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Dissertação apresentada em
cumprimento às exigências do
Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião, para a obtenção
do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Jung Mo Sung
AGRADECIMENTOS
A Deus.
Aos meus pais, Rita e Abilio, por me educarem na fé cristã.
À Lirian, minha esposa, pelo incentivo e paciência.
À Paula Giovanna, minha filha, por existir.
À Fundação “Mary Harriet Speers”, pelo apoio financeiro inicial.
Ao Instituto Ecumênico de Pós Graduação, pelo apoio financeiro em dias difíceis.
Ao Prof. Dr. Jung Mo Sung, pela orientação precisa, segura e clara e pela
compreensão nas horas difíceis.
Aos colegas e professores da área de Práxis Religiosa e Sociedade, pela feliz
caminhada juntos.
Aos membros e amigos da Igreja Presbiteriana Independente de Americana, por
abrir mão, por muitas vezes, dos meus préstimos como pastor durante a confecção
desta dissertação.
5
RESUMO
RESUMEN
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
2.1. O humanismo......................................................................................................26
3. Solidariedade e Competência................................................................................68
4. Solidariedade e Espiritualidade..............................................................................79
9
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................129
10
A Suíça do século XVI, desde muito antes de se poder falar em Reforma, seja
ela de caráter social ou religioso, já experimentava transformações históricas e
sociais que suscitavam na população anseios de liberdade. E estas transformações,
bem como os anseios de liberdade que delas resultavam alcançariam a cidade de
Genebra, palco de uma das maiores reformas social, econômica, política e religiosa
de todos os tempos. Segundo Biéler, “os movimentos sociais e religiosos na Suíça
determinam, em larga medida, a história de Genebra e de Calvino”.1
2
Cf. BIÉLER, André. Op. cit., p. 69.
3
Idem.
4
SILVESTRE, Armando Araújo. O direito de resistir ao Estado no pensamento de João Calvino, p. 46
–Tese.
5
Cf. GAMBLE, Richard C. Suíça: Triunfo e Declínio. In: REID STANFORD, W. Calvino e sua
Influência no Mundo Ocidental, p. 63.
12
6
BIÉLER, André. Op. Cit., p. 84-85.
7
MAcGRATH, Alister. A Vida de João Calvino, p. 107.
8
SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., pp. 26-27.
9
Cf. GAMBLE, Richard C. op. cit., p. 41.
13
10
Cf. SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., pp. 47-50.
11
DURAN, Will. A História da Civilização VI – A Reforma, p. 390.
12
MAcGRATH, Alister. Op. cit., p. 108.
13
IRWIN, C. H. Juan Calvino: su vida y su obra, p. 25.
14
DURAN, Will. Op. cit., p. 390.
15
ESTRELLO, Francisco E. Breve Historia de la Reforma, p. 38.
16
FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia, p. 78-79.
17
SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 12. “Referência negativa aos mamelucos orientais que
preferiam ser escravos ou servos a viver em liberdade”.
14
Para dar um fim a este confronto, o Bispo Pierre de La Baume faz aliança
com Charles III, Duque de Sabóia que envia tropas para atacar Genebra, em 1535.
Os magistrados denunciam o Bispo a Roma, que ignora a denúncia. Em
contrapartida, Genebra funda sua própria Casa da Moeda, proclamando, assim, sua
independência frente à hierarquia romana.21
Mas, a liderança política genebrina não aceitou o domínio imposto pelo Duque
de Sabóia, e para refuta-lo, faz aliança com Berna e Friburgo optando assim, pela
Confederação Suíça. Esta opção dá a Genebra grande impulso no seu movimento
pela independência, atraindo para a cidade muitos reformados, entre eles, para citar
18
MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 109. Segundo o autor, “a palavra suíça-alemã para “confederado”,
Eidgnoss, provou-se praticamente impossível de ser pronunciada no dialeto de Genebra (...) A
expressão eiguenot ou eyguenot representa a tentativa feita pelos moradores de Genebra para
reproduzir a palavra usada para “confederado” (Eidgnoss).
19
“Em julho de 1291, os cantões de Uri, Unterwalden e Schwyz uniram-se contra os Habsburgos
numa aliança que lhes garantia ajuda mútua perpétua e tornou-se o núcleo da Confederação Suíça.
Novos aliados logo se uniram à confederação: Lucerna em 1332, Zurique em 1351, Glarus e Zug no
ano seguinte e Berna em 1353”.
20
MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 108.
21
Cf. GAMBLE, Richard C. Op. cit., p. 64.
15
alguns dos que mais se destacaram, Claude Bernard, Étienne Dada, Pierre e Robert
Vandel, Ami Perrin.22
22
GAMBLE, Richard C. Op. cit., p. 13. Vide nota de rodapé nº 7 deste capítulo.
23
Cf. SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 16.
24
Cf. MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 104.
25
apud BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 16.
26
MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 110.
16
áreas ao redor de Berna”,27 são uma denúncia deste fato. Durant afirma que antes
de sua chegada a Genebra, esteve ele
Por causa de seu estilo agressivo e por não poupar, nas suas pregações, de
seus vícios o clero, ficou conhecido, segundo Ferreira, como o “azorrague dos
padres”.29
27
WALLACE, Ronald. Op. cit., p. 21.
28
DURANT, Will. Op. cit., p. 391.
29
FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia, p. 77.
30
GAMBLE, Richard C. Op. cit., p. 63.
31
SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 15. Cf. nota de rodapé nº 13.
32
Idem. Ibidem, p. 14.
33
Cf. REID, W. Stanford. A Propagação do Calvinismo no Século XVI, p. 45.
17
No dia 8 de agosto de 1535, Guillaume Farel, que havia dado início às suas
pregações em Genebra em 153235, obtém permissão para pregar pela primeira vez
na Catedral de São Pedro e, dois dias depois, faz o mesmo perante o Conselho da
cidade. O resultado, segundo Ferreira, foi a explosão da “violência por parte da
massa popular, que invadiu a catedral de São Pedro e praticou atos de iconoclastia
e vandalismo”.36 Este tipo de violência se deve, obviamente, ao conteúdo anti-
católico das prédicas de Farel, que denunciava “o papa como Anticristo, a missa
como sacrilégio e as imagens de igreja como ídolos que deviam ser destruídos”.37
34
WALLACE, Ronald. Op. Cit., p. 21.
35
Cf. DURANT, Will. Op. cit., p. 391.
36
FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 76.
37
DURANT, Will. Op. cit., p. 391.
38
Cf. MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 112.
18
39
MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 105.
40
Cf. SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 14.
41
DURAN, Will. Op. cit., p. 391. Também Cf. IRWIN, C. H. Op. Cit., p.29; LESSA, Vicente Themudo.
Calvino: sua vida e sua obra, p. 70. McGRATH data o mesmo acontecimento em 25 de maio. Cf.
McGRATH, A. Op. cit., p. 115.
19
42
FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 77.
43
BIÉLER, André. Op. Cit., p. 86-87.
20
A começar pela população genebrina, esta era formada por cidadãos, ou seja,
pessoas nascidas ou batizadas por pais nascidos em Genebra; burgueses, ou
pessoas não nascidas em Genebra mas que adquiriam esse título, que era pago,
após longo período de residência na cidade; habitantes, isto é, estrangeiros que
residiam em Genebra, sujeitos às mesmas leis mas sem direito a voto e a
participação em cargos públicos.44
48
McGRATH, A. Op. cit., pp. 130-131. Ferreira diverge desta informação e afirma que o “Conselho
dos Duzentos” fora criado à imitação do governo de Berna, em 1526. Cf. FERREIRA, Wilson Castro.
Op. Cit., p. 76.
49
Idem, Ibidem, pp. 130-131.
50
SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 31.
51
BIÉLER, André. Op. Cit., p. 222.
