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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Introdução
DISCIPULADO,
UMA CIÊNCIA ESQUECIDA

“O discipulado é
comprometimento com Cristo;
por Cristo existir, tem que
haver discipulado. Uma
concepção de Cristo, um
sistema doutrinário, um
conhecimento religioso geral da
graça ou do perdão não
implicam necessariamente o
discipulado; na realidade,
excluem-no, são hostis a ele”.
Dietrich Bonhoeffer

No convívio com colegas pastores a maior


dificuldade que observo nos comentários em
geral é sobre o tema discipulado. Não que

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seja o tema mais falado, mas justamente


porque é algo que todos concordam da
importância, mas ninguém se arrisca a dizer
que faz efetivamente. Ou pelo menos
ninguém tem segurança para tratar do tema.
Sempre questionava o perfil do mundo
cristão nos nossos dias. Desde quando
ensinava em seminários e EBDs me deparava
com perguntas tipo “A Igreja Primitiva era
parecida com essa aqui?”; ou “Se Jesus
viesse a esta igreja seria aceito ou
rejeitado?”. Não fui o único a fazer essas
perguntas, mas confesso que a maioria das
respostas, quase todas, eram uma negação
da realidade da cristandade de então.
Esta inquietação pessoal aumentou
sobremodo com o passar dos anos, e
acentuou-se com uma palavra de um pastor
amigo, Oriosvaldo: “Nils, faça discípulos”,
repetia ele. Juntando esta inquietação com
uma palavra exortativa aguda e precisa,
encontrei-me na SEPAL, ouvindo Howard
Snyder e Ralph Neighbour. De fato consegui
ali pela primeira vez enxergar a estrutura da
Igreja, as relações reais, a vida normal da
Igreja, e rede de relacionamentos e
ministração, o sacerdócio dos santos, o
crescimento espiritual de cada discípulo.
Daí foi fácil enxergar a simplicidade do

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que Jesus veio trazer. Ele não mandou fazer


discipulado, mandou fazer discípulos.
Discipulado é o processo de formação de
pessoas para serem discípulos de Jesus. Não
gosto de chamar só de ‘formar discípulos’
simplesmente. James Houston esclarece, no
seu excelente livro MENTORIA ESPIRITUAL,
que precisamos transformar indivíduos em
pessoas. A individualidade do discípulo, como
criatura única especial, é importante de ser
ressaltada, pois muito se imagina que
discipulado é fabricação em série de gente
alienada e controlada.
A caminhada de um pastor, rumo ao
discipulado, indubitavelmente é uma
caminhada de desconstrução. O padrão de
êxito ministerial via de regra tem a ver com o
crescimento material da “instituição”, com
eloqüência e aparência grandiloqüente.
Assim, imaginar “encaixar” o discipulado
neste quadro é quase impossível. Na verdade
é mesmo impossível de raciocinar e entendê-
lo, com uma mente voltada para o evangelho
institucional.
Cremos que as coisas de Deus só
funcionam do jeito de Deus. Não pode haver
mistura entre princípios-de-Deus e métodos-
do-homem. Se não entendermos essa
questão do Odre não conseguiremos

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recepcionar e manter o vinho novo trazido


por Jesus. É muito fácil abrir a boca e dizer
que ‘o vinho novo é o evangelho’, desde
quando isso é só uma frase. Mais que isto, o
povo que não conhece ao Senhor precisa
perceber este vinho dentro do odre. Odre fala
da estrutura funcional e orgânica da Igreja, e
o vinho evidentemente é o Evangelho, mas
não um conjunto de verdades, senão o
Evangelho praticado, o Evangelho que se
pode observar na vida dos que o carregam
em si.
Por que o evangelho na U.T.I.? Porque não
é o Evangelho, mas o evangelho, com letra
minúscula. O evangelho vivido pela
cristandade, que envergonha, que é maldito
pela desobediência velada às Escrituras. Este
evangelho dos “santos evangélicos”, como
disse Juan Carlos Ortiz, desconstrói, desonra
a Deus, confunde. Confunde de tal modo que
não se sabe bem quem era Madre Tereza de
Calcutá, se uma cristão verdadeira ou uma
religiosa altruísta. Muita gente define
pessoas por rótulos, não pela vida.
Evangelho na U.T.I.? Sim, na U.T.I. por
conta da falta de aplicabilidade de coisas
elementares, pela mistura de coisas santas
com coisas humanas. Pelo estilo ‘crente’ de
ser, onde 58% das verbas do Escândalo das

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Sanguessugas foi surrupiada por estes


“justos”, que representam cerca de 20% do
Congresso, mostrando que “os justos”
roubam 5 vezes mais que os “infiéis”.
Vejamos alguns aspectos, portanto, das
áreas essenciais em que podemos mexer,
mexer fundo, visando a restauração da
relevância e pertinência desse Evangelho
que é, em verdade, o Poder de Deus!

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Capítulo 1
JESUS FAZ DISCÍPULOS

“O que Ele estabelece não é


uma doutrina de
mandamento sque temos
que cumprir; por outro lado,
ele também não ensina de
maneira vaga, sem
conseqüências para a nossa
conduta. A nova doutrina
quer nos levar também a um
novo comportamento”.
Anselm Grün

Jesus encontrou, na Palestina, um contexto


bastante interessante para iniciar a
revelação de um odre novo.
As sinagogas eram “templos” judaicos

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espalhados pelas cidades, com propósito de


ensinar as Escrituras, e preservar o seu lugar
de destaque ante o povo de Deus. Podemos
dizer que o judeu é o povo do livro. Ademais,
o conceito de discípulo era já conhecido. Os
mestres judeus eram ‘grandes rabinos’, com
muitos seguidores, e se tornaram inclusive
famosos no seu tempo.
Semelhantemente no mundo grego o
conceito de mentor era por demais
conhecido. A educação das famílias mais
abastadas, ou mesmo a formação de líderes
e sábios estava diretamente vinculada ao
‘discipulado’ com um sábio reconhecido.
Assim, Jesus chega encontrando um
contexto que coexistem
- templos para reuniões litúrgicas e de ensino
- mestres que reúnem e possuem discípulos
pessoais.

O ministério de Jesus inicia-se no


relacionamento primário com pessoas, que
passam a conhecê-lo antes mesmo de que
Jesus os convoque para seguí-Lo.
Mateus 4.18 - E Jesus, andando junto ao mar da Galiléia, viu a
dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, os quais lançavam
as redes ao mar, porque eram pescadores;19 - E disse-lhes: Vinde
após mim, e eu vos farei pescadores de homens.20 - Então eles,
deixando logo as redes, seguiram-no.21 - E, adiantando-se dali,
viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão,

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num barco com seu pai, Zebedeu, consertando as redes; 22 - E


chamou-os; eles, deixando imediatamente o barco e seu pai,
seguiram-no.

João 1.35 - No dia seguinte João estava outra vez ali, e dois dos
seus discípulos;36 - E, vendo passar a Jesus, disse: Eis aqui o
Cordeiro de Deus.37 - E os dois discípulos ouviram-no dizer isto, e
seguiram a Jesus.40 - Era André, irmão de Simão Pedro, um dos
dois que ouviram aquilo de João, e o haviam seguido.41 - Este
achou primeiro a seu irmão Simão, e disse-lhe: Achamos o Messias
(que, traduzido, é o Cristo).

