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Poetry Slam: Uma análise do contexto Português

Eduardo Cabral, João Mendes, Mariana Marques, Tiago Tecelão,

SB1

Trabalho elaborado no âmbito da unidade curricular de

Métodos e Técnicas de Investigação: Intensivos

Professora Ana de Saint-Maurice

Janeiro, 2017
“Eu escrevo para os outros, comigo lá dentro,

porque eu tenho de ser o exemplo daquilo que escrevo.

Mas há palavras que não chegam, às vezes um gesto complementa”.

Nuno Piteira

1
AGRADECIMENTOS
Um semestre é insuficiente para estudarmos o Poetry Slam da forma como gostaríamos e da forma como
ele merece ser estudado. Um semestre é insuficiente para daqui retirarmos grandes conclusões, mas
como aspirantes a sociólogos foi com seriedade e com o rigor que nos foi possível que encarámos este
desafio e estamos cientes que, mesmo num trabalho de um semestre, o resultado seria diferente se não
tivéssemos compartilhado o caminho com algumas pessoas.

Em primeiro lugar, demonstramos o nosso mais sincero agradecimento à professora Ana de Saint-
Maurice por, desde o primeiro dia, ter pensado que, tal como nós, o Poetry Slam seria uma boa aposta.
Pela disponibilidade e ajuda, por ter acolhido o nosso entusiasmo e nos ter deixado partilhá-lo com os
nossos colegas e por todos os ensinamentos que nos facultou enquanto docente.

À plataforma Portugal Slam, pela prontidão e por nos terem recebido de braços abertos até ao
fim. Em especial à Li Alves por toda a disponibilidade e amabilidade que sempre demonstrou, pelas
conversas e pela preocupação de que nada nos faltasse; obrigado.

Ao Nuno Piteira, ao Luís Perdigão e ao Marinho Pina por nos terem cedido mais do que
entrevistas, mais do que frases e mais do que palavras.

E a todos os slammers que ousaram um dia escrever e subir ao palco e de quem dos poemas nos
apoderámos e utilizámos neste trabalho.

A todos: obrigado. A vossa paixão inspira-nos.

Foi um semestre curto em tempo mas extenso em entusiasmo. Esperemos que, daqui para a
frente, mais pessoas se interessem pelo Poetry Slam e mais pessoas se proponham a analisá-lo com rigor
e com um olhar mais treinado que o nosso.

2
RESUMO

O trabalho que aqui se apresenta incidiu sobre o Poetry Slam em Portugal e é, inicialmente, fruto da nossa
curiosidade de querer conhecer esta prática e as suas dinâmicas, e a forma como ela se constitui e subsiste
em Portugal.

Os objetivos do trabalho passaram por compreender se o Poetry Slam em Portugal pode ser
considerado como um movimento de expressão artística onde se estabelecem e fortificam laços de
sociabilidade e de identificação com os outros, fazendo surgir um sentimento de comunidade.

Debruçámo-nos também sobre a natureza da mensagem que os poetas pretendem transmitir e


se, o Poetry Slam, enquanto evento democrático e inclusivo pode ser também considerado uma forma de
“artivismo”, e de onde surge a preocupação de falar sobre questões que atravessam a vida das pessoas,
incitando a reflexão e a consciencialização.

Palavras-chave: Poetry Slam, Artivismo, Arte, Ativismo Cultural, Performance.

3
ABSTRACT

The current essay addresses Poetry Slam in Portugal and is, initially, a fruit of our curiosity in wanting to
know this practice and its dynamics, and the way in which it is constituted and subsided in Portugal.

The objectives of this essay are to understand if Poetry Slam in Portugal could be considered a
movement of artistic expression, where bonds of sociability and identification with others are established
and fortified, resulting in the arising of a feeling of community.

We also explored the nature of the messages that the slammers intend to transmit and if Poetry
Slam, as a democratic and inclusive practice could also be considered a form of artivism, and where the
concern of talking about matters that cross people’s lives emerges from, inciting reflexion and awareness.

Keywords: Poetry Slam, Artivism, Art, Cultural Activism Cultural, Performance.

4
ÍNDICE

Introdução………………………………………………………………………………………………………………………………………..…….2

1. Conceitos nucleares para a análise do Poetry Slam………………………….………………………………………..…6


1.1. Definição……………………………………………………………………………………………………………………………….…6
2. Para uma análise do Poetry Slam…………………………………………………………………………………………………12
2.1. Fatores a considerar……………………………………………………………………………………………………………….12
2.2. Plataforma Portugal Slam como promotora de consciencialização……………………………………..….13
3. Desenho de pesquisa……………………………………………………………………………………………………………………17
3.1 População a observar……………………………………………………………………………………………………………..17
3.2 Objetivos da investigação……………………………………………………………………………………………………….18
3.3 Métodos e técnicas da investigação……………………………………………………………………………………….19
3.4 Modelo de análise e operacionalização dos objetivos…………………………………………………………….24
4. Apresentação dos resultados………………………………………………………………….……………………………………27
4.1. Procedimentos de recolha de informação empírica………………………………………………………………..27
4.2. Análise da informação recolhida…………………………………………………………………………………………….29
4.2.1. Descrição da atividade dos entrevistados dentro do Poetry Slam………………………………29
4.2.2. Poetry Slam em Portugal……………………………………………………………………………………………30
4.2.3. De mim para o outro………………………………………………………………………………………………….31
4.2.4. Mensagem transmitida – Entre a Arte e o Artivismo………………………………………………….33
4.2.5. Mensagem transmitida – Do íntimo…………………………………………………………………………..37
4.2.6. Mensagem transmitida – O complemento do gesto…………………………………………………..38
4.2.7. Dinâmicas relacionais entre os constituintes do Poetry Slam…………………………………….41
4.2.8. A existência de uma comunidade………………………………………………………………………………43
4.2.9. Uma competição não competitiva……………………………………………………………………………..45
5. Conclusão………………………………………………………………………..……………………………………….………………….49
6. Referências bibliográficas…………………………………………………………………………………………………………….51
6.1. Bibliografia metodológica……………………………………………………………………………………………………….51
6.2. Bibliografia académica……………………………………………………………………………………………………………52
6.3. Bibliografia não académica…………………………………………………………………………………………………….56
7. Anexos…………………………………………………………………………………………………………………………………………57
7.1. Programa campeonato nacional de Poetry Slam 2017…………………………………………………………..57
7.2. Entrevistas……………………………………………………………………………………………………………………………..59
7.3. Observação…………………………………………………………………………………………………………………………..100
7.4. Relatórios de campo…………………………………………………………………………………………………………….105
7.5. Poemas…………………………………………………………………………………………………………………………………113
7.6. Guiões de entrevistas……………………………………………………………………………………………………………131
7.7. Grelha de observação…………………………………………………………………………………………………………..133

1
Introdução
A palavra é um veículo de afirmação e expressão pessoal e social assumindo, também, “o seu papel de
ferramenta de atuação cultural” (Oliveira, 2013: 205). É através das palavras que assumimos a nossa
identidade pessoal e que nos posicionamos no mundo, que exprimimos as nossas emoções e ideias e que
nos relacionamos com os outros e surge, não apenas como objeto estético, mas “como discurso e como
instrumento de mudança do mundo” (Neves, 2016).
A literatura pode ser definida como a “arte que emprega como instrumento a palavra” (Rocha,
1996, apud. Silva e Costa, 2008: 50), apropriando-se dela e, a partir daí, torna-se capaz de estimular
emotivamente o recetor (Eco, 1968).

Não existe uma definição exata e objetiva de poesia embora vários autores se tenham esforçado
por defini-la. No dicionário, a poesia é definida como a “arte de fazer obras em verso” ou “género de
composição poética, geralmente em verso”. A poesia é, então, um género literário e caracteriza-se por
ser um estilo onde está associado um grau elevado de subjetividade, sendo o resultado da expressão de
sentimentos e daquilo que rodeia o poeta (Costa e Silva, 2008). É um estilo caracterizado pela presença
de rimas e “trata antes de tudo (…) da arte da palavra, da arte de se exprimir perceções através de
palavras, organizando estas em padrões lógicos, musicais e visuais” (Faustino, 1977, apud. Cavalcanti,
2014: 7).

Numa perspetiva mais romântica deste género literário, Valéry acredita que a poesia é “a
tentativa de representar ou de restituir por meio da linguagem articulada aquelas coisas ou aquela coisa
que os gostos, as lágrimas, as carícias, os beijos, os suspiros procuram obscuramente exprimir” (Valéry,
1999, apud. Cavalcanti, 2014: 6). Já Umberto Eco (1968) para definir poesia utiliza as considerações de
Maritain (1957), em que diz que a poesia é um “processo de identificação do artista com aquilo que deve
exprimir, para poder comunicar esta experiência profunda a outrem”.

Fernando Pessoa (1912) defende que a poesia é representativa do estado social da época e
do país onde o autor se insere, reforçando a ideia que, apesar de ser um exercício individual, não é
possível separá-lo do meio envolvente.
O tema que nos desafiamos a estudar e a analisar é o Poetry Slam, uma prática que utiliza a
palavra e, mais precisamente, a poesia como instrumento de autoafirmação pessoal e de integração
social.

O Poetry Slam é uma competição que alia a poesia à performance. É uma prática de poesia

1
performativa que teve origem nos Estados Unidos da América e que tem na sua composição várias
regras que os participantes devem respeitar.

Marc Smith, um construtor civil e poeta americano, iniciou um evento de leituras de poesia
num clube de Jazz em Chicago, em 1984. A ideia era criar um evento de microfone aberto em formato
poesia, no qual combinaria performances de vários poetas como se estivessem numa luta de palavras.
Em 1986, começaram a existir noites semanais de Poetry Slam em Chicago. A ideia da competição
passava por criar uma espécie de “Olimpíadas” da poesia em que os poetas eram avaliados por um
júri numa escala de 1 a 10, sendo que o próprio público era também encorajado a participar através
de aplausos e gritos perante os poemas que mais gostavam ou através do silêncio durante os que
menos gostavam.

Para poderem participar na competição, os participantes têm de ter no mínimo 16 anos de


idade e os poemas apresentados devem ser de autoria própria. Cada slammer tem três minutos para
apresentar e interpretar o seu poema, sendo que normalmente são apresentados três poemas por
pessoa. Caso os participantes ultrapassem os três minutos serão, gradualmente, penalizados. Os
autores não podem ser auxiliados por música, sons ou adereços, embora seja permitido fazer sons
com o próprio corpo.

Os participantes podem apresentar-se individualmente, em duo ou em trio e as suas


performances são avaliadas por um grupo de cinco jurados escolhidos aleatoriamente no público,
sendo que a avaliação é “relativamente subjetiva e não se baseia numa notação de tipo académico. O
objetivo é oferecer ao público a possibilidade de escolher os poetas que querem ver a passar às rondas
seguintes” (Portugal Slam: 2017). Assim, as leituras humanizam a poesia, tirando-lhe a configuração
académica, passando-as para propriedade pública (Burrows, 2005).

O fenómeno Poetry Slam cresceu e expandiu-se um pouco por todo o mundo, chegando a
Portugal em meados de 2009. Foi no Festival Silêncio em 2009 que, pela primeira vez, houve espaço
para aliar a poesia à performance e desde então tem sido um movimento crescente em Portugal. A
expansão do Poetry Slam para várias cidades portuguesas projetou a criação do Portugal Slam, a
plataforma portuguesa de poesia performativa “criada em articulação com as várias organizações do
país que têm dinamizado eventos locais de Poetry Slam nas suas cidades – nomeadamente Amadora,
Almada, Aveiro, Barcelos, Braga, Coimbra, Évora, Faro, Lisboa, Matosinhos, Ponta Delgada, Porto e
Viseu” (Portugal Slam, 2017).
A plataforma Portugal Slam realiza, desde 2014, o festival anual de Poetry Slam que coloca

2
frente a frente os vencedores dos concursos locais. O vencedor do festival nacional de Poetry Slam
terá a oportunidade de, posteriormente, representar Portugal no campeonato europeu e do mundo,
“valorizando dessa forma a língua portuguesa e os artistas que trabalham em território nacional”
(Portugal Slam, 2017).

Esta prática vai criando uma rede cada vez mais diversa e abrangente de poetas que põem à
prova o seu talento e os seus conhecimentos, numa constante partilha de experiências e ideias, sendo
considerado como “um movimento de expressão poética, social e cultural, que revitaliza a prática da
oralidade, da troca e partilha de ideias e mensagens” (Portugal Slam, 2017).

O propósito do presente trabalho é dar a conhecer a prática do Poetry Slam em Portugal, um


movimento crescente no nosso país que ganha cada vez mais adeptos e participantes, apresentando
para isso uma base teórica que nos permita conceptualizar e enquadrar o Poetry Slam e as suas
componentes e constituintes.

O interesse do grupo pelo tema surgiu após tomarmos conhecimento desta prática até então
desconhecida por nós. O Poetry Slam suscitou, assim, a nossa curiosidade pelo facto de as pessoas se
organizarem e se juntarem em grupos para debater, através da poesia, questões e problemas sociais
e, ainda, por consistir um espaço de sociabilidade e fortalecimento de laços de solidariedade.

Para tentar compreender as dinâmicas e especificidades da comunidade portuguesa de Poetry


Slam foi necessário realizar uma análise pormenorizada de vários conceitos-chave, tentando
relacioná-los entre si.
A presença do grupo no festival nacional de Poetry Slam permitiu-nos conhecer visões e
realidades que não nos foi permitido considerar apenas através da leitura de bibliografia. Assim,
incorporámos, no presente trabalho, a questão do género, que foi um aspeto descoberto através de uma
entrevista exploratória. Assim, analisámos ainda, além dos conceitos-chave, a situação das mulheres no
Poetry Slam em Portugal, uma vez que é um tema que tem merecido o destaque da plataforma Portugal
Slam, sendo uma das preocupações da organização.
A construção de uma base teórica numa investigação é vital para a observação da realidade,
assim, para além da importância de definir e operacionalizar os conceitos nucleares para a análise do
nosso objeto de estudo, é ainda importante partir para a reflexão sobre os métodos e técnicas de
investigação mais pertinentes a utilizar, de modo a conseguir fazer a ponte entre a teoria e a empiria
sendo, para isso, necessário realizar um trabalho de vaivém constante entre enunciados teóricos e

3
verificação empírica (Abrantes, 2003).

4
1. Conceitos nucleares para a análise do Poetry Slam
Antes de iniciar a análise do Poetry Slam em contexto nacional é necessário, primeiramente, reunir
algumas considerações teóricas e de enquadramento dentro daquilo que consideramos ser os principais
conceitos que envolvem o Poetry Slam: a arte, a subcultura e ethos, a coesão social e o ativismo cultural.

1.1 Definição
No que ao conceito de arte concerne, Sócrates defendeu a teoria da imitação, argumentando que a arte
era resultado de uma imitação (Almeida, 2014). Na arte antiga, era privilegiada sobretudo a capacidade
de reproduzir a realidade, como se de um espelho se tratasse, embora se tenha vindo a verificar que a
imitação não é uma condição suficiente para considerar um trabalho como obra de arte (Danto, 2006).
Outra teoria que trabalhou a definição de arte foi a expressivista, que considerava que a propriedade
unificadora da arte era a expressão de emoções e sentimentos pessoais (Almeida, 2014).

Mag Uidhir acredita que mais importante do que pensar uma definição de arte é elaborar uma
teoria sobre as condições mínimas que uma definição de arte deve conter, tratando-se portanto, “de uma
meta-teoria1 da arte, que Uidhir batiza com o nome de Teoria das Tentativas de Arte” (Almeida, 2014:
31).

A Teoria das Tentativas de Arte resulta, sobretudo, da ideia de que “a arte depende de intenções
e que a dependência de intenções é uma condição da arte” (Almeida, 2014: 31). Para que as obras de arte
sejam um produto das intenções das pessoas elas têm de ser, também, um produto de tentativas –
tentativas estas que podem falhar. Ou seja, uma obra para que seja considerada arte tem de conseguir
materializar a ideia que o artista pretende passar, isto é, o autor tem de conseguir exprimir aquilo que
pensa e sente na mesma medida em que o idealiza na sua cabeça.

Penso que é seguro referir que a arte está intimamente ligada ao indivíduo, uma vez que resulta
da expressão de emoções, sentimentos, ideias e/ou ideais pessoais; mesmo quando são expressados em
grupo, pois é sempre um resultado das várias manifestações e expressões dos indivíduos combinados em

1
A metateoria pode ser definida como uma teoria que se desenvolve a partir do trabalho teórico relativo a um
determinado tema. É, portanto, uma reflexão sobre vários trabalhos que consiste num “exercício de mapeamento
das pressuposições e proposições gerais” (Vandenberghe, 2013) de uma teoria com o objetivo de construir uma
mais sólida e abrangente.

5
grupo. Porém, e apesar de a arte ser um resultado do imaginário individual, nela “encontramos sempre a
sociedade” (Bastide, 2006: 296).

A arte está sempre embrenhada pelo e no contexto social onde se manifesta. Pode surgir
como um meio de “fuga” do artista para o imaginário ou como reação à própria sociedade (Bastide,
2006). O próprio artista não se consegue isolar e separar do mundo no seu processo de criação
estando sempre, de alguma forma, conectado ao meio social onde está inserido e suscetível a
influências e fatores exteriores. Neste sentido, pode-se também muitas vezes considerar a arte como
uma forma de ativismo, sendo que estes conceitos estão em constante relação um com o outro.
Jennifer Verson (2017) designa esta ideia como “artivismo cultural”, defendendo que este é um ponto
de encontro entre a política, a performance, a arte e o ativismo.
O espírito artístico de um indivíduo caracteriza-se pela vontade de querer materializar o mundo
como o imagina na sua mente e conecta-se com o sentimento de manifestação e revolta contra o sistema
ou com a insatisfação com problemas sociais, sendo que o indivíduo se expressa com a intenção de propor
e desencadear a mudança.

Trata-se, então, de um “ativismo que procura romper com pressupostos e expectativas comuns
em relação ao mundo” (Buser e Arthurs, 2012: 4), que utiliza diversos meios artísticos para se manifestar,
sendo o teatro, a representação, a música, a arte, a poesia e a literatura, apenas alguns exemplos. Raposo
(2015) e Cardoso (2013) utilizam o neologismo “artivismo” em vez de ativismo cultural para definir este
fenómeno.

Relativamente à sensibilização e ao apelo à mudança, a arte tem também o efeito de motivar e


incentivar o público para a mobilização e participação nestes movimentos de oposição e manifestação,
surgindo a arte como uma ferramenta de “recrutamento”. Buser e Arthurs (2012) fazem referência a esta
característica do ativismo cultural através de uma teoria desenvolvida por Bishop (2006). A autora refere
que as tentativas artísticas de incentivar a participação que têm surgido desde a década de 1960 têm três
agendas principais, ou seja, três conjuntos de compromissos.

A primeira consiste na abordagem de um tema, movimento ou problema social que vai ganhando
força através da participação física e simbólica dos indivíduos. Caso este movimento ganhe aderência
suficiente, pode vir a estabelecer a sua própria realidade política e social. É, então, uma agenda que tem
como foco mobilizar o maior número de pessoas possível de maneira a implementar as mudanças
desejadas pelo grupo.

6
A segunda agenda apresentada por Bishop é uma cedência de autoria, isto é, são grupos que
utilizam a arte (seja ela teatro, poesia, pintura, etc.) e que tendem a criar um ambiente de reconhecimento
artístico igualitário entre todos os membros do movimento, pelo que estes, por norma, não reivindicam
a autoria de trabalhos artísticos individuais, já que o reconhecimento é esperado pela totalidade do grupo.

A última agenda diz respeito ao agravamento de sentimentos de crise numa comunidade


relacionado com um sentimento de responsabilidade coletiva. A arte chama a atenção do público de
maneira a suscitar a mudança, e é o sentimento de urgência e de responsabilidade para provocar essa
mudança que produz a progressão do grupo. Esse sentimento de urgência e de responsabilidade é
responsável pela criação do movimento (entenda-se por movimento, o grupo de indivíduos que se regem
por determinadas ideias), uma vez que a conclusão de que tem de haver mudança fomenta uma vontade
de agir dentro do grupo. A ferramenta utilizada para fortalecer o movimento através da participação –
espalhando, assim, o sentimento de urgência – é a arte.

Quando se fala em movimentos pode-se considerar que existe um certo tipo de coesão, sendo
que a coesão pode ser definida como uma crença partilhada pelas pessoas de uma certa nação ou
sociedade, em que os indivíduos formam uma comunidade moral que lhes permite confiar uns nos outros
(Larsen, 2013).

Desde cedo que a erosão das sociedades onde existia diferenciação considerável era uma questão
levantada. Durkheim caracterizou a solidariedade mecânica das sociedades pré-modernas a partir do
facto de as pessoas pensarem de maneira muito idêntica. A comunidade e as suas partes não materiais
tornam-se evidentes através da consciência coletiva, que originou o termo “coesão social” na obra
durkheimiana. Um exemplo prático são as sociedades fortemente influenciadas pela religião na época do
autor, cuja violação da conduta moral vigente poderia levar à punição severa. Durkheim defende que este
é um exemplo de uma sociedade-padrão da coesão social (Quintaneiro, 2002).

A ideia de que uma sociedade onde existe diferenciação não tem nenhuma forma de coesão social
não é considerada por alguns sociólogos contemporâneos que acreditam que o mundo globalizado, os
valores da tolerância e do respeito pela diversidade fazem com que as pessoas necessitem umas das
outras para sobreviverem e manterem a paz e promove a coesão social, tornando-se esta uma realidade
também para grupos heterogéneos, desde que sejam partilhados valores, princípios ou ideias morais
entre os seus membros (Quintaneiro, 2002).

Podemos, aqui, introduzir o conceito de subcultura, que começou a ser definido a partir da Escola
de Chicago, que utilizou o conceito de subcultura para fazer referência à teoria do desvio, numa altura em

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que a população em Chicago aumentou exponencialmente, sobretudo devido à imigração de cidadãos
europeus e migração de indivíduos de outras cidades norte-americanas (Cortés, 2008). Esta escola definia
as subculturas como grupos sociais de variadas etnias e culturas, que tinham comportamentos desviantes
e que envolviam indivíduos com personalidade criminal (Feixa, 1999).

Mais tarde, em Inglaterra, surge uma nova forma de interpretação de grupos sociais associada
aos jovens e à resistência juvenil da classe trabalhadora. Dick Hebdige (1979) foi um dos precursores da
teoria da subcultura em Inglaterra, e relacionava-a com os estilos que surgiram no pós-guerra (como os
hipsters, os punks ou os teddy boys). O autor acredita que os membros de uma subcultura rejeitam a
cultura dominante, através de ações, movimentos, vestuário, gestos que expressam as suas contradições
e negações em relação à sociedade (Cortés, 2008). Ou seja, é um “grito”, uma oposição que desafia a
dominação numa luta pela validação (Zucal, 2004).

Segundo Miguel Pinto (2013), a definição que os teóricos da CCCS (Center for Contemporary
Cultural Studies) apresentavam de subcultura passava pela ideia de que uma subcultura surgia
espontaneamente dentro de um grupo, como resposta à cultura predominante. O grupo respondia à
cultura dominante através da criação de ideias.

Assim, fazer parte de uma subcultura pode ser considerado como uma atitude de autoafirmação
em que o indivíduo se posiciona em um determinado grupo social onde se identifica e resiste aos grupos
ou sociedade prevalecentes:

“Através da pertença a uma subcultura, o indivíduo ganha a possibilidade de definir o seu modo
de estar, restringido pelo contexto intergrupal simbólico e ideológico, compartilhando, deste
modo, as normas grupais que correspondem a valores, representações sociais e a determinadas
condutas” (Castro, 2014: 30).

Assim, uma subcultura existe enquanto os membros de um determinado grupo compartilharem


as mesmas ideias, interesses e necessidades (Cohen, 1955).

Williams (2011) relaciona a subcultura ao marginal. O autor defende que a subcultura é uma
distinção entre aquilo que não é normativo e aquilo que se considera ser marginal. As subculturas,
enquanto fenómenos sociais, acabaram por se tornar numa forma de marginalização. Atualmente, as
subculturas perpetuam-se mais por uma não normatividade do que por uma ideia de marginalização.

A definição de ethos também foi apresentada por vários autores. Segundo Nelson Junior e Adriana
Telles (2017), o ethos pode ser definido como um recurso discursivo que tem como propósito

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impressionar positivamente um determinado tipo de pessoas, com a finalidade de conquistar a simpatia
do público para, assim, tentar persuadir o mesmo.

A perspetiva de ethos apresentada acima, está relacionada com dois aspetos do conceito de
enunciação (Junior e Telles, 2017). Ou seja, por um lado o orador deve estar atento na construção da sua
imagem e, para isso, deve planear um discurso e, por outro lado, deve estar enquadrado nas qualidades
discursivas que o público mais valoriza, não devendo utilizar linguagem codificada porque esta pode ser
incompreensível para a audiência, sendo que essas qualidades discursivas dependerão de variados fatores
como o nível social, a idade ou o grau de instrução das pessoas.

Maria Baptista apresenta o conceito de ethos a partir da ideia de Bourdieu:

“Para Pierre Bourdieu, o ethos é o conjunto de princípios interiorizados que guiam a conduta do
indivíduo de forma inconsciente e que permite a adesão aos valores partilhados por determinado
grupo social” (2012: 19).

Ou seja, o ethos são as ideias pelas quais os indivíduos se guiam e nas quais sustentam as suas
decisões. São, então, ideias e valores tácitos, que estão lá embora as pessoas não deem pela sua presença
nem pensam neles antes de agir; essas ideias permitem que as pessoas se conectem e se relacionem com
os grupos que partilham as mesmas ideias.

Hermano define o ethos como um “conjunto sistemático de disposições morais, de princípios


práticos” (2006: 33). Esta abordagem vai de encontro à ideia apresentada em cima. O conjunto
sistemático de disposições morais diz respeito aos princípios interiorizados inconscientemente pelos
indivíduos e os princípios práticos dizem respeito ao facto de as ações que sustentam estes princípios
serem realizadas de forma não consciente e, por isso, práticas.

Por tudo isto, pode-se considerar que o conceito de arte e sociedade são, então, indissociáveis;
mantêm uma relação estreita embora não tenham uma finalidade ou sentido comum:

“Dizer que, por um lado, a sociedade influencia a arte e, por outro, a arte influencia a sociedade,
não significa que a mudança numa corresponda à mudança na outra, ainda que a mudança de um
lado conduza inevitavelmente à mudança do outro lado. A arte e a sociedade coexistem como duas
realidades diferentes, mas não isoladas”2 (Hauser, 1974: 202).

2
O livro consultado está escrito em Espanhol, pelo que a tradução e interpretação do excerto é da nossa inteira
responsabilidade.

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A ideia de Hauser vai de encontro àquilo que Bastide (2006) defende quando afirma que a arte
vive num certo meio social, estando sempre subordinada a fatores externos que tendem a mantê-la ou a
modificá-la.

Pierre Bourdieu (1984) vai mais longe nesta análise. O autor reduz a arte ao valor que uma
sociedade ou grupo social lhe atribui, afirmando que uma obra de arte existe na medida em que uma
comunidade crê no seu valor; ou seja, um produto é considerado arte porque é reconhecido como tal em
determinados círculos sociais (Carvalho, 2015). Bourdieu liga, então, o objeto artístico ao círculo social
onde este foi produzido, defendendo que o espaço de produção é coincidente com o espaço de consumo
e que os “artistas criam para um público que são os seus pares” (Carvalho, 2015: 208).

Bourdieu (1979) considera ainda que as escolhas estéticas estão presentes em todas as camadas
sociais, ou seja, cada classe forma o seu padrão estético. Uma das áreas em que o gosto atua fortemente
como classificador dos indivíduos é a área musical, em que Bourdieu (1979) refere que não há nada tão
poderoso quanto o gosto musical para classificar os indivíduos e por onde somos infalivelmente
classificados.

Um outro contributo para a sociologia da arte foi dado por Umberto Eco, que introduz o conceito
de obra aberta. Segundo U. Eco, uma obra de arte tem um caráter fechado em que o artista cria um
determinado produto com uma intenção exata e precisa, esperando que o público a interprete tal como
ele o pensou e quis (Eco, 1968) mas, ao mesmo tempo, é aberta por estar suscetível à interpretação e
compreensão do público, que a “absorve e interioriza em diferentes graus de intensidade” (Carvalho,
2015: 221). A escrita está, desde sempre, associada à arte, sendo a literatura uma forma de arte que se
serve de palavras-conceitos (Eco, 1968).

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2. Para uma análise do Poetry Slam
O uso e a apropriação da palavra é uma das mais importantes componentes nas competições de
Poetry Slam, sendo esta prática considerada pelos próprios participantes como um “movimento
literário” (Wiesenhofer, 2008) de expressão livre e subjetiva.

No entanto, a celebração da arte da interpretação oral e da performance, a relação entre o


poeta e a audiência e a prática do Poetry Slam enquanto atividade de politização, ativismo ou
expressão, formam também alguns dos principais ingredientes de uma sessão de Slam. É, então,
crucial considerar alguns fatores e os conceitos já definidos anteriormente para a análise do Poetry
Slam.

2.1 Fatores a considerar


Quando se analisa o Poetry Slam, é importante ter a clara noção de que esta é uma prática que
promove e celebra a diversidade cultural dos participantes através da poesia e de que não estamos
somente, perante um fenómeno cuja atenção se reduz à escrita e, mais especificamente, à poesia.
Estamos perante uma prática de poesia-falada-interpretada, pelo que a oralidade, a expressão
corporal, a performance são fatores chave que devem ser analisados.

É importante ainda analisar as interações existentes nos eventos de Poetry Slam, uma vez
que os organizadores de slams, os slammers e as pessoas que se mobilizam para assistir a estes
eventos têm gostos comuns e juntos formam a comunidade de Poetry Slam. Ou seja, esta prática,
apesar de ser intimamente subjetiva relaciona-se, em concomitância, com as formas como os
indivíduos se relacionam com o mundo, sendo que isto não se verifica exclusivamente no conteúdo
dos poemas apresentados e interpretados, mas também no gosto pela poesia e pela performance e
na forma como os indivíduos se relacionam entre si e partilham ideais, valores e padrões de
comportamento.

A prática do Poetry Slam coloca em evidência aquilo que está a ser dito e a forma como está
a ser apresentado. É um exercício de oralidade que dá relevo às capacidades e qualidades acústicas
e rítmicas (associadas à poesia) do artista e um espaço onde a “fala e a escuta estão permeadas pela
gestualidade, linguagem facial, indumentária, peculiaridades do ambiente em que ocorrem e pela
conexão emocional estabelecida entre artista e público ao longo da performance” (Zumthor, 1997,
apud. Minchillo, 2016: 137). A poesia performativa é uma experiência em que o público observa e

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compreende a forma como o artista “incorpora fisicamente o poema” (Somers-Willett, 2009, apud.
Minchillo 2016: 139) numa viagem entre a expressividade da voz do autor (incluindo a entoação, a
linguagem utilizada, a musicalidade (ou não) da voz, os movimentos corporais (a respiração, os gestos
e sua teatralidade, a penetração do olhar e as expressões faciais) e o conteúdo e força das palavras
na estruturação do poema (Grossi, 2008).

A conjugação destas várias linguagens no processo comunicativo aproxima o público do


artista e facilita a relação e o entendimento entre a palavra e o mundo, uma vez que não se trata
simplesmente de ouvir, mas sim de observar, interpretar e relacionar a escrita com a oralidade e a
expressão corporal (Grossi, 2008).

A relação entre público e artista é importante analisar, uma vez que as performances dos
slammers são avaliadas por um conjunto de jurados escolhido aleatoriamente no público sendo a
avaliação subjetiva e baseada, à partida, no impacto emocional que o artista – com a sua
performance – provoca nos presentes. Assim, deve ser uma preocupação dos slammers conquistar
o público através do seu discurso, procurando utilizar e conjugar as linguagens da melhor maneira
possível para conseguir obter uma maior pontuação dos júris.

O Poetry Slam é considerado “um movimento de expressão poética, social e cultural”


(Portugal Slam, 2017). Um espaço onde há espaço para abordar temas e problemas sociais, onde
existe “um comprometimento político comunitário, um exercício coletivo de emancipação das vozes
subalternas e a luta das comunidades pela superação de seus traumas e problemas” (Minchillo, 2016:
142), reforçando assim alianças de solidariedade entre as pessoas, onde se estabelece a “comunhão
de um “nós” em nítida oposição a um “outro”” (Minchillo, 2017: 7).

No Poetry Slam são recorrentes os discursos políticos e sociais nos poemas apresentados, o
que transmite a ideia de que esta prática tem um caráter ativista associado, em que a palavra surge
como ferramenta de combate e consciencialização da sociedade. Esta atitude relutante promove a
coesão, a solidariedade e a integração dentro da comunidade e aumenta o sentimento de
identificação com o outro, galvanizando o próprio público e aproximando-o dos artistas.

Assim, o Poetry Slam faz parecer que as pessoas que nele participam (seja enquanto artistas
ou enquanto recetores) constituem um grupo coeso, com identidade social, já que esta decorre da
interação dos constituintes do grupo uns com os outros e do sentimento de pertença acompanhado
por um significado emocional para os indivíduos, em que estes partilham certas características e
valores comuns (Saint-Maurice, 1997).

12
2.2 Plataforma Portugal Slam como promotora de consciencialização
Este ano, o tema proposto pela plataforma Portugal Slam para o festival nacional foi “Arte &
Resistência”, que teve como propósito “proporcionar, in loco, o cruzamento de várias práticas
artísticas mostrando que a palavra pode ser expressada e transmitida de diversas formas,
sobrevivendo assim a qualquer regime cultural, limite político e/ou padrão social” (Portugal Slam:
2017). Desta forma, o Portugal Slam reforça a importância da celebração e emancipação da
diversidade cultural, ao mesmo tempo que incita a abordagem de matérias que fomentam a mudança
e a sensibilização.
É importante referir que o festival não se reduz à competição de Poetry Slam. Durante os três
dias do festival foram promovidos vários eventos como workshops, sessões de Poetry Slam com
convidados (inclusive internacionais), sessões de microfone aberto (em que qualquer pessoa pôde
participar), apresentação do livro “Caderno Poético” – uma coletânea que reúne poemas de vários
slammers portugueses – e debates variados.

Uma das preocupações da plataforma Portugal Slam tem sido a pouca presença de mulheres
slammers nos eventos de Poetry Slam. Assim, este ano, o Portugal Slam abriu espaço para o debate
durante o festival nacional e promoveu uma mesa redonda intitulada de “Resistência Feminina! –
debate sobre o papel feminino nas diversas práticas artísticas” que contou com a participação de uma
escritora, três slammers e dois professores universitários especializados em literatura.

A inclusão deste debate no programa do festival traduz a necessidade de se estimular a


reflexão sobre o papel das mulheres na arte e, em especial, na poesia. Desta forma, consideramos
importante referir este tema no presente trabalho, ainda que de forma breve, uma vez que tem sido,
também, uma das preocupações do Portugal Slam.

Li Alves (slammer e coordenadora geral da plataforma Portugal Slam):

«Este ano é o primeiro ano em que temos quase tantas mulheres quanto homens na final
do festival nacional de Poetry Slam, o que é fantástico! Nos outros anos têm sido sempre
duas, no máximo… Isto quando há alguma.»

