
desfrutam de momentos de prazer: Carlos joga bola com o filho em um cenário de
pintura, com folhagens por todos os lados e um avultante céu azul; Mariana, sua esposa,
toma sol estendida na espreguiçadeira. O lugar é identificado pela quietude e por sons
bucólicos de passarinhos, grilos e vento nas folhas.
O apartamento é silencioso como um túmulo, como se fosse acusticamente
isolado da cidade que espreitamos pela imensa janela de vidro – na verdade, só é possível
ver o topo de alguns prédios e o céu, quase sempre carregado. Os móveis e a decoração
                                                                                                                       
48
A noção de som ambiente, de Michel Chion (1993), tem definição muito próxima à de paisagem sonora,
de Murray Schafer (2001). Ambos os conceitos se referem aos sons que compõem um ambiente acústico em
determinado local, caracterizando-o. A diferença é que Chion versa especificamente sobre a construção
sonora audiovisual, remetendo-se aos sons que rodeiam a cena e habitam seu espaço, enquanto Schafer
refere-se ao mundo real (porém, observando que também é possível utilizar o termo em relação a paisagens
sonoras fabricadas, como composições musicais e programas de rádio. Ele não se refere ao cinema em seus
estudos, mas considera o seu projeto acústico como uma interdisciplina).

 
 
68  
 

são minimalistas, compostos por linhas retas, duras e por cores neutras, compondo com a
quietude um ambiente frio e desconfortável, que mais parece um espaço morto que um
lugar habitado.
A casa do subúrbio – onde moram Pola (jardineiro do country) e sua mãe
Teresa (empregada doméstica de Edith) –, por outro lado, é composta por uma
acumulação de objetos e por cores quentes, cercada por ruídos constantes que indicam
uma grande movimentação ao seu redor. Entretanto, essa vida que borbulha não faz a
residência mais aconchegante, mas sufocante.
É fundamental apontar como se dão (ou não) os deslocamentos dos
personagens entre esses espaços: os habitantes do country nunca saem dali, como se este
fosse um lugar pleno no qual nada nem ninguém fazem falta. Mesmo em seu interior os
trânsitos são raros, e em suas esmeradas e convidativas ruazinhas podem ser vistos
apenas o jardineiro, o segurança (cujo automóvel para fazer a ronda é seu companheiro
inseparável) e algumas crianças brincando no bosque que é parte do barrio.49 Quando
Camilo e a mãe empreendem uma viagem até o condomínio em seu carro
hermeticamente fechado (já que mal se escuta o trânsito ou o próprio ruído do motor),
deparam-se com um homem nu no meio da estrada, o qual desafia a passagem do
automóvel e cujo físico e atitude nos faz lembrar um zumbi.
Pola e sua namorada, Tati, são os únicos que se aventuram nas ruas, em
moto, provando um corpo a corpo com a cidade. Nessas ocasiões, ela é sempre guiada
por ele, que também circula sozinho tanto no veículo quanto explorando lugares a pé,
como o hospital em que Teresa é atendida. Movimentar-se no espaço público é se
misturar, encontrar, dividir, e Pola é o único personagem que prova dessa vivência.
Entretanto, não parece haver prazer nessa experiência, e os lugares nos quais
o jardineiro se move relembram sempre cenários de horror. Enquanto no country ou no
apartamento é sempre dia, quando estamos no subúrbio é sempre noite. Pola deve
atravessar um estreito corredor para sair de casa (o qual desemboca em um beco que,
apesar de pleno de adultos e crianças brincando, está envolto em sons que parecem tiros),
as ruas do bairro são desertas, a quitinete de sua amante é tão sufocante quanto sua
própria residência, o rio ao qual leva a companheira mais parece um pântano, o hospital
                                                                                                                       
49
A proximidade da natureza é uma das benesses dos condomínios fechados mais exaltadas por suas
publicidades. Porém, o arvoredo do country de Bem perto de Buenos Aires está mais para perturbador do
que agradável, sendo mais uma das figuras do medo que despontam no filme.

 
 
69  
 

está abandonado e destruído, e o imenso estacionamento do hipermercado em que


trabalha Tati está vazio.
Alguns cenários de horror também se fazem presentes em Elefante branco –
com dois poréns: primeiro, no filme de Trapero a palavra “horror” não se refere ao
gênero cinematográfico que penetra no filme de Naishtat e tem a ver com o horror em
sua faceta mais corriqueira e “adjetiva”; segundo, o que é horroroso aparece de maneira
muito menos sublimada e sugestiva que em Historia del miedo, já que a favela onde se
instala a trama é, várias vezes, identificada como um inferno. Várias vezes, mas não
sempre, já que o local possui um caráter multifacetado devido aos diversos olhares que
guiam sua percepção.
Para encarar uma análise sobre o espaço em um filme de Trapero (San Justo,
1971)50, é importante ter em conta a relevância, em toda sua obra, da localização e
identificação do mundo diegético, assim como da função primordial efetuada pelo
deslocamento: em Mundo grúa, o desempregado suburbano Rulo, na sofrida Argentina de
fins dos 1990, percorre territórios como a cidade de Buenos Aires e a patagônica
Comodoro Rivadavia mobilizado pela necessidade de trabalhar e aprendendo um novo
ofício. Em El bonaerense, Zapa – com o objetivo de evitar a prisão por ter participado um
pouco desavisadamente de um delito – deve abandonar seu povoado e entrar para a
polícia da província de Buenos Aires.51 Familia rodante acompanha a decomposição e
recomposição dos laços afetivos no percurso em trailer do conurbano bonaerense até o
norte misionero, em que a viagem não é apenas o movimento de um lugar a outro mas
                                                                                                                       
50
Um dos principais nomes do NCA, dirigiu, além de Elefante branco e Mundo grúa, os longas O outro
lado da lei (El bonaerense, 2002), Familia rodante (2004), Nacido y criado (2006), Leonera (2008),
Abutres (Carancho, 2010) e O clã (El clan, 2015). Fundador, junto à atriz Martina Gusman, da Matanza
Cine, que se consolidou como uma das produtoras locais com maior projeção internacional. Como observa
Prividera, o nome da produtora é uma “dupla assunção de origem: ao subúrbio [San Justo, onde nasceu e
cresceu, é uma cidade do partido de La Matanza, na Grande Buenos Aires] e à violência que qualquer
submundo deixa entrever, tema central de todo seu cinema” (2014, p. 208).
51
Falando sobre o filme, o cineasta destaca seu interesse por entender as relações que se estabelecem com o
espaço: “Se tratava de contar a história de um cara que vive na província de Buenos Aires e, através dessa
história, conhecer as diferenças que existem entre viver na Capital e viver na província. O título sempre foi
esse, porque para mim era muito representativo do clima que queria para o filme, essa ideia de pertencer a
um lugar que tem regras diferentes. Com o tempo, comecei a pensar em como dar forma a esta ideia de El
bonaerense: me parecia que o mais claro, representativo e iconográfico era um policial. De fato, se associa o
termo bonaerense mais à polícia que aos habitantes da Grande Buenos Aires. (...) Ademais, o lugar – por
causa do trabalho que faz o policial – se convertia muito mais em um protagonista que em mero cenário
onde acontecem outras coisas. O lance do policial é trabalhar na rua, enfrentar-se aos problemas de tal
bairro. Teve gente que me disse que, então, poderia ser um taxista, mas o taxista se enfrenta de outras
maneiras, porque seu trabalho é dirigir na rua, não se enfrentar aos problemas da rua. É diferente.
Fundamentalmente, [o policial] dava ao filme uma carga muito mais dramática que se tivesse sido uma
pessoa que apenas se traslada (...)” (Trapero em entrevista MARTÍN PEÑA e LUKA, 2003, p. 201).

 
 
70  
 

também um movimento pela interioridade dos personagens e da trama em que se assenta


a estrutura familiar. Em Nacido y criado, Santiago se desloca de sua vida bem-sucedida
na Capital Federal até a Patagônia para, após uma tragédia, se fechar também em uma
viagem interior. Como analisa Andermann, “(...) a paisagem está em ressonância com um
estado de ânimo; o rigor extremo e inóspito de seu caráter agreste proporciona
paradoxalmente um refúgio espiritual, um ponto de ancoragem para um personagem
imobilizado por uma perda traumática” (2015, p. 124). Ao contrário das bucólicas cenas
que estimulam a reconstrução da identidade e da comunidade em Familia rodante, a
desoladora paisagem do deserto nevado, tanto em Mundo grúa como em Nacido y criado,
favorece suas dissoluções.52
Em Leonera assistimos à incursão de Julia na cadeia, na maternidade e,
posteriormente, sua fuga a mais uma nova transformação e a um novo lugar. A história de
Carancho gira ao redor de Sosa, um advogado que perdeu sua licença e agora trabalha
para uma obscura fundação que supostamente ajuda vítimas de acidentes de trânsito. Em
uma de suas buscas por clientes, começa um relacionamento com Luján, jovem médica
recém-chegada à cidade que, embora tente se manter afastada das atividades ilegais do
namorado, termina ingressando com ele nesse universo turvo tomado pela violência. Em
El clan, baseado em um famoso caso real ocorrido na década de 1980 na Argentina, uma
família é arrastada (seja através da ação, seja através do silêncio) pela loucura homicida
do patriarca, sequestrando e matando gente rica em sua casa na tranquila e abastada San
Isidro, ao norte da Capital.
Assim, os traslados, as viagens, os deslocamentos e os trânsitos entre uma
situação e outra constituem uma presença recorrente no cinema de Trapero, e estão
sempre ligados ao tema da aprendizagem, da adequação de um indivíduo a um mundo
alheio. A iniciação é um recurso narrativo que permite ao espectador acompanhar o
personagem em sua própria “construção” e efetuar com ele a descoberta de um universo.
Para Sergio Wolf, os percursos de iniciação dos longas do cineasta são, na
verdade, paradoxais, já que nunca resultam em aprendizados triunfais senão que são
meras opções de sobrevivência: “périplos que ou marcam uma transformação impossível
(Mundo grúa), ou abortada (El bonaerense), ou impensada (Familia rodante), ou
autoimposta (Nacido y criado) ou obrigada (Leonera)” (2009, p. 125). Nahuel Montes

                                                                                                                       
52
Ver o estudo de Andermann (2015) sobre a paisagem nesses três filmes do diretor.

 
 
71  
 

recupera as noções de nomadismo e sedentarismo de Aguilar para pensar na mesma


direção que Wolf:

Pensamos que os filmes do diretor têm a complexidade de ser, ao


mesmo tempo, expoentes tanto do vagabundeio em sua experiência do
espaço como da fixação e da impossibilidade do movimento. Em
Mundo grúa e El bonaerense, o que circula tem a capacidade de
retesar as formas que persistem. (...) Os lugares de pertencimento
proporcionam relações instáveis, as formas que resistem em
instituições perdem seu sentido. O vagabundeio não tem uma
compensação tranquilizadora no lugar do retorno possível. A
transformação dos valores atribuídos ao espaço se desenvolve de
maneira incompleta, porque vai deixar visível as arestas dos restos de
funcionamentos e lógicas passados (MONTES, 2012, p. 04).

Já Daniela Gillone (2015) considera que, por meio dessas peregrinações, o


realizador ressignifica o tema do exílio político relacionado às ditaduras ao propor a
existência do exílio socioeconômico durante a democracia: em Mundo grúa, uma figura
marginal vive uma busca interminável por emprego e se isola nesta condição. Em El
bonaerense, entrar para a “instituição polícia” é a saída para se ter absolvição de um
crime cometido. Em Leonera, o exílio se concretiza no universo do cárcere, envolvendo
relações de interesse e injustiça.
Lorena Bordigoni e Victoria Guzmán (2011) sondam a obra de Trapero a
partir da noção de margens. Para as autoras, esse aspecto pode ser observado
principalmente no trabalho com os espaços e com os personagens que os ocupam: as
locações privilegiadas de suas produções são a Grande Buenos Aires e ambientes como
presídios, subúrbios e até espaços individuais interpretados como as margens do social.
Os protagonistas são habitantes desses espaços e, afastados da integração social, buscam
reintegrar-se a essa ordem ou, ao contrário, terminam fora dela, distanciados do sistema.
Por sua vez, Malena Verardi (2010) assinala o interesse do cineasta pelas
instituições relacionadas com os âmbitos da lei e da justiça: a polícia em El bonaerense,
a gendarmaria em Nacido y criado e o poder judicial em Leonera – interesse que será
mantido nos próximos filmes. Outra característica de destaque na obra de Trapero é a
reelaboração das tradições de gênero como forma de apreender o presente social da nação
(Andermann, 2015), do onipresente bildungsroman (romance de formação) ao road

 
 
72  
 

movie, noir, policial, crime drama, thriller e suas variantes,53 mesclando-os com um
particular “realismo” social – como o diretor trata de esclarecer desde seus primeiros
longas: “O que me interessa da realidade não é copiá-la, nem ser muito fiel a ela. (…) O
que me atrai da realidade é a possibilidade que apresenta de descobrir algo que não se
conhece, mundos que são alheios. Só nesse sentido poderia qualificar o que faço de
realismo” (Trapero em entrevista a BERNADES, 2002). Montes faz uma consideração
pertinente sobre a questão:

Trapero filma com os espaços. Referimo-nos a que o espaço


extrafílmico e as referências que deste extrai para dar forma ao relato
são partes constitutivas de um espaço significante que se torna
imprescindível para a mise en scène. O efeito de realidade, da câmera
que investiga uma situação que realmente sucede ou pode suceder se
apoia como em um pilar neste aspecto (MONTES, 2012, p. 03).

Todos esses traços podem ser advertidos, em alguma medida, em Elefante


blanco: Nicolás, um padre belga que escapa de um massacre em uma aldeia da
Amazônia peruana, se instala em uma favela em Buenos Aires para ajudar ao padre
Julián, embarcando em uma difícil viagem na qual deve aprender não apenas as regras e
os códigos desse novo mundo marginal (povoado de exilados?), mas também do amor.
Julián, por sua vez, em seu enfrentamento com a proximidade da morte também
enfrenta diversas tensões que o rodeiam e ao lugar a que dedicou sua vida.
O filme retoma o espaço de uma cidade concreta e a nomeia: Buenos Aires.
Sabemos que se trata de Buenos Aires devido aos diálogos dos personagens, já que há
pouquíssimas sequências que se desenrolam fora da favela, em outras paisagens “menos
globais” dessa urbe.54 Quando não estão na favela, os protagonistas transitam (sempre

                                                                                                                       
53
Como estipula Aguilar (2006) ao colocar El bonaerense entre o crook story e o procedural (descendentes
do noir e do policial, respectivamente).
54
O site da exposição A cidade informal no século XXI descreve alguns aspectos que poderiam agrupar os
lugares denominados favela, que não são unívocos: núcleos habitacionais deficientes, com moradias
autoconstruídas, formadas a partir da ocupação de terrenos públicos ou particulares, estão associados a
problemas da posse da terra, a elevados níveis de precariedade ou à ausência de infraestrutura urbana e
serviços públicos e população de baixa renda. Espaço de contradições e assimetrias, na favela convivem
de forma conflituosa o arcaico e o moderno, tradições orais ao lado de tecnologias digitais, o mundo
urbano com problemas de infraestrutura pré-urbana, uma educação precária e, ao mesmo tempo, uma
produção cultural que vem ganhando cada vez mais espaço na mídia. A complexidade do espaço suscita
imagens que ora convergem para uma percepção romantizada, ora demoníaca. A cidade informal no
século XXI foi uma exposição realizada pela Prefeitura de São Paulo em 2007, com itinerância por
diversas cidades até 2011. http://cidadeinformal.prefeitura.sp.gov.br/.

 
 
73  
 

dentro de carros) apenas por estradas e por avenidas largas, arborizadas e


indeterminadas,55 e o olhar se concentra na ação que se dá dentro do automóvel.
Do lado de fora, se veem fragmentos de uma cidade tranquila, limpa e com
muito verde, mas vazia: de gente, de carros, de coisas, de sons; quase uma cidade-
fantasma. Parece a materialização da “morte às ruas” segundo Jane Jacobs, na qual as
intervenções urbanísticas monumentais pregadas pela arquitetura moderna
desertificariam o espaço público, que deixa de abrigar a convivência e o encontro para
se transformar em “máquina de circulação” (FRÚGOLI JR., 2007).56
Assim, o longa nomeia a cidade, mas não a mostra. Por outro lado, não
especifica verbalmente a villa – com muita vida, apesar de acossada pela morte – onde
se localiza a trama, enquanto a vemos durante todo o filme.57 Pelos créditos, sabemos
que o longa foi filmado em três favelas da capital argentina: Ciudad Oculta,58 Villa 3159
e Villa Rodrigo Bueno. Ainda que o edifício que intitula o filme permita a localização
do enredo em Ciudad Oculta, a ausência de sua denominação, somada à inserção de
lugares e situações que não são parte dela – como a presença da paróquia Cristo Obrero
e do túmulo do padre Carlos Mugica, existentes na Villa 31, onde o religioso a quem o

                                                                                                                       
55
Apesar de reconhecíveis para moradores e visitantes de Buenos Aires, grandes avenidas arborizadas não
são emblemáticas só dessa cidade, mas também de outras capitais da América Latina que, no começo do
século XX, se “reconstruíram” seguindo o modelo criado por Haussmann em Paris na segunda metade do
século XIX.
56
Richard Sennett, em seu livro publicado em 1974 O declínio do homem público, traça algumas linhas de
diálogo com Morte e vida de grandes cidades, lançado em 1961 por Jacobs. Ele também trata do espaço
público morto, lugar de passagem e não de permanência, ideia que deriva das relações entre espaço e
movimento produzidas pelo automóvel particular. O carro não é utilizado para ver a cidade, para turismo,
mas para permitir a liberdade de movimentação, de viajar sem ser interrompido por paradas. Assim, as ruas
adquirem uma função peculiar: servem apenas para ir de um lugar a outro, e o espaço público perde seu
sentido. Esse entendimento irá se desdobrar na questão do isolamento que, como iremos notar, é uma
constante nos filmes do corpus: “(...) empregamos o termo ‘isolamento’ em dois sentidos: em primeiro
lugar, significa que os habitantes ou os trabalhadores de uma estrutura urbana de alta densidade são inibidos
ao sentirem qualquer relacionamento com o meio no qual está colocada essa estrutura. Em segundo lugar,
significa que, assim como alguém pode se isolar em um automóvel particular para ter liberdade de
movimento, também deixa de acreditar que o que o circunda tenha qualquer significado além de ser um
meio para chegar à finalidade da própria locomoção. Existe ainda um terceiro sentido, um sentido um tanto
mais brutal de isolamento social em locais públicos, um isolamento produzido diretamente pela nossa
visibilidade para os outros” (SENNETT, 1993, p. 29).
57
Em algumas críticas, ela é apresentada como Villa Virgen, uma favela fictícia – porém, em nenhum
momento do filme podemos ouvir o nome Villa Virgen, e é possível que essa denominação venha de algum
press release equivocado.
58
O verdadeiro nome desse bairro é Villa 15, mas ele é mais conhecido como Ciudad Oculta devido à
construção de um muro ao seu redor, durante a Copa de 1978 na Argentina, o qual pretendia esconder o
local da vista dos visitantes estrangeiros.
59
Como esclarece Vezzetti (2014), não é a maior favela da Buenos Aires, mas a mais emblemática por sua
localização, em Retiro, uma zona cêntrica próxima da Recoleta, um dos bairros mais ricos da cidade.

 
 
74  
 

filme é dedicado realizou seu trabalho –, faz com que tal favela se apresente como a
combinação de várias,60 demarcando sua ficcionalidade.
Há um procedimento recorrente no filme que é antecipação da voz de Julián,
que de over passa a ser in na sequência seguinte – como quando, por exemplo, vemos
algumas cenas da favela enquanto ouvimos o padre e, momentos depois, a imagem do
mesmo celebrando uma missa. Esse recurso promove fluidez narrativa, pois encadeia os
planos automaticamente, impedindo pausas. Neste caso, vemos a “ressonância” da voz
de Julián na favela como seu poder para abençoar aqueles que ali vivem. Essa voz que
ora e que pode ser “ouvida” pela favela também se repetirá no momento em que Julián
reza o terço junto a Nicolás e a um padre local assistente, Lisandro, enquanto cai a noite
na villa. Assim, o som pauta o espaço: a voz de Julián marca sua presença como algo
que contamina o lugar – daí que esses espaços não sejam apenas espaços de uma favela,
mas da favela de Julián.
Nicolás é resgatado da Amazônia e chega à favela pelas mãos de Julián,
quem será seu guia – mas não por muito tempo. O padre belga, com dificuldades
devido a seus ferimentos, se apoia (literalmente) ao padre local em sua primeira
incursão ao novo hábitat, sob uma grandiosa música extradiegética que preludia o
caráter épico de suas trajetórias, como sob a noite e a forte chuva, que adiantam o
futuro sombrio e tempestuoso.
Ao amanhecer, o ponto de vista se desgruda dos protagonistas para oferecer
uma panorâmica da favela. Segundo Teresa Castro, “a visão panorâmica responde a um
desejo de abarcar e de circunscrever o espaço, permitindo ao olho do observador captar
o todo de uma imagem” (2009, p. 11). Localizada nas alturas e ao longe, a câmera se
move de uma porção de edifícios para um mar de casinhas, em uma visão que “abraça”
a imensidão do local para depois, ainda em uma posição elevada, ir captando cenas mais
pontuais: casas amontoadas e sem acabamento, roupas penduradas nos varais, uma
reunião de cartoneros (recolhedores de material reciclável), crianças em bicicletas ou
brincando, um homem fuçando no lixo, até chegar à dupla de padres que também
parecia observar essa cotidianidade matutina.

                                                                                                                       
60
Além disso, há a fala do voluntário Cruz ao contar sobre a apreensão de drogas que foi feita na Villa 31.
Nessa conversa com Julián, nunca fica claro se a Villa 31 é outro local ou se é a comunidade onde eles
atuam.

 
 
75  
 

Julián introduz Nicolás e o espectador à história do denominado Elefante


branco, epicentro a partir do qual irradia a imensa comunidade que se alastra até o fundo
do quadro. Caminhando por seus interiores, o argentino conta que o edifício, que deveria
ser o maior hospital da América Latina, é um projeto de 1923 cuja construção começou
em 1937, sendo paralisada poucos anos depois e retomada durante o primeiro governo de
Juan Domingo Perón (que tem início em 1946); paralisada novamente com a queda de
Perón em 1955 e abandonada desde então. Também informa sobre o contexto atual: a
quantidade de pessoas vivendo na favela e de famílias vivendo no prédio inacabado.
O passeio, em um extenso plano-sequência, ainda coloca em cena figuras
importantes na narrativa como Lisandro, a assistente social Luciana e o voluntário Cruz,
além de permitir que se conheça a capela, a dinâmica dos padres e sua proximidade com
os moradores, a estrutura de algumas habitações, a existência de uma rádio, o problema
dos alagamentos e as distâncias entre lugares-chave desse território.
Na altura dos ombros de Julián e de Nicolás, a câmera os segue firmemente,
acompanhando-os em seu trajeto. Esse recurso será utilizado amiúde e é valioso para
apreender o espaço conforme as percepções dos protagonistas que circulam o tempo
todo. Enquanto Nicolás se aventura por zonas profundas e derruba barreiras, Julián atua
em um perímetro limitado e, frequentemente, o limita ainda mais através da ação de
fechar portões, portas, de travar cadeados, de utilizar chaves. Enquanto Nicolás se
enreda nos labirintos da favela, Julián procura reproduzir uma ordem espacial alheia.
Cada um concebe esse espaço de diferentes formas, que vão se revezar com outras
impressões e influenciar a concepção do próprio filme sobre ele, gerando os diversos
conflitos que movem a trama.
Seguindo a visão de Julián, tenta fixar-se um conceito de favela a partir de
parâmetros negativos, tomando como significante aquilo que a favela não é em
comparação com um modelo idealizado de cidade. Quando seu olhar “sobrevoa” a
favela (como faz sua voz), é a cidade que está em seu horizonte: a partir de seu
apartamento, localizado em um andar bastante alto e fora da villa, ele observa uma
daquelas avenidas bonitas, um parque, a zona portuária, e se encontra com a favela
antes de se voltar ao interior da residência. Se a favela está em seu campo de visão (e
desde um ponto de vista superior), é a cidade o que ele busca ver. Nicolás, ao estar
sempre ao nível do chão, mergulhado nos emaranhamentos da favela, enfraquece o

 
 
76  
 

aspecto negativo desse traçado. Opondo-se a Julián, seu posicionamento afirma que a
villa é, sim, um lugar à parte, mas no sentido de que não pode ser dimensionado pela
cidade “tradicional” – sendo esse desenho o que o caracteriza frente à urbe cartesiana.
As diferenças entre esses dois personagens aparecem desde suas
apresentações. O filme começa com o plano fixo sobre um ambiente todo branco, com a
assepsia e a alta tecnologia de um hospital – o reverso do Elefante branco, projetado
para ser um. Julián entra em quadro lentamente, deitado em um equipamento, e somente
o espectador é cúmplice dessa cena secreta que avisa, silenciosamente, um problema de
saúde. A assepsia se grudará à personalidade de Julián: sempre bem vestido, limpo,
alinhado. Abnegado e moralmente sem reprovações, sua aparência é “esterilizada”, até
fria – talvez um atributo aprendido e apreendido que o ajuda a “viver para eles” ao invés
de “morrer por eles”, conforme o dito do padre Mugica repetido por Julián. Por outro
lado, seu rosto denuncia o ocaso de suas forças, e ele se soma à galeria dos últimos
personagens encarnados por Ricardo Darín que tem o esgotamento ante o mundo colado
na cara – o taxidermista de El aura (Fabián Bielinsky, 2005), o oficial de justiça de O
segredo dos seus olhos (El secreto de sus ojos, Juan José Campanella, 2009), o
advogado-urubu de Carancho.
Do ambiente exageradamente iluminado, de paredes e objetos inteiramente
brancos e planos fixos, passa-se para um ambiente totalmente diferente: um local escuro
que não conseguimos distinguir, uma câmera na mão muito tremida, que hesita a cada
avance, sempre voltando a se esconder na escuridão. Escutamos a respiração ofegante
de um homem, todo enlameado, que entra em quadro e recua, replicando o
comportamento da câmera, transmitindo sua tensão. Assim, impregnado de medo e de
sujeira, machucado e fragilizado, conhecemos a Nicolás que, nas sequências seguintes,
usa sandálias e um figurino relaxado.
Luciana desequilibra o que se ensaiava como uma polarização entre a razão
e a emoção, colocando-se, por vezes, ao lado de Julián, outras, ao lado de Nicolás, ou,
ainda, discordando de ambos. Se tanto o padre argentino quanto o belga realizam uma
atividade mais social que pastoral, o primeiro adota uma postura mais teórica e medida
e o segundo uma postura mais prática e impulsiva, enquanto a assistente social alterna
suas forças entre a burocracia e a revolta. Representante do poder público (que também

 
 
77  
 

aparece na figura da polícia), Luciana compartilha com os padres a crise interna em que
se debatem em suas relações com a fé (religiosa no caso deles, militante no dela).
Assim, em Elefante branco, a favela é vivenciada por aqueles que estão no
entre – que se exilaram parcialmente de sua origem, mas não pertencem totalmente ao
que escolheram como destino (especialmente os que se deram ao luxo de ser pobres,
como comenta Luciana a respeito de Julián e Nicolás, provenientes de famílias
abastadas). Além dos planos-sequência que acompanham de perto esses personagens e
seus pontos de vista, o olhar exterior é constantemente evocado através do
comportamento da câmera que se coloca atrás de um objeto. Esse objeto geralmente está
desfocado, não atrapalhando o que realmente se quer mostrar, mas revelando uma
distância que se toma, já que a câmera se limita a espiar, pelos cantos, um pouco
escondida, o que transcorre. Isso acontece já no massacre da Amazônia, e é marcante na
sequência em que alguns adolescentes conversam sobre a favela em uma reunião junto a
Lisandro, Luciana e Nicolás (recebido com curiosidade e empatia): eles são rodeados e
vistos por vários ângulos, mas sempre há um corpo ou algo à frente. Dessa forma, a
câmera não se mostra onisciente no sentido de revelar uma transparência com relação ao
que espia, sendo que há um processo de deformação e de afastamento que indica a
consciência da limitação dessa imagem que se constrói.
Essa pequena reunião também é relevante pelo protagonismo dos
adolescentes moradores da favela, criando alguns desvios na predominante enunciação
dos outros – quem costumava ser de dentro nos outros filmes do corpus é, aqui, aquele
que vem de fora. Há uma rara referência a outras zonas da cidade por parte dos garotos
e garotas e se discutem questões sobre a saída ou a permanência na villa, sobre
pertencimento, sobre as complicadas relações familiares, os preconceitos existentes “do
lado de lá” e outros temas aparentados.61
                                                                                                                       
61
Essa noção de “dentro”/“fora” e a sensação de confinamento que os moradores da villa verbalizam ecoam
algumas descrições feitas anteriormente sobre os condomínios fechados – ainda que os sentidos sejam
inversos. Lior Zylberman (2013) destaca a constante comparação dos condomínios fechados com a figura do
gueto tanto nos filmes que os tematizam como nos estudos que os abordam. Um exemplo notável é o
subtítulo do já citado Cara de queso: “mi primer gueto”. Neste longa, em que se retrata a transição da
infância à adolescência de amigos que passam temporadas em um country exclusivo para a comunidade
judaica, o avô do protagonista comenta como o lugar se assemelha aos guetos judeus sob o nazismo:
“Primeiro, nos colocaram em um gueto e não nos deixavam sair; agora todos querem entrar e não querem
sair”. Seguindo a Zygmund Bauman e a Loïc Wacquant, Zylberman comenta que tanto nos bairros privados
como nos guetos combina-se o confinamento espacial com o social, além da homogeneidade daqueles que
estão dentro em contraste com a heterogeneidade do exterior. Contudo, o autor ressalva que a comparação é
metafórica, voltando a Bauman: “Os guetos reais são lugares dos quais não se pode sair (...); o principal

 
 
78  
 

Esteban, mais conhecido como Monito, jovem viciado em paco62 que o pai
tenta recuperar, é um personagem-chave para consumar esses “desvios” de perspectiva
que Elefante blanco propõe: sua intervenção, aparentemente secundária, influencia de
maneira decisiva na relação amorosa entre Nicolás e Luciana e propicia a invasão da
favela que resulta tanto na morte trágica de Julián como na sua própria. Ainda que o
padre receba grande homenagem enquanto ficamos a desconhecer o destino do rapaz
(sumamente ignorado) e ainda que exista uma grande distância entre as desgraças da
doença fatal e da dependência química que decepa uma vida que recém se inicia,
observamos como esses dois personagens são equiparados ao atravessar o filme
igualmente como condenados que lutam contra a morte e que sucumbem juntos e da
mesma maneira violenta.
A violência que cruza os caminhos de Julián e de Monito será uma
constante no filme – como analisarei no capítulo 4, não apenas a violência evidente dos
corpos e das condições de vida dos personagens, mas a violência invisível das
instituições e a violência difusa do projeto modernizador que se cobiça e que faz da
favela um resíduo incômodo da metrópole. A brutalidade que paira sobre os
personagens também promove uma intensa movimentação: seja para se defender, atacar
ou fugir.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           
propósito do gueto voluntário, ao contrário, é impedir a entrada de intrusos – os de dentro podem sair à
vontade. (...) Os guetos reais implicam na negação da liberdade. Os guetos voluntários pretendem servir à
causa da liberdade. (...) Os guetos voluntários compartilham com os verdadeiros uma espantosa capacidade
de permitir que seu isolamento se perpetue e exacerbe” (BAUMAN, 2003, p. 106). Assim, enquanto os
condomínios fechados seriam como “guetos voluntários”, as favelas estariam mais próximas do que se
considera um “gueto real”, constituindo-se como o polo oposto do country na fragmentação e reorganização
urbanas recentes. A partir dessa ideia, também é possível pensar na Curutchet de O homem ao lado como
uma “casa-gueto”.
62
Subproduto do crack, mais tóxico e mais barato.

 
 
79  
 

3. Histórias do medo

Revisando as listas de melhores filmes de 2015 – em especial a


extraordinária pesquisa de opinião levada a cabo pelo crítico argentino Roger Alan
Koza denominada “La Internacional Cinéfila”1 –, deparei-me repetidas vezes com o
título La hora del lobo,2 um média-metragem documental realizado por Natalia Ferreyra
no marco do Posgrado em Documental Contemporáneo da Universidad Nacional de
Córdoba. Diversos profissionais do universo audiovisual o descreviam como o melhor
ou mais importante filme argentino produzido no ano. Porém, me chamou mais a
atenção a declaração do também crítico argentino Oscar Cuervo que afirmou que essa
era a obra que mais lhe havia amedrontado desde O exorcista (1973) – e talvez até mais
que o longa de Friedkin. A que se deveria tanto medo?
La hora del lobo se dedica aos acontecimentos de uma noite de dezembro de
2013 em Córdoba, quando a polícia local declarou greve e a cidade foi tomada por uma
onda de saques (que alguns atribuem à própria polícia, com propósito desestabilizador).
Contudo, o filme não trata diretamente das reivindicações policiais ou dos roubos, mas
da reação dos habitantes do bairro universitário de Nueva Córdoba, que saíram para
“interceptar” os supostos assaltantes e para exercer o controle territorial pela força.
Ferreyra intercala entrevistas dos estudantes que entraram em ação nessa
madrugada com registros que circularam pelo YouTube. Vemos jovens ilustrados da
classe média transformados, pela fúria, em uma manada à caça de outros jovens que
passassem pelo bairro de moto, cujo aspecto físico e vestimenta os inscrevessem no
estereótipo de motochorros (ladrões em moto). Como destaca Cuervo (2015), não se
tratava somente de se defender de delitos efetivos, mas de atacar preventivamente a
possíveis delinquentes, suspeitos pela cor da pele ou por seus meios de locomoção.
Através de recursos documentais dos mais simples como são as “cabeças
falantes” e o material de arquivo, o média aterroriza ao retratar o rompimento dos laços
sociais e suas consequências – sendo as mais imediatas, neste caso, a circunscrição dos

                                                                                                                       
1
Desde 2011, Roger Alan Koza pede a dezenas de críticos, pesquisadores, programadores e cineastas do
mundo todo que façam uma lista com seus cinco filmes preferidos do ano e a recomendação de um título
vernáculo. A lista de 2015, publicada em 27 de dezembro do mesmo ano, pode ser consultada no blog de
Koza, Con los ojos abiertos: http://ojosabiertos.otroscines.com/la-internacional-cinefila-2015-las-mejores-
peliculas-del-ano/.
2
Disponível no canal da produtora Ideas por Rosca no Vimeo: https://vimeo.com/122715152.

 
 
80  
 

espaços e a irrupção da violência. O medo não se manifesta, entretanto, apenas no


espectador, mas é o motor das ações que este presencia. Dessa forma, ao ser causa e
efeito, o medo possibilita um círculo vicioso e se faz onipresente.
La hora del lobo também me parece um dos mais interessantes e
assustadores filmes argentinos dos últimos anos, por tematizar de maneira contundente e
crua o que o medo pode fazer – e está fazendo – com a sociedade urbana. O
documentário de Ferreyra sintetiza e faz explodir o que uma porção de outras produções
do país (entre elas, obras do corpus) vem trabalhando recentemente. Assim, foi muito
impactante e iluminador descobri-lo justamente às vésperas de redigir este capítulo, e
não poderia deixar de citá-lo devido à grande sombra que ele irremediavelmente
projetará nas análises que desenvolverei a partir de agora. Dedicarei atenção, sobretudo,
a Historia del miedo, Una semana solos e El hombre de al lado, nos quais o medo
(retro)alimenta as divisões sociais e espaciais na cidade e a violência (tema que guia a
próxima parte, mas já faz inevitáveis aparições).