Jesus é apontado por João Batista, que era


apenas um predecessor. Apontando a Cristo,
logo dois dos seus discípulos – André e Simão
– seguem Jesus. Assim dá-se início a um
ajuntamento de pessoas que reconhecem em
Jesus algum atributo especial de mestre.
Embora não tenha sido formado aos pés de
nenhum rabino famoso de então, Jesus atraía
pessoas para segui-lo, inicialmente por
atributos de liderança ligados à Sua própria
espiritualidade.
Ao terminar seu discurso no chamado
Sermão do Monte, já eram multidões que o
seguiam, e reconheciam autoridade nas suas
palavras (Mat 7.28). Mas nem por isto as
multidões eram discípulos. Aliás, ressalte-se
aqui que o Sermão do Monte não foi falado
de pé, nem gritado em alta voz, mas falado
aos doze, que certamente fizeram que as

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palavras chegassem a toda multidão (Mat


5.1,2).
De uma multidão o seguindo Jesus escolhe
doze discípulos, logicamente preterindo
outros.
Marcos 3.13 - E subiu ao monte, e chamou para si os que ele quis;
e vieram a ele.14 - E nomeou doze para que estivessem com ele e
os mandasse a pregar,15 - E para que tivessem o poder de curar as
enfermidades e expulsar os demônios:
Seus doze agora começam a acompanhar
Jesus em todos os instantes. O espaço não
permite relatar todos os eventos, mas citarei
alguns.
Texto Relato Observação
Mat 8.23 Jesus entra no barco Jesus dormindo em meio ao incessante
trabalho dos discípulos para controlar o barco
Mat 9.10 Jesus em casa Jesus está comendo em sua própria casa com
seus discípulos, e chegam muitas pessoas
Mat 12.1 Jesus está no meio Jesus ensina seus discípulos usando o
do campo de contexto do que há em redor – plantação
plantação pronta para colheita
Mat 26.36 Jesus vai orar no Jesus ora, esperando que seus Doze pelo
Getsêmane menos vigiem, mas estes dormem de cansaço
Mc 3.7-9 Jesus ministra a partir Seus Doze mantêm barco reserva de prontidão
do barco para o caso de a multidão comprimir Jesus
Mc 14.16 A Última Páscoa Os Doze preparam o local e a Ceia
Luc 8.51 Jesus vai à casa de Escolhe os 3 discípulos para presenciar a cura
Jairo da filha do chefe da sinagoga
Luc 8.1-3 Jesus vai de cidade Várias pessoas compõe a comitiva de Jesus,
em cidade que o segue por onde vá.
João 3.22 Jesus vai à Judéia Jesus e seus Doze batizando pessoas, embora
com seus discípulos fossem eles, e não Jesus, quem batizava
João 4.8,27 Jesus e a mulher Os discípulos vão comprar comida para Jesus,
samaritana voltam e vêem Jesus conversando com a
mulher

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As situações descritas nos Evangelhos


evidentemente não encerram todas as ações
e atividades desenvolvidas por Jesus e seus
Doze. Na verdade são muitas, como acima
vimos. O fato comum é que a formação dos
discípulos se deu no meio das situações da
vida, e não da maneira até então mais aceita
no contexto judaico – através de ensino
didático-pedagógico do mestre para o
discípulo.
Menos importante que definir o que não
foi o discipulado de Jesus é enfatizar a base
de toda a formação de um discípulo. Jamais
as palavras podem alcançar diretamente a
realidade de um discípulo, pela simples razão
de que as palavras são filtradas pela mente
do aluno, que absorve somente parcialmente
verdades e crenças.
Ademais, maior dificuldade ainda se
interpõe entre a vida e a prática: nem tudo
que se absorve a pessoa sabe como colocar
em prática. Somente o ensino em plena
vivência alcança a máxima eficiência em
aplicação.
Foi exatamente isto que Jesus fez: Jesus
chamou discípulos para adentrarem em um
estilo de vida. Chamou-os para aprender a
viver, chamou-os para uma vida. Foi no meio

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desta vida que Jesus pôde ministrar em plena


demanda observada. Cada situação tinha seu
ensino. Dois exemplos relevantes são aqui
citados.
Luc 9.51 - E aconteceu que, completando-se os dias para a sua
assunção, manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém.52 - E
mandou mensageiros adiante de si; e, indo eles, entraram numa
aldeia de samaritanos, para lhe prepararem pousada,53 - Mas não
o receberam, porque o seu aspecto era como de quem ia a
Jerusalém.54 - E os seus discípulos, Tiago e João, vendo isto,
disseram: Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os
consuma, como Elias também fez?55 - Voltando-se, porém,
repreendeu-os, e disse: Vós não sabeis de que espírito sois.56 -
Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos
homens, mas para salvá-las. E foram para outra aldeia.
Mat 20.20 - Então se aproximou dele a mãe dos filhos de Zebedeu,
com seus filhos, adorando-o, e fazendo-lhe um pedido.21 - E ele
diz-lhe: Que queres? Ela respondeu: Dize que estes meus dois
filhos se assentem, um à tua direita e outro à tua esquerda, no teu
reino.22 - Jesus, porém, respondendo, disse: Não sabeis o que
pedis. Podeis vós beber o cálice que eu hei de beber, e ser
batizados com o batismo com que eu sou batizado? Dizem-lhe eles:
Podemos.23 - E diz-lhes ele: Na verdade bebereis o meu cálice e
sereis batizados com o batismo com que eu sou batizado, mas o
assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence
dá-lo, mas é para aqueles para quem meu Pai o tem preparado.24
- E, quando os dez ouviram isto, indignaram-se contra os dois
irmãos.25 - Então Jesus, chamando-os para junto de si, disse: Bem
sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados, e que
os grandes exercem autoridade sobre eles.26 - Não será assim
entre vós; mas todo aquele que quiser entre vós fazer-se grande
seja vosso serviçal;

Em ambos os casos nenhuma pregação

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resolveria, pois os discípulos não veriam em


si mesmos esses erros. Na verdade, no
sistema atual evangélico, o ‘crente’ ouve as
coisas e vai para casa; depois liga a TV e põe
mais um monte de informação pra dentro ‘da
cachola’, e... foi-se a prática! Obedece
quanto lembra!
Jesus fazia discípulos na naturalidade da
Sua vida, se é que se pode qualificar de
“natural” sua vida. De todo modo, ao lermos
o Evangelho vemos Jesus
- Dormindo Mat 8.24 - Chorando Luc 19.41
- Comendo Mat 11.18,19 - Andando Mat 4.18
- Em sua casa Mat 9.10 - Em casa de seus
discípulos Mt 8.14
- Orando Luc 9.29 - Na casa de religiosos Luc 7.36

Não vou citar tudo que Jesus fez. Basta


dizer: Jesus foi um perfeito ser humano, e
também um ser humano perfeito. Ele fez
tudo que nós fizemos, até foi tentado em
tudo, mas sempre sem pecado (Heb 4.15).
Jesus teve que até mesmo aprender a
obedecer (Heb 5.8)!!!
Neste contexto todo, pessoal e social,
Jesus inseriu os seus discípulos. Jesus foi Ele
mesmo. Jesus não foi “crente”. Jesus não foi
nem cristão – Jesus foi Ele mesmo, Jesus foi
santo, Filho de Deus, gente de carne e osso,
comprometido, irou-se, fez declarações forte,

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ensinou, curou, andou, comeu, dormiu,


exortou, orou... foi gente! E sendo gente fez
discípulos, discípulos-gente!
Jesus não tentou fazer discípulos, ele fez!
Jesus conseguiu o impossível – avisar que ia
desaparecer, e fazer a sua obra se expandir
muito mais na sua ausência que na sua
presença.

EM SUMA: DISCIPULADO É FAZER


O QUE JESUS MANDOU
DO JEITO QUE ELE FEZ.

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Capítulo 2
DISCIPULADO: IMPEDIMENTOS
NA VIDA PÓS-MODERNA

“Os pastores não deveriam


pregar um novo sermão até
que as pessoas que lideram
fizessem o que ele lhes
pediu no sermão anterior”.
John Maxwell

Na Igreja hodierna temos dificuldades


sérias para levar a sério o ensino e as
práticas bíblicas. Seria muita presunção
nossa, igreja no novo milênio, acharmos que
somos melhores que “a Igreja” de outros
tempos (ressalto aqui que a Igreja é

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atemporal; quando me refiro a Igreja de


outro tempo me refiro à Igreja Militante, não
à Igreja Gloriosa ou ao Corpo Místico).
Temos, de fato, acúmulos históricos que
nos favorecem. O mais óbvio deles é o
acesso às Escrituras, obviamente. Nos
tempos bíblicos, os textos do Antigo
Testamento ficavam na guarda dos judeus,
em sinagogas. Jesus mesmo leu um texto
desses e “devolveu o livro ao ministro” (Luc
4.17,20). Outro aspecto interessante é, nos
dias de Paulo a língua comum era o grego, e
o Império Romano havia aberto estradas e
rotas que uniam o Império, de tal modo que
a expansão do Evangelho seguia mais ou
menos a rota política e geográfica de então.
Hoje temos a abertura de “estradas”
virtuais e reais da comunicação, além da
língua inglesa, correndo como favorável à
expansão do Evangelho. Ocorre que qualquer
contexto que favorece a propagação de
coisas boas possibilita a disseminação de
outras tantas terríveis, malignas e
demoníacas. Sabemos que mais de 80% das
imagens existentes na Internet são
pornográficas. E o sexo adentrou nas casas
mediante via fácil da disseminação da
Informática e Internet. Ou seja, por onde
entra coisa boa pode entrar coisa ruim.

