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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

IV SEMINÁRIO DE ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA


27 a 30 de novembro de 2017

CADERNO DE RESUMOS
Imagem da capa:
Camille Corot, The Philosophers' Retreat (Le Repos des philosophes) (1871)
Litografia.
Matriz: 21,7 x 14,5 cm; Suporte: 47,3 x 34 cm.
Metropolitan Museum of Art – Public Domain (https://www.metmuseum.org/art/collection/)
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Reitor
Sidney Luiz de Matos Mello
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Inovação
Vitor Francisco Ferreira

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

Diretora
Alessandra Siqueira Barreto
Vice-Diretor
Marcos Otávio Bezerra

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

Chefe
Celso Azar
Sub-chefe
Alexandre Costa
Secretária
Clara Salles

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

Comissão de Coordenação de Curso


Coordenador
Patrick E. C. Pessoa
Secretária
Luciene Pacheco
IV SEMINÁRIO DOS ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

Comissão Organizadora

Filipe Monteiro Morgado


Frederico Brum Martucci
Jessica Di Chiara
Jonathan Almeida de Souza
Roberto Torviso
Vitória Brito
SUMÁRIO
Apresentação ............................................................................................................................... 7
CONFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 8
SESSÕES DE COMUNICAÇÃO .............................................................................................. 9
RESUMOS ................................................................................................................................ 14
27/11 – 14h-16h / Mesa 1 - Estética aplicada ............................................................................... 14
Adorno e a pintura Moderna: os casos de Klee, Kandinsky e Picasso..................................... 14
Um ensaio é uma forma mesmo quando ele é um poema? Uma leitura de “O poema no tubo de
ensaio”, de Marília Garcia ...................................................................................................... 15
3/4 de gozo: dos limites de interpretação na arte contemporânea .......................................... 16
Fragmentos: Da escrita ao corpo – intercessões entre Walter Benjamin e Samuel Beckett...... 17
27/11 – 16h15-18h15 / Mesa 2: Adorno e Benjamin ..................................................................... 20
A aporia da autonomia na Teoria Estética de Adorno ............................................................ 20
O lugar de expressão da morte sob o mundo administrado .................................................... 21
Implicações ideológicas da definição do ensaio como especulação sobre objetos culturalmente
pré-formados em “O ensaio como forma” de Adorno ........................................................... 22
A influência de Walter Benjamin na teoria estética de Carl Schmitt: teatro e história, tragédia e
mito ....................................................................................................................................... 23
27/11 – 14h-15h / Mesa 3: Ética e Ontologia................................................................................ 26
Liberdade e Responsabilidade Moral em Spinoza ................................................................... 26
A Ontologia da Relação em Deleuze ...................................................................................... 27
27/11 – 15h15-17h15 / Mesa 4: Filosofia da História ................................................................... 29
A Paixão do Espírito ou de como os homens fazem a história ............................................... 29
Considerações críticas aos Fundamento da filosofia de Thomas Hobbes ............................... 30
Idealismo ou Ideologia? A epistemologia hegeliana e sua repercussão posterior ..................... 31
As acepções do Sentido Histórico e sua necessidade no procedimento genealógico de Nietzsche
.............................................................................................................................................. 32
28/11 – 14h-15h30 / Mesa 1: Retórica e Sofística .......................................................................... 35
Sobre a fronteira entre sofística e filosofia em Platão ............................................................. 35
Doutor Sócrates, altruísmo e retórica: dois aspectos essenciais da medicina da alma segundo
Platão..................................................................................................................................... 36
Histórias da Catarse: religião, medicina, filosofia, teatro e psicanálise. .................................... 37
28/11 – 15h45-17h15 / Mesa 2: Física e Thauma ......................................................................... 39
Tò thaumádzein: a patologia do espanto na origem da experiência filosófica em Platão e Aristóteles
.............................................................................................................................................. 39
A harmonía entre a aparência e a inaparência: Fragmento B54 de Heráclito ............................. 40
Questões sobre as dimensões dos corpos no De Caelo II 2 de Aristóteles ............................. 41
28/11 – 17h30-19h – Mesa 3: (Neo)platonismo ............................................................................. 43
O (Duplo) Desejo da Alma e a Geração dos Sensíveis no sistema Plotiniano ......................... 43
Platão e a comédia: o ridículo como prazer, dor e inveja ........................................................ 44
Verdade, mentira e persuasão: sobre a pseudos na República II de Platão ................................... 45
28/11 – 14h-15h30 / Mesa 4: Estética Moderna ........................................................................... 47
Metafísica da Música: a arte dos sons como Representação da Vontade ................................. 47
Sobre a pertinência de um padrão para o gosto na filosofia subjetivista de Hume .................. 48
Hermenêutica Filosófica e Juízo Estético ............................................................................... 49
28/11 – 15h45-16h45 – Mesa 5: Narrativas................................................................................. 52
Ricoeur e o romance como forma por excelência da modernidade ......................................... 52
A experiência comum e os dilemas da tradição em Walter Benjamin ...................................... 53
28/11 – 17h-18h – Mesa 6: Outras estéticas .................................................................................. 55
A sensibilidade e o papel da arte em Schiller .......................................................................... 55
O conceito de emancipação na obra Espectador Emancipado de Jacques Rancière ............... 56
29/11 – 14h-16h / Mesa 1: Linguagem ........................................................................................ 58
Por uma defesa do entrelaçamento entre Semântica e Epistemologia: a relação entre os Juízos
Analíticos e o Argumento Epistêmico de Searle. .................................................................... 58
Nomes vazios – Soluções novas para um problema antigo .................................................... 59
Apontamentos sobre a metáfora em Ricoeur ......................................................................... 60
O problema dos nomes: da busca pelo Platão à teoria da linguagem de Antístenes ................ 61
29/11 – 16h15-17h45 / Mesa 2: Conhecimento ............................................................................. 64
Atos e obstáculos epistemológicos na filosofia de Gaston Bachelard ..................................... 64
A crítica de Husserl contra o Psicologismo lógico e sua concepção de Lógica Pura ............... 65
A superação da hermenêutica subjetiva na teoria do conhecimento de Spinoza...................... 67
29/11 – 18h-19h30 / Mesa 3: Educação e Política ......................................................................... 69
A questão Moderna da Cidadania e suas implicações para o ensino de Filosofia .................... 69
A crítica marxiana do entendimento político e sua superação nos idos de 1843 e 1844. Uma
proposta de análise a luz do 'estatuto' de José Chasin ............................................................. 70
O paradigma imunitário de Roberto Esposito: uma abordagem sobre identidade e
reconhecimento ..................................................................................................................... 71
29/11 – 14h-16h / Mesa 4: Renascimento ..................................................................................... 73
A renúncia de Pascal às filosofias de Epíteto e Montaigne: uma análise sobre o Colóquio com o
Senhor de Saci........................................................................................................................... 73
O Conceito de Bárbaro em Montaigne: Um olhar sobre os Tupinambás ............................... 74
As funções do princípio de plenitude para a cosmologia e para o atomismo de Giordano Bruno
.............................................................................................................................................. 76
Montaigne, educador ............................................................................................................. 78
29/11 – 16h15-18h15 / Mesa 5: Conhecimento e Subjetividade......................................................... 80
“A força de que dispõe a alma para mover o corpo”: o interacionismo causal de Descartes ... 80
A melancolia de Elisabeth ...................................................................................................... 81
A dicotomia intelecto/corpo na “Regra I” de Regras para a orientação do espírito e a necessidade de
sua pressuposição como justificativa da generalidade da aplicação do método cartesiano ....... 82
O Anti-intelectualismo de Bergson ........................................................................................ 83
30/11 – 14h-16h / Mesa 1: Diálogos com Foucault .......................................................................... 86
O Sócrates de Michel Foucault: análise dos cursos do Collège de France da década de 1980. . 86
A funcionalidade da histórica como ficção na filosofia de Foucault ....................................... 87
Entre Espaços Foucaultianos ................................................................................................. 88
A noção de História em As Palavras e as Coisas........................................................................ 90
30/11 – 16h15-17h45 / Mesa 2: Política e Cotidiano ..................................................................... 92
Costume, liberdade e submissão - um ponto de encontro entre O Príncipe e os Discursos ......... 92
O Animal Social e o Isolamento ............................................................................................ 93
Reflexões sobre a violência: Adorno, Benjamin, Günther Anders .......................................... 94
30/11 – 14h-15h30 / Mesa 3: Tópicos Nietzscheanos ..................................................................... 96
Compreensibilidade e Equivocação ........................................................................................ 96
Zaratustra e as três metamorfoses: memória e esquecimento - a importante conquista da
plasticidade e da fluidez para o pensamento ........................................................................... 97
Elementos para um conceito de justiça em Nietzsche e seus desdobramentos ético-estéticos 98
30/11 – 15h45-16h45 / Mesa 4: Ser e Linguagem ....................................................................... 100
Linguagem, poesia e ritmo em Octavio Paz ......................................................................... 100
A fenomenologia hermenêutica no tratado A essência do fundamento de Martin Heidegger ...... 101
Apresentação

O Seminário dos Alunos de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal


Fluminense (SALUFI) é uma iniciativa que tem a finalidade de fortalecer as relações de trocas e
estimular a atividade acadêmica entre os estudantes de mestrado e doutorado das diversas áreas da
filosofia no país.
Em anos anteriores, além das comunicações discentes, o SALUFI contou com a presença
de palestrantes como o Prof. Dr. Danilo Marcondes (UFF), a Profa. Dra. Mariana de Toledo
Barbosa (UFF) e o Prof. Dr. Pedro Duarte (PUC-Rio). Neste ano, teremos a honra de contar com
as palestras dos professores doutores Vladimir Vieira, Alexandre Costa, Luis Felipe Bellintani
Ribeiro, Diogo de França Gurgel, Carlos Diógenes Tourinho, Tereza Calomeni, Mariana de Toledo
Barbosa.
Agora disponibilizamos o Caderno de Resumos das comunicações que compõem a
programação do IV SALUFI, e é com enorme alegria que contamos com a presença de discentes
dos mais variados programas de pós-graduação do país, como: Colégio Pedro II, PUC-RJ, UERJ,
UFMG, UFRJ, UFRRJ, UNESP, UNICAMP e USP. Além disso, dialogando com a proposta de
ampliação do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFF, organizamos as mesas de
comunicação tendo em vista os quatro eixos temáticos que irão compor suas linhas de pesquisa, a
saber: História da Filosofia, Ética e Filosofia Política, Estética e Filosofia da Arte e Conhecimento e Linguagem.
Desde já, agradecemos a participação de todos.

Bom evento!
A Comissão Organizadora
8

CONFERÊNCIAS

27 de novembro – Estética e Filosofia da Arte (Bloco O / Sala 516)


11h | Vladimir Vieira (UFF) - Schiller e o sublime na tragédia

28 de novembro – Filosofia Antiga (Bloco O / Sala 510)


11h | Alexandre Costa (UFF) - Empédocles e a cosmomecânica da contradição
12h | Luis Felipe Bellintani Ribeiro (UFF) - A sofística entre contradição e consenso

29 de novembro - Teoria do conhecimento e Filosofia da Linguagem (Bloco O / Sala 516)


11h | Diogo de França Gurgel (UFF) - Teorias contemporâneas da metáfora
12h | Carlos Diógenes Tourinho (UFF) - Crítica ao naturalismo e teleologia na fenomenologia de Husserl

30 de novembro - Ética e Filosofia Política (Bloco O / Sala 516)


11h | Tereza Calomeni (UFF) - "O ronco surdo da batalha"; poder disciplinar e biopolítica em Michel Foucault
12h | Mariana de Toledo Barbosa (UFF) - A experimentação ética em Deleuze
9

SESSÕES DE COMUNICAÇÃO
Segunda, 27 de novembro
Mesa 1: Estética aplicada – 14h-16h (Bloco O / sala 516)
Adorno e a pintura Moderna: os casos de Klee, Kandinsky e Picasso – Alberto José Colosso
Sartorelli (Unicamp)

Um ensaio é uma forma mesmo quando ele é um poema? Uma leitura de “O poema no tubo de
ensaio”, de Marília Garcia – Jessica Di Chiara Salgado (UFF)

3/4 de gozo: dos limites da interpretação na arte contemporânea – Juliana de Moraes Monteiro
(Puc-Rio)

Fragmentos: Da escrita ao corpo – intercessões entre Walter Benjamin e Samuel Beckett – Larissa
Primo (Puc-Rio)

Mesa 2: Adorno e Benjamin – 16h15-18h15 (Bloco O / sala 516)


A aporia da autonomia na Teoria Estética de Adorno – Bruna Franco Diaz Batalhão (Unicamp)

O lugar de expressão da morte sob o mundo administrado – Daniel Alves Gilly de Miranda
(Unifesp)

Implicações ideológicas da definição do ensaio como especulação sobre objetos culturalmente pré-
formados em “O ensaio como forma” de Adorno – Naiara Martins Barrozo (UERJ)

A influência de Walter Benjamin na teoria estética de Carl Schmitt: teatro e história, tragédia e mito
– Verena Seelaender da Costa (UERJ)

Mesa 3 –Ética e Ontologia – 14h-15h (Bloco O / sala 510)


Liberdade e Responsabilidade Moral em Spinoza – Jonathan Alves Ferreira de Sousa (UFRJ)

A Ontologia da Relação em Deleuze – Ádamo Bouças Escossia da Veiga (Puc-Rio)

Mesa 4 – Filosofia da História – 15h15-17h15 (Bloco O / sala 510)


A Paixão do Espírito ou de como os homens fazem a história – Uriel Massalves de Souza (Puc-
Rio)

Considerações críticas aos Fundamentos da filosofia de Thomas Hobbes – Thales Coimbra


Paranhos Cavalcanti de Paiva (UFRJ)

Idealismo ou Ideologia? A epistemologia hegeliana e sua repercussão posterior – Mirian Monteiro


Kussumi (Puc-Rio)

As acepções do sentido histórico e sua necessidade no procedimento genealógico de Nietzsche –


Gabriela Ferreira de Andrade (UFRRJ)
10

Terça, 28 de novembro
Mesa 1 – Retórica e Sofística – 14h-15h30 (Bloco O/ sala 516)
Sobre a fronteira entre a sofística e a filosofia em Platão – Ottávio de Azevedo Oliveira Rodrigues
(UFF)

Doutor Sócrates, altruísmo e retórica: dois aspectos essenciais da medicina da alma segundo Platão
– Pedro Luz Baratieri (UFRJ)

Histórias da catarse: religião, medicina, filosofia, teatro e psicanálise – João Gabriel Lima & Álan
Batista de Oliveira (UFRJ)

Mesa 2 – Física e Thauma – 15h45-17h15 (Bloco O / sala 516)


Tò thaumádzein: a patologia do espanto na origem da experiência filosófica em Platão e Aristóteles
– Irlim Corrêa Lima Junior (Puc-Rio)

A harmonía entre a aparência e a inaparência: Fragmento B54 de Heráclito – Jonathan Almeida de


Souza (UFF)

Questões sobre as dimensões dos corpos no De Caelo II 2 de Aristóteles – Matheus Oliveira


Damião (UFRJ)

Mesa 3 – (Neo)platonismo – 17h30-19h (Bloco O / sala 516)


O (Duplo) Desejo da Alma e a Geração dos Sensíveis no sistema Plotiniano – Deysielle Costa das
Chagas (Puc-Rio)

Platão e a comédia: o ridículo como prazer, dor e inveja – Felipe Ramos Gall (Puc-Rio)

Verdade, mentira e persuasão – sobre a pseûdos na República II de Platão – Thiago Augusto Passos
Bezerra (UFRJ)

Mesa 4 – Estética Moderna – 14h-15h30 (Bloco O / sala 510)


Metafísica da Música: a arte dos sons como Representação da Vontade – Bruno Victor Brito
Pacífico (UFF)

Sobre a pertinência de um padrão para o gosto na filosofia subjetivista de Hume – Carlota


Salgadinho Ferreira (Puc-Rio)

Hermenêutica Filosófica e Juízo Estético – Rodrigo Viana Passos (Puc-Rio)

Mesa 5 – Narrativas – 15h45-16h45 (Bloco O / sala 510)


Ricoeur e o romance como forma por excelência da modernidade – Bianca Pereira da Silva (UFF)

A experiência comum e os dilemas da tradição em Walter Benjamin – Matheus Fernandes (UFF)


11

Mesa 6 – Outras estéticas – 17h-18h (Bloco O / sala 510)


A sensibilidade e o papel da arte em Schiller – Felipe Tuller Moreira Machado (UFF)

O conceito de emancipação na obra Espectador Emancipado de Jacques Rancière – Patricia de


Souza Matias (Puc-Rio)

Quarta, 29 de novembro
Mesa 1 – Linguagem – 14h-16h (Bloco O / sala 516)
Por uma defesa do entrelaçamento entre semântica e epistemologia: a relação entre os juízos
analíticos e o argumento epistêmico de Searle – Michelle Cardoso Montoya (UFRJ)

Nomes vazios – Soluções novas para um ‘problema antigo – Luisa Luze Brum Genuncio (UFRJ)

Apontamentos sobre a metáfora em Ricoeur – Felipe Amancio Braga (Puc-Rio)

O problema dos nomes: da busca pelo sofista à teoria da linguagem de Antístenes – Roberto
Torviso Neto (UFF)

Mesa 2 – Conhecimento – 16h15-17h45 (Bloco O / sala 516)


Atos e obstáculos epistemológicos na filosofia de Gaston Bachelard – Zander Lessa Gueiros (UFF)

A crítica de Husserl contra o Psicologismo lógico e sua concepção de Lógica Pura – Vitória Brito
da Silva (UFF)

A superação da hermenêutica subjetiva na teoria do conhecimento de Espinosa – Kissel Goldblum


(UFRJ)

Mesa 3 – Educação e Política – 18h-19h30 (Bloco O / sala 516)


A questão Moderna da Cidadania e suas implicações para o ensino de Filosofia – Guilherme
Celestino Souza Santos (Colégio Pedro II)

A crítica marxiana do entendimento político e sua superação nos idos de 1843 e 1844. Uma
proposta de análise a luz do “estatuto” de José Chasin – Victor César Fernandes Rodrigues (UFJF)

O paradigma imunitário de Roberto Esposito: uma abordagem sobre identidade e reconhecimento


– Simã Catarina de Lima Pinto (UFF)

Mesa 4 – Renascimento – 14h-16h (Bloco O / sala 510)


A renúncia de Pascal às filosofias de Epicteto e Montaigne: uma análise sobre o Colóquio do Saci
– Bruno de Figueiredo Alonso (UFF)

O conceito de bárbaro em Montaigne: um olhar sobre os tupinambás – Isaac Rabelo Dobbin (UFF)

As funções do princípio de plenitude para a cosmologia e para o atomismo de Giordano Bruno –


Willian Ricardo dos Santos (UFMG)
12

Montaigne, educador – Alan Barbosa Buchard (UFF)

Mesa 5 – Conhecimento e Subjetividade– 16h15-18h15 (Bloco O / sala 510)


“A força de que dispõe a alma para mover o corpo”: o interacionismo causal de Descartes – Anna
Beatriz Figueiredo Pereira da Silva (UFRJ)

A melancolia de Elisabeth – Carmel da Silva Ramos (UFRJ)

A dicotomia intelecto/corpo na “Regra I” de Regras para a orientação do espírito e a necessidade


de sua pressuposição como justificativa da generalidade da aplicação do método cartesiano – Filipe
Monteiro Morgado (UFF)

O Anti-intelectualismo de Bergson – Julio Auto de Amorin Jr. (UFF)

Quinta, 30 de novembro
Mesa 1 – Diálogos com Foucault – 14h-16h (Bloco O / Auditório da Sociologia)
O Sócrates de Michel Foucault: análise dos cursos do Collège de France da década de 1980 –
Priscila Céspede Cupello (UFRJ)

A funcionalidade da histórica como ficção na filosofia de Foucault – Bruno Abílio Galvão (UERJ)

Entre espaços foucaultianos – Ítalo do Nascimento de Oliveira Borba (Puc-Rio)

A noção de História em “As Palavras e as Coisas” - Victor Garcia (Puc-Rio)

Mesa 2 – Política e Cotidiano – 16h15-17h45 (Bloco O / Auditório da Sociologia)


Costume, liberdade e submissão – um ponto de encontro entre O Príncipe e os Discursos – Otávio
Vasconcelos Vieira (Unicamp)

O Animal Social e o Isolamento – Thiago Sebastião Reis Contarato (UFRJ)

Reflexões sobre a violência: Adorno, Benjamin, Günther Anders – Felipe Catalani (USP)

Mesa 3 – Tópicos Nietzscheanos – 14h-15h30 (Bloco O / sala 321)


Compreensibilidade e Equivocação – Iara Velasco e Cruz Malbousisson (Unicamp)

Zaratustra e as Três Metamorfoses: memória e esquecimento – A importante conquista da


Plasticidade e da Fluidez para o pensamento – Patrícia Boeira de Souza (UFRRJ)

Elementos para um conceito de justiça em Nietzsche e seus desdobramentos ético-estéticos – Luiza


Fonseca Regattieri (UFRJ)
13

Mesa 4 – Ser e Linguagem – 15h45-16h45 (Bloco O / sala 321)


Linguagem, poesia e ritmo em Octavio Paz – Bruno de Souza Pacheco Jalles (UFF)

A fenomenologia hermenêutica no tratado “A essência do fundamento” de Martin Heidegger –


Christiane Costa de Matos Fernandes (UFRJ)
14

RESUMOS

27/11 – 14h-16h / Mesa 1 - Estética aplicada

Adorno e a pintura Moderna: os casos de Klee, Kandinsky e Picasso

Alberto José Colosso Sartorelli (UNICAMP)


Mestrando (FAEPEX)
Orientador: Taisa Helena Pascale Palhares

A presente apresentação visa mapear as reflexões de Theodor W. Adorno sobre pintura e


fazer pictórico, presentes em sua Teoria Estética (1969), em especial aquelas referentes à arte
moderna e seus principais representantes no viés pictórico: Picasso, Klee e Kandinsky.
Depositamos o valor de importância da apresentação no fato de as reflexões sobre a pintura terem
sido marginalizadas pelos comentadores e críticos de Adorno, privilegiando na análise estética a
música e a literatura. Apesar de a pintura ser apresentada de uma maneira marginal na exposição
da Teoria Estética, muitas vezes conjugada e servindo como patamar de comparação com outras
artes, além de muitas vezes ter sido analisada por Adorno com conceitos gerais de sua Estética,
defendemos que, a partir das reflexões de Adorno acerca das outras artes e da abordagem através
da dialética negativa, além de seus esparsos mas não menos importantes momentos nos quais
realiza observações sobre pintura, é possível estabelecer alguns parâmetros de análise pictórica no
âmbito da estética negativa de raiz adorniana. Tal procedimento não é tanto a abertura de um
caminho novo, mas um desvelamento de possibilidades críticas, já presentes na Teoria Estética, e que
cabe a alguém colocá-las na ordem do dia.
Adorno entende o elemento moderno das artes como a apropriação do que de mais
avançado há na indústria e na técnica conjugados com o pensamento mais progressista da época.
O conceito de Novo surgiu com o avanço da industrialização e do mercado globalizado; todavia, a
arte séria tomou-o como possibilidade de negação da empiria. A espiritualização da arte é sua
separação da realidade social para, com o material retirado dela, denunciar a dor social. Indústria
cultural é a cultura produzida em moldes industriais, em resposta à espiritualização; a indústria
cultural é totalizante, pois produz, veicula e vende seus produtos, além de apropriar-se de obras
que não foram feitas em seu âmbito, mas cuja forma propicia a vendabilidade e a mercantilização.
Forma é conteúdo historicamente sedimentado: não há distinção entre forma e conteúdo, e a
expressão verdadeira do conteúdo só se dá pela forma adequada, e não por moldes
preestabelecidos. A dissonância é a resposta negativa à ideologia contida na noção de harmonia:
uma obra reconciliada é falsa, pois o mundo material, de onde a arte tira seus materiais, é cindido.
15

São privilegiados na análise adorniana artistas como Picasso, Klee e Kandinsky, que
reuniam, para Adorno, as condições para uma experiência estética progressista. Aqui talvez
encontremos um limite da crítica de arte adorniana: a atenção pormenorizada a artistas da segunda
metade do século XIX e da primeira metade do século XX, o chamado modernismo “heroico”,
em detrimento da produção do pós-Segunda Guerra. Um exemplo dessa posição é a abordagem
deveras ligeira sobre Pollock e o expressionismo abstrato estadunidense. Apesar disso, há uma
crítica, da qual tomamos como exemplo Jay Bernstein, que se utiliza de conceitos presentes na
Teoria Estética para uma análise positiva do expressionismo abstrato.

Um ensaio é uma forma mesmo quando ele é um poema? Uma leitura de “O poema no
tubo de ensaio”, de Marília Garcia

Jessica Di Chiara Salgado (UFF)


Mestranda
Orientador: Pedro Sussekind

Há escritas que, quando acontecem, não desvinculam o que dizem do modo como dizem.
No que diz respeito à relação entre arte e filosofia, podemos dizer que o momento de surgimento
da crítica de arte que se situa ali na Alemanha do final do século XVIII, particularmente com o
primeiro romantismo de Iena, coloca em questão justamente um pensamento que se debruce sobre
essa relação – a publicação de revista, a autoria coletiva e anônima e a forma dos fragmentos são
alguns modos de dizer essa relação. Mesmo que situada à margem, desde então a questão sobre a
forma da escrita passa a ser evidente: porque ela é indissociável do que se diz, e mais ainda do que
é da ordem do não-dito. No século XX, o ensaio se situa nesse lugar limiar entre a experimentação
formal, a criação artística e a reflexão estética, e filósofos e críticos de arte como Georg Lukács,
Walter Benjamin e Theodor Adorno pensaram, às suas maneiras, amplamente essa relação. No
século XXI, a questão se reconfigura e seria possível arriscar um estado de ensaísmo que
caracterizaria certa reflexão e os modos de produção hoje: ponto pacífico de uma escrita
experimental, resta saber o que ainda pode acontecer de novo quando se deseja produzir ensaios.
Ao reunir jovens escritores dedicados ao exercício simultâneo da reflexão crítica e da
criação poética, o livro Sobre poesia: outras vozes, organizado por Célia Pedrosa e Ida Alves, refaz, no
cenário da poesia brasileira contemporânea, um convite à contaminação entre arte e crítica de arte
solicitando e atualizando a noção de “poeta-crítico”, fundamental às poéticas modernas. O
hibridismo que surge daí, ao mesmo tempo em que indica uma expansão de limites seria também
sintoma de uma crise que caracterizaria o contemporâneo?
16

Escrito pela poeta e tradutora Marília Garcia, o texto “O poema no tubo de ensaio” – um
dos nove ensaios que compõem Sobre poesia: outras vozes será objeto de análise desta comunicação.
No texto, a poeta narra uma experiência ao mesmo tempo pessoal e circunstancial: para confirmar
o visto que havia tirado no Brasil para uma residência artística na França, ela precisou testar sua
saúde com exames laboratoriais. Essa situação desencadeia uma expansão da noção de “teste” para
muitas direções improváveis: desde a política, à experiência cotidiana e ao texto. Interessa aqui
particularmente a ideia de texto como teste. Mudança discreta de letra, pensar um texto como teste
parece interessante porque, como a autora nos diz, existem testes em que “as regras para o teste
não estão dadas de antemão: / é preciso ensaiar.” Se o ensaio é “teste / experimento / prova” em
sentido amplo, ele também é, em sentido mais restrito, um gênero literário ou filosófico atravessado
exatamente por essa indistinção – um gênero “intranquilo”, como João Barrento disse. Além disso,
nesse texto, Marília Garcia, ao escrever um ensaio, o faz de modo incomum: escrevendo em versos.
A forma em versos do texto de Marília Garcia faz do ensaio um teste de poema ou do poema um
teste de ensaio, expandindo assim a noção do ensaio para além da sua forma enquanto um gênero
em sentido restrito, transformado, então, numa espécie de força no campo de forças do poema.
Se, no ensaio “cada formação do espírito (...) deve se transformar em um campo de forças”
(segundo a lição de Adorno), como pensar o ensaio quando ele está em um campo de forças fora
de si? Escrever ensaios em versos ou poemas como ensaios parece fazer deslocar os lugares
historicamente instituídos para a compreensão de cada um desses modos de escrita. Colocando
tanto o gênero do ensaio quanto o do poema em estado de teste, Marília Garcia nos permite pensar,
a partir desse ensaio em versos, em que medida podemos dizer que o ensaio é uma forma.

