Arqueologia textual, Carta de Públio Lêntulo e outros
assuntos – editou, Paulo Dias
ARQUEOLOGIA TEXTUAL
1 A arqueologia é ciência auxiliar da história. Opera
escavando o solo, determinando as camadas de terreno e se apoiando em documentos que possam esclarecer quanto à época estudada.
2 Assim como a arqueologia física trabalha com escavações,
estratigrafia e documentação, a Crítica Histórica realiza verdadeira arqueologia textual, estabelece os processos de criação do texto documental, os caminhos que percorreu, a autenticidade que possui. Um dos seus aspectos mais importantes, a Crítica das Formas examina a aparência dos textos em determinada sociedade, p.ex., cartas, documentos jurídicos, literatura religiosa, etc.
3 Exemplo prático: em escavações na Palestina, sempre que
achamos uma lâmpada, uma lamparina, igualzinha àquelas de Aladim, pequeno recipiente parecido à chaleira, com um biquinho, em geral feita de barro --- sempre que a encontramos, sabemos que é local sagrado, quase sempre túmulo de homem/mulher santo/a: lugar de devoção popular. Do mesmo modo, sinais característicos de um texto evidenciam sua proveniência e idade, caminhos históricos por onde passou, processos de criação, etc. A isto podemos chamar *arqueologia textual*. CRÍTICA DAS FORMAS
4 Fazendo a arqueologia textual ou a crítica das formas do
NT vemos que compõe-se de camadas historiais como na cebola. Olhando de fora em primeira leitura, divisamos apenas a superfície, o estrato mais recente; à medida em que vamos comparando textos, mergulhamos em substratos cada vez mais antigos. Temos, pois, uma forma final: a dos 4 evangelhos canônicos hoje disponíveis; formas primitivas que eles contêm (e outros evangelhos); e formas intermediárias, também contidas neles (e em outros evangelhos).
5 Exemplo prático: as fichas policiais da época (sem fotos)
descreviam a pessoa, p.ex., "olhos pretos, rosto redondo, cabelo curto", logo, a famosa Carta de Públio Lêntulo era, na origem, apenas uma ficha policial, ou, "cabelo da cor de vinho, olhos claros, [acusação:] ensina a igualdade entre os homens". As outras coisas que surgem na carta são formas intermediárias nascidas da tradição cristã.
ESTRATIGRAFIA DO NT
6 Abreviando estudos, o estrato mais antigo é Mt caps. 5-7
(30 d.C.), em seguida Mt 13 (40 d.C.), em seguida Marcos caps. 1-9 (50 d.C.). O estrato superficial, o texto propriamente dito tal qual o vemos ao abrir nosso exemplar do NT provém do séc. II entre os anos 250 e 300; o testemunho mais antigo dele é de Orígenes, não antes de 230.
7 De propósito, deixamos de lado especulações ainda mais
antigas quanto a João, que contém fragmentos, p.ex., Jo 1,1-18, provenientes de festas hebraicas muito antigas e do tempo de João Batista. É bom notar ainda que a forma final de Gálatas, de Paulo (50 d.C.), é mais antigo do que qualquer destes textos, e que a epístola de Tiago (45 d.C.) é ainda mais antiga na sua forma final.
8 Mas no geral a estratigrafia-datação é esta acima referida:
1: Srm. Montanha - 2: Parábolas - 3: Marcos, sendo este o evangelho NARRATIVO mais antigo já que os estratos 1 e 2 são apenas de provérbios e parábolas, sem passagens biográficas (como em Gálatas e Tiago). No sentido absoluto, os mais antigos: tiago e Paulo. No sentido relativo, Mateus (Sermão da Montanha) e Marcos.
EXEMPLO PRÁTICO: é como nas mensagens de correio
eletrônico, "Re:Re:Re:" em que as mais recentes vão se jogando sobre as outras; o processo de criação foi este mesmo, somatório de cartas trocadas pelos Pais da Igreja entre as diversas comunidades. Aditemos, a forma final dos 4 evangelhos de hoje resulta de compromisso político entre as 4 grandes Igrejas da Antigüidade: Roma-Alexandria, Jerusalém, Antioquia, Éfeso. Paulo Dias.
CROSSAN, J. Dominic, Jesus, uma biografia revolucionária, Ed. Imago. (Autem),
O Jesus Histórico, Ed. Imago. MACK, Burton, O Livro de Q, O Evangelho Perdido e as Origens Cristãs, Ed. Imago. RENAN, Ernest, História do Cristianismo Primitivo, 6 vol. Ed. Lello.