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Pela imprensa disseminam-se verdades,


mas também mentiras. Prolifera-se a
quantidade de informação, aos milhares, o
que torna o trabalho de separação do que
seja lixo muito mais complexo.
O avanço do conhecimento humano,
previsto na Palavra, passa por caminhos e
descaminhos que fogem obviamente ao
controle humano. Uns textos interessantes
eu separei para pensarmos.
Jó 35:16 - Logo Jó em vão abre a sua boca, e sem ciência
multiplica palavras.
Salmos 139:6 - Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta
que não a posso atingir.
Daniel 12:4 - E tu, Daniel, encerra estas palavras e sela este livro,
até ao fim do tempo; muitos correrão de uma parte para outra, e o
conhecimento se multiplicará.
I Timóteo 6:20 - Ó Timóteo, guarda o depósito que te foi confiado,
tendo horror aos clamores vãos e profanos e às oposições da
falsamente chamada ciência,
Colossenses 2:3 - Em quem estão escondidos todos os tesouros da
sabedoria e da ciência.
O conhecimento humano é complexo
demais, dado ser complexo de aprendizagem
e interpretação dos dados que se dispõe. O
homem corre sério risco de afastar-se cada
vez mais da verdade justamente pelo
emaranhado de informações muitas vezes
contraditórias. Dispor dessas informações,
captar, interpretar corretamente é algo que
foge obviamente à capacidade de quem quer

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que seja. Como saber “a verdade” (Jo 18.38).


Os textos acima apontam ou afirmam o
seguinte:
 É muito fácil o homem afirmar coisas sem
conhecimento. Corrobora aqui com o 3º
Mandamento “Não tomarás o Nome do
Senhor em vão”.
 A ciência é elevada demais para o
homem. A seguir aponto um texto de
Provérbios maravilhoso.
 A ciência, o conhecimento, se multiplicou,
de fato. O próprio racionalismo humanista
cava seu próprio poço sem fundo,
buscando resposta e desconsiderando a
diferença entre conhecimento e sabedoria.
 A ciência, o conhecimento, são
essencialmente polêmicos, porque lidam
com o contraditório. Buscam respostas pelo
questionamento dos pressupostos atuais.
Destroem para construir. Um bom exemplo
da ciência sem vida, nos dias atuais, é a
teologia liberal, que simplesmente
questiona o Cânon Sagrado, “derruba”
Adão, Abraão, Davi, Jó e outros, e quebra o
princípio da autoridade das Escrituras sobre
nossas vidas.
 O verdadeiro conhecimento é revestido de

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mistério e enigma, mas está escondido em


Cristo. Lembro aqui todo o mistério
profético que cercou a vinda do Messias.
O texto-áureo de Col 3.2, citado acima,
revela que em Cristo se encerra toda a
revelação da sabedoria e conhecimento. Algo
está para ser explorado ainda, em toda a
sabedoria revelada na pessoa de Cristo.
Certamente o discipulado é um dos mistérios
mais profundos a ser perscrutado.
Certamente também a psicologia e a filosofia
tangenciaram muita coisa que Jesus ensinou
e praticou com seus discípulos. Citarei vários
desses aspectos de forma objetiva,
comprovando tacitamente o ministério de
Jesus como o mais didático, profundo,
penetrante, completo e perfeito processo de
formação de pessoas e discípulos.
Vejamos um texto de Provérbios 8:
12 - Eu, a sabedoria, habito com a prudência, e acho o
conhecimento dos conselhos.
14 - Meu é o conselho e a verdadeira sabedoria; eu sou o
entendimento; minha é a fortaleza.
15 - Por mim reinam os reis e os príncipes decretam justiça.
16 - Por mim governam príncipes e nobres; sim, todos os juízes da
terra.
17 - Eu amo aos que me amam, e os que cedo me buscarem, me
acharão.
18 - Riquezas e honra estão comigo; assim como os bens duráveis
e a justiça.
21 - Para que faça herdar bens permanentes aos que me amam, e

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eu encha os seus tesouros.


22 - O SENHOR me possuiu no princípio de seus caminhos, desde
então, e antes de suas obras.
23 - Desde a eternidade fui ungida, desde o princípio, antes do
começo da terra.
24 - Quando ainda não havia abismos, fui gerada, quando ainda
não havia fontes carregadas de águas.
A sabedoria e o conhecimento se
subordinam totalmente a Deus, a ponto de
podermos dizer que quem rejeita a
simplicidade do Cristo Encarnado, em todas
as suas dimensões e expressões como o
Jesus Histórico, adota postura de julgar a
sabedoria de Deus, e, portanto, perde
completamente a sensatez. Abandona a
verdadeira sabedoria, e torna-se louco,
néscio.
Lucas 24:25 - E ele lhes disse: Ó néscios, e tardos de coração
para crer tudo o que os profetas disseram!
Romanos 1:22 - Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos.
Romanos 2:20,21 - Instrutor dos néscios, mestre de crianças, que
tens a forma da ciência e da verdade na lei; Tu, pois, que ensinas a
outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve
furtar, furtas?
II Coríntios 12:11 - Fui néscio em gloriar-me; vós me
constrangestes. Eu devia ter sido louvado por vós, visto que em
nada fui inferior aos mais excelentes apóstolos, ainda que nada
sou.
Efésios 5:15 - Portanto, vede prudentemente como andais, não
como néscios, mas como sábios,
Por que abandonamos Jesus nas páginas
das Escrituras? Por que somente o temos em

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pregações? Pregar o poder de Jesus sem


mostrar O QUE de fato Ele veio fazer é furtar-
lhe a revelação da Sua Humanidade para
nós.
Em exemplo: Esquecemos que o Sermão
do Monte foi ensinado, não pregado. E mais:
foi ministrado aos Doze, não à multidão. E
ainda: Jesus o ministrou sentado. Assim,
terminamos indo só em busca do
espetaculoso, do portentoso, do Jesus
Milagroso. Ou às vezes do Jesus Vicário, a
salvação pura e simplesmente.
A resistência da Igreja Pós-Moderna ao
discipulado é reflexo de todo um processo de
mistura das verdades de Deus com as
pseudo-verdades da ciência humana.
Misturada e confusa, o homem aprofunda
sua pesquisa em si mesmo, em suas próprias
dúvidas, não em Cristo. Aprofundar o
conhecimento na pessoa de Cristo, na sua
mensagem, na sua vida e em todas as
implicações na realidade humana, nos leva a
um posicionamento bem prático e bem
simples. Por que? Porque é através da prática
do ensino de Jesus que se verifica sua
validade.
João 7:16,17 - Jesus lhes respondeu, e disse: A minha doutrina
não é minha, mas daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a
vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus, ou

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se eu falo de mim mesmo.


Algumas resistências práticas à
radicalidade do discipulado:
 Falta de radicalidade da convicção
e da fé. Muitas coisas que se acredita são
na verdade fé superficial. O pastor ou líder
não está disposto a morrer pelo que
acredita. Como abraçará algo que não
está acostumado, se não acredita.
 Pecados ocultos. É complicado para
quem não se arrependeu imaginar que
seu discípulo pode observar e tomar
conhecimento da “vida oculta”. Claro que
não há discipulado sem transparência.
Qualquer coisa que se esconde
propositadamente, pelo motivo que for,
provoca rachaduras na relação e na
comunhão.
 Medo de sofrer. A possibilidade de um
discípulo não aceitar, fugir, trair, falar mal
ou coisa parecida provoca “calafrios” no
pastor ou líder. Interessante é que, de um
modo ou de outro, essas coisas ocorrerão,
porque dores, angústias e abatimentos
são rotina normal da vida de serviço ao
Senhor. Elas farão parte, de um jeito ou de
outro, do ministério de qualquer discípulo
de Jesus.