***

Segundo o dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o medo é um estado


emocional resultante da consciência de perigo ou de ameaça (sendo estes reais,
hipotéticos ou imaginários). Para María Milagros López (2000 apud Pastana, 2003), o
medo faz parte de nossa natureza, mas seus objetos são historicamente determinados – o
medo é realidade e representação. Na coletânea Ensaios sobre o medo (2007), o
organizador Adauto Novaes também destaca como as formas do medo são oscilantes no
tempo e no espaço, acrescentando que, no passado, o medo vinha mais da natureza e do
sobrenatural, enquanto, hoje, o principal medo da humanidade vem do próprio homem –
afirmação complementada por Maria Rita Kehl e por Jean Delumeau, no volume
editado por Novaes. Segundo Kehl, atualmente, toda a enorme variedade dos
sentimentos do medo ficou encoberta pelo temor em relação a nossos semelhantes. Já
Delumeau lembra que, ao lado das apreensões universais que são parte do inconsciente
coletivo (como o medo do mar ou da noite) ou daquelas inquietações motivadas por
perigos concretos (como os desastres naturais e as epidemias), é preciso atentar aos

 
 
81  
 

medos mais culturais, como é o medo do outro. Segundo o autor, a alteridade nos
assusta pela sua diferença, e não deixa de ser uma forma de medo do desconhecido.
Delumeau ainda pinça algumas questões sobre a cidade e o medo: embora,
para ele, seja uma banalidade dizer isso, hoje é, sobretudo, nas cidades (e,
especialmente, nas grandes cidades) que se tem medo. É preciso lembrar que essa
situação é contrária ao que prevaleceu durante muito tempo, já que o surgimento da
cidade está ligado à necessidade de aplacar o fenômeno do medo, como nos explica
Josepa Bru e Joan Vicente:

As origens da cidade como realidade e como conceito foram marcadas


em grande (mas não única) medida pela necessidade dos grupos
humanos de se sentirem seguros e, para isso, se gerou um espaço e
umas estruturas sociais e de poder que a satisfizessem. Estabeleceu-se
uma relação “dentro-fora”, com a muralha como limite real e
metafórico, que fazia do espaço urbano um lugar de ordem (BRU e
VICENTE, 2005, p. 15).

Yi-fu Tuan (2005) e Zigmund Bauman (2009) também ressaltam o


paradoxo de as cidades serem vistas como lugares assustadores e associados ao perigo
devido à relação fundacional entre cidade e proteção. Outro paradoxo que se dá é que, à
medida que a cidade obriga à convivência e a definir políticas de integração das
diferenças que frequentemente estão na origem da insegurança e do medo, ela se torna o
único espaço capaz de mitigar verdadeiramente o medo sem renunciar a essa
complexidade. Assim, segundo Bru e Vicente, a cidade é segura não por ser fechada,
mas por ser um lugar de convivência.
Porém, como já foi comentado há alguns parágrafos, o desconhecimento
entre os sujeitos diversos causa desconfiança. Se a isso se unem imaginários
estereotipados e o fomento da sensação de insegurança por meio da amplificação
midiática da criminalidade violenta,3 as suspeitas se multiplicam. Débora Regina
Pastana (2003) aponta que o medo permite compreender algumas relações sociais, já

                                                                                                                       
3
Como afirma Gabriel Kessler, o sentimento de insegurança não é um mero reflexo dos índices de delito:
“em geral aumenta quando se produz um incremento na criminalidade, mas uma vez instalado como
problema social, não necessariamente decresce, ainda que as taxas de delito diminuam” (2014, p. 55). No
mesmo sentido, Marcelo Lopes de Souza (2008) explica que a criminalidade violenta e a sensação de
insegurança não necessariamente mantêm entre si uma relação linear – entre outros fatores, devido a uma
mídia sensacionalista que trata de inchar e distorcer estatísticas.

 
 
82  
 

que é um tipo de exteriorização cultural que intencionalmente ou não muda os valores


de um grupo, aumentando ou diminuindo o grau de coesão entre os indivíduos.
Desse modo, o medo cria novas formas de usar a cidade, mais restritivas e
defensivas, induzindo mudanças na vida cotidiana dos espaços urbanos em razão das
medidas de controle. De um lado, as pessoas são orientadas a ter conduta alerta,
prudente, vigilante, que mesura cada ato com o cuidado necessário para evitar riscos a
sua vida e patrimônio, instituindo mudanças de hábito através das precauções
aprendidas pelos cidadãos para a diminuição da vulnerabilidade. De outro, a
materialização do medo toma distintas expressões com a (re)estruturação do espaço
urbano e a adoção de uma “arquitetura do medo” composta por elementos como muros,
grades, cercas, câmeras, privatização, alarmes e um longo etcétera. A cultura do medo
propaga barreiras de sociabilidade e incrementa a segregação espacial, além de
degenerar as relações sociais em face da desconfiança (ECKERT e ROCHA, 2008).

3.1. O horror não está no horror: Historia del miedo

Historia del miedo estabelece o medo como seu cerne desde o título. Quando
observamos a denominação que o filme recebeu no Brasil (para lembrar, Bem perto de
Buenos Aires), ficam em evidência as conexões que serão estabelecidas entre a
experiência urbana e o medo. Em realidade, a cidade em si, enquanto espaço público,
aparece na produção de maneira fugidia, mais como um grande extracampo, mas são suas
dinâmicas e como estas se refletem no espaço privado que determinam o que ocorre na
narrativa.
Como apontado no segundo capítulo, a sequência de abertura logra
estabelecer, de saída, o espaço como um importante componente da mise en scène.
Também nestas cenas iniciais se institui uma atmosfera de ambiguidade que vai rondar
todo o filme: um estranhamento que vem não apenas do choque visual ao se constatar
como estão tão longe e tão perto aqueles que têm muito daqueles que têm pouco, mas
porque os ocupantes do helicóptero tentam dar uma notícia através de um alto-falante,
como ocorre, geralmente, em filmes apocalípticos nos quais já não se pode mais ter
contato com o que ficou em terra. Devido ao som da hélice, é difícil entender o que é

 
 
83  
 

comunicado, sendo claras poucas palavras como “devem apresentar-se em sete dias”,
“ordem de despejo”, “perseguição e punição”. O ponto de vista do helicóptero se reveza
com as reações dos que estão no chão, que olham assustados e confusos para o alto, mas
não tomam nenhuma atitude. Não se termina de definir se tal situação é inusitada ou
ordinária, como ocorrerá em diversas outras ocasiões: o que é estranho parece corriqueiro,
e o que poderia ser corriqueiro é insólito, desenhando verdadeiros episódios de terror e
estabelecendo o medo.
O country, por exemplo, é apresentado como um lugar de tranquilidade,
bonança e beleza; mostrado sempre com a exuberante luz do dia – com exceção da
sequência final, na qual desembocarão todas as tensões acumuladas até então. Contudo,
essa (aparente) estabilidade sofre um curto-circuito logo nos primeiros planos: seja
através do ruidoso e enigmático helicóptero; seja pela explosão de raiva, e sem sentido,
do garoto com o pai. Os momentos disruptivos vão se encadeando e multiplicando: o
guarda que desaparece da guarita mergulhada na escuridão, a chuva de barro que cai
misteriosamente sobre o carro da segurança. Há, ainda, o lixo queimado que aparece
sem cessar vizinho ao condomínio, e os buracos que se multiplicam na cerca que limita
as moradias.
A preocupação com a cerca partida ultrapassa a necessidade de consertá-la
como uma atividade de manutenção, da mesma forma que o simples recolhimento do lixo.
Esses inconvenientes parecem sugerir algo mais do que uma depredação ou um efeito do
tempo – suspeita reforçada pela recorrência com que se dão: algo se quebra sem que se
possa contê-lo, e algo entranhado (e sujo) jorra pelas fissuras para a superfície. O fogo e
seu aspecto destruidor, difícil de ser contido, agravam a situação, assim como a fumaça
fétida que pode avançar sem obstáculos e adentrar em todo e qualquer lugar, independente
das barreiras que existam, intervindo com seu cheiro desagradável e perturbando a visão.
Carlos, por vezes, parece não compreender o que acontece e, por outras, parece receber
esse mistério como sinal de uma desgraça esperada. O desespero de Mariana a situa
exclusivamente no segundo caso, enquanto os empregados encaram os fatos com
naturalidade e como irremediáveis, seguindo resignadamente com suas atividades. O
formato da cerca como um alambrado, vazado, e o ato de remendá-la sem sucesso,
indefinidamente, alude ao fato de tapar o sol com a peneira e a inevitabilidade daquilo que
os rombos pressagiam.

 
 
84  
 

Quando o alarme de uma casa dispara sem motivo, tem-se mais uma ocasião
de distúrbio nessa cadeia. Tudo começa com um jovem casal que (como se estivesse
perdido no meio de uma estrada isolada) acena por ajuda em uma rua do verdejante
country, enquanto se ouve o insistente ruído. A dupla é tranquilizada pelo guarda que,
ainda assim, é solicitado a averiguar a residência. Enquanto este conversa com o rapaz, o
espectador é levado a participar de uma troca de olhares entre a garota e Pola, quem
aguarda dentro do carro e esquiva a mirada. Este fugaz momento de incômodo parece
indicar uma cumplicidade entre os dois personagens sobre as causas (e futuras
consequências?) daquele evento. Da mesma maneira que Carlos, Mariana e os
empregados se comportam frente à cerca quebrada e ao lixo, Pola e a moça se comportam
frente ao alarme: como se soubessem que se concretiza uma maldição. A persistência do
barulho enfatiza a impotência das pessoas, sensação realçada pela câmera fixa em uma
mise en scène que dispõe os personagens imóveis.4
Esse clima não se restringe ao condomínio fechado e se estende aos outros
lugares da ação: há o elevador que sempre trava no meio do trajeto, a aparição de um
rapaz inicialmente gentil e seu acesso de fúria quando negam sua entrada em um prédio, a
explosão de diversas casas noticiada pela televisão (tragédia que os moradores atribuem a
um meteorito), o garoto que atua de forma estranha ao realizar movimentos de dança
contemporânea na fila de um fast food, o homem-zumbi que surge no meio da estrada ou
as bombinhas e bolas de futebol que ecoam como tiros.
Esses episódios transitam entre o inexplicável, o fantástico e o absolutamente
concreto, situando a narrativa num ambiente de instabilidade que provoca um insistente
medo. Também é fundamental, para a introdução dessa atmosfera assustadora e
desconfortável, a presença de ingredientes típicos de filmes de horror como são os zumbis
e as maldições, além de cenários citados anteriormente como pântanos e estacionamentos
desertos, que aparecem claramente ou diluídos em Historia del miedo.
Segundo Noël Carroll (1999), as obras que se pretendem de horror devem
conter dois componentes fundamentais: provocar na plateia o afeto que empresta nome
ao gênero e possuir monstros que podem ser tanto seres antinaturais, que não pertencem

                                                                                                                       
4
Esse recurso do ruído que se estende no tempo, gerando um estado de angústia por patentear a impotência
dos personagens, é utilizado novamente na cena em que Teresa desmaia durante o trabalho e o aspirador de
pó segue funcionando, acompanhado pelo toque do telefone – ainda como no caso do alarme, com um
volume hiper-realista que aumenta o incômodo das situações.

 
 
85  
 

à realidade física, quanto seres naturais que apresentam algum desvio físico ou
psicológico. Cumprindo com a incerteza que domina o filme, nunca fica nítido quem é o
monstro dessa provável história de horror – e até mesmo se ele realmente existe.5
Pola e Camilo são jovens que se cruzam, rapidamente e de um jeito pouco
claro, no que parece um casting ou a gravação de um documentário promovida pelo
segundo. Apesar da distância de seus cotidianos, eles terminam, cada um por seu lado,
configurando-se como possíveis monstros devido ao mal-estar que parece acometê-los
(ainda que de maneiras diversas) e que contamina àqueles às suas voltas. Desse modo se
constroem tanto como amedrontadores quanto como amedrontados, materializando de
forma rarefeita e ambígua essa emoção da qual o filme propõe contar a história.
Camilo é um elemento de distúrbio por estar sempre fazendo perguntas
desconfortáveis, através das quais escancara e produz estranhamento no que parece
naturalizado, como ao promover o jogo no qual insta os convivas de um jantar a dizer o
que gostariam de ser e de ter. Seus objetivos não são patentes, mas sua presença é
evidentemente perturbadora através, especialmente, de sua fala. Já Pola configura-se
como inquietante por meio de seu permanente silêncio. Ao não externar seu incômodo
verbalmente, como o faz Camilo, sua moléstia é visível no jeito como habita seu corpo,
tomado por um tipo de raiva contida que estala em pequenos gestos e em suas
expressões faciais – como a que ilustra o cartaz do filme, resultado da “cara de louco”
solicitada por Camilo no suposto casting.
Ecoa, nessa “cara de louco”, algo do monstro amedrontador e amedrontado
por excelência: Frankenstein – mais especificamente, o Frankenstein do filme
homônimo de James Whale, realizado em 1931. Como explica Luiz Nazário (1986),
essa versão cinematográfica moldou de forma definitiva para a cultura de massa a
imagem do personagem criado por Mary Shelley. Pola ainda tem em comum com a
caracterização de Boris Karloff as botas enormes (que usa quando está trabalhando), os

                                                                                                                       
5
Carroll (1999) separa de forma muito clara o horror do fantástico. Recuperando a Tzvetan Todorov,
assevera que a vacilação ou hesitação entre explicações sobrenaturais e naturalistas é a marca do
fantástico: os acontecimentos da história devem permanecer ambíguos para o leitor/espectador em relação
a essas explicações rivais; propõem a hipótese sobrenatural, mas deixam em aberto a possibilidade de
uma saída naturalista – diferente do horror, em que a explicação, para Carroll, é sempre sobrenatural.
Entretanto, neste ponto discordo de Carroll e me aproximo mais da visão de horror levantada por Román
Gubern e Joan Prats Carós (1979), que consideram o horror film como um gênero cinematográfico
fantástico-terrorífico no qual são válidas ambas as possibilidades. Como tem sido dito desde o início
sobre Historia del miedo, é justamente o tráfego por inúmeros caminhos que despertam o horror no filme.

 
 
86  
 

ombros caídos e uma palidez que deixa os olhos fundos e cansados, sem contar o queixo
anguloso e a testa achatada.
Jonathan da Rosa, que interpreta o jardineiro, não era cotado para assumir
este papel: havia participado da seleção para o garoto do fast food, que terminou
representado por seu colega da companhia de dança que faz parte do projeto KM29,6
Daniel Leguizamón. Esse personagem pode ser outro monstro (também da seara dos
assustados-assustadores) que o filme nos oferece: além de seu proceder incomum que
deixa todos ao redor alarmados, ele é inserido em um ambiente bastante afim às
histórias de terror que é o parque de diversões (ademais, de beira de estrada).
Após a já analisada sequência do helicóptero, interrompida por um corte
seco de silêncio e pela inserção do título do filme,7 temos um plano fixo que recorta
uma velha montanha-russa e suas minguadas luzes em um entardecer com sua típica
tonalidade lusco-fusco. Uma paisagem sonora de rangidos mecânicos vai emergindo do
silêncio e culmina com uma porção de gritos em off – anúncio de perigo rapidamente
dissipado pela aparição do carrinho, cheio de passageiros, que anda velozmente pelas
curvas do brinquedo. Os gritos ressoam na próxima cena, fazendo com que o novo
ambiente – a lanchonete de fast food – seja reconhecido como parte do parque.
No centro do quadro, um rapaz imóvel, esguio, exerce uma força centrípeta
que magnetiza o olhar em sua direção. A trivialidade da espera em uma tão padronizada
lanchonete, dos ruídos de fliperama e do caixa, do falatório, é alterada por essa figura e
                                                                                                                       
6
Como descrito em seu site (http://grupo.km29.net/), o KM29 é um projeto de pesquisa e criação cênica que
dialoga com diferentes linguagens artísticas na busca pela experimentação e pelo intercâmbio humano.
Ademais, o quilômetro 29 é uma popular parada no caminho que liga a província de Buenos Aires à Capital
Federal, formada por um terminal desprotegido, precário e caótico – sendo, de dia, conexão obrigatória de
milhares de pessoas e, de noite, lugar liberado para a prostituição e a violência. Para o projeto é um
inevitável ponto de encontro, partida e divergência por vincular extremos culturais tão incompatíveis como a
Capital e González Catán, polos onde vivem seus integrantes. O programa de dança do KM29 e a produtora
La Unión de los Ríos realizaram, em 2013, o filme Los posibles, dirigido por Santiago Mitre e Juan Onofri
Barbato, baseado em espetáculo idealizado pelo último. Apesar de a fisicalidade constituir-se como seu
centro, me parece convidativo pensar como Los posibles é mais um filme que se conecta com o corpus da
tese ao deixar entrever questões tocantes à relação de seus personagens/bailarinos com o espaço da cidade
que ocupam – preocupação enunciada desde o nome do grupo. Através de algumas paisagens suburbanas
como a estrada e o conjunto habitacional, e do subsolo do imponente teatro, principal cenário da coreografia
(que fica dividido entre um “em cima” – desabitado, luminoso – e um “embaixo” – em penumbras, mas
cheio de vida e movimento), novos sentidos podem ser construídos. O média-metragem está disponível no
canal da KM29 no Vimeo: https://vimeo.com/99936997.
7
O letreiro Historia del miedo aparece frente à imagem desfocada e escurecida de um muro de tijolos de
concreto sem acabamento. O muro é uma figura de crucial importância tanto neste filme como em vários
outros aqui trabalhados ou apenas citados. Neste caso, quase não se nota sua presença no segundo plano,
mas é perceptível a falta de um ponto de fuga e a consequente impressão de sufocante encerro. É frente a
esse muro que Camilo irá colocar os personagens em suas estranhas entrevistas.

 
 
87  
 

seus movimentos. Até a paisagem sonora local é sobreposta por uma misteriosa música
extradiegética que acompanha a virada de clima.8 Porém, o que poderia ser apenas um
happening toma a dimensão de ameaça: um segurança surge em cena falando e
gesticulando, como se estivesse prestes a caçar um animal – ou um monstro –, e os
presentes se encolhem pelos cantos ou vão embora. O olhar desafiante (do qual a
câmera se atreve a se aproximar) que o garoto lança a Pola – quem corresponde ao ato
sem fugir, ao contrário do que fará adiante no recém-comentado cruzamento com a
moça – é sua atitude mais “agressiva”, já que até sua resistência à investida do guarda é
bastante comedida. Pola, apesar de conseguir encarar firmemente o rapaz, titubeia
quando é solicitado a imobilizá-lo – será medo ou compaixão por esse alguém no qual
ele se reconhece devido ao silêncio e ao vigor físico?
Outros potenciais monstros que atravessam o longa de Naishtat são os cães:
eles entram repentinamente no quadro para cruzar uma rua escura e deserta na qual Pola
anda com sua moto, surgem junto ao lixo queimado acentuando o risco que este
representa (“os cachorros são perigosos”, diz o segurança) ou são protagonistas de um
pesadelo que mais parece um conto de terror. Parentes do lobisomem, esses animais
relembram a presença de uma natureza humana nos monstros e de uma natureza
monstruosa nos homens – hipótese recordada pela mulher, ao contar que o cachorro de
seu sonho “tinha algo estranho em seu olhar: não olhava como cachorro, mas como
humano... Algo perverso”.
Da mesma forma que Camilo se sobressai através de sua voz (enquanto o
jardineiro e o performer da lanchonete se caracterizam pela ausência da mesma), os cães
se fazem notar através dos latidos e uivos que pontuam toda a narrativa. Latidos e uivos
são típicos de filmes de horror – como o são o ruído da serra elétrica, aqui incorporado
no cortador de grama manejado por Pola, ou o grito, expressão do genuíno desespero na
cena final. Naishtat ainda utiliza padrões que, segundo Rodrigo Carreiro (2011), são
recorrentes no gênero: a audição de um ruído inesperado, que provoca o susto (quando
uma bola bate na parede da casa de Teresa e Pola, o impacto do barro no carro do
segurança); o deslocamento no espaço de sons cuja origem é ou pode ser ameaçadora

                                                                                                                       
8
Essa música também irá acompanhar Pola quando ele se encontra andando sozinho de moto pela rua
escura, na imensidão do campo deserto, nos últimos andares do hospital. Sendo o único som extradiegético
de todo o filme, adquire um caráter de comentário fantasioso, além de característico de Pola, incrementando
a natureza misteriosa desse personagem.

 
 
88  
 

(os incomuns grilos e outros bichos que cricrilam na sequência final) e o retardamento
do processo de identificação de um determinado som com o que o origina (os gritos na
montanha-russa, os meninos que imitam macacos, o plano frontal de Camilo paralisado
escutando o interfone).
Todos esses casos são articulados a partir de sons off. Como indica K.J.
Donelly (2005), o deslocamento entre o que ouvimos e vemos cria uma tensão
fundamental que confunde o conhecido e o desconhecido, o que ouvimos e não, o que
pensamos que ouvimos – são quebras em um mundo sincronizado. A sensação de horror
vem de não poder ancorar ou corporificar uma voz ou um ruído. Nesse sentido, é
interessante observar o que diz Bauman:

O medo é mais assustador quando difuso, disperso, indistinto,


desvinculado, desancorado, flutuante, sem endereço nem motivo
claros; quando nos assombra sem que haja uma explicação visível,
quando a ameaça que devemos temer pode ser vislumbrada em toda
parte, mas em lugar algum se pode vê-la. “Medo” é o nome que
damos a nossa incerteza: nossa ignorância da ameaça e do que deve
ser feito – do que pode e do que não pode – para fazê-la parar ou
enfrentá-la, se cessá-la estiver além do nosso alcance (BAUMAN,
2008, p. 08, destacados no original).

Assim, os sons off são emblemáticos nos filmes de horror e cumprem


também papel crucial na construção do suspense. Da mesma maneira, o uso feito por
Historia del miedo do escuro, da sombra e de interferências visuais funciona para o
público como um “parece que...”, incrementando a articulação entre ocultação e
revelação de informação; o nexo entre desvelamento e dissimulação que aciona o
suspense. A informação é indicada e não exposta, o que gera atenção e apreensão do
espectador, o prepara e o coloca no mood, altera e engendra probabilidades (WULFF,
1996).9

                                                                                                                       
9
Em seu livro La peur au cinéma (2006), Emmanuel Siety destaca como a “incompletude” pode ser uma
forte característica dos monstros nos filmes que objetivam causar medo: o plano-detalhe de partes do corpo,
a sombra, a voz sem corpo – cujo grande exemplo recuperado por Siety é O testamento do Dr. Mabuse (Das
testament des Dr. Mabuse, Fritz Lang, 1933) – ou o corpo sem voz – como em Halloween, a noite do terror
(Halloween, John Carpenter, 1977), no qual o assassino está mudo do começo ao fim – fazem com que seja
mais difícil desvendar ou entender aquilo que é ameaçador.

 
 
89  
 

O suspense é um elemento narrativo importante na maior parte das histórias


de horror – mas não é exclusivo do horror e atravessa os gêneros (CARROLL, 1999).10
Além dos recursos já citados, Luiz Nazário considera que o suspense se funda na
manipulação do tempo. Ele explica que:

Existe, tanto dentro como fora do cinema, dois tempos diversos que
atravessam a existência humana: o tempo real, ou seja, o tempo
marcado pela posição do sol, pelos grãos de areia na ampulheta, pelos
ponteiros do relógio, pelo ciclo das estações, pela passagem dos dias,
meses e anos no calendário; e o tempo mental, que se cristalizava nas
nervuras do cérebro em forma de memória ou expectativa, carregado
pelas sensações de esgotamento ou eternidade. Cedo o cinema
descobriu as possibilidades de conflito entre o tempo mental, que
transcorre dentro de nós, e o tempo real, que transcorre fora de nós
(NAZÁRIO, 1986, p. 41, destacados no original).

O autor cita como David W. Griffith descobriu o suspense como um fio de


tempo que pode ser artificialmente esticado, ao se adiar ao máximo a fusão de dois
espaços através da montagem paralela. Já Sergei Eisenstein fabricou o suspense através
da alternância de planos e perspectivas: a ação é fragmentada em diversas imagens-
choque que, somadas, dilatam a duração do tempo – como na famosa (e muito
revisitada) cena da escadaria de Odessa em O encouraçado Potemkin (Bronenosets
Potyomkin, 1925).
Em sua tese de doutorado, Silva (2011) também relaciona intimamente o
suspense e o trabalho com o tempo. Segundo ele, o suspense é a espera dilatada de que
algo, iminente ou tardio, aconteça; é um efeito de sentido que instaura uma suspensão
no continuum da narrativa com o intuito de conduzir o espectador a sofrer,
ansiosamente, por meio da expectativa dos fatos que virão a seguir. Enfim, é a espera do
inesperado. O pesquisador aponta que se pode instaurar o suspense a partir de um único
fato que move a narrativa em um crescendo, fazendo com que o efeito de suspense se
arraste sem produzir variações de impacto (apenas no desenlace final). Inclusive se
podem inserir fatos diversos na construção do suspense para intensificar um impacto
durativo, postulando um suspense criado em camadas.

                                                                                                                       
10
Há diversos trabalhos que consideram o suspense um gênero por si só, como o de Odair José Moreira
da Silva (2011). Apesar de não aderir completamente à proposta de Silva, minhas análises devem muito a
seu estudo.  

 
 
90  
 

Em Historia del miedo, o suspense se constrói através do segundo processo


indicado por Silva. O corte abrupto configura-se como expediente importante,
intervindo nas ações antes que aconteça algo concreto e mantendo um estado de
suspensão. Por meio da parada, a emoção e a angústia se intensificam, fortalecendo o
impacto. Porém, este nunca ocorre – os eventos são interrompidos e nunca retomados,
sendo engolidos por elipses: o ataque de lama ao carro do guarda, a brincadeira/briga
dos meninos maiores contra o menor (após assustá-lo com ruídos no meio do bosque), o
tenso diálogo entre Carlos e o segurança que aparece armado, as intimidadoras
entrevistas de Camilo, a parada súbita do trem onde viajam Teresa e Pola, o pedido
desesperado do garoto para soltarem bombinhas em outro lugar.
Em entrevista a François Truffaut (2009), Alfred Hitchcock explica que o
suspense independe do medo – as emoções são necessárias para o suspense, e uma delas
pode ser o medo. Jean-Louis Comolli, ao falar do medo no cinema (utilizando filmes de
Jacques Tourneur como guias), relaciona-o a estruturas similares àquelas propostas por
Silva na construção do suspense:

O medo encenado pelo que se inventa (se impensa) entre filme e


espectador não tem uma identidade fixa, pode-se dar a ele todos os
nomes de seu sonho. Caso o nome seja dado desde o início – Cat
people, Night of the demon [1942 e 1957, ambos de Jacques Tourneur]
–, a estratégia de narração trabalha para adiar sua verificação. Seja por
frustração da pulsão escópica ou por artimanha do prazer de durar
(relato) oposta ao prazer de “ver” (espetáculo), trata-se de retardar o
aparecimento da coisa-que-aterroriza (Cat people); ou, em um gesto
de uma violência ainda maior (Night of the demon), de recalcar
qualquer visão da coisa assustadora durante toda a duração do filme
(COMOLLI, 2008, p. 65).

O que também coloca o medo como a emoção que domina o filme de


Naishtat é o ubíquo estado de ansiedade no qual estão mergulhados seus personagens.
Segundo Tuan (2005), no medo se distinguem dois componentes: sinal de alarme e
ansiedade. O sinal de alarme é detonado por um evento inesperado cuja resposta
instintiva é enfrentar ou fugir. A ansiedade é uma sensação difusa de medo e pressupõe
uma habilidade de antecipação; pressentimento de perigo quando não existe nada que
justifique o medo e a necessidade de agir é refreada pela ausência de qualquer ameaça.
Como já abordado, os “curiosos” acontecimentos do filme estão frequentemente
relacionados a algo por vir, cabendo aqui lembrar Francis Wolff:

 
 
91  
 

O medo é um sentimento negativo engendrado não por alguma coisa


relacionada ao presente, como a cólera, mas por alguma coisa ligada
ao futuro. Temos medo, por definição, não do que acontece no
presente, mas daquilo que vai acontecer, ou melhor, daquilo que pode
acontecer, daquilo que pode nos acontecer – o medo sempre contém
algo de incerto (...). Ter medo é sentir no momento presente um
desconforto em relação à ideia de que sofrerei – talvez – mais tarde de
algum mal. O medo é um sentimento negativo presente causado pela
ideia de um sentimento negativo futuro ou potencial (WOLFF, 2007,
p. 20, destacados no original).

Enfim, pese a existência de um sistema de “orientação” para a narrativa


através de convenções, fomentado pelos elementos do horror e do suspense, o medo
também vem de como o filme faz com que o espectador perca o controle dessas
estratégias – por exemplo, com a ação dos cortes e das elipses que frustram o suspense,
mas promovem uma aglomeração de episódios malresolvidos que não dissipam a tensão.
Esse acúmulo de momentos tem seu clímax na última sequência, quando
quase todos os personagens estão reunidos em um jantar no country. Uma das presentes
fala sobre o pesadelo com o cachorro, seguida por Edith que descreve a aparição do
homem-zumbi na estrada, e pelo jogo constrangedor proposto por Camilo. Uma queda
de energia deixa um escuro absoluto e a percepção de demora do retorno da luz provoca
agitação, nervosismo e leva à falta de controle das pessoas, ainda que estejam no
condomínio superprotegido.
Estar no escuro é um medo fundamental que desata outros medos.
Conforme Tuan, “a escuridão produz uma sensação de isolamento e de desorientação.
Com a falta de detalhes visuais nítidos e a habilidade de movimentar-se diminuída, a
mente está livre para fazer aparecer por mágica imagens, inclusive de assaltantes e
monstros, com o mais leve indício perceptível” (2005, p. 25). Para Bauman (2008), a
escuridão não constitui a causa do perigo, mas é o hábitat natural da incerteza e,
portanto, do medo – como não é possível ver, o perigo pode estar em qualquer lugar,
dando a sensação de vulnerabilidade. Pablo Giménez Font (2005) afirma que, na noite,
o ser humano se sente mais exposto e vulnerável, já que este é naturalmente um
momento de repouso e quietude no qual as faculdades sensoriais se minimizam,
enquanto se incrementa o poder do imaginário.
Sob as trevas (que enriquecem o jogo que o Historia del miedo trava com o
horror), o final potencializa o frágil equilíbrio entre a normalidade e o estranho que

 
 
92  
 

pontuou todo o filme e endossa o jogo estabelecido com o espectador no qual se


pergunta o que realmente amedronta. Aqui, podemos recorrer mais uma vez a Novaes:

O mundo profano e o desejado declínio das superstições, decorrentes


em grande parte do prestígio da razão, não aboliram o medo.
Paradoxalmente, ao deixar de ser teológico apenas, o medo perdeu
corpo. Ele se torna duplamente temido porque, além de imaginário,
como o medo tradicional, nem mesmo tem nome. Muitas vezes não se
sabe do que se tem medo (NOVAES, 2007, p. 12).

Aqui, é essencial voltar à relevância dos sons off no filme. Retomando o que
já foi inicialmente explorado, as alterações nas rigorosas paisagens sonoras de cada
ambiente (como descrito no capítulo 2) colaboram para a instalação da incerteza e, logo,
do medo – especialmente porque se dão em off. Nunca se vê o que incomoda, que adquire
dimensão fantasmal.
Se um monstro pode ser um fantasma, a cidade é mais um que ronda o longa
de Naishtat. É assim que se dá a presença da cidade: como uma força que age sobre tudo
e todos, sem que se possa defini-la de forma precisa. Por mais que muitos personagens
tentem ignorá-la e se desvincular dela, as origens de muitos mistérios que os assombram
estão na cidade. Imagens do skyline de Buenos Aires são inseridas entre situações,
lembrando que aquele mundo (imenso, como destaca esse tipo de tomada) continua ali
apesar das distâncias que se tomem dele.
Nesse sentido, o calor parece ser outro personagem que cumpre um papel
similar ao da cidade e sua qualidade de fantasma que incide sobre os acontecimentos de
maneira invisível, mas audível, sendo percebido através dos trovões pesados da chuva de
verão e dos sons agudos de bichinhos frequentes desse clima, além de ser verbalizado nos
escassos diálogos – o calor está nas poucas palavras trocadas entre Pola e o segurança, no
diálogo de Teresa com a outra empregada que fica presa no elevador, na causa do mal-
estar de Teresa e tem destaque no pesadelo com o cachorro (“fazia um calor sufocante!”).
Ademais, é o responsável pelas quedas de energia que provocam diversas situações
importantes do filme.
A insistência dos sons off também sinaliza o temor como inscrito no
extracampo: o que ameaça, pressiona e assusta vem de fora – ou da alteridade. De modo
similar, Carroll (1999) indica que a geografia das histórias de horror geralmente situa a
origem dos monstros em lugares fora ou desconhecidos do mundo humano, ou lugares

 
 
93  
 

marginais, ocultos ou abandonados, isto é, pertencentes aos arrabaldes. Sérgio Luiz


Prado Bellei trabalha a monstruosidade “enquanto historicamente associada ao conceito
de fronteira, já que monstros e fronteiras aparecem, via de regra, em íntima associação: o
monstro é aquela criatura que se encontra na ou além da fronteira, mas está sempre e
paradoxalmente próximo e distante (...)” (2000, p. 11). Em seu ensaio, o autor pensa o
monstruoso em termos de sua função histórica de ora demarcar, ora confundir fronteiras e
limites para, em um segundo momento, concentrar a atenção em certos aspectos do
monstro enquanto emblemático de uma alteridade cultural vigorosa, marginalizada e sem
lugar, já que jamais consegue integrar-se completamente ao sistema dominante de
valores. Igualmente, Luís Nogueira (2002) caracteriza os monstros como seres que
entendemos como alteridade, cuja convivência é impossível de ser implementada – a
aproximação só pode se dar por meio da domesticação ou da violência, já que não há
uma linguagem compartilhada, e a impossibilidade de comunicação denuncia a
inexistência de um vínculo de mediação que não a força, reproduzindo o pressuposto de
hostilidade com que o homem parece assinalar toda e qualquer diferença.
Desse modo, um monstro também pode ser o outro que se desconhece e do
qual se desconfia, e a exígua interação entre os personagens e dos mesmos com o meio
gera desconhecimento e desconfiança. As gélidas relações que se estabelecem são
cingidas por uma violência que raras vezes se concreta fisicamente, mas que se faz
presente em palavras, meneios e olhares. Finalmente, muitos dos eventos que descrevi
estão relacionados, de alguma forma, ao temor da invasão, psicológica ou social,
moldando um medo que parece exprimir a dificuldade em lidar com um outro, em
compartilhar um espaço.11
Conforme analisa Carroll (1999), o objeto do horror é aquilo que nossos
esquemas conceituais excluem – o quid das tramas está em mostrar que há mais coisas
no céu e na terra que as que nossos marcos conceituais vigentes reconhecem. No caso
de Historia del miedo, esses marcos são os muros, as portas, as cercas, os portões e
tudo e todos que estão além deles são dignos de desconfiança – e de medo. Nesse
sentido, vale para o filme de Naishtat o comentário que Kim Wilheim Dória faz sobre
Trabalhar cansa:

                                                                                                                       
11
Nesse sentido, é importante ter em mente o que foi dito sobre os deslocamentos dos personagens do filme
no capítulo anterior.

 
 
94  
 

Em uma obra marcada por assombrações e criaturas sobrenaturais, o


horror não está no horror [como formulado por Júlio Bressane no
curta-metragem Horror palace hotel, de Jairo Ferreira, 1978], mas
nas passagens apresentadas entre as sequências marcadas pelo
insólito: no cotidiano e na normalidade. (...) É a partir da crítica da
naturalização do horror que o filme opera sua maior originalidade
(DÓRIA, 2014, p. 782).