No que concerne à arte, nascer mulher sempre foi, historicamente, “um entrave ao ser artista: a
falta de acesso ao ensino artístico ou às possibilidades de viajar, as condicionantes sociais à
profissionalização feminina, o peso das responsabilidades familiares e domésticas” (Vicente, 2011:20) e a
subordinação das mulheres face aos homens afastavam as mulheres desta atividade.

13
Anabela (professora universitária):
«De alguma forma, o acesso à palavra é sempre uma questão de poder. E quem tem direito
à palavra e à palavra pública tem sempre um grande poder sobre os outros. E esse acesso
à palavra foi sempre, ao longo da história, muito vigiado em relação a todos aqueles que
eram mais excluídos e aí temos então, a questão do género, mas também a questão das
raças e das classes.»

Lourdes Pérez (1986) defende que a arte é um meio essencialmente masculino, dado o facto
de os homens estarem historicamente mais associados à cultura, enquanto as mulheres são
identificadas e associadas à natureza devido à fertilidade do seu corpo (Donath, 2017). É importante
referir que foi apenas durante o século XX, na Europa, que começaram a ser reconhecidos direitos às
mulheres e que se foi abrindo, gradualmente, a possibilidade da conquista do espaço público por parte
das mulheres. Até então as mulheres eram definidas, antes de tudo, como “boas mães” e “boas
esposas”, inevitavelmente confinadas à esfera privada uma vez que em termos legais, em muitos
países, pouco era permitido à mulher sem a permissão do marido ou do pai.

Ainda que algumas mulheres tenham dedicado grande parte da sua vida à arte, na maioria
dos casos, as suas obras não eram reconhecidas pelos seus contemporâneos. Esse facto levou muitas
mulheres a assinarem as suas próprias obras com pseudónimos masculinos, uma vez que as mulheres,
no passado, nunca haviam ocupado um espaço socialmente reconhecido, sendo que a maioria da arte
reconhecida e legitimada pelos críticos eram obras masculinas, uma realidade que se observa inclusive
nos museus, que ainda hoje se apresentam repletos de obras masculinas (Pérez, 1986).

Anabela (professora universitária):


«O acesso à escrita por parte das mulheres era muito condicionado e visto como uma forma de
transgressão porque não lhes era dado, por um lado, o acesso à palavra e, por outro, o direito
de exprimirem a sua subjetividade. As mulheres sempre desempenharam um papel de
protagonistas na poesia enquanto musas inspiradoras e objeto de desejo, mas enquanto
autoras e sujeito eram apagadas.»

Para além de a mulher aparecer frequentemente representada como “musa”, fonte de inspiração,
objeto estético, “troféu” e poucas vezes como criadora (Pérez, 1986), ainda há espaços e abordagens que
não são socialmente bem aceites quando discursados por mulheres. A sexualidade, o erotismo, o discurso
direto, cru são exemplos de temáticas que continuam a ser tabu quando abordadas por mulheres.

14
Anabela (professora universitária):
«A Maria Teresa Horta ia publicar um livro de poesia que se chamava “Minha senhora de
mim”, nos anos 60, em que falava das suas experiências eróticas, e esse livro foi
imediatamente confiscado. Numa altura em que vários autores homens, como o David
Mourão-Ferreira ou o António Ramos Rosa já publicavam poesia erótica em que o sujeito
era masculino. O que significa claramente que essa exposição por parte do sexo feminino,
enquanto sujeito, é sempre muito mais difícil de respeitar por parte da sociedade.»

Li Alves (slammer e coordenadora geral da plataforma Portugal Slam):

«Eu posso falar da minha experiência. Uma vez, em Braga, num evento de Poetry Slam,
apresentei um poema interventivo, mais direto, com uma atitude e uma linguagem mais
agressiva e um senhor interrompeu a minha atuação e começou a dizer coisas como: “Então
muda de país, o que é que estás aqui a fazer?”. Depois levantou-se e foi-se embora. Parece-
me que não há tanta aceitação com o conteúdo que a mulher diz na poesia e na forma como
o interpreta. Parece que temos de ter mais cuidado a escrever e a dizer, e esse cuidado
limita-nos.»

Carla (slammer e poetisa):

«No meu caso, eu noto essa barreira. Tenho algumas coisas eróticas escritas e ainda não as
publiquei como eu gostaria, por causa dos medos, de pensar se vai ou não ser aceite.»

Assim, a arte não é uma atividade totalmente livre, estando integrada numa determinada
estrutura social (Linda Nochlin, 1980, apud. Leal, 2012) e condicionada pelos contextos sociais de
uma sociedade.
A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (s.d) considera importante assegurar que
as mulheres artistas consigam expor os seus trabalhos, que sejam financiadas e publicitadas e que sejam
incluídas no planeamento educativo.

Anabela (professora universitária):


«Com o surgimento de várias editoras independentes já é mais fácil a publicação de obras

15
escritas por mulheres, mas publicar não chega. É preciso que as obras das mulheres entrem
nos livros de referências, nas histórias literárias, nas enciclopédias. O que acontece
atualmente a nível da academia, das universidades é que os estudos sobre escritoras são
subvalorizados, ainda é considerado uma área um pouco inferior. Eu, enquanto professora,
se vou ter de ensinar literatura e tenho há minha disposição tantos livros de autores
homens e tão poucos de mulheres, é mais fácil e provável (se não tiver esse cuidado)
escolher mais obras escritas por homens, e assim vai-se perpetuando esta desigualdade e
esta situação.»

A pouca representatividade das mulheres na arte está cristalizada por causas históricas e sociais
que estão enraizadas na sociedade e que constituem ainda ecos e resíduos de sociedades patriarcais. Se,
por um lado, há um apelo para se inverter e ultrapassar esta situação, por outro, continuam a ser
reproduzidos mecanismos separatistas, que continuam a excluir as obras de artistas mulheres dos
museus, das enciclopédias e continuam a existir discursos promotores de desigualdade, que condicionam
a liberdade e a individualidade das mulheres.

16
3. Desenho de pesquisa
Pretende-se, com esta investigação, analisar os traços e características da comunidade portuguesa
de Poetry Slam, sendo para isso importante considerar as suas componentes incluindo a
organização das comunidades locais de Poetry Slam, a plataforma Portugal Slam, o público e (sua
relação com) os slammers – abrangendo as suas qualidades e especificidades, bem como a análise
dos seus poemas e suas performances.
Os procedimentos da observação, os métodos utilizados e a explicitação da realidade a
observar serão apresentados e justificados no presente capítulo.

3.1 População a observar


Segundo o Instituto Nacional de Estatística (2003), a população é um conjunto de elementos como
pessoas, entidades, objetos ou acontecimentos que têm uma característica em comum.

A população que pretendemos observar nesta investigação é a comunidade portuguesa de


Poetry Slam, incluindo a plataforma Portugal Slam, as comunidades locais, os slammers e as pessoas
que se mobilizam para os eventos de Poetry Slam.

Como referido em capítulos anteriores, a organização Portugal Slam é a principal


promotora de eventos de Poetry Slam em Portugal, servindo de mediadora das diversas
comunidades locais e é responsável pela organização do campeonato nacional anual (que em 2017
se realizou nos dias 26, 27 e 28 de outubro) de onde se determina o campeão nacional de Poetry
Slam que representará Portugal no campeonato europeu.

Esta investigação será elaborada segundo os princípios do método de investigação


intensivo. Através deste método, poderemos fazer uma combinação de técnicas como a observação
direta, as entrevista e análise de conteúdo com vista a recolher informação pertinente para o
estudo, sendo que esta informação será recolhida através da presença no festival nacional de Poetry
Slam 2017, através da análise de poemas de vários slammers e entrevistas a alguns membros da
comunidade portuguesa de Poetry Slam – como os coordenadores gerais da plataforma Portugal
Slam, o campeão nacional e europeu de Poetry Slam em 2016 e membros de outras comunidades
locais.

17
3.2 Objetivos da investigação
Referimos anteriormente que os campeonatos nacionais de Poetry Slam estão organizados de
forma a que a competição seja entre as diversas comunidades locais. Nesse sentido, será
interessante perceber se esta prática fortifica laços de solidariedade entre territórios, uma vez que
o seu foco são as questões sociais e existem problemas transversais a todas as regiões, podendo o
Poetry Slam ser um espaço onde se reforçam alianças de combate aos problemas sentidos e sofridos
pelos elementos da comunidade (Minchillo, 2017) e onde se solidificam relações interpessoais,
podendo emergir assim um sentimento de identificação e pertença à comunidade. Para isto, será
pertinente analisar a forma como as próprias comunidades locais se organizam e em que medida o
Slam promove as redes de sociabilidade entre regiões.

Ainda relativamente ao sentimento de pertença e identificação, pretende-se compreender


se os próprios slammers se identificam e valorizam o facto de, durante o festival, se apresentarem
como representantes da sua cidade, podendo esse sentimento de ancoragem a um território
despoletar no indivíduo determinadas emoções e até, sentido de responsabilidade podendo,
consequentemente, afetar o ambiente do próprio evento, fazendo progredir a competitividade
entre os artistas.

Os campeonatos de Poetry Slam são dedicados a um tema específico, sendo que esse tema
serve de linha orientadora para a plataforma Portugal Slam organizar e promover eventos e
debates. O tema serve ainda de guia para os slammers, no entanto, os seus poemas não precisam
necessariamente e obrigatoriamente de abordar o tema em questão. Assim, será interessante
compreender até que ponto o intento da plataforma Portugal Slam para abordar assuntos de
natureza social não pode ser considerado uma forma de artivismo, na medida em que os
campeonatos de poesia performativa estimulam “os destinos potenciais da arte enquanto ato de
resistência e subversão” (Raposo, 2015: 5).

Para isto, é importante analisar a forma de organização do Portugal Slam, isto é, quais os
critérios de seleção da plataforma na escolha dos temas para os seus eventos, sendo também
importante analisar o conteúdo dos poemas interpretados pelos slammers, não apenas devido ao
facto da construção do poema ser um dos critérios para a avaliação da performance de um
participante, mas também pela sua composição ser um resultado da sua subjetividade e, a partir
daí, conseguiremos compreender as ideias e mensagens que os participantes mais se preocupam
em transmitir.

18
O Poetry Slam é uma atividade conjunta, isto é, a prática do Slam não se condensa nos
slammers, nos poemas ou nas performances. O público tem um papel de elevada importância já
que, em todo o caso, é ele quem decide os artistas que quer ver passar à ronda seguinte.
Relembramos que Marc Smith, quando criou o Poetry Slam tinha o objetivo que esta fosse uma
prática democrática, em que a plateia pudesse ser parte do espetáculo, não apenas através da
votação, mas também através da reação aos poemas dos artistas, através de palmas, assobios ou
silêncios. Nesse sentido, pretende-se também aqui compreender as dinâmicas entre público e
slammers e examinar a forma como o público reage aos poemas e às pontuações.

3.3 Método e técnicas de investigação


Como referido em alíneas anteriores, o método de investigação utilizado é o método intensivo. Este
método caracteriza-se por permitir efetuar uma análise em profundidade das características de uma
determinada população, privilegiando a “abordagem direta das pessoas nos seus próprios contextos
de interação” (Almeida, 1995: 198).
O método intensivo é pertinente quando se utilizam técnicas de investigação qualitativa, sendo
que estas, segundo Uwe Flick, apresentam quatro traços essenciais, sendo eles: “a correta escolha de
métodos e teorias apropriados; o reconhecimento e análise de diferentes perspetivas; a reflexão do
investigador sobre a investigação, como parte do processo de produção do saber; a variedade dos
métodos e perspetivas” (2005, 4).

Relativamente ao primeiro traço, Flick (2005) defende que o desenho de pesquisa deve ser
feito tendo em conta o objeto de estudo, sendo primordial elaborar uma pesquisa e análise da
bibliografia existente relativa a esse tema para conseguir desenvolver uma boa base teórica. Apesar
disso, o autor explica, apoiando-se na ideia de Bortz (1984), que se deve ter em atenção aos casos
isolados (da população a ser estudada) de indivíduos que fujam às relações de causa-efeito
estabelecidas pelas teorias, uma vez que a realidade social não deve ser observada rigorosamente
de acordo com as teorias, já que a maioria “dos fenómenos não pode, de facto, ser explicada
isoladamente e é um resultado da complexidade do real e dos próprios fenómenos” (Flick, 2005: 5).

Relativamente à segunda característica essencial das técnicas qualitativas, Flick defende


que no campo existem “pontos de vista e práticas diferentes, devido a diferentes perspetivas dos
sujeitos e dos seus enquadramentos sociais” (2005: 6). No caso do Poetry Slam, não se deve reduzir

19
a análise à declamação do poema num ambiente de competição. Deve-se também estudar o
significado que esta atividade tem para aqueles que a compõem, compreender os motivos que
levaram os indivíduos a envolverem-se no Poetry Slam e de que forma esta prática os influencia.

Para explicar o terceiro traço, Flick (2005) indica que na investigação qualitativa existe um
tipo de participação ativa por parte do investigador, sendo que esta participação não está presente
na investigação quantitativa. No trabalho de campo, tanto a observação participante como a direta,
o investigador irá envolver-se diretamente com o objeto de estudo. Assim, a interpretação da
informação recolhida no campo e o seu desenvolvimento será afetado e condicionado pelo facto
de o investigador ter experienciado e recolhido essa informação em primeira mão.

Por fim, o autor explica, relativamente ao último traço, que a “investigação qualitativa não
se baseia numa conceção teórica e metodológica unitária” (Flick, 2005: 6). Ou seja, ao contrário da
investigação quantitativa, esta abordagem não segue uma estrutura tão linear e previsível. Existe
uma maior complexidade e uma maior reflexão a nível teórico, uma vez que a informação não será
tratada como dados estatísticos ou numéricos, onde a relação causa-efeito entre dois fatores é mais
exata e objetiva, sendo que nos métodos qualitativos, a própria recolha da informação é afetada
pela subjetividade do investigador.

A título de exemplo: na aplicação de um inquérito por questionário com perguntas


fechadas, o investigador sabe de antemão que não terá respostas imprevisíveis, não havendo
espaço para a imprevisibilidade e para a surpresa (Becker, 1996). Naturalmente que o investigador
não sabe qual das respostas possíveis o inquirido vai escolher, no entanto, ao contrário de um
relatório de campo ou das questões abertas de uma entrevista, as respostas às perguntas fechadas
de um inquérito por questionário têm um caráter previsível.

Como já referido anteriormente, as técnicas de investigação intensivas utilizadas nesta


investigação são a etnografia, as entrevistas compreensivas e a análise de conteúdo.

O estudo etnográfico foi realizado com base na técnica da observação direta, em que o
grupo marcou presença no 4º Festival Portugal Slam, que decorreu nos dias 26, 27 e 28 de outubro
de 2017.

As entrevistas compreensivas serão realizadas a diversos membros da comunidade


portuguesa de Poetry Slam, nomeadamente a alguns slammers, membros da organização Portugal
Slam e membros de uma comunidade local. Nestas entrevistas pretende-se explorar as relações dos

20
indivíduos com a prática do Poetry Slam e com a comunidade portuguesa, bem como as suas
perspetivas acerca desta prática, as suas experiências e aquilo que as levou a integrarem-se nesta
comunidade.

A técnica de análise de conteúdo será utilizada para a análise e interpretação de poemas


de vários slammers portugueses. O livro “Caderno Poético” (uma coletânea que reúne poemas de
diversos slammers portugueses) e a transcrição dos poemas apresentados no festival de Poetry
Slam (que o grupo registou em vídeo) permitirá elaborar esta análise.

Durante o festival de Poetry Slam surgiu a oportunidade de se fazer uma entrevista


exploratória a uma informante privilegiada – uma slammer portuguesa que também é
coordenadora geral da Portugal Slam, Li Alves. Tratou-se de uma conversa informal que nos
permitiu ter uma imagem mais clara sobre a realidade da comunidade portuguesa de Poetry Slam
e que trouxe à luz questões e preocupações que, até então, nos eram desconhecidas – como a
pouca representatividade de mulheres no Poetry Slam.

Partindo agora para uma definição mais clara de cada técnica de investigação utilizada, a
etnografia pode ser considerada um método de investigação intensiva, uma vez que “se preocupa
mais com uma compreensão subjetiva do que com dados numéricos” (Giddens, 2006: 649). Este
método permite ter uma visão aprofundada e detalhada sobre uma determinada matéria ou grupo,
embora apenas seja aplicável a grupos de pequena dimensão e tenha a limitação de não poder ser
extrapolada para um todo nem aplicada a grupos semelhantes.

A visão que a etnografia disponibiliza sobre o objeto de estudo é bastante vasta, o que
permite elaborar uma análise teórica da informação recolhida, por vezes mais rica que outros
métodos de investigação (Giddens, 2006).

A observação direta “consiste em ser testemunha dos comportamentos sociais dos indivíduos ou
grupos nos próprios locais das suas atividades ou residências sem lhes alterar o seu ritmo normal”
(Peretz, 1998: 25). Assim, a observação direta tem como propósito registar as dinâmicas e
interações sociais que o observador testemunha, tendo este um papel fulcral neste método, já que
todo o seu trabalho será um resultado do contacto que este tem com o próprio espaço. Peretz
acrescenta que, em campo:

“O observador tem quatro tarefas a realizar: 1) encontrar-se junto das pessoas


observadas e adaptar- se ao seu meio; 2) Observar o desenrolar normal dos

21
acontecimentos; 3) registá-los, tomando apontamentos ou por qualquer outro meio;
4) interpretar o que observou e redigir o correspondente relatório” (1998: 28).

No caso particular desta investigação, a observação realizou-se a partir da plateia durante


os três dias do festival de Poetry Slam, sendo esta um ponto estratégico onde foi possível observar
as interações e ações do público, bem como as atuações dos slammers e outros eventos (como
debates e apresentação do livro “Caderno Poético”).

As entrevistas resultam de uma interação face a face entre o investigador e o entrevistado,


e permitem uma análise aprofundada uma vez que se está em contacto direto com o entrevistado,
o que permite obter respostas mais detalhadas. No entanto, apesar das entrevistas permitirem
elaborar uma análise mais aprofundada, “o que se ganha em profundidade perde-se em
extensividade” (Almeida, 1994: 202), o que significa que é uma técnica de onde não devem ser
retiradas generalizações, por lhe estar associada uma carga subjetiva.

As entrevistas podem, ainda, ser condicionadas por vários fatores decorrentes da própria
situação e do contacto do investigador com o entrevistado (Gonçalves: 2004), sendo um dos fatores
a forma como as questões são colocadas e a maneira como estas estão codificadas. Isto porque
nem sempre é claro, para o inquirido, qual é a intenção do entrevistador ao colocar uma
determinada pergunta, o que poderá condicionar a sua resposta. William Foddy explica que para
um processo de pergunta-resposta ser eficaz devem ser percorridas quatro etapas:

“a) O investigador deve ser claro relativamente à natureza da informação pretendida


e codificar o pedido dessa informação;

b) O inquirido deve descodificar o pedido nos termos em que o investigador pretende


que ele seja descodificado;

c) O inquirido deve codificar uma resposta que contenha a informação solicitada pelo
investigador;

d) O investigador deve descodificar a resposta nos termos que o inquirido pretende


que ela seja descodificada” (18: 2005).

O autor acrescenta que o seguimento destas etapas é fulcral para o sucesso de uma
entrevista, no entanto, o autor refere ainda que este é um processo frágil, uma vez que facilmente
uma destas etapas pode falhar, o que poderá compromete a restante entrevista.
O tipo de entrevista que será utilizado nesta investigação será o da entrevista

22
compreensiva, que segundo Vítor Sérgio Ferreira, “trata-se de uma técnica qualitativa de recolha
de dados que articula formas tradicionais de entrevista semidiretiva com técnicas de entrevista de
natureza mais etnográfica” (2014: 981).

A entrevista semidiretiva dispõe de um guião de perguntas que serve para orientar e guiar
a entrevista, no entanto, a ordem das perguntas (e as perguntas em si), não necessitam de ser
seguidas rigorosamente (Quivy e Campenhoudt, 2005). Quivy e Champenhoudt complementam
esta ideia indicando que este tipo de entrevista (e as questões colocadas ao entrevistado) têm um
caráter aberto e livre, ou seja, as entrevistas não necessitam de seguir o guião com rigor, desde que
esteja a seguir o caminho desejado pelo investigador. Se, eventualmente, o entrevistador colocar
uma questão e o entrevistado se desviar muito do caminho que o investigador pretende seguir, este
deve intervir subtilmente, de forma natural, para que possa manter a fluidez da conversa.

A entrevista etnográfica tem a característica de não impor os pontos de vista do


entrevistador ao entrevistado (Rubio, 2006).

Na formulação do guião e no decorrer da entrevista, o investigador deve ser cuidadoso para


que não haja um confronto de ideias, uma vez que isto pode colocar em causa a entrevista. Deve,
portanto, existir imparcialidade por parte do entrevistador, já que perguntar “não se trata de um
mero ato de pedido de informações, mas do estabelecimento de uma ponte intersubjetiva através
da qual seja possível a circulação de interesse e pontos de vista diferenciados” (Ferreira, 2014: 985).
É, portanto, através da formulação cuidadosa do discurso e das perguntas que a aquisição de
informação sobre o grupo que se pretende estudar terá maior probabilidade de sucesso.

Vejamos agora a definição de entrevista compreensiva, que se trata de uma junção de


certas características da entrevista semidiretiva e etnográfica. Vítor Sérgio Ferreira explica que:

“O desafio assumido pela entrevista de tipo compreensivo pressupõe um saber-fazer


mais pessoal do que estandardizado, decorrente do próprio envolvimento do
investigador no desenvolvimento da pesquisa num terreno concreto, havendo,
contudo, lugar para um grau de formalização e de sistematização mais elevado que as
técnicas etnográficas de recolha de informação” (2014: 981).

Assim, para a realização de uma entrevista compreensiva, será necessário formular um guião
cujas perguntas terão de estar codificadas de forma a que o entrevistado nos forneça a informação
que é pretendida para a investigação. Contudo, é importante que a entrevista não se torne
mecanizada e que não se reduza a trocas simples de informação, uma vez que as questões colocadas

23
são abertas e, assim, devem transmitir a ideia de participação ao entrevistado, não apenas de
participação numa entrevista, mas na própria conversa. É importante que o entrevistado tenha esta
perceção, uma vez que, neste caso, as informações pretendidas remetem para a experiência
pessoal do entrevistado, na poesia e no Poetry Slam, tanto a nível de espetáculo (atuação em palco),
como no aspeto competitivo desta prática.

Como referido acima, durante o festival de Poetry Slam, surgiu a oportunidade de se realizar
uma entrevista exploratória, assim, é pertinente definir esta técnica de investigação.

Quivy e Campenhoud (2005) explicam que as entrevistas exploratórias ajudam o


investigador a elaborar o seu desenho de pesquisa, já que este contacto permite a familiarização
direta com o objeto de estudo e tem a vantagem de poderem revelar certas características do
fenómeno estudado que o investigador ainda não se tinha apercebido e, assim, completar e
reformular as suas pistas de trabalho.

Por fim, resta definir a técnica de análise de conteúdo. Esta “incide sobre mensagens tão
variadas como obras literárias, documentos oficiais, programas audiovisuais, declarações políticas,
atas de reuniões, ou relatórios de entrevistas pouco diretivas” (Quivy e Champenhoudt, 2005: 226).

Uma vez que o material de análise desta investigação passará pelos poemas, proceder-se-
á a uma análise temática categorial, que “funciona por operações de desmembramento do texto
em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos” (Bardin, 2015: 199).
Relativamente ao Poetry Slam, para além de ser exigido aos slammers que os seus poemas sejam
de autoria própria e que não tenham duração superior a três minutos, é pertinente identificar a
possível existência de padrões ou semelhanças nos variados poemas como, por exemplo, algum
tema dominante.

3.4. Modelo de análise e operacionalização de objetivos


Para clarificar o que se pretende com a presente investigação, foi elaborado o modelo de análise
abaixo apresentado. O seguinte modelo servirá de guia para toda a investigação.

24
Os conceitos que enunciámos, explicámos e relacionámos ao longo do trabalho são nucleares
para a análise da prática do Poetry Slam. Para elaborar uma análise mais pormenorizada dos conceitos
prosseguiu-se à definição das dimensões que constituem os conceitos, precisando os indicadores que
medirão as dimensões de análise (Quivy e Champenhout, 2005).

Conceitos Dimensões Indicadores


- Responsabilidade Social; Grelha de Observação:
- Consciencialização; - Descrição das ações
- Mobilização. observadas.
Ativismo Tabela de Categorização:
- Politização;
- Crítica Social.
Guião de Entrevistas:
Ponto 1; Ponto 3; Ponto 7.

25
- Performance; Grelha de Observação:
- Expressão corporal; - Descrição das ações
- Poesia; observadas.
- Oralidade. Tabela de Categorização:
Arte - Expressão de Sentimentos;
- Registos Autobiográficos;
- Técnica.
Guião de Entrevistas:
Ponto 2; Ponto 3; Ponto 6;
Ponto 7.
- Competitividade; Grelha de Observação:
- Solidariedade Social; - Descrição geral das pessoas
- Integração; no espaço.
- Sentimento de comunidade. - Relações Público-Slammer.
Coesão - Descrição das interações
observadas.
Guião de Entrevistas:
Ponto 1; Ponto 4;
- Ethos; Grelha de Observação:
- Identidade de grupo; - Descrição geral das pessoas
no espaço.
- Consciência Coletiva. - Relações Público-Slammer.
- Organização das pessoas no
espaço.
- Descrição das interações
Subcultura observadas.
- Descrição das ações
observadas.
Guião de Entrevistas:
Ponto 1; Ponto 3; Ponto 4;
Ponto 5; Ponto 6; Ponto 7;
Ponto 8.

26
4. Apresentação de resultados
Passaremos, de seguida, para a análise da informação empírica recolhida através da observação direta,
entrevistas e análise de conteúdo. Antes disso, importa ainda fazer um enquadramento e breves
apontamentos relativos aos três momentos de recolha de informação, relatando alguns dados e
constrangimentos por que passámos no terreno.

4.1 Procedimentos de recolha de informação empírica


No seguimento dos objetivos do nosso trabalho, procedeu-se à técnica da observação direta durante o
Festival Nacional de Poetry Slam, organizado pela plataforma Portugal Slam, que nos permitiu retirar
variados apontamentos em relação à organização de eventos de Slam, à dinâmica entre público e
slammers e também nos ofereceu algumas luzes relativamente às características das pessoas que
assistem e que atuam. Para que esta análise fosse possível elaborámos uma grelha de observação que
pudesse conduzir e auxiliar o nosso olhar durante o evento.

Para um conhecimento mais aprofundado sobre os tópicos acima referidos e, em outras esferas,
sobre o conteúdo dos poemas e sobre a mensagem que os poetas pretendem passar, bem como das
dinâmicas e relações vividas entre os slammers e organizadores, foram realizadas e, posteriormente,
analisadas quatro entrevistas a slammers e membros organizadores do Portugal Slam, com auxílio de um
guião de entrevista. Analisámos, ainda, diversos poemas de diversos slammers portugueses, aproveitando
o conteúdo disponibilizado no livro “Caderno Poético” e o registo em vídeo do festival nacional – registo
efetuado por nós mediante autorização da organização – e de onde se procedeu à elaboração de uma
grelha de categorização.

No que concerne ao festival, este teve a duração de três dias (26, 27 e 28 de outubro de 2017) e
contou com uma programação sólida (que pode ser consultada nos anexos) com vários eventos realizados
em diversas áreas da cidade de Lisboa, onde foram abordadas e celebradas variadas temáticas e práticas.
Na impossibilidade de estarmos presentes em todos os momentos do festival, escolhemos presenciar,
pelo menos, um evento por dia. Marcámos presença no Pré-Slam, dia 26 de outubro, que foi a abertura
oficial do festival onde assistimos a catorze atuações realizadas por dez slammers e de onde surgiram os
dois últimos finalistas do festival nacional – apurados, claro está, mediante votação do público.

No dia 27 assistimos a dois momentos na Livraria Ler Devagar, no LX Factory (Alcântara).

27
A apresentação oficial do livro “Caderno Poético”, uma coletânea composta por catorze poemas de seis
slammers portugueses e um debate intitulado de “Resistência Feminina!” que incidia sobre o papel da
mulher nas práticas artísticas, tal como explicitámos no segundo capítulo. Neste dia, foi-nos ainda possível
estabelecer um primeiro contacto com a organização do Portugal Slam, mais especificamente com Li
Alves, que nos concedeu uma primeira conversa informal, aqui ainda sem auxílio de guião, de onde nos
foi possível clarificar algumas questões relativas ao Poetry Slam em Portugal, o que acabou por ser
importante para o desenrolar do nosso trabalho.

No último dia do festival estivemos presentes na final nacional de Poetry Slam, no Chapitô, que
contou com a participação de dez slammers. Os slammers finalistas vieram em representação da sua
cidade à exceção dos dois últimos finalistas apurados no Pré-Slam, no primeiro dia do festival. Assim, em
competição estiveram dez artistas, oito deles representantes das cidades de Amadora, Aveiro, Coimbra,
Évora, Leiria, Lisboa, Porto e Viseu.

No momento da escolha dos entrevistados e realização das entrevistas, experienciámos


facilidades e alguns constrangimentos que não nos permitiram elaborar as entrevistas que inicialmente
tínhamos planeado. De acordo com os objetivos desta investigação e uma vez que o Poetry Slam inclui
várias dimensões, pensámos integrar nas entrevistas dois membros da organização do Portugal Slam, um
responsável pelo Poetry Slam de uma localidade e dois slammers. As três dimensões que consideramos
(plataforma Portugal Slam, organizações locais e slammers) foram representadas nas entrevistas, embora
diversas circunstâncias nos tenham obrigado a fazer ajustamentos de modo a colmatar esses obstáculos.
Os constrangimentos deveram-se, sobretudo, à dificuldade em estabelecer contacto com as organizações
locais. Passando a relatar as circunstâncias, quando contactámos o Poetry Slam de Sintra, foi-nos
respondido que este se encontrava inativo, embora com uma expectativa de reativação durante o ano de
2018. Esta informação foi-nos fornecida por Marinho Pina, que tem a reativação do Poetry Slam de Sintra
na mira e que integrou os finalistas do campeonato nacional de Poetry Slam de 2017 e que, nesse sentido,
se manifestou imediatamente interessado em ser entrevistado enquanto slammer – entrevista que, de
resto, foi concretizada.

Tentámos também entrar em contacto com o Poetry Slam de Aveiro, Évora e Leira, no entanto,
não obtivemos qualquer resposta por parte destas organizações, pelo que a estratégia passou por
entrevistar o organizador do Poetry Slam da Amadora, Nuno Piteira que, em concomitância, é slammer
(vencedor do campeonato nacional e europeu de Poetry Slam em 2015) e também coordenador da
plataforma Portugal Slam, pelo que aqui acabámos por aproveitar a polivalência e envolvência de Nuno

28
Piteira dentro do Slam em Portugal e na Europa. Em representação da plataforma Portugal Slam, a
terceira entrevista foi realizada a Li Alves (coordenadora geral da plataforma) e, enquanto slammer,
estivemos com Luís Perdigão – vencedor do campeonato nacional em 2017, finalista do campeonato
europeu e concorrente do campeonato mundial de Poetry Slam que decorrerá em maio de 2018 – e com
Marinho Pina, tal como referimos anteriormente. Uma quinta entrevista estava planeada, mas não se
realizou devido à ausência inesperada e prolongada do nosso potencial entrevistado na cidade do Porto.

Na seleção dos poemas procurámos integrar um poema de cada entrevistado e, ainda, outros
poemas que integram o livro “Caderno Poético” e poemas apresentados no festival nacional de 2017.

Terminadas as considerações e apontamentos relativos à recolha de informação, passaremos, de


seguida à análise da mesma.

4.2 Análise da informação recolhida


Considerando os objetivos da presente investigação, importa agora fazer uma análise da informação
recolhida nas entrevistas, do conteúdo dos poemas e durante a observação do festival nacional de Poetry
Slam. Para uma análise mais completa também consideramos aqui a performance dos artistas durante as
atuações. Estas atuações podem ser observadas no CD que entregamos em anexo.

4.2.1 - Descrição da atividade dos entrevistados dentro do Poetry Slam

Como já referido anteriormente, as entrevistas foram realizadas a dois slammers (Luís Perdigão e Marinho
Pina) e a dois coordenadores da plataforma Portugal Slam (Li Alves e Nuno Piteira). No caso de Nuno
Piteira também foi considerada a dimensão da organização local, uma vez que ele é o responsável pelo
Poetry Slam da Amadora.

Li Alves é uma das fundadoras da plataforma Portugal Slam, estando ligada ao Slam desde 2009.
Para além de também ser slammer, foi ela que introduziu o Poetry Slam em diversas cidades do país, como
Braga, Matosinhos e Porto. Aproveitou os contactos que tinha nestas cidades e levou até lá o Poetry Slam,
sempre num registo muito autónomo, com a esperança que as pessoas dessas cidades continuassem o
caminho e que a prática se pudesse solidificar. Aquando da fundação do Portugal Slam (2012), começou

29
a realizar workshops e oficinas técnicas de escrita e de performance em escolas, universidades e
bibliotecas.

Luís Perdigão tem 25 anos e a escrita e o teatro estão presentes na sua vida desde que se lembra,
tendo inclusive considerado seguir uma carreira profissional no teatro. Durante a observação do festival
e das várias atuações pudemos constatar que a forma como Luís se apresenta se destaca da maioria dos
restantes participantes precisamente por essa parte performativa que não apareceu com tanta veemência
nas outras atuações. Conheceu o Poetry Slam em 2011 e foi nesse ano que participou pela primeira vez,
depois disto, esteve ausente mas “sempre atento”, e sempre declamando poesia em bibliotecas e em
escolas, para além disto também está associado ao rap. Considera que o Poetry Slam foi uma forma de
casar as duas artes às quais sempre esteve ligado. Decidiu em 2017 participar no festival nacional e saiu
vencedor, tendo sido finalista do campeonato da Europa e, em 2018, irá participar no campeonato do
mundo.

Marinho Pina conheceu o Slam em Abril de 2017 e decidiu prontamente participar, uma vez que
sempre escreveu, também estando ligado ao rap. O entrevistado considera que “o que gosta mesmo” é
de comunicar, e o Slam é um espaço onde lhe é permitido ter pessoas a ouvi-lo.

O nosso último entrevistado, Nuno Piteira, considera que o seu pai foi uma influência, uma vez
que é poeta e ele desde pequeno via o seu pai a escrever à máquina. Conheceu o Poetry Slam em 2011 e
antes do Slam fazia “muita prosa e muitos contos”. Atualmente, para além de coordenador do Portugal
Slam dedica-se sobretudo à poesia visual, tentando constantemente articular a poesia com as artes
plásticas, o vídeo e a oralidade.

Uma característica comum em todos os entrevistados é a permanência prolongada da escrita nas


suas vidas, ou seja, a escrita “esteve lá sempre” ou “desde que me lembro” e, para estes, parece haver
uma necessidade em entregar algo de si aos outros, de se darem a conhecer, num exercício de “eu
desnudado” em frente a um público no qual podem, de alguma forma, tocar ou, pelo menos, é lhes dada
essa possibilidade.