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 Estrelismo e Personalismo. Muitos


usam o ministério como trampolim de
auto-afirmação. Usando um raciocínio
psicológico, não resolve o complexo de
Herói, e fica sujeito a ele, percorrendo
caminhos claramente personalistas, como
compensação muitas vezes de uma
menos-valia.
 Medo de manipulação. Muito do que
se evita decorre de achar que o
discipulado é a manipulação da
individualidade e da vida íntima pessoal
do discípulo. Interessantemente que em
nenhum momento os Evangelhos mostram
algo semelhante com Jesus. Esse medo
pertence ao próprio ser humano,
normalmente decorrente de sua
experiência familiar.
 Tradição Evangélica. Como priorizar
discípulos se ninguém faz isso? É muito
mais fácil fazer o óbvio, “o caminho da
roça”, do que ir “contra a maré”. Alugar
um salão, montar uma boa banda,
comprar cadeiras, ter uma boa
eloqüência, etc... isso é o lugar-comum da
ministério evangélico “Gospel”. Às vezes a
pessoa até declara “Eis-me aqui”, mas
como saber o que fazer? É só fazer a obra
de Deus, que é a repetição do que existe

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no movimento evangélico.
 Contexto negativo da corrupção da
autoridade. É tão correntemente aceita a
tese da corrupção generalizada das
figuras de autoridade que pouco se deseja
enfrentar esse paradigma. Derrubá-lo
implica em 1.ser pessoalmente exemplo
de discípulo, e 2.aceitar que Deus age na
Igreja, pelas autoridades. Não adianta
pensar que as coisas no mundo são iguais
às coisas na Igreja. Nós não somos deste
mundo, e consequentemente não se pode
raciocinar um organismo divino como se
valessem os pressupostos mundanos.
 Falta de interesse genuíno pelo
Outro, pelo ser humano (egoísmo).
Que outro motivo mais pessoalmente
perverso e verdadeiro que este? A
preguiça em se gastar por pessoas é
substituída pelo ativismo institucional. É
muito fácil ver gente dizendo “vamos fazer
a obra de Deus”, e esta frase na verdade
significar ensaios, reuniões, pregações,
cantorias, salas de aula, etc. Mas, cadê o
tempo para a pessoa humana? Cadê a
mesma dedicação com o irmão que tem
uma dificuldade que demanda paciência e
persistência?

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 Rendição conceitual ao espírito


deste século. O Humanismo-secularismo
incutem conceitos egocêntricos e
individualistas, que precisam ser banidos
da concepção e da cosmovisão de quem
se converte. Um exemplo é a tal liberdade
e individualidade, que não encontram
respaldo na mais simples teologia paulina
da Igreja. Cada membro que é inserido no
Corpo passa a ter sua identidade Nele, e
não individualidade. Logo, a prestação de
contas aparece como uma espécie de anti-
corpo, antivírus de proteção às infecções
mundanas. Não se pode admitir que
somente se incorporem novos conceitos. É
preciso expurgar o fermento mundano do
individualismo, e tantos outros conceitos
que bem refletem o espírito do presente
século mau.
Estas e outras que porventura eu tenha
esquecido fazem parte do contexto cristão
atual, uma verdadeira patologia evangélica.
É possível convivermos com as mais sórdidas
posturas e sentimentos sem um nível de
pudor que nos leve à mudança ou à tentativa
de buscar respostas e novos hábitos
ministeriais pessoais.
A Pós-Modernidade relativiza a verdade.
Nesta época afirma-se que ninguém tem a

24
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

verdade, e que ela é construída pela soma


das ‘nossas’ verdades. Também enfatizam-se
as diferentes opiniões, dizendo-se que todas
elas são pertinentes, pois ‘ninguém tem a
verdade absoluta’.
Não querendo aqui contestar ou explanar
mais profundamente estes pensamentos,
afirmo somente que eles servem de base a
uma perda completa da autoridade das
Escrituras como fonte de fé e prática. Fé, por
revelação; prática, por ensino e exemplo dos
homens de Deus. O que Paulo fez ou
escreveu passa a ser “o estilo de Paulo”, ou
“a opinião de Paulo”. O que Jesus fez passa a
ser “Foi o que os evangelistas viram a partir
de relatos verbais”, e o ensino radical “Jesus
não quis dizer isso...quis dizer aquilo”. As
práticas de Jesus, então, ficam relegadas
“naquela época era assim...hoje em dia não
funciona mais assim”.
Esta simplificação pós-moderna é o mais
arbitrário argumento que se pode ter notícia.
Talvez alguém o compare aos tempos da
Inquisição, quando bastava discordar do
posicionamento oficial da Igreja que seria
execrado. Mas certamente esta argumento é
pior: ele não é afirmativo (“isso é certo”), é
destrutivo. Ele não afirma nada, apenas diz
que o que existe não é! Portanto, o

25
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

argumento relativista pós-moderno é


negador, destruidor de identidade, reflexo da
própria incerteza do homem pós-moderno, e
doente como ele.
Por esta razão também é que o cristão
atual não busca com convicção, nas
Escrituras, respostas aplicativas práticas
para fazer as coisas. A Palavra de Deus
passou a ser reduzida a verdades a serem
acreditadas. Ou discordadas!...
Sem se submeter à Palavra de Deus para
definir as práticas, O Evangelicalismo
autentica-se a si mesmo para o que faz. É
auto-referente. Se faz Missões de dado jeito,
é o certo. Se Deus opera “aqui” assim, então
“é assim que Deus opera”. Se a estrutura
eclesiástica “que adotamos”, diz o líder, “é
essa”, então é ‘a certa’. Ou seja, sem uma
autoridade para estabelecer-se como
referência, tudo o que se faz é aceito.
Tá bom: mas, e o que Jesus fez, do jeito
que fez? E o jeito dele de fazer discípulos?
Esse fica em segundo, terceiro ou sei-lá-que
plano. “Aceite a Jesus como Salvador” é o
que se ouve, ou “Venha ter vitória”.
Argumentos para se pregar assim não vão
faltar para quem o faz, mas a busca sincera
em submeter as práticas ao escrutínio da
palavra...bem, isso já é muito raro de se ver.

26
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Capítulo 3
POR QUE O EVANGELHO
NÃO É SIMPLES?

“O segredo de se enxergar
as coisas claramente
encontra-se na simplicidade.
Não é pelo muito pensar que
vamos conseguir resolver
uma situação confusa de
nossa vida espiritual, e sim
pela obediência”.
Oswald Chambers

Há muito tempo venho procurando

27
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

entender o perfil médio atual da igreja


brasileira, ou mesmo da igreja mundial.
Muita coisa é falada, muita coisa acontece, e
há uma fartura sem precedentes de
comunidades religiosas e correntes
teológicas, e por vezes me pergunto: Será
que alguém não-cristão consegue entender o
que está acontecendo? Será que algum novo
cristão sabe escolher entre tantas inúmeras
opções? Será que “todo caminho dá na
venda”? Será que Deus nos deu uma Bíblia
tão confusa assim, que não conseguimos
sequer manter um mínimo de uniformidade
entre os cristãos?
A diversidade de opções vai desde Igrejas
tradicionais históricas, derivadas dos ensinos
de Lutero e Calvino, passando por
tradicionais reformadas em termos de
doutrina e estruturas, adentrando por igrejas
pentecostais históricas, com ênfases
variadas no sobrenatural, chegando às
igrejas neo-pentecostais, de vários focos e
abordagens. Depois, acham-se também
comunidades livres, sem muitas pressões
sobre a membresia, e daí outras tantas com
forte ênfase no discipulado. Muitas das mais
recentes sofrem forte influência dos
conceitos empresariais administrativos, ou
mesmo pesada estrutura de entretenimento

28
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

(show).
A grande luta da quase totalidade das
igrejas atuais é medida por um raciocínio
objetivo: manter o povo vindo de novo,
manter a presença do povo. Leviano ou não,
boa parte do interesse inicial por vidas vai
sendo convertido em administração
financeira, mediante arrecadação. Aí investe-
se mais em patrimônio, estrutura e no
“show”, de acordo com o número e
necessidade dos freqüentadores, e mais
investimento requer mais dinheiro, que
aponta pra mais investimento, que requer
mais dinheiro, que...
E pergunto de novo: O que temos no
“mercado de igrejas”? O que podemos
adquirir? Alegria? Cura? Terapia? Auto-
estima? Libertação? Consolo? Prosperidade?
Placebos? Sim, temos tudo isso, cada uma
oferecendo uma coisa !...
Querido, acho que a proposta de Deus na
Palavra nada tem a ver com esse quadro. Em
que pese a inquestionável sinceridade de
boa parte dos líderes dessas inúmeras
comunidades, sinceridade não significa
preparo. Sinceridade não significa estar
certo, não significa que a pessoa está
agradando a Deus.