3/4 de gozo: dos limites de interpretação na arte contemporânea

Juliana de Moraes Monteiro (PUC-RJ)


Doutoranda (CAPES)
Orientador: Luis Camillo Osório

O presente artigo propõe uma discussão a partir do livro Gosto, do autor italiano Giorgio
Agamben, ainda não publicado no Brasil. Neste texto, Agamben debate o modo como
historicamente haveria uma cisão entre a filosofia – o campo da falta do saber – e o conhecimento
– o campo do saber. Assim, Agamben recoloca a problemática sobre a impossibilidade de
apreender o objeto do conhecimento, já exposta em seu livro Estâncias: a palavra e o fantasma na
cultura ocidental, desenvolvendo uma leitura do Banquete de Platão, texto seminal para pensar essa
questão. No Banquete, estaria exposta a cisão entre o campo epistemológico – o lugar da verdade -
e a beleza – o lugar do prazer. Segundo o filósofo, o Banquete confirma a premissa de que a filosofia,
17

por sua própria constituição terminológica enquanto philo- sophia, não procuraria deter a posse do
objeto do conhecimento, mantendo em sua estrutura uma falta de algo que lhe escapa
permanentemente, mas tampouco se ocuparia do gozo da beleza. Com relação à Estética, esfera
que me interessa pesquisar, a formulação do conceito juízo de gosto por Kant seria uma forma,
segundo Agamben, de dar notícias dessa antiga querela, ao tentar resolver essa separação. O gosto,
por assim dizer, buscaria unir o lugar do conhecimento do objeto, ao julgá-lo, e o deleite das obras
de arte, através do prazer desinteressado. Desse modo, proponho me amparar nas considerações
de Agamben sobre o tema para forjar uma perspectiva que pense a relação da filosofia da arte com
relação aos objetos de sua crítica, isto é, as próprias obras de arte, entendendo como elas se colocam
como barreiras ao processo de significação convocado pelo conhecimento, ao mesmo tempo em
que não recusam o estatuto do prazer. Busco com isso extrair uma via possível para a compreensão
do campo contemporâneo da arte, ao reconhecer o limite da interpretação das obras, sempre
escapável à filosofia, e resguardar para a crítica a prazerosa possibilidade de gozar daquilo que nos
é mais estranho e desconhecido. Além disso, faço referência à psicanálise no que diz respeito à
existência de um ininterpretável para a arte baseando-me em uma nota de rodapé inserida em A
interpretação dos sonhos de Freud, na qual o psicanalista austríaco aponta que em todo sonho existe
algo como um umbigo, um ponto insondável que deve ser abandonado pela interpretação, um
limite no qual o analista não mais avança em suas decifrações. Tomando essa consideração como
fundamental para pensar a noção de limite, defendo a perspectiva de que também para a crítica de
arte exista algo como um umbigo, um lugar último no qual a obra de arte se resguarda não como
algo a ser desvelado, mas como enigma que, em vez de demandar respostas e sentidos, se afirma
como um puro querer dizer, no qual a linguagem não é comunicação de uma mensagem, mas se
apresenta como uma potência que expõe em sua estrutura o fracasso dos processos de significação.

Fragmentos: Da escrita ao corpo – intercessões entre Walter Benjamin e Samuel Beckett

Larissa Primo (PUC-RJ)


Mestranda (CAPES)
Orientador: Pedro Duarte

Pretendo, através desse ensaio filosófico, me debruçar sobre as possíveis aproximações entre
o pensamento de Walter Benjamin e a literatura de Samuel Beckett a partir de um momento pontual
do ensaio Experiência e Pobreza – a saber, o instante em que Benjamin, ao mencionar as
consequências do declínio da experiência para a tradição, se volta – como exemplo da experiência
desmoralizadora da guerra de trincheiras – ao silêncio dos combatentes que retornavam mudos do
18

campo de batalhas, muito pobres em experiências (Erfarung) comunicáveis.1 Tomando esse ponto
como eixo central, buscarei compreender de que maneira a literatura beckettiana – sobretudo a
trilogia do pós-guerra e seus textos mais porosos – enriquece a compreensão desse “lugar” de exílio
em que a linguagem tantas vezes esbarra. Da incapacidade de dizer surge não somente uma escrita
fragmentária, que faz do ensaio a expressão estética como sintoma de uma época. Surge, sobretudo
dessa falência discursiva, um gaguejo infinito diante de um trauma que fragiliza o corpo humano e
expõe o fracasso como única possibilidade de continuar.

Há alguma coisa paralisantemente sagrada na natureza viciosa da palavra que não


se encontra nos elementos das outras artes? Há alguma razão pela qual a terrível
e arbitrária materialidade da superfície da palavra não seria capaz de ser
dissolvida, como pode, por exemplo, a superfície do som, rasgada pelas enormes
pausas, da Sétima Sinfonia de Beethoven, de forma que, por páginas a fio, nós
não podemos perceber nada a não ser um caminho de sons suspensos nas alturas
vertiginosas, ligando insondáveis abismos de silêncio?2

A superfície do som por ora se veste de silêncio – para que haja som, é necessário que o
silêncio recorte um dizer. A potência da Sinfonia de Beethoven não está propriamente no som,
nem tampouco no silêncio, mas no intervalo de tensão, no encontro entre dois dizeres ostensivos.
Sua força repousa em suas pausas dramáticas, nas esperas aflitas do instante em que o som retomará
seu desenlace. A superfície da palavra, para que seja ouvida, para que de algum modo deixe suas
marcas, precisa ser, então, esburacada, precisa se tornar porosa, precisa ainda recorrer à pureza da
língua – como golpes de silêncio que fissuram a tessitura da linguagem. Ao se lançar ao
estrangeirismo de outro idioma, Beckett buscava justamente escrever sem estilo, essa
desterritorialização da palavra, a busca por essa pureza – ora da linguagem, com pantomimas; ora
dos gestos, com um discurso labiríntico e dúvidas hiperbólicas dos anti-heróis beckettianos, é pura
expressão da incapacidade moderna de dar conta de uma completude – seja pelo ritmo incessante
do progresso, seja porque a linguagem já não mais prescreve seu tempo. A escrita fragmentária, a
qual tanto Beckett como Benjamin recorrem, diz justamente sobre um alçar de mãos ao vento na
busca de palavras que caibam – mas é condição própria à palavra sempre escapar, reduzir os objetos
sobre os quais se debruça. Esfacelar a linguagem, como buscava Beckett, é, sobretudo, a eterna
perseguição desses abismos de silêncio sobre os quais a palavra se lança – não para que ela se perca,
mas para que ressoe em potência, pois somente do fragmento, como Benjamin já havia exposto

1 BENJAMIN, Walter. Experiência e Pobreza In. Magia e Técnica, Arte e Política, p.114-115 “Na época já se podia notar
que os combatentes tinham voltado silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis, e
não mais ricos.”
2 Carta de Samuel Beckett a Axel Kaun, a “Carta Alemã” de 1937 In. Samuel Beckett: O silêncio possível, p.169.
19

em sua tese sobre O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão, é capaz de fazer surgir a imagem
do todo.

Referências Bibliográficas:
BECKETT, Samuel. Companhia e outros textos. Trad. Ana Helena Souza. São Paulo: Globo, 2012.
__________. Malone Morre. Trad. Ana Helena Souza. São Paulo: Globo, 2014.
__________. Molloy. Trad. Ana Helena Souza. São Paulo: Globo, 2014.
__________. O Inominável. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
BENJAMIN, Walter. Alegoria e drama trágico In. Origem do drama trágico alemão. Trad. João
Barrento. Belo Horizonte: Autêntica Editora.
__________. A obra de arte In. O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão. São Paulo: Iluminuras,
1999.
__________. A teoria primeiro romântica do conhecimento da arte. In. O conceito de crítica de arte no
Romantismo alemão. São Paulo: Iluminuras, 1999.
__________. Experiência e Pobreza In. Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas vol. I. Trad.
Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense.
__________. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In. Magia e técnica, arte e
política. Obras escolhidas vol. I. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense.
Carta de Samuel Beckett a Axel Kaun, a “Carta Alemã” de 1937 In. Samuel Beckett: O silêncio possível
Fabio de Souza Andrade. São Paulo: Ateliê Editorial.
20

27/11 – 16h15-18h15 / Mesa 2: Adorno e Benjamin

A aporia da autonomia na Teoria Estética de Adorno

Bruna Franco Diaz Batalhão (UNICAMP)


Mestranda (CAPES)
Orientadora: Taísa Helena Pascale Palhares

A defesa de Theodor W. Adorno de que obras de arte autênticas em regime de modernidade


possuem um caráter autônomo em relação ao processo histórico-social situa a autonomia da arte
não como mero resultado da recusa da arte a este processo, mas como condicionada ao mesmo
tempo histórica e socialmente. A manutenção do princípio de autonomia no interior da Teoria
Estética – obra de Adorno inacabada e publicada postumamente em 1970 – não se configura como
simples hipóstase desse conceito, mas estabelece uma relação entre arte e sociedade em que a
autonomia é posta como condição fundamental para o poder de negatividade da arte, isto é, para
o poder da arte em realizar a crítica da sociedade. Nesse sentido, pretende-se discutir a relevância
da estética adorniana no debate crítico do século XX, em vista da especificidade da noção de
autonomia e seus pares dialéticos que, ao atribuir à arte a capacidade de mediatizar em sua própria
forma conteúdos de origem histórica e social, propõe um tipo de construção da obra de arte
baseada em uma relação dialética entre arte e sociedade, que se expressa na capacidade conferida
por Adorno à arte em formalizar o que Adorno conceitualiza como o “não-idêntico”. Nesse
sentido, pretende-se discutir o que seria essa noção de não-identidade para Adorno e que seria
passível de formalização pela arte. O princípio de identidade é definido por Adorno como a
característica, em termos epistemológicos, da tendência à completa integração própria do
capitalismo tardio. A capacidade da arte de formalizar o não-idêntico coloca a arte como uma forma
de resistência ao processo de integração total levada a cabo no capitalismo tardio, ao mesmo tempo
em que ela retira seus conteúdos dessa realidade social. A recusa da realidade social pela arte, recusa
esta que lhe conferia uma dimensão crítica a essa realidade, e é nisso que reside sua ambivalência,
tornou as obras de arte cada vez mais especializadas e fechadas em sua autonomia. De maneira que
elas recaíram em um hermetismo e um formalismo tal que, o preço pago pela separação da arte
seria “definhar longe dos destinatários que lhe insulflariam o oxigênio da experiência viva”3.
Grande parte da arte dita “pós-moderna” vai na direção da crítica a esse “alto modernismo”. Em
última instância, o controverso “pós-modernismo” se caracterizou pela derradeira integração da
arte a uma sociedade já completamente administrada, de forma que a pergunta sobre a possibilidade

3ARANTES, Otília Beatriz Fiorei & Paulo Eduardo. Um Ponto Cego no Projeto Estético Jürgen Habermas:
Arquitetura e Dimensão Estética Depois das Vanguardas. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 26.
21

de resistência da arte não se faz mais à luz de sua separação, autonomia e não-identidade. Assim,
pretende-se apontar as limitações desta noção no desenvolvimento posterior da arte, seja no que
diz respeito à progressiva integração da arte, seja no que diz respeito à própria fetichização de sua
autonomia. O pós-modernismo poderá, nesse sentido, ser interpretado como uma auto-crítica do
modernismo, um modernismo caracterizado por um pensamento utópico. A estética de Adorno
pode trazer as bases de uma estética utópica, mas também as condições de sua crítica.

O lugar de expressão da morte sob o mundo administrado

Daniel Alves Gilly de Miranda (UNIFESP)


Doutorando
Orientador: Luciano Ferreira Gatti

Numa nota à Dialética do esclarecimento denominada "Teoria dos fantasmas", Adorno e


Horkheimer discutem a interpretação freudiana de que a crença nos fantasmas tem a sua raiz nos
maus pensamentos dos vivos em relação aos mortos, originados principalmente dos sentimentos
de ciúme e de culpa. Disso concluem que essa crença permanece viva, desfigurada pelo capitalismo
tardio na maldição do esquecimento que se imputa aos mortos pelo seu afastamento do reino dos
fins do mundo administrado, dentro do qual não possuem mais nenhum valor mercantil. Ao
mesmo tempo, o investimento libidinal no objeto de desejo morto se volta contra as pessoas como
recordação de um estado de alienação para o qual nada que não se reduza à socialização radical
merece lugar na história de um indivíduo ou povo. O morto torna-se para a subjetividade reflexo
de um recalcamento da sua própria historicidade e da incapacidade de se dissolver inteiramente nos
princípios da racionalidade instrumental. O imperativo pragmático de esquecer os mortos em favor
da continuidade da vida de acordo com os seus fins mais imediatos encontra resistência no
sentimento de luto, que prolonga a existência dos fantasmas enquanto ferida: "O luto torna-se a
ferida que marca a civilização, a sentimentalidade associal que revela que ainda não se conseguiu
comprometer inteiramente os homens com o reino dos fins."4 A negatividade que se atribui ao luto
refere-se ao estado de recordação de uma ruína do sentimento que não se deixou sublimar pela
exigência prática, e que reflete ao mesmo tempo a própria cultura como o processo que se efetiva
através da violência sobre os sentimentos e sobre a subjetividade desejante. O luto recorda a
natureza que foi recalcada em favor da dominação técnica, mas ele não possibilita a sua redenção,
que só poderia se dar no contexto da racionalidade instrumental. Como dizem os autores em outra
nota do livro, não é a natureza em si que que tem a força de se colocar como crítica da sociedade

4 ADORNO & HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.


22

capitalista: já integrada a este mundo, ela acaba coincidindo com ele enquanto a forma que mobiliza
as leis de sua dominação ideológica. O que resta para o pensamento crítico e para a negatividade é
nada mais do que a possibilidade de se recordar da natureza. Retomando as reflexões de Walter
Benjamin sobre a relação entre luto, obra de arte e natureza no livro Origem do drama barroco alemão,
é possível apontar para uma aproximação entre a obra de arte e o trabalho de luto enquanto
elaboração de uma perda da natureza, assim como da possibilidade de sua expressão enquanto
perda que permanece uma negatividade não resolvida. Em Benjamin, isto se manifesta numa
relação entre linguagem e natureza na qual a primeira, através do processo de significação, aprisiona
o ser natural em sua mortalidade e perda: "a natureza vê-se traída pela linguagem e aquele enorme
constrangimento do sentimento torna-se luto. Assim, com o duplo sentido da palavra, com a sua
significação, a natureza fica paralisada."5 A natureza, nesse processo, não completa a passagem para
a linguagem comunicativa, mas permanece aprisionada na linguagem enquanto expressão de seu
lamento mudo primordial: "O luto enche o mundo sensível em que natureza e linguagem se
encontram."6 Na obra de arte significativa a expressão é antes de mais nada expressão do negativo
associal, de uma natureza que espera reconciliação e para a qual se destinam os anseios de uma
humanidade livre da lógica da dominação instrumental.

Implicações ideológicas da definição do ensaio como especulação sobre objetos


culturalmente pré-formados em “O ensaio como forma” de Adorno

Naiara Martins Barrozo (UERJ)


Doutoranda (CNPQ)
Orientador: Gustavo Krauser

Uma das influências mais explícitas para a elaboração da noção de ensaio apresentada por
Adorno em “O ensaio como forma” (1958) é o prefácio epistolar “Sobre a essência e a forma do
ensaio” publicado por Lukács em 1910 na abertura de A alma e as formas. É possível observar pelo
menos dois sinais da intimidade existente entre os dois textos. O primeiro está logo no início da
exposição de Adorno, quando ele cita um fragmento bastante famoso da obra do pensador
húngaro, segundo o qual o ensaio “ainda não conseguiu deixar para trás o caminho que leva à
autonomia, um caminho que sua irmã, a literatura, já percorreu há muito tempo, desenvolvendo-
se a partir de uma primitiva e indiferenciada unidade com a ciência, a moral e arte” (LUKÁCS,
1910). A partir deste trecho, Adorno situa o leitor sobre a condição então atual do ensaio, condição

5 BENJAMIN, Walter. "O significado da linguagem do drama barroco e na tragédia" In: Origem do drama trágico alemão.
Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 267.
6 Ibidem.
23

da mais absoluta rechaça, e tece especulações sobre os motivos que explicam este quadro. Com o
fragmento, Adorno também diz sobre o modo como o ensaio é visto com relação à sua natureza:
ele mantém certa hibridez porque figura entre o artístico e o científico, sem, contudo, ser arte ou
ciência. O segundo sinal da intimidade Adorno-Lukács se mostra no momento que o filósofo
alemão define pela primeira vez o modo de escrita ensaístico. Ele diz: “Apesar de toda a inteligência
acumulada que Simmel e o jovem Lukács, Kassner e Benjamin confiaram ao ensaio, à especulação
sobre objetos pré-formados, a corporação acadêmica (...) só se preocupa com alguma obra
particular do espírito na medida em que esta possa ser utilizada para exemplificar categorias
universais, ou pelo menos (...) tornar o particular transparente em relação a elas” (ADORNO,
1958). Portanto, o ensaio é “a especulação sobre objetos culturalmente pré-formados”. Aqui, sem
citar diretamente o texto original como havia feito na primeira vez, Adorno empreende uma
apropriação da ideia lukacsiana, segundo a qual todo ensaio diz de algo formado anteriormente,
reordena coisas que já foram vivas alguma vez. A relação com o pensamento de Lukács neste
segundo sinal de intimidade parece ser bastante peculiar. Se atentarmos para a forma, a
peculiaridade já se coloca a partir da escolha de Adorno por não citar diretamente, textualmente,
sua fonte. A concepção apresentada originalmente por Lukács é enredada da tessitura do ensaio
como uma linha que o constrói, que ajuda a dar forma e mostrá-lo. Ao fazer isso, Adorno acaba
por conferir à ideia novas matizes que surgiram no instante em que a noção lukacsiana foi imersa
em um projeto próprio e bastante específico: o de pensar a relação entre ensaio e ideologia.
Considerando todo este contexto, o objetivo desta comunicação é debruçar-se sobre esta primeira
configuração com a qual Adorno expõe o ensaio, em outros termos, com esta primeira definição.
Isso será feito a fim de explicitar pelo menos duas implicações ideológicas com as quais a ideia de
Lukács passa a dialogar quando se torna parte da emaranhada rede ensaística adorniana: uma
estritamente relacionada com o tipo de sujeito que é o investigador ensaístico; outra referente ao
objeto do ensaio e à sua natureza.

A influência de Walter Benjamin na teoria estética de Carl Schmitt: teatro e história,


tragédia e mito

Verena Seelaender da Costa (UERJ)


Doutoranda (CAPES)
Orientadora: Izabela Aquino Bocayúva

A influência das ideias políticas do jurista conservador Carl Schmitt (1888-1985) no


pensamento de Walter Benjamin (1892-1940) é um assunto razoavelmente debatido dentro da
reflexão filosófica contemporânea, sendo a correspondência entre estes autores considerada um
24

dos mais inquietantes diálogos da intelectualidade alemã do início do século XX. A presente
comunicação tem como objetivo, no entanto, percorrer um trajeto menos comum e, em certa
medida, inverso: delimitar a influência de Benjamin na menos conhecida teoria estética de Schmitt,
mesmo após a morte de Benjamin em 1940. Para tal fim, buscaremos na obra sobre estética de
declarada inspiração benjaminiana “Hamlet oder Hekuba: Der Einbruch der Zeit in das Spiel” [Hamlet
ou Hécuba: A Intrusão do Tempo na Peça] (1956) de Schmitt, para além das referências diretas,
como o conceito schmittiano de intrusão da verdade [Einbruch der Wahrheit] na peça de teatro - no
caso, no “Hamlet” de Shakespeare - coloca em operação conceitos benjaminianos como história,
representação teatral, mito e tragédia, tais como articulados na tese de pós-doutoramento de
Benjamin “Origem do drama trágico alemão” (1925), que Schmitt cita como uma de suas principais
fontes. Essas semelhanças, entretanto, não significam uma afinidade profunda e irrestrita, muitas
vezes apontando para diferenças fundamentais entre o pensamento de ambos, especialmente no
que diz respeito ao sentido de intrusão - vista por Schmitt como resultado da ação soberana da
história no texto artístico e, por Benjamin, como ponto de articulação entre teor factual e teor de
verdade da obra de arte. Ao analisar a dramaturgia alemã do período barroco e, em especial, o
gênero do drama trágico alemão [Trauerspiel], Benjamin busca situar o drama trágico como
expressão de uma disposição histórico-espiritual característica do barroco, não apenas como
reflexo estético das concepções artísticas de então. Influenciado pela obra schmittiana -
principalmente pelo conceito de soberania conforme definido no conhecido ensaio de Schmitt
“Teologia política” (1922) - Benjamin observa como o fenômeno do drama trágico mobiliza,
dentro de si mesmo, um conceito de história e uma relação entre história e obra de arte que são
essencialmente diversos daqueles utilizados para interpretar, por exemplo, a tragédia na Grécia
Antiga. É justamente na ideia de que há uma relação intrínseca entre tempo histórico e obra que se
assenta a teoria estética de Schmitt. Assim como para Benjamin, para Schmitt a obra de teatro
carregava na sua própria concepção um conceito de história e de um elo inseparável entre esta e a
representação teatral. Apesar de não ser só um reflexo direto de realidade histórica na qual estava
inserida, havia no barroco a percepção de que o tempo da peça de teatro e o tempo histórico eram
parte de um jogo de espelhamentos e miniaturizações entre arte e mundo, no qual as relações se
reproduziriam de forma imperfeita; relações estas tais como a entre soberano e súditos e potência
divina e a criação, todas perpassadas pela ideia de uma degradação fundamental, no ato do reflexo,
de uma passagem da perfeição para a imperfeição. Para Schmitt, no entanto, a força da decisão
soberana, por meio de uma intrusão violenta, invadia o jogo barroco e retomava novamente a peça
para a imanência das relações de poder contemporâneas à concepção da peça de teatro. Nesse
sentido, o pensamento de Schmitt se distancia do de Walter Benjamin pois, para Benjamin, o fato
25

fundamental da representação do soberano no drama trágico reside exatamente na sua incapacidade


de decidir.
26

27/11 – 14h-15h / Mesa 3: Ética e Ontologia

Liberdade e Responsabilidade Moral em Spinoza

Jonathan Alves Ferreira de Sousa (UFRJ)


Mestrando (CAPES)
Orientador: Ulysses Pinheiro

Neste trabalho trataremos de um problema que se apresenta na filosofia de Baruch de


Spinoza através da relação entre os conceitos de liberdade tal qual proposto pelo filósofo holandês
e a possibilidade, se é que há alguma, de haver responsabilidade moral no sistema filosófico
spinozano. Primeiro é traçado o caminho para compreensão do que é a liberdade para Spinoza,
delineando de maneira simplificada os conceitos de indivíduo, conatus e paralelismo, para então,
relacionar e responder como pode haver compatibilidade entre liberdade e responsabilidade moral
no sistema filosófico spinozano.
O conceito de liberdade tradicionalmente interpretado até Spinoza situa o problema em
torno da vontade e das escolhas feitas pelo indivíduo, mostrando que o homem livre é aquele que
sabe/consegue escolher o que lhe faz bem. O filósofo holandês rompe tacitamente com a tradição
na sua formulação de liberdade levando a discussão a um outro ponto, a saber, o da total negação
do livre-arbítrio, ou seja, a total negação da existência de algum tipo de possibilidade de escolha
para efetuação da ação do indivíduo.
A liberdade proposta por Spinoza é deveras inovadora e faz parte de um sistema grande e
complexo, e, por isso, meu intuito neste trabalho é explicitar da forma mais simples e clara possível
este conceito. A obra usada como base neste estudo será a Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras.
Perguntas, tais como: o que é a liberdade para Spinoza? Quais as possibilidades de liberdade para
o indivíduo? Porque e como o filósofo holandês rejeita o livre-arbítrio? O que pauta as ações
humanas? Em que implica a liberdade? E, a mais importante questão neste trabalho: pode o
indivíduo na filosofia de Spinoza ser responsabilizado moralmente por seus atos?, serão
importantes na caminhada do presente trabalho.
A filosofia spinozana comporta uma ética da alegria, da afirmação, da liberdade individual.
Seu rompimento com a tradição é claro e evidente quando o filósofo holandês dá uma nova
formulação que vai de encontro com o conceito de liberdade como livre-arbítrio, isto é, como uma
(suposta) capacidade ou poder de escolha entre o bom e o mau. Spinoza entende que não existem
atos volitivos, nem deliberação ou qualquer tipo de escolha envolvida na ação humana. As ações
do homem sempre seguem uma ordem natural, ou seja, são determinadas pela sua natureza, logo,
liberdade não é vontade, mas autonomia. (LIMA, 2009). Ser determinado conforme a necessidade
27

de sua natureza vai direto ao encontro da tese do livre-arbítrio, pois os indivíduos não agem por
vontade. Para alcançar a liberdade, o homem deve buscar "autodeterminar-se ou agir sem ser
constrangido por nada exterior à própria razão."
Só há possiblidade de responsabilidade moral onde há o livre-arbítrio, ou seja, só pode ser
responsabilizado moralmente aquele que usou seu poder de escolha e decidiu entre o bom e o mau
e, logo, isso impossibilita a responsabilização moral no sistema spinozano? Uma concepção de ação
moral deve dar conta de ações apoiadas em razões e o indivíduo moralmente responsável é aquele
capaz de autodeterminar-se.
Perceberemos, então, que em Spinoza o conceito de moral, bem como o de liberdade
assumem contornos contrários, quando não totalmente opostos, àqueles propostos
tradicionalmente. Ele abandona a concepção tradicional de moral fundamentada fora do indivíduo
e dá ao homem uma moral pautada na lei natural do indivíduo, que está sempre procurando se auto
preservar através do seu conatus, em um esforço contínuo de agir bem, guiado pela razão.

A Ontologia da Relação em Deleuze

Ádamo Bouças Escossia da Veiga (PUC-RJ)


Doutorando (CAPES)
Orientador: Rodrigo Nunes

O presente trabalho se dedica a analisar a filosofia deleuziana sob o ponto de vista de uma
ontologia da relação. Uma ontologia da relação define-se, como coloca com clareza Wildman, como
sendo aquela na qual “as relações entre entidades são ontologicamente mais fundamentais que as
entidades elas mesmas.” De imediato, nos parece um contrassenso pensar que haja relação antes
que haja aquilo que se relaciona; no entanto, aquilo que se relaciona enquanto indivíduo ou termo
individuado, deve ser sempre pensado, como coloca bem Gilbert Simondon em sua própria
ontologia da relação, não a partir de um princípio explicativo anterior ou posterior ou simplesmente
exterior à própria individuação segundo o qual ela teria sua gênese, mas, ao contrário, no próprio
processo de individuação: “conhecer o indivíduo através da individuação em vez de a individuação
através do indivíduo.”(Simondon, 2008, p. 27) O indivíduo em sua atualidade, com suas
propriedades – como forma, matéria, extensão – não pode servir de princípio para explicar a si
mesmo; as propriedades mesmas é que devem ser explicadas. Uma ontologia da relação, então,
articula-se sobre o pensamento de uma gênese; se a relação pode ser dita anterior aos termos que
ela individua, é porque estes termos só existem na e através da relação: “toda verdadeira relação tem
estatuto de ser e se desenrola no interior de uma individuação.” (Simondon, 2008, p. 32) Assim,
tomar o sujeito e objeto, homem e mundo, em si e para nós, como dados iniciais de uma
28

investigação filosófica é fechar os olhos para a instância própria que torna tal distinção em si mesma
possível; antes de homem e mundo, há uma relacionaliade na qual temos ambos emergindo como
termos.
Em Deleuze, teremos estes mesmos princípios. Para Deleuze, temos um plano de pura
racionalidade identificado enquanto Ideias ( Diferença e Repetição) e plano de imanência ( Mil
Platôs, O que é a filosofia?) ao qual responde pela individuação dos entes dados na experiência.
Este plano é virtual-intensivo, problemático; constitui-se enquanto uma pura diferença anterior a
diversidade dos entes. Acreditamos que esta postura se mantém em toda a filosofia de Deleuze,
mas nos parece que em Diferença e Repetição ela se mostra mais clara; assim, procuraremos
descrever o movimento de individuação como colocado neste livro.
Deleuze identifica, então, este estado pré-individual à perplicação enquanto estado virtual-ideal-
problemático; dele decorre a implicação como momento da atualização/individuação a partir da
ressonância interna e da ação do percursor sombrio, e, por fim, temos a explicação como
produção efetiva dos entes dados na experiência; a replicação seria manutenção da implicação
enquanto individuação contínua paralela ao indivíduo. Assim, temos um sistema de gênese
que funciona a partir de relações diferenciais e virtuais. Temos a perpiclação enquanto momento
pré-individual, a implicação como momento próprio de individuação – que, povoado por
multiplicidades virtuais, operará como estrutura coextensiva ao –indivíduo – e por fim, as
multiplicidades qualitativas, o diverso dado na experiência enquanto explicação. Neste esquema,
tudo começa nas relações virtuais, relações entre relações para, por fim, culminar nos entes
empíricos. A partir destas considerações e destes conceitos que procuraremos demonstra a
pertinência de se pensar uma ontologia da relação em Deleuze.
29

27/11 – 15h15-17h15 / Mesa 4: Filosofia da História

A Paixão do Espírito ou de como os homens fazem a história

Uriel Massalves de Souza do Nascimento (PUC-RJ)


Doutorando (CNPQ)
Orientador: Pedro Duarte de Andrade

“Nada de grandioso [na história] foi realizado sem paixão”. Essa frase, extraída das Lições
sobre filosofia da história de Hegel espanta a quaisquer partidários da compreensão corrente do referido
autor como um arauto de uma razão fria e calculadora. Diferente do que se supõe, se é bem verdade
que o filósofo de Jena conclui de maneira grandiloquente o período do Idealismo Alemão –
colocando, com isso, a as noções de Razão e a Totalidade em conjunção – é igualmente verdade
que sua compreensão de razão difere daquela tradicionalmente conhecida. É sabido que, ao longo
de toda a tradição que lhe antecede – à exceção de Spinoza – aquilo que é do âmbito racional não
se mescla ou relaciona com aquilo que é do âmbito sensorial e/ou sensual, ou seja, referente aos
sentidos e, mais amplamente, ao corpo. A clássica oposição entre razão e emoção não é assim
pensada à toa. Se podemos acreditar em Nietzsche e nos filósofos do século XX, tal oposição surge
de certa leitura da filosofia platônica que se torna canônica, qual seja, aquela mesma que vê em
Platão um cristão avant la lettre, efetuando um desprezo do corpo e das emoções em prol do frio e
mudo espetáculo racional da verdade. Ao fim e ao cabo, portanto, a má compreensão da filosofia
hegeliana ou o não entendimento de sua definição de Razão advém de uma certa pré-compreensão
do significado do conceito razão e da tomada de posição que enxerga em qualquer uso deste
significante um significado unívoco. Longe de levar adiante a referida noção, a Razão hegeliana é
total na medida mesmo em que encontra em tudo, mesmo nas emoções (ou nos afetos), um tipo
peculiar de pensamento. Não é tanto que as emoções ou afetos sejam “a base” do pensamento ou
influam na produção de ideias como no paralelismo de Spinoza entre mente e corpo, mas sim que
aquilo que se crê ser o mais irracional seja, na verdade, racional: eis a tese hegeliana sobre as
emoções. Sendo assim, a frase que inicia esse resumo ganha outra coloração. Se a paixão, i.e. o
estado de estar passivo frente a determinada inclinação subjetiva que Hegel também denomina
interesse, é também ela racional, caberá também a ela um quinhão na História do Espírito (ou do
mundo, Weltgeschichte), posto ser essa história aquela que se refere aos passos do Espírito Absoluto
em direção à liberdade. Mais do que uma dimensão secundária, entretanto, a paixão ganhará um
estatuto próximo ao de motor da História do Espírito, posto que são os homens que a fazem sem,
no entanto, saberem que o fazem. Entrelaçam-se, aqui, duas temáticas comuns à filosofia da
história hegeliana: a tese de que são as paixões que motivam os homens dá luz a um corolário
30

conhecido como “astúcia da Razão”. Segundo essa tese, a Razão usaria os homens para realizar
seus desígnios pois que, por ser a história realizada de maneira inconsciente pelos homens, estes a
realizariam quer soubessem quer não. Ao intencionar determinado resultado (outcome) os homens
acabariam, assim, por mover a história. Dito isso, nosso objetivo será, aqui, o de deslindar o
entrelaçamento entre o motor da história (que são as paixões humanas) e a própria história (que
são as consequências dessas ações.