22
2.1. O humanismo
55
McGRATH, A. Op. cit., p. 72. Grifos do autor.
56
Cf. CHAUNU, Pierre. O Tempo das Reformas (1250-1550): História religiosa e sistema de
civilização. – II. A reforma protestante, p. 55.
57
CHAUNU, Pierre. Op. cit., p. 56.
58
Cf. McGRATH, A. Op. cit., p. 72-73.
59
Idem, p. 56-57.
60
Idem, Ibidem, p. 73.
25
61
CHAUNU, Pierre. Op. Cit., p. 59.
62
REID STANFORD, W. A Propagação do Calvinismo no Século XVI. In: REID STANFORD, W.
Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 38.
26
Porque se pode afirmar que Calvino era um humanista? E ainda mais: que
seu humanismo era social e teológico? Para responder as perguntas acima, faz-se
necessário uma rápida análise da formação recebida pelo “reformador de Genebra”,
bem como da sua crítica à relação entre Igreja e Estado em Genebra.
João Calvino nasce “às doze horas e vinte e sete minutos do dia 10 de julho
de 1509, [...] filho de Gerard Cauvin e Jeanne de La Franc”65, na cidade de Noyon,
na província de Picardia, departamento de Oise. Era uma cidade eclesiástica, ou
seja, estava sob a direção do bispado.66 Gerard Cauvin se estabelece em Noyon no
ano de 1481, ocupando, nesta cidade, os cargos de “escrivão do governo, [...]
solicitador da corte eclesiástica, agente fiscal da região, secretário do bispo e
procurador do capítulo”.67
63
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino. – Trad. de A Sapsezian – São Paulo: Edições
Oikumene, 1970.
64
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 13.
65
FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 38.
66
Cf. CHAUNU, Pierre. Op. Cit., p. 201; DURAN, Will. Op. cit., p. 383; LESSA, Vicente Themudo. Op.
Cit., p. 19; ESTRELLO, Francisco E. Breve Historia de La Reforma, p. 34.
67
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 113. Cf. IRWIN, C. H. op. Cit., p.
10.
68
FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 37.
69
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 114. “Benefício ou rendimento
de uma função eclesiástica”. Cf. nota 211; também: ESTRELLO, Francisco E. Op. Cit., p. 34; IRWIN,
C. H. Op. Cit., p. 10.
27
que irá garantir-lhe o sustento dos estudos. Assim, aos 14 anos é enviado a Paris,
em 1523, onde estuda durante cinco anos nos colégios de La Marche e de
Montaigu, da Faculdade de Artes da Universidade de Paris.
70
Cf. IRWIN, C. H. Op. Cit., p. 10; DURANT, Will. Op. cit., p. 383; FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit.,
p. 34.
71
Cf. FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 43.
72
DURANT data sua formação em 1531. Cf. DURAN, Will. Op. cit., p. 384.
73
Cf. CHAUNU, Pierre. Op. Cit., p. 203.
74
FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 63.
75
Cf. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, pp. 113 – 116; CHAUNU,
Pierre. Op. Cit., p. 203; FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 48.
76
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 116.
28
77
Cf. DURANT, Will. Op. cit., p. 384; ESTRELLO, Francisco E. Op. Cit., p. 36; IRWIN, C. H. Op. Cit.,
p. 15; McGRATH, A. Op. cit., p. 83-85. Quanto ao fato de Calvino ser o autor do “discurso”,
McGRATH vai oferecer, nas páginas citadas, provas históricas favoráveis e contrárias.
78
Cf. McGRATH, A. Op. cit., p. 85.
79
McGRATH, A. Op. cit., p. 91.
80
FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 64.
81
Cf. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, 121-122.
82
Vide nota nº 51 deste capítulo. Também Cf. DURAN, Will. Op. cit., p. 384; CHAUNU, Pierre. Op.
Cit., p. 204; IRWIN, C. H. Op. Cit., p. 16.
83
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 124.
29
Para Calvino, Igreja e Estado eram duas ordens que tinham a mesma origem
e objetivo: provinham de Deus e foram instituídas por ele para a promoção de seu
84
DANIEL-ROPS. Op. cit., p. 371.
85
Cf. McGRATH, A. Op. cit., p. 95; DANIEL-ROPS. Op. cit., p. 373.
86
McGRATH, A. Op. cit., p. 96; DANIEL-ROPS. Op. cit., p. 374; IRWIN, C. H. Op. Cit., p. 25;
FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 65.
87
McGRATH, A. Op. cit., p. 96-97.
88
Idem.
89
FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 70.
30
reino.90 Toda a sua crítica ao Estado91, e posteriormente à Igreja, está relaciona com
o que presencia em Genebra, quando da sua chegada em julho de 153692, e após
ser persuadido por Farel a permanecer e ajuda-lo a transformar Genebra numa
cidade evangélica.
90
CALVINO, Juan. Institución de La Religión Cristiana. Libro IV, Capítulo XX, pp. 1167-1170.
91
“Calvino usava as expressões príncipes, magistrados, ordem civil e ordem política no lugar do
termo Estado”. Cf. SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 153.
92
Cf. IRWIN, C. H. Op. Cit., p. 29.
93
FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 78.
94
Cf. FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 78.
95
Cf. SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 16.
96
Cf. FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 104-105.
97
FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 79.
31
98
Idem, Ibidem, p. 80.
99
Cf. McGRATH, A. Op. cit., p. 105.
100
Cf. FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 82.
101
Cf. DURANT, Will. Op. cit., p. 392; IRWIN, C. H. op. cit., p. 34.
102
Cf. DURANT, Will. Op. cit., pp. 394-395. DURANT se refere ao clero de Genebra como “verdadeira
teocracia” e a Calvino como a “voz mais influente em Genebra”.
103
CALVINO, Juan. Op. Cit., Libro IV, Capítulo XX, p. 1169. “mantener y conservar el culto divino
externo, la doctrina y religión en su pureza, el estado de la Iglesia en su integridad, hacernos vivir con
32
Para Calvino, o Estado tem limites bem definidos: está a serviço de Deus e do
povo. Comentando Romanos 13,4, ele diz que
toda justicia, (...) instruirnos en una justicia social, ponernos de acuerdo los unos con los otros,
mantener y conservar la paz y la tranquilidad comunes.” (Tradução minha).
104
CALVIN, John. Commentary on the Gospel According to John. – Volume Second – p. 210-211. “
the Kingdom of Christ, being spiritual, must be founded on the doctrine and power of the Spirit. In the
same for the Kingdom of Christ, being spiritual, must be founded on the doctrine and power of the
Spirit. In the same manner, too, its edification is promoted; for neither the laws and edicts for men, nor
the punishments inflicted by them, enter into the consciences. Yet this does not hinder princes from
accidentally defending the Kingdom of Christ; partly, by appointing external discipline, and partly, by
lending their protection to the Church against wicked men”. (tradução minha).
33
Sendo o Estado instituído por Deus, tanto quanto a Igreja, este serviço
prestado ao povo implica, em contrapartida, obediência e submissão por parte deste
ao Estado. Esta obediência e submissão visam, ao mesmo tempo, a manutenção da
fé e da ordem social, que teimam em ser desmanteladas tanto pela insubmissão
quanto pelo conformismo à ordem civil. Segundo Calvino,
105
CALVIN, John. Commentaries on the Epistle of Paul the Apostle to The Romans. – Chapter XIII. 4
– p. 481. “Magistrates may hence learn what their vocation is, for they are not to rule for their own
interest, but for the public good; nor are they endued with unbridled power, but what is restricted to the
wellbeing of their subjects; in short, they are responsible to God and to men in the exercise of their
power”. (tradu;áo minha).