29
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Creio que, como diz o escritor de


Eclesiastes, Deus fez o homem reto, mas os
homens buscaram muitos artifícios (7.29).
Creio que seja porque o homem admira mais
a Árvore do Conhecimento do que a Árvore
da Vida. Admira mais a sedução e o fascínio
do poder (seja de que tipo for) do que viver
“sóbria, justa e piamente” (Tt 2.12).
Talvez quem mais devesse vigiar seu
próprio coração – a liderança – seja quem
primeiro caie na tentação de fazer as obras
que acha que Deus queira que sejam feitas.
E nesse “acho” cabe aí todo tipo de visão
particular.
A proposta deste livro é tentar re-
desenhar o esqueleto e o restante do corpo,
como sendo ele o Evangelho. É tentar
mostrar ser plenamente possível viver a vida
normal da igreja cristã, desfrutando no aqui
agora a utopia de Deus, a sua comunidade.
Não temos a presunção e o interesse de
tentar responder questões. Apenas temos
plena (100% de) convicção de que
precisamos urgente de uma reforma de
simplicidade, para possibilitar uniformizar a
linguagem aos não-cristãos (evangelismo),
uniformizar o perfil básico de um discípulo,
uniformizar o entendimento sobre vida cristã
e discipulado. Este livro se propõe a isso,

30
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

debulhando alguns conceitos, contando


algumas experiências, tentando “conversar”
com o leitor sem ruturas, mas com muita
profundidade e radicalidade – sem
radicalismos. Ou seja, pretendemos ir até a
raiz sem medo e sem traumas, pois temos
certeza que não dá mais para ter uma teoria
em papel totalmente distante da prática real
do cristão no cotidiano.

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Capítulo 4
FÉ E PRÁTICA

“O perigo é pensar que o


coração do cristianismo seja
uma fé bem ortodoxa,
recitável a qualquer
momento. A expressão
verbal é importante, pois
explicita nossa adesão; mas
prefiro dizer que cristianismo
é vida, ação, práxis. Ser
cristão não é ter uma fé
cristão, mas viver segundo
sua fé. O principal se
encontra na ação, na
concretização cotidiana ne
nossa opção fundamental

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

por Cristo, feita de modo


consciente no momento de
nossa conversão”.
J.B. Libânio

Grandes escritores sempre contribuíram


para nos levar a enxergar a nossa posição
como cristãos. Citando alguns deles na
bibliografia, e certamente esquecendo
outros, pensemos um pouco sobre a seguinte
pergunta:
O que é ser um cristão?

Parte das respostas vem na direção


teológica mais ou menos assim: “É alguém
que nasceu de novo”; “É alguém que tem a
natureza de Deus”. Outras respostas são de
natureza religiosa: “É quem segue o
cristianismo”; “É quem segue Jesus”; “É que
crê na Bíblia, crê nisso, crê naquilo”.

1. O termo CRISTÃO
Pensemos o seguinte: Quem foi que
inventou esse termo? Leia o texto abaixo (At
11.20-26):
20 Havia, porém, entre eles alguns cíprios e cirenenses, os quais,
entrando em Antioquia, falaram também aos gregos, anunciando o

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Senhor Jesus. 21 E a mão do Senhor era com eles, e grande


número creu e se converteu ao Senhor. 22 ...enviaram Barnabé a
Antioquia; 23 o qual, quando chegou e viu a graça de Deus, se
alegrou, e exortava a todos a perseverarem no Senhor com firmeza
de coração; 24 ...E muita gente se uniu ao Senhor. 25 Partiu, pois,
Barnabé para Tarso, em busca de Saulo; 26 e tendo-o achado, o
levou para Antioquia. E durante um ano inteiro reuniram-se
naquela igreja e instruíram muita gente; e em Antioquia os
discípulos pela primeira vez foram chamados cristãos.
Alguns pontos relevantes:
a) O Evangelho começa aqui a alcançar os
não-judeus gregos.
b) A graça de Deus tornava-se visível.
c) A instrução para os novos decididos foi
intensa, em um ano
d) O termo do escritor Lucas é discípulo;
logo o termo cristãos foi cunhado por
não discípulos, ou seja, os não-cristãos.
A história posterior demonstra que o
termo rapidamente “pegou”. Pegou como
descritivo explícito vinculado a um homem,
Cristo. Ou seja, os discípulos eram “pequenos
Cristos”, pequenos exemplares de Cristo.

2. A ordem de Jesus

A ordem de Jesus não foi fazer crentes, e

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

sim fazer discípulos (Mat 28.18-20).


Discípulos “bem-feitos” tornam-se parecidos
com Jesus, que aliás é o alvo padrão de todo
discípulo: Ser como Jesus (Rom 8.29; Mat
10.25; Ef 4.13).
Se foram os não-discípulos que cunharam
esse termo, então imagina-se que a nossa
vida é vista e comparada com algo. Naqueles
dias era com Jesus. E hoje, com que os não-
cristãos nos comparam? Classificam-nos
dentro de uma denominação? Como crentes?
Como católicos? Como evangélicos? O que
vêem em nós?
É querido, é complicado! São eles – os
não-cristãos – que tem que nos classificar, e
não nós mesmos. Um texto interessante
nesse sentido é a leitura de I Tim 4.12 na
seguinte direção: ser exemplo dos fiéis como
sendo um bom exemplar, uma amostra-
grátis, uma amostragem do Corpo.

3. Os 2 fundamentos

O que eu já vi de gente dizendo que Jesus


a rocha na qual estamos firmes e
fundamentados não é brincadeira! Não que
não o seja, mas há uma diferença entre ser
Pedra Angular da Igreja, e ser a pedra da

35
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

minha vida pessoal.


Coloco o texto abaixo para que
examinemos a questão do nosso
fundamento. Confira Mateus 7:
13Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o
caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por
ela; 14e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que
conduz à vida, e poucos são os que a encontram. 15Guardai-vos
dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas
interiormente são lobos devoradores. 16Pelos seus frutos os
conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos
dos abrolhos? 17Assim, toda árvore boa produz bons frutos; porém
a árvore má produz frutos maus. 18Uma árvore boa não pode dar
maus frutos; nem uma árvore má dar frutos bons. 19Toda árvore
que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo.
20Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. 21Nem todo o que me
diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz
a vontade de meu Pai, que está nos céus. 22Muitos me dirão
naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e
em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não
fizemos muitos milagres? 23Então lhes direi claramente: Nunca
vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.
24Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em
prática, será comparado a um homem prudente, que edificou a
casa sobre a rocha 25E desceu a chuva, correram as torrentes,
sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra aquela casa;
contudo não caiu, porque estava fundada sobre a rocha. 26Mas
todo aquele que ouve estas minhas palavras, e não as põe em
prática, será comparado a um homem insensato, que edificou a
sua casa sobre a areia 27E desceu a chuva, correram as torrentes,
sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra aquela casa, e
ela caiu; e grande foi a sua queda.

Observe que interessante:

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

a) Abre-se o texto com as figuras das 2


portas e dos 2 caminhos
b) Os frutos devem ser a medida para
julgarmos os profetas (que anunciam o
caminho)
c) Falar a linguagem certa (“Senhor,
Senhor”) não implica em salvação
d) Salvação é decorrente de prática
e) Será que podemos inferir que quem
não faz a vontade do Senhor pratica
iniqüidade? (v.21-23)
f) Qualquer homem que ouve as Palavras
de Jesus, teoricamente inicia uma
construção.
g) A diferença está no alicerce.

Qual é a diferença dos 2 alicerces?


A PRÁTICA !!!
Se a fé vem pelo ouvir (Rom 10.17), a
salvação vem pela prática do que se ouviu
(Mat 7.21). Um dos homens ouve e pratica; o
outro ouve mas não pratica. Ambos talvez
sejam “crentes”, mas certamente somente
um deles é discípulo. Talvez o outro esteja
seguindo um daqueles falsos profetas, mas
como não foi orientado que deveria observar
os frutos desse “guia”, está perdido. Está
caminhando pelo caminho largo, o caminho
dos que falam mas não praticam, o caminho

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

dos que praticam iniqüidades mas não põe


em prática as Palavras de Jesus. Veja
também esses outros textos, simples e
diretos.
Jo 13.17: Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as
praticardes.
Luc 6.46 E por que me chamais: Senhor, Senhor, e não fazeis o que
eu vos digo?
Mat 23.3 Portanto, tudo o que vos disserem, isso fazei e observai;
mas não façais conforme as suas obras; porque dizem e não
praticam.
Rom 2.13 Pois não são justos diante de Deus os que só ouvem a
lei; mas serão justificados os que praticam a lei.
Jo 5.29 os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida, e
os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo.