Considerações críticas aos Fundamento da filosofia de Thomas Hobbes

Thales Coimbra Paranhos Cavalcanti de Paiva (UFRJ)


Mestrado (CAPES)
Orientador: Rafael Haddock-Lobo

Na filosofia política de Thomas Hobbes, os resultados são obtidos segundo uma


metodologia que busca corresponder à metodologia científica da filosofia natural, a saber, Hobbes
empreende uma descrição da estrutura social segundo método correspondente ao que se utiliza na
descrição da realidade física, admitindo o modelo mecanicista. No entanto, a aplicação deste
método no domínio social não significa que seu posicionamento político esteja desprovido de
certos princípios dos quais parte para erguer suas teses. A posição teórica de Thomas Hobbes na
filosofia política advém de determinados pressupostos conceituais que buscam validar esta sua
posição.
A coercitividade das normas jurídicas e a garantia das leis é resultado do papel decisivo que
o contrato social desempenha no seio da sociedade. A função do contrato, pois, é a de cumprir a
segurança dos cidadãos e, a fim de evitar a guerra civil, manter a unidade política do Estado, mas
somente na medida em que os indivíduos se despojam de toda sua potencial força antissocial,
outorgando deliberadamente ao centro de poder a autoridade soberana.
A doutrina do contrato social é sobejamente conhecida, bem como sua concepção do
homem, de acordo com a qual, segundo a própria expressão de Hobbes, “o homem é o lobo do
homem”, no sentido de que, abstração feita das regras constitucionais da sociedade civil, os desejos
dos indivíduos colidiriam fatalmente uns com os outros, e, por conseguinte, no estado de natureza
reinaria a Bellum omnium contra omnes, a “guerra de todos contra todos”. Com isso, a sociedade é
retratada por Hobbes como um conjunto de indivíduos belicosos que, não fosse pelo contrato,
empreenderiam invariavelmente meios quaisquer para satisfazer seus interesses particulares.
Portanto, a origem da sociedade civil se baseia necessariamente no interesse de autopreservação
dos indivíduos.
31

O filósofo alemão Schelling é generalizadamente desconhecido, ao contrário do autor de


“Leviatã”. E sobretudo é desconhecida a sua denominada Filosofia Positiva, derradeira etapa
especulativa elaborada pelo filósofo alemão. De modo breve, é a sua teoria da involuntariedade da
realidade mitológica no processo da gênese cultural que atuará como contraponto nesta
comunicação. Em contraposição ao individualismo atômico de Hobbes, exporemos, após a
reconstrução do argumento central apresentado na Filosofia Positiva de Schelling, algumas
contribuições da etnologia filosófica e da antropologia que virão reforçar o respectivo argumento.
Nossa comunicação então objetiva argumentar no sentido de que a validade normativa das
comunidades arcaicas não advém de um fundamento que se identificaria, em última instância, com
a voluntariedade humana, muito menos com uma atividade de deliberação dos membros da
comunidade. Portanto, segundo essa última corrente de pensamento que apresentaremos, está o
homem, enquanto agente individual e singular, destituído de toda a responsabilidade pela invenção
dos bens culturais.
Nossa atenção voltar-se-á, pois, num primeiro momento para os princípios fundamentais
da concepção hobbesiana do homem. Em seguida, a fim de expor um aspecto bastante significativo
da Filosofia da Mitologia de Schelling, como se dá a articulação entre a gênese das culturas e o
papel das representações mitológicas, tal qual encontramos neste trabalho especulativo de sua fase
tardia. Por fim, acrescentaremos alguns dados etnológicos que vão em favor da tese de Schelling.
Aparentemente, não há vínculos entre a filosofia política de Thomas Hobbes e a Filosofia
da Mitologia de F. W. –J. Schelling. A despeito de todas as aparências, nosso objetivo é, em suma,
confronta-las e expor em que medida ambas as concepções se contrapõem.

Idealismo ou Ideologia? A epistemologia hegeliana e sua repercussão posterior

Mirian Monteiro Kussumi (PUC-RJ)


Doutoranda (CAPES)
Orientador: Pedro Duarte

As raízes daquilo que se denomina Teoria Crítica remonta, sem dúvida, ao trabalho
kantiano proposto, principalmente, na Crítica da Razão Pura. Aí, Kant se adentra no domínio
epistemológico com o intuito de definir os limites da razão humana na relação de conhecimento.
Estabelecendo o chamado sujeito transcendental, Kant demonstrou como nossa capacidade de
conhecer se volta não apenas para a esfera objetiva, mas, acima de tudo, se refere à estrutura
subjetiva que estabelece os próprios princípios de objetividade. É, portanto, a própria ideia de
sujeito transcendental que irá se desenvolver no período posterior à Kant, durante o movimento
denominado Idealismo Alemão. O idealismo, que encontra seu ápice na filosofia de Hegel, possui
32

o mérito de investigar profundamente a interioridade do sujeito durante o ato de conhecimento,


de modo a entender como os elementos cognitivos refazem ou compreendem o próprio sentido
de realidade. Nessa medida, o pensamento hegeliano, principalmente aquele que se insere no
escopo ontológico e epistemológico (e aqui nos referimos aos textos da Fenomenologia do Espírito e
A Ciência da Lógica), coloca em questão a própria relação entre o sujeito de conhecimento (a
consciência pensante no caso da Fenomenologia e a Razão no caso da Ciência da Lógica) e o
mundo exterior (ou seja, aquilo que se refere à realidade objetiva). Todo o percurso da Ciência da
Lógica se demonstra como o percorrer dialético da razão que enquadra e entende o mundo a partir
de sua própria estrutura, de modo a reconhecer o desenvolvimento das coisas como racional.
Assim, o conceito filosófico, proposto na chamada Doutrina do Conceito, se apresenta como um
constructo intelectual que nos impele a entender o funcionamento da realidade e seu desenvolver
a partir de uma estrutura baseada em uma apreensão conceitual.
Contudo, um ponto que se coloca como relevante seria o quanto a razão poderia projetar
suas determinações próprias na realidade, de modo a ver na mesma apenas uma projeção de si. De
modo a radicalizar esse movimento, um dos problemas que se colocam é como a razão poderia ver
a realidade a partir de sua própria auto determinação, como se o real fosse inteiramente
condicionado a como o sujeito de conhecimento o identifica e constrói. A consequência última
desse fato seria entender o real como um elemento apenas psicologicamente construído, como se
ele estivesse sempre submetido à mera construção racional hermeticamente fechada no que o Eu
determina. De fato, o idealismo teria se vulgarizado no problema do Eu que cria um mundo inteiro
para si, algo que resultaria em uma realidade objetiva apenas ilusória e sem conexão com o que se
dá materialmente no mundo. Por conseguinte, pensando na realidade como sempre condicionada
à ideia, vem à luz a própria noção de ideologia, uma vez que se sugere a absoluta dependência da
realidade com aquilo que o Eu entende apenas intelectualmente. Seria o real apenas condicionado
a todo o aparato intelectual da consciência, como se a mesma estivesse subordinada a um estatuto
ideológico? Como poderíamos, portanto, conciliar nossa apreensão subjetiva das coisas com aquilo
que está de fato presente na nossa realidade? Ou nas palavras de Theodor Adorno em sua Dialética
Negativa, como poderíamos pensar o idealismo sem cair na ideologia7? São essas questões que a
comunicação busca tratar.

As acepções do Sentido Histórico e sua necessidade no procedimento genealógico de


Nietzsche

7 Dialética Negativa. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2009, p. 42


33

Gabriela Ferreira de Andrade (UFFRJ)


Mestranda
Orientador: José Nicolao Julião

A pretensão fundamental que se encontra na gênese deste trabalho consiste numa tentativa
de analisar a questão acerca do sentido histórico presente na filosofia de Nietzsche. Atentar-nos-emos
em destacar como este conceito permeou o processo de desenvolvimento do pensamento
filosófico nietzschiano, e as suas implicações no projeto genealógico da moral. Buscaremos
compreender, portanto, as nuances do conceito, de modo que, averiguaremos as aparentes
contradições que este se encontra nos escritos nietzschianos. A filosofia de Nietzsche é marcada
por suas fortes contradições em relação aos conceitos em que discute, muitas vezes, o que é tomado
por um determinado significado em certo momento de sua obra é em outrem entendido ou
ressignificado de outra perspectiva. Por isso, muitos comentadores e interpretes de seu pensamento
caracterizam sua filosofia como sendo assistemática, ou seja, não estaria interessada em construir
teorias que nos levasse à conclusão de um determinado problema, ou algo do tipo, assim como
ansiavam os alemães de sua época. A história é um tema persistente na filosofia nietzschiana, se
destaca pelo fato de estar presente nos três períodos nos quais a sua filosofia se divide, a saber,
primeiros escritos, intermediário e tardio. É necessário levar em consideração que Nietzsche crítica
a história, mas não desídia de sua utilidade, o que se problematiza é o fato da exacerbação pelo qual
os homens tomaram a história para si, enrijecendo seu valor de proficuidade. Nesse viés,
tentaremos analisar as nuances pelas quais o conceito de sentido histórico perpassou ao longo de seu
pensamento, para que ao final possamos contrastar como Nietzsche edificou seu projeto
genealógico da moral. Projeto este, que necessitou da própria história para se emergir, e que, no
entanto, não é sequer cunhado alguma vez na obra Genealogia da Moral, a qual Nietzsche faz sua
análise acerca do cerne moral. Mas que, de maneira alusiva, já nos remete a questões referidas a
história, enunciando que “Todo o respeito, portanto, aos bons espíritos que acaso habitem esses
historiadores da mora! Mas infelizmente é certo que lhes falta o próprio espírito histórico, que
foram abandonados precisamente pelos bons espíritos da historia!” (GM, I, 2). Na execução dessa
proposta, seu debate com a tradição se fará não só contra os filósofos que almejavam que os
preceitos morais provinham da metafísica e um além-mundo, mas, também contra aos psicólogos
ingleses e moralistas franceses, os quais propuseram um sistema ético explicitamente altruísta, a
partir do qual a moral estaria embasada em convenções utilitárias, destinadas a promover o máximo
de felicidade possível para o maior número de homens. Assim, a história mesmo não aparecendo
no corpo argumentativo de seu procedimento moral, ela é uma ferramenta fundamental para esse
possa suceder, tal como, instrumento de crítica àqueles “débeis” estudiosos da moral. Desse modo,
34

veremos como o conceito é compreendido pelo filósofo a partir de sua utilidade, bem como, de
suas desvantagens. Para tanto, utilizamos como apoio metodológico a perspectiva de
“interpretação contextual”, sendo esse um modo pelo qual, Werner Stegmaier, estudioso e
comentador de Nietzsche, desenvolveu para interpretar a obra nietzschiana a partir de contextos.
Nesse viés, o modo interpretativo ao qual miramos os textos de nietzschianos pondera-se na
consideração de contextos particulares de seus escritos, para que dessa maneira, possamos evitar
contradições ou deturpações do sentido ali exposto por nosso filósofo.
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28/11 – 14h-15h30 / Mesa 1: Retórica e Sofística

Sobre a fronteira entre sofística e filosofia em Platão

Ottávio de Azevedo Oliveira Rodrigues (UFF)


Mestrando (CAPES)
Orientador: Luís Felipe Bellintani Ribeiro

Adversários da filosofia, gananciosos vendedores do saber, propagadores de doutrinas e


práticas imorais, praticantes de um tipo de discurso repleto de falácias e sem qualquer pretensão à
verdade, todas essas características compuseram o quadro a partir do qual a sofística tornou-se
objeto de consideração ao longo de boa parte da história da filosofia. Este cenário, no entanto,
apesar de pretender assentar-se nos juízos daqueles que são considerados adversários diretos deste
movimento, especialmente em Platão, esbarram em um inconveniente: a recorrente ambiguidade
presente no tratamento dos sofistas pelo referido filósofo.
Mesmo que a hostilidade de Platão contra a sofística esteja realmente presente em sua obra
– e de modo não pouco abundante –, não são raras as passagens em que é possível reconhecer uma
certa dificuldade na diferenciação entre a filosofia e a sofística. Tais passagens estão recheadas de
elementos que permitem reinterpretar essas duas tradições a partir não mais do lugar-comum das
suas características antitéticas, mas das suas semelhanças. No diálogo Sofista, por exemplo, obra que
o filósofo ateniense se engaja na busca de uma definição da sofística, encontramos a afirmação de
que o sofista e o filósofo apresentam certo grau de semelhança, ou, poderíamos dizer, certo grau
de parentesco, como entre o lobo e o cão, um mais selvagem e o outro domesticado (Sof. 231 a).
A presente exposição pretende, com isso, investigar estes momentos da obra platônica em
que o filósofo abre espaço para pensar as ambiguidades na relação entre a filosofia e a sofística,
evidenciando a precariedade dos limites entre essas duas tradições. Para isso tomaremos como
ponto de partida uma interpretação dos passos 314c-e do diálogo Protágoras, no qual Sócrates é
confundido com um sofista ao chegar à casa de Cálias, e os passos 79e-80d do Mênon, em que a
personagem que dá nome ao diálogo compara o efeito das perguntas de Sócrates àquele causado
por uma raia elétrica, capaz de entorpecer tanto a alma quanto a boca de quem dela se aproxima.
Após a análise dessas passagens, discorreremos sobre a importância para o projeto
filosófico de Platão da proposição e criação de fronteiras que distingam os gêneros filosóficos e
sofísticos. Após as passagens supracitadas, podemos ver Sócrates anunciando, mais uma vez, que
não é um sofista (Prot. 314d) e que sua argumentação visa não apenas refutar o adversário, mas
resolver dificuldades reais que ele próprio encontra-se enredado (Mên. 80c). Seus diálogos, mesmo
com as ambiguidades que os constituem, nunca deixam de ser a criação da possibilidade dessas
36

fronteiras. De fato, para além da obra de Platão esta distinção não estava dada de modo tão evidente
como a tradição fez parecer, o exemplo mais notável disto é o tratamento dado por Aristófanes a
Sócrates na sua comédia As Nuvens. Nesta, Sócrates é representado como o arquétipo das inovações
culturais que fervilharam ao longo do séc. V a. C., um genuíno representante do movimento sofista.
Neste sentido, a afirmação “Sócrates é um filósofo e não é um sofista” tão presente na obra de
Platão ganha contornos de um juízo de caráter normativo e não meramente descritivo como
poderíamos imaginar em uma primeira aproximação.

Doutor Sócrates, altruísmo e retórica: dois aspectos essenciais da medicina da alma


segundo Platão

Pedro Luz Baratieri (UFRJ)


Doutorando (CNPQ)
Orientador: Admar Costa

Minha fala pretende demonstrar os três seguintes fatos a respeito dos diálogos: (1) que
Sócrates é apresentado como "psicoterapeuta" ou médico de almas; (2) que a medicina, tal como
o Doutor Sócrates a entende e a pratica, tem por finalidade o bem de seu paciente; e (3) que para
atingir esse fim utiliza diversos artifícios retóricos. Com esse intuito, a primeira parte de minha fala
dedica-se a mostrar (1) recorrendo a pequenas passagens do (1.1) Laques, do (1.2) Cármides e do
(1.3) Górgias. (1.1) Se no começo do Laques (185a1) afirma-se que seria preciso encontrar um perito
em terapia da alma para resolver o problema da educação das crianças, no final (200c-201c) todos
concordam que os pais deveriam manter Sócrates consigo como guia na educação dos filhos. O
drama do Laques, portanto, no mínimo insinua fortemente que Sócrates é o perito em terapia da
alma que se buscava. (1.2) No Cármides, por sua vez, Sócrates já é explicitamente apresentado como
médico de almas (155b2, 156d-157c), ainda que por meio de certa brincadeira, (1.3) enquanto que
no Górgias o próprio Sócrates, além de tomar a medicina como modelo de arte autêntica (464b,
501a1), prevê seu julgamento como o de um médico sendo acusado por crianças (521e). Já a
segunda parte de minha fala (2) mostra o elemento altruístico dessa medicina valendo-se de
passagens curtas do (2.1) Cármides, do (2.2) Górgias e da (2.3.) República. (2.1) No Cármides, p. ex., é
possível perceber que uma das aporias de Crítias se dá por ele ignorar que não é inerente à arte do
médico buscar o próprio bem (164b-c). (2.2) Em consonância com isso, o Górgias evidencia que na
concepção de Sócrates um médico de verdade atua em vista do bem de seu paciente e não do seu
próprio: todas as artes autências - e a medicina é o grande modelo delas - visam ao bem daquilo de
que cuidam (464b-465, 501a); bem de acordo com isso, Sócrates diz que quando precisar se
defender, o Doutor Sócrates dirá que fez o que fez em benefício exclusivo daqueles que o acusam
37

(522a). (2.3.) Já na República, a certa altura da discussão (341c-343a) vemos Sócrates alegando que
um médico enquanto médico busca apenas o bem do objeto de sua arte e não o próprio bem. A
última parte de minha fala (3) mostra que faz parte da maleta de primeiros socorros do Doutor
Sócrates uma série de ferramentas retóricas. (3.1) O próprio Górgias deixa espaço aberto para uma
boa retórica tanto ao não excluir das verdadeiras artes quer a mentira, quer a persuasão (464b-465,
501a), quanto ao apontar para duas possíveis nobres aplicações da retórica: para acusar a si mesmo
de uma injustiça (480c) e para reorientar os desejos do ouvinte em direção à justiça e à virtude
(517b-c, 527c). (3.2) Já na República Sócrates legitima o uso de mentiras tanto como remédios para
amigos loucos ou delirantes (382c-d) quanto para gerar sentimento patriótico nos cidadãos da
cidade feita com palavras (414b-c). Por fim seria conveniente (3.3) expor alguns usos dos diversos
artifícios retóricos (ironia, mentira, politropia, imagens, argumentos de autoridade, falácias com
homonímias etc.) do Doutor Sócrates; um exemplo ilustrativo seria a falácia com a homonímia
com eu prattein em meio ao discurso protréptico do Eutidemo (280c6-281e; cf. Alc. Ma. 116b). A
conclusão a que se pretende chegar com isso é pelo menos sugerir duas teses relevantes, uma sobre
o conteúdo do ensinamento platônico (o Bem) e outra sobre o método (indireto) de ensino do
fundador da Academia.

Histórias da Catarse: religião, medicina, filosofia, teatro e psicanálise.

João Gabriel Lima (UFRJ) / Álan Batista de Oliveira


Doutor (CAPES) / Graduando
Orientadora: Anna Carolina Lo Bianco

A despeito dos anos que separam Psicanálise e Filosofia Antiga, há alguns conceitos que
estão presentes na história de ambas. O conceito de catarse (κάϑαρσις), cujo sentido pode ser
definido como ‘purificação’, atravessa a medicina hipocrática Antiga, as práticas religiosas e, de
acordo com a filosofia de Aristóteles, ocorre também no teatro grego. A catarse grega, portanto,
une religião, medicina, filosofia e drama. O termo se torna um conceito importante também no
contexto histórico do nascimento da psicanálise. Seu começo talvez esteja no tio da esposa de
Freud, Jacob Bernays, que publicou um livro de medicina sobre o conceito de catarse, que
provavelmente fora lido pelo jovem Freud – além, naturalmente, dos cursos sobre Aristóteles que
tomou na Universidade de Viena do filósofo Franz Brentano. Ademais, o conceito de catarse era
especialmente caro à geração romântica, que esteve muito presente, como se sabe, nas leituras de
Freud. Assim, mesmo antes de Estudos sobre Histeria, o conceito de catarse parecia estar presente na
formação de Freud. Quando o livro é finalmente lançado, com a colaboração de Josef Breuer, o
tratamento da histeria surge como um método catártico. Ao mesmo que tempo que se concebe um
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tratamento cujo princípio é levar o material patogênico à consciência, a catarse se torna um dos
veículos do tratamento, junto, claro, com a hipnose.
No âmbito da religião grega, a catarse seria uma forma de purificação decorrente de
práticas de iniciação ao culto dos mistérios de Elêusis, forma ritual cujo intuito a ser alcançado seria
a colheita agrícola. Na medicina hipocrática, cujo intuito seria sempre o equilíbrio dos humores, a
catarse constituía uma expulsão de humores incômodos em razão de seu excesso. Trata-se de uma
purgação que deveria aliviar o sofrimento do paciente causado por humores excessivos. Aristóteles,
como se sabe, era filho de médicos, apreciador também do teatro, em sua Poética, transplanta o
termo do âmbito medicinal ao trágico – e consequentemente, ao filosófico – ao buscar
compreender o fascínio dos gregos pelo teatro, sua função, sua ação nas paixões humanas. Em
Aristóteles, em sua poética, a catarse está presente junto a dois conceitos na tragédia: a mimesis,
conceito que poderia ser traduzido de maneira simples como ‘imitação’, e a anagnórise, a passagem
da ignorância ao reconhecimento, ambos essenciais na tragédia. A catarse, assim, será o termo
responsável por descrever o âmbito propriamente do pathos da tragédia: a catarse das emoções, a
purificação espiritual suscitada por terror e piedade. Assim, Aristóteles acaba por dizer, ainda que
de maneira enviesada, que o teatro tem em si mesmo algo de sagrado e de medicinal, algo que
purifica a alma e restabelece o equilíbrio.
Em Estudos sobre histeria, junto com a hipnose, Freud reconhece que a catarse poderia ter
um uso terapêutico, permitindo ao paciente descarregar afetos que de outra maneira seriam
impossíveis de serem liberados em função do recalque. Se, na tragédia, o homem purga os afetos,
no tratamento catártico seria também possível, fora do ambiente teatral, obter efeitos análogos.
Mas o nascimento do método psicanalítica começa, propriamente, não apenas com o abandono da
hipnose, mas, acima de tudo, com o abandono do próprio conceito de catarse. Esse “abandono da
catarse” por Freud não pode ser apenas compreendido como uma escolha por tentativa e erro (como
frequentemente é apresentado), mas, de outro modo, como uma decisão ética em relação às práticas
rituais, à filosofia, à medicina e, claro, ao teatro. Todos esses quatro ramos de saber estão muito
presentes no nascimento da psicanálise, de modo que o nascimento da psicanálise deve ser
interpretado em função da própria história complexa do termo catarse – um conceito entre religião,
medicina, filosofia e teatro.
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28/11 – 15h45-17h15 / Mesa 2: Física e Thauma

Tò thaumádzein: a patologia do espanto na origem da experiência filosófica em Platão e


Aristóteles

Irlim Corrêa Lima Junior (PUC-RJ)


Doutorando (CAPES)
Orientador: Edgar Lyra

Texto clássico da filosofia, a que sói recorrer todo aquele em busca de saber o que é a
natureza do pensamento filosófico, a Metafísica A-II introduz, no interior de um plano imenso de
conceitos abstratos a serem, em parte, programaticamente desenvolvidos, um componente
emocional como aquilo que desperta o filosofar. Trata-se, pois, de um páthos (palavra de difícil
tradução, podendo significar paixão, emoção, sofrimento, afecção...) específico, a saber, o que
Aristóteles designa por tò thaumádzein. Pretere-se nessa passagem o substantivo que forma seu
radical (a saber, tò thaûma) à forma verbal infinitiva presente ativa do verbo que lhe é cognato,
fórmula que ao mesmo tempo possui a dupla natureza de verbo e de substantivo. Deste modo, tò
thaumádzein assinalaria algo como um admirar-se, um espantar-se ou assombrar-se, não como uma
simples emoção que sucede à alma, mas, talvez, como uma intercorrência que a arrebata, um
acontecimento inquietante misto de admiração e de espanto e que seria, por natureza, imprevisível,
impassível, portanto, de ser reproduzido mediante expedientes intencionais, o que, destarte, afasta
quaisquer possibilidades de aproximarmos por esse viés o espanto aristotélico, que desperta no ser
humano a sede pelo conhecimento epistêmico, ao efeito surpresa causado pelas táticas retóricas
orquestradas pelo discurso sofístico, como uma espécie de truque mágico de que se lança mão para
mesmerizar a audiência, suscetível de ser influenciada e subjugada. Conectando a origem da sede
do saber com a espontaneidade do espanto, Aristóteles repercute nessa passagem o famoso excerto
do seu mestre Platão, o qual, no passo 155c-d do diálogo Teeteto, focado, sobretudo, em discussões
epistemológicas acerca do movimento e do devir, atribui como páthos próprio do filósofo o tò
thaumádzein. Naturalmente suspeitaríamos aqui de um mero empréstimo platônico a Aristóteles,
como uma herança que o autor da Metafísica incorporou e que deixou sem mais discussões. No
entanto, é necessário ler nas entrelinhas as passagens em que ambos sutilmente costuram o páthos
do espantar-se no texto, sem que deixassem tão patente suas diferenças específicas em cada
abordagem. O objetivo, portanto, de nossa apresentação será o de, partindo de uma hermenêutica
acurada dos textos supramencionados de Platão e de Aristóteles e cotejando-os, deslindar as
nuances conceituais que os diferenciam, sob propósito ulterior de compreendermos a indicação
subliminar de como ambos concebem de forma diametralmente oposta, em que pese manusearem
conceitos homônimos, não somente a origem da filosofia, mas o próprio ato de filosofar enquanto
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produção fundacional da epistéme e da experiência mais elevada do pensamento humano. Sobre esta
base pretendemos diferenciar o programa filosófico platônico do aristotélico, como que cada um
constrói de forma peculiar o conceito emocional sobre o qual nos debruçamos e como que, a partir
do seu campo gravitacional, conceitos próximos como, a título de exemplo, aporia e contemplação
devem ser repensados. Se no subtítulo de nosso trabalho sugere-se a ideia de uma patologia,
devemos entendê-la sobremodo como um discurso do páthos em genitivo objetivo e subjetivo ao
mesmo tempo: o discurso filosófico sobre o páthos que visa tocar o páthos sobre o qual se funda a
própria lógica do discurso filosófico.

A harmonía entre a aparência e a inaparência: Fragmento B54 de Heráclito

Jonathan Almeida de Souza (UFF)


Mestrando (CAPES)
Orientador: Alexandre Costa

Há em toda tentativa de analisar e interpretar o pensamento de Heráclito uma certa


dificuldade. Além do distanciamento temporal entre ele e nós, o que impõe às palavras
transformações semânticas delimitadas a cada contexto histórico, criando obstáculos para a
interpretação, temos, também, que lidar com o caráter fragmentário que restou de sua obra.
Sabemos que o conceito de harmonía é uma marca forte no pensamento grego arcaico, pelo menos
desde Homero8, com o sentido, no mais das vezes, de encaixe, junção, e Hesíodo9, que imprime e
recheia de deidade o significado do termo. Entretanto, sua presença na filosofia de Heráclito terá
um caráter profundamente trágico, que deve ser entendido aqui como movimento do cosmo e do
homem que independe da ação humana, por exemplo, desde o vegetal que nasce no concreto até
o medo que o humano sente.
Do que restou para os nossos estudos, existem pelo menos três fragmentos que contêm o
termo harmonía em Heráclito (B8, B51 e B54). Além destes três, Aristóteles lançou mão de um
quarto fragmento de modo curioso para fins de exemplo e ilustração daquilo que o Estagirita
entendia como harmonía em sua obra De Mundo (396b 20), contudo, neste último fragmento, o
termo não se faz presente. Sendo assim, o objetivo deste resumo será indicar uma possível
interpretação do fragmento B54 com a finalidade de observar o uso do termo por Heráclito e como
ele experimentava, através deste conceito, o movimento da natureza como movimento harmônico.

8 O aparecimento do vocábulo harmonía na Ilíada de Homero acontece nos seguintes cantos e versos: V, 60; XVII, 60;
XIX, 210, XXII, 385. Já na Odisseia vemos em: V, 162, 247-248, 361; VIII, 250, 383.
9 A presença da divindade no Teogonia de Hesíodo ocorre em dois versos, a saber, 937 e 975.
41

Se partirmos da compreensão que um grego, no mínimo pós Hesíodo, tinha ao ouvir a


palavra harmonía, que também era considerada como uma divindade, é resultado de uma relação de
extremos absolutos. Segundo a Teogonia de Hesíodo, a Harmonía é uma deusa, filha de Ares, deus
da guerra e paradigma de brutalidade, e Afrodite, deusa do amor e arquétipo enfático da delicadeza
feminina. É da relação desta contradição, destes contrários, que surgirá a deusa Harmonía. Este é o
ideário grego para a compreensão da origem desta deusa e daquilo que ela rege no cosmo10.
Aplicando esta visão ao referido fragmento B54, onde lemos que a “harmonia inaparente
mais forte que a do aparente”11, temos que, para o Efésio, há dois tipos de harmonias: uma aparente
e outra inaparente (Não cabe aqui julgar qual seria a escolha do filósofo entre um ou outro tipo,
mas sim debruçarmo-nos sobre o que este fragmento nos leva a pensar sobre estes tipos de harmonía
entre as harmonías). Ao pensar na filosofia heraclítica, entendemos que há uma marcante estrutura
do pensamento baseado no devir. Entretanto, haveria algo de imóvel e algo de móvel em todo
devir? Neste sentido, a harmonia inaparente é aquela cujo o ente não se modifica, ou seja, é a
natureza, a phýsis. O cosmos, por outro lado, é o lugar das aparências. Nesta interpretação, a harmonía
inaparente, ligada à natureza de cada coisa, é mais forte do que a do cosmo que se harmoniza e se
desarmonia constantemente dando, assim, o movimento do cosmos. Por fim, a contradição está
dada uma vez que a harmonía, isto é, a relação de contrários se dá entre a aparência e a inaparência.