106
CALVINO, Juan. Op. Cit., Libro IV, Capítulo XX, p. 1168. “hoje em dia existem homens tão
desatinados e bárbaros, que fazem tudo quanto podem para destruir o governo que Deus
estabeleceu; e, de outra parte, os aduladores dos príncipes, ao engrandecer demasiadamente seu
poder, não suspeitam que os estão colocando quase em competência com Deus. E assim, se não se
remedia a tempo a um e a outro, decairá a pureza da fé”. (Tradução minha).
34
107
CALVINO, Juan. Op. Cit., p. 1193-1194. “Mas, na obediência que temos ensinado que se deve aos
homens, tem-se que fazer uma exceção, ou melhor dizendo, uma regra que deve ser guardada antes
de tudo; isto é, que tal obediência não nos aparte da obediência d’Aquele sob cuja vontade é razoável
que se contenham todas as disposições dos reis, e que todos seus mandatos e constituições cedam
ante às ordens de Deus, que toda alteza seja humilhada e abatida perante Sua majestade.”.
(Tradução minha).
108
CALVINO, Juan. Op. Cit., Libro IV, cap. XX, p. 1194. “depois d’Ele havemos de nos submeter aos
homens que têm proeminência sobre nós. (...) Se ordenam alguma coisa que contraria o que Ele há
ordenado, não devemos fazer nenhum caso dela, seja quem for que ordene. [...] Pelo contrário, o
povo de Israel é condenado em Oséias por ter obedecido as ímpias leis de seu rei (Os 5,11). Porque
depois que Jeroboão mandou fazer os dois bezerros de ouro, abandonando o templo de Deus, todos
seus súditos, por condescendência, se entregaram demasiadamente rápido às suas superstições (1
Rs 12,30), e logo com muita facilidade seus filhos e descendentes se acomodaram aos caprichos de
35
Se cabe à ordem civil, segundo Calvino, entre outras coisas, “hacernos vivir
con toda justicia, [...] instruirnos en una justicia social, ponernos de acuerdo los unos
con los otros, mantener y conservar la paz y la tranquilidad comunes”,109 toda ordem
dada que venha a ferir os principios evangélicos da justiça, da solidariedade, da paz
entre os seres humanos deve ser rechaçada, ou melhor, resistida como prova de
obediencia a Deus. Calvino termina as Institutas afirmando que “verdaderamente
daremos a Dios la obediencia que nos pide, cuando antes consentimos en sufrir
cualquier cosa que desviarnos de su santa Palabra”.110
Já foi visto que para Calvino a Igreja é um meio pelo qual a graça justificadora
de Deus visa alcanças os seres humanos e melhorar suas relações sociais. Mas a
Igreja, formada por uma parcela da sociedade, continua com resquícios do pecado,
não podendo, por isso, restaurar completamente esta sociedade.
Assim, segundo Calvino, Deus estabelece uma outra instituição que irá servir
como instrumento de Deus para balizar as relações sociais de homens e mulheres
ainda submetidos ao pecado, de maneira que consigam viver em comunidade.
Conforme nos diz Biéler, “para evitar, pois, que todas as coisas descambem para a
desordem e o caos, Deus suscita, no quadro geral da sociedade, uma ordem
provisória a que Calvino dá o nome de ordem política”.111
Calvino algumas vezes teve que combater a indiferença política dos cristãos,
que muitas vezes queriam reduzir a vida à esfera espiritual. Embora para ele, o reino
espiritual de Cristo e o poder civil sejam coisas muito diferentes entre si112, “esta
distinción no sirve para que tengamos el orden social como cosa inmunda y que no
seus reis idólatras, conformando-se aos seus vícios. O profeta severamente lhes censura este
pecado, de haver admitido semelhante edito real”. (Tradução minha).
109
CALVINO, Juan. Op. Cit., p. 1169. “fazer-nos viver com toda justiça, [...] instruír-nos em uma justi;a
social, colocar-nos de mútuo acordo uns com os outros, manter e conservar a paz e a tranqüilidade
comuns”. (Tradução minha).
110
CALVINO, Juan. Op. Cit., Libro IV, cap. XX, p. 1194. “verdadeiramente daremos a Deus a
obediência que nos pede, quando antes consentimos em sofrer qualquer coisa que desviar-nos de
sua santa Palavra.” (Tradução minha).
111
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 25.
112
Cf. CALVINO, Juan. Op. Cit., p. 1168.
36
conviene a cristianos”.113 Muito pelo contrário, ele entende que a Igreja tem uma
missão política a desenvolver na sociedade. Segundo Biéler, o humanismo social de
Calvino compreende que
A política não é, pois, sem relação com a ordem de Deus. Ela deve
representar, em todas as sociedades, a ordem que mais se aproxima
da ordem de Deus, tendo-se em conta o desenvolvimento espiritual
dos habitantes em um lugar e um momento dados.114
113
Idem. “esta distinção não serve para que tenhamos a ordem social como imunda e que não
convém a cristãos.” (Tradução minha).
114
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 25.
115
Cf. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, pp. 382-389.
116
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 26.
37
117
Carta al cristianísimo Rey de Francia. Cf. CALVINO, Juan. Op. Cit., p. XXVIII.
118
CALVIN, John. Commentary upon The Acts of the Apostles. Volume Second, chapter XVII. 6, p.
136. “This is the state of the gospel, to have those uproars which Satan raiseth imputed to It. This is
also the malicious-ness of the enemies of Christ, to Iay the blame of tumults upon holy and modest
teachers, which they themselves procure”. (Tradução minha).
119
CALVIN, John. Commentary upon The Acts of the Apostles. Volume First. – Epistle Dedicatory, p.
XVII. “many princes, although they see the estate of the Church filthily corrupt, yet dare they attempt
38
no remedy; because that danger which they fear will proceed from innovation, when evils must be
driven out of their old and quiet possession, doth hinder and keep them back from doing their duty”.
(Tradução minha).
120
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 26.
39
pleiteia sua causa, obtém pelo menos alguma parte de seu direito.
Se, porém, os estrangeiros, os órfãos e as viúvas não são tratados
injustamente, isto é evidência de verdadeira integridade.121
É neste sentido que a missão profética da Igreja deve ser exercida em relação
ao Estado, ou seja, manter uma certa vigilância sobre este no que diz respeito às
suas atribuições, visto que o cumprimento destas tem como conseqüência a
existência de uma sociedade mais justa, igualitária e solidária.
121
CALVIN, John. Commentaries on the Book of the Prophet Jeremiah and The Lamentations. -
Volume First - p. 367. “As to strangers and orphans and widows, they are often mentioned; for
strangers as well as orphans and widows were almost destitute of protection, and were subject to
many wrongs, as though they were exposed as a prey. Hence, whenever a right government is
referred to, God mentions strangers and orphans and widows; for it might hence be easily understood
of what kind was the public administration of justice; for when others obtain their right, it is no matter of
wonder; since they have advocates to defend their cause (…) Thus every one who defends his own
cause, obtains at least some portion of his right. But when strangers and orphans and widows are not
unjustly dealt with, it is as evidence of real integrity.” (Tradução minha).
122
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 28.
40
123
CALVIN, John. Commentary on a Harmony of the Evangelists, Matthew, Mark, and Luke. – Volume
Second – p. 399. “for since the preservation of the human race is agreeable to Him—which consists in
justice, upright—ness, moderation, prudence, fidelity, and temperance—he is said to love the political
virtues; not that they are meritorious of salvation or of grace, but that they have reference to an end of
which he approves”. (Tradução minha).
124
CALVINO, Juan. Institución de La Religión Cristiana, Libro II, Capítulo I, p. 170. “O homem todo,
dos pés à cabeça, está como submergido em um dilúvio, de modo que não há nele parte alguma
isenta ou livre de pecado, e, portanto, tudo quanto dele procede se lhe imputa como pecado”.
(Tradução minha).
41
125
Idem, Ibidem, Capítulo VI, p. 239. “Deus [...] se fez nosso Redentor na pessoa de seu Filho
unigênito.” (Tradução minha).