4.2.2 – Poetry Slam em Portugal


Antes de mais, importa fazer um breve resumo daquilo que tem sido a atividade do Poetry Slam em
Portugal, uma vez que até às entrevistas com os organizadores do Portugal Slam essa informação era

30
escassa. Os primeiros eventos de Poetry Slam em Portugal desenrolavam-se em Lisboa, na discoteca
Music Box e remetem para os anos de 2008 e 2009. Na altura, todos os meses havia uma noite de Slam
e os melhores poetas tiveram a oportunidade de atuar no Festival do Silêncio, em 2009.

Mais tarde cresceu a vontade, entre alguns artistas que frequentavam as noites de Slam no Music
Box, de criar um espaço onde se pudesse “dar o Poetry Slam aos slammers”, um coletivo que pudesse
auxiliar e apoiar as pessoas que se interessam por poesia e por artes performativas. Uma das primeiras
preocupações da organização foi levar o Poetry Slam a outras cidades, de modo a poder descentralizar a
prática e alastrar esta paixão para outras pessoas em outras cidades. No entanto, e apesar de um dos
objetivos da plataforma ser “chegar à comunidade e dar espaço às pessoas”, existe uma preocupação da
organização em manterem-se num contexto mais underground, mais suburbano, um pouco afastado do
que consideram ser o “comercial”. Li Alves e Nuno Piteira são os fundadores do Portugal Slam, em
conjunto com Mick Mengucy e Raquel Tavares e, desde 2013 que organizam eventos de Poetry Slam e
eventos ligados à poesia e às artes performativas, sendo que o primeiro grande festival nacional de Poetry
Slam foi em 2014.

A partir daí começou a crescer a necessidade de disseminar o Poetry Slam e fazê-lo chegar a mais
pessoas através de outras ferramentas, nomeadamente de workshops e aliá-lo a outros elementos, como
o vídeo, ou a música. Nas entrevistas aos organizadores, foi percetível que esta preocupação e
necessidade em criar e levar o Poetry Slam para lugares onde ele ainda não é conhecido surge, não apenas
da vontade de dar a conhecer a prática, mas também da necessidade de demonstrar a importância da
palavra enquanto veículo de expressão pessoal.

4.2.3 – De mim para o outro

Categoria 1 Subcategorias Entrevistados/a Unidades de registo


IMPORTÂNCIA Afirmação Li Alves [Escreve o teu texto, escreve aquilo que tu
DA PALAVRA/ da sua sentes, escreve aquilo que te perturba, é aqui
individualidade que podes falar, é aqui que tu podes dizer].
SLAM
Luís Perdigão [Eu sinto que escrevo os versos que tenho na
cabeça]; [O slam em si é poesia autoral que é
feita para ser dita, agora se eu me preocupar
primeiro com o formato e depois com aquilo
que tenho para escrever, não fazia sentido

31
sequer eu apresentar-me para dizer o que
quer que fosse].

Marinho Pina [Para mim é uma boa terapia porque todas as


merdas que eu tenho durante a semana,
escrevo-as e vou lá e digo-as todas]; [É
agradável teres 3 minutos em que todo o
mundo se cala para te ouvir, e eu valorizo esse
tempo].

Nuno Piteira [É uma coisa pessoal, é uma oportunidade de


eu mostrar o meu interior. São coisas que eu
escolheria para dizer ao mundo se tivesse
oportunidade]; [Tu estás ali “desnudado” e a
enfrentar um público e dizeres aquilo que
realmente queres]; [Eu escrevo para os
outros, comigo lá dentro, porque eu tenho
que ser o exemplo daquilo que escrevo]; [É de
dentro para fora e para dentro, outra vez].

Enquanto Li Alves [O slam é fazeres barulho, é mexeres com as


veículo de pessoas].
sensibilização
Luís Perdigão [Os movimentos artísticos acabam por tomar
essa responsabilidade (social) e se calhar são
as pessoas que podem fazer menos, porque só
têm palavras];
[Aqueles textos foram os que eu queria dizer
naquele momento, porque tinha a
oportunidade de ter pessoas a ouvirem esses
mesmos textos].

Marinho Pina [Sempre que eu vou fazer o poema eu sei que


as pessoas vão, supostamente, prestar
atenção, por isso eu tento falar de uma coisa
que as pessoas entendam e se relacionam ou
que possa fazer pensar]; [Não é só Poetry
Slam, se inventarem uma outra forma que o
público possa interagir, eu quero lá estar].

Nuno Piteira [Tem um impacto muito grande não só a nível


do universo interior da pessoa, como também

32
pode afetar os demais]; [O mais importante é
que afeta a pessoa].

Percebe-se, com o discurso de cada entrevistado, que estes nutrem uma paixão evidente pela arte
enquanto veículo de expressão pessoal, permitindo esta que mostrem e que se afirmem enquanto seres
unos. É evidente a importância do “ter voz” e também “de dar voz aos outros”, sendo o Poetry Slam uma
prática ideal para falar e para ser ouvido. O silêncio absoluto da sala após o MC (mestre de
cerimónias/apresentador) dar o mote “3, 2, 1: SLAM” oferece as condições perfeitas aos artistas para
colocarem em prática o seu exercício, o que demonstra que tão grande quanto a vontade do artista de
“dizer” é a vontade do público de “ouvir”.

O Poetry Slam parece, então, conjugar duas necessidades individuais, a da expressão de


sentimentos, pensamentos, opiniões, aparecendo como uma “terapia” numa tentativa constante do
artista se expressar enquanto indivíduo, de afirmar a sua individualidade e autenticidade, ao mesmo
tempo em que espera que as suas palavras tenham impacto no outro. O importante é “dizer”, sem
imposições que possam vir a condicionar o processo criativo de cada um, ou seja, é importante que a
mensagem chegue ao público, é importante que quem ouve se identifique com as palavras, mas que isso
seja uma consequência do processo criativo e individual do artista.

4.2.4 – Mensagem transmitida - entre a Arte e o Ativismo

Categoria A Subcategorias Poema e slammer Declamação Unidades de registo


disponível
ARTIVISMO Política Li Alves – Deus na Sim [“Trampas” fazem discursos ofensivos mas
Gaveta presidenciais]; [Furtos estão agora
autorizados no bolso no teu salário].

Luís Perdigão – “O Sim [Porque tagliatelle é bom, mas não é


Senhor Edmundo” massa para o povo].

Marinho Pina – Não [Evitando assim que assim nascesse gente


“Saudades da de mente doente como os Donald Trumps,
Utopia” os Kim Jong Uns, os Erdogans e mais
alguns]; [Agora estamos separados e
classificados em gente legal e gente ilegal,
porque um pedaço de papel determina

33
quem tu és]; [Mas mesmo sem um visto…
eu existo].

Nuno Piteira Sim [A tua liberdade está bem? A liberdade que


nunca a viste, nunca a sentiste, Nunca aqui
existiu]; [Não digas um: Fodasse/ Quando
o Trump ganha as eleições].

Rita Capucho – Sim [Uma triste notícia, deste triste país]; [3


“Números” milhões de portugueses vivem no limiar da
miséria].

Bruno Santos – Não [Onde antes se faziam cruzeiros para locais


“Migra Antes do de peregrinação, hoje peregrinam sem
Despejo” direção, cruzes sem sepulturas]; [Mas
quem diria da agonia atroz/ de trinta
humanos que morreram sem voz presos
nas traseiras de um camião]; [Casa
deixadas e depostas por impostores que
fazem valer os seus valores pela força da
violência]; [No silêncio gritante de cada
governante que assiste conformado,
enquanto insiste em assobiar a verdade
desconcertante para o lado].
Sociedade de Luís Perdigão – “O Sim [Brindemos com Champagne francês
Consumo Senhor Edmundo” E Whisky escocês.]; [Universal é falar inglês
Communicate in the rede social
Advertise Marketing Digital,
Dígitos.]; [Cidade podre/
Corrompida, ao metro quadrado vendida];
[Olhem só, é o senhor Edmundo! Num
italian suit, é Armanni]; [Essa massa não é
massa que se coma, é massa que passa];

Nuno Piteira – Sim [Mudamos para um mundo mais justo,


“Palavras Feias” Desde que se alarguem as estradas e todos
os dias sejam Black Friday’s]

34
Filipa Borges – Não [Caixão vivo onde a putrefação se exprime,
“Metropolitano” infinita, no confronto humano do olhar
intrusivo e preconceituoso]; [É aqui, nos
alicerces da cidade/ Que se dá O
Julgamento].

Discriminação Marinho Pina – Não [É treta! Não existia gente preta… nem
“Saudades da gente castanha… nem gente vermelha ou
Utopia” gente amarela, nem essa gente cor-de-
rosa que com toda a força se chama a si
própria de gente branca]; [Tenho saudades
daqueles dias onde gente racista não me
chamava de parasita]; [Tenho saudades
daqueles dias onde a sexualidade, a
nacionalidade, a religião, ou outra questão
como a raça, era mera fumaça, não este
fogo de ódio que nos consome todos os
dias].

Nuno Piteira – Sim [Feias são as expressões quando desfazes


“Palavras Feias” em juízos os pretos, os monhés, as
lésbicas, homossexuais, transexuais.]

Hipocrisia e Filipa Borges – Não [Morremos e renascemos/


indolência “Metropolitano” Quotidianamente/ Eternamente].

Li Alves – “Deus na Sim [Nessa crença egoísta que só se manifesta


Gaveta” quando precisas que te tirem do buraco];
[Para quando a tua vida está na merda e
lembraste que Deus afinal pode existir]; [E
sem perder um segundo do teu horário
Culpas o Deus em quem nunca
acreditaste].

Nuno Piteira – Sim [E sentado à mesa dizes: “um homem não


“Palavras Feias” chora, só em funerais”. Não chora, a
merda!]; [Para ti o ato revolucionário é
não meter a colher/ Não fazer ondas.
Assistir a tudo por detrás das órbitas/

35
Mórbidas]; [O teu grito por justiça é
sumido]; [O teu discurso de distância é
violento]; [E agora submisso à tua regra e
adulto/ De livre vontade entregas os
pulsos/ E algemaram-te ao conforto e à
segurança].

Rita Capucho – Sim [Uma medalha para o precário bem


“Números“ comportadinho que não se revolta].

Religião Marinho Pina – Não [E também não nasciam os padres, os


“Saudades da pastores, os papas, os rabis, os pregadores,
Utopia” ou os ayatolas, que nos lavam toda a tola e
nos separam em cristãos, muçulmanos,
protestantes, judeus, ateus, fariseus,
hinduístas, budistas, xiitas, jeovás ou
adventistas].

Nuno Piteira – Sim [Quando o papa nas suas vestes vem dar
“Palavras Feias” perdões às mulheres que fizeram e irão
fazer abortos].

Mesmo que os entrevistados não tenham assumido propriamente uma agenda, na tentativa de fazer com
que as palavras cheguem aos outros e nessa possibilidade de ter voz, os poetas abordam muitas vezes
temas de natureza social, temas que estes “escolhem dizer ao mundo em 3 minutos”. As críticas à
sociedade de consumo, à política e à religião, ao conformismo, à “distância” com que encaramos o outro
(entre outros) surgem frequentemente o que de facto, demonstra que o Poetry Slam pode surgir como
uma forma de Artivismo, uma forma de consciencializar as pessoas através da palavra.

Relativamente à escolha do tema por parte da organização, Li Alves considerou que este é apenas
uma forma de estruturar o festival, sendo que os poetas não são influenciados pelo tema na escolha e na
escrita do seu texto. No entanto, houve uma necessidade, durante o festival, de abordar certos temas que
nos indicam que, mesmo na organização do Portugal Slam, existe uma preocupação em falar sobre
problemas e questões sociais que eles considerem importantes. O debate no segundo dia veio demonstrar

36
precisamente uma vertente ativista mais explícita do Portugal Slam, neste caso a resistência feminina, em
particular no contexto da arte, como já explicitámos anteriormente.

Um dos momentos a que assistimos neste debate remete para um vídeo de uma refugiada
Palestiniana, Farah Chamma, de 18 anos que vive no Dubai e que falava várias línguas, uma delas o
português. No vídeo, Farah expôs as frustrações com o governo do seu país, com a descriminação que
sentia não apenas por ser mulher, mas por ser mulher, árabe e palestiniana. Farah, supostamente, deveria
ter participado no festival nacional de Poetry Slam em 2017, no entanto o seu estatuto de refugiada não
a permitiu sair do país. As suas lutas passam também pela afirmação da língua árabe e pela celebração da
sua cultura, de forma a poder dar a conhecer um pouco do “seu mundo” e não apenas aquilo que os
media retratam.

4.2.5 – Mensagem transmitida – Do íntimo

Categoria B Subcategorias Poema e Declamação Unidades de registo


slammer disponível
AFETIVIDADE Expressão de Blayer –“Mãe” Sim [Ninguém me magoa quando fico
E EMOÇÃO Sentimentos no meu espaço];
[Tenho cada vez mais medo que as
coisas não corram bem]; [E eu
gosto de acreditar que não ouves
o choro no meu riso]; [Que peque
por ingenuidade quando elogio a
minha solidão]; [Eu espero a
morte, e vou bem].

Marinho Pina – Não [Tenho saudades daqueles dias,


“Saudades da dias que nunca existiram… mas,
Utopia” sabem? Tenho fé numa utopia.]

Rita Capucho – Sim [Nós queremos dignidade,


“Números” fraternidade, liberdade]; [Nós
merecemos].
Registos Blayer –“Mãe” Sim [Eu sei que não/ Posso acreditar
Autobiográficos em vão/ Na providência da
autossuficiência que me tentaste
ensinar]; [Deixam-me sair mais
cedo nos dias de mestrado]; [Eu

37
ainda escrevo!]; [Criaste alguém
com medo do sentimento].

Luís Perdigão – Sim [E eu que escrevo à mão/ A lápis


“O senhor de carvão/ Sou tão animal
Edmundo” Sou tão boçal].

Rita Capucho – Sim [70 mil pessoas com curso


“Números” superior recebem menos de 600
euros/ Percebi e senti que era de
mim que falavam]; [De novo
falavam de mim].

Para além da vertente ativista e de consciencialização, o Poetry Slam também é um espaço onde os poetas
podem falar de si próprios, da sua vida, dos seus problemas, dos seus sentimentos. O plano da afetividade
e das emoções também está bastante presente nesta prática, tal como os slammers afirmaram é uma
oportunidade de mostrar o seu “eu interior”. Esta expressão de sentimentos também pode estar implícita
nos momentos e poemas em que os poetas fazem uma crítica social, uma vez que muitas vezes dos
sentimentos se misturam. Por exemplo, no poema de Rita Capucho, além da expressão evidente de
sentimentos e de ser um registo bastante autobiográfico em que afirma que tem curso superior, que
ganha menos de 600€, que tem uma filha, etc., também é evidente que está a fazer uma crítica à forma
como a sociedade, principalmente os meios de comunicação, encaram as pessoas – como números.

Também no caso do poema de Blayer, num registo extremamente pessoal, estão tácitas questões
sociais. Apesar de, aparentemente, estar tudo bem consigo e com a sua vida e apesar de sentir que está
a fazer tudo o que seria suposto fazer, isso não é suficiente para se sentir feliz e não se demonstra capaz
de superar os constrangimentos e as dificuldades que sente.

4.2.6 – Mensagem transmitida – O complemento do gesto

Categoria C Subcategorias Poema e slammer Declamação Unidades de registo


disponível (minutos)
PERFORMANCE Gestos Luís Perdigão – Sim [11:19m – Aponta os dois dedos
“O Senhor à cabeça indicando um “estado
Edmundo” demente”]; [11:21m – Gesticula

38
o equivalente a uma lanterna a
apontar para o interior de uma
caverna]; [11:40m – Aponta o
dedo para cima em tom festivo,
ao dizer “brindemos com
champagne francês].

Li Alves – “Deus da Sim [2:52m – Bate repetidamente 6


Gaveta” vezes no bolso, uma indicação
de falta de dinheiro]; [2:56m –
Aponta para cima com o
indicador e diz “culpas o Deus
em quem nunca acreditaste”]

Nuno Piteira – Sim [1:33m – Nuno Piteira mimica


“Palavras Feias” uns fios pelos quais estamos
presos]; [1:44 – Bate palmas
repetidamente até ao minuto
1:47]; [2:20m – Dobra-se por
completo em sinal de
submissão]; [3:28m – Junta as
mãos em sinal de reza a Deus].
Sons Ricardo Blayer – Sim [6:24m – Imita o som de choro].
“Mãe”

Luís Perdigão – “O Sim [12:13m – Manda calar com o


Senhor Edmundo” típico som “ssshhh”]; [12:25m –
O som do vento é reproduzido].
Mudanças de Ricardo Blayer – Sim [7:07m – Muda a entoação com
Entoação “Mãe” um pequeno grito: “Sim,
mãe!”].

Rita Capucho – Sim [10:20 – Muda a entoação da


“Números” declamação com uma
exaltação: “EU! TU! ELE! NÓS!
VÓS! ELES! Nós merecemos!].

Luís Perdigão – “O Sim [11:48m – Muda o tom da


Senhor Edmundo” declamação com uma ligeira
exclamação, ao gritar “E ao
futuro da Nação!”]; [11:53m –
Nova mudança repentina de
entoação ao utilizar
estrangeirismo e suavizando a
voz com um certo ritmo dizendo
“communicate in the rede
social”]; [12:06m – Muda para

39
um novo registo exclamativo e
errante, quando declara que
escreve à mão]; [12:52m – Grita
veemente: “Vejam só, é o
Senhor Edmundo!”]; [13:04m –
Altera o registo para um tom
assertivo e zangado].

Nuno Piteira – Sim [1:38m – Muda o registo,


“Palavras Feias” sussurrando “Tá fresco”]; [2:44
– Grita emproadamente “Pão
de 15 dias!”]; [3:27m – Volta a
sussurrar, colocando as mãos
entre a boca “tu és o maior…”].

Quando se fala em Poetry Slam e na expressão de sentimentos na prática do Slam, não se pode negar a
performance, uma vez que ela auxilia o poeta a transmitir a mensagem que este pretende passar.

O que notámos ao longo do festival foi que os poetas que se preocupavam com a performance
tiveram pontuações mais elevadas do que aqueles que apenas declamavam. Houve, por exemplo,
slammers que liam o poema enquanto o diziam, com o auxílio de papel ou telemóvel, não se preocupando
tanto com a parte performativa. Nestes casos, para além das pontuações não serem tão elevadas, o
próprio público não reagia tanto ao que estava a ser dito. As mudanças de entoação, os sons que os
artistas emitem têm um papel importante e complementam as suas palavras. Foram recorrentes os
sussurros, as elevações de volume da voz, a imitação de sotaques, os tons de sarcasmo que se colocavam
nas palavras, o que acabava por “colar” o público à atuação.

40
4.2.7 – Dinâmicas relacionais entre os constituintes do Poetry Slam

Categoria 2 Subcategorias Entrevistados/a Unidades de registo


[Acho que o desafio do Poetry Slam é que o
DINÂMICAS Importância Li Alves público não se sinta só público, estar ali a
RELACIONAIS do público olhar, acho que o nosso papel é “vocês
fazem parte disto, gritem, digam coisas,
podem bater palmas, digam: não!”]; [Uma
das características do Poetry Slam é essa
ligação ao público, eu acho que o público
que vai ver Poetry Slam, mesmo que não
conheça o ambiente, as pessoas percebem
que estão a falar para ti].

Nuno Piteira [Estamos todos no mesmo pé. Ou pelo


menos, eu insisto que isso esteja presente];
[É um evento que tem o público, tu és
confrontado com a tua existência física e
com a do público igualmente, isso está
sempre subjacente, é um trabalho coletivo.
O que cola os eventos todos são as pessoas
que vão a esses eventos e se isso não tiver
cumplicidade suficiente, o evento não
existe].

Relação Luís Perdigão [Estávamos todos a torcer uns pelos outros];


slammer – [O que interessa é o que tu podes aprender
slammer com a outra pessoa e com aquilo que ela
está a dizer].

Marinho Pina [As pessoas que foram participar eram todas


muito acessíveis e convivemos bastante
bem].

Nuno Piteira [Quando vai um, nós estamos a torcer por


ele]; [Quer dizer que tu tiveste a
oportunidade de participar com os teus
amigos ao mesmo tempo].

Os entrevistados demonstram, de facto, que a audiência faz parte e em nenhum momento deve
ser descurada ou desvalorizada, não apenas porque é o público quem avalia mas porque é ele que
dinamiza. O silêncio, os aplausos, os assobios fazem parte do espetáculo, essa ideia esteve na base da
criação do Poetry Slam, como referido nos capítulos anteriores, e é isso que o diferencia de outras

41
práticas. No campeonato nacional de Poetry Slam, para além dos cinco jurados escolhidos do público foi
introduzido um sexto elemento, o barulhómetro. Este elemento foi introduzido na tentativa de
democratizar ainda mais o Poetry Slam, consiste num medidor de decibéis que mede (também numa
escala de 1 a 10) o ruído do público mal um poeta acaba de atuar. Ao som produzido pelo público na sala
é atribuído um valor quantitativo que será somado às pontuações dos restantes jurados, o que permite
dar voz a todos os presentes e não somente aos que se apresentam como jurados.

As dinâmicas entre público e slammers não se verificam somente nas votações e no final de cada
atuação, também durante a atuação o público dá sinal da sua existência, através de palmas, assobios,
risos, palavras e emissões vocais, dando a possibilidade aos presentes de expressarem as suas emoções
no momento em que as sentem. Foi também interessante assistir à dinâmica entre o próprio público que
ia emitindo opiniões no momento das avaliações dos jurados. Por exemplo, foi recorrente os aplausos e
os gritos de satisfação/euforia quando um jurado atribuía a pontuação máxima a um slammer, mostrando
assim um sinal de concordância com a opinião do jurado. Também assistimos, no Pré-Slam a um momento
em que uma jurada atribuiu a pontuação de 2 a um poeta, sendo que aqui muitos dos presentes
demonstraram a sua insatisfação com aquele valor através de assobios, de sons vocais que indicam
descontentamento e até através de palavras e gritos de desagrado como “tu não percebes nada disto!”,
“deve ser a primeira vez que vens ver Slam!” ou “estás-te a passar?”.

Relativamente à relação entre participantes, é unânime entre os slammers a existência de uma


ligação positiva e saudável. Aqui, os entrevistados demonstram que “torcem uns pelos outros” e que
aproveitam essa convivência para aprenderem com os seus pares e para se conhecerem. As considerações
dadas pelos artistas nas entrevistas foi algo que se conseguiu observar durante o campeonato nacional.
Nos momentos anteriores ao começo do Pré-Slam e da final do campeonato nacional, os slammers
encontravam-se juntos, em grupo, a conversar e a partilhar ideias e experiências, também eles se
tornaram público enquanto os outros atuavam, demonstrando as suas emoções ao longo das atuações
dos adversários e no final delas.

42
4.2.8 – A existência de uma comunidade

Categoria 3 Subcategorias Entrevistados/a Unidades de registo


IDENTIDADE Slam como Li Alves [Achei que era uma prática acessível a toda a gente e
DE GRUPO E espaço é uma prática que põe toda a gente ao mesmo nível];
COESÃO inclusivo [O Poetry Slam Sul quando começou, rebentou a casa
e éramos invadidos por pessoal que era ligado ao Hip-
Hop, ao Rap, depois houve Slams que apareceu
pessoal ligado ao Metal, então para nós foi
interessante ver metaleiros e pessoal do Rap ali
misturados a dizer textos (…)]; [Mas, eu gostaria que
fosse mais (inclusivo/heterogéneo). Que também
houvesse mais participação de mulheres]; [Isso é a
missão principal, dar voz às pessoas, dar espaço para
elas se expressarem].

Marinho Pina [Todo o mundo pode ter uma voz, e durante o


tempo que tem essa voz os outros vão escutá-lo ou
fingir que estão a escutá-lo].

Nuno Piteira [O Slam local é um ato social. É um acontecimento


social junto às pessoas]; [Tens pessoas negras, tens
pessoas indianas, tens pessoas caucasianas. Tens de
tudo, não é? Não há restrições]; [É e tem de ser para
todos].
Espaço de Li Alves [O Poetry Slam, para muita gente foi a ligação a
sociabilidade pessoas que tu não conhecias e que de repente
conheces através destes eventos, que de repente
começam a fazer coisas juntos]; [Não, é para estares
em residência e trabalhares com outras pessoas,
claro que tens um espaço para dizer um texto teu e
eles adoram isso, adoram o facto de saírem um pouco
do slam e respirar e usar aquilo que é a experiência
deles para criar coisas com os outros.]; [Sim, o
convívio é fundamental, tem de existir, se não o
Poetry slam acabou (…)].

Luís Perdigão [Vi que o ambiente era porreiro, que havia ali uma
energia fixe, porque ao fim ao cabo também se
resume a isso]; [Eu aproveitei o máximo que pude
para falar com eles, para haver esta troca, esta
partilha].

Marinho Pina [Eu estava totalmente alheio àquilo que acontecia à


volta, eu só estava interessado nas pessoas com
quem interagia nesse momento]; [Eu comecei a
conhecer pessoas de quem me tornei muito próximo

43
agora, mas sim é um bom sítio para conhecer.]; [O
que eu gosto nisto é a possibilidade de conhecer
pessoas, de comunicar com pessoas].

Nuno Piteira [As pessoas depois reúnem-se com os amigos, voltam


a encontrar-se outra vez]; [Tens outra realidade do
que é os outros poetas, dos outros lados da Europa,
por exemplo. Tens a oportunidade de ires lá visitá-los
e vice-versa!] [Tu tens que depois perceber que tu
estás entre os teus colegas, os teus amigos… A maior
parte deles vão ficar teus amigos].

Sentimento Li Alves [Não trocava por ninguém as pessoas com quem


de União e estou a trabalhar, entre aspas porque isto nem é um
Comunidade trabalho, é uma paixão]; [É difícil cortar esse cordão
umbilical porque acaba por haver essa família]; [(…)
pessoas que conheceste no Poetry Slam e que depois
levas para a tua vida e que são amigos noutro
contexto, e que fazes outras coisas].

Luís Perdigão [Eu acho que não é o facto de fazer Slam, às vezes é o
facto da mensagem que aquela pessoa está ali a
dizer].

Marinho Pina [Geralmente as pessoas que participam são


motivados pela mesma coisa, pelo poema, pela
performance e falar com os outros].

Nuno Piteira [Somos convidados para os casamentos uns dos


outros, jantares, etc.]; [Pode-se falar de uma
comunidade, ainda que ela não tenha noção que
seja]; [Ganhas consciência que sozinho não vais lá].

É evidente que uma das características que os slammers e organizadores mais apreciam no Slam é o facto
de ser uma prática inclusiva, onde todos são bem-vindos e onde existe uma diversidade não apenas étnica,
mas de estilos que deve ser conservada, porque o Slam “é para todos”. Na observação também foi possível
constatar esta diversidade que envolve o Poetry Slam. No Pré-Slam a sala estava repleta de pessoas de
diversas etnias, homens e mulheres, desde crianças a pessoas com idades mais avançadas. Neste dia,
estiveram em competição um brasileiro e uma brasileira (entre os 30 e os 40 anos), um africano (entre os
30 anos) e os restantes eram portugueses, havendo aqui participantes de idades compreendidas entre os
20 e os 60 anos.

44
Na final a presença de mulheres foi mais evidente, com 4 mulheres em competição, um brasileiro
e dois africanos. Também, durante a final, pudemos assistir a um momento protagonizado por cinco
slammers estrangeiros, de Espanha, França, Itália, Inglaterra e Equador que vieram propositadamente a
Portugal para marcar presença neste festival, o que também aqui indica que existe, de facto, uma
necessidade de partilhar culturas e experiências. Também no público a diversidade era evidente, havendo
pessoas de origem africana, grupos de brasileiros e, também, notámos a presença de um grupo de jovens
entre os 25 e os 30 anos que provinham de Inglaterra e da Dinamarca.

No que concerne ao Slam enquanto espaço de sociabilidade, é notável que os slammers e


organizadores tiram o máximo proveito da convivência uns com os outros, o que lhes interessa é a
oportunidade de conviverem, de conhecerem e de partilharem experiências. De facto, o Slam acaba por
ser um espaço onde os poetas, para além de se expressarem e de se entregarem aos outros, podem
conhecer novas pessoas, novas realidades e comunicar, mesmo com pessoas de outras culturas e de
outros países o que, porventura, poderá enriquecer essas experiências.

Relativamente ao sentimento de proximidade e, na tentativa de compreendermos se existe algo


solidificado que extrapole essas relações e essa vontade de conviver e de conhecer para fora dos eventos
de Slam, tentámos perceber junto dos entrevistados se as relações que surgiam no Slam se restringiam
àquele espaço e àquele contexto. Li Alves e Nuno Piteira demonstram um sentimento de identificação
com as pessoas que conheceram dentro do Slam, são relações que transbordam para outras esferas da
vida dos entrevistados e a quem eles chamam de “amigos”. É menos visível este sentimento no caso de
Marinho Pina, no entanto temos de considerar que o entrevistado apenas começou a ir a eventos do Slam
a partir de abril de 2017. Luís Perdigão considera que poderá falar-se em comunidade, no entanto a
aproximação com as pessoas não se dá devido ao facto de a pessoa fazer Slam, mas remete mais para a
mensagem que ela transmite, no entanto considera que no Poetry Slam existe uma tendência para
abordar certo tipo de questões e isso acaba por aproximar as pessoas, mas a “ligação emocional” vem,
sobretudo, daquilo que o poeta transmite e com o qual ele se identifique.

4.2.9 – Uma competição não competitiva

Categoria 3 Subcategorias Entrevistados/a Unidades de registo


COMPETIÇÃO Competitividade Luís Perdigão [Não havia propriamente um ambiente de
competição. Vocês estiveram lá presentes,

45
vocês viram quem estava lá, nós estávamos
ali todos juntos daquele lado do palco].

Marinho Pina [É muito mais amigável. Talvez há quem leve


isso muito a peito, e dizer “eu sou o melhor”,
porque não há melhor nisto. Aquilo
depende do teu estado de espírito, do
estado de espírito das pessoas que te vão
ouvir, não sei.]

Nuno Piteira [Queres sempre ganhar, seja à bola, seja ao


peão seja ao que for (…). E depois acaba o
jogo e vais brincar a outra coisa, (…) essa
rivalidade faz com que sejas melhor a jogar
esse jogo. (…) por exemplo, no meu caso, e
penso que exista em modo geral, essa
competitividade assenta ou é direcionada,
não para a qualidade de competição como
rivalidade de pontos, mas para a rivalidade
de escrita como motivação para escrever
melhor]; [O melhor poeta nunca ganha,
porque (…) isto é uma brincadeira]; [Dizer
que é realmente uma competição mas nós
temos consciência de que não é]; [(…)
quando o gajo acaba a gente [faz barulhos
de imitação de aplauso e louvor], percebes?
“Agora sou eu… vá agora vais tu!” Até a
competição fica assim um bocadinho… Ali
no ar]; [Tens malta que é pró em fazer
performance, e daí eu estar-te a dizer que o
melhor poeta nunca ganha. Porque há
sempre uma oscilação. Naquele momento,
naquela altura, naquela hora, aquela
pessoa, aquele conjunto de pessoas
acharam que perante a tua performance
havia um número que equivalente e
apresentou-o. E é tão (…) relativo quanto
isso. Eu poderia lhe chamar sorte, mas não é
sorte, é uma ocasião]; [Então há realmente
um cuidado e o cuidado que existe é mais a
nível mental. Não é as condições físicas, é tu
preparares a pessoa mentalmente para o
que vai aí chegar. Para ela meter o juízo de
lado, o ego à porta, e aproveitar].

46
Ancoragem a um Luís Perdigão [Acho que tenho um compromisso e
território assumo-o da forma mais natural que existe,
de comprometimento com o sítio onde vivo,
das histórias que vivo, e sou essencialmente
um poeta suburbano e gosto de escrever
sobre esta temática, portanto não há motivo
nenhum para me esconder por trás disso];
[Tanto que eu noto, o Nuno quando quer
fazer coisas faz fora da Amadora, faz aqui
neste sítio [Espaço com Calma] em Benfica,
faz no Bairro Alto, então é um compromisso
que nós, pessoas da Amadora, também
temos que assumir].

Marinho Pina [Isso é uma questão de identidade, o


Perdigão é da Amadora, fala da Amadora,
identifica-se. Eu sou de Sintra, estou mais
interessado em realizar Poetry Slams em
Sintra para termos também isso lá].

Nuno Piteira [As pessoas não representam a não ser elas


próprias]; [Tu vais, és o representante da
Amadora, como podias se o representante
da Damaia, qualquer Slam.]; [Ser o
vencedor da Amadora é tão importante
para mim como para a CM da Amadora, e
para as entidades que eu posso mostrar
depois que realmente ser o representante
da Amadora é algo valioso para este
conjunto de pessoas]; [Realmente é uma
coisa territorial. Eu não sou daqui, eu sou
de todo o lado, mas eu nasci aqui, apesar
de ser contra algumas ideias e problemas
que existem no conselho da Amadora, vou
representar a Amadora].

Não podíamos desconsiderar, nesta investigação, a competição uma vez que é disso que o Poetry Slam se
trata. Neste ponto os entrevistados consideraram que apesar de todos os artistas terem um ego e de
todos quererem ganhar, não existe uma atmosfera de competição, de rivalidade. Haverá, claro está, quem
leve a competição um pouco mais a sério, e aí, Nuno Piteira considera que é necessário fazer com que as
pessoas percebam que isto é “só uma brincadeira”. Os artistas não atribuem uma importância desmedida
a ganhar, acreditam que “não há melhor” no Poetry Slam, hoje pode correr bem, amanhã poderá ser
diferente. Durante a nossa observação não presenciámos momentos de tensão entre os slammers e

47
organizadores neste âmbito. No final, todos se cumprimentaram e parabeneziram o vencedor, não
parecendo haver qualquer tipo de conflito neste aspeto. Nuno Piteira vê a competitividade como algo
positivo, uma oportunidade para o outro ser melhor. Quando confrontado com a performance e poema
do outro poderá sentir-se mais motivado e com vontade de se superar a si próprio.

Quando confrontados com a importância de representar a sua cidade no Poetry Slam, as opiniões
dividem-se um pouco, Luís Perdigão assume que tem carinho pela cidade onde nasceu e onde vive e, por
isso, considera ser um compromisso “levar” a sua cidade consigo, representá-la. O que indica de facto que
existe uma identificação com a sua cidade. Para Marinho Pina esse compromisso não existe, apesar de ele
querer reativar o Poetry Slam de Sintra, pensa que essa vontade surge mais no sentido de ter eventos de
Slam na sua cidade, mas não considera existir grande identificação. Já Nuno Piteira diz que as pessoas só
se “representam a elas próprias”, no entanto, mais enquanto organizador local considera que representar
uma cidade pode ser importante para as pessoas daquela cidade e para a Câmara Municipal, isto porque
se conseguir fazer chegar a informação de que, por exemplo, na Amadora há pessoas a fazer uma
atividade específica (Slam, no caso) e fazem-no bem ao ponto de se tornarem campeões nacionais e da
Europa, poderá fazer com que a Câmara lhes forneça mais apoios e investa mais em atividades culturais.