4. As Duas Árvores

Muito me chama atenção o uso das duas


árvores no processo de revelação,
treinamento e tratamento de Adão, o
primeiro homem. Digo revelação porque
mostra a metodologia de Deus; treinamento
porque estabelece limites; tratamento
porque é com base nessas 2 árvores que se
desenvolve toda a disciplina e re-arranjo da
posição do homem após o pecado.
Pelo que se deduz do texto de Gênesis 2 e
3, o homem tinha livre acesso à árvore da
vida. Tinha também acesso livre e

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

continuado a Deus. A árvore-limite, a árvore-


baliza tinha um nome sugestivo: Árvore do
Conhecimento, do bem e do mau.
O nome não foi por acaso. O poder de
fascínio do misterioso, do desconhecido, do
proibido já foi por demais falado, em verso e
prosa. Os altíssimos investimentos feitos em
pesquisas espaciais e exploração do espaço
demonstram de forma cabal este fascínio.
No que tange ao Evangelho, parece-me
claro que estamos alimentando-nos muito
mais da árvore do conhecimento do que da
árvore da vida. O “conhecimento” cresceu
muito, e a vida, na proporção inversa,
decresceu. Hoje para encontrar comunidades
estáveis, curadas, que amam e aceitam, que
vivem com naturalidade uma vida simples e
santa, que agregam novos discípulos de
forma natural e ininterrupta, que vê a mão
de Deus agindo em várias dimensões... está
difícil...
Conhecer, saber, explicar, entender são os
verbos muito enfatizados por pessoas que
hoje preocupam-se com os rumos da igreja. A
imensa maioria defende, talvez
inconscientemente, um tecnicalismo
exclusivista e segregacionista: O evangelho
cerebral do saber, onde quem mais estudou
e mais sabe é quem define o certo e errado,

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

o que é e o que deixa de ser. Assim, as


pessoas simples não podem ser consideradas
mais sábias, não podem ser líderes, não são
mais exemplo de coisa alguma. Ou seja, está
montada a religião, o dogmatismo, o
segregacionismo farisaico.
Na prática como isso é feito? Usando o
argumento incontestável de ser necessário
preparo para ser líder. Aí vem seminário,
bacharelado, teologia, mestrado,
academicismo, doutorado, discussão
teológica, apologética, homilética, exegese, e
por aí vai. Em linguagem bíblica, as
armaduras de Saul – recusadas por Davi.
São essas coisas em si pecado? Claro que
não! Contudo, obviamente representam (e
são usadas) como complicadores do
evangelho simples de Jesus de Nazaré, o
carpinteiro. Foram todas adicionadas ao longo
da história da Igreja, como remendos para
tapar furos e buracos. Será que evoluímos?
Ou involuímos? Estas adições são de Deus?
Fazem parte dos propósitos de Deus? Ou são
a nossa opinião sobre o que Deus quer? Deus
disse pra quem que deve ser assim? É
querido, realmente isso é prova de que
estamos muito mais “gordos” da comida
dessa árvore – do conhecimento – do que
árvore da vida.

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

O que seria então o fruto da árvore da


vida? Seria a prática do que se acredita. Nem
precisamos falar sobre a abissal distância
entre o discurso e a prática das igrejas
cristãs. Alimentar-se da árvore da vida é
viver, na vida cotidiana, o que se acredita; é
povoar a vida com ações condizentes com a
bela fé que se prega. É colocar em prática os
mais profundos, belos e radicais ensinos do
Mestre. Só assim experimentaremos a vida
de Cristo. Pense nos textos abaixo:
II Cor 4.10 trazendo sempre no corpo o morrer de Jesus, para que
também a vida de Jesus se manifeste em nossos corpos;
I Tim 4.8 Pois o exercício corporal para pouco aproveita, mas a
piedade para tudo é proveitosa, visto que tem a promessa da vida
presente e da que há de vir.

5. Minha experiência

Nasci num lar cristão, filho de família


cristã, ensinado desde o berço na Palavra.
Meu avô é um dos ícones históricos da
Assembléia de Deus no Brasil, o missionário
Eurico Bergsten. Meu pai um exemplo de
ortodoxia doutrinária, profundo conhecedor e
ensinador das Escrituras. A eles devo toda
minha dedicação à Palavra e ao Ministério,
pois foram sempre benções na minha vida.

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Chegado o tempo da razão, segui o


natural caminho do serviço denominacional.
Depois de anos como músico, o Senhor me
falou explicitamente acerca do ministério da
Palavra. Deixei a música, como Eliseu, e
comecei por volta dos meus 16 a 18 anos.
Logo estava ensinando em seminário e
Escola Bíblica Dominical. Depois no ofício de
pregador, rodando por muitas partes do meu
estado e do Brasil.
Abri-me para a visão missionária, e
posteriormente encontrei-me, em dado
momento, na seguinte posição:
Superintendente Geral da Escola Bíblica
Dominical da minha igreja na cidade,
professor da EBD, tesoureiro da igreja,
presidente do Conselho Missionário (com
vários missionários no campo local e
transcultural), professor de Seminário,
articulista da CPAD, conferencista, esposo e
pai de família.
A crise não veio pelo ativismo, mas por
perceber algo simples: Estava só dando,
dando, dando, mas não estava sendo
alimentado. Estava servindo a um sistema ao
qual eu era muito útil, mas ele não me
ajudava a crescer como servo de Deus,
marido, pai e cidadão.

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Posteriormente a crise interior agravou-se


com a clara visão a meu próprio respeito: eu
não era um praticante da Palavra. Falava mas
não vivia, sabia mas não via acontecer.
Ensinava e parava aí. Percebi que o púlpito
era o problema, dado o fato de que
acreditávamos demais no poder da palavra
falada. Aliás, para os pregadores é assim:
pensam que pelo fato de falarem as coisas
acontecem. Ou então, pelo fato de falarem
quer dizer que as pessoas irão conseguir
trazer para a prática do cotidiano. Ledo
engano!
O ensino das 2 árvores e dos 2
fundamentos para mim dividiu um passado
de saber e falar, e um presente e futuro de
entender e praticar.
Hoje penso assim: Se alguém recebeu “de
Deus” um conhecimento mas não sabe
colocar em prática ou não sabe como viver,
não recebeu de Deus. Se alguém tem um
conhecimento que não impacta o viver, é
mera letra morta, é mero saber humano, é
fermento, é sabedoria humana – é loucura.
Sendo radical, ou seja, indo até a raiz:
onde não existe prática não existe
evangelho; onde não existe obediência da fé
não existe fé. Simplificando, a fé sem obras é

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

morta. Bonita frase esta de Lutero: A fé


sozinha salva, mas a fé nunca está sozinha.

6. Utilidade

As pessoas hoje não precisam


simplesmente saber ou entender as coisas.
Não precisam de alguém que dê a elas
respostas. O que precisam é de quem as
ensine a guardar, observar, praticar (Mat
28.20). No processo de praticar a pessoa
entenderá, mas nunca deverá entender por
entender. Além disso, ensinar a guardar é
papel pessoal, que uma pessoa exerce sobre
a outra, mano a mano, chamando-se esse
papel de discipulado.
Continuo estudando, continuo lendo,
continuo buscando respostas. Mas digo:
respostas pra que? Respostas para situações
da vida, respostas para problemas não
resolvidos, respostas para a origem de
problemas. Especialmente, respostas que
levem a resultados de mudança de conduta e
de vida. O ensino existe, o padrão – que é
Cristo – está definido, mas muita coisa ainda
“não bate” com o padrão. Assim, busco
estudar e obter respostas para serem
aplicadas nesta direção: conduta velha

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

abolida e substituída pela conduta e postura


de Jesus.