126
Id. Ibid., Libro II, Capítulo XVII, p. 393. “Não há dificuldade alguma em que a justificação dos
homens seja gratuita por pura misericórdia de Deus.” (Tradução minha).
127
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, pp. 17-18.
128
Idem, Ibidem, p. 18.
42
Seria esta a saída proposta por Calvino para a construção de uma sociedade
mais humana e solidária, ou seja, que através da ação da Igreja toda as pessoas de
uma determinada sociedade aprendessem a comunicar solidariamente seus bens?
Talvez aqui haja o germe de uma educação para a solidariedade.
129
CALVINO, Juan. Institución de La Religión Cristiana. Libro IV, Capítulo I, p. 805. “Porque,
efetivamente, se em verdade estão persuadidos de que Deus é o Pai comum de todos, e de que
Cristo é sua única Cabeça, se amarão uns aos outros como irmãos, repartindo mutuamente o que
possuem.” (Tradução minha).
130
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 21.
43
131
Vide nota de rodapé nº 104 deste capítulo.
132
Vide nota de rodapé nº 108 deste capítulo.
133
Cf. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 225.
134
Idem.
135
Id., p. 222.
136
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 19.
44
Por eso Dios ha unido a su Iglesia con el vínculo que le pareció más
apropiado para mantener en ella la unión, confiando la salvación y la
vida eterna a hombres, a fin de que por su medio les fuese
comunicada a los demás.137
137
CALVINO, Juan. Op. cit. Libro IV, Capítulo III, p. 837.
138
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 17.
139
Idem.
45
encontro do próximo do qual ele não pode privar-se sem prejudicar sua própria
humanidade”.140
140
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 18.
141
Idem. Ibidem, p. 15.
142
CALVIN, John. Commentary Upon The Acts of the Apostles. – Volume First – p. 229. “We learn in
this history that in the Church cannot be so framed by and by, but that there remain somewhat to be
amended; neither can so great a building be so finished in one day, that there may not something be
added to make the same perfect. Furthermore, we learn that there is no ordinance of God so holy and
46
Por isso Calvino, ao criticar a união da Igreja com o Estado, não o faz de
modo a provocar, ou propor um cisma entre estas duas importantes instituições do
século XVI, e isso é atestado pela sua compreensão de que ambas instituições são
provenientes de Deus, mas para fixar os limites de cada uma delas dentro de suas
competências, segundo ele entendia e propõe no capítulo final das Institutas.144
Assim, em seus Comentários sobre a Primeira Epístola a Timóteo, reconhecendo a
importância do Estado, junto à Igreja, na manutenção da ordem social, Calvino diz:
laudable, which is not either corrupt or made unprofitable through the fault of men. [...] it is the
wickedness and corruption of our nature which causeth this”. (Tradução minha).
143
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 24.
144
Cf. CALVINO, Juan. Institución de la Religión Cristiana – Capítulo XX – La Potestad Civil, pp.
1167-1194.
145
CALVIN, John. Pastoral Epistles, pp. 51-52. Aqui se trata do comentário ao capítulo 2, verso 2.
“That God appointed magistrates and princes for the preservation of mankind, (…) for magistrates are
armed with the sword, in order to keep us in peace. If they did not restrain the hardihood of wicked
47
Mas, para que tal equilíbrio se mantenha como fenômeno efetivo, os seres
humanos que, unidos em torno de objetivos comuns fazem emergir as instituições,
devem ser alcançados pela graça redentora de Deus, no encontro com Jesus Cristo.
Outrora desumanizados pela força do pecado, os seres humanos tiveram, como
conseqüência, suas relações pervertidas, ocasionando o afastamento do outro, do
seu semelhante e o desmantelamento das relações sociais.
men, every place would be full of robberies and murders. (…) when magistrates give themselves to
promote religion, to maintain the worship of God, and to take care that sacred ordinances be observed
with due reverence. (…) that magistrates were appointed by God for the protection of religion, as well
as of the peace and decency of society”. (Tradução minha).
48
Nós, seres humanos, somos seres aprendentes. Isso quer significar que
desde os primeiros momentos de vida já estamos aprendendo a nos comportar
como seres humanos, a nos humanizar. Conforme Assmann e Sung, “nós não
nascemos prontos e o fato de nascermos prematuros, exigindo um útero externo
acolhedor, marcou toda a nossa evolução, principalmente a do cérebro”.147 O fato de
os seres humanos serem inacabados os coloca em contato imediato e constante
com o meio, num processo de contínuo aprendizado, que é o responsável pela
manutenção da vida.
Isso significa dizer que o ser humano é um ser que necessita aprender para
manter-se vivo. Ou seja, o ser humano precisa aprender continuamente a conhecer
146
SILVA, Divino José da. Ética e educação para a sensibilidade em Max Horkheimer, p. 27.
147
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Competência e Sensibilidade Solidária: Educar para a
esperança, p. 213.
50
148
GARCIA, Francisco Luiz. Introdução Crítica ao Conhecimento, p. 18.
149
STRIEDER, Roque. Educar para a iniciativa e a solidariedade, p. 295.
150
GARCIA, Francisco Luiz. Op.cit., p. 19.
51
Nas relações diárias a que os seres humanos são submetidos dentro do meio
ambiente em que vivem, já está ocorrendo a aquisição do conhecimento dos dados
culturais específicos para a sua sobrevivência. Segundo Morin, “os indivíduos
conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles”.154
153
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit, p. 246.
154
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro, p. 25.
155
GARCIA, Francisco Luiz. Op. Cit., p. 43.
53
156
MORIN, Edgar. Op. Cit., p. 54.
157
MORIN, Edgar. Op. Cit., p. 38.
54
O tema da solidariedade hoje está presente nos mais variados discursos que
vão desde o Banco Mundial e FMI até o sonho da Economia Solidária, perpassando
a Igreja e as ONGs, o que contribui para a disseminação em larga escala do
reducionismo da noção de solidariedade.160
Nesta parte pretende-se mostrar que a solidariedade é muito mais que atos
isolados ou transitórios, mas que tem relação inquestionável com a coesão social e
que deve se estabelecer como ações políticas, permanentes, conscientes e
pedagógicas. Nas palavras de Assmann e Sung,
158
STRIEDER, Roque. Op. cit., p. 293.
159
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 261.
160
Cf. ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 52-66.
55
161
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 69.
162
SUNG, Jung Mo. Conhecimento e Solidariedade: educar para a superação da exclusão social, p.
47.
163
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., pp. 74-75.
56
164
Idem, Ibidem, p. 80.
165
ASSMANN, Hugo. Op. cit., pp. 90-1.
166
Idem, Ibidem, p. 94.
57
Esta visão disjuntiva do mundo será reforçada por séculos por meio da
educação. E, desse modo, tornar-se-á um paradigma cultural profundamente
interiorizado pelo indivíduo moderno. E todo paradigma, como já foi visto, funciona
como mediador entre a realidade como tal e a realidade percebida pelos indivíduos.
167
Cf. SILVA, Divino José da. Ética e educação para a sensibilidade em Max Horkheimer, p. 22.
168
MORIN, Edgar. Op. cit., p. 26.
58
169
Idem, Ibidem, p. 38.
170
SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 55.
59
171
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 86.
172
STRIEDER, Roque. Op. Cit., pp. 315 e 316.
173
Vide nota nº 24 deste capítulo.
174
MORIN, Edgar. Op. Cit., p. 45.
175
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 81.
60
176
Idem, Ibidem, p. 75.
177
ASSMANN, Hugo. Op. cit., p. 192.
61
178
Idem, Ibidem, p. 220.
179
Vide nota nº 3 deste capítulo.
180
MORIN, Edgar. Op. cit., p. 28. Sublinhados do autor.