3.2. A cidade partida: Una semana solos

Apesar da forte presença de elementos comuns ligados ao medo (como os


muros, as cercas, os portões e a suspeita daquilo que vem de fora) em Bem perto de
Buenos Aires e em Una semana solos, esse estado emocional atravessa ambos os
filmes de maneiras bastante distintas. Na obra de Murga, o medo atua de forma mais
difusa; algo que os personagens portam e que faz parte de suas vivências, mas que
eles mesmos, enquanto crianças e adolescentes, estão em processo de reproduzir,
entender, apropriar-se definitivamente disso e do que isso pode significar em suas
vidas em sociedade.
Una semana solos aborda a virada para o privado e a construção do
imaginário que anula o outro como semelhante. Esse desligamento do country do
restante da cidade e de seus habitantes daqueles que vêm de “fora” se dá de diversas
formas durante o filme, como a silenciosa paisagem sonora (e sua perturbação pelos
sons off) e o verde vibrante desse espaço versus o cinza duro do “outro” lado, além da já
citada localização exclusiva do relato no bairro fechado.
Na sequência de abertura, um ruído grave, ominoso, acompanha, de modo
bastante discreto, os créditos que rolam sobre a tela preta, dando um caráter um tanto
amedrontador e misterioso à atmosfera – mesma função exercida pelo ruído do
helicóptero no filme de Naishtat. Aos poucos, vão se somando os ruídos de passarinhos,
água e grilos. A primeira imagem após os créditos é um plano fixo de uma lagoa vazia,
ao entardecer. A água é cercada por mato na extremidade mais próxima à câmera, e
árvores bastante altas formam como paredes laterais. É um lugar ao ar livre, mas as
plantas que o cercam e a luz de fim de tarde o transformam em um ambiente bastante
claustrofóbico, sem a possibilidade de vislumbrar o horizonte ou o que está além
daquele cenário. Os ruídos de passarinhos, água e grilos se sobrepõem definitivamente

 
 
95  
 

sobre o som grave, que desaparece, e surgem, em off, risadas de crianças. Nas próximas
cenas, veremos María correndo por um campo, olhando para a câmera de maneira
afetuosa, como quem espera por alguém: um garoto que aparece no final da sequência
(seu primo Fernando). A sensação de claustrofobia desaparece e a cena é iluminada,
incluindo alguns raios de sol à contraluz que dão um aspecto romântico, adiantando o
frágil flerte que se dará entre eles. Porém, ao invés de correr plenamente neste espaço,
os vemos dar voltas, correr em círculos.
Enquanto em Historia del miedo a ambiguidade entre o provável e o
improvável rondava as situações, fundando o caráter obscuro e atemorizante do filme,
em Una semana solos a montagem vai se ocupar de forjar uma energia
desestabilizadora ao repetir o padrão da primeira sequência: cenas coloridas, com muito
verde, de plena felicidade, articuladas com cenas onde há algo destoante – ou um
conflito, na maioria das vezes subjacente, seja devido às contendas entre as crianças,
entre María e Fernando, seja pela presença de Juan. Não faz falta uma crise profunda
nem uma eclosão dramática para evidenciar que há dois mundos em choque, e os
enfrentamentos se dissolvem em um jogo intermitente de crueldade e ternura, aceitação
e transgressão da norma, aceitação e boicote ao que está fora da norma.
Esses conflitos se desenvolvem mais através de gestos e de olhares que de
palavras. Quando se fala, o que não deve ser ouvido é ouvido (como a conversa de
Facundo com a mãe, na qual o garoto pede a partida de Juan, quem escuta tudo); ou as
perguntas são respondidas de forma evasiva (quando María não quer se estender nas
curiosidades da prima mais nova, ou na reveladora situação em que Juan contesta o
regulamento). A pequena Sofía é a única que insiste na comunicação e que está sempre
disposta a ouvir, especialmente em sua relação com Esther e Juan. É uma personagem
solitária e singular que resiste em apreender alguns comportamentos sem se
questionar.12 Seu interesse por música permite que ela deixe os ouvidos abertos e
perceba as diversas tensões que a rodeiam, ainda que não as compreenda
completamente.
É também através de uma música que temos um indício forte e, ao mesmo
tempo, quase subliminar da ligeira percepção que Sofía tem dos eventos: Invisible
                                                                                                                       
12
Além dessa predisposição para dialogar, outro pequeno aspecto consolida seu distanciamento das outras
crianças: o fato de Sofía gostar que María deixe o cabelo solto. Os únicos que concordam com Sofía e o
expressam, através de frases muito similares (“te queda lindo el pelo suelto”), são Esther e Juan.

 
 
96  
 

(per te), cantada em italiano pela garota, foi composta para o filme e, apesar de se
tratar de uma canção de amor, reflete a dinâmica que as crianças viveram com a
chegada de Juan: “Escuta, meu menino / não conhecerei o destino / quantas coisas não
sabe de mim / quantas coisas não sei de ti / essa pessoa não é você (...). / Invisível, eu
sou invisível pra você / eu sou invisível / eu sou invisível. / Invisível, meu coração é
invisível pra você / meu coração é invisível pra você (...)”. E o último estribilho
adianta o desfecho do filme: “Que mal você faz, / termina aqui, / termina aqui (...) /
Adeus, amor / tchau tchau”.
Nesse espaço diegético, a composição da trilha sonora se ancora no silêncio.
Além dos ruídos de passarinhos e grilos típicos de uma tranquila paisagem campestre
(como na apresentação do country de Historia del miedo), estão presentes quaisquer
pequenos sons produzidos pelos personagens dentro das casas: desde a colherzinha que
bate na borda da xícara até os passos de cada um, em uma construção bastante detalhista
que chama a atenção para a exclusividade daquele local tão cercado de silêncio no qual
se pode ouvir qualquer pequeno movimento. Esse silêncio se configura como mais uma
das benesses dos moradores do country, como notamos quando um dos garotos pergunta
ao colega que vive na cidade: “En Capital, ¿cómo hacés para dormir con tanto ruido?
Yo nunca viviría en Capital... por el ruido”. Além da inexistência de típicos ruídos
urbanos, as crianças falam da cidade de Buenos Aires (duas vezes durante todo o filme)
de modo extremamente distanciado, como se aquela não fosse a cidade onde vivem,
mas um lugar exótico e incompreensível. Assim, o “fora”, tudo que ultrapassa os limites
do bairro fechado é apenas uma referência no discurso, uma realidade longínqua.
Por outro lado, esse insistente silêncio é o reverso do que se poderia imaginar
ao se referir a um grupo de crianças que estão sozinhas, denotando uma espécie de enfado
que nem a “liberdade irrestrita” – uma das facetas mais publicitadas dos countries –
consegue empolgar. Ainda que o local seja enorme e repleto de natureza, ele se configura
como o único mundo conhecido pelas crianças – que só saem desse espaço para
frequentar uma escola também fortificada, dado corroborado pela afirmação de María de
que foi à Capital apenas duas vezes –, o que justifica esse fastio. Desse modo, o silêncio
que domina no country se configura tanto como mais um dos privilégios de seus
moradores como uma expressão de inquietante tédio no cotidiano dos personagens.

 
 
97  
 

Enquanto o “fora” é apenas uma referência e uma realidade apartada no


discurso dos personagens, o mundo que continua detrás dos muros se manifesta por
meio dos sons off. Dessa maneira, a cidade da qual os countries pretendem se apartar
“invade” esse espaço por meio dos off, como já acontecia em Historia del miedo – o
fora de campo é uma ausência presente que inquieta, insiste e irrompe no devir das
ações do espaço visível através dos sons.
Sarah Nadin Castrian (2012) propõe a divisão de Una semana solos em
quatro partes: a primeira, com a apresentação dos personagens e o cotidiano sozinhos; a
segunda seria caracterizada pela chegada de Juan e a mudança que isso implica; a
terceira se daria com o momento de catarse na destruição da casa vizinha; e a última
com a reflexão e a busca de compreensão dos acontecimentos (o que leva a autora a
pensar o filme como um relato de aprendizagem). Essa estrutura proposta por Castrian
corresponde à organização dos sons off que povoam a produção, pelo menos nas duas
porções iniciais: a primeira parte está quase ausente deles, que se manifestam,
especialmente, a partir da chegada de Juan. Sua participação no cotidiano das crianças
devém em tensão a cada plano. Os telefones começam a tocar em quase todas as casas
em que entram e é possível ouvir os carros passando violentamente pela estrada ao se
aproximar do “muro” de plantas. A paisagem sonora ganha densidade, expondo a
irrupção de algo estranho e o desconforto que este causa.
Isso porque Juan é como um objeto não identificado em um ambiente em
que deve predominar o previsível. Enquanto Esther e os guardas ocupam um lugar e um
rol bastante específicos, Juan escapa às categorias existentes e que conformam o que
Svampa denomina controle da diferença, “por meio do qual, no interior de um espaço
privado, impõe-se como regra permanente a exibição de papéis e posições como
mecanismo de cristalização das diferenças” (2008, p. 217).

(...) é aqui onde parece realizar-se o sonho da comunidade homogênea


e transparente, na qual os outros não parecem captados como pessoas
mas, sobretudo, como categorias sociais (por exemplo, o pobre, a
empregada). Entretanto, como veremos, esta tendência à
“categorização” é um elemento intrínseco ao modelo de organização
social que as urbanizações privadas propõem: a vantagem com relação
ao mundo “de fora” é sua radical transparência. De maneira
inequívoca, no country ou no bairro privado cada pessoa tem um lugar
preestabelecido, que se corresponde com sua função social
(SVAMPA, 2008, p. 69).

 
 
98  
 

Juan fissura esse universo linear e dicotômico povoado mais por categorias
que por indivíduos, já que não se encaixa em nenhuma função conhecida, trabalha
enquanto “deveria” estudar ou ignora regras que aparentam ser óbvias e universais.
Mediante esse personagem, o filme aborda a inevitável tensão irresoluta entre
estamentos sociais que não têm pontos de encontro reais no espaço social que a vida
urbana oferece.13
A televisão parece ser o único ponto de contato possível entre Juan e os
outros personagens: ao estar reunidos frente ao aparelho, dá-se uma situação ímpar de
distensão junto ao “convidado indesejado” que, ademais, conserva o poder do controle
remoto sem que ninguém se incomode. A tevê também é bastante presente através do
off, indicando sua centralidade no cotidiano das crianças e intervindo no predominante
silêncio. Pelos créditos, descobrimos que ouvimos, por meio dela, trechos de filmes
argentinos que têm a cidade como personagem importante e que já citei no capítulo 1:
Moebius, Mala época e Sábado, mais a animação Mercano, el marciano (Juan Antín,
2002). Todos eles tematizam o cruzamento de situações proporcionado pelo “caos”
urbano, que termina se infiltrando na casa com a emissão televisiva.
Além disso, no filme, vemos uma repetição de procedimentos para a
regulação da entrada de pessoas em todos os lugares: a porta da escola reproduz a
movimentação da porta do condomínio; no interior da casa, o aposento dos adultos fica
trancado enquanto eles viajam; e María impede as pessoas de acessarem seu quarto. É o
som da televisão que faz a ligação entre os ambientes da casa, sendo que, muitas vezes,
os habitantes preferem refugiar-se cada um em seu quarto, mesmo que assistam aos
mesmos programas – por exemplo, quando Sofía e Esther, na dependência da
empregada, veem a mesma novela que María, que havia expulsado a prima.
Numa das raras incursões fora do condomínio, a saída da escola é tomada
através de um plano fixo que capta, em um plano-sequência, a coreografia dos
personagens nesse espaço. Essa breve cena que se desenvolve em tempo real não mostra
apenas um “capítulo” do namorico de María e Fernando ou os típicos cochichos,
paqueras e conversas que se dão na porta de qualquer escola, mas revela outro espaço

                                                                                                                       
13
Ademais, a desconstrução do conceito de semelhante é, para Mirta Antonelli, a primeira consequência da
década menemista (1989-1999). Segundo a autora, é um “processo que, sob novas e múltiplas modalidades,
fratura toda possibilidade de laço como forma de sociedade; formas descarnadas de concorrência e de
coisificação do outro terminaram de se consolidar” (ANTONELLI, 2007 apud RASO, 2010, p. 32).

 
 
99  
 

vivenciado pelos adolescentes. Porém, os altos muros (feitos de grandes blocos de


pedras que lembram os muros de grandes estruturas medievais), o portão que se abre
mediante a concessão de um guarda, um segundo guarda que faz o controle do lado de
fora: tudo copia a dinâmica que observamos na entrada do country, não havendo
nenhuma diferença entre ambos os lugares. O grupo sai da fortaleza que é a escola,
entra em uma van e ingressa em outra fortaleza representada pelo country, assim como
o caminho contrário: todos estão sempre fechados em um desses lugares.
De dentro da van, avista-se uma favela. Tal plano parece denotar o ponto de
vista de María, que olha pela janela. Seu olhar é de indiferença, não movendo sua
atenção ou expressão – pensamos ser o caminho realizado pelo veículo todos os dias, o
que pode despertar essa apatia. Contudo, é notável o descompasso entre os ambientes
vividos e os ambientes que estão do outro lado do vidro. A pequena fração de favela,
recortada pela janela, estende-se para o fora de campo; fora de campo que não faz parte
da vida dos personagens mas que, mesmo de forma breve e a distância, se manifesta
diariamente diante de seus olhos.
O exterior do country chega a ser realmente ocupado apenas por Juan.
Primeiro, está a passarela que ele atravessa, chegando de viagem de Entre Ríos. Ao
contrário do ambiente verde e silencioso mostrado até então, geralmente com planos
abertos e movimentos fluídos, a câmera está bem próxima da nuca do personagem,
enquanto ele caminha nessa passarela completamente fechada, cercada por um
alambrado, e cujo ponto de chegada parece afunilar-se, causando uma sensação de
encerro – uma claustrofobia que nos remete ao primeiro plano, apesar dos ambientes
serem completamente diferentes. Escutamos os carros passando com velocidade e certa
violência abaixo da passarela, e os tons cinza dominam a cena. Juan chega caminhando
à portaria, no mesmo momento da van escolar. Uma rápida panorâmica dá conta de
estabelecer um contraste entre a estrada cinza, o acostamento cheio de terra e mato
(onde caminha Juan) e a imponência da entrada do country. Todavia, a presença de
inúmeras cancelas e um guarda, caminhando por uma ponte acima do portão, com uma
metralhadora na mão, gera um estranhamento quanto a esse lugar: parece-se mais à
entrada de uma prisão que de um conjunto de residências. Quando Juan conversa com o
guarda através das grades, ele parece se encontrar, realmente, dentro de uma cela, com a
paisagem cinza a suas costas. E ele está preso: do lado de fora. A “saga” do garoto para

 
 
100  
 

entrar no condomínio nos é dada através de uma montagem com muitas elipses,
denotando o longo intervalo de tempo que teve de aguardar.
Ao ingressar na casa que reúne os personagens, novamente temos a câmera
seguindo Juan muito próxima a sua nuca, e as plantas que conformam o corredor de
entrada “comprimem” o caminho que ele trilha, como já havia ocorrido na passarela.
Adiante, quando invadem a última casa e alguém pergunta por Juan, as respostas que
surgem são: “Com certeza está roubando”, “Com certeza!”. Juan é previamente culpado,
e essa maneira de mostrá-lo sempre “acossado”, com a câmera à espreita, parece indicar
que ele deve ser vigiado de perto, pois é sempre um suspeito. Como não se sabe quem é
Juan, lança-se mão da associação entre o desconhecido e o perigo.
Juan está ciente da distância que o separa das outras crianças. Porém,
apesar de bastante reservado, ele não perde a oportunidade de ocupar os espaços:
entra na piscina da casa, os acompanha na piscina do country, diz que eles mesmos
podem preparar o Nesquick, enfrenta María na porta do banheiro e questiona o
regulamento. Enquanto Juan se afirma por meio de seu corpo e de sua voz, os
empregados têm suas individualidades claramente negadas – especialmente os
guardas, que são apresentados sempre de costas, falando em off, ou ao longe, de
perfil. São pessoas sem rosto, pois seus rostos não importam, apenas o uniforme que
os enquadra em uma função, e o discurso decorado que eles repetem.14 Esther,
devido ao convívio mais íntimo, é chamada pelo nome e aparece em cena, ainda que
seja de forma sempre fugaz, com o corpo fragmentado e em movimento, realizando
alguma de suas tarefas. Em um dos poucos momentos que a vemos de maneira mais
plena, ela canta, mas o faz em frente à pia cheia de louça, como para que não
esqueçamos seu verdadeiro papel. Ou, ainda, quando faz algo solicitado pelas
crianças, como em suas interações com Sofía.
Essa resistência de Juan em não agir com resignação frente àqueles que
querem impor-lhe um lugar (tanto social quanto geográfico – afinal, ambos se
correspondem) me faz pensar nele como uma versão soft da personagem Jéssica de
Que horas ela volta? (Anna Muylaert, 2015). O conflito do filme brasileiro também é

                                                                                                                       
14
Enquanto os guardas possuem “voz”, mas não “imagem”, a favela que é vista através do vidro da van é
imagem, mas não possui som, anulado pelos vidros fechados e pelo ruído do motor. Ao não mostrá-los
integra(l)mente, revela-se a pouca importância que lhes é dada naquele universo, apesar de suas
onipresenças.

 
 
101  
 

centrado no espaço: uma mansão em São Paulo, na qual trabalha como doméstica
cama adentro a mãe de Jéssica, Val. Como observa Cezar Migliorin (2015), a jovem
do filme de Muylaert perturba a ordem da casa em diversas esferas e traz para esse
ambiente um subversivo princípio de igualdade: o que ela reivindica não é nada
substancialmente material, mas pedaços de um modo de vida. Assim como Jéssica,
Juan (ainda que de forma mais branda) não espera o convite, altera a distribuição dos
direitos da casa-grande e rompe barreiras usufruindo tudo que as crianças do country
usufruem.
A piscina é um dos mais marcantes ícones da classe alta que termina por ser
apropriado por Jéssica e por Juan.15 Como se tratando de um jogo de forças, também é à
beira da piscina que sucede uma das mais claras manifestações de exclusão em Una
semana solos: quando Juan fica de fora da distribuição de refrigerantes feita por
Facundo. E é ainda nessa sequência que se dá um dos mais perturbadores diálogos de
surdos do filme, na ocasião em que Juan contesta o regulamento, e os meninos não
sabem responder “o que não se pode fazer”. Eles são evasivos e respondem coisas como
“aqui há um regulamento, não se pode fazer o que quiser”, e repetem: “não se pode
fazer o que não se pode fazer”. Eles mesmos não sabem quais são as regras e o que não
se pode fazer – porque, na verdade, eles podem fazer “tudo”. As tão exaltadas regras
que se impõem são frágeis, mudadas segundo a conveniência dos patrões: o dia da
milanesa, a entrada no country.16
Aqui se consolida (mas de maneira tortuosa) outra das facetas mais
publicitadas dos condomínios fechados: a tal liberdade sem limites. Não há nada nem
ninguém para conter ou orientar as crianças. Os pais estão acessíveis apenas pelo
telefone e se destacam por sua ausência – nem suas vozes, ainda que em off, ainda que
filtradas pela ligação, podem ser ouvidas. Mesmo que estejam também as figuras
adultas de Esther e dos guardas, estas não exercem nenhum comando e são apenas

                                                                                                                       
15
É interessante lembrar também de outros filmes brasileiros recentes nos quais a piscina é um elemento
recorrente enquanto símbolo de status (e, ao mesmo tempo, de sua perda): O som ao redor e Casa grande
(Fellipe Barbosa, 2014).
16
Aqui vale lembrar a Marta Muñoz Aunión (2013), que explica que a reclusão da classe média/alta urbana
em comunidades blindadas responderia, também, à necessidade de criar espaços nos quais a governabilidade
não só esteja garantida, mas possa ser controlada, orientada e adaptada segundo os requerimentos
apresentados pela mutável dinâmica urbana. Seguindo a Sonia Roitman, Muñoz Aunión destaca que, sendo
a privatização do espaço urbano uma marca distintiva dessa forma de ocupação do território, engendra-se
um novo estilo de governabilidade e novas formas de controle da vida cotidiana, já não mais a partir do
Estado, mas a partir dos próprios indivíduos.

 
 
102  
 

coadjuvantes.17 Uma tênue autoridade se esboça naquela que parece a mais velha do
grupo, María. Ela sempre está se movendo entre dois polos: a infância e a idade adulta,
a proximidade e a distância (tanto de Juan quanto dos próprios familiares), a justiça e a
injustiça. Seu comportamento oscila entre o zelo e a preocupação pelo bem-estar de
todos, a conveniência que extrai do poder que exerce, e o cansaço que esse poder
também ativa (permitindo-se perder o controle e se comportando como uma criança).
María igualmente tem um papel de liderança durante as invasões, acalmando
discussões e ordenando o tempo que devem permanecer; é também quem dá o start para a
devastação da última casa. María estimula Fernando a entrar na primeira casa com ela,
quando diz ao primo: “tentou abrir? Vamos, tente!”. Já aí dentro, eles circulam à vontade
por seus interiores, sem receio de serem vistos, apesar das paredes de vidro. Ao entrarem,
o ranger da porta é estendido: não obstante a tranquilidade de ambos, o gemido insistente
da porta perturba o ambiente e sugere a “ilegalidade” do ato – inocente, mas que não
perde a oportunidade de roubar um carrinho alheio (especialmente depois de ver os
retratos e concluir que a residência não pertence a conhecidos). Essa ação fugidia bem no
início do filme vai ecoar em diversos momentos, expondo as contradições daqueles que
acusam, levianamente, a Juan. Na sequência seguinte, descobrimos que outra coisa foi
furtada: uma chave para abrir a porta da bomba da piscina da casa de María. Saber o
sentido da invasão dá leveza à mesma, justificada pela busca de um objeto simples, sem
valor, para que eles pudessem brincar na piscina.
A segunda invasão gera uma dúvida quanto a tal ato: entrar nas casas alheias
é habitual ou algo que se inaugurou na busca da chave para a piscina? Eles possuem
gestos codificados sobre como agir, ressignificando a impressão de inocência gerada
anteriormente. Apesar da segurança de María e dos movimentos ensaiados de todos, é
possível identificar que não sabem bem o que fazer, nem o prazer daquilo, estendendo o
tempo (“só mais um minuto”) na esperança de terem alguma ideia ou que a atividade

                                                                                                                       
17
Durante a incursão em outra casa, da qual participam apenas alguns dos meninos, um guarda finalmente
os questiona. Como sabiam quem era o proprietário da residência, os personagens logram escapar de um
problema. No diálogo que se trava com o segurança, a admirável convicção ao contar a mentira decorre da
confiança dos garotos de que pouco será feito para desmascará-los ou castigá-los. Como diz Rodrigo: “o que
os copi copi [apelido recebido pelos guardas que supervisionam o country em carrinhos] vão fazer, se são
todos empregados?”. Junta-se a tal confiança uma pitada de indiferença que desarma qualquer tentativa do
guarda de seguir contestando-os (afinal, o conflito já está resolvido de antemão). Todas as interações entre
os guardas e as crianças seguirão um roteiro parecido, no qual as atitudes das segundas oscilarão entre a
cordialidade e a demonstração de poder, como quando María ignora o conteúdo de uma denúncia ao se fixar
na equivocada conjugação verbal do funcionário ou através do suborno no caso da residência destruída.

 
 
103  
 

finalmente resulte atraente. Por vezes, parece ser “cumprir tabela” da necessária
transgressão adolescente – neste caso, estimulada mais pelo tédio que por qualquer
outra coisa (sendo que a invasão tampouco reverte esse quadro). Da mesma maneira que
na casa de vidro, não se importam em serem descobertos: ligam uma profusão de sons
altos (várias televisões, aparelhos de música), quando já é noite. Por outro lado, são
orientados por María a arrumar tudo antes de sair.
Na última residência “visitada”, logo de entrada há um elemento inusitado e
que modifica a aura da incursão: a falta de luz. Estar no escuro descerra alguns impulsos
que vinham se encastelando em Historia del miedo, e não é diferente em Una semana
solos. Porém, enquanto no primeiro o medo domina a situação, no segundo a explosão
que toma conta dos personagens parece ser uma maneira de exorcizá-lo. Se Sofía rejeita
ser parte dessa festa às avessas, Juan a vê como uma oportunidade de finalmente
compartilhar algo com aqueles que o têm rejeitado – sem se dar conta que o
acolhimento repentino do grupo estava ligado à sua transformação em testa de ferro, e
não à sua aceitação genuína.
Se Juan só existe e importa face à possibilidade de sua instrumentalização,
as atitudes de invasão e de destruição das propriedades vizinhas indicam como os
moradores das casas vandalizadas, iguais, tampouco importam e também são ignorados.
Da mesma forma, não existe preocupação com a segurança dos demais quando andam
de carro em alta velocidade. Assim, ainda que o garoto de Entre Ríos seja quem
desperte reações mais frontais que geram situações inéditas de encontros e
desencontros, o individualismo está arraigado nos personagens. Esse comportamento
corresponde às observações de Bauman (2003) de como a fuga do público reverte-se à
busca pelo individual. Ao passo que os espaços de interação são reduzidos, as
liberdades individuais se expandem, e as comunidades se dissolvem em nome da
individualidade. Nem a comunidade forjada pela identidade country consegue resistir,
pelo menos em Una semana solos.
E aqui discordo de Castrian em sua avaliação do filme como um conto de
aprendizagem, cuja efetivação se dá na sequência final. Apesar de, pela primeira vez, a
câmera se prostrar de frente para os garotos, num ato de impugnação inédito para eles, a
resposta que se recebe não é nada inédita com a imputação da culpa a Juan. A reação de
María tampouco é novidade e condiz com seu comportamento até então de trânsito entre

 
 
104  
 

duas posições: a verdade e a mentira, o domínio e a servidão. E Sofía também cumpre


com o esperado ao, mais uma vez, buscar (re)integrar Juan. A união em torno da mesa
se dá com o mesmo incômodo, silêncio e distância – nenhum laço é feito ou refeito, e os
mundos continuam em choque.

3.3. Casa tomada: El hombre de al lado

Hugo Hortiguera (2014) nota que a situação de deterioração ou lassidão dos


laços sociais é, talvez, um dos elementos que mais significativa e insistentemente vem
se projetando no discurso cinematográfico argentino da última década. Primeiro, o autor
localiza como os filmes de Pablo Trapero, Adrián Caetano ou Marcelo Piñeyro
coincidem em falar sobre as fragmentações do espaço urbano, ao mesmo tempo em que
aludem a âmbitos que deveriam ser refeitos ou reinventados, para que se possa
reconstruir um lugar de encontro que hoje é de profunda disputa. Para esses diretores, os
espaços urbanos têm perdido seu status como lugares de comunicação cultural e de
interação social espontânea, se transformando em territórios partidos, de crises
contínuas e cheios de fendas.
Em seguida, Hortiguera percebe, em conexão com o que dizia Gamberini,
que um dos aspectos mais chamativos da cinematografia argentina nesse período radica
na fuga da cidade. Convocando XXY (Lucía Puenzo, 2007), El último verano de la
boyita (Julia Solomonoff, 2009), Las viudas de los jueves e Dois irmãos (Dos
hermanos, Daniel Burman, 2010), o autor observa como seus personagens abandonam a
esfera urbana (Buenos Aires, especialmente) para se instalar de costas a ela, buscando
um lugar bucólico ou quimérico. Não obstante, os conflitos alcançam esses supostos
paraísos. Em muitos casos, percebe-se um recolhimento quase de forma autista e
obsessiva na casa que aparece nos filmes como o último refúgio onde se proteger e
escapar. Mas os conflitos também alcançam essa zona íntima: uma divisão parece ter
possuído os espaços mais recônditos, e neles se instalou uma fissura que os converteu
em lugares instáveis e inseguros (HORTIGUERA, 2014). Outros exemplos citados pelo
pesquisador são Cama adentro (Jorge Gaggero, 2004), Clube da lua, ¿Quién dice que es

 
 
105  
 

fácil? (Juan Taratuto, 2007), Sétimo (Séptimo, Patxi Amezcua), Una semana solos e,
especialmente, El hombre de al lado.
Hortiguera (2013, 2015) dedica vários textos ao filme de Duprat e Cohn
devido à maneira contundente com que o longa toca a questão da casa como espaço
íntimo fraturado, onde se torna impossível manejar conflitos. A dissolução dos laços
sociais que revela um tecido de desconfianças atinge a casa que deixa de ser o lugar que
provê proteção e sentido a seus habitantes para se transformar em mais um espaço
instável e em permanente discórdia dentro da cidade.
El hombre de al lado constata e desdobra um problema de comunicação e
negociação na diferença que provoca uma mudança radical na forma de morar na Casa
Curutchet: as vozes discordantes de Leonardo e Víctor passam o filme buscando meios
de acomodação, e esses personagens são construídos a partir de suas oposições – e
também de suas complementaridades. O enfrentamento dessas personalidades e de suas
posições é bosquejado já na primeira sequência: o filme se inicia com a tela negra e os
créditos, enquanto ouvimos o canto de passarinhos, sugerindo um lugar calmo e
bucólico. Logo, a tela passa a ser dividida ao meio – de um lado, branca; de outro,
cinza. Essa transição da tela negra à tela dividida é acompanhada pelo som da passagem
de um carro em alta velocidade que buzina, ressignificando nossas impressões sobre o
local da ação. Ouvimos também um cachorro latir, o que reforça essa sensação, já que
vai se instaurando uma sutil poluição sonora. Ao fim dos créditos, surge uma marreta
que começa a quebrar a parte cinza da tela, que então descobrimos ser uma parede – e
cada lado da tela é uma face da parede. Não vemos quem detém a marreta, apenas os
golpes. Conforme a marreta avança em seu trabalho, o lado branco vai se rachando, até
que se abre um buraco, através do qual os dois lados se conectam. Nesse momento,
podemos notar que a parede cinza não era pintada dessa cor, mas era escura pela falta de
luz no ambiente.
Em seguida, conhecemos Leonardo: em um close up (que sugere a íntima
relação que a câmera terá com esse personagem), o vemos acordar devido ao som das
marretadas. Ele se levanta e continua sendo acompanhado de perto pela câmera que,
assim, faz seu primeiro recorrido na casa pelas mãos de seu anfitrião, enquanto este
busca a origem dos ruídos. A proliferação do branco nesse espaço nos leva a intuir que
Leonardo está do lado “iluminado” da tela dividida. Após um breve passeio, ele verifica

 
 
106  
 

que estão abrindo um buraco na parede que dá para a janela de sua casa e grita
agressivamente com o operário que faz o serviço.
Nessa primeira aparição, Leonardo nos é apresentado como autoritário e
mal-educado, perfil reforçado por sua fala desdenhosa ao olhar para o buraco: “que país
feo, la puta madre!”. Porém, logo depois, teremos outras informações sobre o
personagem, enquanto ele cria um site pessoal: arquiteto e designer importante que
ganhou prêmios internacionais, seus produtos são sucesso de venda no mundo todo (o
site deve ter vários idiomas: espanhol, inglês, francês, italiano, alemão, japonês e
chinês), é culto (enfatiza a importância do chinês em sintonia com as tendências
contemporâneas) e conhece várias línguas (corrige a ortografia em outros idiomas e faz
ligações internacionais). Quando a câmera deixa a tela do computador para mostrar a
situação na qual Leonardo dá instruções ao webdesigner, vemos essa sofisticação na
composição do ambiente, confirmação de sua genialidade profissional que será
enfatizada, durante todo o filme, através da alternância entre planos gerais e primeiros
planos e da exibição dos cômodos da Curutchet a partir de variados ângulos,
demarcando o protagonista e o espaço minimalista e ordenado da casa, frente a um
exterior vegetal belo e tranquilo. Assim, Leonardo e a casa onde vive são emblemas do
design, da excelência e do bom gosto.
Entretanto, a arrogância e a crispação do arquiteto na primeira cena vão
ecoar em diversos momentos, contrariando e poluindo seu perfil virtuoso: ele repete
com o tio de Víctor a postura ofensiva que havia tido com o pedreiro, interrompe sem
motivo uma entrevista para a televisão, destrata seus alunos. Quando busca reconhecer
alguma qualidade no outro, sempre o faz de maneira irônica, de modo a inferiorizá-lo,
como ao considerar a saída com Víctor uma experiência antropológica.
A vivência na Curutchet também vai apresentar desajustes, reforçando a
hipótese de que Leonardo e sua casa funcionam como reflexos um do outro. Por um
lado, dá-se uma deterioração das relações familiares: no começo do filme, Lola brinca
nas rampas de entrada da casa e se deixa ser acariciada pelo pai, recepcionando-o em
sua chegada; os biquitos pedidos pela mulher são correspondidos, ainda que
burocraticamente. Um pouco depois, há uma mudança drástica nesse clima: a pré-
adolescente comporta-se com um alheamento muito mais profundo do que o esperado
para essa idade, ignorando qualquer tentativa de contato (com uma exceção que

 
 
107  
 

tratarei adiante).18 Já Ana transforma-se em uma personagem decididamente


agressiva, embora sua violência se encene apenas no plano verbal. A todo o tempo, ela
dá ordens ao marido (até o biquito é uma exigência) e o trata de pelotudo. Enfim,
apesar de maltratar desconhecidos, humilhar seus alunos e forçar uma postura de
superioridade, o arquiteto não consegue o mínimo respeito de sua filha e passa a ter
uma relação conflituosa com a mulher – com a qual mantém diálogos quase que
exclusivamente sobre o problema com o vizinho.
Por outro lado, a casa parece obstaculizar a fluidez das relações entre seus
moradores: devido às frequentes deambulações de Leonardo, ela é captada de modo
fragmentado, e é impossível armar um mapa mental do lugar, que acaba se
configurando como um labirinto, o que justifica a dificuldade de um encontro e propicia
os desencontros. Nenhuma tomada se conforma como um establishing shot que dê conta
de organizar espacialmente o cenário.
Essa fragmentação vai se repetir na representação de Leonardo, com
destaque para a cena em que ele tenta entabular um diálogo com a filha e aparece
refletido, em pedaços, nos espelhinhos circulares da parede colorida do quarto.19
Enquanto cozinha, a cabeça de Leonardo é substituída pelo armário; enquanto trabalha,
seu corpo é substituído pelo notebook. Além disso, Lola não se desconecta dos fones de
ouvido; Ana sempre possui algo em suas mãos: o celular, o telefone, um livro (e seu
corpo também é substituído pelo notebook em mais de uma ocasião). Como observa
Frederico Canuto (2012), Leonardo e sua família são sempre vistos a partir de seu
entorno: enquadrados pelas janelas e portas, rodeados de objetos, a câmera se esforça
por mostrá-los ao mesmo tempo em que mostra o ambiente em que vivem. Há uma
relação simbiótica entre os espaços/objetos e os habitantes da Curutchet, e os corpos são
como extensões da casa.
Esses objetos, na maioria das vezes, não são congregadores – ao contrário,
aparatos como o notebook ou o fone de ouvido individualizam os espaços. Entre o

                                                                                                                       
18
Na verdade, Leonardo é o único que tenta empreender uma comunicação com a garota dentro da casa,
mas nunca o faz diretamente, pegando atalhos que podem justificar seu fracasso: ou propondo o diálogo pelo
telefone, ou dando um sermão que nada diz, ou puxando assunto sobre as miniaturas cool que compraram no
MoMA – Museum of Modern Art de Nova York (momento em que está vestido com um macacão, traje
infantilizado que o faz parecer ainda mais desajeitado).
19
Como na cena em que veste o macacão, a imagem de Leonardo se reveste de um ar meio engraçado, meio
patético, nutrindo a impotência que este encarna frente à filha, destoante da persona poderosa que demonstra
o tempo todo.

 
 
108  
 

despedaçamento da casa promovido pela mise en scène e a profusão de elementos


individualizantes, os moradores terminam encerrando-se em seus cômodos, ao invés de
socializarem nas áreas de convivência pensadas pelo arquiteto franco-suíço, e ocupando
os espaços comuns apenas quando há visitas. Do mesmo modo, apesar de ter sido
construída privilegiando a entrada de luz, a residência aparece como se estivesse sempre
na penumbra (outra correspondência entre a casa e – o lado sombrio de – Leonardo?); e,
ainda que Le Corbusier buscasse que suas construções estivessem ligadas à cidade, os
personagens que habitam a Curutchet insistem em se separar do espaço público – ao sair
da casa, entram diretamente dentro do carro, e a interação com o exterior é permitida
apenas se fundada em um olhar de admiração.
Assim, valores associados aos projetos de Le Corbusier estão suspensos na
diegese, o que se repete no papel assumido pela janela no desenvolvimento da trama.
Como verifica Carolina Soria (2010), a janela é elemento central e constitutivo da
disputa de Leonardo e Víctor, sendo o eixo condutor de todas as ações, intervindo no
devir dos personagens e modificando os vínculos que estabelecem entre si. O filme
começa com a abertura da janela e termina com seu fechamento. A comunicação entre
interior e exterior, e o encontro de dois mundos antes separados pela parede, se dá
através da janela. Ela estabelece uma aproximação ao romper a medianeira: vizinhos
que nunca se viram começam a se frequentar por causa da janela. A parede fazia com
que Leonardo não precisasse participar de outra vida que não fosse a sua própria, e a
janela é uma reconfiguração social que coloca os limites à prova durante todo o longa.