7. Um lembrete assustador

Certamente a maioria das pessoas não


parou pra pensar em algo assustador: A
igreja primitiva não tinha Bíblia! Você já
parou para pensar nisso antes? Não? Então
reflita sobre isso:
a) A quase totalidade das pessoas da
época eram analfabetas ou semi-
analfabetas;
b) O número de escolas era pequeno,
poucos eram os professores, e caro o
ensino – para a elite;
c) Poucos eram os livros – daí não haver
uma enorme necessidade da leitura
d) As sociedades eram orais, como muitas
até hoje o são;
e) As sociedades nem precisavam
necessariamente de leis escritas por
serem muito fortes as estruturas
familiares e/ou patriarcais;
f) Os livros do Antigo Testamento (Lei,
Salmos e os Profetas) ficavam no templo e

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

nas sinagogas.
g) Os cristãos foram rechaçados e
expulsos do templo e das sinagogas

Jesus desde menino estava no templo com


os doutores da lei (Luc 2.46,47)). Aprendeu a
ler, e leu o texto de Isaías, citado em Luc
4.15-20. A “Bíblia” era guardada na sinagoga
– os cristãos não tinham uma “xerox” pra ler
em casa...
Como, então, a igreja primitiva pôde
crescer tanto e experimentar a vida da nova
comunidade de Deus, a Igreja? Como pôde
impactar tanto o mundo de então? A
diferença, querido, não é porque conhecia a
Palavra, como muita gente defende
ardorosamente hoje. A diferença é esta: eles
não receberam dos apóstolos um saber, mas
um estilo de vida. A questão-chave não era o
quanto sabiam, mas o que viviam; não era o
domínio do conhecimento, mas a fidelidade a
uma vida nova, um novo estilo de vida.
Observe a fala de Paulo em Atos 20:
17 De Mileto mandou a Éfeso chamar os anciãos da igreja.18 E,
tendo eles chegado, disse-lhes: Vós bem sabeis de que modo me
tenho portado entre vós sempre, desde o primeiro dia em que
entrei na Ásia,19 servindo ao Senhor com toda a humildade, e
com lágrimas e provações que pelas ciladas dos judeus me

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sobrevieram; 20 como não me esquivei de vos anunciar coisa


alguma que útil seja, ensinando-vos publicamente e de casa em
casa, 21 testificando, tanto a judeus como a gregos, o
arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus.

Ele relata sua conduta, como se portou, o


que fez. Depois de falar, Lucas escreveu, e aí
virou Escritura, sendo Atos 20.24 um dos
textos mais citados para lideranças na igreja.
Do mesmo modo as cartas. Elas foram
escritas para situações específicas, mas
depois terminaram virando Bíblia. A carta de
Gálatas é um exemplo interessante. Na
primeira viagem missionária Paulo não fez o
trabalho que deveria fazer, e que terminou
fazendo na terceira viagem, quando fundou
as diversas igrejas das demais cartas, dentre
elas a célebre Éfeso. Por não ter trabalhado
como posteriormente o fez, deixou furos
doutrinários que permitiram a entrada dos
judaizantes. Isso tudo, que é história
ministerial, virou Bíblia!
Paulo pregava o que vivia, e comunicava
sua própria vida, e disse isso explicitamente
em I Tess 2:
1 Porque vós mesmos sabeis, irmãos, que a nossa entrada entre
vós não foi vã; 2 mas, havendo anteriormente padecido e sido
maltratados em Filipos, como sabeis, tivemos a confiança em
nosso Deus para vos falar o evangelho de Deus em meio de grande
combate. 3 Porque a nossa exortação não procede de erro, nem de
imundícia, nem é feita com dolo; 4 mas, assim como fomos

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

aprovados por Deus para que o evangelho nos fosse confiado,


assim falamos, não para agradar aos homens, mas a Deus, que
prova os nossos corações. 5 Pois, nunca usamos de palavras
lisonjeiras, como sabeis, nem agimos com intuitos gananciosos.
Deus é testemunha, 6 nem buscamos glória de homens, quer de
vós, quer de outros, embora pudéssemos, como apóstolos de
Cristo, ser-vos pesados; 7 antes nos apresentamos brandos entre
vós, qual ama que acaricia seus próprios filhos. 8 Assim nós,
sendo-vos tão afeiçoados, de boa vontade desejávamos comunicar-
vos não somente o evangelho de Deus, mas ainda as nossas
próprias almas; porquanto vos tornastes muito amados de nós. 9
Porque vos lembrais, irmãos, do nosso labor e fadiga; pois,
trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de
vós, vos pregamos o evangelho de Deus. 10 Vós e Deus sois
testemunhas de quão santa e irrepreensivelmente nos portamos
para convosco que credes; 11 assim como sabeis de que modo vos
tratávamos a cada um de vós, como um pai a seus filhos, 12
exortando-vos e consolando-vos, e instando que andásseis de um
modo digno de Deus, o qual vos chama ao seu reino e glória.

Observe a quantidade de citações da sua


própria pessoa e conduta, nos versos 2,5,8-
10,12. Um homem com um coração desse e
uma conduta dessas realmente pode dizer o
que disse depois (I Tess 4):

11 e procureis viver quietos, tratar dos vossos próprios negócios, e


trabalhar com vossas próprias mãos, como já vo-lo mandamos, 12
a fim de que andeis dignamente para com os que estão de fora, e
não tenhais necessidade de coisa alguma.

Estilo de vida pode aplicar-se a qualquer


pessoa, sábio ou ignorante, rico ou pobre,

48
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

escravo ou livre, homem ou mulher. O saber,


pelo contrário, é excludente, elitista, formador
de preconceitos, divisionista.

Capítulo 5
FUNDAMENTAÇÕES

“O saber é saber que nada


se sabe. Este é a definição
do verdadeiro
conhecimento”.
Confúcio

“Ciência é conhecimento
organizado.
Sabedoria é vida
organizada”.
Immanuel Kant

49
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

A vida de qualquer ser humano está,


indubitavelmente, ancorada em conceitos,
conscientes ou inconscientes. Os valores
culturais aprendidos, os comportamentos e
hábitos de uma cultura e conceitos tais como
a existência de seres invisíveis (espíritos)
incorporam-se ao nosso modus vivendi, sem
que precisemos usar a nossa razão
consciente no dia-a-dia para nos comportar.
Para o caso de qualquer religioso, cristão ou
não, os seus comportamentos são
fortemente regidos por conceituações
espirituais.

CONCEITOS
(fundamentos)
5%
VIDA

Aplicações gerais
Aplicações pessoais

95 %

50
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

A questão é como estamos lidando com


estes conceitos e com a vida prática. A figura
abaixo visa mostrar, de maneira grosseira, a
relação entre a fundamentação teórica e a
aplicação e vivência prática da vida cristã.
Não há nesta figura qualquer menosprezo
ou menção desonrosa quanto aos princípios,
conceitos e fundamentos. Vamos aqui
exemplificar, de uma maneira bastante
ampla e abrangente, para que entendamos
onde estamos, como igreja, despendendo
nossas energias.

CONCEITOS:
Existe um Deus – O homem foi criado por este Deus – Existem espíritos
bons e maus, chamados de anjos e demônios – Existe vida após a morte
– Um dia Deus vai julgar os homens – A Bíblia é a Palavra de Deus, falada
a nós para revelação de Deus e orientação para a vida – O ser humano é
tendente a pecar – Jesus morreu na cruz para possibilitar o homem ter
acesso a Deus – A Igreja é o novo povo de Deus
Conceitos são muitos – só estamos
exemplificando-os.

APLICAÇÕES:
Se existe esse Deus então quero ser amigo dele, viver com Ele – Deve
haver algum propósito para a minha existência e quero saber qual é –
Qual a influência desses espíritos sobre minha vida? Que devo fazer a
respeito? – Como devo proceder para ser considerado aceito ou
absolvido? É somente ter uma fé? – Como devo ler a Bíblia? Tudo que
está escrito é pra mim? O que é figurado e o que é literal? – Como me

51
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

enxergo, santo ou pecador? Orgulho-me do que sou ou sou humilde e


dependente da ajuda de Deus?

As aplicações são as implicações práticas


no nosso comportamento e atitudes, que
evidentemente derivam-se dos conceitos que
tomamos como verdade para nossas vidas.