O que constatámos no campeonato nacional foi que não houve, no geral, uma preocupação dos
artistas referenciarem a sua cidade, houve casos em que aconteceu, como o Luís Perdigão que faz
referência à Amadora num poema, mas não foram recorrentes, o que indica que é uma dimensão que
parece remeter mais para o indivíduo e com a mensagem que o poeta quer passar ou com aquilo que ele
quer mostrar de si. No entanto, não podemos deixar de registar que, na final, quando tentámos
estabelecer algum tipo de contacto com os slammers, o poeta brasileiro Mossoró informou-nos que o
nome que utiliza no Slam (Mossoró) não é o seu nome original, mas o nome da cidade de onde é originário
e também utilizava, nesse dia, uma t-shirt do clube de futebol da cidade de Mossoró. Neste caso, talvez a
necessidade de levar o nome da sua cidade consigo possa estar aliada ao facto de estar imigrado.

48
5. Conclusão

Este trabalho é o culminar de um processo com várias etapas, que iniciou com uma aproximação e
aprofundamento do tema e se desenrolou nos momentos de recolha e verificação empírica. As nossas
principais dificuldades passaram pelo tratamento da informação recolhida, nomeadamente pela análise
de conteúdo de poemas e entrevistas, uma vez que foi um exercício que não tínhamos colocado em
prática ainda. As entrevistas também foram momentos de alguma insegurança e de nos foi possível sair
da nossa zona de conforto, principalmente porque foi a primeira vez que colocámos esta técnica em
prática, mas apesar disso e dos erros que cometemos, foi uma experiência arrebatadora.

Ao longo de cada relatório acabámos por ir incluindo elementos que anteriormente não tínhamos
considerado, o que de facto nos faz perceber que as investigações pouco têm de seguro e regular e, à
medida que vamos mergulhando no tema o vamos descobrindo e redescobrindo.

É completamente erróneo considerar o Poetry Slam apenas como uma prática de poesia
declamada, o Poetry Slam é um espaço de partilha de emoções e de sentimentos, um espaço onde se
estabelecem relações e onde existe um respeito mútuo entre quem atua e quem ouve. De facto, surge
como uma prática coletiva, porque o sucesso de um evento deve-se a essas duas dimensões que estão
em constante relação. Relativamente ao Poetry Slam enquanto comunidade em Portugal, tal como Nuno
Piteira afirma ela parece ainda “não ter noção do que é”, no entanto, a verdade é que existe um
sentimento de identificação e de partilha, onde se estabelecem relações e onde todos se sentem
incluídos. Também existe, no Slam, uma importância fundamental da componente da performance, da
oralidade, entoação das palavras e da teatralidade do corpo, pelo que também não se pode desconsiderá-
la.

Procurou-se, durante a investigação, descobrir até que ponto o Poetry Slam pode ser considerado
uma forma de artivismo. Uma das agendas características de grupos artivistas identificadas por Bishop
(2006), é a ausência de autoria e é uma que o Slam contraria por completo.

A autoria é de maior importância nesta prática, o Poetry Slam é um veículo de expressão livre,
onde apenas o ódio, a discriminação e a ofensa não são bem aceites. É um espaço inclusivo de celebração
cultural onde todos são bem-vindos, o que por si só já é uma posição de oposição às desigualdades sociais
e à discriminação, no entanto, uma das regras desta competição é que todos os poemas têm de ser da
autoria de quem o declama.

49
O Portugal Slam, enquanto organização, não segue o exemplo típico de um grupo artivista, onde
existe uma agenda e objetivos claros de um ponto de vista ativista. No entanto, a posição desta
organização, enquanto promotores de liberdade de expressão, atrai artistas com as mais diversas
mensagens, sejam elas de teor puramente pessoal, ou de oposição e crítica social/ política. Também
durante o festival se preocupam em abordar temas que consideram ser importantes e necessários, pelo
que acabam sempre por incitar à reflexão e à mudança e ter um caráter interventivo associado.

A ancoragem a um território não se efetivou como uma característica do Slam, apesar da final
nacional estar construída de modo a que seja uma competição entre os melhores poetas de cada cidade,
esta parece surgir apenas como uma forma de organizar o festival e de o descentralizar, dando
oportunidade a pessoas de todo o país participarem. Nos casos onde acontece haver uma referência clara
a uma cidade, isto surge quando um slammer considera que esse é um traço que faz parte da sua
identidade, tendo necessidade e vontade de mostrá-lo aos outros.

O Poetry Slam é uma prática diversificada que alia várias componentes e várias dimensões, que
tem tanto de pessoal como de social numa partilha constante de emoções e de sentimentos, num vaivém
constante entre a audiência e o artista, onde a palavra, a arte e a expressão são, efetivamente, celebradas.

50
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56
Anexo 1 – Programa Festival nacional Poetry Slam 2017

57
58
Anexo 2 – Entrevistas

Entrevista Li Alves

Entrevistada:
Li – Li Alves

Entrevistadores:
M. – Mariana Marques
T. – Tiago Tecelão

M. – Pronto, nós primeiro queríamos saber como se formaram, como é que foi, como se organizam.

Li - Ui, vais começar com a pergunta mais difícil. Bom, como é que eu hei de começar… O Portugal Slam,
um bocado para dar o Poetry Slam aos slammers, vou pôr assim nestes termos, porque na altura havia
pessoal a fazer já poetry slam em Portugal mas, quem fazia eventos mais atrativos vá, era o pessoal do
MusicBox, o Alex Cortez, que a gente adora, não temos nada contra mas que tinha uma abordagem mais
comercial.

M. – Isso foi tipo 2012/2011?

Li- Não, 2008/2009

M. – Ah, mais antigo ainda.

Li – E havia também já cá o Poetry Slam Lisboa que era o Mico Mengucy e a Ana Reis e depois com o
passar do tempo as pessoas começaram a fazer, eu comecei a organizar noutras cidades, e nasceu esta
vontade de que já que temos varias cidades a fazer Slam, bora fazer um torneio nacional e foi, fizemos o
primeiro no Music Box só que não correu como nós estávamos à espera porque, é assim, todos os anos

M. – E o primeiro foi quando?

Li – Foi em 2013, mas foi pelo Music Box.

M. – Mas aí já havia Portugal Slam?

Li - Não, foi a partir daí que decidimos fazer a plataforma porque achamos que era necessário haver
uma plataforma, um projeto onde as pessoas que se interessam não só por Poetry Slam, por poesia e
performance e todas as abordagens mais underground, mais urbanas, mais alternativas que se
sentissem à vontade e que sentissem que tinham ali um espaço aberto e também ter uma organização,
um coletivo que, não é bem coordenar, porque dá sempre a sensação que somos os chefes do Slam, e
não tem nada a ver com isso.

M. - É mediar.

Li – Mediar exato, mediar as organizações locais, saber as pessoas que estão a organizar em Leiria, em
Aveiro, no Porto, etc, saberem que ali têm o contato centralizado e que podem contar connosco para
arranjar apoios, para fazermos o Slam nacional, bora lá, movimentar poetas.

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M. - Existe tipo esse contato sempre com as organizações locais quando eles querem fazer algo a nível
local, eles falam convosco ou nem tanto?

Li – É mais na altura em que surgem, normalmente quando surge um novo Slam, por exemplo, quando a
Carla decidiu fazer o Poetry Slam Leiria perguntou se nós podiamos ir fazer um workshop e ajudar no
primeiro evento, em Évora também aconteceu isso, é mais nesse sentido, dar o primeiro impulso,
ajudar, fazer o workshop, e a plataforma também existe nesse âmbito, de ao longo do ano dar
workshops não só em espaços como este, nas escolas, fomentar a prática do Poetry Slam e dar à poesia
aquela roupagem, tirar aquela mentalidade que a poesia é só rimar, ler e declamar.

M. – Exato, havia essa necessidade de terem alguma organização para dar esse apoio e trazer o Slam
aos Slammers e acabaram por se juntar algumas pessoas, vocês já se conheciam entre vocês, quem é
que formou o Portugal Slam por assim dizer, quem é que está desde o início?

Li – Quem formou o Portugal Slam na altura fui eu, o Mico Mengucy, a Raquel Lima que decidiu sair da
plataforma, o Nuno Piteira e o Sérgio Coutinho.

M. – E vocês já se conheciam antes?

Li – Já nos conheciamos.

M. – Mas no contexto do Slam?

Li – Sim, nós basicamente conhecemo-nos nesses primeiro evente do Music Box, do Poetry Slam Lisboa.

T. – Já agora, qual eram as divergências de estilo com o MusicBox?

Li - Eu acho que, não era bem divergência, era mais a diferença de realidade do circuito dos poetas do
povo, o Slam LX está inserido, é um circuito para pessoas que estão mais habituadas a artes
performativas e nós queriamos chegar à comunidade, dar espaço a pessoas como eu, como tu.

M. - Sim, secalhar também dar a conhecer um bocado, porque secalhar, as pessoas que iam ao
MusicBox já conheciam o Poetry Slam.

Li - Sim o objetivo também foi esse, descentralizar, fazer chegar a mais gente, e sim, não houve aquela
divergência do tipo “ah vocês não perguntam”.

T. – A partir do momento em que tentaram abrir o leque, houve heterogeneidade nas pessoas que
vieram, nos próprios slammers?

M. – Conseguiram chegar a mais pessoas?

Li – Sem dúvida, nada a ver, nada a ver.

M. – Acham que a partir daí o Slam em Portugal começou a crescer?

Li – Sim, sem dúvida, sim porque na altura foi em 2011/2012, eu comecei a fazer em Braga, e como
estava em Braga fui até Barcelos.

M. - Mas tens alguma relação com essas cidades?

Li - Não, eu quando conheci o Poetry Slam em Lisboa fiquei apaixonada.

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M. - És daqui então, de Lisboa?

Li - Sou de Almada, e gostei logo do conceito, porque achei que era uma prática acessível a toda a gente
e é uma prática que põe toda a gente ao mesmo nível. E então achei, então mas porque é que isto está
só em Lisboa, porque é que não está noutras cidades, e por acaso fui um fim-de-semana a Braga visitar
uns amigos e fui a um bar e na conversa com o dono do bar falei disso, “bora organizar!”, aconteceu,
depois em Barcelos, como é lá ao lado e eu tinha uma amiga, “queres fazer aí?”. Aconteceu, depois
recebemos um convite para fazer em Matosinhos, fizemos em Matosinhos.

M. – E as pessoas, nessa altura, já conheciam?

Li – Não.

M. - Portanto, vocês começaram por ser pioneiros e levaram o Poetry Slam a essas cidades e depois,
como é que surge, a partir daí, começaram a chegar a mais pessoas, e como é que surgiram as
comunidades nesses sítios, as pessoas começaram-se a interessar e a entrar na onda?

Li – É um bocado complicado responder a isso porque acho que tem a ver com a mentalidade
portuguesa, sai um bocado do poetry slam, posso dizer que tive quase 4 anos a organizar o Poetry Slam
em Braga e começou: “Ahh!” Com toda a gente a participar, brutal. [Depois] cada vez menos gente a
participar e eu entretanto eu cheguei a um ponto que eu não posso estar sempre a vir a Braga não é, e
falei com pessoas que iam regularmente ao Poetry Slam, uma delas o dono do espaço, e [disse] “pah,
vocês podemos continuar a organizar” – até hoje não continuaram. Acho que as pessoas veem em nós, e
este é um trabalho que nós estamos a querer fazer, veem no coletivo central, digamos assim, no
Portugal Slam, as pessoas que vão e fazem e então parece que não têm aquela responsabilidade, não é
responsabilidade, aquela iniciativa de “ok, porque é que estão eles a vir aqui, bora fazer nós!” Só
aconteceu isso no Porto, no Porto eles continuam a fazer, em Leiria fazem porque a Carla é de Leiria, em
Aveiro fazem porque as pessoas são de Aveiro, mas houve algumas cidades que se perderam como
Barcelos, Braga, Matosinhos, porque as pessoas não tiveram essa iniciativa, acho que estavam
confortáveis com o facto de ir alguém de fora fazer isso e terem logo ali aquilo pronto, mas nós também
não podemos estar sempre, não é?

M. – Relativamente, agora mais às pessoas, não só aos slammers mas também ao público que vem,
acham que há muita variedade de pessoas, todo o tipo de pessoas a participar?

[Interrupção]

Li – Sim.

T. – Etnias e género, nós reparámos que havia poucas mulheres, havia mais mulheres na final do que em
Lisboa, mas em Lisboa havia poucas mulheres, e que a nível de etnias, duas, duas pessoas afro
descendentes, não sei se nos outros sítios a heterogeneidade é parecida.

Li - Depende bué do sítio onde estás a fazer o Slam, e depois entras naquela coisa do estereótipo.
Almada, eu comecei, ajudei a Raquel Lima na altura a começar o Poetry Slam Sul entretanto eu saí, ela
continuou, mas lembro-me que Poetry Slam Sul quando começou, rebentou a casa e éramos invadidos
por pessoal que era ligado ao Hip-Hop, ao Rap, depois houve Slams que apareceu pessoal ligado ao
Metal, então para nós foi interessante ver metaleiros e pessoal do Rap ali misturados a dizer textos e,
Almada é mais underground.

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M. – Sim, já é conhecida por ter uma variadade.

Li – Mas depende, se vais a Braga não tem nada a ver, as pessoas no início gostaram, depois começaram
a não achar muita graça à pontuação, porque é que isto é um concurso, levam a poesia mais a sério. Em
Lisboa tens uma parte mais performativa, atores que já fazem Slam, e músicos que também vão
experimentar. Realmente, há essa questão das mulheres mas eu acho que há cada vez mais mulheres a
participar mas acho que tem mesmo a ver com o facto de a mulher talvez ser mais sensível, ter mais
receios, ou secalhar deixar que os receios a bloqueiem de forma diferente e também porque a história
do Slam, pelo menos em Portugal, há muito poucas mulheres a ganhar Slams. No Slam nacional, desde
que a gente o faz, nunca houve uma mulher a ganhar por exemplo e não sei até que ponto isso pode
desmotivar, embora eu ache que este ano tivemos mulheres brutais, Rita Capucho de Aveiro, e acho que
esse trabalho do Portugal Slam nos workshops, etc., é nesse sentido, de atrai cada vez mais gente, de
backgrounds diferentes, de géneros diferentes, de estilos diferentes e até fazer um trabalho
interventivo no que toca por exemplo às escolas, miúdos que secalhar são os menos populares da
escola.

M. – Como é que vocês fazem esses workshops nas escolas?

Li – Depende, a maioria das vezes é por convite, são mesmo as escolas que entram em contacto porque
têm interesse em fazer, às vezes os professores de português andam aflitos não é? É normal.

M. – Mas o que é que voces fazem nesses workshops?

Li – Dando o exemplo do ultimo grande workshop que fizemos que foi no Fundão, numa escola no meio
da serra, tivemos lá três ou quatro dias e trabalhámos com uma turma do 9ºano, e os workshops
consistem em trabalhar a parte da escrita, isto é estranho dizer mas é quase como ensinar ou dar
ferramentas aos miúdos para que eles tenham liberdade de escrita e que saiam daquele formato, depois
trabalhar a parte da leitura e a parte da performance do texto, que as duas partes sao difíceis, mas a
parte da performance acaba por ser mais difícil porque eles não estão habituados e porque não
percebem porque é importante lermos aquilo que escrevemos e qual o impacto disso. Mas depois a
apresentação final, que fazemos sempre, acontece e é uma histeria, eles adoram, ficam todos
contentes, quem quer que ganhe, quem quer que perca não interessa, e acima de tudo trabalhamos
com o professores, não é para lhes ensinar nada, mas para partilhar algumas ferramentas mais
alternativas digamos assim, que os ajude a cultivar a paixão pela poesia de outra forma. Acho que passa
pela liberdade de escrita e pela não avaliação, não há certo nem errado, é aquilo que tu escreves e
pronto. Obviamente que em termos gramaticais e palavras mal escritas há essa correção e nós tambem
a fazemos obviamente, não estamos aqui a ensinar a escrever mal, mas o conteúdo do que o aluno
escreve, a estrutura de pensamento, a solução que ele encontra para uma lógica qualquer, ou para uma
rima não tem de ser certo ou errado ou ter de levar melhor ou pior nota, é o que é, isso permite ao
aluno entregar-se de uma forma que secalhar nao se entrega no formato tradicional da escola, isso pode
ajudar, a meu ver, nas aulas de português que é a unica disciplina que nós podemos estar mais
envolvidos, pode ajudar aos professores para ter uma ligação diferente com os alunos, a conhecerem
outra parte deles que até há altura desconhecem, claro que nem todos estão disponíveis para isso, nem
toda a gente nasce com aquela cena de escrever, mas até agora todos têm escrito.

M.– Todos têm gostado?

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Li – Sim, mas notam-se muitos entraves que é a escola, tipo, agora vamos escrever, a primeira pergunta
é quase sempre “qual é o tema”? Não há tema. “E agora o que vou fazer? Não há tema, quantas frases?
Quantas linhas?” – “Epah, o que tu quiseres. – “3 minutos? 3 minutos é muito tempo! 1 minuto? 1
minuto é pouco tempo!” Eles estão perdidos, não têm essa noção.

M. – Relativamente agora aquilo que é a relação, a dinâmica entre o público e os slammers, o público
acaba por ter um peso enorme e acaba por dar uma dinâmica gigante aos slams, são eles que votam, faz
parte, como é essa dinâmica e essa relação?

Li – Eu costumo dizer, pah, isto também porque estamos a fazer isto há algum tempo e depois começas
a… ou apaixonaste e ficas, ou desconectaste, normal. E eu continuo apaixonada, eu costumo dizer,
acima de tudo, para além dos slammers ou do pessoal que vai participar, tens de ter um bom MC, um
bom apresentador, sem isso o Slam morre num instante, tens de ter uma pessoa que puxe pelo público,
que ao explicar o Slam cative o público, isso faz toda a diferença. Já tivemos eventos com pessoal que
vai apresentar pela primeira vez e não corre assim tão bem, outros que é tipo: “wow, tu és
maravilhoso”.

M. – Sim, o rapaz da final, acho que era o Sérgio, muito bom!

Li – O Sérgio estava brutal.

T. – Fiquei apaixonado.

Li – Foi a primeira vez que ele apresentou uma final nacional e foi brutal.

T. – Não parecia nada a primeira vez.

Li – Não, ele já apresentou outros Slams locais, mas a nível nacional foi a primeira vez e correu super
bem, e é um dos papéis fundamentais é o MC, e o público gosta disso, acho que o desafio o Poetry Slam
é que o público não se sinta só público, estar ali a olhar, acho que o nosso papel é “vocês fazer parte
disto, gritem, digam coisas, podem bater palmas, digam não!”.

M. – Isso é uma preocupação vossa, escolher a pessoa que vai apresentar o campeonato?

Li – Sim, tem sido, nós temos aprendido todos os anos com falhas que acontecem, é normal, e “para o
ano vamos fazer assim, para o ano vamos fazer assado”.

M. – Sim, acabam por aprender com aquilo que corre mal.

Li – Por exemplo, nós tínhamos sempre dois apresentadores, mas este ano só tinhamos um, porque
achamos que dois era muita confusão, depois vai um, às tantas já não se sabe quem vai; um está bom.

M. – Sim, este ano, nós não vimos os anos anterios, mas este ano estava excelente. Agora uma
experiência mais pessoal tua da importância que atribuis, se sentes esse orgulho, essa responsabilidade
de estar a representar a comundade portuguesa de Poetry Slam. Achas que isso é importante para ti?

Li – Claro que sim.

M. – E a tua relação com os outros membros?

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Li – Em tudo na vida, não é, quando estás a trabalhar em grupo, há sempre diferenças, pontos de vista
diferentes, andamos às turras, é normal, mas não trocava por ninguém as pessoas com quem estou a
trabalhar, entre aspas porque isto nem é um trabalho, é uma paixão, e perdi me entretanto na pergunta
que tu fizeste, desculpa.

M. – No fundo era isso, era mais a tua experiência pessoal, achas que existe dentro do Poetry Slam em
Portugal uma base sólida, as pessoas sentem-se de facto parte disto, que estão a representar alguma
coisa.

Li – Eu começo a reparar que o Poetry Slam em Portugal quando entras na comunidade, nos coletivos e
quando chega uma fase da tua vida em que queres fazer outra coisa é muito difícil desligares-te do
Poetry Slam sem saíres magoado, eu tenho essa sensação. O Poetry Slam, para muita gente foi a ligação
a pessoas que tu não conhecias e que de repente conheces através destes eventos, que de repente
começam a fazer coisas juntos, até perfomences diferentes fora do Poetry Slam, spoken word, video
poetry, o que seja. Através dessas pessoas conheces outras pessoa, etc, vais aqui, vais acolá, e se
chegares a um ponto em que epah, o Poetry slam já deu o que tinha a dar para mim, “eu agora quero é
fazer performance com video e poesia, não quero estar mais ligado ao PoetrySlam, vou aparecendo”, é
dificil cortar esse cordão umbilical porque acaba por haver essa família, e há sempre pessoas a entrar e a
sair, a entrar e a sair, há os que ficam, os que estão, os que desaparecem e depois voltam, mas no fundo
acabamos sempre por saber quem somos, aqui. Mas se formos a outra cidade já é diferente, tens
sempre 3 ou 4 pessoas que aparecem sempre no Slam e que formam aquele grupinho, “bora lá ao
Poetry Slam!”, mas não é tao unido, aqui Lisboa, Almada, o pessoal já se conhece há muitos anos, fazem
coisas juntos, e acho que sim, que acima de tudo, o espírito de comunidade existe bastante.

M. – E vocês encontram-se fora daquilo que é o Poetry Slam, ou os eventos de Slam, são amigos no
fundo, criaram uma relação emocional.

Li – Sim e não, acho que tens das duas partes. Tens pessoas que só estás com elas no Poetry Slam e
quando estás fora até parece que são estranhos, numa situação normal, numa festa de anos. E tens o
inverso, as pessoas que conheceste no Poetry Slam e que depois levas para a tua vida e que são amigos
noutro contexto, e que fazes outras coisas, acho que há um pouco das duas coisas.

T. – Vocês têm estratégias para promover eventos futuros, para dar visibilidade ao Poetry slam?

M. – Por exemplo, vocês têm uma página do youtube, os cadernos poéticos foram uma maneira de
eternizar as pessoas que escreveram aqueles poemas?

Li – Eu acho que aí vais entrar na parte profissional, na parte da organização e essa é uma parte em que
muitos de nós estamos a aprender, uns com mais experiência, outros menos experiência, e nós nunca
quisemos fazer do Portugal Slam como evento nacional uma coisa muito comercial.

M. – Querem-se manter underground?

Li – Sim, porque temos aquele receio que afaste as pessoas que vão à procura desse lado mais
underground, mas também temos noção que esse lado underground afasta potenciais patrocinadores,
financiadores, ou apoios e então é uma tarefa difícil de gerir, a nível de comunicação é uma das nossas
lacunas, por isso é que também dizemos que quem fizer parte da plataforma possa contribuir a nivel de
produção, comunicação, marketing, por favor venham. O caderno poético surgiu porque já tinhamos

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editado uma coletânea de poemas que era a “3, 2, 1 SLAM!” e na altura o Afonso e o Nuno disseram que
queriam continuar mas com outro formato, um formato mais leve, simples, que se chama mesmo
“Caderno Poético” para ser mais fofinho digamos assim, e a ideia é fazer todos os anos esse caderno
poético mas acho que aí não houve muito a estratégia, acho que houve mais a vontade eternizar, como
disseste, texto de slammers que vão passando por nós.

M. – E têm algumas coisas pensadas para o futuro, formas de levar o slam a mais pessoas, fazer com
que mais pessoas conheçam o slam, dar visibilidade, no fundo?

Li – Sim, o ano passado já começamos a fazer isso através de outras plataformas , por exemplo, houve
um projeto europeu que era “A poesia anda nas ruas”, que era um projeto com vários países: Portugal,
Itália, Espanha, França. E, do nada, a Direção Geral das Bibliotecas e do Livro convidou-nos para fazer
parte da conferência e falar do Poetry slam, e nós, “what? Brutal!” Fui eu na altura, foi no Fundão, e daí
a escola também. E lembro que eles convidaram outras pessoas, e eram as várias formas de abordar
poesia, havia o poetry slam, havia a contadora de histórias, e havia a performence de video poetry, e no
final todos vieram falar comigo porque o poetry slam é um brinquedo que podes passar de mão em mão
enquanto que uma contadora de histórias é ela que conta as histórias e pronto, pode dar um workshop
claro, mas o Poetry slam dá para toda a gente e por isso tive logo professores a perguntar se funciona e
se dá para os miúdos, e então eu acho que a nossa missão é esta, passa por aceitar estes convites que
são mais formais, nós tambem vamos estar na gala de entrega de prémios do Iberian Festival Awards,
eles convidaram-nos a concorrer e a votação está agora online para quem quiser votar em nós, mas nós
também não vamos há espera de ganhar, vamos fazer networking e falar do Poetry slam, há essa
vontade. Mas, por exemplo, um dos nossos maiores esforços é a televisão e eu há uns anos, cheguei a ir
à RTP2, à SIC, ao “Portugal no Coração” falar do Poetry Slam e na altura estava crente que alguém iria
querer fazer uma reportagem sobre o Poetry Slam, o que era brutal, e não há esse interesse tão
mediático, acho que há mais um interesse institucional, escolas, bibliotecas mas de ter esse impacto
mediático, não há muito.

M. – Mas era uma coisa que vocês ambicionavam?

Li – Sim e não, vou dar-te um exemplo, por acaso é uma história fixe. Fomos convidados para participar
numa novela que era a “Rainha das flores”, porque eles iam ter uma cena em que a personagem
principal ia fazer um Poetry slam e então eles queriam dois slammers para fazer um Poetry slam real
mas ela é que ganhava, eu perguntei a toda a gente, eu própria disse que não, perguntei a toda a gente,
ninguém quis, só depois duas pessoas lá disseram que iam porque poderia vir a chamar pessoal. Mas
por um lado, se queremos ter um impacto mediático, por outro, somos selectivos nos meios em que isso
pode ocorrer e por isso andamos na corda bamba, aceitamos, não aceitamos e às vezes podemos tomar
as decisões erradas e outras vezes as certas, mas acima de tudo o visível é o campeonato nacional, e
este ano teve o dobro das pessoas que teve no ano passado.

M. – Aquilo estava cheio.

Li – O que significa que algo fizemos bem.

M. – Sim, por acaso foi engraçado, nós estamos a fazer uma investigação para uma disciplina de
métodos de investigação em sociologia e cada grupo faz sobre um tema que quiser, portanto nós é que

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escolhemos este tema e depois, ao longo do semestre, apresentamos. Nós gravámos o festival e eu
depois fiz um vídeo e apresentei na aula com as várias atuações durante os três dias.

Li – Podes-me mandar o vídeo?

M. – Posso, eu posso mandar, esse vídeo nem era suposto ser apresentado mas pedimos à professora
para apresentar e na semana passada fizemos um poster científico também sobre o Poetry slam e um
colega nosso acabou por comentar o nosso trabalho na turma que ninguém conhecia e toda a gente
adorou e deram-nos os parabéns, disseram que era o melhor trabalho, porque é um coisa tão
desconhecida e tão apaixonante e quando as pessoas conhecem pensam que como é que isto existia e
eu não sabia e eles disseram todos que..

T. – Nem quero imaginar na quantidade de coisas que há para aí e eu nem conheço…

M. - É isso que nós pensamos, e muitos ficaram com vontade de conhecer e de ir ver, de participar e foi
muito bom para nós.

Li – Eu acho que há esse conflito interior de quem está metido no slam de a tal ligação entre o
underground e o profissional, pequenos detalhes. O campeonato nacional é uma coisa séria, nós
estamos a dar a oportunidade às pessoas, nós estamos a unir esforços com poucos recursos, que nós
não temos muito, trazer pessoas de várias cidades, e quem ganha vai lá fora e tem oportunidade de
conhecer outros poetas, de fazer outras coisas, outras realidades, isso também tem de ser levado a
sério, às vezes, pequenos detalhes como “aquele poeta passou 2 segundos do tempo.” – “Também são
só dois segundos…” – “Não! São dois segundos, acabou, tem de ser penalizado.” E nós ao longo destes
anos temos essa consciência que temos de levar a sério aquilo que fazemos principalmente no
campeonato nacional, não podemos descurar porque só foram 2 segundos ou porque usou um chapéu
para fazer alguma coisa, nao, não pode usar, não pode usar.

M. – Têm de manter o profissionalismo.

Li – Sim, sim, porque vais a outros países, por exemplo, na Alemanha tens divisões, é muito à frente…

M. – Pois, nós também aqui…

Li – Olha, desculpa interrompe-te, foste tu que estavas no youtube?

M. – Fui.

Li – Ah, bem me parecia, eu estava assim: “Ah, eu conheço esta…”

M. – Nos estávamos a ver o compeonato, estavamos a fazer um trabalho e..

Li – E já agora, “off the record”, o que é que achaste?

M. – Eu não vi todas, vi as duas do… Aliás, não sei se vi as duas dele… Vi sim! Vi as duas do Perdigão.

Li – Ele estava tão nervoso, coitadinho…

M. - Foi muito diferente.

Li – Já viste o que é pensar que está em Bruxelas…

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T. – Mas ele cá não estava nervoso, não achei.

M. – Mas tu não viste o Euroupeu, fui eu e o Eduardo – o outro rapaz da outra vez – nós estávamos em
minha casa a fazer um trabalho e tínhamos aquilo ligado e íamos vendo. Primeiro não percebi bem, o
“barulhómetro” estava meio estragado, aquilo estava sempre a dar 2 ou 3 ou 4, aquilo estava muito
esquisito.

T. – Cá o Luís Perdigão rebentou a escala.

M. – Ya, pois foi.

Li – Dava 3, depois quando era a Belga dava 13.

M. – Depois eles falavam ao microfone quando aquilo estava a fazer a cena do barulho, enfim.

Li – Obrigado pelo feedback, mas é bom, porque o “barulhómetro” está a ser discutido.

M. – Pois, é que eu, de repente, estavam a falar enquanto estava a ser medido o barulho, e eu assim
para o Eduardo: “mas esta porcaria…”E eles a falar, mas aquilo dava sempre 5 ou 6, dava bué pouco.
Mas o que eu achei é que as atuações do Luís aqui foram melhores, estava mais contido, mais nervoso e
não sei, eu gostei tanto dele e pensei que ele fosse ter mais impacto no Europeu.

Li – Eu acho que lá está, nós também seguimos logo, o europeu acontece sempre num sítio diferente,
mas ultimamente tem sido na Bélgica, mas quando foi na Estónia, o Nuno Piteira foi e ganhou.

M. – O Rogério também ganhou?

Li – Não.

M. – Não? Nos pensavamos que ele tinha ganho.

Li – Não, ele ganhou Portugal.

M. – Nós pensávamos que o do ano passado ganhou.

Li – Não, foi em 2015. O Nuno Piteira ganhou na Estónia. E eu acho que depende de organização para
organização e este ano foi muito formal, com o Ministro da Cultura, num auditório.

T. – Isso é bom.

Li – Mas depois tens o mundial que vai agora acontecer.

M. – Mas não achei que tivesse muita gente no auditório.

Li – Agora no Mundial o Luís vai lá estar e acho que lhe vai correr melhor.

M. – É onde?

Li – Em Paris. Vem gente de todo o mundo, é diferente, aliás, nós fazemos parte da plataforma europeia
de Poetry Slam e é uma coisa que debatemos é que não deve ser formal, intimidante, tem que ser fun,
ok, deve ser sério porque é um Europeu.

M. – Mas deve dar uma ideia de que é inclusivo, para todos.

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T. – Quem é que vai ao Mundial?

Li – É o Perdigão, no mundial tens pessoas de todo o mundo.

M. – Eu gostei muito daquela que ganhou.

Li – Eu gostei da espanhola

M. – Da espanhola não me lembro, mas eu gostei, ela foi falar da transexualidade, é um tema que me
interessa bastante, gostei bastante dela, falou-se muito em inglês, estava à espera que se falasses mais
na própria língua.

Li – Sim, nós tentamos sempre acompanhar os outros campeonatos, não só para torcer pelo nosso, mas
para aprendermos cenas com eles e acho que este nao aprendi nada, acho que nós fizemos o
campeonato nacional melhor.

M. – Até os apresentadores do Europeu eram um bocado fraquinhos, eram um rapaz e uma rapariga.

T. – Mesmo o segundo, o Blayer era genial.

M. – Foi o que a nossa professora gostou mais, foi do poema da mãe.

T. – Se fosse o Blayer não se ficava nada atras.

M. – A nossa próxima pergunta era sobre se o Portugal Slam se envolvia com as comunidades de outros
países, se existe contato, como surgem esses contatos?

Li – Começam a surgir quando tu vais lá fora, na altura a Raquel Lima já tinha ido a uns países
estabelecer alguns contatos, depois o Nuno tambem foi e eu também fui, são pessoas que nós vamos
conhecendo e estabelecemos parcerias, por exemplo, na Polónia, este ano não trouxemos ninguém mas
o ano passado trouxemos, conheci la a Veronica e quando eles fizessem o nacional deles para dizerem
que é que nós vamos tentar trazer, é tudo à base deste tipo de contato. Depois a nível europeu existe
um grupo chamado a “Rede europeia de Poetry Slam” em que quem organiza os nacionais de cada país
está inserido e vai trocando ideias e o Mundial é uma organização muito bem estruturada, eles
entraram logo em contato connosco para saber o finalista, quem é, bora lá. Eu queria ir, nós tentamos
sempre estar presentes, queria ver se ia ao mundial para estar com eles, para discutir futuras parcerias,
para falar, mas é tudo muito à base disso, de ir conhecer.

M. – Não sei se têm alguma noção do Poetry slam noutros países, estavas a falar na Alemanha, falaste
em divisões, deve ter muita gente, como é por exemplo em Espanha ou em Inglaterra?

Li – Na Espanha, existem dois grandes slams, um em Barcelona e outro em Madrid, acho que existe um
também em Maiorca. Madrid tem um evento que é o Poetry Slam internacional e tem bastante
aderência porque dois poetas que tiveram cá há dois anos, o Dani e o Salva, dão muito a cara pelo Slam
e um é de Madrid e o outro de Barcelona e já viajaram por vários países e sei que é um slam muito
dinâmico e com muita gente, digamos que parecido ao nosso. Conheço também o slam francês que é
mais dificil de explicar porque eles não são muito unidos, tanto que têm duas competições nacionais, há
paises que têm duas competições nacionais, como a Itália.

T. – Depois como fazem para o Europeu?

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Li – Vão os dois.

M. – Pois, eu por acaso reparei que haviam países que tinham duas pessoas.

Li – Isso também, para mim é algo que devia ser debatido.

M. – Eu por acaso pensei nisso e comentei com o Eduardo, porque é que de França e acho que da Itália
vêm duas pessoas. Já agora, na nossa pesquisa que andamos a fazer sobre o Slam, e como este
começou, e nao sei se no vosso site diz mas pode-se competir em duos ou em trios, mas isso não é
muito comum ou é?

Li – Não, não há muitos. Em Portugal só houve uma vez um coletivo de dois rapazes em 2013, onde eu
vejo mais isso é nos Estados Unidos.

M. – O facto de ser relativamente fácil haver esse contato porque as pessoas dos outros países parecem
ser bastante recetíveis e abertas nessa partilha.