Recupera-se, em um sentido inverso, a concepção arquitetônica da


janela de Le Corbusier, na qual os muros exteriores se liberam e as
janelas abarcam a largura da construção, melhorando a relação com o
exterior. Aqui, a janela permite o ingresso do mundo exterior na vida
da família Kachanovsky, colocando-a em crise, representando a
abertura, a visão e a comunicação com um exterior que os
personagens constantemente negam e querem ocultar, e que fica
formalmente fora de campo (SORIA, 2010, p. 02).

Essa constante ressignificação de alguns preceitos que guiaram a construção


da Curutchet pode ser mais bem compreendida quando retomamos a tela partida que
abre O homem ao lado. Para além do dualismo conceitual – branco/cinza, luz/escuridão,
refinado/rústico – que essa imagem sugere e que vai pairar sobre toda a narrativa

 
 
109  
 

(sendo, também, ressignificado no final), há uma proposta que advém da


videoinstalação Boquete,20 de Gaspar Libedinsky, na qual a sequência se inspira
(segundo informam os créditos do filme). Boquete faz parte da série Productos caseros,
sobre a transformação da penitenciária de Caseros21 por parte dos próprios presos que,
durante um motim em 1984, abriram boquetes (pequenos buracos) nas paredes do
edifício para circular entre andares e para se comunicar com os parentes que apareciam
nas calçadas.
Como analisa Marina Moguillansky (2014b), os boquetes rompiam com o
propósito arquitetônico do edifício e, através deles, os presos reverteram, ao menos
parcialmente, a lógica dos pan-óticos22 que norteia as prisões. De acordo com a autora,
Libedinsky reflete sobre o reverso da costumeira afirmação de que a arquitetura
condiciona a experiência dos sujeitos, preferindo pensar sobre as formas em que a ação
humana transforma a arquitetura – aspecto nutrido todo o tempo por Cohn e Duprat
através dessas ressignificações.
Nesse sentido, vai emergindo – da Curutchet e de Leonardo – o efeito do
que Sigmund Freud conceituou como estranho.23 No começo de seu escrito sobre o
tema (1919), o autor apontou o estranho como sendo aquilo que é assustador, que
provoca medo e horror, e que está ligado ao que é desconhecido. Porém, a partir do
estudo de casos e, especialmente, da investigação sobre a etimologia da palavra, Freud
vai qualificar o estranho como aquela categoria do assustador que remete ao que é
conhecido e, há muito, familiar. Entre os diferentes matizes de significado que a palavra
heimlich (em inglês homely – familiar) exibe, descobre-se um que é idêntico ao seu
oposto, unheimlich (unhomely – estranho).

                                                                                                                       
20
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Db-IITg60ls.
21
A penitenciária de Caseros, na cidade de Buenos Aires, foi uma penitenciária em modelo pan-ótico
idealizada em 1960 e cuja construção foi abandonada após informes que alegavam a inumanidade e
inviabilidade do projeto. A obra foi retomada em 1969, durante o governo ditatorial de Juan Carlos
Onganía, e inaugurada dez anos depois sob outro governo ditatorial, de Jorge Rafael Videla. Em 1984,
uma violenta rebelião abalou as estruturas do edifício, fazendo com que se iniciasse um processo de
desativação da prisão, concluído em 2000.
22
Modelo de prisão ou de torre de observação idealizado para que os vigilantes possam facilmente ver todas
as partes de um edifício ou de um recinto, sem serem vistos. O efeito mais importante do pan-ótico é induzir
no prisioneiro um estado consciente de permanente de visibilidade que garante o funcionamento automático
do poder.
23
Agradeço a ajuda de Lúcia Monteiro e de Taís Barrenha para compreender este conceito de Freud.

 
 
110  
 

Assim, o que é heimlich vem a ser unheimlich. Em geral, somos


lembrados de que a palavra heimlich não deixa de ser ambígua, mas
pertence a dois conjuntos de ideias que, sem serem contraditórias,
ainda assim são muito diferentes: por um lado significa o que é
familiar e agradável e, por outro, o que está oculto e se mantém fora
da vista. Unheimlich é habitualmente usado, conforme aprendemos,
apenas como o contrário do primeiro significado de heimlich, e não do
segundo. Sanders nada nos diz acerca de uma possível conexão
genética entre esses dois significados de heimlich. Por outro lado,
percebemos que Schelling diz algo que dá um novo esclarecimento ao
conceito do unheimlich, para o qual certamente não estávamos
preparados. Segundo Schelling, unheimlich é tudo o que deveria ter
permanecido secreto e oculto, mas veio à luz. (...) Dessa forma,
heimlich é uma palavra cujo significado se desenvolve na direção da
ambivalência, até que finalmente coincide com o seu oposto,
unheimlich. Unheimlich é, de um modo ou de outro, uma subespécie
de heimlich (FREUD, 1976).24

A casa (e nada mais familiar que o lar) de O homem ao lado vai se


descortinando como um lugar escuro, sinuoso, barulhento e desprotegido – estranhezas
que assomam no comportamento de Leonardo e convergem em sua atitude final. E o
“susto” do espectador é sublinhado pelo fato de o arquiteto ser nosso personagem
familiar: durante todo o filme, seguimos Leonardo. Conhecemos sua residência, sua
família, seus negócios, seu cotidiano, até um pouco de sua intimidade. Na maior parte
do tempo, a câmera está posicionada sobre seu ombro, mostrando-nos o que ele vê; ou o
capta de perto, fazendo com que nos conectemos a ele e a seus sentimentos revelados
por suas expressões.
Por outro lado, há poucos elementos que exponham um contexto que possa
explicar algo sobre Víctor; não encontramos pontos de sua biografia para retornar nem
presenciamos seu dia a dia. Ele é enquadrado sempre frontalmente, e sua poker face
ocupa todo o plano, sem sobras de espaço, ou é focada e destacada de um fundo
disforme. Nunca entramos em sua casa (nem com Leonardo), apenas temos acesso a seu
furgão em uma tomada fixa (ao contrário da câmera que passeia por toda a casa do
arquiteto).25 O que nos é dado de Víctor é a existência de um tio, a maneira que se veste,

                                                                                                                       
24
A página não é indicada pois utilizei um arquivo digital (proveniente da edição publicada pela Imago em
1976) que não contava com numeração.
25
Nesse único acesso que temos ao universo de Víctor, tudo entra em conflito com o padrão estético clean e
racional do mundo dos Kachanovsky, com uma profusão de clichês do brega: acarpetado de oncinha, bola
de espelhos como as que ficam nos tetos de nightclubs e excessos em geral – de cores, de objetos, de
materiais. É evidente o desconforto de Leonardo, que não tem jeito para manejar nada (quando logra
sustentar a cuia de mate, se queima).

 
 
111  
 

seu gosto pela caça, sua arte feita a partir de munição velha, mas, especialmente, sua
imagem captada em primeiro plano. A maneira de apresentá-lo mantém o personagem
enigmático (traço necessário para conservar a tensão da narrativa): ele é, praticamente,
um desconhecido.
Assim, apesar das intervenções desestabilizadoras de Víctor, que ativam os
quiproquós da trama, acompanharemos o desenvolvimento das situações através de
Leonardo. A história se estrutura a partir dos diálogos travados entre os dois, mas nunca
há uma situação de campo e contracampo, sendo que sempre ocupamos o lugar do
arquiteto. Além do ponto de vista desse personagem, estamos sob seu ponto de escuta –
procedimento significativo, já que Víctor e tudo que ele traz desse “mundo misterioso”
chegam, especialmente, na forma de ruídos.
É importante considerar, então, que vemos Víctor pela perspectiva de
Leonardo, que o percebe e faz com que o percebamos como um mal-educado, invasivo,
preconceituoso, machista, um rústico atrás do qual – segundo os critérios de cada um, e
aqui sob os critérios de Leonardo – se aloja um violento perigoso.26 A postura pedante
de Leonardo tende a suscitar antipatias que nunca se revertem em simpatia a Víctor,
quem paira todo o tempo em um limbo entre o ridículo e o ameaçador, fazendo-nos rir,
mas sem aderir totalmente a ele. O filme alterna nossa inclinação entre um e outro
personagem, mas nunca desafia efetivamente a nossa impressão de qual deles é digno de
desconfiança.
Essa forma de localizar os personagens, articulada à suspeita que rege a
relação que o protagonista estabelece com Víctor, me levou a pensar em El hombre de
al lado como uma possível versão remixada do conto “Casa tomada”, de Julio Cortázar.
Publicado pela primeira vez em uma antologia organizada por Jorge Luis Borges (1946)
e, posteriormente, incluído no livro Bestiario (1951), o conto suscitou uma infinidade de
interpretações, sendo a ideia da casa tomada um dos mais importantes eixos conceituais
para se pensar o país desde então.

                                                                                                                       
26
Por exemplo, ele não é percebido dessa forma por Elba (que o considera um vizinho) nem por Lola, a
quem a janela parece agradar pela possibilidade de se divertir com o misterioso teatrinho entre naïf e
perverso que Víctor encena para ela – feito com alimentos baratos nos quais se lambuza e contamina, oposto
à assepsia que prevalece na vivência da garota. Não há nada em comum entre esses indivíduos que não
sejam as botinhas que se mexem nos dedos de Víctor – iguais (as mesmas?) às da boneca de Lola – e o fato
de estarem ali, disponíveis para conhecer o desconhecido.

 
 
112  
 

O conto narra a história de um casal de irmãos que vivem, sozinhos, em um


velho casarão familiar, e que têm de ir cedendo quartos e espaços do mesmo a um
invasor que produz tanto temor que não pode ser enfrentado, apesar de não se saber
exatamente do que ou de quem se trata. Só resta aos irmãos retroceder e fechar a última
porta que os separa do invasor, que pouco a pouco se apropria de mais cômodos e ganha
terreno até que a dupla abandone a casa. Para Juan José Sebreli – cuja leitura de “Casa
tomada” se converteu em um lugar comum da crítica, muitas vezes sobrepondo-se ao
conto em si (PIGLIA, 1993) –, o texto expressa uma angustiosa sensação de invasão que
o cabecita negra provocava nas classes média e alta no período do primeiro peronismo
(1946-1952). Cabecita negra é um termo utilizado na Argentina para denominar,
pejorativamente, um setor da população associado às pessoas de cabelo escuro e pele
morena pertencentes à classe trabalhadora.27 O conto seria, então, uma metáfora da
Argentina tradicional que retrocedia sob o avanço do peronismo e da participação na
vida pública dos setores populares, até então marginalizados. Outras análises dispensam
a questão política e se baseiam em elementos psicanalíticos (a casa é um útero do qual
os irmãos são expulsos), ou se centram na possível relação incestuosa dos personagens
(desde o desejo recalcado que vai irrompendo entre eles até a comparação com a
história de Adão e Eva banidos do paraíso). A presença de fantasmas, antepassados que
atormentam os irmãos, é outra interpretação recorrente.
Aqui, me parece produtivo pensar como todas essas possibilidades – tanto
em “Casa tomada” como em O homem ao lado – coincidem em suas estreitas relações
com o medo, e como este medo pode se deslocar do desconhecido para o familiar.
Diferentemente das produções que analisei anteriormente neste capítulo, Bem perto de
Buenos Aires e Una semana solos, no caso atual o medo deixa de ser uma atmosfera
dúbia ou um sentimento em processamento para assumir-se de maneira concreta, ainda
que seus motivos sejam variáveis ao longo do filme.
                                                                                                                       
27
O termo tem origem na cidade de Buenos Aires, durante os anos 1940, quando se iniciou uma grande
migração interna – especialmente das zonas rurais e das províncias do norte – em direção à capital e a outros
grandes centros urbanos para o trabalho na incipiente indústria nacional (cujo rápido processo de
implantação havia se iniciado em meados da década anterior). Este contingente inundou as margens das
cidades (somando-se aos imigrantes europeus pobres) e modificou completamente suas composições sociais.
Ao se congregaram, majoritariamente, sob o estandarte peronista, adquiriram um rápido e inusitado poder
político. As classes média e alta se sentiram ameaçadas ante a presença da crescente massa operária que
“invadia” os espaços – urbanos – que eles haviam considerados como próprios. É nesse contexto que
batizaram a seus “inimigos” como cabecitas negras, unificando sob esse apelido depreciativo sujeitos que
compartiam não apenas traços físicos, mas também um lugar de procedência, uma consciência de classe e
uma filiação política (CREMONA, 2013).

 
 
113  
 

De saída, instala-se uma cumplicidade do espectador com Leonardo, quem é


movido pelo medo que sente do homem ao lado – suas atitudes são impulsionadas pela
necessidade de se proteger e se distanciar, evitar e até eliminar aquilo que causa medo.
Víctor é a outredade potencialmente perigosa da qual se deseja manter afastado – mas
que pode ser observada com prudente curiosidade, como no método antropológico, nos
dizeres do próprio Leonardo (SAVOINI e TRIQUELL, 2013).
O medo nasce com o descompasso dos códigos culturais dos personagens:
em primeiro lugar, o arquiteto depara-se com a inutilidade da lei para resolver o
conflito. De acordo com Anderson Roberti dos Reis, “(...) a altercação e as dificuldades
na solução do problema surgem de uma diferença fundamental no modo como cada um
dos personagens compreende e se relaciona com a noção de norma” (2012, p. 245).28
Para Leonardo, a questão legal é suficiente para justificar a não construção da janela e
ele não entende a resistência de Víctor. Segundo o protagonista, as leis são imperativas
e universais (como afirma, aquela obra não seria aceitável “nem no Japão, nem na
China, nem na puta que o pariu”) e por isso devem ser respeitadas independentes das
circunstâncias.
Ser legalista é a única possibilidade para Leonardo, enquanto para Víctor é
uma possibilidade entre outras – com o que concorda um amigo do arquiteto: “a lei diz
uma coisa, mas a vida diz outra”; “essas coisas se ajeitam falando”. Para Víctor, a
manutenção da ordem está mais ligada a mecanismos da moral e da consciência
individual que de regramentos jurídicos, e ele se apoia nessas condições. Ao manejar
um código amistoso, propondo um tête à tête amigável e hospitaleiro, Víctor
desconstrói os argumentos de Leonardo ao mesmo tempo em que os reveste de um
matiz autoritário, enfraquecendo a “superioridade” da instância legal.
O mesmo se dá quando o arquiteto, com o objetivo de “assustar” Víctor,
envolve na contenda um advogado que sugere deixar o homem esperando para indicar a
existência de uma assimetria de posições – atitude à qual Víctor responde de maneira
física (o que ele descreve como “um puxão de orelha”), anulando a vantagem que
Leonardo esperava ganhar. Ao se encontrar com Víctor, Leonardo se encontra com

                                                                                                                       
28
Ademais, os personagens compreendem e se relacionam com o significado da janela (daquela janela) de
maneiras diferentes: para Leonardo, a janela não serve para nada e é puramente uma invasão de privacidade;
para Víctor, a janela serve para receber uns raios de sol, para os vizinhos conversarem, para provarem
receitas um do outro, para fazer um teatrinho e até para averiguar se a casa contígua está em segurança.

 
 
114  
 

outro universo, no qual suas armas discursivas, seu poder e todas as suas seguranças são
neutralizadas – impotência que aprofunda seu temor.
O modo como a relação entre os personagens se desenvolve faz do título do
filme uma escolha evidente: o homem frisa distância, pois se trata de um desconhecido,
a despeito da proximidade espacial (ao lado). Leonardo nunca chama Víctor por seu
nome, tampouco o trata como vizinho (o que os ligaria de alguma forma), e se refere a
ele apenas como “o homem ao lado”, “selvagem”, e outros termos depreciativos que
servem para marcar uma separação entre eles – não apenas física, mas um afastamento
que os impeça de se relacionar.
Cada descompasso entre Leonardo e Víctor empurra o último a assumir o
papel de monstro – o que se entrosa com sua voz grave e gutural, com seu emergir de
um buraco negro, com suas aparições inesperadas e desagradáveis, com o som de
pancadas secas e furadeiras agudas a pressagiar a moléstia que causará e a partir da qual
o arquiteto se vê forçado a redefinir sua rotina, da mesma maneira que os irmãos de
“Casa tomada” redefiniram as suas, ao ouvirem ruídos imprecisos. Entretanto, ao passo
que os irmãos recuam até se retirarem completamente, Leonardo não chega a ter sua
casa tomada. Nesse sentido, o que sucede a Leonardo se parece mais com o que sucede
a outro personagem da literatura argentina: o Sr. Lanari, do conto “Cabecita negra”, de
Germán Rozenmacher, publicado em 1962 – segundo Piglia (1993), uma resposta ao
comentário de Sebreli sobre “Casa Tomada”.
“Cabecita negra” aborda as relações racistas e classistas que se
desenvolveram no país, depois de 1940, através do encontro do Sr. Lanari, um próspero
comerciante que, ao sair do aconchego de seu lar em uma noite de insônia, se depara
com uma dupla de – segundo ele – cabecitas negras que acabam ingressando em sua
casa, “seu refúgio, onde era o dono, onde podia viver em paz, onde tudo estava em seu
lugar, onde o respeitavam” e que se converte no espaço dos outros, do escândalo, onde
Lanari fica “aprisionado por esses negros” (ROZENMACHER, 1971, p. 33-36). Essa
experiência de se sentir invadido é relatada pelo narrador onisciente como se fosse um
pesadelo, a partir do qual Lanari reconhece a certeza de jamais estar seguro de nada.
Leonardo também é acometido por essa insegurança com a aparição de
Víctor, a qual busca sanar pedindo para Elba averiguar as fechaduras, consultando um
especialista na proteção de residências e instalando um botão de pânico. Porém,

 
 
115  
 

enquanto a “invasão” sofrida pelo Sr. Lanari se dá de forma literal (com os corpos
adentrando o recinto), o ingresso de Víctor na Curutchet (quem dança ocupando toda a
sala e todas as atenções; quem desfruta de todos os movimentos da cadeira star de
Leonardo) é apenas a cereja do bolo de uma incursão que se inicia com seu olhar – e é
nesse ponto que os objetos do medo começam a se embaralhar.
Os Kachanovsky já são observados, mas em uma posição exibicionista e
confortável. Morar em um marco da arquitetura modernista reforça o sucesso de
Leonardo; há sempre turistas tirando fotos do local e alunos de arquitetura têm aulas em
sua calçada. Ele não se incomoda com esse olhar admirador, e o toma como sendo
também para si. Em primeiro lugar, como analisa Vera Lúcia Follain Figueiredo,

A luta pelo direito à janela, travada por Víctor, recoloca (...) a questão
da visibilidade, isto é, não se trata somente de quem tem o direito de
ter acesso a um raio de sol, mas também de quem tem o direito de ver
e ser visto. O olhar de admiração dos turistas, legitimado pela
capacidade de reconhecer o valor artístico da obra do arquiteto, não
incomoda Leonardo: o que o desespera é o olhar do vizinho, do
homem comum que não possui a competência cultural específica para
render homenagem àquele monumento arquitetônico, e, portanto, não
sabe respeitar a distância que sua sacralização exigiria
(FIGUEIREDO, 2012, p. 111).

Em segundo lugar, o filme também trabalha com o contraponto entre a


janela não controlada, que “expõe” o sujeito naquilo que ele não quer oferecer ao olhar
do outro, e as janelas controladas que colocam em circulação “imagens de si”: além da
casa-vitrine, o website de divulgação do arquiteto, as filmagens feitas pelo avô dos
lindos e felizes membros da família – que escondem uma crise criativa e relações
familiares problemáticas.
Em terceiro lugar, a “invasão” e o “imiscuir-se” do outro que se teme são
apresentados como uma projeção da própria curiosidade e bisbilhotice. Vemos muito
mais Leonardo e Ana espionando Víctor do que o contrário (embora muitas das falas de
Víctor autorizem a conjecturar que ele também espiona). Mais uma vez, o que provoca a
fissura que desestabiliza a casa é repensado e localiza o estranho no que é familiar.
O desfecho do filme não deixa dúvidas sobre esse deslocamento de posições
que vinha se anunciando: o contraste entre o chá de cadeira do advogado e o puxão de
orelha, entre a violência “civilizada” (oblíqua) de Leonardo e a violência “bárbara”

 
 
116  
 

(mais franca e direta) de Víctor, permanece até o fim, com Víctor utilizando uma
escopeta para proteger Lola e Elba e Leonardo deixando de pedir socorro médico para o
vizinho que agoniza. Como afirma Gabriela Copertari (2012), o filme cria um lugar de
identificação para o espectador que termina se revelando como profundamente
incômodo. É um lugar a partir do qual se projetam as fantasias e os preconceitos com
relação à ameaça do outro e que se apresenta não apenas como equivocado, mas
monstruoso, pois encarna a monstruosidade e a ameaça que o outro encarnava.29

***

Assistir ao descobrimento do outro de si, do unheimlich que nos habita e


que, até então, pensávamos que se situava do outro lado da porta ou do muro, é também
o que movimenta os medos em La hora del lobo – especialmente no caso do
entrevistado que abre e fecha o filme. “Eu tinha certeza que ia morrer. E quando alguém
se sente assim, demora muito pouco para se converter na pior versão de si mesmo. (...)
Eu estava muito consciente do que eu estava fazendo. Não é que hoje pense ‘ui, não
sabia o que estava fazendo’. Sei o que fiz, e como fiz. E sendo completamente
desagradável, me arrependo de não ter feito mais”, diz. Sua localização privilegiada na
montagem e sua consciência e pragmatismo com relação ao monstro interior o
distinguem dos outros personagens e respingam no não dito das outras falas.
O longa Zona do crime (La zona, Rodrigo Plá, 2007) também coloca em
evidência a emergência do que pode ser a “pior versão de si mesmo”. Apesar de se
tratar de um filme mexicano, me pareceu inevitável incorporá-lo (ainda que
brevemente) devido às diversas maneiras como o filme rondou este estudo ao se
                                                                                                                       
29
No filme Los Angeles por ela mesma (Los Angeles plays itself, 2003), o cineasta, crítico e professor Thom
Andersen investiga, com uma voz off de tom amargo e pessoal, a construção mitológica do cinema
hollywoodiano sobre a cidade de Los Angeles. Foi uma surpresa interessante poder conectar algumas
considerações de Andersen sobre a casa modernista com o desfecho de O homem ao lado: conforme sua
narração, o diretor afirma que um dos esplendores de Los Angeles é sua arquitetura modernista residencial,
que os filmes de Hollywood têm denegrido sistematicamente ao retratar esse patrimônio sempre como a
residência de um vilão. Entre os filmes que ele cita estão desde Os desgraçados não choram (The damned
don’t cry, Vincent Sherman, 1950), passando por Terror na noite (The night holds terror, Andrew Stone,
1955) até Assassinos substitutos (The replacement killers, Antoine Fuqua, 1998), com especial atenção para
Los Angeles, cidade proibida (L.A. Confidential, Curtis Hanson, 1997), o qual ele descreve através das
impressões de um crítico de arquitetura do L.A. Times, que citou L.A. Confidential como uma espécie de
prova de que as aspirações da arquitetura modernista eram falsas. E lê, sem especificar o autor: “A
pulcritude da casa, a meticulosidade das formas parecem o marco perfeito para certa classe de poder. As
paredes de vidro se abrem para nos mostrar o lado escuro de nossas vidas (...)”.

 
 
117  
 

preocupar com temas frequentemente abordados por aqui – especialmente com relação
aos laços entre medo, violência e fenômenos de fragmentação urbana.
La zona, na Cidade do México, é um condomínio fechado ultraprotegido
cercado de favelas. Quando uma pane de eletricidade corta momentaneamente a
vigilância do lugar, três habitantes da favela decidem aproveitar essa oportunidade única
para ali entrar. Em uma tentativa de roubo malsucedida, matam uma senhora e dois
deles terminam assassinados por um segurança e por um vizinho. Miguel, o terceiro
garoto, se esconde em uma casa, e os moradores dão início a uma operação para
encontrá-lo, armando-se e dispensando a intervenção da polícia.30
O intruso (o outro) perde sua condição de humano ao cruzar o muro,
convertendo-se simplesmente em um alvo que deve ser abatido. A caçada e o
linchamento têm roupagem de legítima defesa, e as ações violentas nunca são gratuitas:
há sempre uma justificativa, uma lógica distorcida que acalme a consciência de cada
um. Zona do crime discute, assim, não apenas a brutalidade naturalizada em um
coletivo, mas em um coletivo que localizava a brutalidade muito longe de si e se isolava
para não correr o risco de ser “contaminado” por ela.
O assalto desse unheimlich efetua-se através dos olhos de um adolescente
que vive no country e acolhe o intruso, identificando-se mais com este que, até então,
lhe era estranho, do que com aquele grupo que, até então, lhe era familiar. O
condomínio, suprassumo da tranquilidade e da segurança, assume-se lugar da barbárie,
do medo, da morte e da ameaça (não apenas para Miguel, mas para diversos
moradores). Enfim, como reflete Liliana López Levi (2012), os residentes de La zona
não apenas não podem escapar do caos exterior como terminam sendo parte dele (ou
piores que ele).
Assim como Zona do crime, o brasileiro O invasor (Beto Brant, 2001) é
outro filme que – além de rondar permanentemente a tese – desloca as origens do medo
e da violência do submundo de onde o senso comum acredita que elas estão para o
                                                                                                                       
30
Mais que um condomínio residencial, La zona quer se erigir como uma comunidade com suas próprias
leis, ficando totalmente apartada de qualquer coisa exterior. A recusa da justiça formal aponta para dois
aspectos importantes nesse sentido: primeiro, um pai explica ao filho adolescente que, no passado, a demora
dos policiais teria sido responsável pela morte de seu irmão baleado – logo, a polícia não era digna de
confiança. Tal entendimento se mostra extremamente individualista, porque só analisa os efeitos sobre si
mesmo e recusa ver o papel dessa instituição no resto da sociedade. Em seguida, quando o comandante
Rigoberto tenta ingressar no local, argumentando que “a rua é pública”, é rebatido por uma moradora: “esta
rua não”, o que demonstra a reconfiguração dos espaços comuns em tempos de “guerra” (CARMELO, 2008
e OLIVEIRA, 2011).

 
 
118  
 

campo feroz da concorrência e da ilegalidade entre as elites (KEHL, 2015). Uma São
Paulo suja, feia e desordenada, noturna ou iluminada por cores frias, abriga e participa
desse thriller marcado por traições, ganância, paranoia, conspirações, assassinatos e
seduções: Ivan e Giba, sócios de uma empreiteira,31 encomendam a morte de um
terceiro parceiro devido à discordância a respeito de uma grande oportunidade de
negócio, tão rentável quanto ilícita. Após a execução do trabalho, Anísio, o matador,
invade o espaço onde não era esperado, desrespeitando as convenções de discrição
próprias à prestação desse tipo de serviço e ultrapassando limites socialmente
estabelecidos entre a sua periferia marginalizada e o centro dos empresários.
Embora o longa seja extremamente sensível à constituição de espaços
apartados – com a assiduidade de prédios com interfones, portões eletrônicos, leões-de-
chácara e seguranças –, o que está em jogo é a “contaminação recíproca desses mundos
ilhados por uma fronteira simbólica, [que] vem superar a dicotomia entre centro e
periferia vista como um código espacial que significa a separação entre ordem e
desordem, lei e crime, civilização e barbárie” (XAVIER, 2006a).

(...) o crime é a ponte de ligação entre o espaço dos ricos e o dos


pobres nas grandes cidades. Os mais ricos servem-se do crime por
encomenda, esperando que o “assalariado do crime” mantenha-se no
lugar que lhe foi designado socialmente, sem ferir hierarquias.
Entretanto, constituindo-se como uma ampla rede, a esfera do crime
impõe uma geografia própria que, ao embaralhar as fronteiras entre
centro e periferia, ameaça a estabilidade dos que não fazem, mas
mandam fazer. (...) O invasor, de Beto Brant, concentra-se nesta
diluição de fronteiras (FIGUEIREDO, 2013, p. 132).

Tal diluição de fronteiras é exemplar na sequência em que Anísio galanteia


Marina (filha do assassinado), levando-a para passear do bairro nobre à periferia:
conforme analisa Lúcia Nagib (2006), os saltos da montagem permitem uma
continuidade natural entre o centro rico e a favela, operando a comunhão desses polos
como algo elementar na metrópole. Essa complementaridade é reforçada quando Anísio
e Marina finalmente entabulam um relacionamento: a violência do matador, nunca

                                                                                                                       
31
Como nota Xavier (2006a), setor cujos interesses têm muito a ver com a história das grandes cidades
brasileiras e sua deterioração, focos de especulações financeiras e da ocupação ilegal do solo só possível em
função de uma relação promíscua com o poder.

 
 
119  
 

explicitada, é mimetizada pelas cenas perturbadoras das festas regadas à ecstasy e


música eletrônica, às quais a garota abastada leva o novo namorado.
Para Xavier (2006a), “a periferia vem ao centro, para dar corpo à verdade
deste, em geral envolto em esquemas abstratos, complexos, invisíveis”. Anísio, enfim,
não é uma invasão: é uma explicitação; o unheimlich que assombra as casas e os
escritórios assépticos de Ivan e Giba e que coloca à vista a sujeira de ambos e de seus
mundos.

 
 
120  
 

4. Na cidade da fúria

No ensaio O que é a violência (1983), Nilo Odalia explica que a primeira


imagem da violência, sua face mais imediata e sensível, exprime-se pela agressão física
que atinge diretamente o homem naquilo que possui – seu corpo, seus bens, quem ele
ama e estima (a família, os amigos). Entretanto, continua o filósofo, a violência nem
sempre se apresenta como um ato, como uma relação, como um fato que tenham uma
estrutura facilmente identificável – o contrário, talvez, esteja mais próximo da realidade.
Segundo o autor, o viver em sociedade sempre foi um viver violento: por
mais que se recue no tempo, a violência está sempre presente em suas diversas faces.
Nas sociedades complexas, ela deixa de ser uma agressividade necessária frente a um
universo hostil e se enriquece de matizes – como sua frequente inscrição na
normalidade, ou seja, o ato violento se insinuando como um ato natural e inscrito na
ordem das coisas.
A violência entranhada no dia a dia permeia de diversas formas todos os
filmes do corpus, como já foi possível notar: em Una semana solos há uma violência
velada no comportamento das crianças, da mesma maneira que em Historia del miedo,
no qual a violência parece impregnada aos corpos das pessoas, descolando-se deles
através de misteriosos acontecimentos e de ações que nunca chegam às vias de fato, mas
cujo mal-estar logra atingir a todos.1 Em El hombre de al lado, estão os diferentes
modos como os personagens fazem uso da violência no jogo de forças que estabelecem.
Já em El asaltante estão a violência do gesto agressor do protagonista (posteriormente
ressignificada por seu caráter de representação) e a violência à qual ele é submetido,
devido às evidentes precariedades, em seu ambiente de trabalho. Castro toca algumas

                                                                                                                       
1
Como constata Diego Lerer (2016), “o tema de Naishtat sempre foi a violência latente que tensiona todas
as relações humanas. Em curtas como El juego [2010] e Estamos bien [2007], essa violência se faz presente
através do uso de armas, sim, mas também em função da imprevisibilidade psicológica dos personagens. Em
Historia del miedo acontece algo parecido, mas ali o medo é já quase um estado da mente, uma condição da
existência no mundo atual, a sensação de que o real, o aparentemente normal, tem sempre um lado escuro e
imprevisível”. No longa, há um momento em que esse lado escuro e a brutalidade se materializam, mesmo
que seja através da televisão: quando Camilo revisa vídeos da ocupação (falida) do quartel de La Tablada,
em janeiro de 1989, no qual militantes do Movimiento Todos por la Patria (MTP) tentaram invadir essas
instalações militares da Grande Buenos Aires com o propósito de frustrar um possível golpe que estaria
sendo planejado pelas Forças Armadas em parceria com o candidato a presidente Carlos Menem. Desse
evento confuso e midiático até hoje pouco esclarecido, resultaram 39 mortos, 28 deles do MTP. A inserção
dessas imagens de arquivo parece prenunciar os interesses que movem o próximo filme de Naishtat, El
movimiento, no qual o diretor viaja ao passado para traçar uma história da violência política na Argentina.

 
 
121  
 

violências mais metafísicas, relacionadas às constantes cobranças do mundo


contemporâneo.
Em La sangre brota e Elefante blanco, a violência abandona sua faceta mais
dissimulada e é flagrante, inequívoca e manifesta, constituindo-se em uma linguagem:
as relações, as tramas interacionais energizam-se, potencializam-se e se comunicam
pelo circuito da violência. Pensar e agir em função da violência deixa de ser um ato
circunstancial para se transformar em uma forma de ver e viver o mundo. Em ambos os
filmes, não se dá uma oposição simples entre natureza e “guerra”, de um lado, e vida
social e paz do outro – a ordem (regularidade, previsibilidade, rotina e a própria vida
cotidiana) organiza-se em torno do fato ou da possibilidade da violência.
Essa espécie de homo homini lupus2 também articula (desde seu título) o
mais recente “grande” filme argentino que reverberou dentro e fora do país: Relatos
selvagens (Relatos salvajes, Damián Szifrón, 2014), a produção de maior bilheteria de
toda a cinematografia nacional até o momento da escrita destas páginas,3 que ainda
rendeu passagens por festivais renomados como Cannes e San Sebastián e indicação
ao Oscar.
Em sua análise da recepção crítica do filme, Aguilar (2015b) nota como a
maioria dos críticos localizou o sucesso do mesmo na vingança como tema que
orquestra o conjunto de seis histórias e na catarse que esta provoca num público ávido
por justiça, mas sem meios institucionais para consegui-la e que se satisfaz com a
justiça pelas próprias mãos. No entanto, como sustenta o autor, os relatos não estão
estruturados pela vingança:

                                                                                                                       
2
“O homem é o lobo do homem”. Com esta frase de sua célebre obra Leviatã, Thomas Hobbes (1651) faz
referência a uma tendência violenta inerente aos homens (GROSS, 2015).
3
O longa chegou a 3,5 milhões de espectadores, batendo a cifra de 3,4 milhões de Nazareno Cruz y el lobo
(Leonardo Favio, 1975). A eles se seguem O clã (El clan, Pablo Trapero, 2015) e El santo de la espada
(Leopoldo Torre Nilsson, 1970) com 2,6 milhões cada, Juan Moreira (Leonardo Favio, 1973) com 2,5
milhões, El secreto de sus ojos e Martín Fierro (Leopoldo Torre Nilsson, 1968) com 2,4 milhões cada.
Ultimamente, surgiu uma espécie de “rumor” a partir de alguns trabalhos do historiador de cinema argentino
César Maranghello, quem afirma que Deshonra (Daniel Tinayre, 1952) encabeçaria essa lista com um
público de quatro milhões de pessoas. Entretanto, o número nunca foi oficialmente confirmado devido às
dificuldades em resgatar esse tipo de dado. Estas informações são do site Taquilla Nacional, coordenado por
Mariano Oliveros, que compila as informações sobre a bilheteria argentina a partir de vários outros
organismos oficiais como a base de dados do Ultracine, do INCAA e de revistas especializadas:
http://www.taquillanacional.com.ar/.

 
 
122  
 

Exceto o primeiro (no qual um piloto de avião decola com todos


aqueles que o maltrataram ao longo da sua vida para lançar a aeronave
contra a casa dos seus pais), em que a vingança adquire seu esplendor
clássico, é calculada, destrói o outro e – como dizia um famoso
romance – se “come fria”. Em todos os demais capítulos não aparece a
temporalidade diferida da vingança, pois, antes disso, os personagens
estão sob influência da fúria e da ira. Os personagens embarcam numa
destruição do outro que costuma ser repentina (...), saem de si e já não
medem os seus interesses nem as suas possibilidades, porque a ira,
para converter-se em vingança, deveria saber se dilatar no tempo, e
não é isso que acontece. O que estrutura narrativamente Relatos
selvagens não é a vingança, mas sim a ira (AGUILAR, 2015b, 193).