Questões sobre as dimensões dos corpos no De Caelo II 2 de Aristóteles

Matheus Oliveira Damião (UFRJ)


Mestrando (CNPq)
Orientador: Henrique Cairus

Em De Caelo II ao discutir acerca da existência da direita e da esquerda nos céus, Aristóteles


remete a discussão ao tratado De Incessu Animalium (IA), pois, segundo o Estagirita, tais princípios
são próprios (oikeîa) ao estudo do movimento dos animais. Trata-se das dimensões (diastáseis) de
grandeza dos seres vivos. No IA elas se dividem em três pares: direita e esquerda, alto e baixo e
frente e traseira. Enunciados nesse tratado como uma das premissas para a pesquisa sobre a
natureza, estas dimensões se distinguem ali no exercício das três funções básicas da alma: nutrição,
locomoção e percepção. Entretanto, em De Caelo II 2 Aristóteles atribui a estas dimensões o
estatuto de princípios (archai) das três dimensões que caracterizam o corpo enquanto sólido, isto é, o

10 Não podemos esquecer que a compreensão dos gregos para os seus deuses é que estes são as carnes do mundo.
Deve-se ter em mente que Heráclito é pré-metafísico e isso quer dizer que sua compreensão do cosmo se dá, mesmo
que meios laicizados, no próprio cosmo. Dito de outro modo, toda composição do cosmo se daria no próprio cosmo.
11 COSTA, Alexandre. Heráclito: fragmentos contextualizados. Odysseus, 2012.
42

comprimento, a largura e a profundidade. O estabelecimento dessa relação suscita certas questões


acerca do modo como Aristóteles entende a tridimensionalidade do corpo. Se a tridimensionalidade
é tratada de modo essencialmente geométrico nas conhecidas primeiras linhas De Caelo I 1, as
dimensões do IA se distinguem na funcionalidade da alma e, assim, introduzem uma distinção
anímica nas três dimensões essências ao corpo. As questões giram, portanto, em torno da relação
entre a concepção geométrica e física de corpo. Aristóteles estaria postulando uma subordinação
ontológica da primeira à segunda, ou trata-se apenas de um recurso epistemológico, como sustenta
Lennox (2001), ao trazer as dimensões do IA para o contexto supra-lunar de De Caelo II 2? Haveria
dois sentidos distintos de dimensões, como também propõe Lennox, ou trata-se de dois modos
distintos de se entender as dimensões? As dimensões dos seres vivos se diferenciam das do objeto
inanimado? A distinção entre o objeto do geômetra e do físico, como elaborada sobretudo em
Física II 2 e em Metafísica M 3, é fundamental para se entender essas questões, pois a caracterização
das dimensões apresenta peculiaridades em relação ao ser vivo, distinguindo-o do sólido
geométrico. Assim, a distinção em IA entre as três dimensões no corpo do ser vivo parece
introduzir um passo distinto dos demais tratamentos presentes no corpus aristotélico, trazendo uma
ainda maior complexidade às concepções formais das substâncias sensíveis. Apesar de haver pouca
literatura específica sobre o IA --um tratado que além de fazer parte dos textos zoológicos é
pouquíssimo trabalhado pelos estudiosos—buscar-se-á compreender principalmente os trechos
que lidam com os conceitos de grandeza (mégethos), dimensão (diastáseis) e unidade (hén), caros à
geometria e matemática. De um modo geral, através dessas questões, nossa apresentação visa
contribuir para as discussões acerca da relação entre corpo e alma, focando, sobretudo, em tópicos
que tecem uma aproximação entre a geometria e os seres vivos, que apesar de evidente para
Aristóteles, raramente é colocada em realce pelos comentadores modernos. Trata-se, por fim, de
colocar em debate problemas ainda novos para os recentes estudos zoológicos de Aristóteles e que
giram em torno de um lugar de difícil demarcação, pois parecem se colocar entre as propriedades
geométricas do corpo enquanto sólido tridimensional e a função que a alma, através de suas
potências, exerce sobre ele.
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28/11 – 17h30-19h – Mesa 3: (Neo)platonismo

O (Duplo) Desejo da Alma e a Geração dos Sensíveis no sistema Plotiniano

Deysielle Costa das Chagas (PUC-RJ)


Mestranda (CAPES)
Orientador: Renato Matoso Ribeiro Gomes Brandão

O presente artigo objetiva analisar – dentro do sistema filosófico plotiniano – a importância


do desejo da Alma para a geração e manutenção da ordem presente na realidade sensível. A
estrutura do sistema filosófico plotiniano consiste na hierarquia das hipóstases inteligíveis
constituída pelo Uno-Bem (hén-agathós), pela Inteligência (nous) e pela Alma (psykhé) e, a partir dela,
a relação com a realidade sensível. Plotino apresenta-nos o Uno-Bem como princípio primeiro de
tudo, superabundante, causa de si mesmo e potência infinita das coisas. A Inteligência, a segunda
hipóstase, deriva diretamente do Uno-Bem. Enquanto o Uno-Bem é potência de todas as coisas, a
Inteligência é a própria “todas as coisas” em sua unidade inteligível. O Uno-Bem, vendo a si
mesmo, faz-se Ser e Pensamento (a Inteligência). Da mesma maneira que através da Inteligência o
Uno-Bem faz-se Ser e Pensar, é através da Alma que esta Inteligência se desdobra na realidade
sensível introduzindo nela o ser, a ordem e a forma. A Alma, a terceira hipóstase no discurso
henólogico de Plotino, é a mediadora entre a realidade inteligível e a sensível. Esta ação de
introduzir a ordem e a forma oriundas do inteligível no mundo sensível só é possível porque a
Alma mantém “seu olhar” e deseja estar junto do que é anterior e princípio do Ser, ou seja, ela
exerce uma atividade contemplativa. Contudo, ela também é afetada por aquilo que está abaixo
dela e somente por dirigir-se até essa realidade inferior (a matéria) e desejar informá-la é que os
sensíveis vêm-a-ser, ou seja, são gerados. Para tal análise, fundamentar-nos-emos primeiramente
no tratado Sobre o Amor (En. III 5 [50]), onde Plotino discorre e compara a Alma à Afrodite, fazendo
uma clara referência ao texto encontrado na obra O Banquete de Platão; em seguida, recorreremos
ao tratado Sobre a Descida da Alma aos Corpos (En. IV 8 [6]), em que Plotino afirma a existência de
um “desejo instintivo” da alma tender ao corpo para dar-lhe forma e ordená-lo. No discurso da
personagem Pausânias presente n’O Banquete há uma afirmação da existência de duas Afrodites: a
Afrodite Urânia ou Celestial e a Afrodite Pandêmia ou Popular. A primeira delas é a filha de Urano,
que está relacionada ao que é de natureza mais forte e que “possui” mais inteligência. A segunda, a
Afrodite Popular, é a filha de Zeus e Dione, e está relacionada aos que amam mais o corpo que a
alma, e ainda aos mais “desprovidos” de inteligência. Ao fazer esta alusão ao discurso Pausânias,
Plotino busca esclarecer estes dois desejos presentes na Alma: a) o desejo de retorno e
contemplação daquilo que lhe é anterior e fonte de Ser (as coisas celestes ou superiores) e; b) o
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desejo instintivo de ir em direção que lhe é inferior (aos corpos). O que trataremos de demonstrar
é que ambos os desejos, que são aparentemente antagônicos, não são excludentes, mas
complementares e necessários para a própria geração e manutenção da realidade sensível e desse
sistema cosmológico. A Alma, enquanto mediadora do inteligível e do sensível, somente pode
exercer seu papel se tanto o desejo de contemplação de seu princípio e fonte do Ser quanto o desejo
de informar e ordenar a matéria atuarem conjuntamente.

Platão e a comédia: o ridículo como prazer, dor e inveja

Felipe Ramos Gall (PUC - RJ)


Doutorando (CAPES)
Orientadora: Luisa Severo Buarque de Holanda

Numa primeira leitura, não é uma opinião errônea ou descartável afirmar que Platão via o
riso de modo negativo. É notório que a personagem Sócrates, na República, discutivelmente a
principal obra do corpus platonicum, faz sérias restrições ao riso ao propor sua reforma educacional.
Os guardiões da pólis idealizada no lógos não devem se entregar ao riso violento, e as passagens dos
poemas homéricos que apresentam os deuses olímpicos rindo devem ser censuradas. Se os deuses
são os seres mais excelentes, ele não podem agir mal. Deuses que não podem rir implica, por
conseguinte, uma concepção negativa do riso. O âmbito divino, superior, elevado, exige seriedade.
O porquê do riso ser “maléfico” é desenvolvido no diálogo Filebo. Nele, Platão expõe a temática
do bem da vida humana. A discussão diz respeito a se o bem humano seria a vida de prazer, a de
pensamento, ou uma mistura entre os dois, isto é, uma vida mista. A conclusão do diálogo é que
somente a vida mista é condizente com a realidade humana. Embora Sócrates argumente que o
pensamento possui mais valor e dignidade que o prazer, uma vida dedicada apenas ao pensamento
só seria exequível a um deus – mas os deuses não riem. Assim, o riso, associado ao prazer, é algo
próprio do humano, e isso porque uma vida de puro prazer também não é uma opção
ontologicamente possível ao homem. Riso é possível apenas na vida mista, ele próprio é uma
mistura de prazer e dor. Não a toa, Platão, no Filebo, ao tratar dos casos em que há uma mistura
entre prazer e dor, usa a comédia como um exemplo paradigmático. O fundamento disso no
desenrolar da questão é um mal da alma específico, melhor dizendo, uma dor da alma, que Platão
denomina como phthónos, inveja. O invejoso, segundo Platão, é quem tem prazer com os males do
próximo. Invejamos aqueles que se apresentam como sendo melhores do que nós, superiores em
algum aspecto. Ocorre que a grande maioria se arroga de uma aparência irreal ao se apresentar
perante seus pares. Sócrates vai dividir essas manifestações ilusórias em três, a saber, os que fingem
ter mais dinheiro do que realmente têm, os que fingem ser mais belos do que são, e os que fingem
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serem mais virtuosos do que são, numa escala crescente de gravidade e “popularidade”. O
descortinar dessa ilusão seria a própria natureza do ridículo, de acordo com o que Sócrates diz no
diálogo. O riso, que é um prazer, tem como origem um mal, qual seja, a ignorância e estupidez do
outro. A pessoa que finge ser mais e melhor do que realmente é não se conhece a si própria, ela
está afastada do dito délfico que caracteriza o pensamento socrático por excelência. O ridículo
implicaria então, necessariamente, uma mistura entre prazer e dor. Só haveria riso devido a uma
dor alheia. Desse modo, o riso é um mal, e por isso não seria digno dos deuses. Ora, mas é um fato
incontestável que Platão faz rir. Seus diálogos são engraçados, e além disso possuem evidentes
influências da comédia antiga. Desse modo, este trabalho se propõe a investigar a verdadeira
postura platônica perante o riso, bem como do seu valor para o pensamento.

Verdade, mentira e persuasão: sobre a pseudos na República II de Platão

Thiago Augusto Passos Bezerra (UFRJ)


Mestrando (CAPES)
Orientadora: Carolina de Melo Bomfim Araújo

A ressignificação da noção de pseûdos operada por Platão no Livro II da República distinguiu-


a em dois tipos; aquela alojada na alma e a outra que reside apenas no discurso (en toîs logoi). Esse
procedimento é fundamental para defesa da educação do phýlax que integra em seu programa
educativo uma apologia à ficção, não obstante o filósofo tenha tecido severas críticas aos poetas,
sobretudo quanto à poesia homérica, de todo modo, destaca Sócrates que o mais reprovável entre
os contadores dos mitos maiores não consiste no fato de mentirem, mas de não contarem
belamente as suas mentiras. A formulação de uma bela mentira, isto é, com propósitos nobres e
consentida em alguns casos é defendida por Platão. Uma defesa que ao leitor sugere ser controversa
e mesmo paradoxal, afinal, é possível alcançar a verdade através de uma mentira? Sabemos que
não será autorizado a todos o exercício da mentira na orthé politeia, será restrito aos dirigentes da
cidade. Além disso, mais a frente no Livro V temos o argumento socrático em que os governantes
devem ser filósofos. Ou seja, não a todos, mas aos filósofos será lícito mentir.
É preciso demarcar que após a pólis primeira construída em discurso e contraposta por
Gláucon é-nos apresentada uma segunda cidade, redirecionando seu projeto inicial Sócrates insere
nessa última aquilo que podemos chamar de necessidades “não essenciais”. Essa cidade passa a ter
suas necessidades inseridas na ordem dos desejos ou apetites. Nesse contexto é onde encontramos
uma nova classe de guardiões enquanto defensores da liberdade da cidade. A epithymía como
impulsionadora dos desejos apresenta uma constante ameaça engendrando a perda dos limites, o
que parece incitar a demanda de uma instância capaz de tratar dos limites e de uma educação dos
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desejos. Isto é importante porque o problema que parece estar ao fundo é mesmo o da eficácia da
verdade e que antecede a defesa da mentira na República, por essa razão tendo em vista a promoção
do benefício alheio e não o próprio essa mentira atua como um pharmakón na tarefa de converter
os cidadãos para virtude e promover a andreía dos guardiães como uma espécie de defesa da orthé
dóxa. Contudo, a verdade pode surtir efeitos ineficazes no propósito de convencer, e por sua
insuficiência em persuadir é que esse tipo especial de mentira encontrará lugar no discurso socrático
da cidade justa.
Nosso trabalho se concentra na análise da passagem 382b-d onde Platão realiza essa
distinção da pseûdos fundamental na compreensão da defesa pela licitude de enganar, afinal, o
veículo da persuasão será um discurso falso ainda que benéfico em questões práticas. Depois,
mostrar em quais casos Platão consideraria justificável o uso da bela mentira orientada por um
propósito nobre.
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28/11 – 14h-15h30 / Mesa 4: Estética Moderna

Metafísica da Música: a arte dos sons como Representação da Vontade

Bruno Victor Brito Pacífico (UFF)


Mestrando
Orientador: Vladimir Vieira

Tenho a pretensão de apresentar a filosofia da música a partir das reflexões e escritos de


Arthur Schopenhauer. Explicitarei os argumentos que colocam a arte dos sons como a forma de
arte mais elevada dentre as demais artes (plásticas e poesia) apresentadas no livro terceiro de sua
obra magna, O mundo como vontade e como representação. Deste modo, devo seguir os termos da
metafísica da arte apresentada pelo filósofo.
Schopenhauer nos chama a atenção para a exposição de seu pensamento, propondo um
diálogo ou um exercício reflexivo, entre a sua abordagem filosófica acerca da “arte dos tons” e a
nossa própria reflexão sobre a música. O exercício consiste em mostrar que a reflexão
schopenhaueriana apresenta algo verdadeiro sobre aquilo que a música apresenta: a essência do
mundo, a vontade. Para que este exercício se torne efetivo ao leitor e estudioso da filosofia da
música schopenhaueriana, é necessário manter a audição freqüente de obras musicais e, assim,
travar um diálogo com o pensamento reflexivo presente no § 52, de O mundo (SCHOPENHAUER,
2005, p. 338).
O estudioso Lawrence Ferrara observa que a filosofia da música apresentada por
Schopenhauer apresenta dificuldades ao leitor e ao ouvinte de música que confunde ou torna
incompreensível a profunda análise schopenhaueriana da música. Isto se dá pela falta de um
discurso lógico ou a ausência de uma experiência empírica que prove o conceito metafísico da
música que se apresenta como corporificação da vontade (FERRARA, 1996). Ferrara salienta ainda
que a filosofia (metafísica) da música de Schopenhauer possui dois pressupostos. O primeiro se
refere ao fato de a música ser a corporificação da vontade. O segundo se refere ao fato da música
ter um paralelo com o desenvolvimento da natureza. Isto quer dizer que a música mantém um
paralelo com o mundo representativo (FERRARA, 1996).
Schopenhauer começa a sua argumentação acerca da filosofia da música a partir do segundo
pressuposto, isto é, a partir do paralelo entre a música e a natureza. Segundo Ferrara, isto se dá
porque só é possível comprovar que a música é a corporificação da vontade, através da comparação
constitutiva da música e da natureza. A partir disto é que a música pode ser descrita como uma
objetivação, uma representação da vontade. Assim observamos que a vontade pode se expressar
em nosso mundo de três modos. A vontade pode se expressar em fenômenos particulares no
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mundo como representação; pode se expressar em tipos universais – que conhecemos pelo
conceito de ideia – na qual os fenômenos se enquadram, e pode se expressar também como música
(JANAWAY, 1994). Deste modo Schopenhauer elabora analogias para nos deixar clara a sua
filosofia da música. Em algumas destas analogias, encontramos uma que se refere a uma
aproximação das ideias universais com a música, colocando-as em igualdade metafísica para depois
admitir a superioridade da música em relação às demais formas artísticas que expressam as ideias.
Para o filósofo, as quatro vozes e também as notas da harmonia representam os quatro
graus da série de graduação de existências. Isto equivale dizer que as notas e vozes harmônicas
representam o mineral, os reinos vegetal e animal e a espécie humana. Deste modo Schopenhauer
afirma (2014, p. 129): “As quatro vozes de toda harmonia, isto é, baixo, tenor, contralto e soprano,
ou, dito de outro modo, da nota fundamental, terceira, quinta e oitava, correspondem aos quatro
graus na série de existências...”
A partir da analogia entre a música e as ideias universais, pretendo apresentar uma
introdução à filosofia da música schopenhaueriana.

Sobre a pertinência de um padrão para o gosto na filosofia subjetivista de Hume

Carlota Salgadinho Ferreira (PUC-RJ)


Doutoranda (CAPES)
Orientadora: Célia Teixeira

David Hume é comumente considerado um subjetivista moral, já que defende que o valor
moral das ações humanas não reside em nenhuma qualidade intrínseca do objeto avaliado (a própria
ação ou os agentes), mas consiste num sentimento desperto perante a ação. Portanto, ideias e
raciocínios sobre questões de facto, assim como crenças, são incapazes de nos dar o valor moral
(da beleza moral), sendo a sua origem as paixões - impressões de reflexão, tipos de prazer e dor,
despertos por essas ideias e crenças. Portanto, parece que Hume não está autorizado a defender
que, de alguma maneira, exista um padrão objetivo que determine o valor moral de uma ação
humana.
O mesmo vale para o caso dos valores estéticos (da beleza natural), já que a beleza de um
objeto não reside na sua ideia ou num raciocínio sobre ele, mas numa impressão de reflexão -
igualmente, de prazer e dor. Por isso, parece que a mesma impossibilidade quanto a um padrão
objetivo de gosto se estende aos valores estéticos.
Apesar disso, no ensaio “Sobre o Padrão do Gosto”, Hume propõe um padrão para o
gosto, assente na determinação do que se revela – ao longo dos vários tempos e lugares – ser o
gosto geral dos homens, isto é, o que a maioria dos homens aprecia esteticamente. Os objetos
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apreciados por essa generalidade de pessoas passam gradualmente a ser considerados os objetos
mais adequados a despertar sentimentos de agrado ou desagrado (neste caso, beleza e fealdade),
por meio de uma experiência constante e regular por parte do crítico. Eles passam, portanto, a ser
considerados objetos que a ciência Crítica dita como sendo os mais belos/agradáveis, por meio de regras
gerais.
Sob o ponto de vista epistémico, os raciocínios que decorrem da observação cuidadosa dos
objetos (belos ou feios, agradáveis ou desagradáveis aos sentidos) são raciocínios probabilísticos,
causais, que determinam uma relação causal entre o objeto avaliado e o seu poder de agradar a um
sujeito que possui uma determinada constituição física e mental. As regras gerais são obtidas, então,
através de uma disposição ou sujeição à experiência (por parte do crítico) regular – e, portanto,
acompanhada de um exercício do hábito – na qual se formulam esses raciocínios com respeito aos
objetos avaliados. Esse, por sua vez, é o método proposto por Hume para qualquer ciência que
faça parte da Ciência do Homem – o que inclui a ciência Crítica.
A principal questão que pretendemos explicitar é a de saber como é que Hume pode
defender um subjetivismo moral (e do gosto em geral) e ainda assim propor um padrão para o
gosto – que supõe um certo nível de objetividade nos juízos estéticos.
Nesse sentido, procuraremos explicar a origem do valor nas paixões, em vez das ideias ou
das sensações – que explica o subjetivismo e o relativismo que aparentemente surge deste, mas
também o estabelecimento de regras gerais para julgar causas e efeitos e a própria proposta da
Ciência do Homem como projeto de unificação das ciências sob um denominador comum, a saber,
a natureza humana. Julgamos que estas três componentes da filosofia de Hume permitem explicar
a pertinência do estabelecimento de regras gerais para os valores (neste caso, estéticos) e, por fim,
a sua compabilidade com o subjetivismo.

Hermenêutica Filosófica e Juízo Estético

Rodrigo Viana Passos (PUC-RJ)


Mestrando (CAPES)
Orientador: Paulo César Duque-Estrada
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O presente trabalho tem por objetivo apresentar e discutir uma hipótese acerca da hermenêutica
filosófica e da estética. Tal hipótese diz respeito à sua confrontação com a estética moderna,
especificamente com um conceito a esta muito caro: juízo estético (ästhetische Urteilskraft). De fato,
no primeiro capítulo de Verdade e Método, Gadamer refletirá acerca da estetização do conceito de
juízo na Modernidade, que, segundo ele, fora posto num âmbito desarticulado com a efetividade
comunitária e histórica, diferentemente do que teria sido formulado em seu registro humanista.
Devemos ter em consideração que isso se insere num longo trabalho histórico do pensamento
europeu de confrontação crítica com uma herança político, científica e religiosa da Idade Média (a
dúvida metodológica cartesiana é um exemplo disso). Por isso, nada mais “natural” do que buscar
um modo de assegurar nossos juízos sobre as coisas para além de uma forma deficiente de opinião
fragmentada. Nesse sentido, as análises de Gadamer se debruçarão mais propriamente sobre o juízo
estético, na medida em que Gadamer elege a arte como exemplo por excelência em sua reflexão.
Afinal, se pudéssemos eleger um modo característico de nosso ser, a arte seria apontada e aceita
sem grandes batalhas. Gadamer identificará em Kant a “origem” do problema, na medida em que
o juízo estético fora fundamentado transcendental e subjetivamente, em sua terceira Crítica, como
gozo dos sentidos, desconsiderando a possibilidade de verdade da arte. Efetivamente, a introdução
da Crítica da Faculdade de Julgar nos leva a crer que o juízo é, de modo geral, além de um termo médio
entre entendimento e razão, fundado – ou poderíamos dizer que ele funda – quase que
misteriosamente [em] uma “necessidade” de que o mundo não seja fragmentário e arbitrário. O
belo, por exemplo, se levarmos à sério tal condição, é o testemunho da harmonia absoluta de tudo.
De qualquer modo, o gesto kantiano que desejamos enfatizar nesse ponto de nosso trabalho com
Gadamer, e que diria muito sobre um certo projeto moderno de pensamento, é o da subjetivação
– o juízo, diz explicitamente Kant, contém um princípio simplesmente subjetivo (bloss subjektives).
Contudo, a real dificuldade teria sido criada pelos sucessores imediatos do kantismo –
nomeadamente Schiller para Gadamer –, na medida em que será cunhado um tipo de consciência
(Bewusstsein) que estabelecerá, transcendentalmente, o que é ou não arte, ou seja, uma atitude crítica
fundada na subjetividade. Está em jogo aí todo um processo de deslocamento conceitual muito
delicado a partir das formulações kantianas. Em oposição a isso, Gadamer recolocará o problema
da experiência estética em bases hermenêutico-ontológicas, afastando a formulação representativa
(no sentido de Vorstellung, “pôr diante”) da consciência estética em favor da estrutura “presentativa”
(sentido derivado de Darstellung) de nossa compreensão. Assim, parece, a uma primeira vista, que o
juízo estético – em verdade, todo e qualquer juízo – é relegado à impossibilidade. Todavia, essa
conclusão não parece ser propriamente consequente. Com efeito, no mesmo capítulo, Gadamer
levanta um pressuposto e uma tarefa de sua análise: a reabilitação dos conceitos humanistas, dentre
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os quais estão o do juízo e do gosto. Por isso, devemos avaliar em que medida a hermenêutica
filosófica cumpre esta tarefa, mesmo que não explicitamente. O que desejamos demonstrar, enfim,
é que o juízo não se dá segura e propriamente a partir de uma subjetividade, mas sim pelo diálogo
com a coisa mesma, e como o sentido – assim como a possibilidade de juízo – que emerge desse
diálogo transcende qualquer instância de subjetividade-objetividade. A exigência não questionada
da crítica tende fatalmente para a violência e para o dogmatismo, obscurecendo a possibilidade
eminente de cura de nossa “alma” – de nossos pré-juízos – em uma experiência com as obras de
arte.
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28/11 – 15h45-16h45 – Mesa 5: Narrativas

Ricoeur e o romance como forma por excelência da modernidade

Bianca Pereira da Silva (UFF)


Mestranda (CAPES)
Orientador: Bernardo Barros

O gênero romance é diferente dos gêneros anteriores a ele e seu surgimento se deu devido
a determinados fatores propiciados pela época em que floresceu. Mais que isso: esses fatores
revelam uma forte ligação entre forma literária e forma de vida. Mas, o que queremos dizer com
isso?
Queremos dizer que a pesquisa das formas literárias sobrepuja especificidades que
poderiam parecer intrínsecas somente às obras de arte. Este estudo (das formas literárias) evidencia
também características inerentes ao modo de vida do ser humano de cada época específica, como
se forma literária caminhasse conjuntamente com o modo como as pessoas vivem em cada período
histórico. Gostaríamos, assim, de expor quais são essas mudanças proporcionadas pela forma
literária romance e como afetaram a sociedade em que floresceu e vice-versa.
O ponto de partida será identificar o romance como característico do mundo moderno e,
em seguida, elencar os atributos que o tornam o gênero por excelência desse período. Nossa
abordagem inicia-se com as indagações de Paul Ricoeur em Tempo e Narrativa II; mais precisamente,
do capítulo “As metamorfoses da intriga”. Aí, o autor põe em evidência a estrutura interna das
obras fictícias, em especial o romance. Isso porque esta forma literária apresenta um vasto campo
de possibilidades e experiências que dá margem para a mutabilidade de suas estruturas, de seus
limites. Com essa variabilidade, a estrutura demonstra ser transgredida de tal forma que seria difícil
mapear sua estabilidade (estabilidade do enredo, por exemplo), se é que possui alguma.
Para complementar a discussão, incluiremos alguns autores que também afirmam a
importância do gênero romance para a modernidade e vice-versa. Esses autores serão: Ian Watt e
sua obra A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding, Mikhail Bakhtin com o ensaio
“Epos e romance” e Walter Benjamin e seu ensaio “O narrador”.
Ian Watt alinha fatores sociais às formas literárias e assevera que o romance é fruto do
espírito da época moderna. Logo, não existia romance antes, e, sim, ficções. Ficções que também
correspondiam a um determinado modo social, mas não ao estilo de vida moderno. Para Mikhail
Bakhtin, o romance nasceu, se desenvolveu e foi alimentado pela sociedade moderna e essa filiação
não revela só a característica do nascido, revela, igualmente, as características de quem o gerou,
revela como essa sociedade vivia, como compreendia a realidade. Por último, temos Walter
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Benjamin, que, embora afirme que o romance é fruto da modernidade, observa nele um produto
que leva à extinção da arte de narrar tradicional, à arte de narrar oralmente. Permeando essas
indagações, apontamos a teoria do filósofo Paul Ricoeur. Para o francês, o gênero romance
responde a uma demanda social, a demanda moderna de viver, e, por isso, totalmente mutável.
Essa mutabilidade pode indicar uma transformação completa do gênero e acabar por extingui-lo,
como analisa Benjamin. Finalizaremos, então, com a resposta de Ricoeur a esta constatação de que
a arte de narrar se findará, pois este se pergunta se o fim visto por Benjamin não seriam apenas as
metamorfoses sofridas, ao longo do tempo, pelos gêneros literários, tal como ocorrido com o
romance.