62
segundo ele, “se caracteriza por uma relação que se estabelece entre um padrão
complexo de comportamento e um estímulo característico presente em um momento
apropriado, [...] a primeira experiência, como situação, é a mais importante”.181
Mas que experiência de fato, que tipo de imprinting cultural poderia ocorrer
para que o ser humano pudesse passar por uma primeira alteração comportamental,
ou seja, uma experiência de aprendizagem? Segundo Assmann e Sung,
181
GARCIA, Francisco Luiz. Op. Cit., pp. 31-32.
182
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 201. Sublinhado dos autores.
63
183
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 31. Sublinhados dos autores.
184
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 202.
64
Com relação a uma educação que fomente nas pessoas e nas sociedades o
desejo de vivenciar ações solidárias, o desafio ainda se impõe. De acordo com
Assmann e Sung,
185
Vide citação nº 29 deste capítulo.
186
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. citI., p. 79.
187
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., pp. 76-7.
65
Não há ninguém que possa fazer com que uma sociedade tenha,
num momento dado, outro sistema de educação senão aquele que
está implicado em sua estrutura; [...] estamos mergulhados numa
atmosfera de idéias e de sentimentos coletivos que não podemos
modificar à vontade; e é sobre idéias e sentimentos desse gênero
que repousam as práticas educativas.191
188
SILVA, Divino José da. Op. Cit., p. 22.
189
Cf. ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 202.
190
SUNG, Jung Mo. Conhecimento e Solidariedade: educar para a superação da exclusão social, p.
63.
191
DURKHEIM, Èmile. Educação e Sociologia, p. 60.
66
3. Solidariedade e Competência
192
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 183.
193
Idem, Ibidem, p. 205.
194
Vide capítulo I deste trabalho, citação nº 133.
67
195
Cf. ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., pp. 209-210.
196
ASSMANN, Hugo. Op. cit., p. 229.
197
SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 72.
68
Isto é, para que a solidariedade seja praticada como imperativo ético pelos
indivíduos e pela sociedade é necessária a aquisição de competências humanas e
sociais que a viabilizem.
198
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 75.
199
Idem, Ibidem, p. 183.
69
Neste desafio de se instaurar uma sociedade solidária, sem abrir mão das
competências e da competitividade , tão necessárias para a convivência, a
manutenção e a reprodução da vida social202, urge um modelo de educação que
ultrapasse os velhos esquemas “transmissor-receptor”, uma educação bancária,
200
PERRENOUD, Philippe. Escola e Cidadania: o papel da escola na formação para a democracia, p.
75.
201
Idem, Ibidem, p. 97.
202
Cf. ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 152.
70
203
DELORS, Jacques et alii. Educação: um tesouro a descobrir, p. 90.
204
Cf. DELORS, Jacques et alli. Op. Cit., pp. 89-102.
71
205
DELORS, Jacques et alii. Op. Cit., pp. 90-91.
206
SILVA, Divino José da. Op. Cit., p. 226-27.
207
ASSMANN, Hugo. Op. cit., p. 151.
72
208
Cf. DELORS, Jacques et alii. Op. Cit., pp. 93-96.
209
PERRENOUD, Philippe. Op. cit., p. 69.
210
DELORS, Jacques et alii. Op. Cit., p. 93.
211
Idem, Ibidem, p. 97.
73
juntas mas não “estão” juntas, vivem com o “outro”, mas não conhecem a sua
“outridade”. E não existe a possibilidade de se passar das ações solidárias
emergenciais, a solidariedade como reconhecimento da interdependência como um
fato, para ações solidárias de cunho ético-político se não se conhecer o outro, suas
mazelas, suas limitações, seus desejos. Segundo Assmann e Sung,
Para que as pessoas possam ser solidárias umas com as outras, é preciso
que haja um encontro real com o outro, o reconhecimento da sua outridade e
alteridade, bem como de que suas necessidades podem ser satisfeitas. Segundo
Sacristán, a solidariedade
212
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 97.
213
SACRISTÁN, J. Gimeno. Educar e Conviver na Cultura Global: As exigências da cidadania, p. 132.
74
Por isso uma educação que corrobore o processo de fazer-se humano deve
ter como ponto de partida o próprio ser humano, na sua corporeidade. Segundo
afirma Assmann,
214
DELORS, Jacques et alii. Op. Cit., p. 98.
215
DELORS, Jacques et alii. Op. Cit., p. 99.
216
Cf. ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 246.
217
ASSMANN, Hugo. Op. cit., p. 47.
75
218
Cf. ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., pp. 213-222.
219
Idem, Ibidem, p. 211.
76
Por outro lado, é óbvio que não fantasia acerca de um mundo sem
emulações competitivas e mecanismos de mercado.220
220
Idem.
221
PERRENOUD, Philippe. Op. cit., p. 111. Competências transversais, para o autor, são aquelas
“que atravessam os diversos campos sociais e não são específicos de nenhum”. Cada uma destas
competências será desenvolvida e discutida, pelo autor, em detalhes nas páginas 107 a 129. Grifo do
autor.
77
Uma educação para a solidariedade não deve, então, estar restrita ao ensino
“teórico racional”, mas necessita levar em conta, como processo cognitivo, os
“exemplos de vida” e uma certa “espiritualidade” que mova as pessoas em direção
de outras pessoas com necessidades ou que estejam sofrendo. É o que se pretende
abordar no tópico seguinte.
4. Solidariedade e Espiritualidade
Educar para a solidariedade pressupõe, como foi discutido até aqui, viabilizar
processos cognitivos que proporcionem aos educandos a aquisição intelectual de
competências que a estabeleçam como ações de cunho ético-político em
sociedades complexas.
222
SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 57.
223
PERRENOUD, Philippe. Op. cit., p. 129.
78
224
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 98. Sublinhado dos autores.
225
Cf. ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 75.
226
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 98.
79
227
SUNG, Jung Mo. Sujeito e Sociedades Complexas: Para repensar os horizontes utópicos, p. 172.
228
SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 70.
80
229
MORIN, Edgar. Op. Cit., p. 20.
230
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 103.
231
ASSMANN, Hugo. Op. cit., p. 149.
81
Quando uma pessoa desvia o olhar para não ver o sofrimento alheio
ou responde de modo agressivo a uma criança pobre que pede um
trocado, ele não está sendo indiferente. [...] Estas reações imediatas,
na maioria das vezes inconscientes e/ou não planejadas, mostram
que a pessoa foi tocada. [...] Reage. Só que reage com uma aparente
indiferença ou com agressividade, como uma forma de se defender
do ‘incômodo’, da dor sentida ao ver o sofrimento alheio.232
232
SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 159.
233
Damásio, Antonio. O mistério da consciência, p. 160. Grifo do autor.
234
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 97.
82
Estas “idéias claras e distintas” têm sido o foco de uma educação anti-
dialógica, de um processo educacional racionalizado que tem prezado pela
transmissão de valores culturais individualizantes. De acordo com Sung
235
Idem, Ibidem, p. 99.
236
SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 161.
83
237
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade, p. 104.
238
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 66.
239
cf. AZEVEDO, Marcelo C.. Educação, Sociedade, Justiça: Um Enfoque Antropológico-Cultural, p.
25.
84
240
Vide citação nº 10 deste capítulo.
241
ASSMANN, Hugo. Op. cit., p. 91.
242
PERRENOUD, Philippe. Op. Cit., pp. 83-84.
243
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit. p. 152.
85
possam dar conta disso. Que haja uma dimensão solidária na própria
forma de aprender, no cerne do próprio pensamento.244
244
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit. p. 260.
245
Para Freire, diálogo “é uma relação horizontal de A com B. [...] Nutre-se do amor, da humildade,
da esperança, da fé, da confiança. Por isso só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do
diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca
de algo”. Cf. FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade, p. 115.
246
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 79.
247
Cf. DELORS, Jacques et alii. Op. Cit., p. 98.