Já Ana Wortman (2015) acredita que, apesar das distintas implicações e


consequências, o leitmotiv que costura os curtas é a debilitação dos laços sociais – em
sintonia com as considerações de Hortiguera (2014) já citadas no capítulo anterior: em
todos os episódios, há uma tensão entre os desejos e aspirações individuais e os
controles internos dos sujeitos; controles que se mostram enfraquecidos devido aos
desajustes entre os indivíduos e as regras sociais que muitas vezes são vividas como
injustas, já que nem sempre se adaptam a suas motivações e se instalam como uma
barreira. Essa tensão se exacerba na sociedade de consumo contemporânea que se funda
em indivíduos insatisfeitos em busca de um prazer constante.
O social se apresenta, então, como um limite para os indivíduos que
consideram suas necessidades como um valor supremo, o que provoca o choque.
Seguindo a autora, aparecem dois planos do social que se mesclam: um mais no sentido
estrutural, referente às tensões e conflitos de classes sociais antagônicas; o outro, mais
geral, se dá em termos de limites difusos entre o social e o individual. As reações
extremas e violentas do filme são tanto consequências da desigualdade social e de
sociedades polarizadas quanto produtos da existência de um outro com o qual não se
importa. Em Relatos selvagens, só importa o que cada um quer e não se tolera que nada
nem ninguém se interponham no caminho – a ordem social não aparece como legítima
ou como fator suficiente de repressão e de moralização dos “instintos”.
Considerando as análises de Wortman e de Aguilar, acredito que essa
intolerância da qual fala a primeira é o que faz explodir a ira da qual fala o segundo (ou
vice-versa: a ira não pode mais ser contida por determinações sociais),4 combinação que

                                                                                                                       
4
Aguilar traz à baila Peter Sloterdijk e seu livro Ira e tempo, no qual se fala do momento histórico de
esplendor da ira (o início da Ilíada) e de seu regresso na contemporaneidade contradizendo a natureza

 
 
123  
 

instaura a violência como artigo banal pronto para ser usado e abusado em quaisquer
situações, fazendo da violência uma potência onipresente que atravessa o filme e que é
o que realmente une cada capítulo.
Aguilar também se dedica a desconstruir a importância que a crítica atribuiu
ao poder catártico que teria a obra: se em nenhum dos relatos há satisfação, se quase
nenhum protagonista sai incólume, onde estaria a catarse? “Parece, na verdade, que a
referência aqui não é a Poética, de Aristóteles, mas sim que o termo é utilizado no
sentido de descarga, de raiva acumulada”, conclui o pesquisador (2015b, 194). Na
esteira de Aguilar, interpreto que a catarse não se dá, primeiro, porque o espectador é
mantido irrevogavelmente em posição confortável, não precisando sujar as mãos em
nenhum momento – ele é, indefectivelmente, um espectador, e os selvagens são os
outros. Ninguém quer realmente se identificar com um selvagem, e o filme cuida para
manter essa distância através da presença de algumas estranhas tomadas subjetivas:
visões a partir de um armário no restaurante, onde há veneno para ratos; do
compartimento de bagagens no avião; do porta-malas em que se depositam alguns
explosivos; de dentro de um caixa eletrônico e de um bueiro. Só um espectador, alguém
completamente alheio à diegese, poderia ter esse ponto de vista – oculto, protegido,
resguardado, apenas se assiste às barbaridades desse outro mundo com total imunidade.
Em segundo lugar, a selvageria exposta termina por... não ser tão selvagem
assim, ao estar invariavelmente disposta a ser infiltrada pelo humor – ainda que se trate
de um humor negro. Por um lado, apresenta-se a degringolada das relações e, quando se
está suficientemente próximo de um rompimento sem salvação, o filme recua e, através
do riso, tira seriedade do que até então era muito sério. Não há catarse porque, na
verdade, não se exploram realmente as paixões humanas mais baixas, como concluiu a
crítica – já que nunca terminam de entrar em campo as tais paixões humanas mais
baixas. Gustavo Gros (2014) expõe essa consideração metaforicamente, ao afirmar que
o cineasta “joga a pedra e esconde covardemente a mão”. Segundo ele, “o longa em si
não é uma comédia, mas se disfarça de comédia cada vez que a tragédia fica muito
(mal) exposta”.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           
racional do homem. “Desde que a psique grega transformou as virtudes heroico-guerreiras, afirma
Sloterdijk, em qualidades cidadã-burguesas, a ira foi desaparecendo paulatinamente da lista dos carismas.
Mas a ira retornou e se apresenta como um imenso capital que as ideias ou a vontade política nem sempre
podem administrar” (AGUILAR, 2015b, p. 195).

 
 
124  
 

Ademais, o humor em Relatos selvagens se distancia do humor que aparece


em Historia del miedo ou em El hombre de al lado, nos quais aquele vem sempre
acompanhado de uma sensação de embaraço, contribuindo para a instalação de uma
atmosfera generalizada de constrangimento. E, como conclui Aguilar, “Relatos selvagens
não fica, somente, no caráter destrutivo da ira: todos os episódios, exceto o primeiro,
terminam com os personagens abraçados. (...) A ira que destrói o outro e o que a exerce
termina construindo, também, um laço afetivo para além da morte” (2015b, p. 196).
Enfim, a violência que tematiza o filme de Szifrón é uma trivialidade, é
justificada, e sua detonação se dá de forma lúdica. Todos – exceto o espectador – são
selvagens, então não há problema em passar por cima uns dos outros; adotar esse tipo de
vivência. Nada mais distante da violência que impregna La sangre brota, no qual,
apesar de ser moeda corrente, ela nunca é trivial.

4.1. Distopia: La sangre brota

Se em Relatos selvagens a violência acode de maneira explosiva e


descontrolada, no longa de Fendrik ela se gesta de modo larvado, mantém os personagens
em um constante estado de contenção e pulsa como uma febre; ameaça pulular em
pequenos intercâmbios aqui e ali até, finalmente, brotar na forma de (muito) sangue.
Como em El asaltante, o diretor toma um dia para narrar dentro desse limite temporal,
realizando um trabalho que busca se aproximar do tempo real. Procura-se seguir o estalo
de processos que parecem vir germinando há muito, mas aos quais temos acesso apenas
ao estalar – o que o desencadeou é dedução, e nos são dadas apenas algumas pistas.
Entre elas, o já comentado sobrado decadente que sugere um passado
econômico distinto para seus moradores, e cuja exploração se dá a partir de uma
montagem que reveza imagens da escada e das imensas portas de madeira maciça com o
ruído do desconjuntado portão, imagens dos armários envidraçados repletos de louças
com a da geladeira velhíssima e encardida, do grupo de senhoras de porte refinado que
jogam bridge e tomam chá com planos-detalhe da pequena rachadura em uma xícara e da
parede descascada ao fundo.
O plano-detalhe é uma constante no filme e permitirá a exploração cuidadosa
dos objetos que os personagens manejam ou olham, muitas vezes com carinho, e o longo

 
 
125  
 

acompanhamento de tais ações irá sinalizar a importância desses objetos para os


personagens. Entre eles estão os comprimidos de Leandro e o táxi de Arturo, mas o
principal será a caixinha de dinheiro. Almejada por ambos e também por Irene, além de
causadora da disputa final, ela descansa na última gaveta de uma cômoda antiga, uma
camisa a protege e sua chave é guardada dentro de um porta-joias, dando-lhe ares de
relíquia. O segundo núcleo de personagens não tem nenhuma “relíquia” à qual se
dedicar, e seus próprios corpos terminam se constituindo como objetos para admirar e
cuidar, estando o corpo de Vanesa no centro das atenções de Sandra, de Luis e também
de Leandro.
O zelo com as coisas dificilmente se repetirá no trato interpessoal, e isso
também é evidenciado através do zoom: se, de um lado, o zoom manifesta a atração que
os objetos exercem nas pessoas, de outro indica a repulsão entre elas. Esse recurso isola
os corpos e os personagens uns dos outros – além de encurralá-los no quadro e de
impedir a nossa abstração das situações desagradáveis: “Mirá, mirá bien”, já
conhecemos a interpelação de Vanesa. A garota, aliás, por sua condição de objeto, é a
única que consegue compartilhar o plano com outros personagens sem grandes
enfrentamentos – pelo menos até a parte final, quando é uma das responsáveis (ainda
que inconsciente) do sangue que assalta o filme.5
No caso da família, ainda que seus membros vivam na casa, eles nunca
efetivamente convivem. Eles simplesmente se cruzam pelos corredores e cômodos de
maneira fantasmal, ignorando-se ou movendo desgostosamente suas cabeças para
identificar quem passa (como quando Leandro atravessa a sala, segurando o vômito,
enquanto Irene joga cartas com suas alunas; ou no momento em que Arturo observa,
silenciosamente, em um canto da cozinha, seu filho ensanguentado e de rosto
deformado). Se há contato, este se dá sempre na base do confronto e da agressividade:
nas poucas vezes em que se dirigem a palavra, é a mãe que o faz, sempre em tom de
ordem ou de acusação (LOREA e TAGLIAFERRI, 2013).
Quando os personagens estão no espaço público (sempre sobrecarregado de
gente, de carros, de vozes, de mercadorias, de buzinas), eles se encontram tão alheios

                                                                                                                       
5
Além da ligação que quase se estabelece entre Leandro e Vanesa, o filme traz mais um lampejo de relação
afetiva que, igualmente, termina abortada: o affaire entre Arturo e a senhora mística que é aluna de sua
esposa.

 
 
126  
 

àquilo que os cerca que tudo ao redor acaba sendo desfocado. A turbidez provocada cria
uma nebulosa que envolve as figuras em primeiro plano, fazendo com que a cidade,
mesmo sem aparecer de maneira nítida, atue continuamente sobre os personagens,
rodeando-os e os pressionando.
Na passagem de Leandro do alto do prédio à rua, em um jump cut, se soma
ao ruído agudo descrito no segundo capítulo uma música new age, interrompida por um
riff de guitarras sujas – interrompido, por sua vez, por um brusco silêncio. A
apresentação sonora caótica do rapaz se conecta com sua personalidade tumultuada: ele
é o único dentre o elenco coral que não se contém nem um pouco, indo e vindo e
fazendo o que lhe dá na telha; desalinhado, esquálido, com manchas de tinta pelo corpo,
debaixo das unhas, de cabeleira desgrenhada, vestindo jaqueta de couro apesar do (ao
que tudo indica) calor.
Ainda no terraço, nota-se sua palidez, e o excessivo brilho do sol (redobrado
pela membrana asfáltica prateada que impermeabiliza a laje) colabora para o forte
contraste da pele com os cabelos e as roupas pretas. Tanto sua caracterização quanto sua
atitude sombria e ingovernável (entre o entorpecimento pela droga e a indiferença pelas
pessoas e pelo ambiente) fazem que Leandro se pareça a um zumbi à deriva nessa
cidade turva – se seguimos o estereótipo popular e corrente do zumbi como um morto-
vivo que se dedica a perambular e a agir de forma estranha e instintiva, em estado
catatônico. Plasticamente, essa impressão vai se consagrar quando ele aparece com a
cara destroçada.
Romina, com quem Leandro transa no terraço, compartilha com ele o
vestuário escuro que combina com as melenas e contrasta com a pele branca – o que,
articulado com a obsessão da garota pelo rapaz (que a faz persegui-lo cegamente
durante todo o filme), a identifica como outro zumbi. Ademais, de diferentes formas,
mesmo nos personagens que não adotam esse figurino há algo de sorumbático: na
aparência enfermiça de Sandra e em seu desgoverno; no aturdimento concupiscente em
que se encontra Luis; na letargia com que Vanesa segue sua vida; na assombração que
Irene representa dentro de sua própria casa.
Se o valium ajuda Irene a manter sua condição zumbi e o ecstasy faz o mesmo
por Leandro, Arturo é amparado pela voz sonambúlica dos CDs de relaxamento que escuta

 
 
127  
 

no táxi. Esse personagem se desenha por meio do silêncio, de cochichos inaudíveis e de


gestos coibidos que contrastam com o vulcão em ebulição que habita seu corpo.
O extravasamento da agressividade que já permeava tudo não se dá apenas
pelas mãos de Arturo, mas pelo sexo retaliativo de Romina com o amigo de Leandro e
pelo “beijo” sangrento de Vanesa. A pulsão violenta desses zumbis hostis à vida humana
parece encaminhar o universo de La sangre brota ao apocalipse da sociedade, como
costuma acontecer nos filmes distópicos. A distopia, aliás, mais que uma evidência que se
desprende do desfecho do filme, é uma condição que o percorre de cabo a rabo.
Frente à instabilidade conceitual que o termo distopia encarna, Lucas Moreira
Soares de Souza (2014) propõe rever algumas ideias que o tratam como um subgênero da
ficção científica ou como uma visão negra do futuro. Seguindo autores que se debruçaram
sobre os territórios das distopias como Russell Jacoby, Aldous Huxley, Corin Braga e
Daniel Dei, Souza afirma que a distopia não é apenas o contrário da utopia, mas que ela
nasce da própria utopia e é seu complemento lógico. Para ele, se o código da distopia é
um sistema genérico, ou um subgênero, é derivado da utopia nascida no século XVI, e
não da ficção científica que se consolida nos séculos XIX e XX, como costuma associar-
se.6 Em seu trabalho, Souza incorpora especialmente as considerações de M. Keith
Booker e seus estudos referenciais sobre a distopia na literatura:

Brevemente, a literatura distópica é especificamente aquela literatura


que se situa em oposição direta ao pensamento utópico, chamando a
atenção das possíveis consequências negativas do utopismo total. Ao
mesmo tempo, a literatura distópica geralmente também constitui uma
crítica às condições sociais ou sistemas políticos existentes, seja
através do exame crítico das premissas utópicas sobre as quais suas
condições e sistemas estão baseados; ou através da extensão
imaginativa dessas condições e sistemas dentro de diferentes
contextos que mais claramente revelam suas falhas e contradições
(BOOKER, 1994, p. 03).

Pensando em um recorrido histórico, Souza explica que, assim como na


literatura – com Nós (Mii, Yevgeny Zamyatin, 1925) e Admirável mundo novo (Brave
new world, Aldous Huxley, 1933) –, a expressão da distopia no cinema eclode no

                                                                                                                       
6
Para Carolina Figueiredo (2008 apud Souza, 2014), um fator importante que ajudou a confundir distopia
enquanto subgênero da ficção científica reside na questão da ficcionalização da ciência, característica usada
pelo mercado editorial na trajetória de catalogação das distopias. Para informações sobre as relações entre
utopia, distopia e ficção científica, ver Baldessin (2006).

 
 
128  
 

entreguerras – com Metropolis (Fritz Lang, 1927) –, quando as contradições da utopia


começam a ser articuladas, ao se perceber que a possibilidade de um mundo utópico se
desvanece significativamente. O filme de Lang mesclou os símbolos de uma realidade
em extrema tensão causada pela força destrutiva da máquina de guerra com as
tendências do expressionismo alemão e, assim, instituiu temas e estéticas que se
tornariam centrais para o desenvolvimento da expressão distópica: o diálogo com a
crítica social e cultural de origem marxista e a desfamiliarização dos ambientes através
de cenários distantes e imaginários (BOOKER, 1994).7
Ainda apoiando-se em Booker, Souza assinala que as narrativas distópicas
mantêm uma relação umbilical com a realidade atual, seus conflitos, incertezas e
eventualidades. “A distopia discute a ideia de historicidade do presente, mostrando que,
no passado, foram enterradas as perspectivas de mudança e de harmonia entre os
membros de uma comunidade” (2014, p. 25).
Lúcia Nagib, em seu livro A utopia no cinema brasileiro: matrizes,
nostalgia, distopias (2006), estuda o ressurgimento do gesto utópico no cinema
brasileiro feito desde meados da década de 1990, bem como suas variações e negações.
Em entrevista a Cecília Mello e Gilberto Alexandre Sobrinho, ao ser questionada sobre
o conceito de antiutopia a partir de representações do presente no cinema brasileiro,
Nagib prefere inserir a noção de distopia:

A antiutopia é algo que parte do projeto utópico. A distopia não parte


do projeto utópico, ela tem uma visão negativa do que vai ocorrer. A
antiutopia é o processo dialético do desejo de que haja uma utopia e
das impossibilidades e dos obstáculos em realizá-la; então, seria a
dialética glauberiana. A utopia que inclui em si a antiutopia, como no
caso do Terra em transe (1967), onde isso é muito nítido e causa o
dilaceramento dos personagens. E essa utopia, então, vai se referir a
projetos utópicos, falidos, como a mitologia do descobrimento, à
questão de Thomas More, de ser possível uma sociedade igualitária ou
onde as diferenças sociais fossem abolidas (MELLO e SOBRINHO,
2009, p. 218).

Como é possível perceber, Booker e Nagib não compartilham a definição de


distopia – o que, para ele, é distopia, para ela é antiutopia. Todavia, enquanto eles
                                                                                                                       
7
Para Booker, é devido a essa estratégia da desfamiliarização que as narrativas distópicas podem ser
relacionadas a ficções científicas. “Há, claramente, bastante superposição entre a ficção distópica e a ficção
científica, e muitos textos pertencem às duas categorias. Mas, em geral, a ficção distópica difere da ficção
científica na especial atenção à crítica social e política” (BOOKER, 1994, p. 04).

 
 
129  
 

divergem na conceituação, convergem na modalidade de manifestação que a distopia


assume nas obras artísticas: Booker a considera não tanto como um gênero específico,
senão mais como um tipo particular de energia ou de espírito crítico. Nagib, ao focalizar
O invasor de Beto Brant como retrato distópico do Brasil urbano, explica que isso
deriva menos do conteúdo que da forma; dos recursos utilizados para mostrar que o
universo supostamente protegido da classe dominante encontra-se permeado pela feiura
e abjeção que o cercam – a contaminação estética revela um diagnóstico ético. Nesse
sentido, ambos compactuam, ainda, com Lyman Tower Sargent (1994 apud BLAIM e
GRUSZEWSKA-BLAIM, 2011), quem tampouco caracteriza a distopia como um
gênero ou um modo de discurso, conceituando-a como certa maneira de construir o
mundo representado. É, enfim, nessa qualidade de “aura” que a expressão distópica
toma conta do longa de Fendrik.
A montagem de choque, a multiplicidade de cores frias (com ênfase no
verde), a caracterização dos personagens (o matador mefistotélico, o empresário
assustado que recorda figuras do expressionismo alemão), as deformações e os
contrastes são alguns dos elementos destacados por Nagib como indícios da distopia no
filme brasileiro – os quais também podem ser encontrados em La sangre brota, com
algumas variações: ao invés do verde, a predominância do azul; a já detalhada
identificação dos personagens com os zumbis. Especificamente com relação a Arturo, é
possível ainda relacionar seu semblante exasperado com o de algumas figuras típicas da
iconografia de Hieronymus Bosch, que se consagrou devido às representações do
inferno e de seus habitantes ou do mundo terreno (caótico, desordenado, monstruoso)
invadido pelo mal, como relata o historiador da arte Ernst Gombrich (1997).8
Investindo nesse caminho, os estudos de Cléber Eduardo (2003, 2005) sobre
o cinema da distopia brasileira durante a Retomada resultam bastante produtivos em
suas aproximações com La sangre brota. Eduardo busca pensar como, no cinema do
fim dos anos 1990 e início dos 2000, se esvazia a utopia alimentada durante a ditadura:
o futuro chegou e não era como o esperado.

                                                                                                                       
8
Destaco mais especificamente o quadro Cristo carregando a cruz (c. 1500) que, quase que totalmente
preenchido por rostos muito próximos uns dos outros, é descrito por Elvio Antônio Rossi (s/d) como “(...)
um verdadeiro estudo de expressões faciais humanas e de semblantes demoníacos; uma multidão de faces
caricaturais, disformes e contorcidas”. Para o autor, esta pintura revela como Bosch mostra de forma
admirável o abjeto, a maldade e a brutalidade através do uso da distorção e da expressão facial.

 
 
130  
 

Segundo a definição de Gustavo Remedi em Neorrealismo


latinoamericano, la máquina del horror, a distopia caracteriza-se por
“toda subespécie discursiva, nas organizações sociais invertidas,
desviadas e terríveis”. No artigo “La hora destemplada”, publicado no
semanário Brecha, de Montevidéu, Luis Pérez Aguirre abre mais o
leque. Usa o termo para definir a onda de desencanto vivida por quem
batalhou em nome de um futuro idealizado. A distopia é vista ali
como um choque de realidade contra projetos só possíveis em sonhos.
Em nosso campo de análise – o cinema brasileiro distópico, de 1994 a
2003 –, observaremos filmes que, sem obedecer completamente às
definições acima propostas, salientam aspectos negativos da realidade,
por meio da ficção, sem vislumbrar possibilidades de transformação.
Estas obras refletem uma expectativa sombria para o futuro,
sustentada por evidências ásperas do presente (EDUARDO, 2003).

O autor esclarece que há críticos que preferem usar os termos desencanto ou


desilusão, mas, para ele, nunca houve encanto ou ilusão: esse tipo de distopia não seria
uma falência da utopia, mas a inexistência permanente dela, com personagens que
nunca tiveram a possibilidade de se iludir (aproximando-se, assim, da acepção de
distopia exposta por Nagib). Tais filmes abordam projetos pautados pela transgressão da
lei e pela ausência de valor ético – e que acabam em lugar nenhum. Não há mais espaço
para a reconstrução da ordem. Apesar de se dar uma ruptura, não há progresso: há
apenas uma alteração de cenário.
Eduardo capta alguns aspectos dessa produção como a abordagem do
microcosmo e do conflito interno no lugar de narrativas totalizantes, o estar encerrado
em limites físicos como expressão imagética da circunstância social e afetiva dos
personagens, a violência e a ruptura e tensionamento das relações, ao invés da
conciliação – aspectos estes que se destacam no filme de Fendrik, como já observei. O
autor enumera, ainda, alguns elementos que chamam a atenção por serem da ordem do
oximoro: o deslocamento estático, o confinamento em espaços abertos e uma
dramaturgia pendular – que, no caso de La sangre brota, preferimos nomear como
circular, mas que indica o mesmo proposto pelo autor, um movimento sem avanços e
que termina em impasse.
Como introduzido no capítulo 2, os personagens estão em permanente
movimento, ainda que espremidos em uma mise en scène claustrofóbica que os condena
ao imobilismo. Isso se dá, principalmente, porque os enquadramentos obstrutivos,
manchados ou excessivamente reduzidos são dominantes no filme. Quando o plano se

 
 
131  
 

amplia (o que acontece apenas em espaços abertos), é para esmagar as pessoas nas ruas
babélicas ou para mergulhá-las em uma massa disforme produzida pelo desenfoque.
As residências e os recintos fechados (como a galeria, com a loja de
celulares e a fabriqueta de ecstasy disfarçada de lan house) são apenas lugares de
passagem, sendo que a trama se move a partir das ações nas ruas, parques e outros
espaços abertos que, quando não estão recortados, lotados ou desfocados, são cenários
abandonados que parecem terra de ninguém – como a parte externa do hospital onde
Sandra ameaça deixar seu bebê, o estacionamento do cassino (cheio de carros mas sem
qualquer indício de gente) ou a entrada da rodoviária. O parque escapa um pouco dessa
caracterização e promete ser um lugar de amor devido à sinergia que se constrói entre
Leandro e Vanesa – promessa que dura pouco frente à atuação impertinente de Luis e
que se quebra de vez quando o beijo, uma expressão de carinho, se transforma em uma
mordida forte e irrefreável.
A rodoviária, o aeroporto e o cassino, apesar de não serem propriamente
habitados pelos personagens, configuram-se como pontos de partida de acontecimentos-
chaves relacionados a Arturo. Locais como esses, nos quais sempre se está de passagem,
são denominados por Marc Augé (1994) como não-lugares: caracterizados pela
ausência de identidade, significado e referência histórica, opõem-se aos lugares
antropológicos que remetem à região e à tradição e são identitários, relacionais e
históricos. Sob tal perspectiva, o autor elenca os não-lugares como espaços de
circulação (estações de trem, rodoviárias, aeroportos, autoestradas, lojas de
conveniência em postos de gasolina), de consumo (super e hipermercados, cadeias
hoteleiras, shopping centers, cassinos) e os espaços de comunicação global e em rede
(telas, ciberespaço, redes sem fio como as de internet móvel e de telefonia celular).

Buscando entender a proliferação desses [dos não-lugares] na


contemporaneidade, Augé defende que tais fenômenos são
característicos do que ele denomina como sobremodernidade ou
supermodernidade. Para ele, a sobremodernidade se caracteriza por
fazer coexistir realidades distintas a partir da planetarização tanto de
fluxos financeiros e políticos como de pessoas, a partir dos meios de
transporte cada vez mais velozes que permitem o deslocamento físico
a grandes distâncias e em um curto espaço de tempo, ou ainda a partir
das tecnologias de comunicação que interconectaram todos os pontos
do globo e alteraram nossa percepção tanto de tempo quanto de
dimensão da Terra. (...) O autor, em sua teoria, defende ainda que os
não-lugares tenderiam à generalização de suas propriedades,

 
 
132  
 

justapondo-se, criando assim uma falsa sensação de familiaridade em


meio à transitoriedade que lhes é característica. (...) Eles transformam
os particularismos das cidades onde se inserem em uma uniformidade
global (REIS, 2013, p. 137-138-139).

O antropólogo francês, contudo, faz uma importante relativização de seu


conceito, ao ponderar que a existência dos não-lugares está diretamente relacionada aos
modos como os sujeitos se apropriam deles. Essa definição em função do uso que cada
indivíduo faz dos lugares e dos não-lugares me permite recuperar as considerações de
Michel de Certeau (1994) acerca das maneiras de fazer o espaço urbano e pensar no
papel dessas localidades em La sangre brota.
De saída, está o táxi, lugar por excelência no qual se mesclam
particularidade e globalização: similares em quase todas as cidades, o que sucede em
cada um tem a ver com as contingências e com as situações peculiares de cada
contexto. Como sustenta Gonzalo Aguilar, “no cinema latino-americano recente”, por
exemplo, “o táxi tem se transformado em um modelo reduzido da sociabilidade
violenta: a colombiana La virgen de los sicarios, a chilena Taxi,9 as argentinas Pizza,
birra, faso, Todo juntos e Taxi, un encuentro” (2006, p. 44), produções às quais se
soma o filme de Fendrik.
Os trajetos entre o cassino e o aeroporto, nos quais entram em cena
McEnroe e sua namorada, dão as primeiras pistas da irascibilidade de Arturo. Se a
violência de El asaltante é forçada por uma situação (o protagonista se torna violento
porque se sente encurralado), em La sangre brota a violência é parte de Arturo e ele
deve reprimi-la todo o tempo, perante o acosso do desconforto, da frustração, da
impotência e das agressões que se lhe apresentam – como a massa sonora urbana que
infesta o carro, as atitudes grosseiras dos passageiros e suas provocações que levam o
personagem à ilegalidade e à bancarrota.
Há ainda o engarrafamento – conforme Olivier Mongin (1998), sumário da
violência psicológica inerente à urbanidade – que enclausura e angustia Arturo, reitera
sua opressão, e do qual não há possibilidade de fuga, condenando o personagem, mais
uma vez, à resignação. Na viagem que parte da rodoviária, o taxista que o intercepta e
espanca um passageiro parece ser o avesso desse resignado Arturo, mas com o decorrer
                                                                                                                       
9
Aguilar se refere ao filme Taxi para tres (Orlando Lübbert, 2001). Os títulos argentinos já são conhecidos
do primeiro capítulo, e La virgen de los sicarios (2000) é uma coprodução Colômbia-França dirigida por
Barbet Schroeder.

 
 
133  
 

do filme essa cena vira antecipação da pancadaria que o homem irá desatar contra o
próprio filho (e, em menor medida, contra a esposa).
Aguilar ainda analisa como os táxis são um emblema dos contratos
transitórios que sempre estão a ponto de se romper. Se, para Augé, “os lugares
antropológicos criam social orgânico, os não-lugares criam tensão solitária” (1994, p.
87), nos táxis, sugere o pesquisador argentino, não há organicidade social nem tensão
solitária. Essa vacilação é evidente nas relações situadas no táxi de Arturo – não
obstante, ela não se restringe a esse espaço e contamina todos os contatos do filme.
É possível, nesse sentido, aplicar a La sangre brota o que Aguilar infere
sobre algumas obras que se baseiam no conceito de nomadismo proposto por ele, como
Vida en Falcon e Pizza, birra, faso: “pode haver contratos, como quer Augé, mas
sempre sob suspeita; podem parecer orgânicos, mas esta organicidade sempre resulta
ilusória” (2006, p. 44). O nomadismo de Aguilar, inclusive, se realiza de maneira plena
no longa de Fendrik: a casa, espaço de configuração identitária, evidencia uma
deterioração em sua função acolhedora e mentora, aparecendo como um local do qual
todos desejam escapar. Ramiro se mudou não apenas da residência, mas do país;
Leandro e Arturo, nos poucos minutos que a ocupam, necessitam colocar a cabeça para
fora das janelas e respirar profundamente como se estivessem sufocados. Irene é a única
que aí permanece, o que se justifica por sua atitude hostil que parece mimetizar o
espírito repulsivo desse lugar-não-lugar. O taxista tampouco consegue ficar na morada
zen de sua amante, da qual sai tão descontente como dos outros locais (muito) menos
amigáveis que frequenta.
Entretanto, Ramiro quer voltar dos Estados Unidos. Arturo e Leandro, após
o choque entre ambos, terminam “juntos” na cozinha da casa. Se o espaço privado é
desconfortável, o espaço público tampouco é receptivo – vide a pressão que os
personagens encontram ao ocupá-lo, esmagados ou entre a multidão, ou na abstrusa
imagem desfocada, como já expus. A situação em que se encontram é um cruzamento
entre as problemáticas particulares e familiares com as questões sociais, que se
retroalimentam e se intensificam.
Outra demonstração exemplar dessa condição se dá na única sequência em
que a câmera não acompanha Arturo ao interior do táxi, observando-os de fora. Em um
ligeiro contraplongée, vemos o homem dirigindo, vestindo um colete de lã que tenta

 
 
134  
 

esconder a camisa manchada do sangue do passageiro. O vidro fechado reflete a cidade,


mesclando o rosto do personagem aos prédios, casas e fios que pendem dos postes.
Notamos pequenas alterações em sua expressão que vai se tornando cada vez mais
amarga, como se o carro cedesse à pressão da metrópole, não sendo mais capaz de
apartar Arturo dos ataques desta última, os quais ele vai incorporando até o momento de
sua detonação.
Enquanto os personagens se movimentam desencontrada e
desesperadamente, a cidade se mantém impassível, sem se mostrar completamente (e
sem mostrar saídas), mas impondo sua presença de maneira perturbadora, o que reforça
a expressão distópica inculcada em La sangre brota, já que, como afirma Nagib,

A distopia tem sempre uma ligação com o urbano, então o problema é


o homem criar a máquina que no fim vai dominá-lo. Daí decorre o
sentimento de que quando tudo era natural, quando tudo estava sob o
domínio da natureza, sem a intervenção maquiavélica do homem, era
melhor, mas o homem foi criando mecanismos dos quais, afinal, ele se
tornou escravo. As distopias são intimamente ligadas à cidade e ao
urbano, por isso eu chamo O invasor de uma distopia (MELLO e
SOBRINHO, 2009, p. 218).

Enquanto Nagib enfatiza o entrelaçamento da distopia com o urbano, Eduardo


(2003) nota – ainda sem refletir sobre o dado, mas apontando que o mesmo não pode ser
ignorado – que a maioria dos trabalhos sobre os quais se debruça são de cineastas paulistas
ou radicados em São Paulo,10 colocando a cidade/esta cidade como um aspecto importante
na construção da distopia nas obras.
Souza (2014) também elenca uma porção de signos distópicos ligados ao
urbano – alguns podem ser distinguidos em La sangre brota – como a coisificação dos
corpos, a alienação das mentalidades, o individualismo exacerbado, a violência e o
consumismo desenfreado, entre outros, lembrando a íntima relação da cidade tanto com as
utopias quanto com as distopias desde suas origens:

                                                                                                                       
10
O corpus inicial da pesquisa de Eduardo é formado pelos filmes Carlota Joaquina (Carla Camurati,
1995); Um céu de estrelas (Tata Amaral, 1996); Dezesseis zero sessenta (1996) e Mater Dei (2000), de
Vinicius Mainardi; Anahy de las Misiones (Sérgio Silva, 1997); Os matadores (1997), Ação entre amigos
(1998) e O invasor, de Beto Brant; Kenoma (Eliane Caffé, 1998); Cronicamente inviável (Sérgio Bianchi,
2000); Estorvo (Ruy Guerra, 2000); Bicho de sete cabeças (Laís Bodanzki, 2001); Latitude zero (Toni
Venturi, 2001); Cidade de Deus (Fernando Meireles e Kátia Lund, 2002); Dois perdidos numa noite suja
(José Joffily, 2002); Durval Discos (Anna Muylaert, 2002) e O príncipe (Ugo Giorgetti, 2002).

 
 
135  
 

Desde o século XVI, no tempo em que Thomas More compôs a


Utopia, a cidade tem sido um elemento, tanto nas ficções utópicas
quanto nas distópicas, que mereceu uma atenção primordial das
energias do pensamento idealizador da vida em sociedade. Muito
antes de outros objetos dinâmicos (leis, hábitos, proibições, líderes,
punições, população, ornamentos, arte etc.) serem formulados na
mente utópica, é a geometria do espaço citadino de convivência entre
os sujeitos o primeiro objeto que ganha contornos particulares. Por ser
um signo de repetição na reversão utopia/distopia, a cidade se tornou
um símbolo na literatura e no cinema destes gêneros (SOUZA, 2014,
p. 157-158).

A partir dessas considerações de Souza, é possível abrir um parêntese para


pensar algumas associações livres que atingem o corpus aqui explorado: embora a
utopia surja no Renascimento, associada, portanto, à modernidade e a formas de
fabulação de sociedades/cidades ideais – traço que vai permanecer até os projetos
arquitetônicos da Revolução Francesa, por exemplo, e, inclusive, em certas vanguardas
como a Bauhaus –, já nas “primeiras” crises de modernização (segunda metade do XIX)
ou até mesmo antes (o homem natural de Rousseau, quase coetâneo de Thomas More) a
natureza/o campo – outrora rejeitados e temidos, sinônimos de barbárie e de perigo –
vão despontar como espaço ou refúgio utópico. Os countries não seriam uma
reatualização dessa suposta escapada utópica... mais uma vez – pelo menos, como
demonstram Historia del miedo e Una semana solos – falida?
Assim, ao passo que em alguns dos filmes do corpus há espaços protegidos
(ou fabulados como um refúgio) que ruem ao longo das tramas – além dos countries, a
Curutchet em El hombre de al lado e a igreja em Elefante blanco –, em La sangre brota
eles inexistem desde o início. Com as relações acontece algo parecido: do início ao fim,
todos vivem à base do cada um por si, e cada contato humano tenderá à exploração,
perversão ou jogo de poder. Quando há afetos, eles são mercantilizados: a “afeição” de
Luis transforma o corpo de Vanesa em mercadoria negociável; a situação de Sandra e
seu carinho atordoado pelo bebê também fazem de Vanesa um bem de troca; o amor
vislumbrado de Arturo pelo filho ausente se traduz na necessidade de lhe enviar
dinheiro. Já Irene e Romina, cada uma à sua maneira, tratam de levar adiante suas
paixões (pela aparência, pelo jogo, por Leandro).
Ao invés de assistirmos a personagens utopistas transformando a realidade
cruel de suas sociedades, buscando saídas construtivas, nos deparamos com os mesmos
à procura de rotas de fuga para evadir a brutalidade (não sem antes reproduzi-la).