Li – Sim, e nós aqui tentamos, porque normalmente quando és convidado num evento internacional, eu
tive num Slam em Bordéus, França, e era para fazer Slam, fui lá, fiz slam, mas nós aqui tentamos fazer o
que fazem neste festival de Varsóvia que é o pessoal trabalhar uns com os outros e criarem uma
performance em conjunto, e temos muita gente que vem e que pergunta se não era para fazer slam.
Não, é para estares em residência e trabalhares com outras pessoas, claro que tens um espaço para
dizer um texto teu e eles adoram isso, adoram o facto de saírem um pouco do slam e respirar e usar
aquilo que é a experiência deles para criar coisas com os outros. E perdi-me outra vez na tua pergunta.

M. – Era isso mesmo, essa partilha com os outros acaba por ser fácil, o poetry slam no fundo, as pessoas
gostam muito desta prática e acabam por e dar e por se mostrar e partilhar isso com os outros

Li – Obviamente que tu também, como na música, na pintura, tens pessoal que jé tem um certo status e
se convidar o poeta X ele vai querer dinheiro porque já são pessoas que fazem isso a nível profissional,
por exemplo, este ano tivemos cá o Duncan Green que nunca ganhou nada em Inglaterra, só faz slam
por fazer, não é profissional, só falei com ele porque tenho uma prima que vive na cidade dele e falei-
lhe do festival e ele queria muito vir, mas nao conseguimos arranjar fundos e ele disse que a viagem é
barata e que pagava ele e vinha.

M. – Bem esse rapaz, eu no primeiro dia, no pré slam, eu estava a pedir uma bebida ao balcão e ele veio
falar comigo em Inglês, a perguntar se eu ia fazer slam e eu disse que ia soó ver, que era a primeira vez
que eu vinha, ele estava a dizer, eu já não sei de onde ele é, se é Manchester…

Li – Southampton.

M. – Sim, Southampton e acabou por estabelecer um contato, eu achei muito engraçado, as pessoas são
simpáticas e recetivas, e foi engraçado. Bem, esta pergunta vai um bocado fora daquilo que estavamos a
falar, mas no fundo, qual achas que é, podemos não falar só de Poetry Slam (mas também de Poetry
Slam), o que é que achas que é o papel que os movimentos artísticos desenvolvem na sociedade, se é
uma maneira de resistência política, social, achas isso de alguma forma.

Li – Pessoalmente, estou a voltar bué atrás no tempo. Eu vivi em Inglaterra alguns anos e conheci lá uma
realidade completamente diferente, ou seja, lá há espaço para toda a gente e qualquer movimento
artístico, não interessa se és melhor ou pior, e os que secalhar são piores têm espaço para aprenderem

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e para experienciarem e para se tornarem melhores. E quando voltei para Portugal trouxe isso comigo, e
eu e a minha irmã tivemos a ideia de criar uma associação que é a “TRIPLIC’ARTE” e que era esse o
objetivo, dar esse espaço a toda a gente, e depois quando conheci o Poetry slam melhor ainda, e eu
acho que este tipo de movimentos artísticos dão voz às pessoas, de qualquer tipo de voz que podemos
falar, dá voz mesmo vocal, voz a nível visual, mas dar voz às pessoas, artisticamente a varios níveis, cada
vez mais, o erudito, o comercial, o undergroud, o underground ali a tocar no comercial e as pessoas têm
tendências em formar elites, o underground também tem elites e acho que estes movimentos têm essa
missão, de furar isso tudo e de invadir um bocado, abram lá o círculo e deixa os outros entrar. Não quer
dizer que por tu seres bom, os outros também não sejam, se tu tens coisas para mostrar não quer dizer
que os outros tambem não tenham e acho que isso é a missão principal, dar voz às pessoas, dar espaço
para elas se expressarem, a partir daí vem tudo o resto, vem a intervenção, a resistência, a crítica, mas
se não tiveres espaço para o fazer, se não tiveres alguem que te dê espaço para fazer, fica difícil.

M. – Nesse sentido de dar voz, achas que o Poetry slam acaba por ser uma prática que promove a
consciencialização, vamos falar de coisas que precisam de ser faladas…

Li – Sim porque o Poetry slam tem a palavra poetry e então isso automaticamente remete as pessoas
para um concurso de poesia e depois quando chegam e a gente estripa-lhes a poesia, fica tudo “what
não era isto que eu estava a pensar”. Uns reagem bem e outros reagem mal, os que reagem bem
aproveitam isso para despir um bocado o ego e para se confrontarem a elas próprias para usarem o
Poetry slam como veículo de mensagens mais pessoais, mais sociais, mais críticas e ter a noção que não
é preciso ficar na eternidade, apesar de nós termos o caderno poético, não é preciso ficar na eternidade,
pode ser uma coisa do momento, não tem menos valor por isso, e perdi de novo na pergunta, é que eu
começo a falar e fico…

M. – Não faz mal, não faz mal, no fundo era isso, porque quando nós fomos e nós quando vamos ouvir
Poetry slam, aquilo que nós sentimos, que nós vemos, e que nós ouvimos é que existe uma grande
necessidade de as pessoas falarem sobre aquilo que as inquieta na sociedade, do racismo, sobre a
transexualidade, até essa rapariga, alguns falam, o Luís Perdigão tinha um discurso muito para a
sociedade de consumo.

Li – Sim, o Poetry slam, sem querer ou não, conduz muito a esse discurso mais interventivo e de crítica
social, talvez por não ter a obrigatoriedade de rimar ou de ter um formato mesmo poético clássico, de
ser mais “escreve o teu texto, escreve aquilo que tu sentes, escreve aquilo que te perturba, é aqui que
podes falar, é aqui que podes dizer”, acho que as pessoas automaticamente ligam-se a isso muito
facilmente, aliás, o Poetry slam, mesmo nos EUA, quando nasceu, nasceu assim, nasceu de “agora tenho
de fazer alguma coisa, vou falar de mim, vou falar da minha ansiedade, do meu distúrbio obsessivo
compulsivo, vou falar de política, neste momento da economia, de quem passa fome”, tem o poetry,
mas tem o slam, e o slam é fazeres barulho, é mexeres com as pessoas.

M. – Sim, no fundo, era isso que eu também ia dizer, era também levar alguma coisa que despolete nos
outros essa histeria, no fundo, os outros também fazer parte do slam, são a outra metade. Nós no
festival, era super engraçado para nós, o Marinho Pina, as pessoas reagiram muito ao poema dele, riam-
se e acho que até foi um dos mais…

T. – Qual?

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M. – Foi mesmo no ultimo dia, ele tinha um que era, “tenho saudades daqueles dias”, sei lá, ele falava
do racismo, muita crítica social, e as pessoas riam-se muito com aquilo que ele estava a dizer e acho que
isso acaba por ser engraçado, e mesmo nas pontuações, no pré slam, houve uma rapariga que deu 2 e as
pessoas acabavam por assobiar.

Li – Mas isso é fixe, é uma das características do Poetry slam, é essa ligação ao público, eu acho que o
público que vai ver Poetry slam, mesmo que não conheça no ambiente, as pessoas percebem que estão
a falar para ti, que estão a falar contigo, e tu podes dizer “ya, é mesmo isso” ou “ não gostei nada, 2, o
que? Não sei quê, eu faço”.

T. – Nós foi a primeira vez que fomos e sentimo-nos em casa.

M. – Sim, foi brutal, nós até dissemos, fogo, para o ano vimos outra vez.

T. – Sem dúvida.

M. – E nesse sentido do carácter mais interventivo, nós até falamos disso no dia daquele debate e isso,
de quais é que são critérios depois da escolha do vosso tema, que tem sempre um tema anual.

Li – Bom, eu acho que o primeiro Poetry slam teve um tema, que já não me lembro qual é que é, acho
que era “a arte, tecnologia e educação”, porque foi o primeiro, estávamos entusiasmados e queríamos
misturar multimédia e porque vinha cá a pessoa que coordena a plataforma europeia e bora lá falar
sobre isto porque na altura havia muita urgência de provar que o Poetry slam é uma ferramenta acima
de tudo pedagógica e queríamos trabalhar com escolas e então surgiu o tema e a partir daí começou,
“então agora qual é o tema de este ano?”, e o que é certo é que torna-se cada vez mais difícil tu teres
um tema porque o tema depois faz com que tu tenhas que estruturar o festival à volta daquilo e
justificares o tema e nós o ano passado tivemos algumas dificuldades porque tínhamos o tema, mas
depois aquilo que queríamos fazer não conseguimos.

M. – Qual foi o tema do ano passado?

Li – Foi linguagem, fronteiras e encontros. E no fim acabou por correr bem porque tivemos 15
internacionais convidados e então essa questão da fronteira, se a linguagem é mesmo uma fronteira ou
não. E nós não sabemos ainda se vamos continuar com essa brincadeira do tema porque
experimentámos, neste momento não sabemos se é benéfico.

M. – Mas o tema é importante, é mais uma forma de vocês estruturarem?

Li – Eu acho que o tema é uma forma de dar uma característica ao festival porque o Portugal Slam é
uma plataforma, e depois surge como festival e então achamos que ter um tema distancia o festival da
plataforma, ou seja, Portugal Slam – “Arte e Resistência” é o festival, Portugal Slam é a plataforma, é
basicamente dar o nome ao festival.

M. – Depois o que os Slammers fazem não precisa de ter nada a ver com isso, ou tem?

Li – Não, a programação em si é que vai de encontro ao tema.

M. – E depois também, recuando também, visto que vocês têm esse cuidado de ser underground, de
não se tornar comercial, nós estávamos a pensar, como é que vocês fazem as escolhas dos espaços?

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Tipo, não sei se anteriormente foi no Chapitô, se foi este ano, qual é o vosso critério para escolher os
espaços? Se é a notoriedade?

Li – Eu acho que o critério tem mais a ver com os recursos que temos, no primeiro ano fizemos no
LxFactory e foi demasiado grande para a altura, não tínhamos tanta força, depois fizemos na Guilherme
Cossoul, correu super bem, o ano passado fomos para o Chapitô, correu bem, e este ano decidimos
voltar a fazer lá porque achamos que é um espaço que chama gente, que chama público, é um espaço
que está ligado às artes, há pessoas que não estão ligadas às artes mas vão lá por causa das artes, é um
espaço que oferece as condições, contudo este ano ficamos um pouco assustados porque sobrelotamos,
houve pessoas que já não puderam entrar, e pensámos “para o ano será que fazemos aqui ou temos
que arranjar um sítio um pouco maior”? Mas nós também a nível de espaço tentamos sempre procurar
algo que as pessoas se sintam em casa.

M. – Sim, o Chapitô transmite um ambiente brutal.

Li – Sim, por exemplo, se formos para um auditório perde aquela essência, estás num auditório, ai tão
fofinho, não, queríamos uma coisa mais artística vá, tentamos sempre.

T. – E o ambiente antes do evento foi muito bom, a malta tinha os bares, os restaurantes, se fosse num
auditório não tinha isso, o convívio.

Li – Sim, o convívio é fundamental, tem de existir, se não o Poetry slam acabou.

M. – E relativamente à divulgação do evento em si, como é que vocês fizeram?

Li – É disparar para todo o lado, felizmente…

M. – Vocês tiveram o apoio da RTP, da Antena 2?

Li – Tivemos o apoio da Antena 3 e da RTP2 também, só que a RTP2 pronto, houve ali um, enfim, nós
tínhamos de gravar um teaser mas a qualidade de voz não era segundo as condições deles e entretanto
o tempo passou, pronto, mas nós deixámos estar na mesma porque mesmo que não tenham passado
interessaram-se em apoiar. mas a Antena 3 por exemplo, desde o primeiro festival e sempre que a
gente os contata para renovar a parceria estão sempre disponíveis e acho que é brutal que haja uma
rádio que se disponha a isso, convida-nos a ir lá, este ano fizeram uma coisa diferente, antes
entrevistaram-nos, este ano fomos lá dizer poemas e eles passavam em segmento, depois temos
sempre apoios pequenos webzins, e da TimeOut também tivemos.

M. – No fundo vocês tentam a vossa sorte.

Li – Falta-nos muito a parte da comunicação, alguém que esteja em contato, a telefonar, a insistir,
porque somos poucos.

M. – Quantos vocês são no Portugal Slam, na plataforma?

Li – Tenho mesmo que responder?

M. – Não, não precisas se não quiseres.

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Li – Epah, somos, neste, porque o Portugal slam, lá está, é uma plataforma que está sempre ativa, tens
sempre coisas a acontecer e tens de estar sempre a trabalhar para não deixar o Slam morrer, mas
falando do festival em si, somos cerca de 5 pessoas, não somos muitas.

M. – Às vezes também muitas acabam por ser, mas normalmente.

T. – Mas para 5 pessoas já fazem um bom trabalho.

M. – Mas sim, em qualquer equipa ou plataforma, mesmo que estejam muitas pessoas associadas,
algumas é que fazem alguma coisa de facto ou estar em cima do assunto sempre. Nós temos um núcleo
de estudantes de sociologia no ISCTE, e temos presenciado isso mesmo, quer dizer, somos 20 pessoas, 3
ou 4 trabalham.

T. – O problema parte daí.

Li – Sim, há sempre aquelas pessoas que têm mais trabalho e que estão mais embrenhadas, e nós
também sofremos um pouco disso porque também é difícil quando tu organizas um festival, a não ser
que já tenhas uma estrutura onde cada um já saiba o que fazer, o departamento disto, daquilo, agora
um festival desta dimensão, às vezes estamos um bocado perdidos, quem faz isto, quem faz aquilo, e às
tantas há sempre alguém que agarra o touro pelos cornos e anda para a frente, “já tenho isto, já tenho
aquilo”, sim, é complicado.

T. – Mas agora que já fizeram quatro já estão dinamizados nesse aspeto, já sabem o que é que têm de
fazer.

M. – Já têm mais experiência.

Li – Sim, já sabemos o que temos de fazer, mas lá está, mas temos as partes da comunicação e da
divulgação que temos mais dificuldades porque nenhum de nós está ligado muito a essa área ou tem
alguma experiência, e é mais à base de e-mails para todo o lado, para ver quem é que nos apoia.

M. – Eu fiquei impressionada foi a quantidade de coisas que vocês faziam nesses três dias, estavam
sempre a acontecer coisas em vários pontos da cidade.

Li – Nós antes tínhamos um formato de uma semana, quinta, sexta e sábado, e depois, quinta, sexta e
sábado, e durante a semana aconteciam workshops, residências, e este ano decidimos fazer só três dias
porque era um formato que era bom manter mas não é possível, dá trabalho, somos poucos, também
temos empregos, é o que o Piteira diz, e eu também concordo, se é para sair do festival exausto e quero
é ir para casa e não quero saber de slam, não vale a pena, a gente quer é um formato que também nos
dê gozo e que a gente se divirta.

M. – Eu acho que estes três dias, apesar de estarem cheios e haver sempre coisas a acontecer acabou
por ser muito bom.

Li – Sim, funcionou bem e à partida vamos manter esse formato, sim, três dias.

M. – Bem, nós já não temos nenhuma pergunta.

Li – A sério? Oh, mais, mais.

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Entrevista Luís Perdigão

Entrevistado:

L. – Luís Perdigão

Entrevistadores:

M. – Mariana Marques

T. – Tiago Tecelão

M. - A escrita já está há muito tempo na tua vida? Antes do Slam aparecer já costumavas escrever e até
se já pertenceste a algum grupo de teatro, ou assim, que remete mais para a parte da performance?

L. – As coisas acabam sempre por seguir um curso natural... Eu desde que me lembro que escrevo, desde
muito novo, 10, 11 anos. Sempre gostei muito de ler e a poesia apareceu também de uma forma natural.
Também fiz teatro, desde a mesma idade. Fiz teatro durante muito, muito, muito tempo, pensei em seguir
essa via, como ator. Mas fui fazendo sempre por fora e acabei por não me profissionalizar, mas sempre
tive essas duas artes bem presentes e algo que acaba por casar bem entre mim e aquilo que é o Slam, é
que eu quando escrevo a minha poesia já é muito oral. Quando escrevo eu já tenho o propósito de dizer.
Acabo por conseguir juntar as duas artes mas não é uma coisa muito ensaiada.

T. - A performance liberta-se no momento da poesia?

L. - Sim, quando escrevo sinto que já está um bocadinho… eu gesticulo muito. Acho que vem mais das
palavras do que propriamente de qualquer coisa que seja encenada. Mas claro, é como tudo. Tudo pode
ser trabalhado.

M. - E quando é que o slam aparece na tua vida?

L – Eu conheci a plataforma de slam ainda não existia o Portugal Slam, acho que foi em 2011, existia na
altura o Slam LX no Musicbox e aquilo culminava tudo numa coisa que se chamava na altura, o “Festival
do Silêncio”, que costuma todos os anos ter umas edições e foi aí o primeiro contacto que eu tive com o
poetry slam. Mas quer dizer, eu sempre declamei poesia nas escolas e essas coisas todas, e já escrevia,
portanto, as coisas já se casavam só não sabia que o formato ia para ali, mas já fazia umas coisas antes
disso, também sempre tive muito associado ao rap, as coisas acabavam por estar muito próximas umas
das outras.

M. - E quando é que decides participar pela primeira vez?

L. - Foi nessa altura, em 2011 que participei nesse tal evento, no music box. Depois, todos os meses no
music box havia uma sessão de poesia e dessas todas saía um vencedor também para apurar, mais ou
menos, aquele que seria o formato digamos assim, do que foi o Portugal slam. Só que o Portugal slam

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neste momento é uma plataforma, tem muito mais força, faz muito mais sentido, trabalha a questão
também como um festival, que é muito mais interessante. Mas, respondendo à pergunta foi em 2011.
Depois fui fazendo umas coisas por fora, mas nunca desaparecendo completamente, nunca desligado da
poesia, costumo estar muito na biblioteca de S. Domingos de Rana, lá tem umas coisas que são as noites
com poemas, portanto fui participando em vários eventos ligados à poesia mas desliguei-me um
bocadinho do slam, mas fiquei sempre sempre atento àquilo que se ia passando, depois este ano vi aí o
anúncio do festival e, eu já conhecia o Nuno [Piteira] à muito tempo e conhecia as coisas que ele punha
na internet, e quando vi o anuncio fiquei naquela “vou ou não vou? Vou ou não vou?”, estava mais numa
onda de escrever para o papel e não tanto de dizer ainda que, de tempos a tempos, ia dizendo em vários
sítios. E vi o anúncio do Nuno e pronto, aqueles clicks que te dão e olha, apeteceu-me, estava-me a
apetecer dizer poesia nesses contextos e fui. Conheci o Nuno [pessoalmente], vi que o ambiente era
porreiro, que havia ali uma energia fixe, porque ao fim ao cabo também se resume a isso.

T e M. - E como é que sentiste o ambiente? Achas que existe camaradagem, existe algum tipo de
competitividade?

L. – Isso é uma pergunta fácil de responder. Qualquer escritor e qualquer músico, qualquer artista que diz
que não tem um ego… é a coisa mais profundamente ridícula. Agora, acho que há um misto de a pessoa
querer fazer o melhor com o texto que tem, porque ninguém quer ficar mal, tens um texto, tens um
propósito e queres dizer aquilo da melhor forma que puderes, e acho que não havia propriamente um
ambiente de competição. Vocês estiveram lá presentes, vocês viram quem estava lá, nós estávamos ali
todos juntos daquele lado do palco, estávamos todos a torcer uns pelos outros, e no campeonato da
Europa foi a mesma coisa, nós acabamos por estar aqueles dias todos juntos, e aplaudíamos, gostávamos
dos textos uns dos outros, portanto não há aquela competição que existe no futebol ou qualquer outros
desporto, porque lá está… o que interessa é o que tu podes aprender com a outra pessoa e com aquilo
que ela está a dizer, agora, quando há um texto que te toca mais tu crias uma ligação emocional com
aquela pessoa e com aquele texto, e podes ou não vir a estabelecer uma relação de amizade com aquela
pessoa, também já vi coisas e textos em que pensei: “epá, isto não me faz o mínimo sentido…”, mas a
verdade é que também não tem de fazer, não é? Sabem que, eu já acabei por me interrogar sobre todas
estas coisas, por isso é que também eu me sinto à vontade para responder a essa pergunta da competição,
daquilo que é poesia e daquilo que não é poesia. Ao fim ao cabo é tudo, é aquela velhota que chega à
biblioteca e quer recitar um poema e aquilo acaba tudo em A R, “ e a minha janela, era bela”, já ouvi N
coisas dessas, quer dizer… se tem o mesmo valou ou não, isso se calhar, no final das contas pouco importa,
pouco importa. Aqui, no ambiente da competição depois é o que passa para as pessoas, porque ao fim ao
cabo também são elas que estão ali a julgar.

M. - E nesse sentido, até desse ambiente que se cria quando vocês estão no Portugal Slam, no festival ou
noutros locais, vocês acabam por se conhecer e por se encontrarem em outros eventos que não sejam de
Slam, ou é uma relação que fica mais nos convívios dos Slams?

L. - É assim, algumas pessoas realmente eu não conhecia, tanto que somos de partes diferentes do país,
outras tenho mantido contacto.

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M. - E achas que existe uma identificação por fazerem todos slam, achas que acaba por te aproximar das
pessoas?

L. - Eu acho que não é o facto de fazer Slam, às vezes é o facto da mensagem que aquela pessoa está ali a
dizer, e eu pude constatar isso um bocadinho no campeonato da europa. Foi extremamente interessante,
como é que 22 pessoas, de nacionalidades diferentes, de géneros diferentes, de estatutos sociais
diferentes e havia ali uma coisa que foi completamente comum, que foi o conceito europeu e a forma
como estas 22 pessoas estavam completamente contra muitas políticas da união europeia, mesmo os do
norte. E isso é muito interessante, não querendo catalogar isto em malta que é de esquerda ou malta que
é de direita, mas facilmente tu vias ali um caminho… Aqueles poetas, pessoas tinham algo a dizer, uma
mensagem que mesmo que fosse diferente em diversos aspetos, era comum naquilo que queria entregar.
Eu lembro-me que o poeta da Moldávia, tinha um texto sobre os ciganos, sobre a forma como os ciganos
são descriminados, epá uma coisa incrível… E aquilo servia para aqui também, e isso é o mais interessante.
A ponte que se estabelece entre as pessoas, o contacto e aquilo que fica das mensagens dos outros.

M. - Remetendo agora mais para o contexto nacional, achas que há um sentido de comunidade dentro do
slam?

L. – Eu acho que isso é algo que tem de ser criado diariamente, entre as pessoas porque estamos a falar
de pessoas, não é. Então é manter os elos, manter as plataformas, escrever, manter o contacto e é isso.

M. – Tu nos teus textos fazes referência à tua cidade, Amadora, fazes esse ênfase. No fundo, vais ao
festival de slam a representar a tua cidade, isso é importante para ti?

L. – É. É importante. Toda a gente costuma de gozar quando eu digo isto, porque acho que sou um
bocadinho bairrista nesse sentido de dizer que sou da Amadora, e toda a gente diz “’tá calado com isso,
já sabemos que és da Amadora!”. Pá, mas é verdade, acho que tenho um compromisso e assumo-o da
forma mais natural que existe, de comprometimento com o sitio onde vivo, das histórias que vivo, e sou
essencialmente um poeta suburbano e gosto de escrever sobre esta temática, portanto não há motivo
nenhum para me esconder por trás disso. Não tem de ser uma bandeira propriamente dita, mas é algo
que tem carinho e se temos carinho por alguma coisa porque é que não havemos de o assumir? É tão
simples quanto isto, não tenho uma pretensão de usar o nome como nada.

M. - E como é que se vive o Poetry Slam na Amadora? Sabemos que é o Nuno [Piteira] que está há frente
do Poetry Slam Amadora, existem muitos eventos lá?

L. - É o seguinte, é uma pergunta extremamente polémica porque pouca coisa acontece a nível cultural
na Amadora. Tanto que eu noto, o Nuno quando quer fazer coisas faz fora da Amadora, faz aqui neste
sítio [Espaço com Calma] em Benfica, faz no Bairro Alto, então é um compromisso que nós, pessoas da
Amadora, também temos que assumir, mas não é fácil. A nível cultual parece que as coisas às vezes não
mexem muito.

T. - Porque é que achas que isso acontece?

L. - Por causa do estima que existe, não é nada que seja escondido. Não há nada à noite! Não há
praticamente bares, não há nada. As pessoas quando querem sair e conviver saem fora da cidade. Mas é

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uma luta que tem de ir fazendo, remar contra isso tudo. Vão aparecendo coisas, vão aparecendo pessoas,
como é o caso do Nuno que é um excelente exemplo disso.

M. - Relativamente à importância do Slam para ti, costumas falar abertamente sobre o slam com os teus
amigos e família? Se costumas de incentivá-los para ir ver os slams ou irem conhecer o Slam?

L. - Eu convidei o máximo de pessoas que consegui, com abertura, que era coisa que eu não fazia antes.
Preferia ir, estar na minha. Hoje já consigo lidar com isso, tento falar ao maior número de pessoas. Aliás,
houve muita gente que escreve que eu tenho tentado puxar pra esta plataforma, porque acho que há
muito valor em Portugal e que, com mais performance, menos performance, interessa que se oiça o que
eles têm a dizer. Esse é o grande passo… É tu teres a capacidade de perder um bocadinho a vergonha e
de mostrares o teu texto.

M. - E relativamente ao texto, para ti, é importante passar sempre uma mensagem social, política. Achas
que o Slam acaba por ser uma forma de consciencializar as pessoas?

L. – Eu acho que tudo indica que desague nesse campo. Mas não é uma necessidade, não é uma imposição.
Agora, quando tu tens 3 minutos para dizer alguma coisa, se calhar enquanto ser humano vais querer esse
momento para dizer alguma coisa que te comova, que te choque, que te faça confusão. Eu não tenho essa
imposição, eu sinto que escrevo os versos que tenho na cabeça, isso é assim porque eu sinto que nunca
escrevi a pensar “vou fazer um slam!”. E foi uma das coisas que eu constatei um bocadinho lá fora, porque
eu depois fiquei a pensar “espera aí, eu estou a ver que esta malta está a dar mais pontuação a quem diz
o texto muito rápido, eu estou a ver que esta malta dá mais pontuação a quem faz não sei o quê, a quem
leva o texto em inglês”. Pá, e o que é que isso me poderia levar a fazer? Para a próxima vou escrever a
inglês? Para a próxima faço aqui um flow muita rápido, que isso vai causar mais impacto? Se eu for fazer
isso, vou estar a esquecer de qual era o texto que eu queria realmente fazer, vou estar a condicionar no
fundo aquilo que é a performance e não aquilo que é a poesia. Agora, o slam em si é poesia autoral que
é feita para ser dita, agora se eu me preocupar primeiro com o formato e depois com aquilo que tenho
para escrever, não fazia sentido sequer eu apresentar-me para dizer o que quer que fosse.

M. - E com os teus textos, o que é que tu pretendes passar? No festival os teus textos remetiam bastante
para a sociedade de consumo, isso foi propositado? Existe algum estilo que te caracteriza?

L. - Muito sinceramente eu não pensei nisso. Calhou os textos estarem muito colados, se os quisesses
agrupar e juntar que não é possível, acho que ao fim ao cabo ficavam bem enquadrados na temática do
festival que era Arte e Resistência.

M. - Pensaste no tema do festival, para escrever os textos?

L. - Não, não, eles já estavam escritos, os três já estavam escritos. Eu olhei para o tema e vi os textos que
queria apresentar e ao fim ao cabo tinham pontes, ainda que tivessem estilos diferentes, entre eles os
três. Mas não é um compromisso assumido que vou escrever uma letra super interventiva, se isso
acontece é porque está a acontecer, é o que se está a passar. Mas tenho mil poemas sobre outras mil
temáticas e, pronto, acho que é aproveitar o momento. E aqueles textos foram os que eu queria dizer
naquele momento, porque tinha a oportunidade de ter pessoas a ouvirem esses mesmos textos.

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M. - E ainda nessa temática, achas que os movimentos artísticos, a arte, a música, a poesia, achas que isso
acaba por ter um papel importante a nível social e político na sociedade? Vocês quando sobem a um
palco, e aí podem estar a falar de qualquer coisa, sentem que podem estar a dar voz às pessoas que vos
estão a ouvir, sentes que podes estar a falar de uma coisa com a qual aquelas pessoas se identificam?

L. - Eu acho que isso é um dos motivos que me leva a escrever e a dizer a poesia que eu escrevo. Tu tens
oportunidade de ter voz, foi algo que eu durante algum tempo achei que não fosse importante, ou não
acreditasse no poder das palavras, que eu sinto que agora é algo que eu acredito cada vez mais. E na
europa eu tive essa clarividência que, enquanto artistas, enquanto poetas estávamos ali na vanguarda da
intervenção. Agora, os movimentos artísticos acabam por tomar essa responsabilidade e se calhar são as
pessoas que podem fazer menos, porque só têm palavras… Porque é que os médicos, os professores, os
farmacêuticos, também não usam os seus cargos para fazer essa mesma intervenção, nas pessoas com
quem lidam diariamente? Espera-se que venha da parte dos artistas, que vem sempre, lá está, têm força
de rutura e acabam por perfurar pela insistência, mas outras pessoas em outras profissões também
deviam ter essa sensibilidade, porque aquilo que estamos a falar é de sensibilidade e humanidade para
agir e pensar sobre o que se passa ao nosso redor, porque é algo que é transversal. Eu posso escrever um
poema de amor, em que eu vou olhar para o que o Camões fez e eu tenho uma estrutura, um cargo
literário, aquilo é quase matemático, cada verso tinha 10 sílabas, fogo aquilo é belo. A arte tem essa
função da beleza, agora quando tu pegas nisto e te preocupas também com outras coisas, tu estás a fazer
aqui um dois em um, o que ao fim ao cabo, outros grupos e outras pessoas também poderiam fazer, então
acho que é uma preocupação que acaba por ser atribuída aos artistas puramente por uma questão de
sensibilidade, mas esta é a minha opinião.

T. - E qual é a tua perceção em relação à plataforma do Portugal slam? A competição estava bem
estruturada?

L. – Eu sendo completamente parcial, que é difícil, eu acho que estava mais bem organizado cá do que na
Europa. Tanto na forma como nos explicaram as regras, todo o caminho e isso também me deixou
contente nesse sentido. Agora, como em tudo, também há um caminho a percorrer que passa por levar
o Slam e o que é o Slam para o maior numero de pessoas e isso também passa por verbas, mas acho que
correu muito bem. O festival foi enriquecedor, o facto de acontecer a competição integrada num festival,
acho que é extremamente benéfico, porque mostra uma coisa muito mais 360, o facto de teres trazido
artistas internacionais foi uma mais valia completa, porque lá está, eu aproveitei o máximo que pude para
falar com eles, para haver esta troca, esta partilha, no fundo, tive ali um mini campeonato da Europa ali
com eles e epá, eram pessoas incríveis. Lá, foi tudo muito explicado por alto, devia ter havido uma
antecedência já que era o campeonato da Europa, mas isso no final também pouco importa. Outra das
questões que podia ter sido revista foi o facto de serem 22 poetas e aquilo começou às 14h e tal e acabou
às 21h e tal, foi muito intensivo, foi desgastante. Acho que podiam ter posto a semifinal num dia e a final
no outro, acho que isso ajudava, até porque nós ficámos lá uns dias. Agora que tenho um ponto de
comparação, acho que o festival nacional estava muito bem organizado.

M. - E em relação ao futuro, vais continuar a participar em slams?

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L – Completamente. Uma das coisas que ficou lá da Europa foi que, o mais importante às vezes… há
constatações tão óbvias, tão estúpidas e que fazem tanto sentido e uma delas foi o Nuno que me disse.
Isto é a merda mais básica que pode haver que é: “eu amanhã vou morrer, então não sei o que é que vai
acontecer, eu quero criar!” Então eu vou fazer tudo o que eu puder fazer, não sei se é pintura, se é
escultura… E eu lá tive o prolongar desta frase que ele me disse, que foi tipo, o mais importante é criar, o
mais importante é continuar a escrever independentemente do resultado da competição, o mais
importante são as pessoas que tu encontras e criar. Se isso puder mudar alguma coisa, já fará sentido.

M. – Também vais estar no campeonato do mundo né? Quando é que é?

L. – É em maio, acho que é de 7 a 13 de maio.

M. – Ok, portanto, as tuas expetativas também passarão por aí e de certeza que vai ser brutal.

L. – Sim, porque aí já terá malta de todo o mundo.

T. – Vai ser onde?

L. – Em Paris, outra vez, acho que o ano passado também foi. E pá, espero encontrar lá malta da América
Latina que tem mais a ver comigo, pelo menos na questão do frio. Eles na Europa fartaram-se de gozar
comigo… Eu saí de Lisboa estavam 18ºC, cheguei lá estava a nevar, eu acho que só tinha visto neve uma
vez, aquilo muito frio, muito frio.

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Entrevista Nuno Piteira

Legenda:

EM: Entrevistadores – Eduardo e Mariana.

N: Entrevistado – Nuno Piteira.

- Após Nuno Piteira autorizar a gravação da entrevista iniciou-se a entrevista.

EM. - Em primeiro lugar queríamos saber um bocado, sei lá, a importância da escrita e das artes
performativas para ti, se já era uma coisa que fazias antes do Slam entrar na tua vida.

N. - Houve sempre uma ligação com... Para já o meu pai é poeta também, houve desde logo uma influência
com ele não é? Através dos livros, né? Eu vi-a o a ler muito, a bater à máquina muito. Né? Esse ambiente
também, facilitou acho eu enveredar por aí, contudo, antes do Slam fazia muita prosa, muitos contos,
mas nada assemelha-se àquilo que eu faço hoje. A partir do Slam depois veio realmente a performance,
veio depois também a poesia visual, veio as artes plásticas, veio a edição de vídeo, veio a oralidade. Então
vem um conjunto de ferramentas né? De caraterísticas agregadas à iniciação do slam, para mim, na minha
perspetiva, isto é a minha opinião. E só depois é que realmente comecei a trabalhar mais nesse sentido.
Trabalhava já doutra maneira mas ainda sem, sem o conhecimento e informação, e a pré-disposição
também e o entusiasmo, vá lá, para o fazer, contudo depois foi muito mais fácil, depois de isso acontecer,
transbordar para essa zonas, para essas áreas da poesia, nomeadamente a poesia visual, ou a
performance, onde não utilizas palavras mas sim o corpo, então tentar jogar com o visual, com os símbolos
e com essa toda mistura do vídeo também, com a edição de vídeo. Depois isso, depois tudo complementa-
se, posso usar a edição de vídeo para fazer um filme poético, não é? Posso utilizar as peças das artes
plásticas para ilustrar o poema, posso fazer captura de som, e incluir isso no poema. Então há uma folha
branca a nível das tecnologias várias que há ao dispor, e da maneira como tu as aproveitas, e isso quer
dizer que tu podes depois enveredar para o outro lado né? É necessário haver uma porta artística aberta,
informal, né? Não que seja uma coisa inclusiva, que só quem tem aquela nota [a apontar para a faculdade
de teatro e cinema da Amadora], ou aquela tendência, tenha a oportunidade de se expressar e a
expressão é uma peça de teatro né? É um evento que tem o público, tu és confrontado com a tua
existência física com a do público igualmente, isso está sempre subjacente, é um trabalho coletivo. O que
cola os eventos todos são as pessoas que vão a esses eventos e se isso não tiver cumplicidade suficiente
o evento não existe, e portanto vais criando várias layers, várias camadas não é? Que depois vão surgir e
que vão depois dar resultado a que eu possa-me interessar por outras áreas poéticas que não só a falada,
não é, a declamada, nem a escrita. Pronto, então a partir do Slam sim, eu desenvolvi mais essa capacidade
de escolher outras coisas, de fazer outras coisas.