248
MORIN, Edgar. Op. Cit., p. 93.
249
Cf. SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 159.
250
Idem, Ibidem, p. 170.
86
251
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 260.
252
Cf. FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade, p. 115.
253
MORIN, Edgar. Op. Cit., p. 85.
254
SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 81.
87
255
Cf. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 222. Vide Capítulo I, nota nº
51.
256
BIÉLER, André. Op. cit., p. 225. Vide Capítulo I, notas nº 133 e 134.
257
apud BIÉLER, André. Op. cit., pp. 224-225.
88
concomitantemente, a vigilância exercida pela Igreja sobre o Estado para que este
não deixe de cumprir seu papel mantenedor da coesão social.
Se Calvino empreende dura crítica tanto ao Estado quanto à Igreja é por que
ambas instituições não estavam levando a cabo suas atribuições com relação à
258
Vide Capítulo I, nota de rodapé nº 145.
259
Vide Capítulo I, nota de rodapé nº 120.
90
De acordo com a Teologia da Graça de Calvino, este fato tem relação com a
natureza humana pervertida pelo pecado, de sorte que tanto as intenções como as
ações humanas são más, tendo como resultado a deturpação das relações sociais
harmoniosas como dispostas por Deus. Segundo ele, ao comentar Lucas 10,30:
260
Vide Capítulo I, nota de rodapé nº 103.
261
CALVIN, John. Commentary on a Harmony of the Evangelists, Matthew, Mark, and Luke. – Volume
Second – p. 435. (Vide também comentário de 1Pd 2,13).
262
Vide Capítulo I, nota de rodapé nº 129.
91
263
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 21. Retomo aqui a citação nº 130 do Capítulo
I.
92
relações sociais também são pervertidas e toda sua [do ser humano]
vida em sociedade e suas trocas econômicas são desnaturadas. [...]
Torna-se tirano de seu próximo toda vez que consegue evitar de ser
seu escravo. Corrompem-se, assim, todas as hierarquias naturais.
Vida conjugal, vida familiar e a sociedade inteira são falsificadas pela
queda do homem.267
264
MUÑOZ, Ronaldo. Solidariedade Libertadora: missão da Igreja, pp. 26-7.
265
apud LÖWY, Michael. Marxismo e Teologia da Libertação, p. 96.
266
Vide Capítulo I, nota de rodapé nº 134.
267
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, pp. 19-20.
93
a sociedade e a Igreja é o canal por onde os ideais do Reino de Deus podem nela se
materializar.
Já foi salientado, no primeiro capítulo, que para Calvino, “cabe à ordem civil,
entre outras coisas, fazer-nos viver com toda justiça, [...] instruir-nos na justiça
social, colocar-nos em comum acordo uns com os outros”.269 Depreende-se dessa
concepção que tanto a Igreja quanto o Estado estão a serviço de Deus para o
estabelecimento de uma sociedade onde a solidariedade seja algo comum entre os
seres humanos que a compõem. Mas a isto precede uma “instrução” ou educação,
por parte do Estado, na “justiça social”, culminando na prática de relações solidárias
e, conseqüentemente, na manutenção da coesão social.
268
CODINA, Victor. Renascer para a Solidariedade, p. 63.
269
CALVINO, Juan. Op. cit. Libro IV, Capítulo XX, p. 1169. “cabe à ordem civil, entre outras coisas,
hacernos vivir con toda justicia, (...) instruirnos en una justicia social, ponernos de acuerdo los unos
con los otros, mantener y conservar la paz y la tranquilidad comunes”.
94
273
JOSAPHAT, Frei Carlos. 2000: Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo – Comunhão divina,
solidariedade humana, p. 116.
274
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 98.
96
A política não é, pois, sem relação com a ordem de Deus. Ela deve
representar, em todas as sociedades, a ordem que mais se aproxima
da ordem de Deus, tendo-se em conta o desenvolvimento espiritual
dos habitantes em um lugar e um momento dados.277
275
MUÑOZ, Ronaldo. Solidariedade Libertadora: missão da Igreja, p. 27.
276
Vide Capítulo I, citação nº 111.
277
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 25.
97
2. A Fé e a Práxis Política
Tanto a relação entre a Igreja e o Estado, cada qual com suas atribuições, na
manutenção da ordem social, como o entendimento de Calvino acerca das virtudes
políticas, são aqui importantes, pois visam demonstrar que a missão política da
Igreja não está relacionada à “conquista e exercício do poder de Estado”,279 mas
zelar para que tais virtudes sejam desenvolvidas pelos magistrados, ou detentores
do poder, objetivando a manutenção da justiça e da coesão social. De acordo com
Josaphat, ao comentar a missão política da Igreja:
278
Cf. CALVIN, John. Commentary on a Harmony of the Evangelists, Matthew, Mark, and Luke. –
Volume Second – p. 399.
279
Cf. BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder, p. 72. De acordo com o autor, “política em minúsculo
é toda atividade que se destina à administração ou transformação da sociedade mediante a conquista
e exercício do poder de Estado”. Sublinhado do autor.
98
Além e acima do poder, do seu exercício que sem dúvida deve ser
bem orientado – como bem principal e como fonte de toda retidão –
emerge o primado da justiça. Esta justiça designa em primeiro lugar a
fidelidade a Deus. Mas desenvolve-se no respeito e na promoção do
direito, de todos os direitos para todos. Ela exige sobretudo que
sejam assegurados os direitos dos pobres, dos fracos, dos
abandonados, que devem encontrar na organização do povo justo e
solidário a garantia daquilo que sua fraqueza e sua marginalidade
não lhes permitem reivindicar e defender.280
280
JOSAPHAT, Frei Carlos. Op. cit, p. 176.
281
Cf. BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 21.
99
282
MUÑOZ, Ronaldo. Op. cit, p. 23.
283
Cf. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, pp. 382-389.
284
HELLER, Agnes; FEHÉR, Ferenc. Op. cit., p. 127.
285
Temos em mente aqui a definição de problema como “a discrepância entre uma situação real e a
ideal”. Cf. Secretaria Nacional de ação Social e Diaconia – Igreja Presbiteriana Independente do
Brasil. Metodologia de Implantação e Operacionalização de Projetos Sociais, p.13.
286
Vide Capítulo II, citações nº 72 e 79.
100
Pode-se perceber com muita clareza que fé e política não se excluem, muito
pelo contrário, complementam-se na prática cristã e cidadã que visa o
aperfeiçoamento da sociedade. Na prática da fé que não exclui a ação política, a
sociedade toda pode ser aperfeiçoada, não somente alguns grupos. Heller e Fehér
enumeram as principais virtudes cívicas que podem colaborar para se alcançar esse
objetivo, a saber, tolerância radical, coragem cívica, solidariedade, justiça,
disposição para a comunicação racional e phronesis ou prudência.287 Segundo
esses autores, “quaisquer outras virtudes que homens e mulheres desenvolvam
além dessas virtudes cívicas contribuem para a boa vida deles próprios. As virtudes
cívicas contribuem para a boa vida de todos”.288
Para Heller e Fehér a prática das virtudes cívicas propicia uma sociedade
melhor para todos os seus membros. Essas virtudes pertencem à esfera do político,
o que significa dizer que a prática das virtudes cívicas se dá no âmbito sócio-político,
objetivando sua transformação.
287
Cf. HELLER, Agnes; FEHÉR, Ferenc. Op. Cit., pp. 122-129.
288
Idem, Ibidem, p. 129.
289
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Praxis, p. 13.
290
Cf. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Op. cit., pp. 194-202.
291
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Op. Cit., p. 200.
292
Idem.
101
293
BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 393.
294
FLORISTAN, Casiano. Teología Práctica: teoría y praxis de la acción pastoral, p. 181.
295
Idem. Ibidem, p. 184. “la tradición cristiana como transmisión de unas prácticas o acciones”.
