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ARQUIVO S 4 Jornal do Senado — Brasília, segunda-feira, 2 de julho de 2018

Combate a Lampião quase entrou na Constituição de 34


Morte do rei do cangaço completa 80 anos neste mês. Documentos mostram que bandidos do sertão foram tema recorrente de discussões no Senado e na Câmara
Ricardo Westin

Biblioteca Nacional
Lampião entrou no cangaço após a
morte de seu pai pela polícia, em 1921.
Ao longo das décadas de 1920 — O cangaceiro não era herói. Era
e 1930, Virgulino Ferreira da Silva, bandido mesmo — esclarece Assun-
vulgo Lampião, espalhou o terror pelo ção. — A aura de herói tem a ver com
Nordeste. Com seu bando, percorreu um atributo valorizado pelo sertanejo
o sertão atacando vilas, matando do passado: a valentia. O cangaceiro
inocentes, saqueando mercearias, enfrentava a polícia sem medo, de
achacando fazendeiros, roubando peito aberto. Isso era heroísmo.
gado, trocando tiros com a polícia. Em 1935, com a nova Constituição
A carreira do criminoso brasileiro já em vigor, o senador Pacheco de
mais célebre de todos os tempos Oliveira (BA) apresentou um projeto
chegou ao fim há 80 anos. Descoberto de lei que destinaria 1,2 mil contos de
numa fazenda em Sergipe, Lampião réis aos estados para repressão ao can-
foi morto pela polícia a tiros de me- gaço. O dinheiro sairia do orçamento
tralhadora, ao lado de outros dez da Inspetoria Federal de Obras contra
cangaceiros, incluindo Maria Bonita, as Secas, responsável pela abertura de
sua companheira. Até o New York açudes, poços e estradas no sertão.
Times deu a notícia do histórico 28 A grande preocupação de Oliveira
de julho de 1938. eram os criminosos que atacavam os
Os senadores e os deputados da trabalhadores e atrasavam as obras.
época olhavam o cangaço com pre- — Um engenheiro avisou sobre o
ocupação. Documentos guardados risco que corria seu pessoal. Como
nos Arquivos do Senado e da Câmara Com seu bando de cangaceiros, Lampião aterrorizou o sertão nas décadas de 1920 e 1930 não lhe chegassem recursos, lançou
mostram que os parlamentares trata- mão do único expediente que lhe era
ram do tema na tribuna em inúmeras talhões itinerantes das polícias dos facínoras repontam mais violentos praticável: armou os trabalhadores.
ocasiões. Em 1926, o senador Pires estados. O que parte dos constituintes e sequiosos de sangue e dinheiro, Os cangaceiros matavam os operá-
Rebello (PI) discursou: desejava era que o Exército reforçasse apavorando os sertanejos e a polícia. rios por terem ciência de que a chega-
— Quem vive nesta capital da a ação das volantes. O deputado Ne- Leite explicou por que seria diferen- da do progresso ao sertão colocaria em
República [Rio], poderá achar que o greiros Falcão (BA) afirmou: te com o Exército em campo: risco o futuro das quadrilhas nômades.
governo tem feito a felicidade com- — Os Lampiões continuam ma- — Que bando se atreveria a apro-
pleta dos brasileiros. Ofuscados pelos tando, roubando, depredando, ximar-se de uma zona onde estacio- Amigo de coronéis
brilhos da luz elétrica, é natural que desvirginando crianças e moças e nassem tropas do Exército, com armas O historiador Frederico Pernam-
os cariocas não saibam que naquele ferreteando-lhes o rosto e as partes modernas, transportes rápidos e bucano de Mello, autor de Quem Foi
vasto interior existem populações pudentas sem que a União tome a aparelhos eficientes de comunicação? Lampião, diz que havia motivos não
aquadrilhadas fora da lei que zombam menor providência. Os estados por Outra vantagem era que as tropas fe- confessos para que o governo federal e
da Justiça e ridicularizam governos. si sós, desajudados do valioso auxílio derais podiam transitar de um estado os estados pouco fizessem para acabar
Muitos cangaceiros haviam assus- federal, jamais resolverão o problema. a outro. As estaduais não tinham tal com o bandido de uma vez por todas:
tado o Nordeste antes de Lampião, liberdade — e os cangaceiros tiravam — Lampião vivia fora da lei, mas
como Cabeleira, Jesuíno Brilhante, Justiça privada proveito disso. Uma vez encurralados mantinha excelente relacionamento
Antônio Silvino e Sinhô Pereira, mas O deputado Teixeira Leite (PE) lem- em Alagoas, por exemplo, os bandidos com os poderosos. Era protegido por
nenhum foi tão temido quanto o rei brou que os governos estaduais eram escapavam para Sergipe, Bahia ou coronéis e políticos. O governador de
do cangaço. As investidas de Lampião carentes de verbas, armas e policiais: Pernambuco, estados nos quais as Sergipe, Eronildes Ferreira de Carva-
eram tão brutais que, na Assembleia — A força policial persegue os volantes alagoanas não podiam atuar. lho, tinha amizade com Lampião e
Nacional Constituinte de 1934, de- bandoleiros, prende-os quando pode Nenhuma das propostas que davam lhe fornecia armamento e munição.
putados nordestinos — a Assembleia e mata-os quando não morre. Hostili- responsabilidade ao governo federal A boa vida de Lampião acabou
não teve senadores — redigiram cinco zados de todos os lados, recolhem-se vingou, e a Constituição de 1934 quando Getúlio Vargas deu o golpe
propostas para que a nova Constitui- à caatinga e se tem a impressão de que entrou em vigor sem citar o cangaço. de 1937 e instaurou o Estado Novo.
ção previsse o combate ao cangaço o bando se extinguiu. Mera ilusão. O — Na nova Constituição, vamos in- Uma das bandeiras da ditadura era
como obrigação do governo federal. vírus entrou apenas num período de vocar o nome de Deus. Vamos também a modernização do país. Nesse novo
A repressão cabia às volantes, ba- latência. Cessada a perseguição, os constitucionalizar Lampião? — ironi- Brasil, que deixaria de ser agrário para
zou o deputado Antônio Covello (SP). se tornar urbano e industrial, o can-
Para o deputado Francisco Rocha gaço era uma mancha a ser apagada.
Biblioteca Nacional