A experiência comum e os dilemas da tradição em Walter Benjamin

Matheus Fernandes (UFF)


Mestrando (CAPES)
Orientador: Bernardo Barros Coelho de Oliveira

Durante a década de 30, o filósofo alemão Walter Benjamin escreveu uma série de ensaios
que versavam sobre a relação entre os seres humanos e os objetos da cultura. Encontramos nestes
textos um vocábulo que possui uma longa trajetória na cronologia filosófica e que aparece
ressignificado no pensamento de Benjamin: a Erfahrung, que é traduzida pelo termo “experiência”.
O objetivo de nossa dissertação, como este resumo procura evidenciar, é determinar a relevância
do conceito de experiência benjaminiano para um estudo filosófico da cultura, mostrando como a
perspectiva inaugurada por Benjamin auxilia-nos a distinguir os aspectos positivos e negativos da
relação dos homens para com a sua tradição cultural.
No ensaio “Sobre alguns motivos na obra de Baudelaire”, Benjamin estabelece que a
experiência pertence ao campo da memória, designando a qualidade específica de uma modalidade
de dados da memória: são experiências as lembranças cujo significado é determinado pela
coletividade, ainda que contem com a participação ativa do indivíduo que rememora. Os ritos de
passagem e os cultos religiosos são exemplos de acontecimentos que não podem ser
compreendidos apenas através da contribuição do indivíduo à atribuição de sentido, pois o seu
significado está atrelado aos valores e ideais compartilhados por uma sociedade. A partir da
ocorrência constante do conceito de experiência na obra benjaminiana, podemos deduzir que o
filósofo alemão considerava a relação dos seres humanos com os objetos da cultura mais um
exemplo da atribuição compartilhada de sentido que constitui a Erfahrung. Em nossa apresentação,
mostraremos como Benjamin correlaciona, no ensaio citado acima, o surgimento de novas formas
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artísticas com as transformações da experiência humana, criando um novo espaço de investigação


ao filósofo da cultura.
Um dos momentos notáveis da obra benjaminiana é a reflexão acerca do valor a ser
depositado na conservação e na renovação da cultura. Os ensaios “Experiência e pobreza” e “O
Narrador” constituem os pólos opostos deste problema filosófico. No primeiro ensaio, Benjamin
afirma que em uma sociedade na qual inexiste um núcleo unificador de valores e ideais
compartilhados, a tradição cultural pode exercer uma função proeminente em um projeto político
autoritário. Neste momento, devemos nos lembrar que o filósofo era testemunha da ascensão do
nazismo na Alemanha, a qual acompanhava um projeto de reconstituição da cultura clássica do
Helenismo, a qual serviria de modelo para a nova sociedade germânica. Como Benjamin
considerava a Modernidade um período caracterizado pela ausência de uma experiência comum, o
conselho do filósofo aos viventes do novo século era o de assumirem o papel de construtores,
erigindo os contornos da sociedade futura a partir de formas nunca antes pensadas.
No entanto, desejamos mostrar que, se nos mantermos presos ao diagnóstico de
“Experiência e pobreza”, não tomaremos consciência de um lado positivo atribuído pelo filósofo
à tradição, especialmente em “O Narrador”. Um paradigma deste tratamento é a resposta que o
filósofo confere à questão: por que algumas narrativas sobrevivem à passagem do tempo e
continuam sendo recontadas? A solução de Benjamin, apoiada no famoso relato de Heródoto
acerca do rei Psamético, está em afirmar que este tipo de narrativas costuma possuir um enigma
que nunca é inteiramente resolvido pelo narrador. Instigados a resolver o enigma, os ouvintes
tendem a conservar a narrativa e, posteriormente, recontá-la sob uma nova perspectiva, na tentativa
de iluminar os seus pontos obscuros. Deste modo, estas narrativas nunca perdem o seu potencial
de possibilitar novas interpretações, uma vez que não se subjugam a uma explicação única.
Argumentaremos que, nestas ocasiões, abra-se a possibilidade de uma tradição calcada em uma
experiência comum de questionamento, na qual a filosofia pode ocupar um lugar de destaque.
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28/11 – 17h-18h – Mesa 6: Outras estéticas

A sensibilidade e o papel da arte em Schiller

Felipe Tuller Moreira Machado (UFF)


Mestrando (CAPES)
Orientador: Vladimir M. Vieira.

Este presente trabalho tem por finalidade expor brevemente o papel delegado à
sensibilidade no que concerne às obras Cartas a Augustemburg e A educação estética do homem de
Friedrich Schiller. Motivado pelo que identifica como uma crise do projeto da Aufklärung a partir
dos processos revolucionários da França do final do século XVIII, Schiller é levado a refletir acerca
do papel da arte frente a tal conturbado momento histórico e, para isso, investigar de que modo as
duas partes da alma, razão e sensibilidade, se conectariam para levar a humanidade a um estágio de
liberdade longe da barbárie e da selvageria. Ideia que perpassa as duas obras, Schiller afirma que
muito já havia sido feito anteriormente a ele no que diz respeito à teoria do conhecimento e da
verdade, mas que tais preceitos não eram palpáveis e exequíveis pela humanidade no estágio atual,
no qual sua alma estava cindida por um conflito interno entre razão e sensibilidade; segundo o
autor “não nos falta luz quanto calor, tanta cultura filosófica quanto estética.” (SCHILLER, 2009,
p.80)
A obra inacabada Cartas a Augustemburg, escrita entre fevereiro e dezembro de 1793, em
diálogo com o príncipe dinamarquês Friedrich Christian von Augustenburg, se tornaria a primeira
tentativa propriamente extensiva do autor de desenvolver a ideia de que a arte teria um poder de
mediação entre a razão teórica e a prática. Tida como perdida em um incêndio, tal obra foi
redescoberta pelo autor dois anos após a interrupção da escrita do trabalho. Munido então de novos
esforços e reaproveitando trechos literais do primeiro texto, Schiller escreve o que conheceríamos
posteriormente como A educação estética do homem.
Ao nos debruçarmos sobre estes textos, porém, é possível notar, para além da semelhança
do diagnóstico da modernidade que perpassa as duas obras, uma considerável mudança quanto ao
papel da sensibilidade nas relações de forças internas da alma humana: ao passo que em A educação
estética do homem Schiller desenvolve uma teoria do equilíbrio entre as duas partes da alma, no qual
cada uma seria guiada por um impulso distinto e complementar, em Cartas a Augustenburg, por outro
lado, é possível observar que tal harmonia se funda justamente na supressão dos impulsos sensíveis,
cuja atuação deverá ser regulada e supervisionada pela parte racional da alma.
Ainda que se trate de um texto inacabado, em Cartas a Augustemburg encontramos passagens
nas quais Schiller advoga de modo severo contra a atuação livre da sensibilidade: “o mais perigoso
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inimigo interno da moralidade é o impulso sensível” (SCHILLER, 2009, p. 139). De modo


semelhante à argumentação kantiana que assumidamente se faz presente no corpo do texto
schilleriano, a sensibilidade é associada à faculdade de apetição, um impulso incontrolável da
natureza humana que a humanidade tem de domar para que os preceitos racionais possam ser
praticados. O estabelecimento de uma hierarquia na qual a sensibilidade é suprimida em função da
razão, dessa maneira, parece guiar o argumento de Schiller ao propor que o gosto, quando refinado
o suficiente, poderia colocar um limite nos impulsos da sensibilidade e contribuir para a virtude.
De modo bastante diverso, o conceito de impulso sensível encontrado em A educação estética
diz respeito a um processo de ampliação das disposições da potência da alma: relativo a tudo que
condiz com a existência finita da humanidade, ele é justamente estabelece vínculo do homem com
o mundo. É através de seu cultivo, ou seja, do cultivo da potência de sua sensibilidade por si só,
sem interferência de um impulso guiado pela razão que a humanidade “conjuga a máxima plenitude
de existência” (SCHILLER, 1990 p. 64).
Referências Bibliográficas:
SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. São Paulo: Iluminuras, 1990.
__________. Cultura estética e liberdade. São Paulo: Hedra, 2009.
BEISER, Frederick. Schiller As Philosopher: A Re-Examination. New York: Oxford University Press,
2005.
KIMBALL, Roger. Schiller’s “Aesthetic Education”. The New Criterion, Vol. 19, p. 12, Março
2001.
MARTINSON, Steve. A Companion to the Works of Friedrich Schiller. New York: Camden
House, 2005.
REGIN, Deric. Freedon And Diginity: The historical and philosophical thought of Schiller.
Holanda: Martinus Nijhoff, The Hague, 1965.
ROEHR, S. “Freedom and autonomy in Schiller”. Journal of the History of Ideas, v. 64, n. 1 (January
2003), pp. 119-134.
SÜSSEKING, Pedro. Schiller e os gregos. Kriterion, Vol. 46, nº 112, Belo Horizonte, 2005.
HUSSAK, Pedro; VIEIRA, Vladimir. Educação Estética: de Schiller a Marcuse. Rio de Janeiro:
Nau Editora, 2011.

O conceito de emancipação na obra Espectador Emancipado de Jacques Rancière

Patricia de Souza Matias (PUC-RJ)


Mestranda
Orientador: Luiz Camillo Osório
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O artigo tem como objetivo pensar uma perspectiva emancipatória do espectador, com
fulcro na obra O espectador emancipado, de Jacques Rancière, que deve fornecer uma legibilidade da
interface entre arte e política para além das boas intenções pedagógicas. Rancière pode ser
considerado como um caso exemplar daquele filósofo, proposto por Deleuze (1992), que atribui à
filosofia a tarefa de criar conceitos, por oposição à arte, cuja tarefa é a produção de sensações e
afetos, e à ciência, à qual cabe a produção de estados de coisas com suas funções. No entanto, ao
contrário da filosofia da representação, os conceitos da filosofia não têm a pretensão de trazer à
luz ou libertar das sombras as essências, nem revelar o uno que subjaz à diversidade e à
contingência, mas “provocar” o pensamento, fazer acontecimento, criar novas possibilidades de
“pensar” o já pensado. Um emblemático exemplo é a reformulação do conceito de “emancipação”
(émancipation), um dos centrais da arquitetura ranceriana, a partir da idéia teórica de Kant (2008)
para emancipação como saída da menoridade. Para Rancière, “emancipação” (émancipation) constitui
um processo e não um objetivo, uma fratura no presente da ordem estabelecida, que separa e
hierarquiza o mundo entre os que sabem e os que ignoram. Nesse diapasão, o ponto de partida é
a apresentação do conceito de “emancipação intelectual” (l'émancipation intellectuelle) e de sua função
repolitizadora do comum, que acontece ao quebrar a partilha policial do sensível. Distingo os
conceitos de “emancipação social” (l'émancipation sociale) e “emancipação intelectual” (l'émancipation
intellectuelle). Analiso algumas manifestações contemporâneas que ilustram nos domínios da arte, da
política e da teoria a inversão dos modos de descrição e de demonstração próprios da tradição
crítica. Apresento a análise de Rancière da tradição da crítica social e cultural, e sua eficácia
paradoxal, que compreende existir uma separação entre as formas sensíveis de produção da arte e
os seus efeitos nas formas sensíveis de recepção. A partir de uma análise histórica do papel do
espectador no teatro, Rancière observa uma contradição no debate sobre o assunto, que ele irá
nomear como sendo um “paradoxo do espectador”, isto é, a coexistência de dois pressupostos :
um primeiro afirma que não existe teatro sem espectadores; um segundo irá entender a condição
do espectador como algo ruim. De acordo com esse pensamento, olhar é o oposto de conhecer e
agir. Como espectador é aquele que olha, sua condição seria de ignorância e passividade. Em
oposição ao que denomina prática de embrutecimento, Rancière propõe uma prática de
emancipação intelectual na qual não existe distância entre o saber do público e dos artistas.
Acredita-se, portanto, em uma igualdade das inteligências. Isto porque o espetáculo ocupa a posição
de um objeto alheio tanto aos artistas quanto aos espectadores e não pressupõe uma única
compreensão. Por fim, analiso as reflexões do filósofo sobre o processo, no campo específico das
imagens, de passagem do regime representativo para o regime estético concatenando com os
conceitos de “imagem intolerável” (l'image intolérable) e “imagem pensativa” (l’image pensive).
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29/11 – 14h-16h / Mesa 1: Linguagem

Por uma defesa do entrelaçamento entre Semântica e Epistemologia: a relação entre os


Juízos Analíticos e o Argumento Epistêmico de Searle.

Michelle Cardoso Montoya (UFRJ)


Mestranda (CAPES)
Orientador: Dirk Greimann

Em “Two Dogmas of Empiricism” (1951), Willard Von Orman Quine (1908-2000) expõe
diversas críticas a adoção da distinção analítico-sintético, outrora proposta por Immanuel Kant
(1724-1804), na Crítica da Razão Pura (1ª versão, 1781; 2ª versão, 1787), vindo a ser também ,
explicitada com mais clareza em Prolegômenos a toda metafísica futura que possa apresentar-se como ciência
(1783). Ao buscar interpretar semanticamente a distinção analítico-sintético no referido artigo,
Quine chega a conclusão inicial de que tal distinção seria obscura por dois motivos principais.
Primeiro, por conservar a discussão acerca do que é analítico ou não a um nível metafórico. Isto é,
quando Kant sugere na Crítica da Razão Pura que um juízo é analítico quando o conceito de seu
predicado está contido implicitamente no de sujeito, parece-nos que, de acordo com Quine, Kant
poderia querer dizer algo mais além do que isso: ele queria dizer que um enunciado é verdadeiro
em virtude do significado. Logo, afirmar que um juízo analítico poderia ser reconhecido como tal
a partir da definição que Kant propõe em sua primeira crítica, de acordo com Quine, seria uma
metáfora acerca do significado, que estaria atrelado a um certo conteúdo cognitivo. Segundo,
porque se formos considerar sua leitura semântica da distinção, teríamos outro problema, o de
definir o que é significado. Responder a essa pergunta, para Quine seria complicado, senão
impossível, já que a noção de significado se conectaria com noções ainda mais obscuras, e um
exemplo delas seria a noção de sinonímia. Logo, após a realização de outras críticas, Quine resolve
propor o abandono da distinção analítico-sintético por considerá-la uma pseudo-distinção,
deslocando-a de um âmbito de tratamento parcialmente epistêmico para estritamente semântico,
tornando inviável sua adoção, a partir da consideração da referida metáfora.
Veremos que John Rogers Searle (1932-?), em sua célebre obra Speech Acts: An Essay of
Philosophy of Language (1969), rejeita essas críticas, partindo de um axioma muito básico, a saber,
o do argumento epistêmico, nos dizendo que, “ um enunciado é analítico, se e somente se, eu sei
o que ele significa”. Desse modo, reinsere os juízos analíticos novamente numa discussão
epistêmica, procurando evidenciar que o teor dos mesmos, não é estritamente semântico. Portanto,
ao propor o argumento epistêmico, Searle parece retomar algumas características fundamentais dos
juízos analíticos vistas em Prolegômenos de Kant, sendo a mais principal, a função explicativa que
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possuem, momento em que podemos realizar uma interface interpretativa não só semântica como
Quine o fez, parecendo rejeitar tanto o papel ampliativo quanto explicativo acerca dos juízos
analíticos, mas também epistêmica, que aparece quando tratamos acerca do problema de se definir
o que é analítico, bem como do papel que esses juízos podem desempenhar. E com isso,
mostraremos de que forma o argumento epistêmico se constitui como uma tentativa de retomar
uma das características fundamentais dos juízos analíticos abandonada por Quine, a saber, a de
serem explicativos. Além disso, procuraremos apontar, como o papel explicativo dos juízos
analíticos pode contribuir para a formação de juízos ampliativos, que estendem o nosso
conhecimento, bem como a maneira pela qual o argumento epistêmico de Searle torna essa questão
bastante evidente.

Nomes vazios – Soluções novas para um problema antigo

Luisa Luze Brum Genuncio (UFRJ)


Mestranda (FAPERJ)
Orientador: Roberto Horácio de Sá Pereira

Termos singulares são usados para fazer referência a coisas, numa função muito
fundamental a Linguagem. Nomes próprios, termos indexicais, expressões demonstrativas podem
todos ser considerados termos singulares. Usamos a termos singulares na Linguagem para falar
sobre objetos, quantificar e qualificá-los. Aqui gostaríamos de trazer atenção para o tópico de
Nomes Próprios sem referente, tendenciosamente chamados Nomes Vazios. Se na Linguagem
termos singulares, são usados para nomear, referir-se, a objetos então os Nomes Vazios são aqueles
que parecem referir, mas não o fazem pois não existe o objeto concreto nomeado pelo termo.
O primeiro objetivo deste trabalho é apresentar as principais falhas nas Teorias que ocupam
lugar de destaque na Filosofia da Linguagem, especificamente a teoria Descritivista e a teoria da
Designação Rígida sobre nomes próprios. O segundo objetivo deste trabalho é apresentar possíveis
soluções para o problema de Nomes Vazios, que é um problema que perpassa as duas linhas
teóricas principais. Algumas das soluções propostas nas décadas de investigação filosófica sobre o
tema são excessivamente anti-intuitivas, implicando ou no distanciamento da Linguagem Natural
ou em uma ontologia muito densa.
Existe a intuição forte de que nomes vazios de referente pelo menos têm sentido. Para
Frege nomes têm sentido e referente, mas é a análise da proposição expressa numa sentença com
o objeto no mundo, e suas propriedades, que vai determinar o valor de verdade da proposição.
Para verificar que o valor de verdade de “A Terra se move ao redor do Sol”, basta que o objeto,
Terra, tenha a propriedade atribuída, no caso, de se mover ao redor do Sol. O valor de verdade de
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“Sherlock Holmes é um detetive inglês” é inverificável, pois não existe um objeto sendo referido
pelo nome Sherlock Holmes. No entanto parece que existe algo de mais válido em dizer “Sherlock
Holmes é um detetive” do que em dizer “Sherlock Holmes é um advogado”.
Tratar nomes como designadores rígidos, e assim nomes vazios por sua vez como
designadores de entidades abstratas não parece tão intuitivo quanto o argumento semântico de Saul
Kripke implicaria ser. A implicação de inúmeras entidades abstratas é no mínimo deselegante em
sua falta de economia, e parece ser desnecessário tamanho compromisso ontológico para a solução
de um problema de Linguagem. Ao mesmo tempo, as falhas que ele apontou na teoria descritivista
de Russell não podem ser levianamente ignoradas. As posições de Russell e Kripke são
incompatíveis, e as soluções deste último exigem um compromisso ontológico muito grande.
As propostas de Mark Sainsbury e Manuel García-Carpintero oferecem um modo diferente
de tratar com os problemas apontados no confronto das teorias de Russell e Kripke. Ambos
oferecem teorias híbridas das posições dos antigos opositores no dilema de como os nomes
próprios fazem referência e têm sentido. Sainsbury oferece uma posição que se afasta tanto de
Kripke quanto de Russell ao propor que nomes, e outros termos, sejam considerados expressões
referenciais. Sua teoria semântica associa expressões referenciais com condições referenciais, ao
invés de referentes, para a verificação dos valores de verdade. García-Carpintero por sua vez aponta
uma possibilidade de conciliar as posições do ficcionalismo com o descriptivismo.

Apontamentos sobre a metáfora em Ricoeur

Felipe Amancio Braga (PUC-RJ)


Mestrando (CAPES)
Orientador: Paulo César Duque Estrada

Mais do que uma simples figura retórica, a metáfora é um fenômeno da linguagem, um


procedimento que utilizamos não somente para embelezar discursos, mas para nos referirmos e
relacionarmos com o mundo. A metáfora cria figuras através de palavras para se reportar ao que o
espirito humano vê ou sente e, no entanto, não há nome; torna clara e imprecisa a própria pretensão
arbitrária da linguagem de tudo abarcar em seu interior. Porém, nas situações limítrofes, nas quais
a linguagem ordinária se mostra insuficiente, não devemos identificar uma fraqueza, e sim o que
há de mais próprio à linguagem. Pois, é quando reconhecemos as diferenças e as distâncias entre o
que percebemos e o que nomeamos que passamos a duvidar das palavras usadas até então. Partindo
dessa problemática, a presente comunicação tem por objetivo apresentar os desenvolvimentos
iniciais de minha pesquisa que visa investigar a questão da dimensão imagética da metáfora como
um âmbito não estritamente verbal da comunicação. Objetiva-se com isso entender, através do
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paradigma da metáfora, como uma imagem pode se constituir de maneira metafórica, pensada não
só como duplo, mas como uma estrutura, um procedimento usado para a criação de sentidos não
literais, sentidos que não podem ser expressos ou transmitidos de outra maneira. Desse modo,
busca-se compreender também, com base na interseção palavra e figura, que tipo de imagens são
formuladas e como elas colaboram para a construção dos sentidos nos discursos. Em vista de tal
objetivo, a obra mestra que conduz tal investigação é: A Metáfora viva de Paul Ricoeur, da qual será
retomado o percurso intelectual traçado pelo autor que parte desde a antiguidade clássica, até às
teorias contemporâneas sobre o tema. Tal retomada, se justifica não só pela melhor exposição dos
argumentos, mas principalmente por revelar a mudança de escopo das análises através dos tempos.
Parte-se então, do entendimento de Aristóteles, exposto tanto na Retórica quanto na Poética, que
pensou a metáfora como substituição de termos, de palavras, por meio de relações de analogia, e,
deste modo, ainda restrito ao nível semiológico, até autores contemporâneos como Max Black e
Nelson Goodman, que entenderam o sentido metafórico não só pela substituição de termos, mas
pelas interações estabelecidas entre palavras e os enunciados nos quais estão contidas. As teorias
da interação representam no desenvolvimento argumentativo de Ricoeur um ponto de viragem que
marcam não só a passagem da análise semiótica, das taxionomias retóricas, para uma compreensão
semântica, mas também levam a considerar a metáfora estruturalmente através dos enunciados;
opõe-se então, a consideração meramente substitutiva – e portanto acessória e ornamental – a uma
consideração atenta às dinâmicas de interação, às incompatibilidades e transições de significação
presentes nos enunciados. Ao não pensar a metáfora enquanto substituição, a abordagem
semântica também rompe com a oposição sentido próprio e sentido figurado, não atribuindo às
palavras nenhuma significação intrínseca, apenas usos e atribuições. Esse entendimento colabora
para entender a hipótese de uma “metafórica” em ação no interior da linguagem, desestabilizando
qualquer atribuição estanque de sentido e assim possibilitando os trânsitos, uma abertura a
potencialidades criativas. Mais do que um mero ornamento da linguagem, a metáfora é entendida
como um trabalho do pensamento, do qual Ricoeur para o estabelecimento da abordagem
hermenêutica, na busca pela compreensão do sentido simbólico das imagens criadas nos poemas e
nas obras literaturas.

O problema dos nomes: da busca pelo Platão à teoria da linguagem de Antístenes

Roberto Torviso Neto (UFF)


Mestrando
Orientador: Luis Felipe Bellintani Ribeiro
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Para Platão, há uma identidade natural entre algo e o nome atribuído ao mesmo, ou seja,
um modo de enunciá-lo; mais ainda, acreditava haver uma definição essencial para cada ente. No
diálogo Sofista, por exemplo, busca-se definir o que é o sofista para contrapor seu conceito ao do
filósofo e ao do político. Assim sendo, neste trabalho discutiremos a respeito do papel da definição
na filosofia platônica, bem como da impossibilidade de uma definição essencial para Antístenes e
da alternativa proposta pelo mesmo, qual seja, a enunciação própria (oikeîos logos).
Definir é dizer o que é uma coisa e, da mesma maneira, é também dizer sua essência. Em
Platão, a essência de algo, aquilo que lhe é essencial, é o que lhe é inerente e elementar, havendo
uma participação entre ideias no sentido platônico do termo. Exemplos disso seriam as famosas
“mesidade” da mesa e “tacidade” da taça discutidas mencionadas num bate-boca entre o fundador
da Academia e o “Cão” Diógenes, como relatado por Diógenes Laércio. No Mênon, Sócrates afirma
ser necessário definir o que é a virtude para então investigar se é algo que se possa ensinar ou se é
inata. Temos então no Sofista o problema da busca pela definição mais acurada deste grupo que
Platão vê como charlatões. Das seis definições iniciais do sofista mais a sétima que os retrata como
produtores de imagens com palavras, qual seria a mais precisa? Este problema nos levou ao Górgias
e ao Crátilo entre outros diálogos.
Para além dos diálogos platônicos, G. B. Kerferd dedica o sétimo capítulo de sua obra O
movimento sofista a uma exposição sucinta sobre a teoria da linguagem presente na sofística,
apresentando exemplos de oradores e teóricos com base nos fragmentos pré-socráticos catalogados
por Diels e Kranz. Dois pensadores trazidos pelo autor que elaboraram teorias sobre a linguagem
são Protágoras de Abdera e Pródico de Ceos, ambos sofistas. Outro sofista que refletiu acerca da
linguagem foi Antístenes de Atenas, quem fora aluno de Górgias antes de seguir Sócrates como
um de seus discípulos e posteriormente teria fundado a escola cínica, levando o socratismo a um
nível mais radical. Dinucci diz que, para Antístenes, objetos simples não podem ser definidos e
objetos complexos podem ser definidos ou receber um lógos, cá entendido como um conjunto de
nomes composto pelos nomes que definem o objeto. Além disso, Antístenes não distingue sujeito
e objeto empírico: eles são um e o mesmo e, portanto, cada ser é único. A definição na filosofia da
linguagem antistênica é, portanto, segundo apresenta Gillespie, “nada mais que a enumeração das
partes de uma coisa composta, os objetos passíveis de serem definidos são agregados” ou, como
conceituou Guthrie, "a teoria [de Antístenes] assume que um todo complexo não é mais que suas
partes postas juntas num certo modo".
Platão havia apresentado seis e, posteriormente no mesmo diálogo, sete definições possíveis
do sofista ao longo do diálogo entre o Estrangeiro de Eléia e Teeteto intitulado Sofista, cada qual
trazendo um aspecto do “camaleão” sofístico. Se um discípulo de Platão naquele tempo separasse
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estas seis definições – que Platão almejava tornar uma – e apresentasse a Antístenes, ele
provavelmente diria que a definição ou, melhor dizendo, a enunciação própria do sofista já estava
ali. As definições múltiplas às quais chegaram Teeteto e o Estrangeiro de Eléia são os muitos
aspectos da figura do sofista, isto é, seus elementos simples (ónomata): bastaria, então, apenas agregar
os diversos objetos simples para formar o complexo.
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29/11 – 16h15-17h45 / Mesa 2: Conhecimento

Atos e obstáculos epistemológicos na filosofia de Gaston Bachelard

Zander Lessa Gueiros (UFF)


Mestrando (CAPES)
Orientador: Carlos Diógenes Côrtes Tourinho

As três primeiras décadas do século XX foram palco de profundas revoluções intelectuais,


científicas e tecnológicas. A Relatividade Restrita e Geral de Einstein, a Dualidade Partícula-Onda
De Broglie, o Princípio da Incerteza de Heisenberg são o triunfo do Novo espírito científico sobre
os preconceitos do senso comum que obstaculizavam, de forma inconsciente, os avanços do
conhecimento. Observando a importância de tal ruptura, Bachelard buscou fomentar uma cultura
de descoberta, de ultrapassagem dos obstáculos epistemológicos. Para ele, a pedagogia do novo
espírito científico, que enseja a novidade e impulsiona a descoberta, é reformulada constantemente
pelo racionalismo aplicado combinado ao materialismo técnico. Instrumentando a teoria e
intelectualizando o dado, a ciência progride tanto do ponto de vista da abstração formal quanto no
que concerne à riqueza do detalhe empírico. O geral e o particular, na física matemática, não se
contradizem, malgrado a opinião dos filósofos realistas, empiristas e intuicionistas. A velha teoria
filosófica do conhecimento, bem como o formalismo analítico limitado ao exame das condições
de validação dos enunciados devem ceder o passo à epistemologia histórica, única cuja perspectiva
abarca a dialética real da ciência. A epistemologia histórica de Bachelard (julgadora, recorrente,
normativa, especializada) pretende estabelecer uma filosofia adequada ao pensamento científico
contemporâneo, explicitar as principais características da atividade racional científica, demarcar as
condições reais e efetivas do trabalho científico, analisar as diferentes especificidades dos projetos
da ciência atual, promovendo um autêntico intercâmbio entre a teoria e a prática. O conhecimento
é ato e não coisa ou propriedade, e seu gesto mais genuíno é a recusa do sabido, permanentemente
posto à prova, em vista de uma destituição. Nesse sentido, a verdade é apenas “o limite de nossas
ilusões perdidas”, e desde então a epistemologia será necessariamente uma dialética histórica. O
erro denuncia o vínculo do espírito com o solo das imagens que o fixam (demandando uma
psicanálise). A exigência racionalista busca liberar o pensamento dos obstáculos imaginários e
impulsiona o espírito a realizar um ato epistemológico. A psicanálise do conhecimento objetivo
analisa a gênese da formação dos obstáculos epistemológicos e visa dirimir os conflitos internos da
atividade científica, desobstruindo as barreiras ao seu pleno desenvolvimento. Entender como são
formados os obstáculos epistemológicos (a experiência primeira, conhecimento geral, o
conhecimento unitário e pragmático, o verbalismo, o animismo, o substancialismo) é de grande
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enlevo para o domínio da ciência. Superar tais obstáculos consiste em resistir à sedução da primeira
escolha, desmentir o primeiro contato, ironizar o conhecimento vulgar, negar o saber imediato,
não fornecer um caráter pragmático e unitário ao conhecimento científico com generalizações
vagas e imprecisas dos conceitos, não substituir as explicações científicas complexas por analogias,
metáforas, imagens, que devem ser um recurso acessório na elucidação da teoria e não ferramenta
principal. A compreensão dos atos epistemológicos, por sua vez, requer uma análise das três
primeiras décadas do século XX, conhecidas como período áureo da ciência, devido ao grande
poder de renovação e reorganização científica. Bachelard registra o acelerado crescimento
promovido pelas Mecânicas relativística, ondulatória e quântica que, classificadas por ele como
microfísicas, inauguram um território epistemologicamente novo. Marcadas pelas grandes
incursões da matemática nos seus desenvolvimentos epistemológicos, essas Mecânicas recortaram
o tecido do saber científico, rasgando a sua malha contínua, realizando intervenções
epistemológicas decisivas na estrutura da ciência, rompendo com paradigmas clássicos,
proclamando o declínio de princípios absolutos.