 
 
136  
 

Porém, até a fuga é frustrada: o confinamento salienta a dificuldade ou a


impossibilidade de mudança. E eles não estão apenas presos no quadro, na casa
inamistosa ou na cidade asfixiante, mas também em uma estrutura narrativa circular,
com elementos repetitivos, que parecem condená-los à distopia diária.
O corte, a descontinuidade, o brusco salto de raccord são insistentes e
instalam o desajuste na própria mise en scène (BERNADES, 2009b). A luz (seja do sol,
seja dos faróis de um carro) bate de frente produzindo o choque, mas este não se limita
ao visual e é acompanhado pela guitarrada, pelo trânsito ou por um silêncio estranho e
profundo. Essa confusão imagética e sonora permeia todo o filme, mas se destaca,
especialmente, em seu início e fim, como atenta Beatriz Urraca:

La sangre brota começa e termina com duas imagens inicialmente


ininteligíveis e desorientadoras: a primeira mostra o jovem Leandro
fazendo amor com uma garota; e a última a seu pai, Arturo, batendo
nele selvagemente. Em ambos os casos, o extremamente perto da
câmera e a iluminação de frente causam uma distorção que se
aproxima ao que veria um personagem adormecido, drogado ou
aturdido. Quando o foco finalmente permite recuperar a nitidez, a ação
terminou, e o espectador só vê com claridade as sequelas (URRACA,
2012, p. 03).

Se as cenas incompreensíveis descritas por Urraca alojam a circularidade, esta


é reforçada pelo acolhimento de Romina a Leandro, que termina nos braços da “prima”
da mesma forma que havia começado. A propósito, no relacionamento de ambos, a um
momento de carícia sucede um de rechaço, cíclica e esquematicamente (já na primeira
sequência é difícil saber se seus gemidos são de dor ou de prazer). Apesar de o sangue
brotar no decorrer da trama, nada muda. Como afirma Eduardo (2003): não há progresso,
apesar da ruptura.
Destarte, a violência não é uma postura libertadora no filme de Fendrik, como
parece ser em Relatos selvagens. Ela é o eixo de um ciclo de desmembramento pessoal,
familiar, social e urbano que, como ciclo, não tem saída – menos ainda através daquilo
que o estrutura. Em La sangre brota, não há vítimas nem carrascos, inocentes nem
culpados, não há heróis, anti-heróis nem vilões, e entre o ódio e a pena que as figuras
exalam, constrói-se um campo magnético e repulsivo ao mesmo tempo. Ao invés de não
catarse, contracatarse. Ao invés da selvageria dos outros, a distopia para todos.

 
 
137  
 

4.2. Ruínas: Elefante blanco

Segundo Ivana Bentes, no cinema, “são muitas as estéticas da violência,


com diferentes éticas e consequências: afirmativas, reativas, resistentes, elas podem ser
sintoma e expressão de formas de viver, valorar e pensar” (2003, p. 08), trabalhando,
como completa Marília Bilemjian Goulart, “como um dos recursos a desarticular ou a
reforçar estereótipos, encaminhar leituras que naturalizem ou que problematizem e
questionem as ações mostradas” (2014, p. 30-31).
As favelas carregam, como denominado por Ella Shohat e Robert Stam
(2002), o “fardo da representação”11 que as instituiu como locais da criminalidade, do
perigo e da precariedade, tanto no seu sentido material quanto imaterial – enfim,
locais da violência.12 Esse “fardo” parece ter se fortalecido imensamente com o que
Barbara Mennel (2008) chamou “nova estética do gueto”, que pensa sobre a onda de
sucesso dos new black films, um fenômeno popular nos Estados Unidos e no mundo
no início dos anos 1990.
Mennel recupera Jacquie Jones e seu texto “The new ghetto aesthetic”, no
qual a autora expõe um levantamento crítico da explosão desse “gênero” que, de
acordo com ela, segue as convenções hollywoodianas e, logo, solapa políticas de
gênero ou raciais, ao tomar caminhos muito distintos daqueles filmes nos quais se
baseia, como as produções blaxpoitation ou o cinema independente de crítica social de
Charles Burnett e Haile Gerima. Jones interpreta essa nova produção como resultado
de sua marketabilidade, pois Hollywood espera capitalizar em cima do sucesso dos
recentes filmes de baixo orçamento feitos nesses locais, criando uma bateria de
produções que “iluminam” a vida de negros jovens, a curiosidade sociológica nacional

                                                                                                                       
11
Ou seja, uma visibilidade que se dá a partir de estereótipos que pouco elucidam quanto a sua
complexidade e atuam como uma sinédoque.
12
“A encenação da situação das periferias como abcesso de fixação da insegurança para a qual colaboram o
poder público, as mídias e uma grande parte da opinião, é de alguma forma o retorno das classes perigosas,
isto é, a cristalização em grupos particulares, situados às margens, de tudo o que uma sociedade traz de
ameaças. O proletariado industrial desempenhou este papel no século XIX: classes trabalhadoras, classes
perigosas. É que naquela época, mesmo trabalhando, na maioria da vezes, não estavam inscritos nas formas
estáveis do emprego. Eles importavam às periferias das cidades industriais uma cultura de origem rural
descontextualizada, percebida pelos urbanos como uma incultura, viviam na precariedade permanente do
trabalho e do hábitat, condições pouco propícias para estabelecer relações familiares estáveis e desenvolver
costumes respeitáveis. (...) Será que a fórmula não poderia aplicar-se às populações das periferias de hoje, ou
pelo menos à imagem que delas construímos?” (CASTEL, 2005, p. 55-56, destacados no original).

 
 
138  
 

do momento.13 A pesquisadora sugere que esses filmes explicam e traduzem o gueto a


uma audiência voyeurística simultaneamente atraída e repelida pela fantasia desse
ambiente como uma zona tabu.
Analisando alguns filmes dessa vertente – e se dedicando especialmente a
duas produções que se destacaram, Boyz n the hood, de John Singleton e New Jack City,
de Mario Van Peeble, ambas de 1991 –, Mennel percebe um padrão: histórias de
violência associadas a drogas e quadrilhas em locais urbanos decadentes, representando
problemas como policiamento, gentrificação, a onipresença dos entorpecentes ilegais,
encarceramento, conflitos de gangues, falta de emprego, recursos e educação. Segundo
a autora, os filmes propõem-se a mostrar a verdade sobre o gueto através de um
realismo cru, deixando os espectadores com a ilusão de um conhecimento privilegiado
de partes do país que são simultaneamente invisíveis e hipervisíveis.
Da mesma maneira, Mennel aponta que, devido ao domínio do mercado
cinematográfico internacional por Hollywood, filmes como o brasileiro Cidade de Deus
e o sul-africano Tsotsi (Gavin Hood, 2005) podem ter sido bem-sucedidos no exterior
por imitar a representação do gueto norte-americano, a qual explora a miséria. A
distribuição massiva de filmes do Terceiro Mundo que fetichizam a violência não
apenas cria uma falsa concepção sobre a pobreza urbana nesses locais, mas também
estimula que países inteiros sejam vistos como guetos. Seguindo esse fenômeno (e da
mesma maneira que nos filmes de gueto e sua repercussão nos EUA), há o que ela
chama de efeito favela: a disseminação de representações da favela à audiência global
que as incorpora com a ilusão de conhecimento de causa. Assim, o efeito favela
descreve uma dinâmica na qual os cinemas nacionais incorporam estilos e gêneros
mainstream para produzir representações de sua própria cultura, que são distribuídas
como autênticas para os espectadores de todo o mundo.
As proposições de Mennel estão em sintonia com o que Bentes (2003)
designou cosmética da fome – forma vazia e estilizada de consumo das imagens da

                                                                                                                       
13
Também explode um interesse por outras práticas culturais vindas das margens, como o hip hop, o
grafite e a moda. O mesmo acontece no Brasil contemporâneo: para Bentes, “os filmes brasileiros que
falam da favela refletem um momento de fascínio por esse ‘outro social’, em que os discursos dos
marginalizados começam a ganhar um lugar no mercado: na literatura, na música (funk, hip hop);
discursos que refletem o cotidiano de favelados, desempregados, presidiários, subempregados, drogados,
uma marginalidade ‘difusa’ que ascendeu à mídia de forma ambígua. Pobreza e violência que
conquistaram um lugar no mercado como temas de um presente urgente” (2007, p. 248).

 
 
139  
 

pobreza e da violência.14 No Brasil, a vida na favela foi recorrentemente abordada no


cinema: desde as tímidas incursões de Humberto Mauro em Favela dos meus amores
(1935), passando por sua eleição (junto ao sertão) como lugar privilegiado para a
observação da realidade nacional e a revolução durante o Cinema Novo, após a
Retomada a favela foi tema de títulos que atingiram uma hipervisibilidade,
impulsionando debates, polêmicas e tendências que repercutiram em âmbito nacional e
estrangeiro. A grande quantidade de produções que traziam a favela como espaço
principal de seus enredos, a partir do fim da década de 1990, estimulou, inclusive, a
nomeação de um novo “gênero” dentro do cinema nacional: o favela movie ou,
simplesmente, filme de favela. Para Bentes, foi Cidade de Deus e sua cosmética da fome
que abriu caminho para uma grande quantidade de filmes que acionavam formas
parecidas, em que se apresenta uma violência randômica destituída de sentido que é
pura espetacularidade e fica no âmbito dos acontecimentos imediatos, no que é visível e
superficial, ausentando-se qualquer discurso explicativo da origem dessa brutalidade e
reforçando-se a visão da favela como um lugar prenhe de violência.
Na Argentina, a presença da favela no cinema é mais bem uma novidade –
talvez por ser mais recente, também, sua evidência na paisagem urbana. O historiador e
arquiteto Adrián Gorelik descreve, em seu livro Miradas sobre Buenos Aires (2004),
como o costumeiro olhar à capital portenha como uma cidade europeia15 foi fraturado
pelo aparecimento das favelas, as quais significavam uma “latino-americanização” da
Capital Federal.
Suburbio (León Klimovsky, 1951) é o primeiro filme argentino que
manifestamente põe em cena a favela – ou, como bem examina Patricio Fontana (2013),
põe em cena a dificuldade de sua representação e, também, nomeação (o título já mostra
a inexistência de um termo que dê conta do fenômeno). Nesse filme, a representação da
favela mistura o imaginário tangueiro bairrista comum a várias produções da Era de

                                                                                                                       
14
A expressão surge em oposição à estética da fome proposta por Glauber Rocha em 1965, que analisava
uma forma de expor a miséria. Em poucas palavras, segundo o cineasta, os filmes tinham de agredir a
percepção para refletir a violência social.  
15
“O caráter europeu de Buenos Aires chegou a assumir a estatura de um mito. Pedra de toque na convicção
acerca da excepcionalidade dessa cidade no contexto latino-americano ou consigna para repudiar seu
manifesto desinteresse pelo país e o continente que deixa ‘a suas costas’, o caráter europeu de Buenos Aires
havia ficado, até há pouco tempo, preservado nas principais representações da cidade, como se fosse um
dado da realidade cuja evidência urbana, histórica ou cultural não merecesse discussão” (GORELIK, 2004,
p. 71).

 
 
140  
 

Ouro do cinema argentino16 (o bairro é o refúgio do qual não se deve sair para não
correr o risco de cair nas tentações morais que se oferecem no centro da grande cidade)
à necessidade de escapar desse lugar miserável e sujo. Tal combinação (um tanto
contraditória) descortina os obstáculos de representar um espaço urbano que o cinema,
até então, havia dispensado. Nota-se a invisibilidade dessa parte da cidade através do
depoimento de uma das personagens, Amalia, a médica boa-vida que deixa tudo para
morar e trabalhar na favela: “meus olhos não conheciam essa pobreza, e há muitos olhos
que ainda não a conhecem” (FONTANA, 2013). Apesar da intenção de denúncia, esta
termina preterida em favor do melodrama.
Como conta Aguilar (2015a), após a queda do peronismo, em 1955,
realizaram-se os primeiros censos, nasceu a Comissão Nacional da Vivenda e surgiram os
primeiros agrupamentos políticos e comunitários das favelas. Em 1958, dois filmes que
tematizavam a vida nesses espaços foram estreados: El secuestrador (Leopoldo Torre
Nilsson) e Detrás de un largo muro (Lucas Demare),17 além de El candidato (Fernando
Ayala), do ano seguinte. Também apareceram jovens diretores que, nos seus curtas-
metragens documentais, utilizaram as favelas como assunto privilegiado: Buenos
Aires (David José Kohon, 1958) e o emblemático Tire dié (Fernando Birri, 1960). Todos
eles – realizados em um período democrático e eufórico pelo desenvolvimentismo –
visibilizavam as consequências negativas da modernização urbana, tratando (ainda que de
maneiras diversas) do problema da “cidade partida”. Javier Auyero (2007) escreve que,
além de servir como exemplo do malogro da “modernização excludente”18 nos anos 1950
e 1960, a favela também foi vista como lugar de ebulição da revolução na década de 1970
e berço da subversão durante a última ditadura – interpretações que apareciam
especialmente em documentários políticos e militantes, talvez os únicos interessados em
retratar esses locais.
Ausente tanto do cinema feito durante a redemocratização quanto dos
inícios do nuevo cine, a imagem da favela sofreu um turning point com a crise de 2001.

                                                                                                                       
16
Na Argentina, o cinema clássico-industrial se estendeu de 1933 (momento em que irrompe a sonorização
óptica dos filmes) até meados da década de 1950, contexto no qual se materializa a desarticulação do
sistema de estúdios e se reformulam as práticas de produção e exibição.
17
O filme de Demare é o primeiro a incorporar o termo villa miseria a seus diálogos. O termo técnico villa
de emergencia aparece em torno de 1955, e o mais popular villa miseria em 1958, no título do romance Villa
miseria también es América, de Bernardo Verbitsky.
18
Conceito de Gorelik (2004) para problematizar a coexistência e correlação entre os distintos modelos de
cidade.

 
 
141  
 

O empobrecimento repentino de grandes parcelas da população que foram empurradas


para as favelas é sentido não apenas nas margens das cidades, mas em todos os lugares:
as villas já não eram registradas somente pelos meios de massas (que tendiam a
criminalizá-las) nem pelo seu crescimento demográfico (que desde então não se deteve),
mas se manifestavam nos pobres que percorriam a cidade. Essa situação deu uma
dimensão inédita para um fenômeno que não era totalmente novo: a presença da favela
era percebida na cidade, em todas as ruas e em todos os cantos – um fato muito pouco
usual para uma cultura que sempre tentou manter as favelas isoladas e invisibilizadas. A
“solução” da erradicação (seja por meio da modernização, da revolução ou do
autoritarismo, como ocorreu durante a última ditadura) tornou-se impossível: a
transformação da paisagem urbana trazida pela crise de 2001 não foi um fenômeno
passageiro, mas fez de Buenos Aires (e da maioria das grandes cidades argentinas) algo
muito diferente do que existia anteriormente, sendo necessário aprender a conviver com
essa realidade (AGUILAR, 2015a).
Aguilar indica como a grande quantidade e variedade de filmes da última
década que abordam a favela e seus habitantes sinalizam a nova maneira de perceber esse
espaço, que foi se transformando em protagonista de filmes de autor como Bonanza, en
vías de extinción (Ulises Rosell, 2001), o já mencionado Estrellas, Villa (Ezio Massa,
2008), Yatasto (Hermes Paralluelo, 2011), Guido Models (Julieta Sans, 2015), de
realizações que encarnam o renascimento do cinema político sessentista (como a trilogia
Memoria del saqueo, La dignidad de los nadies e Argentina latente, realizados por
Fernando Solanas entre 2004 e 2007), de vídeos militantes de diversos conjuntos de
manifestantes sociais (entre os mais ativos estão Ojo Obrero e Grupo Alavío) e de uma
grande produção como Elefante blanco – dirigida por um diretor consagrado em âmbito
mundial, cuja obra ocupa lugares de relevo em festivais renomados e distribuição
comercial em vários países, e produzida por grupos importantes de França e Espanha e
pela gigante Patagonik.19 O longa de Trapero é um especial indicador, se não de
legitimação social desse espaço, da impossibilidade de contorná-lo.

                                                                                                                       
19
A Patagonik é uma produtora cinematográfica argentina que faz parte do conglomerado integrado por
Buena Vista International (divisão de The Walt Disney Company dedicada à distribuição de longas-
metragens dos selos Walt Disney Pictures, Touchstone Pictures, Hollywood Pictures, Miramax Pictures e da
mesma Patagonik), Cinecolor Argentina (empresa de pós-produção e laboratório audiovisual), Pol-ka
Producciones (produtora de ficções para televisão) e Artear Argentina (empresa audiovisual do grupo Clarín
e proprietária do Canal 13, líder em audiência na tevê aberta do país).

 
 
142  
 

Elefante branco não adere ao cinema global de miséria ao não banalizar


nem glamourizar a violência; tampouco se estrutura como um videoclipe de fatos
desconectados de contexto para expor o embrutecimento de uma periferia e sua
criminalização, além de não priorizar a estilização da imagem em desacordo com a
crueldade de seu relato. Na favela que alberga o filme se alternam cenas de crianças
brincando e de cordialidade entre as pessoas com sons de tiros e a presença de
cadáveres; a noite assustadora com dias lindos de uma luz exuberante; a convivência
difícil entre os locais e os padres/Luciana, muitas vezes tomada pela incompreensão
mútua, mas também repleta de carinho; as vielas enlameadas com a decoração colorida
dos dias de festa; a solidariedade e a comunidade com uma tensão permanente.
A instabilidade é reforçada verbalmente por Lisandro que, durante a
acolhida simpática de Nicolás, o adverte para a utilização do colarinho para que não seja
confundido com “alguém de fora” e não sofra represálias. A favela tem seus próprios
códigos (como qualquer lugar), e estar atento para a violência é um deles. Assim, em
Elefante branco, a violência não define a favela nem os personagens, mas é um dado
importante para compor as relações entre as pessoas nesse universo, marcado pela
contiguidade territorial inescapável com os bandos armados ligados ao comércio de
drogas ilegais, pelo assédio agressivo da polícia e das milícias, pelas dificuldades
estruturais e pelo que tudo isso desdobra e implica.
A onipresença do Elefante branco, que a profundidade de campo nunca
deixa perder de vista, é uma das maiores violências que recaem sobre a villa: uma figura
fantasmagórica que, como toda ruína e seu poder evocativo, projeta sobre o lugar a
sombra do fracasso como um lembrete diário; do que poderia ter sido e do que acabou
sendo. A favela também se mostra, de certa forma, como uma ruína: as ruas e as
habitações estão cheias de entulho, carros enferrujados e abandonados, barro, coisas
empilhadas, materiais que apodrecem com a água. Os personagens estão sempre
andando sobre ruínas ou desviando delas, e todos parecem condenados a se transformar
no esboço vivo de um projeto que nunca será realizado, como o Elefante branco.
Ao mesmo tempo, o esqueleto do ex-futuro-hospital é refúgio sórdido para
os adolescentes viciados em paco, é local de desova do corpo lacerado e vingado de
Cruz, e é também lar para centenas de famílias – lar completamente inapropriado, mas
ainda um lar. No percurso em que Julián apresenta o edifício a Nicolás, eles trafegam

 
 
143  
 

por entre os andares e os ambientes mais escuros se revezam com uma profusão de
luzes amarelas, verdes ou azuis que dão vida ao que se intui como esquecido, assim
como as vozes e a música que conformam a paisagem sonora. A extensa profundidade
de campo, desta vez, mostra as formas em que se inventam maneiras diferentes de
habitar, onde fronteiras entre casa, casa do outro e espaço em comum se dissolvem, e as
esferas da vida privada e da vida pública se confundem. Em um lugar de livre acesso, o
que confere domesticidade não são paredes e tetos rijos, mas gestos prosaicos de
apropriação e de delimitação de territórios – gestos que, igualmente, moldam novas e
distintas formas de sociabilidade, sendo possível notar não apenas o que falta, mas o que
possibilita. A obra que se faz no local, preferida à partida e à erradicação, como explica
Julián, é sinal da sensação de pertencimento mediada pela teia de afetos que se instala.
Assim como o Elefante branco é residencial nos andares mais baixos e antro
de criminalidade nos andares mais altos, todas as fronteiras na favela são confusas – e,
muitas vezes, determinadas pela violência. A igreja, por exemplo, e sua aura inviolável
e protetora, é invadida tanto pela água das chuvas quanto pela polícia que procura por
Monito; tampouco é sólida a ponto de sustentar as crenças dos padres em conflito, além
de conter um agente infiltrado em seu seio. Julián interrompe o livre trânsito que
caracteriza o Elefante branco ao barrar a entrada da polícia, ao mesmo tempo em que
barra a entrada de outros moradores. As invasões das forças de segurança – seja para
prender um traficante, seja para dispersar uma manifestação – provocam o mesmo
corre-corre sem direção que o tiroteio entre gangues.
Os limites que os padres argentinos consideram invioláveis são
ultrapassados por Nicolás que não discrimina o espaço da favela tomado pelo
narcotráfico. Enquanto a Igreja e Luciana não falam com a favela como um todo,
afastando-se dessa região, ele é o único que se aventura por ela e, ali, consegue
negociar, mostrando que há chance para diálogo até entre as camadas mais violentas: há
excesso, mas não é o lugar da barbárie absoluta (a propósito, a liderança da área é
ocupada por uma mulher indígena, um dos setores mais discriminados e fragilizados da
sociedade argentina). A Igreja também se comporta de forma violenta, ao ignorar
conscientemente e não negociar de forma alguma com essa parcela da população da
villa que são as quadrilhas, desejando, simplesmente, a extirpação desse setor em um
contexto que apresenta tantas variáveis.

 
 
144  
 

As fronteiras que separam e unem a favela da cidade da qual ela é parte


também são intrincadas. Se, consoante Aguilar, após a crise de 2001 a favela se fez
presente na cidade por meio da visão de seus atores (especialmente os piqueteros,
ativistas cujos protestos se caracterizam principalmente pelo bloqueio de ruas e estradas,
ou seja, piquetes, e os já mencionados cartoneros),20 esse movimento é parcial, pois as
ruas são “ocupadas” por um tempo demarcado: o tempo do trabalho. A noção de gueto,
conforme observada no capítulo 2, está sempre à espreita, como expresso nas dúvidas
dos adolescentes sobre permanecer em um território arisco (mas que lhes é próprio e
familiar) ou ir embora para outro tão arisco quanto, temores que se materializam quando
a saída só parece possível através da morte ou para o centro de reabilitação.
O centro de reabilitação e sua calma (que logra apaziguar mais a alma do
padre belga que a cabeça de Monito) é um dos lugares que se configuram como um
“fora” e que se relacionam com a favela, seja por conjunção ou disjunção: como a sala
de reuniões do Arcebispado, o paradisíaco retiro de Nicolás, a impecável clínica onde
Julián é internado, a casa de Luciana, os parques e ruas vazios e o apartamento do
padre argentino.
A sala do Arcebispado se localiza no interior de uma bela e luxuosa igreja,
em cuja praça uma porção de crianças brinca, jovens se reúnem e senhoras conversam,
em uma cena fugaz que lembra o cotidiano da favela (quando a mesma está em paz),
sendo também a única praça da cidade que parece ter vida. Na primeira reunião nessa
sala, os religiosos assinam papéis e tiram fotos junto a políticos para selar a construção
de casas na villa, situação solene e pomposa da qual a câmera vai recuando em um
suave dolly back que insinua uma vontade de distanciamento. O motivo será revelado na
próxima cena, quando as belas promessas recém-acordadas são chamadas à realidade
por Luciana e Julián que obtêm como resposta pedidos de paciência e de fé, os quais
soam como uma burla após toda a cerimônia. Esse ato de recuar sinaliza o desligamento
entre a Igreja e suas causas, propagadas, durante a reunião, através de uma voz over
                                                                                                                       
20
“Com uma velocidade cultural que só os momentos de crise proporcionam, rapidamente surgiram novos
tipos associados à villa. Já não estavam apenas os tradicionais, como o ciruja [mendigo], o cura villero
[padre que atua nas favelas; a denominação advém a partir da atividade dos religiosos adeptos à Teologia da
Libertação, corrente cristã ligada às esquerdas nascida na América Latina nos anos 1960] ou o puntero
[dirigente local relacionado geralmente ao clientelismo], mas apareciam novos, como o pibe chorro
[ladrãozinho], o transa (traficante de drogas), o tumbero [gíria para se referir aos presidiários e ex-
presidiários] e, principalmente o cartonero e o piquetero. Tanto o cartonero quanto o piquetero avançavam
sobre o território urbano e punham em questão a ideia de fronteira, fazendo da presença das favelas e dos
pobres algo visualmente urgente que já não admite supressão” (AGUILAR, 2015b, 195-196).

 
 
145  
 

desconhecida que permite que ninguém tenha de se responsabilizar pelas palavras ditas
e pelos planos feitos. Esse afastamento é selado em outra reunião, na qual se trata da
invasão, pelos moradores, do terreno em obras – ocasião em que também se dá uma
ruptura na atitude de Julián.
Julián incorpora uma figura emblemática tanto para a Igreja quanto para a
memória popular villera que é o padre Carlos Mugica, quem, segundo Hugo Vezzetti
(2013), proporcionou, para a consciência histórica argentina, o paradigma do cura
villero. Sua evocação não se dá apenas através de Julián, mas de sua permanência na
“realidade” por meio de retratos, placas, citações, seu túmulo e da dedicatória ao fim do
filme. Além de célebre padre terceiro-mundista, Mugica foi militante político e se
envolveu nas lutas internas do movimento peronista, sendo assassinado em 1974 em um
crime ainda não resolvido (como lembra a dedicatória).21 Sua maneira de se definir
(clara e publicamente) como socialista, revolucionário e inimigo dos interesses
oligárquicos também deteriorava sua relação com a cúpula eclesial, à qual estavam
ligados não só os tais interesses oligárquicos, mas os políticos.
Ainda que, durante a celebração de ordenação de um novo padre, o rosto de
Julián fique lado a lado com a bandeira que estampa o rosto de Mugica (também
celebrado pelo aniversário de seu óbito), ocupando com ela toda a imagem que tem
apenas o céu ao fundo, o que aproxima os homens em suas santidades, a “encarnação”
do segundo no primeiro tem algumas inflexões, dadas as diferenças tanto em suas vidas
quanto em suas mortes. Julián está acostumado a trabalhar nas condições mais duras,
convencido da eficácia de seu trabalho, transitando na caridade cristã apesar de, como
exposto anteriormente, exercer um labor mais social que pastoral. Ao contrário de
Mugica, Julián não assume a militância que “extrai sua razão de ser do político
entendido como uma forma de organização para disputar espaços de poder e que se
caracteriza pela intervenção de formas coletivas em um território”, como nota Nahuel
Montes (2012, p. 02), mas coloca seu corpo solitariamente na aglomeração da villa (o
                                                                                                                       
21
Como explica Vezzetti, Mugica não foi assassinado pela ditadura (morreu dois anos antes que esta se
instaurasse), e em seu cadáver se condensava o que alguns historiadores chamaram de “guerra civil” entre
peronistas. “Mugica havia se enfrentado publicamente com José López Rega, Ministro do Bem-Estar Social,
secretário privado de Perón e criador da Triple A, um grupo parapolicial ilegal dedicado a assassinar
membros, sobretudo líderes, do peronismo montonero. Entretanto, o padre Mugica também havia se
enfrentado com os Montoneros, a organização guerrilheira que se proclamava peronista ‘autêntica’ e
afrontava Perón” (2014, p. 185). Assim, Mugica terminou, como situaram seus mais relevantes biógrafos,
entre dois fogos. Inicialmente se pensou que os responsáveis por sua morte haviam sido os Montoneros; hoje
as maiores evidências recaem sobre a Triple A.

 
 
146  
 

que se repete em Nicolás e em Luciana). Às vezes, ele se comporta como um


“amortecedor” de conflitos, repetindo aos moradores as estapafúrdias solicitações de
paciência e de fé de seus superiores.
Dessa forma, Julián (e, em menor medida, o padre belga e a assistente
social) adere à visão vitimizadora que a Igreja dedica à favela, e por isso seu olhar se
dirige à cidade como horizonte – o gesto a partir da janela de seu apartamento se repete
quando ele visita outra villa em busca da mulher possivelmente curada pelas orações
para Mugica. No caminho, através do riozinho que dá acesso ao local, ele observa altos
prédios ao fundo, compondo, mais uma vez, a cidade como aspiração.
Para Aguilar (2015a), a radicalidade política de Mugica que, naquele então,
personificou um programa revolucionário de transformação social e cristã, não parece
muito congruente com o fatalismo que marca a representação da villa em Elefante
branco. Porém, essa não é a concepção do filme, mas a de Julián, com a qual o filme
não se corresponde, apesar de se construírem vínculos entre elas: conforme discuti no
capítulo 2, por um lado, através das intervenções de Monito e de outros adolescentes, e
de uma câmera que se aproxima com curiosidade e parcimônia; por outro, se as
vivências dos personagens “estrangeiros” são o eixo do filme, suas compreensões a
respeito do lugar ao qual se incorporam ou querem se incorporar vão se movendo no
decorrer da trama e de suas crises – e Julián será o mais afetado.
Por exemplo, a sequência da visita à senhora recuperada por milagre reporta
à viagem anterior do padre à Amazônia, interlúdio entre o hospital e a favela. Lá, apesar
da pobreza, as paisagens eram exuberantes, enquanto o rio, desta vez, está cheio de lixo.
Essa segunda viagem aponta que os espaços deteriorados não se dão per se, mas são
deteriorados, e a cidade está por trás dessa deterioração22 – o choque acontece em uma
mesma imagem. Já na cena em que se irmanam as faces de Julián e de Mugica no
firmamento, o primeiro reconhece em seu discurso as mudanças que ocorreram na villa
desde a morte do homenageado, especialmente com relação à violência: “a violência de
ontem e de hoje não são a mesma”, diz.
Se Mugica se afastou dos Montoneros, principalmente, por se recusar a
pegar em armas, Julián enfim se aproxima dele justamente ao pegar em uma, quando faz
o que rogou ao Arcebispado: não ser apenas um sacerdote. Entendendo o significado da
                                                                                                                       
22
Com as ruínas do Elefante branco não é diferente, pois elas são o espectro de uma visão megalomaníaca
naufragada sobre a qual a população ou a configuração atuais não têm nenhuma responsabilidade a priori.

 
 
147  
 

violência de hoje na favela, participa dela, da mesma forma que Nicolás participava ao
tratar com os traficantes. Entre dois fogos como seu mentor, Julián se coloca no campo
de batalha da polícia e dos traficantes, uma rotina para os villeros, e assim não morre
por eles, nem vive para eles, mas vive com eles e morre como eles.
Se, em Elefante branco, Trapero parece render-se à sua fascinação pelas
causas perdidas, pela fatalidade, pela cotidianidade sórdida, pela violência que se
ramifica, pelos caminhos que não levam a nada, ele também se rende à sua frequente
constatação de que “entre mortos e feridos, todos se salvaram”. Nem todos, é certo, e,
aqui, nada menos do que um dos protagonistas é ceifado pela morte – além de tudo, uma
morte sem sentido, como é a maioria das mortes na favela. Não há propriamente um
mártir morrendo, já que o martírio é moeda corrente.
A ideia (cristã) de sacrifício ao redor do ato de Julián é desconstruída não
apenas porque ninguém termina como um mártir nesse universo, mas porque todos
podem terminar como um. Há dois planos que ligam o padre a Jesus Cristo devido ao
mesmo posicionamento da câmera: em sua primeira aparição, quando faz o exame, seu
rosto invertido é captado em plongée total, como a pequena escultura prateada do
Cristo, também invertida, que adorna o caixão de Cruz. Entretanto, justo antes que a
tampa com a escultura entre em quadro, aparece o rosto de Cruz – nome não menos
sugestivo – na mesma posição, pelo mesmo ângulo. Quando se descobre o cadáver
deste, ele também invoca a iconografia cristã, posicionado qual Cristo em pietà, com
uma pilha de resíduos do Elefante branco substituindo a Virgem Maria. O mesmo se dá
com o corpo de Mario, que Nicolás vai buscar na zona inimiga, transportado em uma
carriola com os braços abertos e a cabeça ligeiramente tombada, como Jesus crucificado
– e, depois, deitado sobre uma mesa, remetendo às diversas pinturas sobre o corpo do
Cristo morto como as de Andrea Mantegna (c. 1475), Hans Holbein (1521) e Philippe
de Champaigne (c. 1650).
Como caracteriza Wolf (2009) a respeito do destino de Julia em Leonera, há
uma fuga para adiante, e todos os personagens escolhem sobreviver e lutam por isso,
apesar dos pesares. Ainda que o fracasso pareça dado de antemão pela presença do
Elefante branco, o filme complexifica a questão fazendo da favela não apenas um lugar
de pobreza, de violência e de fiasco, mas de resistência, de amor e de luta. Contudo,
como explicava Julián em sua preleção, não é o mesmo espaço de luta preconizado pela

 
 
148  
 

militância eclesiástica dos tempos de Mugica (coisa que ele mesmo vai realmente
entender apenas no final do filme).
Aguilar, ao contrário, considera que, junto à figura (desvirtuada, para ele) de
Mugica, o filme herda daquela época o legado do cinema militante, no qual “o único
olhar possível e desejado em relação com esse espaço de frustração e miséria é político
e o único modo em que os villeros podem se converter em sujeitos da narração é pela
política” (2015a, p. 202), o que faz com que a produção de Trapero caia em uma
contradição. Segundo o pesquisador, o filme multiplica estereótipos do cinema global
de miséria (a favela como um labirinto sem saída, o cura villero como personagem
altruísta e resignado, o padre jovem que cai em pecado, os garotos drogados, a
delinquência como única opção), mas, ao invés de criminalizar esse mundo, o politiza.
No entanto, a organização política e as manifestações não estão em primeiro
plano: primeiro, as relações se dão muito mais em um âmbito social que político (as
reuniões, as conversas, as festas, as cerimônias religiosas – tristes ou felizes) e, segundo,
a única manifestação planejada é a ocupação da obra, cuja importância está ligada,
antes, a demonstrar a negação ao diálogo e a truculência das autoridades (políticas e
religiosas) através da polícia, em mais uma ocasião em que a violência é o canal de
comunicação.23 Ademais, o tributo ao padre Mugica, uma figura dissidente em vários
sentidos, junto à representação patética e arrivista da hierarquia da Igreja, parece
apontar mais para a despolitização da ação católica que abandonou projetos efetivos de
mudança e de luta conjunta conforme propostos pela Teologia da Libertação seguida
por Mugica – assim como parece apontar para a despolitização de setores da esquerda e
criticar as maneiras como ambos, Igreja e esquerda, buscam converter (cada uma a seu
modo) os lugares marginalizados.24
Os moradores da villa de Elefante branco não são nem aspiram ser seres
políticos como demanda o cinema sessentista ou como analisa Aguilar, mas seres
                                                                                                                       
23
Para pensar sobre essa sequência de Elefante branco, me parece interessante resgatar as considerações de
Sofía Tiscornia sobre o Estado militarizado e a penalização em massa dos pobres (especialmente jovens) por
sua condição instável e precariedade de existência nos filmes Tropa de Elite (José Padilha, 2007) e El
bonaerense: “(...) a falta de respeito pelos direitos civis está associada à necessidade de violência sobre o
corpo daqueles que, estereotipados como fracos e escassamente racionais – os pobres, os criminosos, as
mulheres, os adolescentes – devem experimentar a dor como forma de aprender obediência. A violência é
necessária como linguagem que qualquer um pode compreender” (2008, p. 13).
24
Essa concepção da (des)política está longe de ser aquela pregada pelo cinema militante dos 1960/1970 e
soa muito mais como um vestígio de um dos corroteiristas, Santiago Mitre – o polêmico e proeminente
diretor de El estudiante (2011), o já citado Los posibles e Paulina (La patota, 2015) – que, como se percebe
através de seus filmes, preocupa-se bastante com a dinamitação da política.