EM. - E quando é que surgiu esse contacto com o Slam?

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N. - O contacto com o Slam foi através de duas portas, uma delas foi, o Mic Menguchi, o que organizava
na altura em 2011, o Slam Lisboa. E que uma vez fui ao jardim da estrela e vi-o e aquilo tocou-me.

EM. - Mas já o conhecias ou não?

Não o conhecia, não o conhecia e tínhamos um amigo em comum, eu pedi ao meu amigo para me
apresentar. E depois desse primeiro contacto eu pedi-lhe ajuda, “olha quero fazer a mesma coisa na
Amadora, és capaz de me ajudar”? E pouco depois fizemos o primeiro Open Slam, que é uma amostra do
que é o Slam sem competição. E correu bastante bem, e então desde 2011, que tenho vindo a fazer esse
Slam aqui na Amadora e zonas adjacentes, nomeadamente Benfica também.

EM - Tem muita adesão aqui na Amadora?

A Amadora tem as suas características como cidade, o pelouro da cultura, há ainda uma nostalgia de fazer
os eventos sempre da mesma maneira. Recorrendo à mesma estratégia convidando convidados de
renome, pronto, pessoas né? Que enchem realmente o conselho da Amadora, mas ao longo do ano não
distribuem o potencial que cada pessoa pode ou não ter, se tiver essa porta aberta. Ao longo dos tempos
nós tivemos uma boa fluência de pessoas, correu bem. Mas é sempre uma incógnita, tu nunca sabes
quantas pessoas vão aparecer, ainda assim continuas a fazer, e em todas elas tive surpresas né? Pronto,
há realmente, imagina que não aparecem para competir mas aparecem pessoas interessadas em
participar, fazemos um microfone aberto percebes? Não é, não é estritamente para a competição, é
realmente uma porta aberta para a expressão, se não houver competição fazemos Open Mic, se não
houver Open Mic eu faço uma demonstração de poesia Slam, há sempre uma alternativa, o importante é
que haja um acontecimento não é? Um happening, que isso aconteça. E aos poucos, como em tudo, foi
crescendo.

Hoje em dia já consigo fazer aqui um Poetry Slam Amadora ou em Benfica, em que eu tenha realmente as
pessoas interessada que vêm, as pessoas depois reúnem-se com os amigos, voltam a encontrar-se outra
vez. E tem corrido bastante bem este ano, claro que isso dá-me muito trabalho, dá sempre muito trabalho.
Tens que preparar tudo de raiz, isto dizer divulgação, afixação de cartazes, convidados, material de som,
condições, espaço, horário, montagens, desmontagens, não é? Acolhimento dos convidados, pronto, e
isso tudo faz um Poetry Slam acontecer e que seja melhor, né? Ter esse cuidado todo, porque eles são
teus convidados, tu é que estás a convidar as pessoas, é da tua responsabilidade teres as condições como
deve de ser para aceitar o teu convidado. Ele respeitou o teu convite e vai, e a partir tu já estás a ganhar,
as pessoas já estão a tirar tempo da sua vida para participar num evento que ou não conhecem ou ouviram
falar, mas que estão predispostas. Essa predisposição é o que faz o resto acontecer, e ao longo do tempo
na Amadora tem vindo a crescer, claro que se tu parares de fazer, deixa de haver exemplo. E tens que
continuar a dar o exemplo, o exemplo é a permanência e fazeres os eventos de Slam local. Para quê? Para
colar este público, que depois vai desaguar todo na final, em que tu vez um tenda do Chapitô cheia.

Pronto, mas isso para acontecer tem que realmente haver um trabalho prévio né? De ires se for preciso
a Viseu, a Braga como a Li Alves, a qualquer lado, a Évora vá la, seja o que for. Fazeres uma demonstração
do que é o Slam, ou dares um workshop ou ingressares por novas iniciativas que não tenham a ver
diretamente com o Slam, mas em que a poesia se possa incluir. Nomeadamente, imagina que há um

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conjunto de velhotes que tem histórias para contar… né? Tu vais tentar aproveitar isso podes meter
efeitos especiais sonoros, podes fazer uma brincadeira qualquer. O mais importante é realmente o
contacto. E o Poetry Slam como veio desafiar… uhm.. aquilo que estava como standard normal, o poeta
com o papel na mão, “pa-ta-ta”, pronto…

Há realmente uma outra vertente da poesia, ela pode-se desdobrar infinitamente, pode haver várias
formas, cada Slam tem a sua maneira de ser gerido, né? Eu tenho a minha ideal, e a outra pessoa pode
ser diferente, tudo bem. O que interessa é que depois na final esteja tudo de acordo com as mesmas
regras para não haver discussões. E isso tem acontecido, ao longo dos anos temos crescido e tem
funcionado e podes incluir isso nas escolas, nos miúdos, podes transformar um projeto com poetas e
fazeres contadores de histórias, sei lá. Já há um potencial todo depois. Tu tens recursos, tens esses
recursos todos, é o desafio interdisciplinar, é conseguires trabalhar com outra pessoa, isso é que é
realmente um desafio. Apesar de elas serem tuas amigas há sempre pontos de vista diferentes, e é um
desafio também trabalhar nesses modos. Mas tem corrido bem e temos vindo a crescer.

EM - E nesse, nesse sentido estavas a dizer que a poesia é desdobrável, pode-se repartir de infinitas
maneiras, mas o Slam acaba sempre e termina sempre, ou quase sempre… É uma competição, no
fundo… no fundo foi assim criada. É uma competição onde se dá oportunidade às pessoas de votarem
e de passar à próxima fase aqueles que eles gostaram mais. Como é que é? Existe competitividade muita
competitividade dentro do..? Agora aqui mais dentro da comunidade portuguesa, ou o ambiente é
mais, mais tranquilo, mais de camaradagem?

N. - Olha isso lembra-me sabes, quando um gajo era mais cachopo e estava a jogar com os amigos? Queres
sempre ganhar, seja à bola, seja ao peão seja… Seja ao que for. Às damas, ao xadrez, tu queres ganhar. E
depois acaba o jogo e vais brincar a outra coisa, e é a pessoa que está... Percebes? E essa rivalidade faz
que sejas melhor a jogar esse jogo. Jogar melhor xadrez, às damas. Por exemplo, no meu caso, e penso
que exista em modo geral, essa competitividade assenta ou é direcionada, não para a qualidade de
competição como rivalidade de pontos, mas como para a rivalidade de escrita como motivação para
escrever melhor. Por exemplo eu oiço um poeta e: “Eish que Porra! Que poema extraordinário [estala os
dedos]! Quem me dera ter sido eu! Eu vou-me esforçar!” Porque eu sei a mesma linguagem, eu tenho as
mesmas ferramentas. É preciso é saber colocar as formas de uma boa maneira, como uma boa conversa
como uma frase inteira né? Que seja.. Que faça sentido, que vai aos poucos, então essa rivalidade, essa
competitividade, é no sentido das pessoas exigirem mais de si, não é? A nível do que é confortável
escrever e do que é que não é confortável escrever. Ir mais além na escrita né? Na própria escrita, e isso
faz com que tu tenhas que ler mais, porque se tu não leres não.. é um ingrediente, é como comida para o
corpo, não é? E tem que haver um ciclo não é? Desse.. Dessa comida, e então o que existe realmente
nessa competitividade, a meu ver, é realmente, os outros que estão também a participar que se esforcem
mais para que se expressem de uma outra maneira, novas maneiras, que vão à procura, pesquisar.

E é a competitividade nesse sentido, outra coisa é nós falarmos que um ser humano, seja em que jogo
estiver, quer ganhar e isso cria uma camada de entusiasmo, né? E quase de universo em que tu mudas de
registo né? Tu mudas completamente. Tu ficas feroz né? Tu ficas nervoso, tu ficas excitado, tu estás vivo,
né? Tu estás com medo, estás com vergonha, mas tu estás ali à flor da pele, não estás sentado num sofá
não é? Só a mexer os olhinhos, tu estás ali inteiro! Não é? Porque envolve depois outra coisa, envolve…

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tu expores-te não é? E depois trabalha com outra coisa, “Porque é que é tão difícil nós expressarmo-nos
em público? Porque é que isso é quase um tabú? Ou um dogma? Porque é que isso é visto dessa maneira?”

Então tem a ver com camadas sucessivas de educação que nós temos vindo a ser habituados, isso é outra
história. Mas ali, e numa peça de teatro, é o palco, o palco é que conta, né? O palco é que é a realidade.
Então é uma mudança de realidade também, nós de uma maneira ou de outra estamos a criar um espaço
aberto onde qualquer um pode-se expressar, o público deve de se expressar, se gosta ou não gosta do
poema. Coisa que até aí não era possível, o público era uma coisa passiva, era chegar lá e tal [bate as
mãos], lia o poema do…” [interrompe-se] Não estou… cada um tem o seu valor não é? Não era uma coisa
expectável né? “Tal” um aplauso [bate as mãos] e vai-se embora. Não. Ali o poeta pode intervir, pode
olhar no público, pode.. né? O público pode aproximar-se mais, o público pode dizer [Faz barulhos de
louvação] como se fosse e como é, a brincar, educando. Cria-se um jogo e cria-se um clima e as pessoas a
brincar fazem coisas sérias, não é? Aprendem ali a respeitarem-se comummente. Estão ali todas a brincar,
quando o poeta fala ninguém fala. Porque está toda a gente no mesmo jogo, e esse jogo de dar atenção
e receber atenção, faz com que os elos que existem ali sejam mais fortes. As palavras de cada um ficam
mais fortes. Porquê? Porque há uma… é informal, estamos todos no mesmo pé. Ou pelo menos eu insisto
que isso seja presente, e tem que haver sempre uma apresentação adequada antes de cada Slam, tem
que haver esta informação em primeiro lugar. Porque temos que dizer às pessoas “Epá agora já somos
crescidinhos vamos lá, agora é isto, deste modo. Tá? Tá! “Ah porquê…?” Não, não, não, tá, tá. E explicar
às pessoas porque é que nós estamos a fazer isto nestas condições, e isto é fulcral. Se isso não existir é
uma outra coisa qualquer, tem que ter um embrulho. Tem que ter um embrulho e dizer “Malta
consciência!” Apelar à consciência de cada um e dizer “Calma aí! Isto aqui a gente não está a pontuar
emoções! Isso é impossível, han? O melhor poeta nunca ganha, porque os poetas não entra.. [interrompe-
se] Isto é uma brincadeira. Não há melhor poeta que cada um. Cada um tem o seu jeito de se expressar
perante a sua realidade. Se ele não me diz tantas palavras, se não consegue correr como tu, ou tem uma
voz mais forte que tu o que é isso interessa? Não é? Porque é que isso TE interessa?”

Pronto e até há sempre uma... uma berma mais escorregadia do ego né? Pronto… Mas isso é como em
tudo. Depois tu tens a opção de escolher. No princípio posso dizer… era uma coisa de aparecer perante o
público né? Eu tomava-me como o personagem, era uma coisa muito sentida. Se as pessoas diziam “Gostei
muito!” eu ficava assim “coiso”... Estava assim... Pronto… Mas depois… [pausa] Ao longo do tempo realizei
[possível anglicismo, adaptar a palavra realize ao português em substituição de “apercebi-me”] que o mais
importante não é isso, o mais importante é eu ter a oportunidade de me juntar aos outros e fazer a mesma
coisa… Sem altos e baixos, sem rótulos, pronto… mas sempre lembrando que é um jogo, é uma
competição né? Porquê? Porque tudo… O Nobel é uma competição, é um conjunto de votos, de… Tudo é
uma competição.

O meu trabalho, tenho avaliação, a escola.. TUDO! As análises, tudo é pontuação, e estamos rodeados,
TUDO! E estamos rodeados disso e queremos brincar com isso duma maneira… Deturpar isso também,
dizer que é realmente uma competição mas nós temos consciência de que não é. É mais isso estás a ver?
E se conseguirmos brincar assim vamos lá ver.

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EM - No sentido de… Depois também… falas-te aqui da questão que és o representante da Amadora,
mas quão importante é que é de facto representar a zona numa competição do Slam vá, a nível
nacional? Ou seja, se há algum orgulho por detrás de quem vem…

N. - Por exemplo…

- … De outras zonas?

N. - Por exemplo, se eu te disser que o Natal junta as pessoas, o futebol junta… [interrompe-se] vão
representar Portugal, as pessoas não representam a não ser elas próprias. Mas há dois lados daí, imagina
que eu consigo fomentar uma divulgação em que realmente ser o vencedor da Amadora é tão importante
para mim como para a CM da Amadora, e para as entidades que eu posso mostrar depois que realmente
ser o representante da Amadora é algo valioso para este conjunto de pessoas, eu fico a ganhar e os outros
também. Então sim, nesse... desse lado sim, é importante, é importante que haja um reconhecimento do
trabalho que essas pessoas andam a fazer. Eu claro que… é um misto, né? É um misto, porque realmente
é uma coisa territorial. Eu não sou daqui, eu sou de todo o lado, mas eu nasci aqui, apesar de ser contra
algumas ideias e problemas que existem no conselho da Amadora, vou representar a Amadora no
conjunto de cidades que fazem o Portugal Slam, percebes? Não há… da minha maneira de ver né? Tu vais,
és o representante da Amadora, como podias se o representante da Damaia, qualquer Slam. Mas é
importante que haja realmente uma publicidade, uma divulgação, para dinamizar essa… vá lá... essa
situação, né? Pronto… E assim eu posso chegar à Câmara da Amadora assim “Olha o nosso vencedor foi o
campeão Nacional «ta-ta-ta» Está aqui este trabalho.” Com isso eu posso mostrar o passado também né?
Pronto. Então temos que ter cuidado nesse aspeto, isso é realmente importante, né? E mais importante
para o jovem que via representar essa cidade, porque é a brincar. Tu vais representar uma cidade, tudo
uma brincadeira, está a ver? Ao fim ao cabo, mas, realmente a tratar de coisas sérias porque há coisas
que aparecem muito sólidas. Há amizades que se unem, há projetos novos que aparecem, há pessoas que
insistem mais estás a ver? Que se aventuram mais. Tens outra realidade do que é os outros poetas, dos
outros lados da Europa, por exemplo. Tens a oportunidade de ires lá visitá-los e vice-versa! Enão foi uma
porta aberta para que haja essa ponte, de poetas de todo o lado virem a Portugal e vice-versa. Eu agora
tive 4 dias na Polónia com 2 Israelitas, um Romeno, outro Húngaro e outra rapariga a Polónia, no festival
de Spoken Word. Então há esse outro universo que muitas entidades não conhecem né? Porque não vivem
a mesma coisa, nós… Temos que ser nós os responsáveis de ir entrar e “Olha isto acontece, nesta
envergadura.” Estás a ver? É a nossa responsabilidade. Isso leva tempo, né? Leva tempo, equipa. Vai aos
poucos, aos poucos vai andando.

EM.- Há bocado estavas a fazer a analogia ao facto de… É uma competição, acaba por ser uma
brincadeira, um jogo coletivo e… Pronto, no fundo é de um grupo que... de um grupo que se trata. E
também mais especificamente dos Slammers e da organização… Qual é no fundo a… existe de facto
uma comunidade portuguesa de Poetry Slam? Achas que essa comunidade é, sei lá… As pessoas dão-se
bem? Vocês estão muitas vezes juntos nos Slams. Estão juntos também fora daquilo que é o Slam…

N. - Hm Hm. Sim, sim. Somos convidados para os casamentos uns dos outros, jantares, etc. Há… deixa-me
ver se eu percebi bem a tua pergunta… Há sempre rivalidades… Seja onde for… Há sempre…

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EM. - No fundo remete um pouco para… Achas que existe no fundo uma coesão? O facto de uma pessoa
fazer Slam acaba por te aproximar dela, porque vocês estão a…

N. – Sim, sim, sim.

EM. - … É a mesma linguagem, a mesma prática. E achas que nesse sentido, pode-se falar de
comunidade?

N. – Sim, pode falar-se de comunidade. Pode-se falar de uma comunidade, ainda que ela não tenha noção
que seja. Isto dizer que pode estar dispersa, não é? E que pode por vezes não ter essa noção. Contudo,
quando tu vês as pessoas que vão aos eventos locais, tu sentes essa comunidade. Ela está lá. Ela tem é
que trabalhar mais. Ela tem que aprender mais a trabalhar com ela própria, né? Porque isso é uma coisa
que não se ensina, é uma coisa espontânea. Isso é uma coisa que tu não controlas, não pode ser forçada.
Uma coisa em que a comunidade vai-se envolvendo, e ainda que pronto… e os eventos locais, é isso. É um
ritual, e a comunidade está lá, a comunidade interessada. Seja o ouvinte, o poeta, ou seja quem for.

E essa comunidade existe, tem é datas propícias. Com rituais falhados, ainda não estão funilados como a
final do Portugal Slam faz isso mesmo, pronto. Mas há… Há uma comunidade e ela está a crescer… Ela
precisa é de realmente mais exemplos ainda, né? De mais trabalho, de mais ferramentas. Porque isto
depois também vai crescendo. Agora o Portugal Slam, não dedica-se só ao Poetry Slam não é? Em cada
elemento, por exemplo eu dedico-me agora mais a performance, trabalhar com a voz, group stations,
hum… Com workshops, fazer com os produtos das crianças, fazer vídeo-poemas deles. Tornar o nome
deles num símbolo, trabalhar o símbolo no Photoshop, dar-lhe um design, fazer uma animação desse
símbolo. Podes jogar com várias maneiras para tocar a pessoa. Isso com várias ferramentas ao teu dispor.
Então essa comunidade está lá, ela precisa é realmente de ir aprendendo. Porque depois lá está, é preciso
tu dares o exemplo. Se tu não dás o exemplo a comunidade não se junta. Cada vez que tu fazes ela junta-
se. Mas é preciso chamá-la também.

EM. - Qual é que é mais a… Portanto, a influência do Poetry Slam… Mas isto mais fora do Poetry Slam
em si. Ou seja, como é ele transborda, vá, para a tua vida pessoal? Ou seja, se tentas introduzir isto aos
teus amigos, espalhar um pouco para fora… Não tanto de um ponto de vista organizacional, mas mesmo
para… ou seja, se se espalha para a tua vida pessoal e se tentas partilhar isso com os outros de maneira
a eles também virem e verem, participarem…

- Sim, sim, sim, sim, claro que afeta na minha vida do dia-a-dia. Eu sou funcionário público no horário
laboral, mas depois sou eu que decido, que escolho o que é que faço com esse tempo. Convido sempre
os meus amigos a virem, colo cartazes no café onde a gente se reúne, que é para toda a gente estar
informada, não é? E depois chegas a um ponto em que eles te perguntam “Então quando é que vais fazer
o próximo?” E tu sentes que realmente que podes contar com esse público, e normalmente, pronto, é
sempre um imprevisto. Mas tem vindo a acontecer mais, que eles vêm de livre e espontânea vontade e
organizam-se para isso né? E o Poetry Slam está sempre na… A poesia está sempre na minha vida, não é?
Seja a olhar para um calhau, um par de degraus, as costas de alguém… A Lua, às vezes não há tempo para
ser poeta, porque um gajo pode estar chateado ou uma coisa qualquer. Mas sim afetou-me e afeta-me,
porque… afeta-me a minha vida, porque eu posso deslocar-me para outro sítio por causa disso. Como me

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desloquei à Polónia. Pode… posso ter a oportunidade de fazer… de ser convidado a fazer um workshop
em Campolide com crianças problemáticas, por exemplo. Mexe com a minha vida sim… E ainda bem.
Ainda bem.

EM. - Exato, e agora mais relativamente ao conteúdo dos poemas, ou à mensagem que… que eles
transmitem. Mais… Naquilo que é o teu registo, o que é que tu pretendes passar com esses poemas?
Achas que… achas que por acaso não tive, não tive oportunidade ainda de te ver, de te ver preformar.
Tens uma mensagem mais social? Ou algo mais sentimental? Mais pessoal da tua vida? Mais
autobiográfico?

N. - Boa pergunta… A minha mensagem, a minha mensagem é… Ou seja, o Poetry Slam é uma
oportunidade para tu te expressares num dado registo. Onde tu podes extrapolar. Tu podes realmente
mostrar ao mundo, através dessa…. dessa coisa física da oralidade e do corpo, uma parte daquilo que tu
és, não é? Porque há outras coisas que se podem mostrar de outras maneiras então ali para mim é uma
coisa pessoal, é uma oportunidade de eu mostrar o meu interior. Não é? São coisas que eu escolheria
para dizer ao mundo se tivesse oportunidade. E é a coisa que acontece, e então tu vais decidir o que é
que realmente queres dizer.

A minha mensagem é sempre a mesma, né? A minha mensagem, e creio que a dos poetas, é sempre a
mesma. É sempre a falar de respeito ou a ausência dele, do amor ou da ausência dele, da violência ou da
ausência dela, do conforto com que cada um tem. Para mim é uma experiência de… anima-me, não é? É
uma animação, e eu escrevo para os outros… comigo lá dentro, porque eu tenho que ser o exemplo
daquilo que escrevo… Porque se não nunca… percebes? Não posso estar a dizer uma coisa e fazer outra.

Então exige muito de ti, tens que escrever muito bem aquilo que queres dizer. Porque para mim aquilo
que tu dizes tens que respeitar, é forte, é a tua palavra. E para mim foi uma oportunidade de desencadear
sentimentos e emoções de uma maneira organizada, em que eu me pude expressar com o meu corpo.
Porque há palavras que não servem, às vezes um gesto complementa, não é? Então poema fica dividido,
já não é preciso escrever tanto. Já podes mexer mais. E depois é a intensidade, é o jogo todo. Tu estás ali
“desnudado” e a enfrentar um público e dizeres aquilo que realmente queres e optaste por escolher. Isso
é liberdade né? Porque sem receio do que o outro possa ou não possa pensar. Isso a mim não me interessa
né? Não interessa saber se ele gostou ou não. Claro que sim, agrada-me isso, mas não é esse o objetivo.
O objetivo é eu poder mostrar ISTO a vocês. E em certa medida escrevo… agora… Depois, quando começas
a organizar, começas a escrever menos. Estás mais ocupado em organizar. Mas o conteúdo da minha
mensagem é sempre o respeito ao outro, basicamente, e não acrescento muito mais. Claro que depois
tenho vários tópicos que coincidem e vão afunilar aí, que é o respeito tanto aos avós como todos os que
vão à frente. Porque se calhar é aquilo que eu acho que mais falta, não é? E é isso que tu encontras no
Slam, porque há o respeito do outro que te está a ouvir.

EM. - E essa mensagem do respeito… E não só do respeito... Nós… Mas de respeito sobretudo… Porque
nós quando estivemos no festival, percebemos que existe muito a temática de falar de problemas
sociais. Os problemas transversais que afetam cada um de nós e que todos nós conhecemos, sei lá…
Racismo, machismo, sociedade de consumo, por exemplo. Achas que… Ou qual é a importância que

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achas que… Ou o papel das artes performativas, e aqui falo do Poetry Slam, mas das artes no geral, da
música, da poesia. Qual a importância, ou papel, das artes em passar essa mensagem social, política.

N. - Por exemplo, nomeadamente o Slam local é um ato social, né? É um acontecimento social junto às
pessoas, as pessoas podem mudar a sua realidade ali, não é? E isso é importante… O slam depois é uma
iniciação. É o primeiro, é o início. Tu depois ao longo dos tempos… Os meus primeiros slams são
completamente diferentes do que são hoje. Eu já amadureci, eu já ganhei alguma experiência, e isso deu-
me a potência para escolher outras coisas. Mas é preciso haver esse percurso. Não é num ano, não é?
Que tu fazes tudo aquilo que podes fazer, não é? Demora algum tempo até tu conseguires fazer disso um
músculo, e depois afetares através da arte e das artes, o teu mundo à volta. Mas isso é preciso também
uma aprendizagem.

mas a tua pergunta… Toca-me outra vez a pergunta. Nos pontos da tua pergunta, é porque…

EM. - A pergunta é que papel da arte…

EM. - Como forma de ativismo, vá, a nível social e político.

EM. - Sim

N. - Sim porque imagina, as pessoas estão a falar agora do feminismo, dessas coisas todas, porque é as
coisas que elas mais sentem, né? Mas à medida que eles forem… Mas também podes encontrar textos
completamente diferentes, acerca de uma fatia de fiambre, né? E ter lá um poema brutal! Percebes?
Depois há outras que falam de coisas mais concretas né? “Tau-tau-tau”!

E eu também utilizo as palavras como às vezes… mas depois há outra tendência como um jogo de palavra
ali, toda a gama de poemas que existem para percebes isso. Depois há uns que têm um estilo mais
parecido. Cada um vai deixando a sua marca, essa oportunidade de eles deixarem a sua marca vai afeta-
los. Tanto como pessoas, como artistas. Eles vão evoluir em algum modo. E esse impacto pode ser o
suficiente para ele ingressar exposições de poesia visual, por exemplo. Em performance que possa utilizar
só corpo, e isso acontece e já aconteceu. Então tu podes, por exemplo, imagina que entras no Poetry Slam
e reparas que afinal “Epá, pera aí, isto não é só isto, há tanta coisa aí para fazer, não é?” Podes fazer
Spoken Word com DJ, com precursão ao vivo, com dançarinos, com pintura. Então tu podes afetar, tu
estás na arte, não é? Seja lá isso que for, não é? [fazer gesto de aspas] A Paula Rego diz “Eu não faço arte
eu faço é bonecos”. Estás a ver? Pronto. Aquele jogo todo dos rótulos [faz gesto de aspas] e coisa, que é
assim… Epá, é subversivo, percebes? Pronto. Mas tem um impacto muito grande não só a nível do
universo interior da pessoa, como também pode afetar os demais. Porque se eu já fiz algumas
performances individuais e coletivas, eu afetei esse mundo. Eu experimentei outras coisas, né? Pronto, e
sobretudo é uma coisa interior, é uma coisa que é direcionada PARA a pessoa. Para a pessoa crescer. Para
a pessoa ter um bocadinho de mais solidez, creio eu que faz bem, han? E depois depende delas, o que é
que ela vai escolher. Agora se vai para o mundo das artes e tem algum impacto, e consegue realmente
ingressar e influenciar esse meio sim, tudo é possível… Tudo é possível… Uhm… Tudo é possível e há tanta
coisa que tu podes fazer, nomeadamente agora… Depois pode… depois vem workshops de tradução, por
exemplo, Português-Frísia… que é uma língua específica do norte da Holanda, percebes? Tu podes afetar
a arte, né? E tu estás na arte. Depois vai coincidir com uma performance, no outro dia vi uma rapariga

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que toca violoncelo e que faz música… Já estás a ter uma outra estrutura, não é? E que podes realmente
existir num outro âmbito, e sim afeta… Na minha opinião afeta… Sim.

O mais importante é que afeta a pessoa.

EM. - Exato.

N. - Estás a ver?

EM. - Hm hm.

N. - E isso é que é o mais importante, porque um artista que não seja afetado, não é nada… Antes de dizer
que a pessoa seja afetada de uma maneira ou de outra, epá dizia assim: “O poetry slam é enfadonho, eu
não gosto nada disto, eu quero é fazer croché!” Mas fogo! Pelo menos encontrou aquilo que queria fazer.
Pronto, não é isso é outra coisa, porreiro, boa.

EM. - Então pode ser usado como uma espécie de ferramenta de ativismo, para quem quer espalhar
essa mensagem?

N. - Exatamente! Exatamente, e podes aplicá-la onde quer que seja e em contexto que seja. Eu posso
pegar num grupo de crianças e posso fazer dali um workshop à volta de um botão, por exemplo. Uma
coisa qualquer, uma fotografia. Podes ir ter um conjunto de idosos e fazeres um encontro com eles, tu
podes pedir-lhes coisas, tu podes pegar nisso, tu podes fazer um vídeo-poema, tu podes editar aquilo. Tu
podes fazer tanta coisa, para tocar o outro, não é? Ou seja, é de dentro para fora e para dentro outra vez.
Né? Porque, é um jogo de espelhos e isso é o que faz falta, realmente aquele cuidado e empatia que não
existe. E o poetry slam e esses poemas vêm dar empatia, vêm consciencializar a malta “Olha este tema
aqui!” Estás a ver? E ou tu crias empatia ou não crias empatia.

EM. - E relativamente agora à tua perceção sobre aquilo que foi o festival este ano e aquilo que tem
sido o âmbito do Portugal Slam, no fundo na tua opinião como é que achas que as coisas estão a correr?
Como é que achas que têm evoluído? Tê…

N. - Sabes que… O futuro é sempre diferente daquilo que nós podemos imaginar dele, já dizia o Agostinho
da Silva. E então é isso mesmo. Eu nunca teria imaginado que em 4 anos… Ou pelo menos em 2011,
quando em comecei a fazer Slam, poderia hoje estar aqui sentado convosco, não é? A ter uma conversa
com vocês. Então, tem sido imprevisível a gente nunca sabe, e até agora tem corrido maravilhosamente.
Com os recursos que temos e que… Com uma coisa que era 0, hoje já tem um corpo, já tem um nome. Já
tem… já tem os seus membros, elementos, os seus eventos, já tem um passado, uma memória. Eu estou
extremamente contente, com aquilo que a gente tem vindo a conseguir. Eu e os outros… E os outros, não
é? Porque tu não fazes nada sozinho, e aquilo que hoje acontece ao tu seres convidado, tu tens que
realmente respeitar tudo aquilo que se passou antes. Que foi as pessoas que foram ao teu evento e isso
fez com que as coisas fossem melhores. Cada um deles, cada par de olhos, né? E então eu vou à Polónia,
mas vou porque as pessoas foram aos eventos que eu fui antes. Porque se não eu tinha desistido… E é
pena… E então há essa cumplicidade do principio até ao fim.

EM. - Exato. Relativamente ao passado, nós sabemos que ganhaste o campeonato da Europa…

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N. – Hm, sim, em 2015.

EM. - Como é que foi a Experiência? Conta-nos essa experiência.

N. - Foi giro foi… Foi engraçado. Foi na Estónia, em Tartu. Onde havia um campeonato Europeu, reunimos
os poetas de vários países…

EM. - Mas foi também… foste porque ganhaste o campeonato Nacional?

N. - Exatamente, exatamente. E então fomos, fui mais a Raquel Lima e… E foi uma surpresa. Porque há
sempre uma surpresa, e tu tens que depois perceber que tu estás entre os teus colegas, os teus amigos…
A maior parte deles vão ficar teus amigos. Porque é… não é uma coisa de café, não é? É uma coisa que
tem um valor sentimental enorme, não é? E quando tu partilhas isso tu ficas ligado. Então eramos… um
conjunto de amigos. Vá lá imagina 10 amigos que são de vários países e que estão ali para fazer um Poetry
Slam, que para eles é normal porque já fizeram N, e é a final Europeia. E todos nós sabemos… E quando
vai um, nós estamos a torcer por ele, estás a ver? E quando o gajo acaba a gente [faz barulhos de imitação
de aplauso e louvor], percebes? “Agora sou eu… vá agora vais tu!” Até a competição fica assim um
bocadinho… estás a ver? Ali no ar. Claro que pronto, depois há as votações.

Mas foi sempre inesperado, porque tu estás a trabalhar com poetas com um “ganda” potencial, uma
“ganda” mensagem. Tens malta que é pró em fazer performance, e daí eu estar-te a dizer que o melhor
poeta nunca ganha. Porque há sempre uma oscilação. Naquele momento, naquela altura, naquela hora,
aquela pessoa, aquele conjunto de pessoas acharam que… perante a tua performance havia um número
que equivalente e apresentou-o. E é tão… percebes? Tão relativo quanto isso. Eu poderia lhe chamar
sorte, mas não é sorte, é uma ocasião, percebes? É um conjunto de somas que resultam no resultado e
foste tu hoje! Não quer dizer que tu és o melhor! Quer dizer que tu tiveste a oportunidade de participar
com os teus amigos ao mesmo tempo, e desta vez foste considerado o melhor. Mas da outra não vais
passar da primeira ronda, por exemplo, e não deves ficar chateado com isso. Deves ter o prazer de
participar! Lá está. Enquanto não houver a consciência que consiga fazer esse baloiço, né? Compensar…
a tendência do nosso ego, o inchar… Mas isso é importante, e isso é importante cada vez que tu começas
um Slam avisares a malta: “Malta! Isto é tudo brincadeira, ‘pa-ta-ti pa-ta-ta’”.

E então foi uma experiência… bonita. Foi bom para nós também, porque ganhámos algum renome não
foi representar p… [interrompe-se]. Percebes? Neste caso já é representar o Portugal Slam porque já vem
incluído… Pronto era uma coisa… E foi, foi fixe, porque ganhámos, ganhámos algum nome dentro do
circuito. E com isso o nosso festival também ficou a ganhar. Hoje já temos pessoas que já ouvem por
terceiros do festival e vêm ter connosco “ah ouvi o teu festival”, e são estrageiros, não são de Portugal.
Né? Pronto. E então há já um conhecimento dentro desse universo do Slam do nosso festival. Por isso
estou bastante contente.

EM. - E depois como é que… É sempre bom representar Portugal. Achas… Nunca te tinhas visto nessa
posição?

- Não. Não porque… Eu sempre fugi um pouco disso. Sempre fugi um pouco de associações, de coletivos...
Pronto, mais, mais sozinho... Mas chega a um ponto em que tu… ou ganhas consciência que sozinho não

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vais lá, ou que não tens força suficiente e que queres fazer qualquer coisa da tua vida. Queres te aliviar,
queres te mexer, pronto, vais juntando pessoas que têm algum em comum e a partir daí as coisas vão
nascendo. Né? Pronto. não sei respondi à tua pergunta?

EM - Sim, sim.

E. - Queres passar então agora para a parte da organização? Que acho que o resto já foi respondido de
outra forma.

M. - Sim. Relativamente às expectativas que tens face ao futuro é continuares…

N. - O Futuro. Ah, eu desculpa! Desculpa, eu às vezes perco-me também na… No discernimento. O futuro
é agora, e o futuro que eu agora estou a viver é realmente fazer… Estou a adquirir algum material,
nomeadamente uma loop station, em que possa trabalhar a minha voz noutros modos. Que possa haver
uma repetição, que eu possa fazer um ambiente muito sonoro, não é? Ilustrar através do som da minha
própria voz, que a voz humana é muito forte. E encaminhar para aí através do vídeo também com projeção
e performance também ao mesmo tempo. Ou seja, trazer o que tu achas que o teu mundo pode ser
parecido com, né? E tentares ver através do mundo real como é que o podes aplicar. Para mim é Spoken
Word, é visuais e é som. E aliar isso tudo numa só peça e depois e entregar aos outros. Porquê? Porque
não? Porque acho que é interessante nós insistirmos em coisas que nunca fizemos, eu não percebo nada
daquilo que estou a aprender, mas eu vou conseguir fazer alguma coisa. Porque eu já sei de uma maneira
ou de outra, e isso é o que faz com que tu ganhes mais ferramentas. Não dá deste lado, inventas uma
ferramenta nova. Não é? Pronto. Então essa sucessão de desafios, de erros, de autocorreção, é muito
bom. E hoje já estou à espera que isso aconteça, já estou a trabalhar para isso. Incluindo no Portugal Slam
também onde pode acontecer isso. Imagina que tu podes oferecer o material às pessoas para elas
experimentarem, não é? Imagina como se fosse tinta. “Não tens tinta? Então a gente compra aqui uns
coisos de tinta, tens aqui uma tela. Pinta!” A mesma coisa. Chegas lá com a Loop Station, tens aqui a Loop
station, um minuto do microfone, funciona assim. Faz a tua cena, filmas aquilo. Não é? Depois editas
aquilo, toma! É teu.