A crítica de Husserl contra o Psicologismo lógico e sua concepção de Lógica Pura

Vitória Brito da Silva (UFF)


Mestranda
Orientador: Prof. Dr. Carlos D.C. Tourinho

“Prolegômenos à Lógica Pura”, volume introdutório das Investigações Lógicas, publicado


originalmente em 1900, tem por objetivo evidenciar e fundamentar a lógica enquanto uma
disciplina teorética pura, a priori, cujo caráter equivaleria ao de uma “doutrina das ciências”, ou seja,
ao domínio de conceitos fundamentais comuns a todas as ciências e que, portanto, deve ser distinto
de quaisquer elementos de natureza fática ou psicológica. A obra é, por isso, um marco no que diz
respeito à refutação das teses do principal movimento da época acerca da fundamentação da lógica
- o Psicologismo Lógico que, grosso modo, consistia em considerar a lógica como parte/subcampo da
psicologia empírica. A crítica realizada por Husserl assume destaque porque não apenas evidencia
os equívocos na interpretação psicologista da lógica, como demonstra sistematicamente todas as
consequências e contrassensos teóricos originados a partir deste modo de consideração, sobretudo,
no que concerne à fundamentação das ciências formais, alertando-nos sobre o risco de incorrer em
relativismo. Assim, pode-se dizer que “Prolegômenos” nada versa sobre uma exposição
pormenorizada de conteúdos lógicos, trata-se, antes, de uma investigação rigorosa acerca da
epistemologia e filosofia da lógica.
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O presente ensaio tem por objetivo apresentar o argumento de Husserl contra o


psicologismo e sua importância para o estabelecimento de uma ciência teorética pura. De início,
será exposto o pressuposto segundo o qual Husserl pretende fundar a necessidade de uma
“doutrina das ciências”, bem como os seus atributos necessários. Feito isto, segue-se com a
suposição da lógica como disciplina equivalente à “doutrina das ciências”. Descrever-se-á as
definições de lógica predominantes, as quais incluem as definições oferecidas pelos lógicos
normativos e as definições oriundas dos adeptos do psicologismo lógico. É neste momento que
são apresentados os argumentos contra o psicologismo e apontadas as incorreções do modo de
conceber a lógica pelos lógicos normativos.
O argumento anti-psicologista proposto por Husserl consiste em demonstrar que o
psicologismo lógico conduz inevitavelmente a contrassensos teoréticos, os quais colocam sob
questão a possibilidade do conhecimento em geral. No que diz respeito aos lógicos normativos,
Husserl demonstra que ao conceber essencialmente a lógica como disciplina normativa ou como
técnica do pensar correto, não só é negligenciado o caráter teorético da lógica, mas também abre
margem às interpretações que reduzem a lógica ao nível de uma disciplina técnica.
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A superação da hermenêutica subjetiva na teoria do conhecimento de Spinoza

Kissel Goldblum (UFRJ)


Mestrando
Orientador: Ulysses Pinheiro

Na primeira parte da Ética, na qual Spinoza trata sobre Deus12, o autor expõe a estrutura
ontológica do mundo, baseada em uma substância única composta por infinitos atributos, cada um
dos quais modificados por infinitos modos: “Pois além da substância e dos modos nada existe, e
os modos nada mais são do que afecções dos atributos de Deus.” (SPINOZA, 2007, p. 51). Se
além de Deus não pode existir outra substância, devemos compreender o homem como um modo
de um atributo de Deus e não como uma substância separada da Natureza. Parte essencial da Ética,
os gêneros de conhecimento13, são as maneiras pelas quais é possível conhecer a substância e seus
atributos. Estes mesmos gêneros do conhecimento têm sido, tradicionalmente, analisados da
perspectiva de faculdades humanas e consequentemente são compreendidos como interpretações
de uma hermenêutica subjetiva.
Pretendo expor uma linha de análise que revela o processo de conhecer de maneira distinta,
a saber: tomando-o como o próprio meio pelo qual Deus conhece a si mesmo, isto é,
compreendendo o estudo da epistemologia spinozana como inerente à sua teoria ontológica. “Seus
três gêneros do conhecimento não se referem a três gêneros de alguma faculdade humana; ao
contrário, eles são as três maneiras pelas quais Deus conhece a sua própria natureza.”
(VINCIGUERRA, 2012, p.136)14.
Parte importante da hipótese é expor a necessidade de desqualificar a razão, do poder que
lhe fora dado historicamente, como a ferramenta epistemológica capaz de compreender a Natureza
e conduzir o homem a uma vida superior. Tampouco, assim como Espinosa propõe, meu objetivo
é acabar com a imaginação e a razão, mas sim identificar a sua posição correta na ordem do
conhecimento. Dessa forma, seria possível, segundo Spinoza, direcionar o intelecto para uma
compreensão da eternidade do presente, que não está ligada às cadeias e séries de acontecimentos
que constroem as imagens da existência. Este estado só pode ser alcançado com a compreensão
exata do método. Abandonando a ideia do indivíduo antropomorfizado, em direção à compreensão
da realidade, por meio da perspectiva da eternidade através da ciência intuitiva. “Não é mais o
entendimento finito que conclui as propriedades uma por uma, que reflete tanto a coisa e explica

12 Vale ressaltar aos não familiarizados com o conceito de Deus na obra de Spinoza - endende-se Deus como Natureza
ou Substância, ou seja, Spinoza não conserva nenhuma característica religiosa ou antropomórfica de Deus.
13 Cf. SPINOZA B. Ética, Parte II, Proposição 40 (2007, pp. 130-134). Os três gêneros do conhecimento, a saber, a

imaginação, a razão e intuição estruturam aquilo que podemos chamar de teoria do conhecimento de Spinoza.
14 “His three kinds of knowledge do not refer to three different human faculties; instead, they are the three ways in

which God knows his own nature, modified as it is by infinite and finite modes, some of them human ones.”
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em relação à outros objetos. É a coisa que se exprime, é ela mesma que se explica” (DELEUZE,
1968, P.8)15.

15“Ce n’est plus l’entendement fini qui conclut des propriétés une par une, qui réfléchit sur la chose et l’explique en la
rapportant à d’autres objets. C’est la chose qui s’exprime, c’est elle qui s’explique.”
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29/11 – 18h-19h30 / Mesa 3: Educação e Política

A questão Moderna da Cidadania e suas implicações para o ensino de Filosofia

Guilherme Celestino Souza Santos (PROPGPEC do Colégio Pedro II)


Mestre
Orientador: Rommel Luz Figueira Barbosa

A questão deste trabalho é a de como fazer das aulas um espaço de construção da vivência
da experiência cidadã por uma didática filosófica aplicada ao currículo escolar no nível do Ensino
Médio. Pretende-se com isso esboçar uma proposta didática para que a prática da cidadania
encontre um ponto de apoio no dia a dia das relações de ensino e aprendizagem dentro e fora das
salas de aula. Tendo em vista esses objetivos, buscar-se-á na discussão filosófica iluminista as bases
desse trabalho. Deve-se ao regime político democrático o tipo de cidadania que é refletido pela
Filosofia Iluminista, e este envolve sempre um regime de liberdade e igualdade. A cidadania
significa a fração de poder dos sujeitos em um regime político, especialmente no democrático.
Formar para a cidadania envolve fazer cada cidadão entender sua própria potência, como ele pode
atuar e transformar o espaço comum que constitui a política; e também distinguir qual seja o tipo
de vício ou defeito precisa ser evitado e desestimulado desde cedo nos jovens. A questão da
cidadania moderna segue o contexto da política e da racionalidade específicas à modernidade
definindo um campo próprio de oposições: contratualistas e iluministas; racionalistas e
passionalistas. Na primeira oposição encontramos Hobbes, Hume, Locke, em um polo, no qual a
cidadania é pensada pela restrição jurídica da liberdade, cujo ápice é certamente o modelo
hobbesiano e a forte tendência ao relativismo gnosiológico na tendência mais empirista desses
autores, cujo ápice certamente está em Hume. Se opondo a esses há no polo oposto os iluministas
mais radicais como Kant e Rousseau, que buscam algo mais do que a tradição e a mera repressão
dos instintos como o fundamento da formação ética do cidadão. Por sua vez os iluministas se
opõem entre si em um polo em que direciona esse processo mais para as faculdades racionais,
como no modelo kantiano, que em grande medida orienta a pedagogia clássica, e o outro polo, o
rousseauniano que coloca a educação sentimental como um eixo central, abrindo espaço para um
papel dos processos psicológicos e de maturação cognitiva, que irá nortear grande parte do
humanismo pedagógico mais progressista. A filosofia moderna iluminista reflete as experiências
democráticas no interior do Estado moderno, e por mais que desde a o advento da modernidade
política e iluminista em pleno século XVIII na Europa, ainda hoje o mundo contemporâneo não
apresentou modelo de cidadania, outro que o iluminista moderno, por mais devastadores que foram
as críticas no plano filosófico, ou foram mais ou menos bem sucedidos os experimentos socialistas
70

do século XX. É nesse modelo mesmo em que é possível hoje se apoiar. Certamente nisso está
implicada a dificuldade de se superar o imaginário liberal de uma autoconsciência obediente e de
uma liberdade vigiada, para um exercício da consciência crítica e da liberdade das iniciativas mais
“livre” e autêntico. De todo modo começa-se por querer formar um cidadão ao modo iluminista
mesmo. A escola contemporânea falha ao abandonar o autoritarismo da escola clássica e pedagogia
tradicional se não souber sofisticar a formação da cidadania, apontando para outras formas e não
simplesmente abrindo mão de ter um papel ativo na formação ética e cidadã de seus estudantes.

A crítica marxiana do entendimento político e sua superação nos idos de 1843 e 1844.
Uma proposta de análise a luz do 'estatuto' de José Chasin

Victor César Fernandes Rodrigues (UFJF)


Mestrando (FAPEMIG)
Orientador: Ronaldo Vielmi Fortes

Este trabalho tem a pretensão de situar a transição teórica operada por Marx nos idos de
1843 e 1844, baseadas na forma como José Chasin expõe a referida transição, cujo eixo de análise
se apoiará na superação marxiana do entendimento político em prol do entendimento social, como
fonte de sua intelecção originária. A crítica do entendimento político e sua superação nos idos de
1843 e 1844 constituem, ademais, o florescimento propriamente marxiano de Marx, razão pela qual
será analisado neste texto o problema da gênese do pensamento de Marx, partindo da premissa de
que tal gênese se processou no interior da superação do entendimento político em prol do
entendimento social.
Nesse sentido, pretende-se demonstrar que o entendimento político para Marx é posto
como incapaz de captar a essência do social e de compreender sua função no marco da matriz social
esfacelada que a conduz e a determina; vale dizer, à conservação desse esfacelamento através da
manutenção desses limites essenciais nos quais o entendimento político aparece com autentica
incapacidade de senso crítico, cuja função social se limita a não poder ver e a supor inexistentes os
mesmos nexos essenciais desse aparecer e de conservá-los, mantê-los a todo custo. Ângulo de visão
do qual decorre a unilateralidade dos aspectos que priorizam a subjetividade, ante um entendimento
incapaz de acessar o “oceano do social”, fortemente, por isto, voltado para os interesses particulares
que constituem as diversas motivações de cunho arrivista-oportunista. Precisamente porque o
isolamento da subjetividade falsifica e limita a complexa relação da qual emerge, que o
entendimento político reitera a prática personalista, dotando-a de elementos místicos ornados de autonomia
inválida, cuja manutenção inviabiliza a transformação radical da sociedade. A hipóstase da
subjetividade enaltecida à mesquinhez de seu papel messiânico, em cujo contorno é incapaz de
71

reconhecer os indivíduos como forças sociais a se integrarem, torna o entendimento político refém
de apriorismos mesclados com a sagração mascarada da manutenção da ordem antissocial que vige
por detrás desse véu aparente de solidariedade de classe. É nesse preciso sentido que é preciso fazer
saltar o entendimento político aos patamares efetivos da intelecção social, em cuja analítica encontra
ressonância na qualidade ontologicamente posicionada na essência do social, e não nos rasteiros e
melindrosos aparatos desfiguradores e corpulentos do entendimento aparente da política. É o que
nos mostra o Marx dos idos de 1843 e 1844.
Com efeito, segundo Chasin16, o entendimento político é o mais raso dos entendimentos
porque parte sempre da subjetividade enaltecida por esse isolamento “fantástico” que lhe constitui.
Ao que contrapõe o entendimento social, a partir de Marx, como o mais elevado porque constitui
o desvelamento objetivo que não apenas imiscui a subjetividade de conteúdo, como também reitera a
prática da descoberta e da perspectivação da totalidade. Enquanto o entendimento político falseia,
posto que limitado aos resquícios do Estado como demiurgo da sociedade civil, o segundo orienta
e mobiliza a crítica universal.

O paradigma imunitário de Roberto Esposito: uma abordagem sobre identidade e


reconhecimento

Simã Catarina de Lima Pinto (UFF)


Mestranda
Orientadora: Letícia Veloso

O paradigma imunitário de Roberto Esposito traz em si um outro conceito que lhe é


inerente. Isso se dá porque há na imunidade dois polos que se contrapõem no sentido de “ou o
poder nega a vida ou aumenta o seu desenvolvimento; ou a violenta e exclui ou a protege e
reproduz; ou a objetifica ou subjetiviza” (ESPOSITO, 2010, p. 74). O outro referido conceito,
inerente à imunidade diz respeito à communitas. Sua presença é intrínseca à immunitas na medida em
que só se compreende esta tratando-se do mesmo modo aquele. Trata-se de conceitos opostos de
forma que a compreensão de immunitas pressupõe o seu contrário na medida em que, enquanto
este nega a vida a fim de preservá-la e conservá-la, ao privar os indivíduos da vida em comum, da
contínua abertura ao outro e ao que lhe é externo; a communitas, em oposição, evoca uma
subjetividade coletiva por meio de uma reciprocidade afetiva na qual interesses comuns são
partilhados e vividos coletivamente. A obrigação de uns em relação aos outros é inerente a essa
subjetividade partilhada e impessoal. Nesse sentido, a partir da compreensão de ambos os conceitos

16 CHASIN. J. “Estatuto Ontológico e Resolução metodológica” Ed. Boitempo. 2009.


72

propõe-se uma abordagem sobre identidade e reconhecimento, ante o contexto paradoxal que o
paradigma imunitário apresenta, uma vez que a imunização, ao mesmo tempo que visa preservar e
proteger a vida, nega a vida, porque impõe ao sujeito uma submissão assentida, a qual deve se dar
sem qualquer resistência. Por conseguinte, a conservação da vida submete o organismo a uma
condição que diminui sua potência expansiva, um poder que o coage e lhe é exterior, contra o qual
ele não resiste, já que ocorre a introjeção de uma parte daquilo que se apresenta com uma ameaça.
Em outras palavras, um fragmento do inimigo é colocado dentro do organismo a fim de que se
mantenha conservado. A consequência disso é que a imunidade pressupõe a prevalência da
individualidade, o que se opõe à communitas, pois, enquanto esta relaciona seus membros
reciprocamente numa relação de interdependência, aquela nega a doação recíproca de seus
membros e os individualiza ao dispensar as obrigações existentes entre eles. As obrigações comuns
são dispensadas e os membros são liberados à sua própria individualidade, a partir do que se
estabelecem relações sociais de obediências contratuais por meio das quais as relações sociais são
preestabelecidas e a vida vivida é renunciada em seu próprio viver. Seria impossível, “não
reconhecer o resíduo de irracionalidade que se insinua nas dobras do mais racional dos sistemas: a
vida é conservada pressupondo seu sacrifício.” (ESPOSITO, 2003, p. 43). Trata-se, ainda, de um
conceito que se insere dentro do contexto da modernidade, já que esta dá lugar a esse “mecanismo
sacrificial”, na medida em que a modernidade se autolegitima e desliga o sujeito de “todos os laços
sociais, de todo vínculo natural, de toda lei comum.” (ESPOSITO, 2003, p. 43). O Autor, com base
no paradigma imunitário, aponta para uma substituição ou uma relação contraditória anônima do
tipo comunitário pelos “modelos privatísticos ou individualistas” (ESPOSITO, 2010, p. 80), o que
está em consonância com a modernidade e seus ideais iluministas que culminaram nos paradigmas
relacionados ao indivíduo o qual passa a ser um sujeito de direitos individuais que trazem consigo
a ideia da imunização cujo núcleo se baseia naquilo que não tem nada em comum ou não é comum
com os outros. É , portanto, no contexto contemporâneo, no qual a imunidade tem seus
pressupostos reforçados, que surgem grupos sociais identitários em busca de reconhecimento, o
que demonstra o aspecto paradoxal do paradigma imunitário, pois, ao mesmo tempo que ele causa
um distanciamento dos indivíduos – o que o distingue da communitas –, por outro lado, causa
também a necessidade de grupos excluídos resistirem à mesma lógica imunitária a qual contribui
tanto para a individualidade quanto para o fortalecimento de grupos sociais identitários.
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29/11 – 14h-16h / Mesa 4: Renascimento

A renúncia de Pascal às filosofias de Epíteto e Montaigne: uma análise sobre o Colóquio


com o Senhor de Saci

Bruno de Figueiredo Alonso (UFF)


Mestrando
Orientador: Celso Martins Azar Filho

O Colóquio com o Senhor de Saci é uma obra atribuída à Pascal cuja dúvida sobre a real autoria
rendeu uma série de discussões em torno da desconfiança sobre quais foram as verdadeiras
condições e sobre as etapas que levaram à produção desse texto.17 É um diálogo que supostamente
reproduz uma conversa de Pascal com o seu mentor religioso. O Senhor de Saci orienta Pascal
sobre os perigos dos ensinamentos de Epíteto e Montaigne, que representam duas das mais
notáveis escolas helenísticas: o estoicismo e o ceticismo. Essa obra seria então um alerta de Pascal,
sobre o perigo dessas tendências filosóficas, que seriam incompatíveis com visão de mundo
pregada pela Igreja.
O estoicismo de Epíteto compreende a natureza humana como dotada de um poder
extraordinário, capaz de superar todas as intempéries, toda turbulência e perturbação provocada
pelo mundo exterior. É verdade que a lógica ascética que perpassa a filosofia estoica parte de
premissas completamente diversas das pregadas pelo pensamento cristão. O estoico deposita
apenas em si mesmo o compromisso de viver virtuosamente. O cristão, em contrapartida, é
incrédulo no que diz respeito à perfeição da razão humana e acredita que a santidade e a virtude
sejam resultados de uma interferência divina. A questão da miséria da natureza humana, alicerce
do cristianismo, vai de encontro com o idealismo dos estoicos. Acusa Pascal, Epíteto ignora os
limites da natureza humana e dá à ela um dever que vai além das suas próprias capacidades. O

17 Jaimir Conte, na apresentação da sua tradução, explica um pouco da complexidade dos fatos que remontam à
verdadeira origem do texto de Pascal: “Publicado pela primeira vez em 1728, o Colóquio com o senhor de Saci sobre Epicteto
e Montaigne não é, estritamente falando, um texto de autoria do próprio Pascal. Trata-se de uma reconstrução de um
diálogo ocorrido em janeiro de 1756 entre Pascal e o seu confessor e também diretor da abadia de Port-Royal des
Champs, o Senhor de Saci. A reconstrução foi realizada pelo secretário do Senhor de Saci, Nicolas Fontaine, nas suas
Mémoires redigidas em 1696. Alguns estudiosos da obra de Pascal sustentam que o texto não é o resultado estenogáfico
de uma conversa como disto poderia dar a impressão as Memórias de Fontaine, graças a quem ele foi conservado. Não
se trata também da reconstituição feita de memória do diálogo. Paul-Louis Couchoud e, depois dele, Geneviève
Delassault viram neste texto fragmentos de cartas arranjadas sob a forma de conversação. Para Pierre Courcelle,
Fontaine teria trabalhado a partir de compilações de excertos de Epicteto, de Montaigne e de Santo Agostinho, feitos
por Pascal e pelo Senhor de Saci em vistas de um colóquio que teria efetivamente acontecido. Segundo Jean Mesnard,
o que Fontaine teve em mãos ao redigir suas Mémoires, foi um documento de um tipo extremamente divulgado, um
escrito composto pelo próprio Pascal, encontrado entre os papéis do Senhor de Saci, nas margens do qual este tinha
feito suas observações. Fontaine, neste caso, teria simplesmente sintetizado os vários elementos de que dispunha”
(PASCAL, Blaise. Colóquio com o Senhor de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, 2005, p. 185–186)
74

ascetismo de Epíteto foi uma referência para o modo de vida austero que era disseminado pelos
mosteiros espalhados pela Europa. Não há como negar a influência do estoicismo no
desenvolvimento da teologia cristã. Na patrística, talvez mais do que na escolástica, há um enorme
sentimento de identificação com as práticas e os ensinamentos que foram deixados pelos estoicos
e pelos neoplatônicos. Mas quando a questão da fé religiosa entra em jogo não há como equalizar
uma tradição com a outra. Para Pascal, Epíteto exige da natureza humana algo que ela não pode
atingir por si mesma, a tão sonhada virtude, que para um cristão só pode ser realizada por
intermédio de uma revelação divina.
O pirronismo de Montaigne, por outro lado, seria um perigo ainda maior para as ambições
de Pascal. O seu desprezo pelo homem e a total descrença no poderio da razão provocam um
niilismo sem precedentes, que põe o homem em um estado de miséria espiritual. Nem mesmo a fé
seria capaz de nos livrar dos vícios, parte essencial da nossa natureza, fraca e imperfeita,
contraditória e ambivalente.18 Seria Montaigne um inimigo da cristandade? Para Pascal ele é um
risco potencial, porque desqualifica o tipo de relação que o cristão tem com a religião. Montaigne
ignora qualquer possibilidade de existência de uma influência divina sobre a natureza humana.
Nesse sentido podemos dizer que Montaigne pensa como um filósofo helenista: a responsabilidade
ética é depositada única e exclusivamente no indivíduo. O forte poder de influência da filosofia
ensaística e o estilo livre de Montaigne incomodaram os pensadores cristãos, que se viam em um
beco sem saída, pois não conseguiam manipular os seus escritos para fazer deles um veículo de
pregação da fé religiosa.

O Conceito de Bárbaro em Montaigne: Um olhar sobre os Tupinambás

Isaac Rabelo Dobbin (UFF)

18 “Perdoar-se-ia aos filósofos de outrora, que se chamavam Acadêmicos, por colocarem tudo em dúvida. Mas que
necessidade tinha de distrair seu espírito renovando uma doutrina que é considerada agora pelos cristãos como uma
loucura? (...) e como dizeis sobre Montaigne que é pela dúvida universal que ele combate os heréticos de seu tempo,
foi também por essa mesma dúvida dos Acadêmicos que Santo Agostinho abandonou a heresia dos maniqueus. (...)
Reconheceu com quanta sasbedoria São Paulo nos adverte para não nos deixarmos seduzir por estes discursos. Pois
ele confessa que há nisso certo encanto que arrebata. Às vezes acredita–se que as coisas são verdadeiras só porque são
ditas de maneira eloquente” (PASCAL, Blaise. Colóquio com o Senhor de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, 2005, p. 197–198).
75

Mestrando
Orientador: Celso Martins Azar Filho

Este trabalho tem como objetivo analisar o ensaio intitulado “Dos Canibais”, do autor
francês Michel de Montaigne, no qual o filósofo realiza uma análise da cultura dos tupinambás do
Novo Mundo, mais precisamente dos habitantes do Rio de Janeiro, da França Antártica de
Villegagnon. A análise se centrará no conceito de bárbaro e na maneira como o mesmo, desde sua
origem manteve, em grande medida, uma tintura etnocêntrica na delimitação do civilizado e do
selvagem. Deste modo, a reflexão acerca desse conceito se dará por duas vias: o bárbaro como o
outro e como o sem civilização. A análise da visão dos europeus sobre os nativos ameríndios se
dará a partir de duas perspectivas: pelo olhar dos portugueses e dos franceses.
A pesquisa a qual me proponho a apresentar é um aprofundamento do meu trabalho de
conclusão de curso de graduação na Universidade Federal Fluminense, no qual analisei o conceito
de bárbaro em Montaigne a partir de sua visão sobre os tupinambás no ensaio XXXI, do Livro I
dos Ensaios, intitulado “Dos Canibais”. No projeto atual, pretendo ampliar o foco da investigação
e analisar, também, a visão dos portugueses sobre os nativos do Novo Mundo, destacando a visão
etnocêntrica do colonizador, considerando a percepção da antropofagia indígena no cenário dos
conflitos religiosos ocorridos na Europa.
Primeiro ponto a ressaltar é que o movimento humanista, decorrente do Renascimento, e
do qual Montaigne faz parte, é um movimento de redescoberta da cultura dos antigos (greco-
romana). Neste momento histórico ocorre uma “espécie de deslocamento que permite aos homens
da renascença pôr em perspectiva sua própria cultura” (AZAR FILHO, 2010, p. 1). Neste contexto,
o autor faz uma análise sobre os ameríndios antropofágicos do Brasil e coloca em questão os
costumes dos seus conterrâneos:

chama de bárbaro o que não é de seu uso – como em verdade, não parece que
tenhamos outro padrão de verdade e de razão que exemplo e ideia das opiniões
e usanças do país de onde somos. Lá está sempre a religião perfeita, o regime
político perfeito, o emprego perfeito e acabado de todas as coisas.
(MONTAIGNE, 2009, p. 51).

No trecho citado acima, o autor utiliza os tupinambás para realizar uma crítica aos seus
próprios costumes, tentando levar o leitor, por meio de uma construção retórica, a perceber que
aquilo que sua sociedade considerava como selvagem/bárbaro é aquilo que escapa dos costumes
de sua terra, afirmando que aquilo que é diferente do costume europeu é classificado pelos seus
conterrâneos como bárbaro.
76

Montaigne foi quem melhor refletiu em sua época sobre a questão do relativismo cultural,
colocando como contraponto à sua cultura o tupinambá brasileiro das terras da França antártica.
É importante ressaltar que o autor, enquanto pensador, tinha em sua postura a intenção de
descrever o ser humano em sua diversidade. Ele possuía uma postura de investigação, não pretendia
“julgar” a humanidade, queria descrevê-la. O filósofo queria “investigar a diversidade das formas
de vida de que os seres humanos são capazes” (MONTAIGNE, 2009, p. 9). Pretendemos, ao longo
da investigação, analisar mais profundamente como o autor tece uma crítica aos costumes de seus
conterrâneos e como o hábito de antropofagia indígena é uma prática de alteridade plena, que tem
como objetivo manter a cultura e a sociedade Tupinambá.

As funções do princípio de plenitude para a cosmologia e para o atomismo de Giordano


Bruno

Willian Ricardo dos Santos (UFMG)


Doutorando (FAPEMIG)
Orientador: Newton Bignotto de Souza

A demonstração de Giordano Bruno acerca da infinitude do universo se realiza em dois


passos argumentativos. O primeiro passo é de caráter físico, pois se concentra na desarticulação do
conceito aristotélico de lugar e na defesa de um espaço tridimensional e ilimitado. O segundo passo
se dá desde uma discussão metafísica pela qual Bruno reduz ao absurdo a ideia de que a infinita
potência criadora de Deus seria regulada por sua vontade e que resultaria na finitude da sua obra.
Para Bruno, porém, a onipotência de Deus não sofre qualquer limitação, seja ela interna ou externa.
Não sofre limitação interna porque Deus é unidade absoluta, portanto seus atributos não se opõem.
Isto é, sua vontade, poder e fazer coincidem plenamente. Se a potência de Deus é infinita, então
seu desejo também é infinito, e se realiza por completo em uma ação infinita. A ação divina também
não poderia ser minimizada por nenhum fator externo, uma vez que não há nada que exista fora
do uno que possa constranger sua ação. Ora, nada pode se opôr à divindade uma vez que tudo que
existe tem sua existência assegurada por aquela unidade absoluta. Deste modo Bruno conclui que
Deus se expressa completamente em uma ação infinita, o que resulta em um corpo sensível de igual
grandeza: o universo infinito. Bruno argumenta ainda que qualquer tentativa de limitar a ação divina
ou sua obra pode ser vista como uma atitude injuriosa para com Deus, pois ou bem recusa sua
onipotência ou bem visa torná-la supérflua, uma vez que sua capacidade jamais se efetivaria em um
ato equivalente. Esta é a expressão bruniana daquilo que Lovejoy chamou de princípio de plenitude.
É deste modo que Bruno rompe com o histórico debate em que se buscava conciliar a onipotência
e liberdade de Deus com a frustrante finitude e precariedade da sua obra. A interpretação aqui
77

sugerida acerca da adesão bruniana ao princípio de plenitude vai além dos aspectos cosmológicos.
Sugere-se que tal princípio serve ainda como fundamento ontológico para a recusa de Bruno da
tese aristotélica da divisibilidade infinita da matéria. Isto pode ser confirmado primeiro em
Camoeracenses Acrotismus e depois em De triplice minimo, onde o Nolano finaliza sua teoria atomista.
Um dos argumentos de Bruno é o de que se um corpo pudesse ser infinitamente dividido então
ele teria em potência uma infinitude de partes, as quais se atualizariam sucessivamente ao longo do
processo de divisão. Tal corpo, porém, teria em ato um conjunto sempre finito de partes. A crítica
bruniana concentra-se em larga medida neste desequilíbrio entre a potência de ter infinitas partes
e o ato de ter um número finito de partes. Para Bruno, o fato da matéria ter uma potência que não
é atualizada frustra a potência ativa. Ora, este argumento é essencialmente o mesmo utilizado na
demonstração da infinitude do universo. Em ambos os casos Bruno defende a equiparação da
potência com o ato. Conclui-se então que a constante reivindicação bruniana de que uma potência
requer um ato de igual intensidade fundamenta tanto o infinitamente grande, o universo infinito,
quanto o infinitamente pequeno, os infinitos átomos. Os dois pólos do ser estão, portanto,
justificados por um mesmo princípio ontológico, ao qual Bruno adere de forma radical e que acaba
por conferir coesão a sua filosofia da natureza.
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Montaigne, educador

Alan Barbosa Buchard (UFF)


Mestre (CAPES)
Orientador: Celso Martins Azar Filho

Esta comunicação tem como objetivo apresentar a leitura de Michel de Montaigne (1533-
1592) sobre a educação, destacando as características do ensino elaborado pelo filósofo, bem como
a crítica à estrutura educacional das escolas de sua época. Um dos principais representantes do
humanismo renascentista francês, Montaigne é um autor central para pensarmos a relação entre
ensino de filosofia e a metodologia humanística que hoje está ameaçada nas escolas brasileiras.
Portanto, a leitura de “Montaigne como Educador” (H. Nivesse) será feita a partir do ensaio “Do
pedantismo” (I, 25), no qual o filósofo produz uma precisa crítica sobre a estrutura escolar, que no
século XVI estava centrada na figura pedante do maistres de science; igualmente, do ensaio “Sobre
a educação das crianças” (I, 26), onde Montaigne apresenta que há de mais próximo de uma teoria
pedagógica em toda sua obra.
No ensaio sobre o pedantismo, nos serviremos da crítica deliberada de Montaigne aos
filósofos que ele diz serem “desprovidos de senso prático” ; professores de filosofia que estão,
acima de tudo, preocupados como um saber erudito (“professoral”), que não possui nenhuma
relação direta, prática, com a experiência cotidiana dos estudantes. O questionamento é direcionado
à estrutura das instituições de ensino da Renascença, bem como à metodologia de aprendizagem
empregada pelos educadores escolásticos e humanistas.
Por sua vez, no ensaio “Da educação das crianças” (I, 26) o que observamos é a tentativa
de Montaigne em propor um método pedagógico alternativo e eficaz, que fosse adequado à
educação da nobreza. Apesar de ser uma pedagogia aristocrática – Montaigne não se pronuncia
sobre a educação das crianças do povo –, a educação teorizada pelo filósofo nos serve como um
modelo ou paradigma para problematizar a práxis educacional no contexto brasileiro, uma vez que
a proposta montaigniana é por uma educação baseada na liberdade individual dos sujeitos, atenta à
inclinação natural de cada um, estruturada fora do modelo repressor e coercitivo.