 
 
149  
 

completos (e complexos). Essa complexidade é ensaiada pela inserção, no início do


filme, da música Las cosas que no se tocan (da banda argentina provocantemente
chamada Intoxicados), quando o Elefante branco é mostrado pela primeira vez, em um
plano geral, com a movimentação habitual em seus arredores. A música lista coisas das
quais o cantor gosta: garotas, drogas, guitarra, James Brown, Madonna, dinheiro, arroz,
cachorros etc. Nas imagens, é visível a precariedade das situações, mas também a
normalidade. Enquanto a letra arrola uma porção de coisas materiais, nos deparamos
com a carência que impera. Porém, ao final, a música assume que as melhores coisas
são aquelas que não se tocam, são aquelas não materiais. Assim, sugere que, apesar das
dificuldades, são outras coisas que importam, valorizando outros aspectos daquele lugar
e, ao mesmo tempo, não menosprezando suas carências: as carências importam e não
importam, pois não se pode negar a miséria, mas não se pode, tampouco, fazer com que
a miséria seja a única dimensão que existe, e Las cosas que no se tocan convoca a
sensibilidade daqueles que fazem parte desse mundo.
A contradição não está no filme, mas nos personagens centrais que, através
dela, se humanizam e podem concluir seus processos de aprendizagem – mesmo que por
meio da violência; mesmo que, muito traperianamente, o fim não seja um triunfo
espetacular. Entre os infernos labirínticos que mergulham nas camadas mais escuras do
tráfico, as rajadas de balas que vêm de todos os lados, os alagamentos e o barro, a
indiferença dos supostos protetores e a morte, está a descoberta da paixão por Nicolás, a
licença para poder sentir ira de Julián, as festas e a vida – que não se dá por nenhum
nascimento, mas pelo renascimento dia a dia da villa. A fé não move a montanha de
concreto, mas as ruínas sobrevivem ao tempo e às intempéries.

 
 
150  
 

5. Em transe-to

A constante circulação é um elemento primordial nas produções selecionadas,


como venho discutindo desde o início do texto, sendo um assunto que aparece e reaparece
conforme avançam as análises. Mesmo que, por vezes, a mise en scène pareça tentar
abafar a circulação, os personagens seguem em movimento, em contínua agitação, tanto
em exteriores quanto em interiores. Esses deslocamentos se configuram, especialmente,
como perambulação, como fuga ou como uma fusão de ambos.
Em um primeiro momento, a perambulação pode ser pensada como um
“andar a esmo”, um evento puramente físico. Segundo Fábio Raddi Uchôa (2013), a
perambulação deve ser pensada como um traço marcante do cinema moderno,
consolidado em especial pelo neorrealismo e pela nouvelle vague (porém, já presente
no cinema de vanguarda dos anos 1920), em oposição aos laços de causa e efeito
próprios aos enredos e personagens do cinema clássico. Para a perambulação, as
motivações ou finalidades não têm importância; chama-se atenção aos corpos, aos
movimentos em curso. Em alguns casos, ainda de acordo com o pesquisador, a
perambulação associa-se a um gesto de liberação ante a opressão ou ante um mundo
sem possibilidade de adequação.
Propondo algumas categorias para contemplar como certos cineastas
europeus contemporâneos afrontam a relação entre o indivíduo, o espaço e o
deslocamento, Ivan Pintor Iranzo (2015) indica que um número significativo de
produções recentes tem perseverado e aprofundado a exploração das trajetórias erráticas
inauguradas pela modernidade – o que poderia estar ligado à constatação de Zygmund
Bauman sobre a condição líquida das sociedades atuais, metáfora que expressa de
maneira eloquente a incerteza que os indivíduos experimentam ante a impermanência
do mundo, já que tudo se apresenta sob o signo da mutabilidade. Consoante Pintor
Iranzo, a viagem – que implica um contato com o que está além das fronteiras
cotidianas, insta o personagem a uma série de provas, é dotada de sentido e, geralmente,
coroada pela volta para casa ou pela fundação de um novo lar – foi substituída pelo
vagabundeio que instaura o seco enfrentamento entre o corpo e o espaço.
O autor também concebe a deambulação em alguns filmes como um
lenitivo para o “afã de fuga” oriundo de uma pulsão nômade que encarna o desejo de

 
 
151  
 

romper com o confinamento próprio da modernidade (o domicílio, a família nuclear, a


profissão, a identidade). Já Raquel do Monte Silva (2015) trata a errância como algo
totalmente dissociado da fuga: para ela, considerar a fuga como uma errância é tirar-
lhe toda a sua latência; ignorar sua característica processual em que a existência
prescinde da experiência.

Dada a sua face que diz de um enquanto, de uma duração, de um


processo, é oportuno trazer à superfície que na errância o destino é
subjugado, ou melhor dizendo, é deixado de lado, preterido, em
detrimento à travessia. É ela que importa. Na erraticidade não há
metas a serem cumpridas e as relações resultantes do sistema binário
formado pela lógica de causa e consequência são abandonadas. O
destino final, bem como o ponto de partida, é secundário em relação
ao que se vive no caminho (SILVA, 2015, p. 14).

A partir dessas considerações, penso em uma noção específica de fuga


alicerçada nos filmes do corpus e nos seus contatos uns com os outros. Aproximando-se
da utilização que Dipaola (2012a) faz da ideia de fuga para pensá-la no contexto do
nuevo cine argentino – em que fuga, deriva, traslado e deambulação adquirem o mesmo
sentido –, aqui, a fuga assume traços específicos da perambulação e se mistura com ela,
especialmente nas obras que serão avaliadas neste capítulo.
Pola em Historia del miedo e as crianças em Una semana solos são os que
mais se aproximam dessa prática de “andar a esmo”, enquanto outros personagens
desses filmes empreendem fugas que não são, propriamente, fugas: no primeiro, Edith e
Camilo simplesmente seguem seu caminho para escapar do homem-zumbi; no segundo,
Juan tenta sair do condomínio fechado ao ser acusado pelos garotos, em um escape
falido de antemão, como ele mesmo deve saber após sua epopeia para cruzar essa
fronteira. Ademais, em ambos estão os countries que, de alguma maneira, “fogem” da
cidade, para parafrasear o título do curta-metragem de Lucrecia Martel sobre esses
espaços.1 Em El hombre del lado, Leonardo conduz uma perambulação entre comovente

                                                                                                                       
1
La ciudad que huye (em tradução livre, A cidade que foge) foi realizado em 2006 para o projeto La ciudad
en ciernes (http://www.derechoalaciudad.org/index.htm), que reúne um conjunto de atuações pensadas para
chamar a atenção sobre como a cidade deve ser a materialização dos direitos humanos e como o urbanismo
que a organiza deve fundar-se em tal propósito. Enquanto a maioria das produções sobre condomínios
fechados que citei os apresentam a partir de uma visão interior (embora o mundo exterior seja onipresente),
o documentário de Martel assume o ponto de vista exterior. Nos diversos countries visitados, a segurança
não deixa a equipe de filmagem entrar, e as barreiras físicas também se convertem em uma “barreira” para o
filme. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1grtEpw0q9c.

 
 
152  
 

e risível pelas rampas e corredores da Curutchet, enquanto foge de Víctor buscando-o:


passa em frente à sua casa, espia a janela em construção, briga com o tio do homem.
Em La sangre brota, Arturo e Leandro deambulam pelas ruas como um
método para fugir diariamente de casa – fuga que o garoto planeja estender até Mar
del Plata para vender drogas e juntar dinheiro suficiente para buscar o irmão (outro
fugitivo) nos Estados Unidos. Monito, de Elefante branco, está em constante fuga: da
polícia, do paco e em direção ao paco, da villa e em direção a ela, dos padres e aos
braços dos padres, da morte. Nos dois filmes, a fuga é um tópico associado à
violência, como em Castro e em El asaltante: neste, a violência deflagra a fuga;
naquele, a fuga como movimento perpétuo e a violência são sinônimos. Em todos, a
violência sobre os corpos e os horizontes reverbera uma violência social mais ampla, e
os deslocamentos físicos representam o desespero, a agonia e a falta de saídas diante
da conjuntura que enfrentam.
No longa de Moguillansky e no primeiro de Fendrik, as fugas não seguem
itinerários ordenados ou direcionados, as perspectivas dos personagens são indefinidas e
predominam os cursos erráticos, com destaque para a perambulação nervosa pelo
ambiente urbano – a errância ultrapassa a noção exclusiva do caminhar e parece
responder a um impulso urgente. A cidade, em ambas as obras, é um espaço não linear,
marcado pelo fluxo, em contínua variação e avesso a uma territorialização estável.
Castro e Ramos estão afundados na impossibilidade e na impotência frente às
contingências da vida urbana contemporânea, “ordenando” suas trajetórias sobre o
permanente transitar, o não pertencimento e o ter que estar em perpétua fuga.
Um “cinema em transe-to”, como Ilana Feldman (2008) qualificou alguns
filmes paulistanos recentes2 que têm pautas em comum com as produções argentinas
abordadas: o trânsito baseado em formas erráticas e contingentes de deslocamento do
corpo, típico dos personagens em crise da cinematografia paulistana até então, passa a
ser um transe, não apenas como conflito, mas como desorientação, desnorteamento e
colapso da percepção. Esse colapso, inclusive, encontra-se presente verticalmente na
estrutura dos filmes – como será possível perceber a partir das análises a seguir.
Segundo a pesquisadora, os personagens desse cinema em transe-to se
distinguem pela ausência (perda ou falta): de casa, de afeto, de liberdade, de confiança
                                                                                                                       
2
Feldman destaca Não por acaso (Philippe Barcinski, 2006), A via láctea (Lina Chamie, 2007) e A casa de
Alice (Chico Teixeira, 2007).

 
 
153  
 

ou de expectativas, ativando um paroxismo com o espaço urbano marcado pelo


acúmulo. Há também o paroxismo da metrópole como signo do progresso e do
esplendor que se torna a imagem da selvageria, do descontrole, do desespero, da
dissolução e da decadência (FELDMAN, 2008).

5.1. Cidade non-stop: Castro

Para Nelson Brissac Peixoto (1987), o homem que foge e que tenta se
esconder geralmente vai a uma grande cidade, território onde as pessoas podem se
ocultar. É justamente isso que Castro e sua amante Celia, quem o acompanha, fazem na
primeira sequência: tomam um trem em direção à capital. Ainda segundo Peixoto, a
estação de trem é outro espaço atraente à ideia da fuga – lugar cheio de gente apressada
ou apenas esperando, sem fazer nada, dispõe-se como uma espécie de terra de ninguém
em que qualquer tipo de atitude pode passar despercebido; onde é possível ficar sem ser
notado. Hotéis e congêneres são outros locais de trânsito por excelência, nos quais não
se coloca nada que seja para ficar, nada que marque nas paredes a presença de quem
“mora” lá, sendo caracterizados pela impessoalidade. Castro e Celia se hospedam em
uma pensão e não retiram nada de suas malas, seguindo o roteiro dos fugitivos.
Ademais, ouvimos constantemente a campainha do trem, sinalizando que estão alojados
perto de uma estação, prontos para uma nova partida.
De saída, o local não é identificado: nenhuma placa, nenhum lugar
emblemático. Essa cidade, como o indivíduo que se esconde, escapa à localização.
Contudo, enquanto nosso conhecimento sobre caça, caçadores e seus porquês sempre
ficam dissimulados, o espaço urbano vai sendo desvelado por meio da fala dos
personagens e de locais que não se constituem como ícones, mas são plenamente
reconhecíveis como elementos prosaicos das locações: em La Plata, os ônibus que se
dirigem a pontos cardeais; em Buenos Aires, a estação de trens de Constitución, as
saídas do metrô portenho, os táxis de cor preta e amarela, o bairro comercial do Once e
o estádio do Club Atlético Huracán.
Os personagens se movem especialmente pelo sul da Capital Federal
argentina, região mais antiga (e empobrecida) da cidade que concentra construções

 
 
154  
 

decadentes e de tempos passados, às quais se juntam carros de diversas décadas, prédios


novos e enormes ao fundo do plano e um vestuário atual que dão à narrativa um ar entre
anacrônico e atemporal.
A paisagem sonora da metrópole de Castro é similar à de qualquer outra
grande urbe, com ruídos de motores de carros e buzinas. Porém, a onipresença desses
sons nunca se choca com os ruídos específicos de cada cena, os quais (na maior parte
das vezes) são antinaturalistas tanto em suas características quanto em seus volumes: o
movimento dos faróis do carro, ao abaixar e levantar, e a porta automática do hospital,
por exemplo, emitem sons tão irreais que a câmera (em seu constante buscar) é forçada
a enquadrá-los devido à curiosidade que provocam, já que em off não seria possível
reconhecer do que se trata.3 Esse recurso, através do qual a atenção é deslocada para
mostrar uma agitação ou objeto, está conforme com a cadência do movimento de um plano
a outro ou do movimento interno ao plano. Desse modo, busca-se um fluir agradável, no
qual os sons estão acoplados – uns aos outros e à imagem – de maneira coesa, nutrindo o
feitio da cidade de não oferecer obstáculos às corridas bailadas dos personagens.
Uma melodia tocada ao piano, extradiegética, está imbricada nesse fluir,
firmando-se como um leitmotiv que sofre variações para acompanhar as perseguições.
Sempre que uma nova ação for encenada, essa música andante se aliará aos
movimentos, cessando quando a sequência finalizar e ordenando o filme em uma série
de pequenos números. Apesar de Castro ser composto em capítulos, a divisão dos
mesmos é aleatória, sendo os números musicais os reais organizadores da narrativa. O
looping desse leitmotiv remete a um timing ensaiado e cômico entre o chaplinesco e o
circense – diálogo reforçado pela disposição de intertítulos, cujo aspecto (tela negra,
letras em branco, dizeres centralizados) reproduz as cartelas informativas dos filmes
silenciosos, e pela estruturação em “atrações”.4

                                                                                                                       
3
Os passos irregulares do velho do quarto de cima são ruídos que a câmera sempre tenta mostrar, mas que
indefectivelmente ficam fora de campo, sendo o plano preenchido pelo teto inerte, sem alterações ou
respostas.
4
Leonardo Antunes Cunha recorda que “em seus primórdios, o cinema bebeu na fonte de diversas artes,
tanto visuais (como pintura e fotografia), quanto performáticas (o teatro, o circo, o ilusionismo) e narrativas
(a literatura, além do próprio teatro de viés dramático). O aspecto performático se configurou como uma das
principais inspirações e referências para alguns dos primeiros cineastas, que perceberam a possibilidade de
apresentar para o público diversas ‘atrações’, no mesmo sentido em que este público assistia, nos palcos e
nas feiras, a quadros de magia, ilusionismo, dança ou mesmo curtos esquetes teatrais. Mais do que narrar
uma história (mesmo porque os primeiros filmes eram muito curtos para estabelecer uma narrativa mais
estruturada), tratava-se de oferecer um espetáculo, uma atração” (2011, p. 75).

 
 
155  
 

A comicidade que ronda o filme se reveza entre dois campos do humor: a


paródia e, especialmente, o burlesco. Carolina Soria (2015a) considera-o uma paródia
do policial, na medida em que toma um de seus esquemas principais (perseguidor-
perseguido), mas não aborda os motivos da perseguição e nunca revela o enigma –
sendo que o descobrimento ou decifração da verdade é elemento estrutural do gênero.
Também estão presentes, de maneira extravagante ou distorcida, algumas dinâmicas
próprias do policial como o gestual codificado, a comunicação que circula secretamente,
redes de intrigas e planos mirabolantes.
Ademais, há o deslizamento através do qual as figuras que são hábeis e
competentes no policial tornam-se aqui ineficientes, promovendo o riso devido aos
desajustes implicados em quaisquer de suas ações. Nesse sentido, é possível aplicar a
Castro uma constatação de Ismail Xavier sobre Bang Bang (Andrea Tonacci, 1976): “não
se trata de observar que as situações não se resolvem como esperado (efeito cômico), mas
de observar que elas são irresolúveis por natureza, ‘funcionando’ em outro nível, pois
ocorrem de modo a contradizer flagrantemente a finalidade prática usual de um objeto ou
mesmo de uma interação humana (estranhamento)” (2012, p. 185).
O burlesco, segundo Leonardo Antunes Cunha (2011), pode ser descrito
como uma forma cômica caracterizada pela existência de gags visuais envolvendo
perseguições, correria, brigas, tombos e acidentes. Embora tenha origens no teatro
(desde os rituais dionísiacos até a commedia dell´arte), adaptou-se muito bem ao
primeiro cinema, sendo levado a extremos pela comédia pastelão (slapstick comedy).
Seguindo a Jean-Philippe Tessé, o autor aponta dois critérios básicos que distinguem o
burlesco: a presença invariável da intensificação, da hipérbole (tanto a falta exagerada
quanto o excesso de habilidades, tanto a sorte extrema quanto o azar absurdo e,
portanto, inesperados e surpreendentes); o movimento constante e aparentemente
incontrolável, não apenas dos personagens, mas dos próprios acontecimentos.
O primeiro critério se destaca em Castro mediante, especialmente, a atuação
da trupe de perseguidores – que nomeia um capítulo como “Os inimigos” e é integrada
por Rebeca Thompson (ex-mulher de Castro), Samuel (foi mestre do protagonista e é
apaixonado por Rebeca Thompson), Wylie (um discípulo de Samuel e espécie de michê
de Rebeca Thompson) e Acuña (trabalha para Samuel e rastreia Castro por dinheiro).
Em conexão com a falta de competência de uma sugerida instituição secreta (com sua

 
 
156  
 

estrutura de mestre, discípulos e a assimilação de aptidões extraordinárias) parodiada do


policial, eles sempre estão prestes a apanhar seu alvo, mas nunca logram: sabem onde
Castro mora (e mesmo assim consideram que o perderam), sabem o que acontece em
sua vida (o trabalho, a companhia de Celia, inclusive a hora em que vai tirar a mala da
pensão) e estão colados a seus calcanhares na quase totalidade do filme. Em um
momento, Castro literalmente cai no colo de Acuña, que deve abandoná-lo já que, de
perseguidor, passa a perseguido.
O segundo critério está impregnado em Castro como um princípio
estrutural, como já foi introduzido no capítulo 2. No looping não apenas da música, mas
também das ações – repetições que não truncam o desenrolar do filme, e sim
impulsionam a mobilidade na qual o mesmo se funda; na perseguição como ponto de
partida e de chegada está, como afirma Cunha, “o burlesco [como] aquilo que continua,
por uma forma de perseverança tenaz. Isso não significa que as ações burlescas não têm
fim, mas que seu princípio motor se encontra nelas próprias, e não fora delas, razão pela
qual nada as pode conter, nem deter” (2011, p. 149).
Em meio a esse frenesi, o corpo burlesco age de forma antinaturalista e
incontida. Para Fernando Fábio Fiorese Furtado (1998),5 um princípio mecânico inspira
a reconstrução do mundo pela comédia burlesca – princípio que se instala,
especialmente, na constituição do corpo. Segundo o autor, o herói burlesco transforma o
próprio corpo em máquina para desafiar a grande máquina urbana-industrial que
impassivelmente avança sobre as primeiras décadas do século XX. Da mesma forma,
Comolli (2008) aponta que, desde seus inícios, no gesto cinematográfico se instalou um
diálogo singular entre o corpo humano e a máquina-cinema: a máquina traduziu o corpo
em uma linguagem que o corpo sonhava em aprender para seduzir a máquina. De
acordo com o pensador francês, o cinema burlesco se encarregou de inverter essa
proposição: “à tentativa vã de sedução de uma máquina por um corpo, responde
exatamente a redução do corpo a uma máquina” (COMOLLI, 2008, p. 75).
Conforme Furtado (1998), a metamorfose do corpo-máquina começa pelo
rosto. Ao descrever o rosto dos personagens de Buster Keaton, o pesquisador parece
estar descrevendo os rostos dos personagens de Castro:

                                                                                                                       
5
Agradeço à Danielle Crepaldi Carvalho a indicação desse material.

 
 
157  
 

Máscara rígida, impassível, inexpressiva e imutável (...). Trata-se de


uma prótese completa, absoluta, permanente: nenhum signo, nenhum
mistério, nenhuma revelação do eu profundo. Talvez um traço da
melancolia do mecânico. Diante da velocidade dos acontecimentos, a
máscara assimila o imóvel (FURTADO, 1998, p. 93).

Castro procede como se estivesse em uma espécie de transe, mergulhado em


um quase autismo. Seu olhar tem algo de vazio, perdido e distante, e sua postura se
reveza entre um fluente e um lânguido automatismo, sem nunca abandonar o
desconforto e a inadequação – ele pode mimetizar o deslocamento de um trem ao correr
sobre os trilhos, ou pode (na verdade, só pode) dormir imóvel em apertados guarda-
roupas. Ele deve se lembrar amiúde de como se portar: “sair do guarda-roupa, caminhar
antes de correr, sentar antes de deitar, buscar trabalho”, organiza em seus pensamentos.
Parece, por vezes, estar perto da evanescência – o que talvez lhe permita furar a fila da
entrevista de trabalho ou roubar café, medialunas e gorjetas de um bar sem ser notado,
não pagar a passagem de trem e manter seus acossadores sempre um passo atrás. Da
mesma maneira que precisa rememorar seus movimentos, Castro precisa rememorar que
tem sua cabeça, seu corpo e Celia, colocando-a, assim, como condição imprescindível
para sua existência – condição confirmada pelo insistente questionamento “o que é
minha vida agora sem Celia?”.6 Isso porque, na presença de Celia, sua atitude sofre uma
profunda alteração e se enche de organicidade.
Ainda que essas interações sejam exclusivamente tomadas pela
agressividade, elas são as mais legítimas manifestações de vida durante todo o filme, já
que os outros corpos são marcados totalmente pela automatização e pela assimilação de
elementos tecnomórficos. Os perseguidores se parecem com marionetes ou robôs por
seus trejeitos maquínicos ensaiados, em ritmo desenfreado, e pelo tom monocórdico de
suas falas. Até Celia é caracterizada pela mecanização, ao manter uma indiferença
imperturbável: seja tentando roubar uma moto, seja na entrevista de emprego, seja
brigando com Castro, discutindo a morte do vizinho e negociando sua mudança na
pensão, escutando a notícia tão esperada por si sobre o emprego de Castro, diante de
desconhecidos que invadem seu quarto.
Tais formas de agir também se sintonizam com o humor burlesco em sua
receptividade a comportamentos absurdos e coincidências descabidas, que seriam
                                                                                                                       
6
Se o filme carrega o nome de Castro, a primeira cartela (que anuncia o primeiro capítulo) leva justamente o
nome de Celia, apontando seu peso na trajetória do personagem-título.

 
 
158  
 

inaceitáveis na vida real e mesmo em outros gêneros, como sublinha Cunha seguindo a
Geoff King. “Este estilo de comédia deve muito aos desenhos animados, nos quais o
mundo pode ganhar uma plasticidade fantástica que pode derrubar, quando desejar, a
plausibilidade narrativa e também as leis da física” (KING, 2002 apud CUNHA, 2011, p.
149). Igualmente comum no burlesco é a tragédia que se filtra através da comicidade –
afinal, como lembra Aguilar (2014), o tropeço provoca tanto o riso quanto o
desassossego. A insistência das composições cômicas em Castro leva ao paroxismo:
amuando à medida que se sucedem, vão dando origem a uma melancolia difusa que se
materializa no plano final, literalmente um dead end.
Esses aspectos que se distinguem em Castro fazem com que Carolina Soria
(2015a) o localize como uma obra-chave para entender os fortes laços que se
estabeleceram recentemente entre o teatro e o cinema argentinos.7 A autora reconhece
que, entre as múltiplas e variadas relações entre essas linguagens artísticas, prevalece
uma constante intermidialidade, com o traslado de elementos narrativos e expressivos
do teatro que emerge nos anos 1990 (especificamente do teatro da desintegração)8 ao
cinema argentino contemporâneo. Entre esses elementos, Soria (2015b) se concentra em
quatro preceitos, os quais podem ser identificados no filme de Moguillansky:
1. A particular concepção da comunicação, que se afasta de uma forma tradicional
e realista na qual os diálogos são veículos de informação, caracterizando-se pela
desintegração da linguagem e pela perda da função referencial;
2. Desdobramento e dissolução dos personagens, que possuem motivações opacas. É
impossível reconstruir as personalidades dos mesmos e, consequentemente, reconhecer

                                                                                                                       
7
Aguilar (2010) já destacara a aliança com outras artes (e com a história do cinema) como uma das
características mais salientes do que ele denominou cinema anômalo (ideia descrita brevemente no primeiro
capítulo). Para o autor, enquanto a primeira fase do nuevo cine apresentou, no geral, filmes com roteiros
originais e com uma autorreflexão sobre o meio e a mise en scène, na segunda etapa abundam os filmes
realizados em diálogo com a música contemporânea, a dança, as artes plásticas e a literatura em uma forma
peculiar que não pode ser denominada adaptação nem transposição (como acontece com Historias
extraordinarias e sua inspiração em Bioy Casares, R.L. Stevenson e Jack London, ou nos filmes de Matías
Piñeiro com Sarmiento e Shakespeare). No caso específico de Moguillansky, Aguilar enfatiza seu trabalho
no teatro e como seus filmes não podem ser entendidos sem a renovação que se produziu no teatro e na
dança argentinos nos últimos anos.
8
“Desde os anos 1990, Rafael Spregelburd, Federico León, Javier Daulte e Daniel Veronese têm regenerado
o teatro de Buenos Aires. Nessa década, com a implementação do mercado neoliberal sob o ex-presidente
Carlos Saúl Menem, quando se impôs a privatização de empresas e um fervor consumista, o teatro desses
dramaturgos reagiu demonstrando o sarcasmo e a vulnerabilidade da sociedade frente a essa nova regulação.
Uma gama desse movimento [foi] denominada por Osvaldo Pelletieri como teatro da desintegração (...)”
(HERNÁNDEZ, 2010, p. 01).

 
 
159  
 

seus objetivos e prever suas reações – eles não contam com uma pré-história e uma
psicologia que possibilitem entender seus devires na trama. “O autor nega o oferecimento
de marcas contextuais que permitam localizar a ação a partir de determinado lugar de
justificativa e compreensão. Neste sentido, são personagens planos que vivem o tempo
presente à maneira de um instante” (IRAZÁBAL, 2003 apud SORIA, 2015b, p. 48);
3. A multiplicação de sentidos e o papel ativo do espectador que se desprendem da
ambiguidade da mensagem estética e de seu caráter autorreflexivo;
4. Fragmentação e narrações episódicas, ausência de causalidade lógica,
privilégio da imagem e da experiência sobre o relato. Este preceito está diretamente
relacionado com o primeiro e consiste da construção de tramas inverossímeis que se
caracterizam por apresentar um universo com outra lógica e coerência e transgredir os
princípios aristotélicos.
Ante essa estética dominada pela dispersão, pela imprevisibilidade e pela
desagregação, Soria resgata a afirmação de Martín Rodríguez de que o teatro da
desintegração desponta no campo teatral argentino “como a continuidade estética-
ideológica do absurdo – poética da qual incorpora o abstrato da linguagem cênica e a
crise do personagem como ente psicológico” (RODRÍGUEZ, 2000 apud SORIA,
2015b, p. 47).
O termo teatro do absurdo foi cunhado por Martin Esslin (1961), a fim de
agrupar, sob o mesmo conceito, obras de diversos dramaturgos que tratavam a realidade
de forma inusitada, utilizando elementos chocantes do ilógico (entre eles fragmentação,
repetição e ininteligibilidade), com o objetivo de mostrar a falta de soluções a que estão
fadados o homem e a sociedade e enfatizando o absurdo da existência humana como
reação artística à Segunda Guerra Mundial (GIROLA, 2011).

Trata-se de um teatro que compreende uma vertente niilista, ou seja,


uma negação e recusa da política, da história, da religião e da
sociedade como princípios unificadores. É impossível extrair qualquer
verdade/realidade do mundo (ir)real. É um teatro que tenta também
refletir o caos universal, o labirinto existencial que cerca o Homem, a
desintegração da linguagem como descodificador do mundo e como
meio de expressar verdades. O caos e condição existencial são muitas
vezes expressos por uma ausência de espaço e tempo determinados e
lineares, por uma desintegração e muitas vezes ausência de intriga,
que leva claramente a uma inércia das personagens, muitas vezes
marionetes vazias, desprovidas de sentido, bem como as suas
miseráveis vidas (GOMES, 2009 apud LAFALCE, 2011, p. 03).

 
 
160  
 

Samuel Beckett é o principal autor do corpus de Esslin e um dos maiores


expoentes do teatro do absurdo – e atravessa Castro de maneira direta, já que o filme é
inspirado em Murphy, seu primeiro romance, publicado em 1938. Murphy vem antes da
Segunda Guerra e das obras que consagrariam o escritor e dramaturgo irlandês como
Esperando Godot (1952) e a famosa “trilogia” Molloy (1951), Mallone morre (1951) e
O inominável (1953), mas já traz obsessões (como a solidão, a incomunicabilidade, a
falha, a linguagem) e características (como a falta de sentido da existência, o humor
corrosivo e, especialmente, o absurdo) que se tornariam a marca do intelectual
(ANDRADE, 2013). Do mesmo jeito que Molloy ou Mallone viriam a fazer, Murphy
rompe com a normalidade, recusando-se a pactuar com a vida tal como ela se apresenta.
O espírito de Murphy habita e sobrevoa Castro, além de doar seus
personagens ao mesmo: em ambos se apresenta o retrato melancólico de um homem que
foge. Por um lado, é buscado freneticamente por sua antiga esposa, seu antigo mestre e
um par de servidores deste. Por outro, é instado por sua amada, Celia, a buscar trabalho –
caso contrário, será abandonado. Típicos anti-heróis beckettianos, Murphy e Castro são
capazes de revelar pelo humor e pela marginalidade a lógica hostil e perversa do normal.
Em Castro, tudo é tomado por uma aceleração sem sentido: primeiro, porque
a hipermobilidade dos personagens converte-se em imobilidade, já que devido à inércia
eles não conseguem/não podem fazer outra coisa que não seja correr. Depois, porque
desemboca na escolha do personagem-título pela permanente quietude através da morte.
A busca por trabalho e o trabalho em si são partes inexoráveis dessa aceleração e sua
futilidade, constituindo-se, então, como partes inexoráveis da falta de lógica.
As entrevistas de emprego se concentram em uma porção de dados inúteis
que as vinculam ou ao prontuário policial (no caso de Celia) ou à infantilização (no caso
de Castro). Sugere-se, de um lado, a disponibilidade do ser à possível prisão que se
segue ao interrogatório; de outro, sua disponibilidade ao patetismo. Quando Castro
encontra um trabalho (ou melhor, é encontrado por um) e finalmente o aceita, este é
representado em toda sua vulgaridade e automatismo: o protagonista deve apresentar-se
com um paletó azul em uma estação de trem, não pode saber quem é seu chefe,
tampouco o que tem de fazer, sendo empurrado daqui pra lá e de lá pra cá, recolhendo e
entregando pacotes em meio a acrobacias automobilísticas que ecoam a rítmica dos
corpos (e vice-versa) e dançam com eles.

 
 
161  
 

Enquanto Castro acredita que o trabalho será o fim do amor, Celia insiste
que será o começo. Rebeca Thompson parece ter opinião semelhante à de sua rival:
quando Samuel diz que teve a impressão de que ia começar a morrer, ela lhe devolve
que “começou, já parece um aposentado”. Há um embaralhamento entre o trabalho e a
vida – o emprego é condição necessária para o amor; o aposentado é alguém que não
trabalha mais, então já estaria pronto para morrer.
Tal comunhão faz com que em Castro não exista a noite, só dias
apressados nos quais nunca ninguém está parado, nem sentado, nem deitado, nem
deambulando: a inatividade, o tempo morto e improdutivo são inexistentes. O sono –
como aventado por Jonathan Crary (2014), única fronteira não dominada pela lógica
da mercadoria9 – está presente de soslaio, já que só é possível dormir sobre os degraus
de uma escada (como Acuña), de frente a uma parede (como Samuel) ou dentro do
guarda-roupa (como Castro).
O obstinado e inexplicável acosso a Castro poderia ser lido como uma
tentativa de introduzi-lo e cooptá-lo a essa concepção da existência (sendo que, no
filme, o trabalho e a perseguição estão vinculados a um mesmo princípio: os rápidos
deslocamentos pela cidade). Entretanto, essa busca também se comprova
definitivamente infrutífera e desprovida de sentido através do diálogo entre Wylie e
Rebeca Thompson: “até não encontrarmos Castro não há nada para fazer, mas quando
o encontrarmos...”, diz o discípulo de Samuel, interrompido pela mulher que completa
a frase afirmando que “vai ter menos ainda para fazer – se Castro não pode fazer nada,
é um inútil”.
Em meio a todo esse nonsense, nada faz mais sentido que Castro e sua
opinião de que “ganhar a vida é o mesmo que desperdiçá-la”. O absurdo, em Castro,
não é outra coisa que o absurdo da cotidianidade; a trivialidade daquelas ações mínimas
da vida diária que não conduzem ou parecem não conduzir a lugar nenhum, mas que são
o motor de um devir inexorável (SORIA, 2015a). O amálgama de épocas que se imprime
visualmente, a trilha sonora hipersincronizada, a proliferação de uma porção de elementos
                                                                                                                       
9
No ensaio 24/7. Capitalismo tardio e fins do sono, Crary recorre tanto à cultura popular quanto a
estratégias militares para mostrar o surgimento de uma cultura na qual a economia força tudo a funcionar 24
horas por dia – uma lógica que vê o sono e o descanso humanos como empecilhos. Para o autor, é uma fonte
de otimismo o fato de que exista um intervalo crucial do tempo que é impossível de ser conquistado pela
força da monetarização e da mercantilização. A necessidade de sono não deixa perder de vista a natureza
cíclica e frágil dos seres vivos dentro de uma sociedade que exige, cada vez mais, que se esteja ligado,
operante, conectado, útil, ativo. Em Castro, o sono vive um tempo crepuscular.

 
 
162  
 

insólitos que lindam com o excêntrico (de construções verbais sem sentido a efeitos sem
causa aparente, passando por vários outros já elencados): nada disso faz parte de uma
cidade fantástica, mas da vida urbana contemporânea.

5.2. Cobrador: El asaltante

“O homem perseguido é visto sempre diagonalmente, de cima. Essa maneira


de vê-lo torna sua posição no espaço instável. O plano geral em ângulo elevado é uma
perspectiva opressiva e fatalista que toma o indivíduo do alto, fazendo-o parecer pequeno
e desamparado” (PEIXOTO, 1987, p. 51). Ainda não sabemos que se trata de um
perseguido, mas é assim que vemos pela primeira vez o protagonista de El asaltante,
como descrito no capítulo 2: em plongée. A rapidez da tomada não permite a instituição
dessa atmosfera trágica sobre o personagem, mas a esboça. Sendo a oscilação de sentidos
uma constante no filme, essa sensação de debilidade que se desenha será, em breve,
desfeita – posteriormente refeita, e desfeita, e refeita de novo.
O primeiro salto se dá com a excessiva aproximação da câmera a esse corpo-
guia da narrativa, permitindo que nos transformemos de voyeurs apiedados em cúmplices
desavisados. O homem que antes parecia oprimido por um olhar superior desliza
confiante e sem dificuldades a um ambiente cuja entrada se promete extremamente
regulada e fiscalizada: uma escola privada. Como já acontecia na porta do colégio de Una
semana solos, um pequeno portão incrustrado entre muros se abre apenas a crianças
uniformizadas – aqui, contudo, este senhor de tweed, gravata e trato de gentleman é
admitido sem nenhum questionamento ou identificação,10 sendo o esganiçado rangido do
portão o único aceno a alguma anomalia na cena.

                                                                                                                       
10
Em diversas entrevistas, Fendrik comenta que já estava em contato com o ator Arturo Goetz por conta de
La sangre brota, antes de lhe propor a realização de El asaltante. De qualquer forma, me parece interessante
pensar que essa escolha não foi tão fortuita e que a trajetória de Goetz pode se configurar como algo bastante
operativo para a constituição de seu personagem: até esse momento, Goetz só havia incorporado papéis de
médico (La niña santa, Lucrecia Martel, 2004), advogado (Derecho de familia), pai preocupado (Una novia
errante, Ana Katz, 2006), escrivão (El otro, Ariel Rotter, 2007) – enfim, ele ocupava o lugar de senhor
distinto e gentil por excelência do cinema argentino. Além disso, Goetz começou a estudar atuação quando
já tinha 50 anos, tendo sido um reconhecido economista que se formou em Oxford, trabalhou no escritório
das Nações Unidas na Suíça, capitaneou equipes de polo e foi assessor do presidente Raúl Ricardo Alfonsín
(1983-1989).