(BA), o cangaço exigia “remédio so- A gota d’água foi um documentário


cial”, e não “remédio policial”: mudo que revelou ao país a rotina do
— As causas do cangaceirismo são a bando de Lampião na caatinga. O que
falta de educação, estrada e justiça e a se via eram cangaceiros alegres, bem
organização latifundiária preservando vestidos e com joias. Nem pareciam
quase intactas as antigas sesmarias fugitivos. Sentindo-se afrontado,
coloniais, para não mencionar a Vargas ordenou aos governadores do
estúpida ação policial dos governos. Nordeste que parassem de fazer vista
Segundo o jornalista Moacir Assun- grossa e aniquilassem o rei do cangaço.
ção, autor de Os Homens que Mataram Assim se fez. Lampião e seus su-
o Facínora, sobre os inimigos de Lam- bordinados foram mortos e deca-
pião, o cangaço surgiu na Colônia e pitados em 1938, e o governo expôs
tinha a ver com o isolamento da região: as cabeças em cidades do Nordeste.
— O sertão ficava separado do litoral Bandidos de outros grupos correram
e mantinha uma ligação muito tênue para se entregar, de olho na anistia
com Lisboa e, depois, com o Rio. O que prometida a quem delatasse compa-
prevalecia não era a justiça pública, nheiros. Corisco, o último dos pupilos
mas a justiça privada. Era com sangue de Lampião, foi morto em 1940, e o
que o sertanejo vingava as ofensas. cangaço enfim se tornou passado.
Muitos aderiram ao cangaço em razão Colaboração: Celso Cavalcanti,
de brigas de família ou abusos das da Rádio Senado
autoridades. Uma vez cangaceiros,
executavam a vingança contando  Veja trechos do filme dos anos 1930 que mostra
Lampião: http://bit.ly/ArquivoSLampiao
Jornal noticia fim de Lampião e publica foto de vítima do bando marcada com ferro em brasa com a proteção e a ajuda do bando.

A seção Arquivo S, resultado de uma parceria entre o Jornal do Senado e o Arquivo do Senado, é publicada na primeira segunda-feira do mês. Acesse http://bit.ly/arquivoS

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