No Cahiers de l’Éducation, Henri Nivesse nos atenta para o fato de que quatro séculos
antes de Michel Foucault (1922-1984) denunciar o “encarceramento” dos estabelecimentos
escolares, Montaigne já reconhecia na escola uma instituição de controle da mentalidade e dos
corpos. Tanto as análises de Montaigne sobre o encarceramento do sistema escolar, quanto as
leituras de Foucault nos revelam quadros da realidade educacional nos quais os estudantes estão
79

submetidos à regimes disciplinares. O desejo último desta comunicação é apontar para um possível
diálogo entre esses dois autores da filosofia francesa.
80

29/11 – 16h15-18h15 / Mesa 5: Conhecimento e Subjetividade

“A força de que dispõe a alma para mover o corpo”: o interacionismo causal de Descartes

Anna Beatriz Figueiredo Pereira da Silva (UFRJ)


Mestranda (FAPERJ)
Orientador: Ethel Rocha

Discutir ontologia é tentar decifrar e porventura descrever a estrutura do real em toda sua
magnanimidade. Quando se fala especificamente no pensamento de Descartes, tem-se em mente
um projeto de compreensão do mundo através de duas lentes: uma realidade mental paralela às
engrenagens do mecanicismo. O presente trabalho supõe que o fatídico ingrediente para o
funcionamento do mundo como concebido pelo filósofo francês seja o encontro oportuno entre
esses dois planos, ao invés de um mundo fraturado. A chave para essa ontologia é justamente
entender que a sua essência não é o fato do dualismo e sim da mescla completa, que ainda conserva
a identidade de seus ingredientes. Talvez entender ou compreender nem sejam as palavras certas,
uma vez que o próprio Descartes julgou essa sua metafísica impossível de ser plenamente
apreendida filosoficamente. Um embaraço para o propositor de uma antropologia cartesiana são
justamente essas duas perspectivas que refletem o homem: de um lado, o conhecimento sensível é
testemunha de uma união íntima; de outro, a reflexão filosófica fundamenta um dualismo radical.
Isto é: a união substancial entre mente e corpo é matéria das sensações, experimentada a todo
momento por nós, sem que seja necessária reflexão. Enquanto isso, a distinção real, na contramão,
é da ordem do entendimento e concebida a partir de um argumento com respaldo apenas nas ideias
claras e distintas – isto é, temos a ideia da alma como substância pensante e não extensa, ao mesmo
tempo em que temos a ideia do corpo enquanto substância extensa e não-pensante, o bastante para
provar que são duas substâncias inteiramente diferentes, no sentido literal.
Como concatenar essas duas facetas do homem cartesiano? Segundo Descartes, parece ser
impossível que o intelecto humano consiga conceber ambas no mesmo instante, “isto porque é
necessário, para tanto, concebê-los como uma única coisa, e conjuntamente concebê-los como
duas, o que se contraria” (AT III 692). Talvez seja esse titubear, esse nó, aquilo que torna o assunto
tão controverso, quase uma anedota mitológica: era uma vez um filósofo muito distinto, que
formulou duas teses contraditórias e tentou abrigá-las dentro do mesmo corpus filosófico. O que
mais há de difuso é a continuação dessa suposta narrativa: ao formular a união, Descartes teria
abandonado o dualismo? Ou talvez preconizado uma das duas visões em detrimento da outra? Há,
inclusive, quem ressalte que é tratada timidamente uma forte consequência dessa contradição
conceitual: como se explica a interação entre as duas substâncias? Quando um homem decide
81

caminhar, é a substância pensante que detém a faculdade da volição, porém é a substância extensa
que se desloca espacialmente – como os dois eventos se relacionaram?
Este trabalho se debruça sobre a questão do interacionismo causal em Descartes, tese que
chegou a ser considerada um escândalo conceitual e inaugurou o problema mente-corpo na história
da filosofia. A proposta é analisar, em um primeiro momento, quais são as teses do dualismo
cartesiano que seriam impeditivas de um interacionismo entre as duas substâncias. Ou seja, mais
especificamente, analisar a tese do atributo principal, presente nos Princípios da Filosofia, segundo
o qual alma e corpo teriam naturezas distintas e excludentes. Um segundo momento trará para a
discussão a união substancial, através de uma discussão do conceito de noções primitivas,
particularmente através da noção de união, através da qual compreenderíamos a noção de interação.
Por fim, além de discutir os meandros da ontologia cartesiana, traremos também para a discussão
a causalidade em Descartes, mostrando teses que seriam igualmente impeditivas do interacionismo,
como a tese da semelhança entre causa e efeito.

A melancolia de Elisabeth

Carmel da Silva Ramos (UFRJ)


Doutoranda (CAPES)
Orientador: Ulysses Pinheiro

O termo melancolia, como demonstra Starobinski, é uma sobrevivência da doutrina dos


quatro humores. Designa, literalmente, “atra bilis”, isto é, a bile negra, que ao lado da bile amarela,
do sangue e da fleuma, compunha os quatro humores do corpo humano, segundo, por exemplo,
as teses de Hipócrates. Trata-se do mal que sofria Demócrito, classificado por seus compatriotas
de Abdera como louco, por rir descontroladamente de tudo que lhe era apresentado. Foi preciso a
presença de Hipócrates para dar o diagnóstico final: não se tratava de loucura de Demócrito, mas
de loucura daqueles que o julgavam louco. Além da associação com a loucura, encontramos, num
fragmento atribuído a Aristóteles, um tratamento da melancolia enquanto signo dos
temperamentos destacados: em especial dos filósofos, políticos e poetas. No contexto do século
XVII, a referência imediata é Robert Burton, que recuperou a teoria humoral, bem como a imagem
de Demócrito, em seu A Anatomia da Melancolia, a ponto de assinar seu prefácio satírico como
“Demócrito Júnior”. No mesmo período, um comentário pouco apreciado é, no entanto, o de
Descartes – que, embora não tenha dedicado a esta doença espiritual qualquer abordagem
sistemática, não deixa de assinalá-la em momentos notáveis de sua obra. Além da controversa
passagem da Primeira Meditação, que menciona a bile negra e o caso dos homens que acreditam
ter corpo de vidro – lugar-comum da literatura erudita da época, também trabalhado numa novela
82

de Cervantes –, há pelo menos dois outros momentos em que a melancolia surge em seu corpus: no
diálogo La Recherche de la Vérité par la lumière naturelle e na correspondência com Elisabeth. Da mesma
forma que nas Meditações, a alusão à melancolia ocupa, na Recherche, uma função argumentativa
determinada: Eudoxe a apresenta como um grau de radicalização da dúvida em relação aos sentidos.
A correspondência com Elisabeth, por contraste, é um contexto dialógico privilegiado, pois travado
com uma interlocutora assumidamente melancólica. Observa-se, na correspondência, toda uma
tentativa de dar conta do “caso Elisabeth”: oferecendo-lhe uma patologia e uma terapêutica que
englobam, curiosamente, tanto elementos propriamente cartesianos quanto teses da tradição. O
movimento de retomada e atualização destas posições, concluído a partir da investigação
genealógica, nos suscitará a seguinte questão: por que, quando confrontado com as ciências
relativas à união da alma com o corpo – nomeadamente com a medicina, a moral e a política –, a
herança da tradição parece ter algum valor, ao contrário do papel quase nulo que desempenha na
investigação metafísica? Como compreender a existência de duas tendências conflitantes: a
resolução de, uma vez na vida, desfazer-se de todas as opiniões a que anteriormente dera crédito e
a conservação de temas e explicações canônicas? Sem procurar eliminar esta tensão, nossa hipótese
é a de que a impossibilidade de pensar clara e distintamente os fenômenos relativos à união inclina
Descartes a construir, no que se refere às ciências práticas, um novo registro discursivo.

A dicotomia intelecto/corpo na “Regra I” de Regras para a orientação do espírito e a


necessidade de sua pressuposição como justificativa da generalidade da aplicação do
método cartesiano

Filipe Monteiro Morgado (UFF)


Mestrando (CAPES)
Orientador: Carlos Diógenes Côrtes Tourinho

Este resumo objetiva vaticinar uma breve exposição da tese cartesiana que justifica a
generalidade do método proposto por Descartes. Trata-se da tese da dicotomia intelecto/corpo,
localizada já na “Regra I” de Regras para a orientação do espírito, obra da juventude de Descartes e que
é mais metodológica que metafísica. No entanto, ela possui temas metafísicos. Essa dicotomia entre
intelecto e corpo é temática sumária à metafísica e à epistemologia cartesianas. A obra supracitada,
a datar logo de sua primeira regra, esteia um antiempirismo no campo da ciência. Faz-se necessário
ir de encontro ao empirismo, por quê? A afirmativa empirista de que todo conhecimento tem sua
origem na experiência implica na conclusão que há um mundo que serve informações, objetos que,
à serventia, deixam saberes ao sujeito de conhecimento, cuja função é absorve-los. Os sentidos
notam objetos que lhes são alheios, objetos externos àquele que sente, àquele que é possuidor dos
83

sentidos. Tem-se, pois, o entendimento de que há, de um lado, o sujeito cognoscente e que somente
conhece através da sensibilidade e, de outro, o objeto que é conhecido. Mais: não se pressupõe só
que há alguém que possui sentidos e que há um mundo só lhe é acessível empiricamente, mas,
também e isto é sumário de ser frisado, que é desse perceptível, dos objetos externos que são
notados pelos sentidos, que o conhecimento jorra. Em suma, para o empirismo, no dualismo
sujeito e objeto, este têm, na aquisição do conhecimento, primazia com relação ao sujeito, haja vista
que é daquele que o conhecimento origina-se e vai na direção deste; e, os sentidos, no sujeito, é o
primado da ciência, posto que, sem a sensibilidade, não haveria, absolutamente, conhecimento
sobre qualquer coisa, dado que é a ela que os saberes que emanaram dos objetos vai. O intelecto,
conforme a tese empirista, encontra-se subjugado ao conhecimento que é nascido do mundo
objetivo aos sentidos do sujeito. Por conseguinte, no empirismo, dado que são os objetos que
fornecem ao sujeito conhecimento, o intelecto variaria conforme a diversidade dos objetos aos
quais é aplicado. A resposta ao inquérito feito acima é, então: para o método cartesiano poder ser
aplicado genericamente, método que é a expressão do modo de operação da razão, é preciso que o
intelecto e, logo, seu modo de operar expresso na metodologia cartesiana, não varie conforme se
diversificam os objetos sobre os quais se debruça. Importa salientar que essa inversão da marcha
do pensamento é feita já na “Regra I” das Regras, expondo-se o dualismo entre o corpo e o intelecto,
que é salutar ao cartesianismo. O intelecto ocupa-se com a ciência e, o corpo, por seu turno, com
as artes. Estas não devem ser praticadas concomitantemente, não deve ser um homem que cultive
diversas delas, pois não é melhor com cítara aquele que se dedica a ela e a outras artes do que se só
se aplicasse a esse instrumento. Concernente às ciências, não acontece o mesmo, haja vista que são
componentes da sabedoria humana, que não distingue seus objetos tal como a luz do Sol não
discrimina as coisas a alumiar. Agora, o intelecto não permanece subjugado aos objetos com os
quais se ocupa; põe-nos sob si. Doravante, o intelecto, antes agrilhoado ao mundo pressuposto
fornecedor de saberes, toma sua liberdade, não sendo mais sujeito aos objetos e, sim, sujeitando-
os a si, porquanto não há mais um conhecimento intrínseco aos objetos. O intelecto torna-se ativo
na confecção do saber científico.

O Anti-intelectualismo de Bergson

Julio Auto de Amorim Junior (UFF)


Mestrando
Orientador: Carlos Tourinho

Segundo Bergson, o desenvolvimento da inteligência se completa na ciência e na técnica. A


primeira nos introduz, pelo pensamento, na intimidade de uma matéria que a segunda tem por fim
84

manipular19. O filósofo francês recusa a ideia de que as possibilidades máximas da inteligência


atingem plena realização no exercício de um saber desinteressado e especulativo. Desde sua gênese
evolutiva, o intelecto desenvolveu-se, segundo Bergson, de modo a favorecer nossa ação sobre a
matéria e a buscar soluções práticas. O intelecto, tantas vezes elevado à instância máxima de
possibilidade de conhecimento, assumirá, em sua filosofia, uma função contrária ao “conhece-te a
ti mesmo” socrático. Isso porque, explica Bergson, uma certa ignorância de si é útil a um ser que
precisa exteriorizar-se para agir. Essa reorientação do papel da inteligência renderá a Bergson duras
críticas. Para Albert Farges, por exemplo, há, em Bergson, um profundo divórcio entre o
pensamento e a razão. Baptiste-Marie Jacob (1858-1909) vê no antirracionalismo bergsoniano uma
expressão da inquietação contemporânea que, segundo ele, se reúnem sob o misticismo e o
impressionismo. Como explica Claudia Stancati, a reação intelectualista contra Bergson é reforçada
por Julien Benda. Benda tentará mostrar que o bergsonismo é uma soma de erros, cuja origem é
precisamente a intuição: “Bergson, espírito eminentemente amplo, é um espírito eminentemente
fraco”20. De acordo com Nicolas Ségur, o mérito da filosofia bergsoniana foi nos mostrar que
existem outros modelos de conhecimento além da inteligência21. Para Stacanti, foi graças à obra
L’Intellectualisme de Bergson (1947), de Léon Husson, que começou a ser deixado de lado a oposição
intuição/inteligência, dando espaço para uma interpretação que identifica uma colaboração entre
intuição e inteligência na obra de Bergson22. Husson: “A inteligência, sob sua forma mais elevada,
é a própria experiência, o próprio florescimento da intuição”23. No texto “De l’intelligence”,
publicado postumamente, o próprio Bergson fala de uma “inteligência verdadeira”: “A inteligência
real é aquela que nos faz penetrar no interior daquilo que estudamos, tocar-lhe o fundo, inspirar
nosso espírito e sentir palpitar a alma”24. Nesta dimensão, muito além da dimensão prática, a
inteligência é apresentada como a própria intuição: “a inteligência é essa corrente de simpatia que
se estabelece entre o homem e a coisa, como entre dois amigos que se entendem à meia-palavra e
que não possuem mais segredos entre um e outro”25.
A partir das discussões em torno do anti-intelectualismo bergsoniano, buscaremos, nesta
comunicação, chamar atenção para os cuidados que uma filosofia da duração impõe aos leitores.
Uma filosofia que recusa definições prévias, que busca a simplicidade em oposição à complexidade
abstrata dos sistemas. Bergson não faz uso de neologismos. Não obstante, ao mesmo tempo em

19 Ibidem, p. 1959.
20 BENDA, Julien. Le bergsonisme ou une philosophie de la mobilité. Paris: Mercyre de France, 1912, p. 122.
21 SÉGUR, Nicolas. Le génie européen. Paris: Bibliothèque Charpentier: E. Fasquelle, 1926, p. 60
22 STACANTI, Claudia. Henri Bergson: esprit et langage. Sprimont: Mardaga, 2001.
23 HUSSON, Léon. L’Intellectualisme de Bergson. 1947, p. 181-182 apud ADOLPHE, Lydie. La dialectique des images chez

Bergson. Paris: PUF, 195, p. 15.


24 BERGSON. Écrits et paroles. Tomo I. Paris: PUF, 1957, p. 177.
25 Idem, p. 177.
85

que utiliza as “palavras de todo mundo”, considera que abaixo da palavra há outra coisa, uma
direção sugestiva; algo mais que a mera expressão de sentido. Assim, o real significado do anti-
intelectualismo de Bergson só poderá ser encontrado no conjunto de seus próprios textos, sendo
toda classificação exterior passível de equívocos.
86

30/11 – 14h-16h / Mesa 1: Diálogos com Foucault

O Sócrates de Michel Foucault: análise dos cursos do Collège de France da década de


1980.

Priscila Céspede Cupello (UFRJ)


Doutoranda (FAPERJ)
Orientadora: Alice Haddad

Nesse trabalho almejamos discutir o modo como Foucault reverte o olhar para a figura de
Sócrates, tendo em vista a grande importância que os textos antigos adquirem em suas pesquisas
da década de 80. Neste momento, Foucault está interessado nos comportamentos singulares,
experiências limites, vidas que confrontam a ordem estabelecida e que colocam os valores sociais
em xeque. Nesse sentido, Sócrates aparece ocupando o lugar do pensamento do fora, ou seja, da
resistência.
Quando Foucault analisa a figura de Sócrates, ele o faz dentro de um projeto genealógico
que tem em vista o estudo de existências escandalosas, que destoam das normas sociais, que
afrontam, perturbam e incomodam. Sócrates não representa exatamente uma “vida infame”, que
foi deixada sem voz e obscurecida pela história, mas poderíamos dizer que ele é um infame por
estar na contramão da ordem social preestabelecida e por representar, justamente, o fora que está
dentro (VHI, p. 237). Com isso, queremos dizer que Sócrates representa um pensamento do fora,
pois seu modo de agir e pensar criam um lugar outro na história do pensamento ocidental, entretanto,
ele também está dentro da pólis ateniense, esse não-lugar, esse lugar estranho, essa atopía emerge de
dentro da própria cidade grega.
O Sócrates que interessa aos trabalhos de Foucault é aquele que desafia as leis da cidade
nos tribunais falando a verdade, ou seja, valendo-se da parresía.26 Alguém que prefere a morte do
que agir como a maioria dos atenienses gostaria que ele se comportasse. Segundo Foucault, a parresía
socrática tem uma relação com a virtude, com o dever e também com a técnica. A parresía está
relacionada com a virtude, pois representa uma certa forma de se comportar, ou seja, um problema
que é parte da ética, um cuidado que se tem consigo mesmo, anterior ao cuidado com o outro. Ela
também é um dever, pois não se pode omitir de falar a verdade; e, se relaciona com a técnica, já
que existe uma forma de se falar, no caso de Sócrates, uma determinada maneira de conduzir os
diálogos, uma tékhne.
Com esse trabalho, almejamos elucidar que o Sócrates resgatado nos estudos foucaultianos
é o Sócrates átopos, aquele da estranheza e do não-lugar na pólis ateniense, ou seja alguém que emerge

A parresía é uma atitude, um modo de ser, de se portar, de conduzir a si mesmo. Foucault a caracteriza como “uma
26

maneira de ser que se aparenta à virtude, uma maneira de fazer” (CV, p. 15).
87

de dentro da pólis antiga, mas instaura o pensamento do fora criando uma nova forma de pensar e
estar no mundo. O Sócrates é o dentro que está fora, um personagem na contra mão da vida
ordinária, uma voz da resistência. Em seu projeto genealógico da ética, Foucault resgata o Sócrates
como uma existência exemplar e escandalosa, que resiste e subverter as normas da pólis instaurando
o novo, o pensamento do fora.
Lista de Abreviaturas:
VHI: “La vie des hommes infames” (1977).
Referências Bibliográficas:
FOUCAULT, Michel. La vie des hommes infames. Les Cahiers du chemin, no 29, 15 janvier 1977,
pp. 12-29.Dits et écrits, tome II, texte n°198, Quarto Gallimard, Paris, 1994, pp. 237- 253.
FOUCAULT, Michel. Le Courage de la vérité. Le Gouvernement de soi et des autres II. Cours
au Collège de France (1984), Paris: Gallimard, 2009.

A funcionalidade da histórica como ficção na filosofia de Foucault

Bruno Abilio Galvão (UERJ)


Doutorando
Orientador: Fabiano Lemos

Em uma entrevista de 1978, publicada apenas em 1980, Foucault diz não se considerar um
filósofo no sentido institucional como aquele que tem por objetivo a elaboração de um sistema de
pensamento. Ele se considera um “experimentador”, seus livros nada mais são que meios para
pensar, diferentemente, temas pelos quais se interessa. Os diversos temas por ele abordados,
loucura, delinquência, sexualidade, são mecanismos de transfiguração do próprio pensamento, uma
experiência limite que tem por objetivo arrancar o sujeito de si mesmo, evitar que este permaneça e
pense, as mesmas coisas, da mesma maneira. A relação de Foucault com a escrita e simultaneamente
com a leitura é, primeirissimamente, sua auto formação. Não há, para o filósofo, um objetivo
preestabelecido que não seja sua formação muito menos um método anterior à sua análise, mas
sim cada assunto investigado demanda diferentes maneiras de organizar a análise. Porém, seus
objetos de investigação são sempre discursos e seus elementos, dispersos nos empoeirados
arquivos. Discursos de todas as espécies, literatura, filosofia, textos científicos, receituários
médicos, regulamentações institucionais. Desses diversos tipos de discursos, equivalentes para
Foucault, reagrupa enunciados dando-lhes unidade, criando objetos, modalidades enunciativas,
discurso, configurando sua prática arqueológica e genealógica. Foucault, como diz Deleuze, pinta
quadros, constrói visibilidades com seu discurso e seus “quadros”, por mais “belos” que sejam, são
apenas “quadros”, ou seja, se Foucault não é um filósofo no sentido institucional do termo, muito
menos podemos chama-lo de historiador: certamente, não escrevo outras coisas senão ficções. Dessa forma,
88

seu traço histórico presente na arqueologia e genealogia se afasta da história enquanto disciplina e
aproxima-se da literatura. Não que os enunciados sejam falsos, estes existem e possuem data de
registro, a ficção está no agrupamento destes. A ficção, enquanto linguagem artística que compõe
cenários permite, por meio do páthos da distância, experimentar a modernidade que nos constitui.
Mas, qual finalidade de construir acontecimentos de épocas sem se importar com a veracidade
desses fatos de maneira científica? O objetivo não é a história do passado, mas sim uma “história
do presente”. A ficção permite um distanciamento e, consequentemente, um olhar sobre nossas
práticas, problematizar questões da atualidade, pensa-las diferentemente do já consumado e
normalizado. Dessa forma, seus livros não oferecem sistemas que nos expliquem nosso mundo,
suas causas finais e princípios, mas experiências de pensamento que proporcionem novas
perspectivas. A história escrita por Foucault é sempre uma “história do presente” e se adota a
terminologia nietzschiana da história efetiva, a efetividade dessa história, que é ficção, está na
funcionalidade de provocar a problematização da atualidade em seus leitores. Assim, Foucault se
auto intitula não um filósofo em sentido estrito, mas um “crítico”. A postura intelectual crítica tem
por finalidade investigar os regimes de verdade que legitimam determinadas práticas que, de certa
forma, criam regimes de submissão e assujeitamento desfavoráveis ao sujeito. Certas práticas,
quando deslegitimadas em seu subsolo discursivo e visualizadas no espelho da ficção foucaultiana,
passam a enfrentar o risco da perca de sua efetividade. Foucault conclui a atitude crítica em
contraposição à governamentalidade, a crítica é sempre, em sua filosofia, um movimento de
reformulação da forma de ser governado, uma reformulação que passa pelo viés de não querer ser
mais governado de determinada maneira, trata-se de uma insubmissão refletida.

Entre Espaços Foucaultianos

Ítalo do Nascimento Oliveira Borba (PUC-RJ)


Mestrando (CNPQ)
Orientador: Edgar Lyra.

Território, espaço, geografia, e localidade são instâncias que permeiam o desenvolvimento


do pensamento de Michel Foucault, ainda que o filósofo não tivesse como preocupação
fundamental uma análise desses termos. O presente trabalho tem por objetivo contrapor as
reflexões de Foucault que lançaram luz sobre problemas envolvendo o espaço. As perspectivas de
suas análises apresentam deslocamentos e mobilidades, portanto é necessário tomar como ponto
de partida a contraposição de abordagens distintas problematizando a espacialidade ao longo de
sua obra, bem como, a própria referência metafórica de espaço é operativa no funcionamento do
pensar foucaultiano. Selecionamos, dessa forma, dois momentos: os primeiros trabalhos de
89

Foucault (até os anos de 1970 aproximadamente), perpassando por História da Loucura na Idade
Clássica (1961), e As Palavras e as Coisas(1966); e posteriormente a partir de 1970, chegando em
Vigiar e Punir(1975), e Segurança Território e População(1977-1978).
O primeiro movimento articula uma concepção de espacialidade que passa pela dinâmica
de interior, exterior e limite, tanto no espaço físico quanto discursivo das ciências humanas. No
prólogo de As Palavras e as Coisas, Foucault apresenta as possibilidades do pensamento atingir seu
limite, as configurações discursivas que regem determinadas práticas de produção dos saberes. A
difusão das ciências humanas ocorre num espaço delimitado, condicionado à impossibilidade de
situar-se em outros espaços, lugares impossíveis de pensar como o outro, o fora. Assim como as
as demarcações de interior e exterior são fundamentais não como instrumento analítico capaz de
esclarecer e separar os regimes discursivos entre si, mas ao contrário, tais noções são essenciais
para a própria consolidação desses regimes.
O segundo movimento seleciona a perspectiva foucaultiana dos espaços como referências
mais contextualizadas nas análises genealógicas do poder. Em Vigiar e Punir, o espaço é
fundamental no surgimento das sociedades disciplinares (séculos XVII e século XVIII), permitindo
o enclausuramento e disciplinarização dos indivíduos no cercamento, e vigilância dos mesmos na
eficiência do modelo Panóptico. A demarcação tão específica quanto possível da territorialidade
promove a atuação difusa e microfísica das relações de poder, institui-se a divisão, por exemplo,
do exército em um quartel, uma infantaria, um pelotão, um indivíduo, uma atividade. O poder não
está localizado em um lugar privilegiado, por isso é necessário analisar sua capilaridade e profusão
nos espaços em que suas relações transitam.
Costurando esses dois recortes, o trabalho busca ressaltar um desdobramento dessas
considerações. O discurso apresenta-se como terreno de embates e estratégias de dominação nas
relações saber-poder, existem regras de afirmatividade do discurso científico, em sua própria
consolidação como ciência, produzindo expressões como "campo", "região", "território" de
organização de objetos do saber próprios desse discurso. Além das relações de poder eclodirem na
estrutura social, por exemplo, como planejamento de cidades para administrar populações (análise
do biopoder em Segurança Território e População), também surgem no espaço discursivo para
reivindicarem sua posição de saber legítimo de organizar politicamente o que deve ser investigado,
estudado, planejado. Os problemas que atravessam a ideia de espaço no pensamento foucaultiano
lidam com embate de regimes discursivos de verdade (episteme) na definição dos limites de um
determinado pensamento, objeto, campo de estudo. Além de ser componente histórico da atuação
das redes de operação do poder, nas arquiteturas sociais, e dispositivos de poder de uma forma
geral.
90

A noção de História em As Palavras e as Coisas

Victor Alexandre Garcia Pires (PUC-RJ)


Mestrando (CNPQ)
Orientador: Rodrigo Nunes

O presente trabalho aborda a reflexão de Foucault sobre a História, a partir do livro As