E tu podes fazer isso nos workshops, tu podes devolver à pessoa aquilo que ela deu. E ela vai pensar que
é um presente, não, é ela mesma. É lindo, é lindo. Tu trabalhas, pegas em tudo, pegas nos poemas, filmas
a pessoa, gravas a voz, coiso. Levas tudo para casa, animas o símbolo. Metes a iniciar o vídeo com o
símbolo dela, estás a ver? Animado. Porque é o símbolo real, é um sigilo, é um selo. O mundo é feito de
signos, de sentidos proibidos, de tudo. Sinais. É o sinal dele, ele agora também está no mundo dessa
maneira. E depois tens a voz da pessoa com as imagens que ela escolheu [não se percebe o que diz].
“Toma” Partilhas o link ou dás-lhe o coiso “Toma!” [não se percebe o que diz].

EM. - Sim. Agora para a parte da organização.Relativamente às pessoas que participação no Slam e na
Amadora, existe heterogeneidade? Existe muita variedade de culturas? De etnias?

N. - Sim, existe. Existe.

EM. - Desde os Slammers ao público.

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N. - Sim, sim, sim existe. Existe. Na Amadora então… A Amadora para já tem uma população Africana com
uma densidade muito grande, e tens pessoas negras, tens pessoas indianas, tens pessoas caucasianas.
Tens de tudo, não é? Não há restrições, e isso é que é o importante, o não haver restrições de qualquer
tipo. É e tem que ser para todos, e cabe-te a ti através dos exemplos chamares cada vez mais malta. Mas,
eu gostaria que fosse mais. Que também houvesse mais participação de mulheres. Mas isso tudo é com
tempo, não é? Pronto. E então pode sempre variar, podes ter mais pessoas caucasianas, pode variar, né?
Pronto. Mas sim há uma mistura… há uma mistura… E não há problema de haver essa mistura… Porque é
um… para já é espaço seguro, é um espaço sagrado. Não há nada disso. E cada MC, cada responsável tem
que tratar do seu pedaço. Não é?

EM. - Claro… e relativamente, estavas a falar em chamar mais pessoas. E relativamente a estratégias
que tu dentro de… Quando estás a organizar outros Slams na Amadora ou em Benfica, como é que
procuras promover esse evento? Sei lá… é importante a familiaridade não… é importante a escolha do
espaço?

N. - É sem dúvida. Sem dúvida. Apesar de… Nós podíamos fazer já aqui um Slam na rua, isso é onde uma
pessoa quiser. Essa é que é… né? Se quiser é já aqui [bate palmas]! Pode ser já aqui.

Contudo, se fores escolher um espaço, se queres realmente oferecer as condições ideais para um slam,
não é? Tem que ser um sítio protegido. O som, tem que se ter cuidado. Tens que ser algo sensível, né?
Pode ou não ter fumo. O microfone… tens que ter aquele set. É como um cenário de uma peça de teatro.
Estás a ver? Fazes o set, metes a pessoa em cima e aquilo [faz barulho à Pato Donald]. Envolve. Né? É o
palco, e então e é o ritual, é muito importante haver essas coisas. Mas também há elasticidade suficiente
para fazer sem nada! Às vezes é: “Olhe o microfone, não se pode fazer barulho, está aqui o microfone”.
Ele pega no microfone e começa… Né pode ser com… Não é preciso nada! Ao fim ao cabo! Como os
contadores de histórias, né? Os velhotes sentavam… Ou como os avós sentavam-se e tu… começavam a
contar uma história. Tanto faz se estivesse num alpendre ou numa coisa qualquer! É o que se passa aqui,
tu podes fazer em qualquer lado. No Brasil eles fazem na rua, estão 300 pessoas! E não há microfone! Não
há amplificação! Há amplificação [aponta para os ouvidos]! Toda a gente se cala, e como toda a gente se
cala dá para fazer tudo…

Estás a ver? Então há realmente um cuidado e o cuidado que existe é mais a nível mental. Não é as
condições físicas, é tu preparares a pessoa mentalmente para o que vai aí chegar. Para ela meter o juízo
de lado, o ego à porta, e aproveitar. Sem considerar se é bom ou mau. [Num tom de gozo] “Se ai aquele
poema não coisa, ai não gostei do poema, aí…”. Isso é já comichão. Quando estás com comichão nada te
cai bem, né? [Num tom de gozo] “Ai não sei quê, ai aquela coluna não está bem, não sei quê”. Estás com
comichão. Não… caga nisso. Mas é preciso haver essa preparação emocional para a pessoa, não é? Porque
a pessoa vai ter de deixar de participar no seu próprio mundo de juízos, vai ter que largar isso. Porque
agora vai ter que funcionar em grupo. Então perdeu a individualidade ali. Está a trabalhar em grupo. É um
indíviduo dentro do coletivo. Tem que agir como tal. Não é? E pode agir consoante a sua perceção. Pode
gritar, pode não sei quê não sei… [interrompe-se]. Mas! dentro daquele parâmetro, não é? E isso é que é
o bonito. É que as pessoas sem querer, participam. Até o gajo que diz baboseiras! Estás a ver? Até o gajo
que diz baboseiras está a participar! É aquilo. Mesmo que tu não queiras jogar, tu já estás a jogar, estás a
jogar os que não jogam. E então há realmente essa massagem emocional que tem que existir sempre para

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preparar a pessoa para o que vem aí para ela considerar as coisas de uma maneira, com as regras deste
jogo! Não é a desse jogo! Deste jogo. Não é? Nós inventámos… [interrompe-se] Estas são as nossas. Estão
aqui, “tau”, porque é preciso haver regras para a gente estipular as coisas. E então é mais
emocionalmente, do que propriamente uma condição técnica. Não é? Pode ser me qualquer lado, pode
ser daqui para aqui, e isso é o que acontece. Quando os poetas estão juntos vão na rua: “Diz aí o teu
poema!” e o gajo “Pé-té-téu-Pé-té-téu-Pé-té-téu! Vá agora diz tu! “Pa-té-téu-Pa-té-téu-Pa-té-téu”, “Olha
este poema que eu fiz, novo! “Ei! Ta-ta-ta-ta-ta-ta”, “eia deixa-me mostrar-te aqui este!”, “Olha também
escrevi um!” Estás a ver? São picardias de… da novidade de querer mostrar ao outro sem vergonhas…
Sem dizer “Ai… Não… Aquele sim! Toma!”

M. - E relativamente a buscar, ou a procurar estratégias para no fundo promover, ou divulgar…

E. - Sim, divulgar.

M. - ..O Slam, para fazer com que ele chegue a mais pessoas.

N. – Sim, por exemplo, posso pegar… imagina que eu este ano quero fazer um audiobook com os poetas
e eu vou chamá-los. As pessoas que tiveram a participar nos eventos locais, e vou chamá-los outra vez,
não para fazerem um Slam mas para entregarem o seu material para fazer uma outra coisa qualquer.
Então há um trabalho que se duplica, não é só Poetry Slam, mas também outro tipo de… de situações.
Nomeadamente este ano vou tentar fazer Transpoéticos que é um desafio que tenho feito há dois anos,
que é transformar nove poemas escritos em nove performances. O ano passado foi novo poemas escritos
em nove vídeos poéticos. Então pedi nove e fui contactar nove pessoas que fizessem edição de vídeo para
os transformar ao seu prazer sem perder o conteúdo principal do poema. E nasceram depois aí o número
de… de vídeos. Há dois anos atrás também. Este ano vai ser… vai ser Spoken Word com projeção atrás,
né? E eles ao vivo. Vou filmar tudo, vou fazer depois o upload e vai fazer parte de isso dos Transpoéticos.

Então há várias maneiras de poderes aproveitar e trabalhar com o potencial dos outros. Ou convidando-
o para novos desafios, não é? Ou outros projetos que eles possam estar interessados. Então não é só eles
virem ao nosso slam, mas também convidá-los depois a participarem em outros projetos, para não
ficarem só por aí.

Portanto, que eles também não percam o balanço, né? Que queiram fazer mais coisas. Mas isso depois
também depende deles, se eles vão por aí ou não.

EM. - Claro. E relativamente, agora… Como é que tu… Hoje ou amanhã, ou este fim-de-semana vai haver
um Slam na Amadora como é que fazes a divulgação?

N. - Faço de várias maneiras. Faço através das redes sociais. Nomeadamente faço tipo um vídeo. Tipo um
teaser. Faço em casa, ou na rua, ou whatever. Mas tento sempre fazer assim tipo um teaser. Faço flyers,
que vou distribuindo por onde passo. Vou deixando cair no chão, deixo na estação. Depois colo cartazes
em vários sítios que eu sei que são principais, aqui na universidade, por exemplo. Nos cafés ali daquele
lado, e há uma divulgação limitada, não é? Pelos recursos que eu tenho. E é assim que eu faço a divulgação
dos eventos. E é sempre um boca-a-boca, depois é sempre um acontecimento, não é? Eu vou… faço…
tento fazer com algum tempo antes, a divulgação, e depois é boca-a-boca. Depois o Portugal Slam

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também tem, vá lá oportunidade através da página do Facebook e outros canais. Através de newsletters
também. Por isso esses são os meios básicos, vá. Do passares a informação, e o boca-a-boca. E depois
também podes convidar, não é? Eu hoje em dia posso fazer um Slam, e posso dizer a um amigo meu “Pá
queres fazer a primeira parte, 15 minutos, 5 minutos? Quanto é que queres? 50 euros?” Estás a ver? Peço-
lhe o preço, porque tu também tens que pagar. São teus amigos, eles fazem, mas não abuses! Não é? Se
tu me convidares para fazer ali, pá eu faço. Se tu me poderes pagar, porreiro! Ainda melhor. Mas é o teu
amigo, mas é o teu convidado. Também isso… E fiz isso já N vezes e tem que ser assim, né? Ou seja, tu
conheces os artistas, mas depois não podes aproveitar-te disso! “Olha eu quero que tu faças aqui a
primeira parte de uma performance, a tua cena, 50 euros está bom para ti?” E está bom. E isto estava a
falar do quê? Desculpa.

M. - Era isso!

N. - Era isso?

E. - A nível da organização, sim.

N. - Pronto, e a divulgação pá, faço autocolantes… Pá, sei lá, faço assim uns flyers pequeninos, meto um
bocadinho daquela cola, e vou colar nas paredes “tau-tau-tau-tau”. Deixo ali nos bilhetes da estação,
assim uns espalhados e as pessoas vão levando, estás a ver? Pronto, é sempre assim uma coisa muito
arcaica ainda.

E. - E fora o campeonato Europeu existe alguma relação da comunidade Portuguesa com outras… de
outros países? Seja a nível Europeu, ou fora da Europa.

M. - Algum contacto.

N. - Existe.

E. - Se existe algum contacto, algum evento para além do campeonato Europeu. Ou assim.

N. - Existe, existe. Aliás, vou te dar um exemplo bom, que é a Polónia, que está no 13º Festival de Spoken
Word, e ao qual já foram bastantes poetas que eu conheço. Nomeadamente José Anjos, Ricardo Blayer,
Biru, a Raquel, a Li não sei se foi. Ou seja, depois de tu teres participado no Portugal Slam, tu tens a
oportunidade de receber outro tipo de convites, não é? Seja para ir a Bruxelas fazer um trabalho acerca
dum tema qualquer que eles querem, né? E que não tem nada a haver no âmbito do Portugal Slam,
porque não tem nada a ver, é um convite direto, ou através da plataforma Portugal Slam. Mas
especificamente para essa pessoa, e isso tudo pode acontecer. Como estava-te a dizer tenho agora um
workshop, que vamos acabar este ano as traduções, para depois finalizar num lançamento dum livro no
Norte da Holanda em Frísia e também aqui. O Luís Perdigão vai também ser convidado para outras coisas,
no futuro. E outros poetas também, não é? De um momento para outro podem-te convidar para seres
convidado num evento qualquer. Tudo pode acontecer.

E digo também por experiência própria, porque além de termos ganho o Europeu, depois surgem outros
convites. Fui ao Brasil, fui à FLUC, que é um festival internacional que eles têm na favela que é uma coisa
por demais, não é? Não tem propriamente ligado ao Slam, apesar de ser uma competição, mas são

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convidados de todas as áreas da poesia. Não tem que ser propriamente do Slam, né? Pronto. Mas mais
direcionado… [interrompe-se] Então tudo pode acontecer. As pessoas podem ser convidadas para
fazerem workshops no futuro. Imagina que o Luís Perdigão pode se juntar com outra malta do Portugal
Slam e participar num workshop. E a partir daí fazer o workshop, ou fazer o que ele acha que seria uma
coisa inovadora. Criar um projeto para a comunidade ou o que ele quiser. Não é? Pronto, ninguém sabe.

Mas ao longo dos tempos tu vais tendo uma… uma estrutura a nível mundial de Slam que é uma coisa
incrível. Hoje em dia existe um movimento de poetas a correr pelo mundo, a apanhar aviões que é uma
coisa louca! É louca! Eles vão para todo o lado, eles vão para o Norte da América, eles vão para o Brasil,
eles vão para Polónia, para a Estónia, para Bruxelas. Eles vão para Macau, vão para Cabo Verde, eles vão
para todo o lado! Porquê? Porque há eventos sociais de cultura com esse formato, e esse formato
funciona porque as pessoas vão progredindo também, não é? Alguma coisa deve acontecer para a coisa
expandir-se assim tanto, não é? Ou é um vírus ou é uma boa novidade!

Claro, pronto! Mas há uma dimensão enorme, né? Lá fora. Nem vos passa pela cabeça. Então no Brasil,
no México, há em todo o lado. Né? Há em todo o lado. E tu podes ser convidado para fazer residências,
performances, participares com 10 minutos da tua poesia e vais viajar quase meio mundo para estares lá
10 minutos e pronto. Mas ao mesmo tempo estás a conhecer pessoas de outros campos do mundo, de
outras realidades. Tu podes trocar diretamente, tu podes perguntar diretamente ao gajo de Israel “Pá
como é que está aquilo lá na Palestina?” Pronto estás a ver coisas que, ou “como é que tu fazes?”, ou “O
que é que tu fazes a nível de trabalho?”, ou “Como é que dás os teus workshops?”. “Ah eu faço assim”,
“Eh pá eu faço assim não sei quê”. Ok tenho mais exercícios daqueles com que eu fui. Né? Pronto. E então
há sempre… tudo é possível, tudo é possível de acontecer, depende também realmente de continuarmos
a trabalhar. Se tu deixas de trabalhar “pufft”. Mas isso não quer dizer que sem o Portugal Slam os poetas
deixem de existir. Eles continuam a viajar na mesma. Noutros modos, mas continuam. Porque há, há um
outro tipo de universo que nem sempre é visível, mas que está bastante presente, e tu em Portugal hoje
tens bastantes convidados internacionais a virem e a virem, a eventos culturais, a música… Por isso é
aproveitar. É aproveitar, exato…

EM. - E pornto acho que já estão todas as perguntas.

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Entrevista Marinho Pina

Entrevistado:

M. P – Marinho Pina

Entrevistadores:

M. – Mariana Marques

E. – Eduardo

M. – Em primeiro lugar, nós gostávamos de saber a importância da escrita e das artes performativas.
Escrever já é uma coisa que fazes há muito tempo?

M. P – Basicamente sim. Eu estive nos escuteiros e portanto há sempre atividades desse género, teatro,
música e não sei quê, portanto. Não é como o Slam, mas é algo do género. Também já escrevia.

M. – E quando é que conheceste o Poetry Slam? Qual foi o teu primeiro contacto?

M. P – Olha, foi em 25 de abril este ano. Eu estava a passar no Rossio e vi que tinham um anúncio na
Fnac, que estavam a fazer um poetry slam e era aberto ao público, eu nem sabia o que era Poetry slam.
E fui lá participar, era aberto ao público.

M. – E aí já sabias o que era mais ou menos o slam, ou não?

M. P – Não, só disseram que qualquer um podia lá ir e dizer o seu poema, então eu escrevi o meu
poema para dizer, porque não sabia que ia acontecer. E a partir daí comecei a ir regularmente. Pá, é
agradável teres 3 minutos em que todo o mundo se cala para te ouvir, e eu valorizo esse tempo.

M.- Então, entretanto já tiveste oportunidade de conhecer outras pessoas que fazem Slam, e como é
que tem sido essa relação com os slammers e com os organizadores do Portugal slam, com essas
pessoas dentro da comunidade do poetry slam em Portugal?

M. P – Acho que… as relações são sempre relações, sejam em que tipo de comunidade forem.

M. – Mas achas que existe muita competitividade?

M. P - Não, por acaso não. É muito mais amigável. Talvez há quem leve isso muito a peito, e dizer “eu
sou o melhor”, porque não há melhor nisto. Aquilo depende do teu estado de espírito, do estado de
espírito das pessoas que te vão ouvir, não sei. Talvez, creio que haja, porque as pessoas, somos sempre
pessoas em que contexto for, talvez haja quem leve isso muito a sério, mas os que eu tenho conhecido
não.

E. – E vocês são próximos?

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M. P – Eu comecei a conhecer pessoas de quem me tornei muito próximo agora, mas sim é um bom sítio
para conhecer. Porque geralmente as pessoas que participam são motivados pela mesma coisa, pelo
poema, pela performance e falar com os outros e como o concurso é totalmente informal, também tem
já isso. Não vim aqui ser o melhor, vim aqui para me divertir e isso torna o ambiente, aquele meio, o
slam, muito mais agradável.

M. – E vocês, além dos slams, costumam encontrar-se em outros sítios, para conviver?

M. P – Isso depende da forma como te envolves com as pessoas, há pessoas que lá está. Por exemplo,
muitos dos que participam nisso já são amigos de longa data e eu fiz algumas amizades ali, pessoas com
quem me encontro também, de quando em quando e com quem me identifico.

M. – Achas que, por exemplo, no campeonato nacional, as pessoas davam-se todas, davam-se umas
com as outras?

M. P – Esse foi o primeiro a que eu assisti. Mas sim, a interação era muito boa, falávamos todos uns com
os outros.

M. – E achas que existe um certo sentido de comunidade, ou não sentes muito isso? Achas que te sentes
parte da comunidade de poetry slam?

M. P – Não sei como responder a essa pergunta. Mas diria sim, por exemplo, eu descobri o slam este
ano, em 25 de abril, e já estive na Fnac para dizer poesia, na Amadora, em Leiria e era sempre bem
recebido em qualquer desses meios. Por isso, posso falar de sentido de comunidade

M. – Tu és de Sintra, estás também a começar com o slam em sintra, achas que, por exemplo, quando
fomos ao campeonato nacional houve algumas pessoas que deram ênfase à sua cidade, por exemplo, o
Perdigão fez muito referência à Amadora. Para ti é importante estares a representar a tua cidade no
festival de poetry slam?

M. P – Isso não é importante nem não é importante, ou como é que eu posso dizer. Não. Tanto pode ser
como não. Isso é uma questão de identidade, o Perdigão é da Amadora, fala da Amadora, identifica-se.
Eu sou de Sintra, estou mais interessado em realizar poetry slams em Sintra para termos também isso lá.
Depois, imagina, as pessoas que vieram do Porto ou de Évora, vieram representar Porto e Évora, vieram
como os melhores de Porto e Évora, portanto é normal que levem a bandeira da cidade por assim dizer.

M. – E tu, estás agora a tentar avivar o poetry slam de sintra… Tu nunca fizeste parte do poetry slam de
sintra?

M. P - Não, em Sintra foi até 2014 e nós queríamos começar a fazer, nem se quer sabíamos que já tinha
sido feito lá e quando estávamos a criar uma página do facebook, vimos que já existia outra, então
entrámos em contacto com o administrador da página e continuámos a mesma coisa. Mas já tinham
feito em Sintra.

M. - E tu queres trazer isso de volta, organizar mesmo poetry slams em Sintra e também para dar outra
visibilidade à cidade, mesmo no campeonato nacional, é mais por isso?

M. P - Também, e não é só acerca desse dado. É mais acerca das pessoas, é mais acerca das pessoas,
porque, como é que eu posso dizer [pausa], o Slam é um, é uma atividade bastante democrática, todo o

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mundo pode ter uma voz, e durante o tempo que tem essa voz os outros vão escutá-lo ou fingir que
estão a escutá-lo.

M. – E até reagir, no teu poema houve muitas pessoas a reagir, as pessoas riam-se, batiam palmas…

M. P – É, e quando isso acontece ficamos felizes “yeyy”. E isso, por exemplo, eu digo para mim é uma
boa terapia porque todas as merdas que eu tenho durante a semana, escrevo-as e vou lá e digo-as
todas.

M. – Achas que o Poetry Slam, isto foi mais em extensão de uma conversa com a Li Alves, achas que o
Slam é algo muito do momento, momentâneo, das coisas que estão à flor da pele, ou não tens essa
opinião?

M. P – Não, acredito que não. É certo que por exemplo, depende sempre do teu estado espírito, tem
vezes em que dizes um poema e sai-te bem e vais dizer o mesmo poema, ou mesmo tu já não queres
dizer outra vez. Mas tem slammers que dedicam-se a três poemas apenas, memorizam-no, trabalham-
no bastante bem por isso não vou dizer que isso seja questão de momento, quando lá chegam já sabem
o que vão dizer. E eu também, quando lá chego já sei, ok geralmente levo uma série para escolher qual é
que vou ler, e também procuro do que vou ler, qual será o mais adequado ao momento. Mas isso, não
sei se o que ela quer dizer com do momento seja de improviso, ou não sei.

M. – Não, não é de improviso, é mesmo, por exemplo, hoje aconteceu alguma coisa na tua vida e
escreveste sobre isso, escreveste um poema sobre isso e amanhã ou daqui a uma semana vais
apresentar esse poema ainda com um bocado os nervos à flor da pele porque aquilo foi algo que te
aconteceu recentemente, ainda está muito presente na tua vida, enquanto que se calhar escreves hoje
um poema e daqui a 6 meses já não te faz sentido dizer, porque já foi algo que passou e se calhar
quando tu fores dizer esse poema já não o vais interpretar com a mesma euforia.

M. P – Mas isso é, mesmo que digas um poema hoje amanhã já vais fazê-lo de forma diferente, a não
ser que sejas super robot, aí já consegues fazer tudo a mesma coisa. Mas sim, tem isso, nesse sentido de
momentaneidade, porque eu às vezes vou, oiço o que os outros têm a dizer e tento que o meu se
enquadre, ou às vezes, eu penso em dizer um poema e oiço o poema de outra pessoa e isso dá-me mais
ideias e se calhar a seguir digo outro em vez de este.

M. – Relativamente à importância que o Slam tem na tua vida, já percebi que é algo relativamente
recente, apesar disso agarraste com força esse desafio e esse gosto, que agora te leva inclusive, a
quereres dar nova vida ao Poetry Slam de Sintra, achas que a partir do momento em que conheceste o
Slam e começaste a fazer Slam, levaste contigo alguns amigos teus, a tua família? Falas abertamente
sobre isso?

M. P – Sim, isso quando falas de assumir que faço Slam, isso não tem nada a ver como quando dizes
drogar-te, o Slam é uma coisa totalmente positiva, as pessoas não se importam com isso. Eu posso dizer
às pessoas para virem, mas o que eu gosto nisto é a possibilidade de conhecer pessoas, de comunicar
com pessoas. Por exemplo, podes ser super tímido, ok tímido também é muito difícil fazer slam, mas se
fores tímido e fores lá subir ao palco, fazeres slam mesmo que depois deixes e continues a ser super
tímido, as outras pessoas aproximam-se de ti, sim isso ajuda as pessoas a conhecerem-se e a
interagirem mais. Por isso, eu convido sempre que posso, por exemplo, para organizar o Poetry Slam em
Sintra, basicamente, é essa a ideia, trazer pessoas.

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M. – Relativamente àquilo que tu tentar passar na mensagem dos teus poemas, nós percebemos por
aquilo que ouvimos no festival que tens sempre uma mensagem social, falas muito sobre racismo, sobre
desigualdade de género. O teu objetivo no Slam é, também, passar uma mensagem social, crítica social?

M. P – Quando possível, sim. Mas não é que eu tenha, não vou assumir uma agenda. Sempre que eu vou
fazer o poema eu sei que as pessoas vão, supostamente, prestar atenção, por isso eu tento falar de uma
coisa que as pessoas entendam e se relacionam ou que possa fazer pensar. Mas também digo poemas
totalmente inócuos e inconsequentes, por isso… Eu já fui rapper, já fiz rap, e isso vem também de uma
intervenção mais social e também trabalhei em associações, falava muito com as pessoas e depois
comecei a usar a música para transmitir essa mensagem e agora com o Slam, acho que estou tão viciado
nisto que não consigo fazer diferente.

M. – Sim, digo isto porque há pessoas que acabam por abordar temas mais pessoais, mais
autobiográficos, falam mais dos sentimentos, mas acho que tu no campeonato nacional acabaste por
evidenciar-te por trazeres essa crítica até por vezes com alguma ironia e falares sobre racismo,
desigualdade de género, das fronteiras ou supostas fronteiras do mundo de forma muito crua, e foi mais
por isso que te fiz essa pergunta, se tinhas esse objetivo de passar essa mensagem social e política.

M. P - Tento, quando posso passar essa mensagem de crítica social, mas também disse que eu uso isto
como terapia, às vezes digo coisas que não têm nada a ver. Mas mesmo quando digo coisas pessoais, eu
procuro que sejam, que alguém se possa relacionar com isso.

M. – Achas que é importante e qual é que achas que é o papel das artes performativas, da poesia,
música, do Poetry Slam na sociedade, achas que é importante mesmo para dar voz às pessoas?

M. P – Sinceramente não sei atribuir um papel às artes, ou seja o que for. Tudo depende do contexto.
Por exemplo dizer “a poesia é importante para a vida, sem a poesia não vamos sobreviver”, não sei… A
poesia é importante no contexto que consegue ser importante, por exemplo, eu já vivi numa situação de
guerra civil na Guiné Bissau, as pessoas tinham de se preocupar em sobreviver e comer, ninguém queria
saber da poesia, é claro que depois disso fizemos muita poesia sobre o assunto.

M. – No fundo, acaba por ser importante na medida em que puxa a reflexão das pessoas, no fundo é
essa a importância que estou a falar. Quando fazes música ou quando fazes arte, seja de que forma for,
acaba por poder ter essa mensagem e essa reflexão e no fundo era mais por aí.

M. P – Sim mas isso também se usares essa ferramenta nesse sentido, porque há muitos que fazem
poesia pela poesia, arte pela arte, só por isso mesmo, e não tem esse conteúdo, às vezes nem tem
conteúdo. Como diz uma pessoa “Nem sempre palavras, ou frases sem sentido significam poesia”.

M. – Em relação ao Portugal Slam, à plataforma, qual é a tua perceção em relação ao trabalho que eles
têm desenvolvido?

M. P – Não me envolvi muito para saber avaliar, mas pelo que eu vi acho que estão a trabalhar bem, se
calhar podem melhor mas…

E. – Foi a primeira vez que foste a algo organizado pela plataforma?

M. P – Pelo Portugal Slam? Também não sei, mas acho que já tinham organizado no ano passado
também.

98
M. – E relativamente ao campeonato nacional, achas que estava bem organizado? Enquanto slammer
sentiste-te lá bem?

M. P – Também como foi a minha primeira vez, não tenho termo de comparação mas gostei do
ambiente e gostei das pessoas. As pessoas que foram participar eram todas muito acessíveis e
convivemos bastante bem, de tal forma que eu estava totalmente alheio àquilo que acontecia à volta,
eu só estava interessado nas pessoas com quem interagia nesse momento, portanto se havia falhas de
organização ou qualquer coisa, passou-me totalmente ao lado.

M. – Quais são as tuas expetativas relativamente à tua atividade dentro do Poetry Slam, sabemos que
passa também pelo Poetry Slam de Sintra

M. P – Sim e continuar a dizer poesia enquanto puder.

M. – Continuar a participar nos eventos de Poetry Slam…

M. P - E de outros, porque eu gosto de comunicar com as pessoas, seja através de que tipo de forma for.
Eu também já fiz, contar histórias a crianças, e atividades sociais deste género. Portanto, não é só Poetry
Slam, se inventarem uma outra forma que o público possa interagir, eu quero lá estar. Mas por
enquanto, sim, continuar com o Poetry Slam.

99
Anexo 3 – Observação

1º Dia

Local:

Largo Café Studio, no Largo do Intendente.

Data e hora:

26/10/2017 pelas 21:30 até às 23:30.

Ponto de observação:

Plateia

Descrição do Espaço:

A partir do nosso ponto de observação, podíamos ver que a sala era pequena, com 6 mesas de diversos
tamanhos, uma sala escura, com mobiliário antigo, com alguns quadros nas paredes, a entrada da sala é
em arco assim como duas paredes da mesma.

O espaço estava bem conservado.

Descrição das pessoas:

A direção e a coordenação do evento está toda sentada numa mesa no canto direito da sala, a mesa mais
próxima ao palco.

As pessoas estão separadas por mesas, todas viradas para o “palco”, as pessoas estão quase todas
sentadas, tirando algumas que estão de pé, a sala está cheia.

É percetível uma divisão das pessoas pelas mesas, ou seja, existem algumas pessoas na mesma mesa que
não se conhecem e outras que se conhecem. A movimentação no espaço é pouca visto que o espaço está
cheio. O público interage entre si dentro dos próprios “grupos” após cada atuação e reage entre os
“grupos” quando são dadas as pontuações. Quando houve o intervalo, muitas pessoas aproveitaram para
ir à casa de banho, outras aproveitaram para ir fumar, outras foram ao balcão do bar para pedir algo para
comer ou para beber.

Quanto à multiculturalidade, estavam presentes pessoas caucasianas e afro descendentes. Existem


também pessoas das comunidades de Poetry Slam de outros países tais como, Itália, Senegal, Espanha,
Reino Unido, entre outros.

Diversidade etária - variada, desde pessoas com cerca de 20 anos, até pessoas com aparência de 60 anos.

Descrição das interações observadas:

100
Círculos de interação – As interações entre o público e os slammers são muito à base dos aplausos, mas
também do convívio entre aqueles que se conhecem. Sendo que, muitos Slammers vêm acompanhados
e conhecem membros da coordenação.

Além de Afonso Mata interagir com o público para fazer publicidade daquilo que vai acontecer no
evento, e para mandar levantar o quadro com as pontuações, a interação que existe também e que é
muito característica do Poetry Slam. Em que o apresentador faz uma contagem decrescente a começar
no número 3, e quando chega ao 1, o público grita todo Slam e o slammer começa a fazer a sua
performance.

Quanto ao Grau de proximidade, existia entre os slammers e alguns membros do público pois, algumas
das pessoas do público conhecem os slammers, e existe também um grau de proximidade entre os
slammers e os membros da organização.

Não se constataram manifestações de tristeza, desilusão ou desagrado por parte dos slammers que não
passaram à segunda ronda ou à final. Contudo quando aqueles que vencerem Carlos Mossoró, por
exemplo, festejam euforicamente, em contraposição a Ricardo Blayer, o outro vencedor, que apenas
demonstrou um sorriso e felicidade por ter passado.

O público interage entre si quando comentam algumas das atuações de um dos slammers ou quando não
concordam com a pontuação de algum dos júris, manifestam-se através da demonstração de desagrado.

Descrição dos Slams:

Os temas abordados nos poemas abrangiam tanto os problemas pessoais dos/as próprios/as slammers,
problemas gerais da sociedade e opiniões próprias acerca da política. Quando um(a) slammer declamava
o silêncio era total.

Um grande número de slammers leu o seu poema a partir de um papel, e até em dois casos
telemóvel. Esta ajuda por vezes nem sempre era bem aceite, apesar de não haver manifestações de
desagrado ou gozo (fora um caso em particular) quando estes/as declamavam com o apoio do registo
escrito, algumas das pontuações mais baixas foram atribuídos a estes slammers.

Relações Público-Slammer:

A nível de distanciamento físico, quase não existia, o palco era no chão e, como a sala era pequena, o local
onde o slammer fazia a performance e as mesas não era grande. A única barreira física que havia entre o
público e o slammer era o tripé do microfone.

Os aplausos foram dados em todas as atuações dos slammers. Nunca nenhum slammer foi vaiado,
mesmo na atuação que teve pontuação mais baixa. Contudo, durante a atuação desse mesmo slammer
ouviram-se risos (possivelmente de gozo) quando este se enganou a ler o poema a partir do telemóvel.

101
3º Dia

Local e data:

Dia 28 de Outubro de 2017, noite amena e ambiente descontraído no Chapitô.

Ambiente Pré-Slam:

Antes de nos deslocarmos até à sala de espetáculos, na qual decorreu a final, estivemos um pouco no bar
a confraternizar. Local onde ao nosso lado se encontrava um dos concorrentes – Mossoró – a ensaiar a
sua atuação dirigindo-se para os presentes na sala do bar. Este declamava poesia, gritava e exaltava-se
com as reações das pessoas. Mais perto do início do evento ficámos à conversa com o Mossoró e um
amigo seu à porta da sala, na qual iria decorrer toda a final do Portugal Slam. O tema central foi o Brasil e
a sua cidade natal.

Descrição do espaço:

Tanto os vários espaços de restauração como os restantes locais do Chapitô encontravam-se com
bastante afluência, nunca comprometendo a envolvência acolhedora e amigável que tanto o caracteriza.

As portas abriram-se e escolhemos de imediato os lugares mais atrás possível, de forma a


podermos colocar a câmara de gravação junta à parede do final da sala. As paredes pretas, a iluminação
em tons de roxo e branco, bem como as cadeiras em formato de estádio, com o próprio chão da sala a
desempenhar o papel de palco, concedia a todo este meio um ambiente moderno e de alguma maneira
vanguardista e artístico.

Descrição das pessoas:

As pessoas no espaço mostraram-se bastante heterogéneas, especialmente entre o público no qual


avistámos gente de variadas etnias, idades dissemelhantes desde os/as mais novos/as aos/às mais
idosos/as e também pouca discrepância entre mulheres e homens.

Entre os/as slammers a heterogeneidade era menos visível do que no público, tendo o homem
caucasiano sido o mais usual entre os participantes no concurso, tendo também a prova tido contado com
algumas mulheres caucasianas, e uma mulher e um homem afrodescendentes.

Descrição das interações observadas:

Os organizadores dos Festival explicam o conceito do Slam, apresentam os/a convidados/a


estrangeiros/a, os/as concorrentes e o apresentador da final. De seguida, inicia-se um teatro interpretado
pelos/a convidados/a estrangeiros/a. Estes/a também são slammers nos seus países de origem, e as suas
atuações foram feitas nos seus idiomas nativos.