 
 
163  
 

O homem transita pelo colégio, se apresenta e conduz uma conversa de


trivialidades com naturalidade, da mesma forma que com naturalidade (e mantendo o tom
da voz) anuncia um roubo – gerando um sobressalto tanto em sua interlocutora quanto em
nós, já que nada indicava que Alejandro Williams seria o assaltante do título. Essa
confusão é incorporada pela câmera que, sem entender, vai e volta entre o rosto
imperturbável do personagem e o rosto espantado da diretora da escola.
Enquanto Williams mantém o equilíbrio mesmo frente a um imprevisto, a
câmera recupera o seu e acompanha sem sobressaltos, em um plano-sequência, o
desenrolar da situação até seu desfecho, quando o assaltante, portando o dinheiro, alcança
a rua e aperta o passo. A ausência de cortes alonga o tempo e não permite que se dissipe a
tensão, assim como o modo de captar o personagem que combina o close up (e o
consequente estreitamento das margens do quadro) com a imensa profundidade de campo
que se estende às suas costas (o corredor na saída da escola, a calçada onde está o portão),
dificultando e retardando sua saída de uma zona de perigo.
Do plano-sequência controlado, passa-se à claustrofobia e ao plano-sequência
desnorteante que acompanha a caminhada apressada de Williams, seu pequeno trajeto de
ônibus e sua entrada em um táxi, quando personagem e ritmo se tranquilizam, numa
serenidade atrapalhada pela propaganda política do rádio que brada por “saúde, educação,
segurança e desenvolvimento humano”. Fora do carro, tal serenidade tampouco dura
muito, e uma parada para o chá se converte em um revés, quando a garçonete derruba
água quente na mão de Williams.
Esse acidente se configurará como um turning point na trajetória do
personagem, mudando sua sorte. Depois de muito tempo, a câmera se separa dele para
visionar o momento em que o bule cai em seu colo, e ele age com rispidez pela primeira
vez. Ao sair do estabelecimento, a rua que o recebe parece igualmente ríspida e agitada,
tomada por uma profusão de ruídos em off como buzinas, sirenes e ferramentas que
constroem um ambiente caótico. Novamente colada no protagonista, que assume uma
fisionomia dura e raivosa, a câmera avista a garçonete sair do bar em sentido oposto.
Também pela primeira vez é possível ouvir a respiração ofegante de Williams.
É notória a mudança do personagem a partir de então. Todo seu garbo,
frieza e cálculo dão lugar à atrapalhação, nervosismo e precipitação: desalinhado, ele
derruba dinheiro no chão de uma farmácia, onde solicita algo para aliviar a dor da

 
 
164  
 

queimadura; se recusa a ir a um hospital e não esclarece o motivo, levanta suspeitas


daqueles ao redor. Posteriormente, solitário e em silêncio em um parque, ele aplica a
pomada em sua mão, em uma cena que adiciona a fragilidade e a solidão no repertório
desse personagem instável.
A metamorfose do assaltante avança durante o segundo roubo, estimulada
pela insistente saída dos trilhos de seus planos. Apesar de (mais uma vez e
surpreendentemente) ingressar sem dificuldades em uma escola privada, outros obstáculos
vão se acumulando à sua atuação e perturbando o recinto: a indisposição da recepcionista,
as inúmeras perguntas, a espera, o chá que não pode ser servido, o telefone que toca muito
alto, a presença de um segurança que se faz notar a todo o momento (tosse, oferece um
copo ao visitante, anda de um lado a outro, bate portas). Ademais, desta vez somos
cúmplices conscientes, o que colabora para a consolidação da atmosfera de suspense e
com que tudo seja percebido com desconfiança ou como um mau presságio.
Identificado como Carlos Schultz, ele tem dificuldade para entabular uma
conversa e se aproximar de sua vítima, se mostra incomodado e irritadiço, não repete
nenhuma das estratégias utilizadas no exitoso roubo anterior e não lida bem com a
improvisação. Frente à iminência da perda de controle, acuado pela enxurrada de palavras
do diretor e da secretária, torna-se agressivo e perverso. Os rostos e gestos são
fracionados, os movimentos turvam a imagem e o achatamento do espaço (que transforma
a sala em um cubículo onde todos precisam estar muito próximos) alimentam a aura
sufocante da situação, tanto para o algoz quanto para seus reféns.
Schultz escapa ileso do desmoronamento de seu plano e do labirinto que
enfrenta para sair do colégio, mas a acumulação de contratempos que havia se
configurado mantém a proximidade do fracasso e, pela primeira vez no filme, ele é
obrigado a correr. Também pela primeira vez a câmera o abandona para acompanhar a
ressabiada garçonete que se depara, por acaso, com a movimentação estranha na porta da
escola e com a pressa do cliente recém-machucado, decidindo segui-lo.
Enquanto o assaltante reconstitui seu personagem, trocando o terno por uma
vestimenta esportiva, a montagem paralela alterna as perspectivas da garota e do homem,
da perseguidora e do perseguido, até que esses papéis se invertam e ele a capture. Como
mais um elemento na sequência de percalços enfrentada por Schultz, a garçonete

 
 
165  
 

desfalece diante de sua intimidação – e ele, outra vez, se converte no fugitivo que dá
voltas atordoantes de táxi... até abrir mão da fuga e retornar para resgatá-la.
Após a recuperação da moça (levada à mesma farmácia na qual foi comprada
a pomada para queimadura), ambos se sentam silenciosos no parque, lugar de refúgio já
frequentado pelo protagonista. Ali, onde anteriormente aflorara outra dimensão do
assaltante, sua composição sofre mais um giro: confessa à garçonete que o revólver era de
brinquedo, deixa-se ser derrubado e maltratado por ela, fica no chão sujo e se suja,
caminha resignado e com o cabelo desgrenhado. Em um último ato de cumplicidade, a
câmera se aproxima dele em sua tentativa de se reorganizar fisicamente (limpa a roupa,
confere seu aspecto no reflexo de uma vitrine), para depois vê-lo apenas de longe. Ele não
é mais perseguido, percorre a cidade lentamente, mas a distância com a qual é captado
reabilita os ares de desamparo que ameaçaram instalar-se na primeira tomada.
Quando o homem adentra um edifício, a câmera volta a escoltá-lo. Os
diálogos e as vestimentas indicam que se trata, novamente, de uma escola: porém, ao
invés das camisas com brasões e saias de prega, os típicos guarda-pós das escolas
públicas argentinas. Ao invés das conversas amáveis que se estabelecem com as
clientelas, uma exaltada reclamação sobre as condições de higiene do local. Ao invés
das paredes forradas de fotos e de troféus em armários envidraçados, paredes
desbotadas e remendadas. Reconhecido como Ramos, logo se percebe que o
protagonista chegou a seu território.
O inesperado destino (ou origem?) do personagem redesenha seu conjunto de
ações, mas a indeterminação narrativa é mantida: nunca se descobre se a incorporação do
assaltante pelo professor é algo corrente ou inédito, se ele conhece os esconderijos de
dinheiro de antemão ou como sabe os nomes de pais de alunos dos colégios particulares,
se é uma conduta a la Robin Hood para suprir as dificuldades da escola pública que dirige
ou se é para engordar a própria poupança.
A dubiedade desse último item é especialmente significativa, ao permitir que
nunca se termine de construir o protagonista como um herói ou um vilão – mesmo que
não me refira a esses termos de maneira ortodoxa. A tríade Williams/Schultz/Ramos se
equilibra não apenas entre o professor e o assaltante, mas essa ambiguidade se prolonga já

 
 
166  
 

que o assaltante se equilibra entre o “bandido social”11 (e seu enquadramento heroico em


grande parte da cinematografia latino-americana)12 e sua recente reconfiguração como
“pragmático” ou “ressentido” (segundo a acepção proposta por Ismail Xavier para
caracterizar um traço recorrente de personagens do cinema brasileiro dos anos 1990 e
início dos 2000).

Antes [no cinema brasileiro das décadas de 1950, 1960 e 1970] havia
uma tendência não só para dramatizar a experiência do bandido, mas
também para entender sua ação dentro do modelo do bandido social
(Hobsbawm): marca de sua condição de vingador, justiceiro que,
mesmo ineficiente, limitado em sua consciência dos mecanismos de
dominação de classe, tinha sua carreira de violência entendida como
algo que encontrava suas afinidades com a ação revolucionária de
contestação mais consequente da ordem. No limite, era um potencial
agente histórico transformador (...) (XAVIER, 2000, p. 113).

Nos filmes da Retomada, entretanto, Xavier (2000) nota a recorrência de


formas da experiência marcadas pelo ressentimento, em que os personagens se fixam ao
passado e possuem projetos de vingança adiados, remoídos, que podem se manifestar de
diversas maneiras, mas sempre estão distanciados do discurso das lutas coletivas. Não há
nenhum horizonte político; as agruras não se desdobram em promessas de mudança e
sim em um individualismo pragmático que busca sua fatia de poder, esvaziado da utopia
que existia em um cinema mais épico (no sentido grandioso do termo). Em uma
reflexão posterior, Xavier (2003) identifica que as “figuras do ressentimento” poderiam
assumir duas formas:

                                                                                                                       
11
Segundo a interpretação de Eric Hobsbawm, quem analisa o fenômeno do banditismo social como uma
forma de resistência camponesa que seria uma versão primitiva de protesto social organizado, fruto das
injustiças sociais da ausência do Estado (FERRERAS, 2003).
12
Como assinala Daniela Gillone, as figuras marginais estão representadas em um conjunto de filmes
produzidos durante os ciclos e movimentos mais capitulares do cinema da América Latina: “A
marginalidade heroica das revoluções e dos acontecimentos políticos do início do século XX, passando
pelos movimentos indígenas e pelas repressões dos latifundiários no campo e da ditadura militar nas cidades,
foi tematizada conforme a proposta política de determinados momentos do cinema. Durante o período
clássico-industrial e no cinema de resistência da década de 1960, os filmes ressignificaram em versões
romântica e revolucionária a representação das revoltas dos heróis bandoleiros: o Lampião no Brasil, o
Pancho Villa no México e o gaucho desbravador de fronteiras na Argentina – e ainda temos a configuração
de outras personagens marginais em outras cinematografias, tal como o cacique Tupac Amaru e as
associações de sua imagem ao conflito armado no cinema peruano. Esses heróis bandoleiros que fizeram a
história do início do século anterior influenciaram na maneira de se pensar o contexto de dominação e
colonização pelo cinema produzido durante as ditaduras militares. Essa associação da marginalidade à
política do cinema suscitaria uma avaliação de filmes cujos conteúdos são elaborados com estratégias
desenvolvidas por seus diretores no plano político” (GILLONE, s/d).

 
 
167  
 

1. A que envolve personagens que se movem no jogo de poder intrafamiliar e


compõem um drama de inconformismo bem ou malresolvido face uma ordem paterna
ressentida e vingativa – há aí sobreviventes, como o protagonista de Bicho de sete
cabeças (Laís Bodanzky, 2001) e o de Abril despedaçado (Walter Salles, 2001), ou
figuras aniquiladas, como a irmã do protagonista narrador de Lavoura arcaica (Luiz
Fernando Carvalho, 2001);
2. A que envolve personagens que agem na esfera pública e pertencem a segmentos
sociais tensionados, seja por pobreza, desemprego ou preconceito, condição que se
desdobra em uma violência canalizadora de ressentimentos do tipo da que colore O
invasor, Cidade de Deus e Madame Satã (Karim Aïnouz, 2002).
Mesmo que o autor se paute pelo cinema brasileiro para esquematizar seu
conceito, não é difícil notar lineamentos desse tipo de figura nos filmes de Fendrik:
Leandro, de La sangre brota, está imerso em um ressentimento familiar contra o poder
opressivo do pai que, por sua vez, se localiza entre os ressentidos deserdados sociais –
como o protagonista de El asaltante. Este ainda poderia ser pensado como a versão soft de
uma personalidade brasileira coetânea tipicamente ressentida: o personagem-título do
longa de Paul Leduc O cobrador (Cobrador: in God we trust, 2006).
Inspirado pelo conto homônimo de Rubem Fonseca e por outras obras do
escritor, a coprodução entre Argentina, Brasil, Espanha, França, México e Reino Unido
acompanha um operário carioca que trabalhava em uma mina de ouro e emigra aos
Estados Unidos. Ao ser humilhado por um dentista (estopim que desencadeia sua fúria),
torna-se um assassino a fim de reivindicar o que lhe parece de direito enquanto cidadão e
nunca lhe foi dado, matando por onde passa, fugindo para o México e para o Brasil.
Utilizando uma estratégia diferente, o professor-assaltante também resolve cobrar o que
ele acha que a sociedade lhe deve: seja em benefício próprio, seja em benefício de seu
local de trabalho – o que nunca saberemos, fazendo com que as versões de bandido social
e de ressentido se constituam como faces de uma mesma moeda.
O cotidiano é atravessado por uma situação de indignação que leva a uma
busca de justiça com as próprias mãos. Ramos coloca-se politicamente através de uma
atitude combativa – porém, que não se relaciona com aquela atitude combativa de
caráter revolucionário, e sim a uma solução imediata, inadiável. O desinteresse por sua
trajetória específica e particular e as reviravoltas de sua caracterização fazem dele mais

 
 
168  
 

um sintoma que um sujeito – sendo a condição de fugitivo o que o identifica, já que é a


única que se conserva enquanto ele passa de carrasco a vítima, de autor da violência a
alvo da violência, de temido a fragilizado.
Da mesma forma que o assaltante não importa enquanto sujeito, o assalto não
importa enquanto objeto ou tema da trama. Como observa Arthur Autran (2008), o ponto
principal do filme não é ato do roubo, mas como a conversão desse ato-problema em
solução dá conta de demonstrar de forma ampla a exacerbação da violência, do
individualismo, da falta de sentido, da desesperança e da passividade de cada dia – e de
como tudo isso pode estar entrelaçado.

(...) O assaltante consegue nos fazer refletir profundamente sobre as


tensões tão presentes nas nossas sociedades que assistiram nos anos
1990 à destruição sistemática dos bens públicos em nome da reforma
do Estado e do livre-mercado, convivendo hoje com uma situação de
terra arrasada na saúde, na educação e no transporte públicos. A
reflexão não é feita a partir de uma oposição óbvia ou maniqueísta,
mas indicando que no cerne mesmo do setor público – e das nossas
sociedades – existem profundas deformações que impossibilitam a
reação ao quadro da sua destruição. Quando muito, o que resta são
atitudes individualistas e/ou desesperadas que em nada melhoram a
situação. O instigante no caso de O assaltante é que o ato de Ramos,
pela sua própria estranheza e falta de explicação, torna-se uma
referência do nosso desespero diário, do nosso individualismo e
talvez da falta de sentido de boa parte dos nossos esforços
(AUTRAN, 2008).

Como em Castro, a violência em El asaltante está na cotidianidade urbana,


distribuída ubiquamente em quaisquer ações, nos intercâmbios mínimos, no que a cidade
exige e não dá, nas dificuldades da vida pública e sua penetração na vida privada, em um
mal-estar difuso que obriga os personagens a viverem em um estado de fuga permanente.
Ademais, as interações entre ator, câmera e espaço urbano sugerem uma
experiência do choque que abre um canal entre a diegese e o mundo: o ator, perseguido
pela câmera, entra em atrito direto e imprevisível com os transeuntes, unindo o
documental e o encenado, incorporando ao filme certas fricções próprias da cidade ao
mesmo tempo em que tira os passantes de seu fluxo normal e replica na rua a urgência
que coloca a ficção em marcha.
Essa urgência é vivenciada na pele – o corpo do assaltante, apesar de sempre
fugaz e fragmentado, é o centro do qual irradia toda iniciativa e a partir do qual

 
 
169  
 

acessamos as poucas pistas que temos, além de contar, por si só, essa trajetória abalada
pelo dia a dia: do irreprochável senhor de terno, passando pelo nervoso – mas isento de
qualquer suspeita sob seu conjunto novinho – esportista, terminamos na companhia do
professor calado e impotente, dono de gestos cansados e lânguidos, de camiseta suada e
amassada, atravessado pelo desmantelamento de seu corpo.

No relato de apenas poucas horas da vida do personagem, a


vulnerabilidade, o medo, a ansiedade, o remorso se disparam não
como significados, mas como pura sensação. O movimento da câmera,
o som fora de campo, instalam o espectador no corpo do personagem.
Em um momento do filme, enquanto o personagem foge, tudo fica
reduzido a uma turbulência de movimentos. Em outro, uma garota
derrama uma xícara de café13 sobre seu braço. Tudo fala do corpo e a
partir do corpo, sua vulnerabilidade, seu peso e sua gravidade presa no
espaço e no tempo (LEÓN, 2007).

Essas sensações, embora ligadas ao corpo de Ramos, também são


produzidas por uma cidade que se move, principalmente porque o caminhar da câmera
que segue o personagem torna o fundo urbano uma série de planos abstratos, coloridos e
iluminados que causam certo desconforto perceptivo. A cidade acaba mimetizando o
andar do professor-assaltante e, como adiantei no capítulo 2, desenvolve-se uma relação
simbiótica entre ambos.
O corpo que foge, a cidade que o absorve ou o esmaga, o táxi, personagens
perturbadores e misteriosos, a violência e a câmera instável (protótipo de um mundo
instável) que se apresentam em ambos os longas de Fendrik se reúnem em um curta
posterior do diretor, Hija del sol (2010),14 uma espécie de corolário de sua estética
condensado em nove minutos. O corpo machucado, sangrando, em tensão e ação
permanentes é, aqui, o de uma mulher gravidíssima, duplicando a visceralidade do
humano à beira da explosão. Sem largar o revólver, a moça pula um muro e, após
roubar um rádio, atravessa o pequeno portão de uma casinha suburbana, ao que é
surpreendida por uma vizinha, entrando em um táxi que passava por ali.

                                                                                                                       
13
Na verdade, trata-se de água quente para o chá, como já comentei.
14
Produzido no marco do projeto 25 miradas – 200 minutos, que reuniu 25 curtas-metragens de renomados
cineastas argentinos em comemoração ao Bicentenário da Independência. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=VXSXwluolBk. Neste canal é possível ver, também, os outros curtas da
coletânea.

 
 
170  
 

A adrenalina da situação estimula um inesperado trabalho de parto, ao que


se soma a troca de tiros com a polícia, obrigando o incauto taxista a ajudar a mulher a
fugir e a parir. Os tijolos do muro, as grades da porta da casa ou as janelas do carro
recortam e emolduram os rostos dos personagens, captando suas respirações arquejantes
e seus olhares alertas e assustados, e o quadro se abre apenas para que a câmera possa se
movimentar rapidamente e captar todos os pontos da ação.
No estaleiro, às margens da cidade, a vida se mistura à morte, assim como a
natureza se mistura aos detritos, as sirenes invadem o silêncio, o sol brilhante banha as
águas sujas, e o rosto do cadáver da mãe é o fundo do qual não se destaca o rosto do
bebê. Como em El asaltante e em La sangre brota, a fuga não salva, estendendo uma
linha de violência e desamparo que, longe de se aproximar de um ponto final, se
reproduz e se alonga – ou alimenta um ciclo.

 
 
171  
 

6. Palavras finais: espaços em conflito

Espaços em conflito foi o tema da 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes,


realizada em janeiro de 2016 nessa cidade mineira. Conforme escreveu o curador Cléber
Eduardo no catálogo do evento,1 entre os inscritos e os selecionados nesta edição da
mais importante vitrine do cinema brasileiro contemporâneo notou-se, sobretudo na
relação dos personagens com seus espaços, uma reação mais conflituosa do que a
observada nas produções da última década. Porém, segundo ele, a pertinência do tema
está menos em sua originalidade que em sua permanência na cinematografia nacional já
que, desde Rio 40 graus (Nelson Pereira dos Santos, 1955), filme emblemático dessa
questão, embora tanto o país quanto seu cinema tenham mudado muito, os espaços do
país e do cinema no país continuam no coração dos conflitos narrativos.

O cânone do cinema brasileiro, histórico ou recente, desde os anos


1950, é fundamentado no espaço. Não tanto na psicologia dos
personagens, sequer em seus desejos submetidos a testes de
dificuldade, menos ainda em motivações abstratas. Algumas das
maiores obras de cinema realizadas no país estruturam-se a partir de
problemas concretos, relacionados à terra, à moradia, à vizinhança, à
família, ao drama de se conviver, de se coabitar um mesmo espaço, de
2
se gestar o equilíbrio na diferença (EDUARDO, 2016a, p.22).

Paralelamente, Aline Bittencourt Portugal (2014), em sua pesquisa de


mestrado, nota que, nos últimos anos, o cinema brasileiro tem produzido uma grande
quantidade de filmes que tematizam o espaço urbano; trabalhos que olham para as
cidades filmadas com uma vontade de perceber modos de vida, formas de habitar e de
se relacionar com elas. Muitas dessas produções, segundo a autora, foram realizadas em
paralelo a grandes transformações dos centros urbanos, principalmente os que seriam
sede da Copa do Mundo de 2014. Assim, as cidades passaram por uma reorganização
espacial e simbólica a partir da qual várias disputas emergiram à superfície – como
emergiram novas formas de pensar e questionar as cidades, formas que buscam percebê-
las como algo vivo, em constante conflito e construção.

                                                                                                                       
1
Agradeço a Reinaldo Cardenuto o acesso a esse material, e a Marília Goulart por possibilitar esse contato.
2
Ver os textos de Cléber Eduardo (2016a, 2016b) e de Francis Vogner dos Reis (2016), no catálogo da
mostra, que fazem um percurso histórico da questão do espaço no cinema brasileiro.

 
 
172  
 

Espaços em conflito se configurou como o título da tese somente no


momento de escrita dessas palavras finais. Primeiro, porque o cinema brasileiro
acompanhou de maneira insistente esta investigação, com vários filmes que se ligavam
ao corpus e, indiretamente, colaboravam para sua compreensão. Além dos já citados,
foram importantes as conexões estabelecidas por fora com Riocorrente (Paulo
Sacramento, 2014) e sua São Paulo distópica, Luz nas trevas – a volta do Bandido da
Luz Vermelha (Helena Ignez e Ícaro Martins, 2010) e suas fugas e perseguições, Esse
amor que nos consome (Allan Ribeiro, 2012) e sua apropriação da cidade através dos
corpos que dançam, Transeunte (Eryk Rocha, 2010) e sua perambulação pelo espaço
urbano, Obra (Gregório Graziosi, 2015) e a violência que cerca a edificação de uma
cidade, entre muitos outros. Destacam-se os longas de Adirley Queirós, A cidade é uma
só? (2010) e, especialmente, Branco sai, preto fica (2014), distinguido por Eduardo
como o mais explosivo e conflitante no panorama nacional atual, em que há dois lados
irreconciliáveis: “há os lados de Brasília e o da Ceilândia, os da opressão e das vítimas,
os dos brancos ricos e dos negros pobres, os dos poderes e das reações, sempre assim,
em oposição, não convivência. Estamos no interior de uma dramaturgia da dicotomia,
da vingança e da exacerbação das diferenças” (2016b, p. 30).
Ver grande parte das obras brasileiras que haviam participado deste
processo sistematizada por Eduardo e Portugal a partir da questão do conflito chamou
minha atenção para, ao olhar retrospectivamente para os filmes do corpus e suas
análises, reconhecer o conflito como uma recorrência. O movimento, o medo, a
violência e a fuga se desenharam como temas transversais que permitiram reagrupar e
criar subcategorias específicas (o horror, as distopias, as ruínas etc.) que se dirigiam ao
conflito – o mesmo lugar de onde haviam partido. O “racha” do espaço público (que se
alastra aos espaços privados) abordado por Hugo Hortiguera (2012, 2013, 2014, 2015)
em alguns filmes está, na verdade, presente em todos eles.
Se, conforme compilei no capítulo 1, a “primeira fase” do NCA,
desenvolvida sob os signos do neoliberalismo e da crise de 2001, se dedicou a recolher e
a expor os cacos deixados por ambos, especialmente aqueles manifestos no espaço
urbano, sua “segunda fase” parece ter se dedicado a expor as cissuras ensejadas em uma
reconstrução falha desses cacos. O aprofundamento da divisão da sociedade nos anos
1990 não foi repensado e revertido após o trauma de 2001 e, sim, reforçado, alcançando

 
 
173  
 

até os tradicionais espaços de refúgio como poderiam ser o campo ou a casa – nos
filmes que abordei, por exemplo, nenhum se aproxima do sedentarismo, conforme
proposto por Aguilar (2006), ou do espaço doméstico como lugar de reconstrução,
conforme Andermann (2015).
Pablo Fendrik, o cineasta da violência e da entropia segundo Bernades
(2009b), trabalhou essa ruptura de maneira frontal, expondo o desespero e o sangue de
personagens desolados e perdidos que não têm para onde nem para quem apelar,
lançando-se em reações tão desmanteladoras quanto inevitáveis: a invasão e despojo de
um espaço alheio em El asaltante (estimulado por um despojo mais profundo no espaço
comum?), a opressão e rispidez que borbulham em todos os cantos em La sangre brota.
Una semana solos discerne a divisão da cidade a partir de crianças isoladas
em um condomínio fechado que se deparam com a diferença e não sabem o que fazer
com ela. Apesar de o olhar infantil trazer outro parâmetro de percepção e de
significação, o conflito – ancorado na dualidade dentro/fora, eu/outro – persiste,
expondo-se de modo sutil. Em El hombre de al lado, o encontro com a diferença e o
conflito causado resultam em morte. Em Castro, o incômodo de estar fora do lugar e
não ter nenhum lugar para estar faz o espaço urbano ao qual o protagonista é empurrado
tão inabitável que morrer é melhor que viver. Historia del miedo situa os espaços e as
relações no terreno do horror de forma assaz contundente que é impossível visualizar
alguma resolução para seus conflitos.
Cada um à sua maneira, os filmes se aproximam do posicionamento de
Branco sai, preto fica, em que a conciliação é impossível: “não há no horizonte do filme
uma estratégia centrípeta de se partir das bordas para chegar ao centro, dos extremos de
posicionamento para uma futura negociação, em nome de uma tolerância obtida como
perda. Estamos em um cinema de embate, de confronto” (EDUARDO, 2016b, p. 30).
Apesar da alta conflitividade que se expõe no espaço da ação de Elefante branco, o
longa de Trapero aparenta ser o menos duro ao alimentar a chispa da resistência (com
todos os seus poréns e sem idealizações, como exposto).3
Guardadas as diferenças, a problemática dos espaços em conflito penetrou
em diversas ficções cinematográficas argentinas dos últimos anos – as quais, várias
vezes, estiveram prestes a integrar o corpus, sendo finalmente escolhidas apenas para
                                                                                                                       
3
Essa interpretação do filme corresponde com a interpretação que Carolina Rueda (2012) faz de Ronda
nocturna, como descrevi no primeiro capítulo.

 
 
174  
 

serem citadas rapidamente neste último capítulo de maneira a deixar as portas abertas
para futuras reflexões. A mais notável, sem dúvida, especialmente em se tratando do
espaço urbano, é Medianeras – Buenos Aires na era do amor virtual (Medianeras,
Gustavo Taretto, 2011). De grande repercussão no circuito comercial tanto no Brasil
quanto na Argentina, com semblante de comédia pop romântica, o longa de Taretto
apresenta a cidade como artificie do encontro amoroso – não sem antes colocá-la como
lugar por excelência do desencontro e do sofrimento, atravessado pela estranheza e pelo
medo. Martín e Mariana são jovens que vivem no mesmo quarteirão; seus caminhos se
cruzam de vez em quando, mas nunca se encontram.

O núcleo urbano apresenta uma arquitetura arbitrária que leva seus


habitantes – e aos protagonistas do filme em particular – a viver em
verdadeiras ilhas ou arquipélagos (...). Ambos os personagens, então,
mantêm um contato particular com seu entorno. Ou, talvez, deveria
dizer um “desapego” ou um distanciamento dele? Estão ali, mas não
sentem que são dali. (...) É uma espécie de permanente insatisfação ao
descobrir que vivem rodeados de gente e, entretanto, em absoluto
isolamento. (...) Os personagens de Medianeras perderam a
capacidade de entender, negociar e pactuar que exige viver entre e
com a diferença. Ficaram fechados nessa “medianeira” a qual se
assomam e a partir da qual só percebem fragmentos de comunidade, lá
embaixo. Vivem nesse espaço fronteiriço que a medianeira representa.
A busca persistente de Mariana (também a de Martín) por criar uma
“comunidade de semelhantes” (a expressão pertence a Bauman) a
partir desse espaço é um sintoma que põe em evidência a retirada da
alteridade exterior e a renúncia a se comprometer com uma interação
interior, transcendental e inspiradora, mas também perturbadora e
incômoda. (…) Cada um vive em seu mundo, sem contato direto com
seu entorno nem sua história. Ou, melhor ainda, são verdadeiras
bolhas que atravessam o espaço citadino sem estabelecer com ele
nenhum tipo de relação (HORTIGUERA, 2013).

El estudiante, de Santiago Mitre, e seu relato niilista sobre a política (além


do sonoro “não” que fecha o filme), Reimón (Rodrigo Moreno, 2014) e os longos
deslocamentos de sua protagonista do conurbano à capital para trabalhar como
doméstica em residências abastadas (com destaque para o apartamento dos jovens que
estudam em voz alta O capital, de Marx), Mauro (Hernán Rosselli, 2014) e a vivência
suburbana que encontra nos interstícios do sistema meios para sobreviver também
exploram os espaços da cidade em conflito, enquanto Los dueños (Agustín Toscano e
Ezequiel Radusky, 2013) esquadrinha as tensões ao redor do casarão de uma fazenda.

 
 
175  
 

Raúl Perrone segue prolífico na abordagem da vida adolescente em sua


“pacata” Ituzaingó, na Grande Buenos Aires, tendo mantido os personagens
desamparados e rebeldes que se movem em uma paisagem despojada, ao mesmo tempo
em que embarcou em uma virada formal que emula tanto as vanguardas
cinematográficas dos anos 1920 quanto algumas vertentes do cinema experimental, em
um itinerário formado por P3nd3j5s (2013), Favula (2014), Ragazzi (2014) e Samuray-s
(2015). José Celestino Campusano é outro cineasta referencial do universo suburbano e,
segundo Aguilar (2015a), sua aparição é tão original quanto desconcertante. Vil
romance (2008), Vikingo (2009), Fango (2012), Fantasmas de la ruta (2013) e El Perro
Molina (2014) concentram-se em personagens marginais que atuam sob as regras dos
bajofondos, movendo-se em âmbitos afetados pelo crime e diferentes formas de
violência social. Campusano reconhece a ruptura e o conflito nesse espaço, mas
reivindica a instituição de uma comunidade com valores compartilhados.

Impulsionado por uma grande força narrativa que funda suas raízes no
realismo clássico (uma espécie de Balzac dos subúrbios), Campusano
ambienta seus filmes nos bairros pobres da Grande Buenos Aires
(Monte Grande, Esteban Echeverría, Ezeiza) que conhece em primeira
mão. Não há, ali, nenhuma épica popular, senão a observação, com
precisão cirúrgica, da decomposição social e da espiral de violência
provocadas pelo abandono do Estado e pelo fortalecimento das redes
criminais (AGUILAR, 2015a, p. 208).

Luis Ortega, por sua vez, é um criador de pequenos cosmos especialmente


interessado nas margens (sociais e íntimas) e em como o espaço participa das
construções das relações. Dos universos descarnados e de solidão que optam pelo afeto
em Caja negra e na ficção científica Monobloc à arquitetura equilibrada em que nada
parecia disposto ao acaso, mas termina engolido pela tragédia em Verano maldito
(2011), das ruínas pós-apocalípticas das quais se deve fugir em Los santos sucios (2009)
ao transe-to apocalíptico de figuras borderline da periferia portenha em Dromómanos
(2012), Ortega se dedica ao retrato de personagens que estão à beira do precipício, às
vezes vivendo por fora das regras sociais “convencionais” e que flertam com o perigo,
com a loucura e com uma curiosa liberdade, como também em Lulu (2015), com as
flanêries de seus jovens protagonistas, Lucas e Ludmila, que vivem em uma casa
abandonada em um parque da zona mais chique de Buenos Aires.

 
 
176  
 

Lucas viaja pela cidade dançando, correndo ou em cima de um caminhão


que recolhe ossos dos açougues, enquanto Ludmila o faz em uma cadeira de rodas –
ainda que não precise mais dela, já que está recuperada do tiro que Lucas lhe deu por
acidente e cuja bala ficou em seu corpo. A cadeira de rodas e a bala são elementos que a
dupla de Ortega absorve como mais uma contingência apresentada por suas vidas de
amour fou em um espaço conflituoso, de sordidez, de violência, mas, também, de baile.
A dança e a bala alojada no corpo também são o ponto de partida de Dos
disparos (2014), de Martín Rejtman – com cuja obra a tese começou e com a qual vai
terminar. A história se inicia com o suicídio frustrado e repetido (e novamente
frustrado) de Mariano, após sua saída de uma discoteca. Apesar da comicidade agridoce
típica de Rejtman, Dos disparos é um filme escuro que marca algumas rupturas com a
poética instalada pelo diretor em sua filmografia pregressa: a tentativa de suicídio de um
adolescente com os dois disparos do título encarna uma surpresa no repertório narrativo
do cineasta, tão alérgico aos grandes acontecimentos, e os vínculos que, nos outros
filmes, iam se deslocando por um mundo em que as relações pessoais haviam alcançado
um máximo de coisificação e mercantilização, aqui não existem. Falta qualquer tipo de
código de intersubjetividade, como afirma Román Setton:
 
Em grande medida, os personagens de Dos disparos pertencem a um
universo social caracterizado pela grande desvinculação dos
indivíduos: grande desvinculação com respeito às instituições, aos
códigos interpessoais herdados, aos vínculos familiares ou afetivos.
Os protagonistas dos filmes anteriores contavam, ainda, com a grande
vinculação do mercado e os rígidos códigos das relações coisificadas e
mediadas pela televisão; por pouco substancial, por superficial que
fosse o laço social, este era muito mais vigoroso que no mundo de Dos
disparos. Esta ficção se caracteriza, portanto, pela anomia, a
fragmentação e a ausência de relação entre as partes e o todo, e pela
proliferação de subjetividades a-institucionais, a ausência de relações
de reciprocidade e as instituições zumbis (SETTON, 2016, p. 67,
destacados no original).
 
Como continua Setton, as formas das relações tradicionais com as pessoas e
com os objetos desapareceram e foram substituídas por ações que se executam mais ou
menos por inércia, como fazem os zumbis, ou como invenção de um código novo no
vazio, como fazem os sobreviventes do apocalipse zumbi. Para o autor, afinal, Mariano
se torna uma espécie de zumbi após os dois disparos, pois escapou da morte, mas não

 
 
177  
 

consegue voltar à vida. Por conta da bala que restou em seu corpo, ele acaba ficando
sempre de fora: do amor (perde a namorada), do trabalho (não consegue entrar nos
edifícios porque soam os alarmes detectores de metais), da arte (é expulso do quarteto
de flautas do qual participava, já a bala faz que ele soe “duplicado”), da diversão
(tampouco pode entrar na discoteca devido aos detectores).
O que acomete Mariano de modo exemplar se esparrama por todo o mundo
de Dos disparos. Os mortos-vivos vão da cidade ao litoral, mudam-se de uma casa a
outra, hospedam-se aqui ou ali, assistem à televisão na praia, tomam sol no terraço do
prédio de Buenos Aires, deitam em uma pedra para descansar, dirigem um carro pela
areia, tomam pílulas e dormem por dias sem se dar conta: tanto faz. Nesse sentido,
Rejtman recupera de seus outros filmes a deriva narrativa e pelos espaços que arrasta
personagens, tramas, lugares a direções misteriosas e imprevisíveis, da mesma forma
que a bala perdida nessa espécie de buraco negro que é o corpo do protagonista
(ZGAIB, 2015).
Porém, se, antes, a narração como circulação estava cheia de vitalidade
(ainda que ausente de significação), desta vez, ela se parece mais a uma fuga para
adiante: “entre mortos e feridos, todos se salvaram”. Só que, diferentemente das épicas
vividas pelos personagens de Trapero a caminho da “salvação”, em Dos disparos o que
está em jogo é o pós-sobrevivência – nada épico, mas pleno em conflitos.

 
 
178  
 

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1
Baseada na norma NBR 6023, de 2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Organizo
as referências a partir de uma separação tentativa, em consonância com uma divisão temática, que pode ou
não obedecer à divisão por capítulos (especialmente porque várias referências se repetem ao longo do texto).

 
 
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