Palavras e as Coisas. Trabalharemos os conceitos de Episteme e de a priori histórico, pelos quais
Foucault trata da ordenação que delimita cada época como uma espécie de “inconsciente do saber”.
O livro se chamaria “A Ordem das Coisas”, título que sem dúvidas estaria bem mais próximo de
sua experiência intelectual. Se Foucault visa mostrar que temos a experiência bruta de uma ordem,
é para historicizar a própria ordenação e mostrar a contingência por trás de cada configuração
histórica, de modo que nossa ordem moderna não é a mesma da do século XVII e XVIII, nem a
mesma do renascimento, e sem dúvidas ainda virá a mudar novamente. Mostramos como o filósofo
francês, em seu esforço de escapar das concepções dialéticas da história devedoras de Hegel, e
influenciado pelo estruturalismo da década de 60, tentou pensar a história sem partir da categoria
do Homem e sem pressupor nela a existência de um telos. Por último, discutimos a repercussão
inflamada que As Palavras e as Coisas recebeu no pensamento francês da época de sua publicação,
presentificada em nomes tais como o de Sartre e de Jean-Luc Godard - grandes expoentes da
esquerda francesa. Em famosa entrevista, Sartre apresenta o livro como a última muralha da
burguesia contra a revolução: ao excluir o homem como motor da história, Foucault estaria
querendo desmobilizar as massas, pois ele ignoraria tanto a questão do sujeito, quanto o ideal de
emancipação do homem. Curioso que Foucault algum dia tenha sido tomado como um pensador
reacionário, quando atualmente sua figura nos pareça tão libertária. De repente percebeu-se que
sua obra não desmobiliza, mas sim coloca em cena um outro tipo de mobilização. Se tudo é
histórico e se as construções históricas são contingentes, se cada configuração depende de um
embate de forças que constrói determinada ordenação, logo, a arbitrariedade destas construções
nos abre para a possibilidade de sua própria transformação. Além disso, se a história não possui
um telos, se ela não representa, por exemplo, o progresso da razão a estágios cada vez mais
sofisticados, o desafio do intelectual, a verdadeira atividade que ele deve desempenhar, passa a ser
a da realização de um diagnóstico do presente, o de identificar os perigos de seu próprio tempo, os
desafios por ele colocados, explicitar seus problemas, delimitar (para decompor) o que há de
intolerável nesta temporalidade que é a sua. Descobre-se, assim, em Foucault, um pensador da
esquerda. Não mais a esquerda que quer garantir a emancipação do homem, a plenitude da
liberdade, a realização plena da natureza humana, etc. Sem a teleologia o pensamento
91

revolucionário fica necessariamente desnorteado. Não se trata de encaminhar uma nova ordem,
mas de evidenciar (para buscar desfazer) as evidências que a cada momento sustentam
determinadas opressões, e identificar que riscos estamos correndo atualmente nos modos de
subjetivação que nos são oferecidos.
92

30/11 – 16h15-17h45 / Mesa 2: Política e Cotidiano

Costume, liberdade e submissão - um ponto de encontro entre O Príncipe e os Discursos

Otávio Vasconcelos Vieira (UNICAMP)


Mestrando (CNPQ)
Orientadora: Yara Adario Frateschi

A relação entre O Príncipe e os Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio é digna de exame.
Estas obras estão em um peculiar conflito. Seria difícil dizer que estão em contradição, entretanto
a posição do autor é muitas vezes ambígua quando as comparamos. Uma questão que desperta
muitos leitores de Maquiavel, por exemplo, é se o autor seria um defensor da liberdade republicana
e um inimigo dos tiranos de seu tempo, e, portanto, deveríamos considerar a leitura de O Príncipe
com cautela e a dos Discursos como central; ou se, talvez frustrado pelos acontecimentos na Itália
do século XV e XVI, que solaparam a República Florentina e tantas outras, o autor teria se voltado
para o principado como forma não só possível de governo, mas a mais adequada para os homens
de seu tempo, incapazes de viver a liberdade dos antigos. Assim, O Príncipe assume extrema
contundência. Quiçá os conflitos entre as duas obras estaria em proporção com os conflitos reais
observados por Maquiavel entre repúblicas e principados, nascendo as dificuldades de integrá-las
da complexidade mesma da matéria tratada. Os conflitos e perspectivas inconciliáveis entre
principado e república, entre liberdade e submissão, não só distinguem os temas das obras, mas
permeiam os argumentos de ambas, permitindo sua compreensão em conjunto. Nossa
comunicação pretende propor uma leitura conjunta dos textos, questionando-se sobre o conflito
entre repúblicas e principados de forma delimitada e breve. Dedicamo-nos a reconstituir, comparar
e tecer observações sobre os capítulos 5 de O Príncipe e 16 do primeiro livro dos Discursos. A relação
entre os textos é flagrante: no primeiro, discute-se como um príncipe pode governar súditos
acostumados a, antes de serem conquistados, viver livres e sob suas próprias regras; inversamente,
no segundo, o autor se questiona sobre as dificuldades em se manter a liberdade encontradas por
um povo que, acostumado a servir um príncipe, torna-se por alguma ocasião livre. As questões
colocadas são diametralmente opostas e o autor, como devemos mostrar, as desenvolve a partir de
considerações e argumentos comuns. Em linhas gerais, Maquiavel entende que tanto a eficiência
da dominação de um príncipe quanto a capacidade de um povo em se manter livre dependem do
estabelecimento de costumes específicos e conflitantes. O costume à liberdade é corrosivo ao
governo do príncipe e é a força das repúblicas. Inversamente, o costume da servidão a um príncipe
enfraquece o exercício político comum e facilita a concentração do poder nas mãos de um senhor.
A partir da leitura dos textos mencionados, discutiremos no que consistem estes costumes, o que
93

os caracteriza e como se formam. Também buscaremos examinar e comparar os dois textos quanto
ao tratamento dado por Maquiavel à incomensurabilidade e conflito entre governo régio e costume
à liberdade, e entre república e costume à servidão, bem como as medidas extraordinárias e fatalistas
necessárias para a introdução de uma forma de governo não conforme ao costume estabelecido -
a necessidade de dissolução de alianças políticas, da ruína de homens e cidades inteiras, da
perseguição a oponentes e do uso da força.

O Animal Social e o Isolamento

Thiago Sebastião Reis Contarato (UFRJ)


Doutorando (CAPES)
Orientador: Rodrigo Guerizoli

Tomando por base a obra de Tomás de Aquino intitulada “Do Reino ou dos Governos dos
Príncipes ao Rei de Chipre”, buscaremos apresentar a noção de “animal social” atribuída ao ser
humano. Tomás expõe esse tema da seguinte maneira: “É, todavia, o homem, por natureza, animal
sociável e político, vivendo em multidão, ainda mais que todos os outros animais, o que se evidencia pela natural
necessidade.” Portanto, seguindo Aristóteles, Tomás busca defender que o homem é um animal social,
assim como ocorre naturalmente com as abelhas e as formigas que vivem naturalmente em grupo
e não convencionaram ou acordaram essa vivência em grupo.
Para reforçar essa posição, Tomás apresenta três razões para haver uma “necessidade
natural” de se viver em sociedade. A primeira razão é o fato de que, caso viva isoladamente, o ser
humano não é autossuficiente no que concerne às necessidades básicas de sua vida, como se verifica
pelo seu organismo limitado. A segunda razão é o fato de que, considerando a limitação do nosso
intelecto, cada um de nós somente conhece fragmentos da realidade, o que ocasiona as diversas
especialidades. Somente a vivência em comunidade pode fazer com um indivíduo “tape o buraco”
do conhecimento do outro, de modo que os indivíduos se complementem. A terceira razão envolve
o fato de que, para se realizar completamente, o ser humano tem necessidade de se comunicar e se
expressar, pois “homem [é] o mais comunicativo que qualquer outro animal gregário”, donde entra em
questão a importância da linguagem, enfatizando não a convenção nos símbolos linguísticos, mas
antes a expressividade de sentimentos e saberes.
Por outro lado, Tomás de Aquino não pode negar a existência de indivíduos que vivem
isoladamente e fora da vida política. Para explicar como pode ocorrer o isolamento de um ser
humano, ele apresenta algumas circunstâncias em que isso pode ocorrer: A primeira situação envolve
os casos em que há um tipo de deficiência na natureza humana que impede uma pessoa de viver
em grupo, de modo que temos uma razão natural para o isolamento. A segunda situação ocorre
94

quando um indivíduo se afasta da comunidade de modo artificial ou acidental. Assim, o


afastamento pode ocorrer por uma má sorte, quando o indivíduo se perde do grupo em que vivia,
mas o afastamento também pode ocorrer por punição, quando ele é expulso da comunidade, como
nos casos de exílio ou prisão. A terceira situação tem um cunho religioso, onde ocorre uma relação
do indivíduo com Deus, sendo própria da Idade Média, como nos casos dos monges eremitas. Essa
terceira situação de isolamento não é natural, mas poderia ser chamada de “sobrenatural”.
Em suma, seguindo o ideal grego de perfeição que herdou de Aristóteles, Tomás defenderá
que a vivência isolada de um ser humano é artificial, enquanto a vivência em comunidade é natural.
Tal posição se opõe aos contratualistas modernos que, grosso modo, defendem que, por natureza, o
ser humano é individual e solitário, mas convenciona artificialmente uma vivência em grupo ou em
sociedade através de um acordo, que é o “contrato social”. Nesse ponto, é importante ressaltar que
Tomás de Aquino admite que as leis positivas ou humanas podem ser convencionadas socialmente,
mas a própria vivência em sociedade não decorre de um acordo, mas se segue da necessidade envolvendo
leis naturais.

Reflexões sobre a violência: Adorno, Benjamin, Günther Anders

Felipe Catalani (USP)


Mestrando (FAPESP)
Orientador: Vladimir Safatle

Uma das passagens da Dialética Negativa que mais provoca desconcerto entre comentadores
e desconforto entre adornianos por assim dizer "ortodoxos" é uma na qual ele, discutindo justiça
(que, diferentemente da liberdade, não é exatamente um conceito central na filosofia moral de
Adorno) e o processo penal dos algozes de Auschwitz, defende o ato violento no momento
oportuno como uma ação moral: "Se tivéssemos fuzilado sumariamente os encarregados da tortura
juntamente com os seus mandantes e os seus protetores extremamente poderosos, isso teria sido
mais moral do que abrir um processo para alguns deles." A impossibilidade de se realizar justiça
vinte anos depois por meio de um processo penal (neste ponto, Adorno não está defendendo nem
a pena de morte nem o direito penal), ou antes, o fato de em tal momento por meio de um processo
jurídico a justiça ser, de antemão, "falsificada", surge como uma "aporia" cujo fundamento histórico
"é o fato de, na Alemanha, a revolução contra os fascistas ter fracassado ou, muito mais, o fato de
não ter havido em 1944 nenhum movimento revolucionário de massas."27 Por um lado, essa
passagem vai contra certa interpretação vulgar de Adorno que tendeu a fixar a imagem do filósofo

27 Adorno, Dialética Negativa. Trad.: Guido de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 239.
95

que se recusa a "sujar as mãos" (como se fosse possível estar fora do "nexo universal de culpa"28)
e que defende a inação como uma petição de princípio, seja para criticar tal imagem, seja para
defendê-la. Por outro, além de deixar explícito que, para Adorno, houve uma porta aberta da
história no final da Segunda Guerra, torna-se clara também a impossibilidade de uma
fundamentação puramente racional (ou de justificação) da ação moral em Adorno, de modo que a
violência e a irrazão não podem ser extirpadas de uma reflexão moral (algo evidente também em
suas considerações sobre o sofrimento e a compaixão).
Neste trabalho, pretendemos ainda colocar Adorno em diálogo com outros autores
próximos da assim chamada teoria crítica que também abordaram o problema da violência política
e a relação entre violência e moral, a saber, Walter Benjamin em seu Crítica da Violência, no qual o
autor explora a relação entre violência e direito no âmbito das expectativas emancipatórias
existentes nos anos 1920, isto é, como a violência é constituinte do direito (ao mesmo tempo em
que Benjamin defende uma violência revolucionária que possa abolir o direito), e ainda Günther
Anders, que na ressaca pós-1968 reflete sober o esgotamento do pacifismo em Gewalt - eine
notwendige Diskussion.

28 Um problema que evoca uma certa "dialética do engajamento", exposto nos aforismo 5 e 6 das Minima Moralia.
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30/11 – 14h-15h30 / Mesa 3: Tópicos Nietzscheanos

Compreensibilidade e Equivocação

Iara Velasco e Cruz Malbouisson (UNICAMP)


Doutoranda (FAPESP)
Orientador: Oswaldo Giacoia Jr.

Tematizado de forma contundente, o problema de ser ou não ser compreendido, assim


como as figuras de leitores bons e ruins, acompanham as reflexões de Nietzsche sobre o sentido e
as possibilidades de recepção de sua obra. A questão da compreensibilidade (Verständlichkeit)
relaciona-se intimamente com temas centrais de sua filosofia - tais como o problema do valor da
verdade, a genealogia da linguagem e a relação desta com a filosofia, etc - na medida em que
Nietzsche atrela o desejo de ser universal e univocamente compreendido, bem como a
pressuposição de que uma tal compreensão seja possível, com o ‘egipcismo’ da filosofia metafísica,
que “tem a seu favor cada palavra, cada frase que falamos” (CI, III). Neste contexto, Werner
Stegmaier identifica em Nietzsche o surgimento e a maturação de um projeto de superação da
compreensibilidade. Para ele, na filosofia nietzschiana “não há mais lugar para uma compreensão
universal e para uma teoria sobre uma tal compreensão”. Em seus escritos tardios (sobretudo O
Anticristo e Ecce Homo), “ele [Nietzsche] inverte radicalmente a ‘questão da compreensibilidade’”,
dando maior relevo à noção de “mal-compreender (missverstehen)”. Seus aforismos traçariam
“círculos de cultura”, limites e “margens de manobra (Spielraum)” para a compreensão e
incompreensão, não mais pensada em separado das condições de vida, pois tal é a situação “da
comunicação em geral”, isto é, tanto da comunicação “intercultural” quanto da comunicação
“interindividual”. Nesse sentido, a noção de mal-entendidos (Missverständnisse) é também
instrumental para explicitar a perspectiva nietzscheana sobre “cultura”, tal como apresentada por
Stegmaier, uma vez que este autor, destacando reiteradamente o papel fundamental do pensamento
de Nietzsche para a elaboração de um filosofar intercultural, considera a cultura como “aquilo que
se tornou evidente por si (selbstverständlich)”, e portanto como aquilo que “possibilita a
compreensibilidade”. Em nossa comunicação pretendemos expor e analisar esta interpretação da
filosofia nietzschiana fazendo-a dialogar com a noção de “equivocação controlada” que o
antropólogo Eduardo Viveiros de Castro propõe em seus trabalhos como modelo para a
compreensão antropológica, dada sua tarefa de ‘traduzir’ conceitos e discursos ‘nativos’. Inserido
no contexto da antropologia simétrica e pós-social defendida por Viveiros, o método da
equivocação controlada permitiria reconceitualizar os problemas que a suposição de uma
univocidade subjacente à equivocidade da linguagem gera para o teorizar antropológico. Distinta
97

da noção de ‘falsidade” – uma vez que o oposto do ‘equívoco’ não é a verdade, mas sim o “unívoco,
enquanto afirmação da existência de um significado único e transcendental” – a equivocação é
colocada por Viveiros como a condição limítrofe de todas as relações sociais, dentre as quais as
relações interculturais seriam apenas casos extremos, nos quais os “jogos de linguagem divergem
de modo máximo”. Esta interlocução inicial entre a filosofia nietzschiana e este debate
antropológico insere-se no âmbito mais geral de nossa pesquisa de doutorado, na qual procuramos
pensar um novo sentido de ‘verdade’ em Nietzsche, não apenas à luz de sua crítica à noção de
‘verdade’ da tradição filosófica, mas experimentando também colocar a filosofia nietzschiana em
contato com questões suscitadas pela teoria antropológica contemporânea – questões estas que,
guardadas as devidas diferenças de campo e procedimento para com a filosofia propriamente dita,
também colocam em cheque a abrangência e a fertilidade de uma noção de verdade ainda pensada
como universal ou universalizável.

Zaratustra e as três metamorfoses: memória e esquecimento - a importante conquista da


plasticidade e da fluidez para o pensamento

Patrícia Boeira de Souza (UFRRJ)


Mestranda (CAPES)
Orientador: Francisco José Dias de Moraes

A inocência e o esquecimento ativo são elementos constitutivos do devir-criança, que


Nietzsche descreve como sendo a terceira e derradeira metamorfose do espírito, é como um
modelo de resistência, expressão de fluididade e de vigoroso tônus fisiopsíquico. Se a
hereditariedade dos valores e do sentido, e as determinações do juízo são elementos constitutivos
na formação do homem, do povo e da cultura, o homem enquanto um ser social, histórico e de
linguagem está em relação com toda essa carga de ordenações e direcionamentos. Para Nietzsche,
contudo, toda essa hereditariedade dos costumes e do sentido degeneraram, hipertrofiaram e
esquadrinharam o sensualismo próprio do humano. Daí a importância de “farejar” e colocar sob
suspeita os valores que vigoram; empreendendo uma investigação genealógica que estremece as
bases do absoluto, do irremovível e do até então intocado e oportuniza uma eclosão de outros
sentidos da história e da realidade – investimento realizado pelo filósofo alemão. Em vista disso,
esse movimento literário discorre sobre a importância da resistência e da luta para combater a
hereditariedade do dado, perscrutando valores, assim como, seguir as linhas de fuga nietzschianas
e compreender a solidão como um território para a criação – a pátria de Zaratustra. Dito isso, esse
trabalho percorrerá alguns dos discursos do Zaratustra em que a questão da solidão e da criação se
inter-relacionam e tornam-se determinantes na compreensão da abundância de forças que
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atravessam Zaratustra ao longo do processo de ressignificação de si e do mundo. Há desassossego


nessa trajetória por conhecimento, mas Zaratustra torna-se dançarino, e nem mesmo o fado do
pensamento mais abissal é impedimento para amar o destino (amor fati) – “a fórmula para a grandeza
no homem”. Dada a direção-geral, outro aspecto que emerge nesses discursos e que tornar-se-á
um conceito elementar e indispensável nesse investimento é a capacidade do esquecimento.
Intenciona-se discorrer sobre essa questão dada a importância atribuída por Nietzsche a ela no
processo para a transformação das crises em possibilidade de criação, alertando a todos e a ninguém
que aqueles que sabem esquecer, não ficam a consumir-se e a perder “presentes”.
Compreender a dimensão psicológica que percorre a fina trama dos discursos do Zaratustra
é um empreendimento árduo, mas que possibilita ver a coisa em seu limite; necessária àqueles que
se arriscam na corda bamba do lançar-se além das convicções e empenham-se em desvelar enigmas,
em não cultuar ídolos a reboque, uma vez que toda idealidade pode e precisa ser tocada a fim de
que nos afastemos das venerações e não repitamos como fantoches e tagarelas a moralidade
estanque erigida no Ocidente. Isso não significa dizer que o processo de ressignificação seja uma
tarefa simples. Conquistar o princípio autônomo do corpo, a eclosão de sentido, para então saltar,
transmutar e vir a superar individual e historicamente tanto o pensamento metafísico como o
niilismo enquanto doença que assola e consome o destino do Ocidente é um exercício de liberdade.
Esta foi uma das tarefas empreendida por Nietzsche: “farejar”, investigar acerca da ordenação
moral do mundo, declinar e não sucumbir à lucidez oriunda de ter colocado sob suspeita todos os
valores vigentes por considerar que nem tudo que nos contaram é tão absoluto, irremovível e
intocável.
Dito isso, esse trabalho percorrerá alguns dos discursos do Zaratustra em que a questão da solidão
e da criação se inter-relacionam e tornam-se determinantes na compreensão da abundância de
forças que atravessam Zaratustra ao longo do processo de ressignificação de si e do mundo. Há
desassossego nessa travessia, mas Zaratustra torna-se dançarino, e nem mesmo o fado do
pensamento mais abissal é impedimento para amar o destino(amor fati) - a “fórmula para a grandeza
no homem”.

Elementos para um conceito de justiça em Nietzsche e seus desdobramentos ético-


estéticos

Luiza Fonseca Regattieri (UFRJ)


Doutoranda
Orientador. André Martins
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O objetivo da apresentação é explorar o início de uma investigação sobre um sentido de


justiça próprio à filosofia de Nietzsche, especificamente a partir de sua afirmação da necessidade
irrevogável da injustiça e pela maneira com a qual ele, possivelmente, borra o limite entre os campos
ético e estético ao tratar o justo como um caso de gosto. O sentido de justiça nietzschiano se
distancia do esforço filosófico moderno, em especial o de Eugen Dühring, de colocar a justiça
como um princípio de ação impulsionado pela vingança e o ressentimento. Nessa tradição moderna
a justiça se implicaria moral e politicamente como superação dos afetos de vingança e
ressentimento através de um complexo de poder imparcial com o fim de garantir igualdade
universal e eliminar as injustiças. Diferentemente da origem imaculada e da função correcional da
justiça defendida por Dühring, Nietzsche propõe que a justiça surge como boa vontade, entre
homens de poder aproximadamente igual de “entender-se” mediante um compromisso, como um
meio na luta entre complexos de poder para criar maiores unidades de poder. Na filosofia de
Nietzsche não há um fundamento impreterível do real ou da vida, assim, uma teoria da justiça em
Nietzsche não poderia ser a busca de um fundamento absoluto para o justo. Nietzsche não poderia
propor uma teoria da justiça que especulasse qual é, em última instância, o valor justo objetivo que
expurgaria qualquer injustiça e sob o qual se pudesse universal e objetivamente submeter aquilo
que é julgado. Sendo assim, pretendo investigar a justiça em Nietzsche como conjunto de juízos
que possuem a qualidade de se reconhecerem como relações momentaneamente estáveis. Justo
será uma certa relação momentânea, pois não se pretende absoluta, mas estável, porém um tipo de
estabilização não equânime, isto é, que pressupõe a injustiça. Ora, para Nietzsche o empenho da
justiça é o de entender, mas o sentido nietzschiano de entendimento engloba irrevogavelmente um
equívoco que o impede de ser pleno, todavia permite um entendimento. Eis assim que o justo se
produz através de uma injustiça necessária da mesma maneira que o entendimento através do
equívoco. A questão que se coloca é: qual o critério desta justiça que pressupõe necessariamente a
injustiça? Como é possível então fazer justiça? “Justiça (Justiz). – Melhor se deixar roubar do que
ter espantalhos ao seu redor – eis o meu gosto. E, em todas as circunstâncias, isso é uma questão
de gosto – e nada mais!” (GC, §184), responde Nietzsche. Nesse aforismo ele afirma que uma
forma determinada de justiça, isto é, um valor do justo é uma produção do gosto. Nietzsche
aproxima juízos de gosto e instintos, e afirma que os juízos estéticos (o gosto, o desagrado, o asco)
são a base dos juízos morais. Proponho que em Nietzsche há um contínuo estético ético que pode
ser evidenciado na medida em que o filósofo coloca os valores morais como superfícies, sintomas
de valores estéticos. Nesse sentido, Nietzsche borraria os limites entre os campos ético e estético
ao implicar a investigação sobre o gosto com a investigação sobre a justiça.
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30/11 – 15h45-16h45 / Mesa 4: Ser e Linguagem

Linguagem, poesia e ritmo em Octavio Paz

Bruno de Souza Pacheco Jalles (UFF)


Mestrando (CAPES)
Orientador: Patrick Pessoa

Um dos grandes fundamentos que caracterizam a Modernidade é a penetração do


pensamento crítico em todas as esferas da vida. Na arte não é diferente; em meados do século XIX
Hegel já diagnosticara que um dos sintomas do “fim da arte” é que para o moderno a fruição das
obras de arte está submetida à reflexão acerca delas. Mais do que fazer, ou melhor dizendo, tão
importante quanto, é necessário conhecer o que se faz. Com efeito, como que confirmando a tese
hegeliana, uma pletora de grandes artistas dos últimos três séculos oriundos dos mais diversos
campos, foram também em maior ou menor medida, ensaístas, pensadores, críticos. O laureado
poeta Octavio Paz, é sem dúvida, um dos grandes expoentes dessa tradição de “artistas-filósofos”,
e de fato, dentre sua vasta produção bibliográfica encontramos ao lado de poemas impregnados de
inflexões críticas, ensaios em que as fronteiras com o poético encontram-se diluídas. Escrito no
início da sua fase madura, o ensaio O arco e a Lira faz parte desse segundo grupo.
Escrito em 1955, O arco e a lira é o livro que inaugura a fase madura da ensaística de Paz.
Sobre ele, o romancista Julio Cortázar afirma, em carta direcionada ao próprio Paz:

Octavio, acredito que você mostrou em seu livro o que me parece ser a
característica mais profunda do pensador, do ensaísta latino-americano – e muito
possivelmente do mexicano e do argentino. Estou-me referindo à possibilidade
que nos foi dada (e que ainda exercitamos pouco) de conhecer e explorar um
assunto por todos os seus ângulos, sem a redução inevitável a um modo de
pensar, a uma cultura dada, que é o signo fatal dos trabalhadores europeus.29

Por temerária que possa ser essa afirmação, ela certamente é acertada no que diz respeito
ao método do ensaio paziano que se caracteriza principalmente pela generosidade conceitual com
que um problema ou objeto é analisado. Essa característica é sem dúvida, o traço marcante deste
ensaio, que consiste numa profunda e detalhada reflexão acerca da origem e essência da Poesia e
sua relação com a Linguagem. Por sua vez, o objetivo desse trabalho será analisar três conceitos
chaves elaborados por Paz nesse ensaio, -Linguagem, Ritmo e Poesia, - para a partir destes defender

CORTÁZAR, Julio. In Octavio Paz. O Arco e a lira. Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht. São Paulo: Cosac
29

Naify 2012.
101

a hipótese de que o dizer poético aparece na obra ensaística paziana como uma possibilidade de
inaugurar uma forma não instrumental de se lidar com a realidade.

A fenomenologia hermenêutica no tratado A essência do fundamento de Martin


Heidegger

Christiane Costa de Matos Fernandes (UFRJ)


Doutoranda (CAPES)
Orietador: Gilvan Fogel

A apresentação visa expor como no tratado A essência do fundamento publicado em 1928 é


possível observar, no desenvolvimento do texto, o gesto fenomenológico hermenêutico do autor.
Para tanto, inicialmente será necessário apresentar as diferenças presentes no texto - e em outras
obras do mesmo ano – em relação ao projeto da ontologia fundamental de Ser e Tempo. Também
será necessário apresentar como a filosofia de Heidegger, ao menos na década de 1920, pode ser
compreendida como uma transformação e aprofundamento da fenomenologia husserliana, mais
especificamente a busca da condição de toda e qualquer possibilidade de intencionalidade. E ainda,
como a investigação hermenêutica é desenvolvida com vista à análise das noções históricas
sedimentadas da tradição filosófica ou, de forma mais precisa, como essas interpretações
engessadas na tradição filosófica obliteram o acesso ao fenômeno de maneira originária. É nesse
sentido que acompanharemos o tratado A essência do fundamento. Na primeira parte o autor apresenta
“o princípio da razão” (Der Satz des Grundes) – princípio paradigmático do pensamento moderno
em função da consideração acerca da “universal natureza da verdade” -conforme exposto por
Leibniz e pergunta; “Ora, mas será que o ‘princípio da razão’ é um enunciado sobre o fundamento
enquanto tal?”30. Em seguida o autor indica o caráter problemático do princípio por não fornecer
luz alguma sobre o fundamento, porém ele “pode servir como ponto de partida para a
caracterização do problema do fundamento”31. Heidegger identifica que a aparente evidência dos
conceitos apresentados por Leibniz para a dedução do “princípio da razão” oblitera a clarificação
dos mesmos e, sobretudo, a identificação do princípio como um enunciado sobre o fundamento.
Desse modo, para Heidegger, a exposição do “princípio da razão” deve ser considerada não para
questionar a forma como o princípio é deduzido, mas para “a explicação articuladora
(Auseinanderlegung) do problema do fundamento”32 Aí já é possível observar o início do gesto
fenomenológico hermenêutico de Heidegger: a análise hermenêutica dos conceitos e princípios

30 HEIDEGGER,M. A essência do fundamento in Marcas do caminho. Trad. Enio Paulo Giachini e Ernildo Stein.
Petrópolis, RJ : Vozes, 2008, p. 138.
31 Ibid.p.139.
32 Ibid. p. 141.
102

herdados da tradição. Essa análise consiste na apresentação do conceito ou princípio, seguida pela
identificação das bases que os oferecem, ou de forma mais precisa, como os conceitos e princípios
mantêm seu sentido33. Esse gesto consiste em identificar se esses conceitos ou princípios obliteram
ou oferecem o acesso originário à essência do fenômeno em questão. No caso do tratado, se o
“princípio racional” pode oferecer o acesso ao fundamento em sua essência. Esse movimento está
articulado com o projeto de “destruição da história da ontologia” 34, não como mero desmonte da
história , mas como apropriação positiva do passado descerrando o intricado mapa conceitual da
filosofia para possibilitar o acesso às perguntas em função das coisas mesmas.
Em seguida, na segunda parte do texto, após desobstruir o campo interpretativo, Heidegger
indica, em um gesto propriamente fenomenológico, a maneira pela qual a essência do fundamento
pode ser acessada, ou como ela pode mostrar-se por si mesma: A partir da transcendência do Dasein.
E esse acesso aparece como tal porque “(...) a intencionalidade só é possível sobre o fundamento da
transcendência”35, contudo, sem confundi-las ou torna-las idênticas.
Na terceira e parte final do tratado, a partir do caminho percorrido nas partes anteriores,
Heidegger trabalha com os elementos da própria essência do fundamento, articulando
transcendência e liberdade, chegando então a conclusão que “A liberdade como transcendência
não é, contudo uma ‘espécie’ particular de fundamento, mas a origem do fundamento em geral. Liberdade
é liberdade para o fundamento”.36 Esse momento final do texto também deve ser destacado em nossa
apresentação, pois articula dois elementos propriamente fenomenológicos: origem e essência.

33 “Sentido” compreendido de forma diversa (talvez mesmo oposta) ao modelo da filosofia da linguagem, que o
compreende como o modo pelo qual o objeto se apresenta, sobretudo por uma expressão linguística. Para Heidegger
“Sentido é aquilo em que a entendibilidade de algo se mantém” (HEIDEGGER, M. Ser e Tempo . Tradução e
organização; Fausto Castilho. Campinas, SP : Editora Unicamp; Petrópolis , RJ : Editora Vozes, 2012, p.429), ou seja,
a sustentação ontológica de algo que pode ser indicado como um ente no mundo.
34 Cf. §6 HEIDEGGER,M. Ser e Tempo.
35 HEIDEGGER,M. A essência do fundamento in Marcas do caminho. Trad. Enio Paulo Giachini e Ernildo Stein.

Petrópolis, RJ : Vozes, 2008, p. 146.


36 Ibid. p.177.

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