Tocaram em temas como a liberdade de expressão, fugir das amarras da opressão e a libertação
da arte como veículo de expressão máximo da liberdade. Bastante expressivo e dramático, o miniteatro

102
interpretado por estes/a envolveu o público que atentamente os contemplava em ação. De relevar que
os/a atores/a para além de um grande sentido de compromisso com as personagens que encaravam,
também apelaram à participação do público, tendo mesmo chamado alguns membros para o meio da
atuação. O final catártico ocorreu quando todos em uníssono protestaram contra a “cegueira mental”,
metaforicamente expressa no palco por uma venda nos olhos, representando claramente a frase: “o pior
cego é aquele que não quer ver”.

Descrição dos Slams:

Começa o concurso, os participantes entusiasmados no canto à nossa esquerda, sentados no chão ou


nervosamente de pé aguardando a sua vez e escutando as performances dos seus parceiros de painel.
Uns slammers recorreram a performances mais interpretativas do que propriamente poéticas, outros
levaram poemas de cariz interventivo, no qual o foco se destinava claramente à mensagem e nem tanto
à performance, e por fim, tivemos exemplos de simbioses entre ambos os registos – poema e
performance. Analisando outras perspetivas da atuação dos/as slammers, tivemos também participantes
que leram os seus poemas com suporte de papel ou digital, enquanto outros/as decoraram os versos e
recitaram sem recorrer a nenhuma base de apoio.

Relação Público-Slam:

A escolha do Júri foi um momento bastante divertido e interativo, tendo o apresentador dinamizado os/as
espetadores/as a terem vontade de fazer parte da equipa avaliadora dos/as concorrentes. Este explica as
regras do concurso: Cada slammer possui 3 minutos para cada poema, e a sua pontuação será definida
com base no barulho final vindo do público, (através de um barulhómetro) da pontuação do júri e das
penalizações (ou não) do tempo excessivo a recitar o poema.

O ambiente no público e a relação público-slammers-organização esteve sempre bastante


próxima umas das outras. Tivemos momentos de silêncio solene, na proclamação de alguns poemas,
tivemos aplausos, risos, interações como suspiros de espanto ou de entusiasmo, também dependendo do
que os/as slammers diziam ou faziam. Esta variedade de reações nunca chegou a incomodar os
participantes porque vinham sempre nas alturas certas, sem ninguém interromper um recital para ter
uma reação inadequada. O respeito foi sempre mútuo. Um problema que foi quase recorrente durante
todas as atuações ocorreu com a contagem dos pontos da Júri, quando o apresentador se enganava
muitas vezes (por pouca visão dos quadros apresentados pelos avaliadores) nas pontuações e o senhor
que anotava as mesmas ser induzido em erro. Esta situação foi corrigida com o próprio senhor que anota,
verificar por ele as pontuações concedidas pelo Júri.

Entre a meia-final e a final existiu um breve intervalo de descompressão, no qual se ajuntaram


pessoas a conversar sobre o que tinham acabado de assistir. Existia um enorme espanto pelas
performances, e os/as próprios/as slammers eram incluídos/as nas conversas, existindo assim uma certa
cumplicidade e sem complexos por estes/as serem “as estrelas” do momento.

Voltados do intervalo, reatámos os lugares naturais e assistimos à final entre o Luís Perdigão e o
Ricardo Blayer, os dois grandes finalistas do Festival. A competição entre ambos foi apertada, tendo o Luís

103
despoletado reação mais efusiva do público, porém Blayer não lhe ficou muito atrás, tendo sido
penalizado por ter excedido o tempo num dos seus poemas. No fim, a prova foi vencida pelo Perdigão
que foi muito acarinhado tanto pelo público, como pelos próprios parceiros de prova, incluindo o Blayer
que o saudou com um caloroso abraço.

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Anexo 4 – Relatórios de Campo

Relatório de Campo 1º Dia – Eduardo da Silveira Cabral

26/10/2017 – Pré Slam

21h58

- Cerca de 32 pessoas no público.

- Pessoas jovens (20s-30s), pessoal na casa dos 40 (maioritariamente), contudo existe gente de todas as
idades.

- Não existem barreiras entre o “palco” e a plateia

- Slammers sentam-se junto ao público.

- Evento bastante informal.

- O público senta-se em mesas de 4 a 5 pessoas.

- A maioria das pessoas vêm acompanhadas.

- Certos membros da coordenação interagem amigavelmente com os membros do público.

- A maioria das pessoas consome bebidas alcoólicas, como gim e cerveja.

22h02

- Chegaram demasiadas pessoas para os lugres disponíveis, ao ponto de terem que trazer cadeiras da
rua para algumas pessoas se poderem sentar.

- Li Alves após interagir com o público explica as regras do festival.

- Existem slammers da Itália, Franças, Inglaterra, Equador, Espanha e Senegal.

- Vão criar uma peça em conjunto

- O estabelecimento está cheio de pessoas de diversas etnias e estilos, vestidos de maneira informal,
mas diferente.

22h04

- Cada vez chegam mais pessoas.

22h07

- Li Alves tem uma dinâmica com o público.

- Afonso Mata interage amigavelmente com o público de maneira a gerar entusiasmo.

- Após apresentar o nome dos/as slammers declama uma parte de um poema inspirado na “Morte Saio
à Rua” de Zeca Afonso.

105
- Enquanto ele declama ninguém fala, silêncio total.

- Performance com variação de emoções.

- Declama com muita convicção.

22h13

- Foram escolhidos os jurados, um deles só falava Inglês.

- Tiago Tecelão voluntaria-se para o júri.

1º Slammer – Carlos Mossoró

3, 2, 1, Slam!

- Poema só tem palavras que começam com a letra S.

- Poema animado.

- Jogo de palavras.

- Assim que o poema termina começa uma grande azáfama à volta do voto. Muito barulho, muita
conversa.

- Afonso Mata chama o próximo slammer que é amigo de longa data.

- Continuam a chegar mais pessoas.

2º Slammer – Senhor Africano de meia-idade (não foi possível perceber o nome)

- Antes de declamar agradece de forma artística e humorística.

3, 2, 1, Slam!

- Poema começa com um cantarolar de uma música de estilo Africano.

- Poema é uma história contada na primeira pessoa sobre imigração e as dificuldades associadas.

- Imigrante africano enfrenta constrangimentos como racismo e precariedade.

22h26

- Houve menos azáfama nesta votação.

3º Slammer – Hugo Pereira

3, 2, 1, Slam!

- Este slammer lê do papel.

- Poema é uma espécie de teatro com um só ator com vários papéis, em que o slammer representa
várias personagens.

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- Poema é uma história pessoal.

22h30

- Após o final deste poema Afonso Mata agradece aos Patrocinadores do evento.

- Durante esta parte o público perde o interesse, e fala bastante, parece não estar a prestar atenção e
ignora o apresentador.

4º Slammer – Carla

3, 2, 1, Slam!

- Poema energético e cómico.

- Slammer lê a partir do papel.

- Assim que acaba o poema o público resume a conversa.

- O público continua a conversar enquanto Afonso Mata explica o que se vai passar no dia seguinte do
evento.

4º Slammer – Gonçalo

3, 2, 1, Slam!

- Inicia o poema de costas para o público.

- A dada altura vira-se para o público.

- Lê poema a partir do telemóvel.

- Alguns elementos do público tentam conter o riso (tom de gozo talvez?)

- Muitas pontuações na casa dos 5 e dos 6, pontuação mais baixa até agora.

5º Slammer – Ricardo Blayer

3, 2, 1, Slam!

- Poema simula conversa entre mãe e filho.

- Declamado na primeira pessoa com muita emoção e convicção.

- Poema com tom muito pessoal.

- Pontuações bastante elevadas.

6º Slammer – João Beirim

3, 2, 1, Slam!

Outro amigo de Afonso Mata

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- Salmmer tenta interagir com o público de forma improvisada.

- Lê a partir de um papel.

- Poeta admite que se engana a ler, público ri com ele.

- Poema cómico que gera riso no público.

- Jogo de palavras, muita destreza.

- Final com muito movimento do corpo, especialmente no fim.

- Público zua quando à anunciada uma pontuação de 6,5, quando as outras todas rondam à volta do 8.

7º Slammer

3, 2, 1, Slam!

- Lê de um papel.

- Poema sobre ódio.

- Público ri quando poetisa diz asneira e “aprecia” o ódio.

- Poema emotivo.

- Afonso Mata explica que quando faltam 10 segundos para chegar ao final do tempo dão um toque na
mesa.

8º Slammer – Vitor

Outro amigo de Afonso Mata.

3, 2, 1, Slam!

- Poema é uma espécie de declaração de amor.

- Poema gera riso no público e nos coordenadores do evento.

- Quase que vira rap durante a declamação. [teatralidade/versatilidade artística]

- Aplausos bastante fortes.

- Existe algumas discrepâncias na pontuação, alguns jurados deram 8s e um 9, e outros deram 6.

9º Slammer – Nilton

3, 2, 1, Slam!

- Slammer apresenta poema pois este tem a ver com resistência.

- Lê poema a partir do telemóvel.

- Conta história em primeira pessoa.

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10º Slammer – Ismael

3, 2, 1, Slam!

- Lê poema a partir do papel.

- Poema sobre crime e corrupção.

- Omissão de crime.

- Poema com tom de gozo. Gera algum riso no público.

- Improvisou piada quando tempo acabou, pois não chegou ao final do poema.

Semi-Final (4 Slammers mais pontuados)

1º Slammer – Ricardo Blayer

3, 2, 1, Slam!

- História.

- Representa vários personargens.

- Acelera bastante no fim, muito mais emotivo.

- Passou 20 segundos do tempo, como consequência foram descontados 1,5 pontos.

- Pontuações altas acimas dos 8 pontos.

2º Slammer

3, 2, 1, Slam!

- Poema sobre as mulheres africanas.

- Pragueja os versos.

- Pontuações altas acimas dos 8 pontos.

3ª Slammer – Renata

3, 2, 1, Slam!

- Lê poema a partir de um papel.

- Poema comprido.

- Canta no meio.

4º Slammer – Mossoró

3, 2, 1, Slam!

- Poema sobre locura.

- Muito emotivo, muitos gestos.

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- Muita energia.

2 Finalistas

- Ricardo Blayer

- Mossoró

- Todos os Slammers vão ao palco para tirar foto

- É dito o nome de todos

- Não foram referidas as zonas que cada um representa nesta enunciação.

- Grande festejo por parte de todos, público, slammers e público.

Relatório de Campo 2º Dia – Eduardo da Silveira Cabral

Sexta-feira, 16h37, Sol, céu pouco nublado, dia de calor

Livraria Ler Devagar, LX Factory, Alcântara

- Cerca de 24 cadeiras

- Pouca afluência.

Palco:

- Palco alto.

- 5 Apresentadores/as na mesa.

- Sala com projetor

- Teto alto e curvo, como se fosse o interior de um barril.

- Parede com aproximadamente 6 metros de alturo, ponto central do teto aproximadamente 7-8 metros
de altura

- Piso de cimento em mau estado.

- Janelas amplas com muita luz natural.

- Piano no canto direito da sala.

- Boa acústica.

16h38

- Afonso Mata lê prefácio do livro.

- 11 Pessoas e um bebé a assistir, incluindo nós os 3, mais um fotógrafo.

16h43

110
- Chagam mais 4 pessoas

- Um dos slammers declama o seu poema do caderno, este fazia parte dos/as apresentadores/as na
mesa.

- Diversidade Étnica.

- Pessoas vestidas de maneira informal.

- Bebé grita durante os aplausos.

- Chegam mais 3 pessoas que conhecem um dos apresentadores/as.

- Diversidade etária, desde pessoas muito jovens a pessoas idosas.

- Igual número de homens e mulheres (aproximadamente).

- Outro Slammer, pertencente à mesa declama um poema seu do caderno.

- Este que não lê, já sabe partes de cor.

- Li Alves, membro da mesa, declama o seu poema do caderno.

- Sala cheia de Luz Natural.

Debate Mulher na Arte

17h20

- 5 Mulheres na mesa e um homem. Duas delas são moderadoras (Li Alves entre elas).

- Uma professora universitária.

- Algumas pessoas estão sentadas no chão devido à falta de cadeiras [popularidade crescente,
superação das expectativas da lotação]

17h24

- Debate está a ser filmado.

- Há consumo de álcool

- 17 membros no público, contando connosco e 2 fotógrafos.

18h02

- Um dos membros do público é italiano, e outro Inglês (ambos slammers)

- Plateia está a esvaziar à medida que o tempo passa.

18h08

- Membro do público intervém para saber o porquê de haver menos mulheres que homens no Slam.

- Marinho intervém pela 2ª vez.

111
18h13

- Mostram 2 vídeos de Slammers estrangeiras.

- A primeira é brasileira, tem 18 anos e fala do papel da mulher na poesia. O slam é uma escapatória e
reforça a importância de as mulheres fazerem-se ouvir através da arte. Atualmente existe mais
representatividade mas ainda há um longo caminho a percorrer.

- A segunda é palestiniana refugiada no Dubai, fala várias línguas, sendo o português uma delas.

- Fala das suas dificuldades por ser mulher, por viver no Dubai.

- Quer trazer a língua árabe ao Slam.

Relatório de Campo 3º Dia - Tiago Tecelão

- Dia 28 de Outubro de 2017, noite amena e ambiente descontraído no Chapitô.

- Sentamo-nos nos bancos mais atrás possível de forma a estarmos perto da câmara.

- As paredes são pretas, as luzes brancas e roxas e o chão é o palco.

- Heterogeneidade no público (etnia, género e faixa etária), e menos entre os slammers.

- Os organizadores explicam o conceito do Slam e as suas regras.

- Os convidados slammers estrangeiros iniciam um teatro.

- O teatro foca a liberdade expressão e as vendas nos olhos dos atores representam a “venda mental”.

- Os slammers sentam-se no chão ou em pé à nossa esquerda, aguardando a sua vez.

- A interação entre o apresentador do Festival e a audiência é grande e saudável. Muito divertido e


descontraído.

- Começam os slams. Silêncio total na sala.

- O barulhómetro é um sucesso.

- Confusão com as pontuações do júri.

- O público vai reagindo a alguns slams com palmas, risos ou espanto.

- Tempo para intervalo.

- Final entre Ricardo Blayer e Luís Perdigão. O público delira com as suas atuações.

- Final apoteótico com o público em êxtase e grande ambiente entre slammers e público.

112
Anexo 5 – Poemas

Blayer – Mãe

Sim, mãe! Estou bem. Sim, mãe, estou bem.

Sim, ser bem.

Ser bem assim é bom,

É bom para mim.

A minha semana foi boa, fiz as coisas que eu faço,

Ninguém me magoa quando fico no meu espaço a fumar ganzas,

A comer atum direto da lata, aconchegado em lembranças

Esquecendo o que me falta.

O meu trabalho não é mau,

Ali sou bem tratado, não se esquecem do mingau,

Pagam sempre o combinado.

Deixam-me sair mais cedo nos dias de mestrado.

Mãe…

Tenho cada vez mais medo que as coisas não corram bem.

Que perca a vontade de falar com alguém.

Que peque por ingenuidade quando elogio a minha solidão,

Chamar de retiro há minha prisão.

Fugir ao frio, habituar-me à desilusão.

Eu ainda escrevo!

Eu ainda digo que sonho, mas

113
O que escrevo de relevo

É demasiado medonho

Para pôr no papel, para tirar da pele.

É um vómito que me afoga o peito,

É algo que não merece respeito.

Eu sei que não,

Posso acreditar em vão

Na providência da autossuficiência que me tentaste ensinar

E eu gosto de acreditar que não ouves o choro no meu riso…

Que acredites mesmo de que nada preciso.

Que eu acredito em ti quando me dizes estar bem, mãe.

Não deve ser verdade.

Os teus projetos enfraquecem com a idade,

A maternidade não te devolveu o investimento,

Criaste alguém com medo do sentimento.

Sempre compensa os excessos do teu casamento,

Que não falhou a falhar.

Não te poupaste a tentar e ver no que deu,

Desculpa, mas não me convenceu.

A acreditar n’algo que nunca aconteceu,

A tentar conquistar o que ninguém me prometeu.

Mãe!

Eu sou só eu, e estou bem.

Eu espero a morte, e vou bem.

E ainda não desisti

De demonstrar que ensinaste o que é melhor para mim.

114
Sim mãe! Estou bem.

Sim mãe, estou bem.

Sim, ser bem.

Ser bem assim é bom,

É bom para mim.

Bruno Santos – Migra Antes do Despejo

Elevam-se metros muralhados.


Muros, assim chamados,
erguem-se farpados
acima de olhares cravados
no chão.
Sós na sofreguidão
de não saberem se serão
separados se pararem
de sonhar.
Ou se por acaso
fizerem uma pausa
apenas para
respirar.
Se o ar virá a faltar,
preso na respiração
suspensa
de um suspense nas águas
atravessadas.
Águas travessas
abundantes em travessuras.
Onde antes se faziam cruzeiros
para locais de peregrinação
hoje peregrinam sem direcção
sepulturas.
Sepulcros flutuantes
com meros migrantes,
e mais imagens distantes
migram para a mente

115
vindas da televisão.
Parecem pura fantasia
de tão longe que estão,
mas quem diria
da agonia atroz
de trinta humanos
que morreram sem voz
nas traseiras de um camião.
Na travessia traziam
crianças pela mão.
Esperanças embaladas
ás costas,
misturadas com os cacos
das casas deixadas e depostas
por impostores
que fazem valer os seus valores
pela força da violência.
Todos vimos a inocência
dos olhares infantis,
de infantes febris
resgatados dos ardis
da fuga das pessoas
desprovidas de país.
Nada para trás
e nada adiante
no silêncio gritante
de cada governante
que assiste conformado
enquanto insiste em assobiar
para o lado.

Por cada humano que perece


soma-se uma hipótese que se desvanece
e se dá por vencida
de ainda haver chance de salvar
a nossa Humanidade perdida.

Os erros cometidos no passado


são pontos juntos num tracejado
que há muito vejo
a ponto de se tornarem
um risco indesejado.
O que deveras não desejo
é que o destino que procurou

116
esta gente encontrada morta,
um dia não nos bata a porta
com uma ordem de despejo.

Filipa Borges – Metropolitano

O metropolitano

Purgatório ascensional

Caixão vivo onde a putrefacção se exprime, infinita

No confronto humano do olhar intrusivo e preconceituoso

Metropolitório

Purgatório de vísceras purificadoras

Viagem ao Hades… O reino dos mortos

Próxima paragem: IntenDANTE

E a Divina Comédia Urbana

Assim se dá a travessia no estígio rio

É aqui, nos alicerces da cidade

Que se dá o Julgamento

Cárcere da humanidade agrilhoada

Pela rotina decompósita e fétida

Onde os dias, sempre iguais, se consomem

Aprisionados às linhas insípidas do horário na agenda

117
É a escravatura festejando-se a ela própria

Contemplando belas paisagens de negrume ensurdecedor

E as multidões afunilando vontades e desejos

Nas cancelas do submundo citadino

Somos estrangulados por longos túneis infernais

É a correria urbana eternamente multiplicada

Sem início ou fim, omnipresente

Da Cidade purgatória

Ao Cais do Sopé Abismal

Onde os Titãs repousam

E os monstros marinhos

Atormentam as Tágides Camonianas

Passamos por Roma – O Amor Invertido

E lá nos viramos do avesso

Mergulhamos nas profundezas

Olhamos para dentro, bem fundo

E depois, mais à frente, paramos nos Anjos

Lá se dá a redenção

Purgamos nossos pecados e demónios

Tal como a Fénix, ressurgimos das cinzas

Morremos e renascemos

Quotidianamente

Eternamente

Li Alves – Deus na Gaveta

118
É importante falar de Deus quando passamos a vida a refutá-lo

Sem ter em conta que no dicionário Deus é,

Enfim,

Só uma palavra.

Um substantivo

Criativo

Para quando a tua vida está na merda e lembraste que Deus

Afinal pode existir

(…)

Vês as notícias no ecrã do telemóvel;

Corpos flutuam no mediterrâneo.

“Trampas” fazem discursos ofensivos mas presidenciais.

Furtos estão agora autorizados no bolso no teu salário.

E sem perder um segundo do teu horário

Culpas o Deus em quem nunca acreditaste.

Erradicas a possibilidade de ele existir…

Porque seria impossível isto acontecer s’ele tivesse os olhos

119
Postos na Terra.

(…)

Mas é fascinante ver quando ele volta a aparecer

Na tua vida.

Normalmente vem num cancro aleatório, por obra do Diabo

E Deus supostamente é mais forte; devia travá-lo!

E sem querer tu rezas sem pensar duas vezes:

Avé Maria cheia de graça,

Que Deus me livre da desgraça

Que Deus me traga mais esperança

Que Deus me leve na lembrança…

… Nessa crença egoísta que só se manifesta quando precisas que te tirem do buraco.

Fraco,

Aquele que não assume a sua falsa fé.

E é por isso, que eu guardo o meu Deus na gaveta

E sei muito bem quem ele é.

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Luís Perdigão – O Senhor Edmundo

Visão emergente

De contrariar a corrente

Cultura é urgente

Para essa gente

Que tem estado

Num estado demente

Trago versos em formato lanterna

Para vos tirar da caverna

Ah, mas que se lixe

Agora o António é que é fixe

Hoje é sexta-feira

É dia de bebedeira

Brindemos com Champagne francês

E Whisky escocês

Brindemos a esta alienação

E ao Futuro da nação!

Universal é falar inglês

Communicate in the rede social

Advertise Marketing Digital,

121
Dígitos.

E eu que escrevo à mão

A lápis de carvão

Sou tão animal

Sou tão boçal

PHSIU… ESCUTA…

Essa massa não é massa que se coma

é massa que passa

Desgraça

Ilusão

Fumaça

Cidade podre

Corrompida

Ao metro quadrado vendida

Chama um alfaiate para fazer um fato à medida

Dessa descabida ambição

E não esquecer o bolso de dentro bem fundo…bem fundo…

Olhem só, é o senhor Edmundo!

Num italian suit

É Armanni

And it’s so funny AH AH AH AH AH

122
“Mas não tem graça!

Porque tagliatelle é bom

Mas não é massa para o povo

O menino veja lá onde é que se mete

É tudo uma questão de semântica

Para o povo é esparguete

E isto é tanta massa, tanta massa que o ultrapassa.”

Marinho Pina – Saudades da Utopia


Deus do céu! Que saudades! Sinto falta daquele tempo quando as pessoas eram apenas pessoas, não
eram más, nem boas, nem sãs, nem loucas, a gente era só gente e nada mais que gente.

E não havia gente gay, nem gente lésbica… nem heterossexual, homossexual, bissexual, pansexual,
assexual, transexual, travesti, transgénero, cisgénero, queer, ou monogâmica, poligâmica, poliândrica,
poliamorista, voyeurista, exibicionista, nada de istas. Só existia gente, gente que fodia quando queria, com
quem queria, quando podia, é claro, com acordo, ou não fodia de todo, evitando assim que assim nascesse
gente de mente doente como os Donald Trumps, os Kim Jong Uns, os Erdogans e mais alguns.

E também não nasciam os padres, os pastores, os papas, os rabis, os pregadores, ou os ayatolas, que nos
lavam toda a tola e nos separam em cristãos, muçulmanos, protestantes, judeus, ateus, fariseus,
hinduístas, budistas, xiitas, jeovás ou adventistas.

E não!… É treta! Não existia gente preta… nem gente castanha… nem gente vermelha ou gente amarela,
nem essa gente cor-de-rosa que com toda a força se chama a si própria de gente branca.

Não havia gente portuguesa, nem gente brasileira, nim djintis guinensis, nem persone italiane, ou
american people, pois não existia essa coisa fictícia chamada fronteiras, nacionalidade, bandeiras ou a
puta que os pariu.

123
E não existiam putas… nem santas, nem puras… mas cabrões?!, ahn!, sempre existimos.

Agora estamos separados e classificados em gente legal e gente ilegal, porque um pedaço de papel
determina quem tu és, ao que é que vens e o que podes ser.

Mas mesmo sem um visto… eu existo…

mesmo sem visto… eu existo.

Não tenho saudades disto! Mas saudades daqueles dias quando eu pertencia à terra onde nascia, e não
vivia na anomia sem possuir uma cidadania. Eu nasci em Portugal, sou português, ponto final. Não, sabem
por quê?… porque isso não existia.

Tenho saudades daqueles dias onde gente racista não me chamava de parasita, não me chamava de
imigrante, dizendo de forma gritante que vim tirar o seu trabalho, mas que caralho! É como se eu adorasse
limpar a merda das suas casas de banho, e adorasse cortar tomates nos macdonalds, e bulir ali nas obras,
e fazer as merdas dos trabalhos de que nem eles gostam… e mal pagos ainda por cima. Ai, que vida!

Tenho saudades daqueles dias onde a sexualidade, a nacionalidade, a religião, ou outra questão como a
raça, era mera fumaça, não este fogo de ódio que nos consome todos os dias.

Sim, tenho saudades daqueles dias, dias que nunca existiram… mas, sabem? Tenho fé numa utopia.

Nuno Piteira – Palavras feias

Não digas um: “Puta que pariu”

Quando na televisão

Milhares de crianças vão.

E entre as garfadas do teu empadão

Dizes que cada um tem aquilo que merece.

Pois a mim não me parece.

E não me apetece ser tolerante com as tuas ignorâncias,

124
Estâncias mentais.

Não digas um: “Fodasse!”

Quando o Trump ganha as eleições,

Quando o papa nas suas vestes vem dar perdões às mulheres que fizeram e irão fazer abortos.

É de loucos!

As mulheres assassinadas pelos companheiros,

“Estás bem mano?”

A tua liberdade está bem?

A liberdade que nunca a viste, nunca a sentiste,

Nunca aqui existiu.

Para ti o ato revolucionário é não meter a colher,

Não fazer ondas.

Assistir a tudo por detrás das órbitas,

Mórbidas.

Estás seguro, estás seguro pelos fios e não notas.

Notas que são o teu tempo, pagas em tempo

E o vento e dizes: “está fresco”.

O Natal deve ser lixado em Alepo,

Na Palestina, na China e no Afeganistão,

Na Favela da Cidade de Deus,

O samba não morreu, minha gente. Mas sofre.

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Bala perdida não avisa a criança da morte.

Mudamos para um mundo mais justo,

Desde que se alarguem as estradas e todos os dias sejam Black Friday’s.

E que haja super luas e dias para toda a merda que se quiser!

Dia da mãe, dia da mulher, dia da beleza, dia da cura, dia do santo,

Mas nenhum dia da puta.

Comboio de cabrões.

Não digas um “vão-se foder” às mordomias

Das chefias.

Enquanto tu escavas, desbravas e por fim te matas a fazer o buraco da piscina.

Essa é que é a tua sina.

O do ter e não ter, o do “sim, senhor” e “sim, senhor”

E mais te dobras, vejo que fazes yoga.

Piu!

Não tens brio.

Pias, acreditas em ideologias.

Morfinas, tentações.

E sentado à mesa dizes: “um homem não chora, só em funerais”.

Não chora, a merda!

Chora e só quando chora se torna homem.

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Chora para não cegar,

Vomitar emoções nunca foi fácil, ser reto também não.

Pão de 15 dias, só lhe falta manteiga.

Mas tu estás mal, mas estás bem?

Quando respondes: “estou bem”.

Dizes, mentes.

Natal em Alepo é mais fingido.

O teu grito por justiça é sumido.

Julgas o vizinho mas nunca o teu espelho.

Ensinas as crianças a poupar o dinheiro,

Mas nunca o partilhar.

E o herói no fim pode sempre matar, não é?

O herói no fim pode sempre matar.

“Palavras feias.”

Feias são as tuas frases!

Feias são as tuas frases, não as letras ou palavras, ou merda alguma.

Feias são as expressões quando desfazes em juízos os pretos, os monhés, as lésbicas, homossexuais,
transexuais.

“É tudo anti-natura” – dizes.

Tu és melhor. Tu és o maior…

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E juntas as mãos e rezas ao teu Deus que leve esta gente daqui pra fora,

Nunca mais chega a hora de estares na terra como no céu.

Joelhos esfolados, lábios calados e um véu,

Sobre a alma.

Natal em Alepo é mais dantesco,

Um presépio de escombros.

Foges mas não aceitas quem faz melhor.

Finges que não foges, finges que não finges que foges

Mas foges e finges que aquilo que ouves a tilintar nos bolsos

São ainda os teus berlindes misturados com as migalhas do medo.

Aí havia tempo.

O ponteiro dos segundos dormia,

Palavra feia não existia,

Nem havia juízo ou prejuízo.

O sol era lucro!

Não era, puto?

Subir às árvores, duas mãos e cuspo.

E agora submisso à tua regra e adulto

De livre vontade entregas os pulsos

E algemaram-te ao conforto e à segurança.

E tu enches a pança.

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E a dança pra ti já é um custo.

O teu discurso de distância é violento.

E o vento, já sei, dizes: é fresco.

E tudo em ti é árido e seco como Alepo

E vens tu com essas ocas e quinadas ideias.

Pois podes ir à merda,

Tu e as palavras feias.

Rita Capucho – Número

Levantei-me, liguei a televisão e de repente comecei a ouvir,

Diziam:

“70 mil pessoas com curso superior recebem menos de 600 euros”

Percebi e senti que era de mim que falavam,

Eu era uma dessas 70 mil pessoas.

“344 mil recebem o salário mínimo”,

Falavam de mim novamente.

“416 mil mulheres vivem sozinhas com os filhos”

De novo, falavam de mim.

“500 mil emigraram”, não falavam de mim,

Mas falavam do pai da minha filha.

“55% dos jovens perto dos 30 anos ainda vive em casa dos pais por não conseguir ter independência
financeira”

Não era de mim que falavam mas era do meu irmão.

“13% da população está desempregada”,

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Não era de mim que falavam mas era do meu pai.

“3 milhões de portugueses vivem no limiar da miséria”,

Não era de mim que falavam, pois ganho mais 50 euros, já não faço parte desse número.

Mas falavam da minha mãe, da minha avó e de todos os outros.

“30 mil pessoas passam fome em Portugal”.

Não era de mim que falavam, nem dos meus

Mas era daquela mulher que no outro dia eu vi entrar na cantina social.

“5 mil sem abrigo em Portugal”

Não era de mim nem dos meus que falavam

Mas era daquele homem que no outro dia vi a dormir na rua.

Falavam de mim e dos meus irmãos, eu era o número,

A grande notícia, a manchete; senti-me especial.

Um entre milhares, todos um número. A grande notícia.

Uma triste notícia, deste triste país.

Acho que devíamos receber uma medalha por estarmos neste país e aguentar toda a merda,

Uma medalha para o precário bem comportadinho que não se revolta,

Uma medalha!!

E aí eu comecei a gritar:

E EU? E OS MEUS?

E NÓS?!

Eu! Tu! Ele! Nós! Vós! Eles!

Nós merecemos.

Nós queremos dignidade, fraternidade, liberdade.

Nós queremos e merecemos,

Deixar de ser um número,

Passar a ser gente.

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Anexo 6 – Guião das Entrevistas

Guião de entrevistas à organização Portugal SLAM

Ponto 1: Como se formaram, de que forma se organizam e de que forma a plataforma surge como
mediadora das diversas comunidades locais;

Ponto 2: Heterogeneidade dos constituintes da comunidade portuguesa de Poetry Slam – desde os


slammers ao público – explorar relação e dinâmicas entre o público e os slammers;

Ponto 3: Importância que o indivíduo atribui a representar a comunidade portuguesa de Poetry Slam.
(Identifica-se com os outros membros? Existem outros eventos e momentos de encontros para além do
festival e das noites de Slam?);

Ponto 4: Explorar a possível necessidade e estratégias da plataforma promover o Poetry Slam e os


slammers de forma a ganhar maior visibilidade e familiaridade – Caderno Poético;

Ponto 5: De que forma a plataforma se envolve com comunidades de outros países e a sua possível
envolvência no campeonato europeu de Poetry Slam;

Ponto 6: Papel dos movimentos artísticos, como o Poetry Slam, na sociedade, na política, nos meios de
comunicação, etc;

Ponto 7: A importância desta prática enquanto promotora de consciencialização – quais os critérios para
escolha de um tema?;

Ponto 8: Como fazem a divulgação e a escolha dos espaços e quais os critérios para escolha dos espaços
(notoriedade do espaço?).

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Guião de entrevista aos slammers:

Ponto 1: Importância da escrita, da poesia e/ou das artes performativas na vida do slammer.

Ponto 2: Primeiro contacto com o Poetry Slam, como passou a conhecer esta prática, impressões iniciais
e como e quando passou a participar.

Ponto 3: Explorar o ambiente e dinâmicas de competitividade/camaradagem e sua relação com os outros


slammers.

Ponto 4: Importância da “sua zona”. Compreender se é importante para o slammer representar a sua
cidade e qual o ambiente que se vive nessa cidade no que concerne ao Poetry Slam.

Ponto 5: Importância que o indivíduo atribui a representar a comunidade portuguesa de Poetry Slam.
(Identifica-se com os outros membros? Existem outros eventos e momentos de encontros para além do
festival e das noites de Slam? Sente-se parte desta comunidade?);

Ponto 6: Importância do Poetry Slam na sua vida e tentar compreender se esta é uma esfera da vida do
slammer que ele partilha com as outras pessoas – fala abertamente sobre a prática com a
família/amigos/conhecidos? Apresenta-se e assume-se enquanto slammer? Tenta introduzir o Poetry
Slam a outras pessoas?;

Ponto 7: Tipo de poesia declamada pelos slammers e os temas que mais abordam – compreender a
intenção do slammer com um determinado tema/abordagem (relatar a sua vida/sentimentos? Pretende
participar ativamente para a consciencialização sobre um determinado tema? Surge como “grito”,
oposição a alguma questão que considera importante para si?);

Ponto 8: Papel dos movimentos artísticos, como o Poetry Slam, na sociedade, na política, nos meios de
comunicação, nas escolas, etc.

Ponto 9: Qual a sua perceção e opinião relativamente à plataforma Portugal Slam, à comunidade local a
que pertence e à própria competição.

Ponto 10: Expetativa do indivíduo face à sua atividade dentro do Poetry Slam.

132
Anexo 7 – Grelha de Observação

Questão orientadora do olhar

Local - “Largo Café Estúdio” Intendente – 26/10;


- Livraria Ler Devagar LX Factory, Alcântara – 27/10;
- Chapitô – 28/10
Data e hora - 26/10 – 21h30 – 23h30;
- 27/10 – 16h – 18h;
- 28/10 – 21h30 – 00h30
Ponto de observação - Na plateia em todos os casos.
Descrição espacial do ponto de observação - Estado de conservação do espaço;
- Notoriedade do espaço
Disposição das pessoas no espaço - Como se organiza a direção e coordenação do
evento.
- A maneira como o público se organiza. (estão
sentados, de pé, todos em frente ao palco,
dispersos, etc.)
- Dinâmicas e movimentações das pessoas ou
grupos no espaço.
Descrição geral das pessoas no espaço - Indumentária;
- Nível de Multiculturalidade.
- Diversidade etária.

Relações Público-Slammer - Proximidade/distanciamento (metafórico e


literal)
- Barreiras físicas e simbólicas entre palco e
Plateia.
Descrição das interações observadas - Círculos de interação;
- Inter-relações entre os atores.
- Grau de proximidade.
- Dinâmica perdedor/vencedor (reconhecimento,
desportivismo);
- A maneira como o público interage entre si.
Descrição das ações observadas - Descrição geral dos comportamentos dos
indivíduos.
- Presença de aplausos, silêncios, assobios,
claques;
- Temas abordados nos poemas.

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