296
Idem. “la memória cristiana [...] de unos hechos prototípicos, simbolizados sacramentalmente, que
se expresan historicamente”.
297
BOFF, Clodovis. Fé e Política: Alguns Ajustes. In: Fé e política: fundamentos, p. 46.
298
Idem, Ibidem, p. 43.
299
Id., Ibid., p. 48.
102
Logo, a Igreja deve fazer política, entendida, de acordo com Boff, como “a
busca comum do bem comum, a promoção da justiça, dos direitos, a denúncia da
corrupção e da violação da dignidade humana”,300 na mesma linha de entendimento
de Calvino.
300
BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder, p. 70.
301
CALVINO, Juan. Institución de la Religión Cristiana. Libro IV, Capítulo XV, pp. 1035-1036.
302
CASTRO, Clovis Pinto de. Por uma Fé Cidadã: A dimensão pública da Igreja – fundamentos para
uma pastoral da cidadania, p. 114.
303
Utopia é aqui entendida, de acordo com Assmann e Sung, “no sentido de desejar e de ‘ver’ um
mundo, um lugar, [...] que ainda não existe e que talvez nunca venha a existir, mas que dá um sentido
às ações que nascem do nosso desejo de um mundo melhor”. Cf. ASSMANN, Hugo e SUNG, Jung
Mo. Op. cit., p. 134.
304
CASTRO, Clovis Pinto de. Op. Cit., p. 119.
103
305
Vide Capítulo II, citação nº 8.
306
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 190.
307
Cf. DURKHEIM, Èmile. Educação e Sociologia, p. 60; VÁZQUEZ, Adolfo Sanches. Filosofía de la
praxis, pp. 13-49.
104
308
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op.cit., p. 290.
105
irrompe como processo educativo que capacita seus partícipes a tomar iniciativas.
De acordo com Muñoz,
309
MUÑOZ, Ronaldo. Op. cit., p. 30.
310
Cf. GARCIA, Francisco Luiz. Introdução Crítica ao Conhecimento, p. 43.
106
311
Vide Capítulo II, citação nº 97.
312
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro, p. 26.
313
CODINA, Victor. Op. cit., p. 20.
107
314
Cf. CODINA, Victor. Op. Cit., pp. 18-20.
108
315
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade, p. 116.
316
CALVINO, Juan. Institución de la Religión Cristiana – Libro III, capítulo II, p. 407. “... la fe consiste
en el conocimiento de Dios [...], y no en la reverencia de la Iglesia”.
109
317
CALVINO, Juan. Institución de la Religión Cristiana – Libro III, capítulo II, pp. 407-408. “Nosotros
admitimos que la fe [...] es implícita (es decir, imperfecta, incompleta o incipiente); no solamente
porque ignoramos muchísimas cosas, sino también porque estando rodeados de las tinieblas de
numerosos errores, no podemos entender cuanto deberíamos saber. [...] Con este freno nos mantiene
Dios en la modestia, asignando a cada uno una determinada medida y porción de fe, a fin de que
incluso los más doctos entre los doctores estén siempre prontos a aprender”.
318
SEGUNDO, Juan Luis. O Dogma que Liberta: fé, revelação e magistério dogmático, p.30.
Sublinhado do autor.
110
319
SEGUNDO, Juan Luis. Op. Cit., p. 11. Sublinhado do autor.
320
ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 263.
321
Cf. SUNG, Jung Mo. Sujeito e Sociedades Complexas: Para repensar os horizontes utópicos, p.
161.
111
Que a Igreja tem perdido tanto sua dimensão solidária quanto profética, pode-
se constatar pela questão levantada por Boff:
Pode-se [...] esperar que uma Igreja rompa seu pacto histórico com
as forças hegemônicas e efetivamente se converta para uma pobreza
evangélica, solidária com os debulhados de seus direitos e
empobrecidos, para uma coragem profética, [...] para um seguimento
de seu Fundador, o Servo Sofredor Jesus Cristo, conseqüente e
destemido?
Talvez seria interessante começar, ainda que de forma bem resumida, pelo
que se pode entender sobre a crítica marxista da religião, segundo Assmann e Mate:
322
Cf. ASSMANN, Hugo; MATE, Reyes. Karl Marx – Friedrich Engels: Sobre la religión I, p. 36.
323
Cf. ASSMANN, Hugo; MATE, Reyes. Op. cit., pp. 9-37; LÖWY, Michael. Op. cit., caps. I – IV; VII –
VIII.
324
Cf. LÖWI, Michael. Op. cit., p. 11.
112
Quando se afirma que a frase de Marx foi interpretada numa ótica unilateral,
quer-se com isso remeter ao fato de que nas críticas enunciadas à critica marxista
325
ASSMANN, H.; MATE, R. Op. Cit., p. 36.
326
Idem, Ibidem, p. 39.
327
CODINA, Victor. Op. cit., p. 22.
113
328
apud LÖWI, Michael. Marxismo e Teologia da Libertação, p. 11. Sublinhados meus.
329
ASSMANN, Hugo; MATE, Reyes. Op. cit., p. 23. “lo fatídico de esa protesta es su impotencia, y lo
peligroso de la religión es servir de consuelo, de narcótico”.
330
Cf. BETTO, Frei. Cristianismo e Marxismo, p. 29. Segundo o autor “essa ‘concepção totalitária’ não
faz distinção entre a totalidade do fenômeno religioso e a manifestação particular do mesmo; antes,
identifica-as. (...) Não há relação dialética entre o universal e o particular. Os dois coincidem”.
331
ASSMANN, Hugo; MATE, Reyes. Op. cit., p. 32. “aplica al problema religioso el ‘pensamiento de
identidad’ entre totalidad y particularidad, entre esencia y fenómeno que hemos visto en Hegel”.
332
Idem, Ibidem, p. 33. “si hoy la religión se alía al capitalismo hay que deducir que la esencia
religiosa es alienación o perversión”.
114
Dessa forma a Igreja, sem que disso se apercebam seus partícipes, através
de seus discursos e práticas (ritos), passa a ser ferramenta nas mãos da classe
dominante para que essa se estabeleça como classe dirigente.335
333
MADURO, Otto. Religião e Luta de Classes, p. 107.
334
Idem, Ibidem, p.108.
335
Idem. Segundo o autor, “a dinâmica da dominação poderá impor-se sobre as tradições religiosas
da população implicada até o ponto de (a) aniquilar ou submeter todo ‘elemento’ religioso [...] que
pareça constituir um obstáculo ou perigo para a consolidação do poder da classe [...] dominante; (b)
favorecer a criação e/ou o desenvolvimento de todos os elementos religiosos que forem claramente
convergentes com a consolidação do poder da classe dominante, e (c) reestruturar de maneira mais
adequada à nova situação de dominação todos aqueles elementos religiosos que não forem
diretamente obstaculizadores da consolidação do poder da classe dominante”.
336
Cf. MADURO, Otto. Op. Cit., p. 105-109.
337
MADURO, Otto. Op. Cit., p. 183.
115
Para que a Igreja, hoje, possa recuperar sua dimensão profética, o que por
conseguinte fará emergir uma prática educativa que conduza seus partícipes à
inserção no espaço público através de ações solidárias, faz-se necessário passar
338
A criação do MEB (Movimento pela Educação de Base), da JOC (Juventude Operária Católica)
das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), da CUT (Central Única dos Trabalhadores), do MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), do PT (Partido dos Trabalhadores), movimentos
estes de cunho socialista-marxista que se originaram por causa do trabalho de militantes cristãos. Cf.
LÖWY, Michael. Marxismo e Teologia da Libertação, pp. 51-64.
339
Idem. Ibidem., pp. 65-80. Segundo o autor, “essa participação cristã ativa [...] influenciou
profundamente o sandinismo, como ideologia composta do nacionalismo agrário radical de Sandino,
do cristianismo revolucionário e da corrente guevarista do marxismo latino-americano”. Cf. p. 75.
Sublinhado do autor.
340
Movimentos tais como a Feccas (Federação Cristã dos Camponeses de El Salvador), a UTC
(União dos Trabalhadores do Campo), o Bloco Revolucionário Popular (BRP), cujo principal dirigente
era um militante cristão, e a participação de muitos outros cristãos, como o Monsenhor Oscar
Romero, que deu sua vida pela revolução salvadorenha. Cf. LÖWY, Michael. Op. cit., pp. 81-89.
341
Cf. SUNG, Jung Mo. Conhecimento e Solidariedade: educar para a superação da exclusão social,
p. 158.
342
Vide Capítulo I, citação nº 51.
343
Vide Capítulo I, citações nº 133 e 134.
116
344
CODINA, Victor. Op. cit., p. 25.
345
Idem, Ibidem, p. 33.
346
MUÑOZ, Ronaldo. Op. Cit., p. 40.
117
A Igreja, como instituição, também vive uma tensão entre ser a guardiã e a
promulgadora das doutrinas religiosas que possibilitam sua existência no tempo e no
espaço e encarnar, fomentar e ensinar os ideais da utopia do reino de Deus através
da institucionalização da solidariedade. Mas essa tensão deve ser assumida como
processo pedagógico, pois ao institucionalizar a solidariedade, com ações de cunho
ético-político, o horizonte do Reino de Deus se torna próximo, possibilitando os fiéis
a dar continuidade a estas ações e, concomitantemente, a construírem uma
sociedade mais justa e solidária.
347
Idem, Ibidem, pp. 64-65.
118
Mas, para que a Igreja possa recuperar sua dimensão profética de crítica do
sistema quando este engendra valores que contrariam a justiça, a eqüidade e a
solidariedade humana, deverá romper, nas palavras de Boff, “seu pacto histórico
com as forças hegemônicas e efetivamente se converta para uma pobreza
348
Cf. SCHIPANI, Daniel S. El Reino de Dios y el Ministerio Educativo de la Iglesia: fundamentos y
principios de educación cristiana, p. 161.
349
GROOME, Thomas H. Educação Religiosa Cristã: compartilhando nosso caso e visão, p. 67.
Nesse trabalho, por questões de objetivo e delimitação, não vamos desenvolver o conceito de Reino
de Deus. Porém, remetemos os leitores para, além de Thomas H. GROOME, Daniel S. SCHIPANI,
Op. cit., cap. II.
350
ASSMANN, Hugo, SUNG, Jung Mo. Competëncia e Sensibilidade Solidária, p. 98.
119
Uma Igreja [...] que valoriza mais a fraternidade e busca uma co-
responsabilidade maior; que tem seu centro sociológico e cultural no
mundo dos pobres, nos setores majoritários, que são os pobres do
país e os pobres do mundo; que vive e promove a solidariedade no
meio do povo; que cumpre ali uma denúncia profética, discretamente
mas assumindo os inevitáveis riscos, a fim de alimentar nos pobres a
consciência de sua dignidade e a esperança de um mundo
diferente...353
Para que a Igreja recupere sua dimensão profética deve aprender, num
primeiro momento, a se interessar pelos problemas humanos reais, e para isso, deve
viabilizar um modelo de educação que preze pelo reconhecimento do outro, no
encontro dialógico. Como já foi visto no capítulo dois, não é possível instaurar a
solidariedade como imperativo ético-político sem o reconhecimento do outro, seus
sofrimentos, suas limitações, seus medos, sua maneira de ser e de enxergar o
mundo, enfim, sua outridade.356
Também, num segundo momento, a Igreja deve promover uma educação que
coloque em “xeque” as certezas adquiridas ao longo da vida, certezas que na
maioria das vezes impedem as pessoas de ter esperança,357 continuar lutando pelos
seus ideais, pois dão a impressão de que tudo está perfeito. Primeiro, porque o ser
humano é um ser inacabado, em construção, por isso um ser de incertezas.
354
CODINA, Victor. Op. cit., p. 23.
355
BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder, p. 127.
356
Vide capítulo II, notas de rodapé nº 67 e nº 68.
357
Vide capítulo II, nota de rodapé nº 85.
121
358
Vide capítulo II, nota de rodapé nº 71.
359
Cf. ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung Mo. Op. cit., p. 256.
360
Cf. SUNG, Jung Mo. Conhecimento e Solidariedade: educar para a superação da exclusão social,
p. 61.
361
CODINA, Victor. Op. cit., p. 114.
362
Cf. BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder, p. 126.
122
Propor uma Igreja solidária, e por isso profética, é propor uma comunidade
que, fiel aos ideais do Reino de Deus, possa, através de sua prática relativizar, além
dos valores dos outros, os seus próprios. É propor uma comunidade que “reme
contra a maré” dos nossos tempos, que são marés extremamente poderosas por
nascerem nas águas longínquas do Iluminismo. Relativizar as certezas que geram
arrogância, diferenças, racismos, segregações. Relativizar os
dualismos/individualismos que geram desencontros, desconhecimentos. Relativizar
a noção de corporeidade e desejo visto que somos humanos porque desejamos e
corporificamos nossos desejos. Essas são as prerrogativas da Igreja profética e
solidária que pode emergir como contra-cultura, como fomentadora de valores
esquecidos e vilipendiados pela cultura desumana vigente.
363
BOFF, Leonardo. Op. cit., p. 136.
364
Cf. BOFF, Leonardo. Op. cit., p. 237.
365
Cf. TILLICH, Paul. Dinâmica da Fé, pp. 5-7.
123
366
Segundo Tillich, “algo que nos toca incondicionalmente se torna sagrado” e “o sagrado é
essencialmente ‘mistério’”. Cf. TILLICH, Paul. Op. cit., pp. 13-14.
367
TILLICH, Paul. Op. cit., p. 15.
124
Para Codina, “este é o grande desafio lançado aos cristãos de nosso tempo:
voltar a unir fé e solidariedade”.369 Se a Igreja hodierna, fiel aos ideais do Reino de
Deus, aparecer como espaço de solidariedade, de fraternidade, de comunhão,
poderá emergir como uma instituição mediadora da justiça e da coesão social, num
mundo onde as instituições, em tempos de crise, estão voltadas para si mesmas.
368
Vide capítulo I.
369
CODINA, Victor. Op. cit., p. 119.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Salamanca: Ediciones Sígueme, 1979, pp. 9-37.
__________. Commentary upon the Acts of the Apostles. – Volume First. - Michigan:
Eerdmans Publishing Company, 1957.
CASTRO, Clovis Pinto de. Por Uma Fé Cidadã: A dimensão pública da igreja –
fundamentos para uma pastoral da cidadania. São Paulo: UMESP/LOYOLA, 2000.
130
Damásio, Antonio. O mistério da consciência. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000.
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. - 23ª edição. - Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1999.
__________. Pedagogia do Oprimido. 16ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
LESSA, Vicente Themudo. Calvino (1509-1564): Sua vida e sua obra. São Paulo:
Cruzeiro do Sul, 1934.
132
MADURO, Otto. Religião e Luta de Classes: Quadro teórico para a análise de suas
inter-relações na América Latina. 2ª Edição. – Tradução de Clarêncio Neotti e
Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1983.
PONCE, Aníbal. Educação e Luta de Classes. 16ª Ed. – Tradução de José Severo
de Camargo Pereira. - São Paulo: Cortez, 1998.
SILVA, Divino José da. Ética e educação para a sensibilidade em Max Horkheimer.
Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2001 – (Coleção: Fronteiras da Educação).
van HALSEMA, Thea B. João Calvino era assim. – Tradução de Jaime Wright. – São
Paulo: Editora Vida Evangélica S/C, 1968.
134