1. O foco “fora de foco”

A imensa maioria dos movimentos


evangélicos mais tradicionais (históricos)
detêm-se quase que exclusivamente na parte
dos conceitos. Fica-se brigando por coisas
que não tem o menor impacto prático para o
discípulo, no seu dia-a-dia. Discussão sobre
originais da Bíblia, as questões do Cânon das
Escrituras, a questão técnica do sobrenatural
do Espírito Santo (para os nossos dias ou
não), a crítica a outros irmãos que pensam
diferente e a classificação de “hereges”, a
briga quanto à dita Teologia da Prosperidade
e a Confissão Positiva, o combate ferrenho e
ferino contra o chamado G12. Enfim, se
formos citar aqui todas as brigas e
discussões dentro da igreja brasileira (e
porque não dizer mundial) este livro perde o
propósito. A questão é simples: PRECISAMOS
PARAR DE NOS COMPORTAR ERRADAMENTE

52
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

POR TERMOS CONCEITOS DIFERENTES! A


Hermenêutica nunca foi nem nunca será a
base da Igreja, da unidade do Corpo.
Muitos encaram a Bíblia como um livro de
doutrina, um livro de conceitos. Uma boa
parte têm forte ênfase na idéia que é preciso
saber a Bíblia para ser salvo, ou para manter-
se salvo. Não nego isso, mas a ênfase está
errada. Repito: A ÊNFASE ESTÁ ERRADA:
A Palavra de Deus foi-nos dada para
revelar uma pessoa, não uma doutrina;
A Palavra de Deus não é um livro – é
uma pessoa.
A Palavra de Deus foi-nos dada não
para nos tornar religiosos, mas santos;
Deus não vai levar nossos cérebros
para morar com Ele em glória – não é
acumulando conhecimento na cabeça que
seremos salvos;
A letra mata, o espírito vivifica – a letra
mata que nela confia;
A ciência incha, o amor edifica;

É muito fácil usar a Bíblia para ferir o


irmão. Segundo Tiago 3, imagine uma língua
inspirada pelo inferno usando a Bíblia! Você
já viu “esse filme” antes? Eu já: eram os
fariseus! Os fariseus valorizavam mais a

53
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

doutrina e o saber que uma pessoa feita à


imagem de Deus. Não foi isso que Jesus
ensinou na parábola do Bom Samaritano?
Assim, passamos o tempo todo em nossos
seminários e escolas de ensino “enfiando”
conceitos na cabeça do povo, mas eles
continuam sonegando impostos,
murmurando, brigando e discutindo dentro
de casa, guardando rancor de pessoas que
os feriram, se afastando de pessoas que não
gostam, mentindo, rebelando-se contra
orientações de líderes, etc... e indo à igreja...
e pregando... e louvando...
Outro dia ouvi um pastor falar de forma
muito inteligente sobre o conflito da exegese.
Dizia ele achar estranho se recebêssemos
uma carta de uma missionária e lêssemos
detalhando cada palavra: “Vejam o que ela
disse: ‘Queridos irmãos, está tudo bem
comigo. Aqui na África...’. África pode ser
que esteja se referindo a todo continente ou
ao país de Angola. Provavelmente foi Angola,
pois na carta anterior ela disse que...”.
Francamente, irmãos, lemos assim? Claro
que não! Pois assim temos feito com a Bíblia:
ao invés de detectar o que devemos fazer
com o que está escrito, perdemos precioso
tempo discutindo o texto original.
Até quando uma boa teoria sem prática

54
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

correspondente vai ser tolerada? Até quando


vamos achar que estamos bem como igreja
por estarmos “com a doutrina certa”? Isso é
ridículo! Isso é farisaísmo, prestes a ser
cortado!

2. O dia-a-dia sem respostas

O nosso foco todo em doutrinas implica


em irrelevância. Se perguntarmos aos
membros das igrejas qual a implicação
prática na vida pessoal que determinada
doutrina tem ficaríamos frustrados. Será que
o nosso ensino está cada vez mais
irrelevante?
Vamos tomar um exemplo simples, mas
pertinente: a dupla natureza de Jesus. Para
explicarmos precisamos “dividir Jesus” e
“provarmos” o que dissermos com inúmeros
textos. Daí a pessoa não decora mesmo
tantos versículos, acha que é estudo
teológico e joga pro inconsciente – como lixo.
A aplicação dessa doutrina é super-
importante, mas... “o professor não teve
tempo, pois a aula acabou”. PERGUNTO: Qual
o ganho do aluno? Em que sua vida será
diferente daqui pra frente? Imagine ele não

55
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

entender que Jesus está conosco hoje, nos


compreende, sabe o que passamos porque
experimentou tudo, tal qual nós. Ou, não
tomar posse da natureza vencedora do Filho
de Deus, já que também somos filhos de
Deus, com o mesmo poder vencedor de
Jesus. Imagine, querido, desprezar o impacto
da aplicação desta “doutrina”!
Infelizmente estamos dando respostas
demais para os dogmas e doutrinas, e
respostas de menos às realidades
existenciais e vivenciais de cada discípulo.
Ou melhor, de cada crente (discípulo é quem
pratica, não quem crê). Gastando tempo em
discussões técnicas sobre doutrina, exegese,
originais, segredos, altas revelações, etc,
estamos perdendo o foco de abençoar as
pessoas, enxergar a problemática pessoal
não condizente com o procedimento de um
discípulo. Estaremos também deixando de
perceber que algumas de nossas respostas
não mudam a prática – precisamos de outras.

Alguns exemplos práticos:

Quantas mulheres tem problemas com


submissão a seus maridos. Por que? Como

56
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

responder? Qual a raiz desse problema? O


líder chega a entender junto com o
discípulo o problema na raiz?
Há muitas pessoas que começam uma
coisa e não conseguem concluir ou
manter. Abandonar essas pessoas
taxando-as de inconstantes afronta o fato
de Deus no-las tenha enviado. E então?
Como resolver? Qual é o problema delas?
Qual ferramenta espiritual a ser usada?
Desemprego: o que fazer para ajudar
TODAS as ovelhas a conseguirem
trabalhar? Quais os princípios bíblicos para
isso? Diz a Escritura que “quem não
trabalha não coma”. E aí? A pessoa quer
trabalhar mas não consegue: é o diabo
prendendo? É a negligência no estudo? É
“Deus pesando a mão”? É falha da
educação doméstica que não preparou
para enfrentar a vida? Qual a causa e,
principalmente, qual a solução? Fazer uma
“oraçãozinha” e mandá-lo ir?

A conclusão disso tudo é que os


problemas reais do povo são muitos, e não
existem respostas simples nem gerais que
alcancem todos. Convidar pessoas dizendo,
por exemplo, que Jesus vai resolver todos os

57
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

seus problemas é desonestidade, senão


irresponsabilidade, e até mentira. Muitos
problemas simplesmente virão exatamente
após a pessoa receber o senhorio de Jesus.
Ele mesmo disse que traria espada e
dissensão (Mat 10.34,35). É igualmente
irresponsável do ponto de vista
psicoterapêutico falar em livrar-se de
problemas, quando sabemos que “o
problema é não saber enfrentar problemas”.
E Jesus disse que teríamos aflições, mas
devíamos sim, “ter bom ânimo” (Jo 16.33)!
Ajudar o povo a enfrentar a realidade
como ela é, da maneira de Deus, é o desafio
do discipulado. Nada de placebos, nada de
engodos, nada de falsos alvos, nada de
anestesia, nada de subterfúgios, nada de
simplismos. As pessoas não precisam de
pena, precisam de ajuda para enfrentar a
realidade, com as ferramentas de Deus.

58
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Capítulo 6
AMOR

“Não se descobre a
felicidade perseguindo-
a. Na maior parte das
vezes ela é um
subproduto que nos é
dado quando estamos
nos entregando a
outros”.
Bernard Shaw

Quem se arrisca a falar desse tema


dentro da igreja? Bem, o que faremos aqui

59
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

não é ensinar. Vamos passar de helicóptero


em alguns pontos, levantar algumas
questões e mostrar o conteúdo prático desse
tão fundamental ensino.

1. O desgaste da palavra Amor

Ver a Bíblia falar de amor e raciocinar o


que ela quer dizer baseado no significado
atual da Palavra é fracasso certo. Não dá
para aceitar a mídia e a cultura hodierna
falando de sexo e usando a expressão “fazer
amor”. É igualmente comum a expressão
“acabou o amor”, “eu pensei que amava”,
“não amo mais”.
Até mesmo dentro da Igreja vê-se
declarações simplistas, sem compreensão:
“Eu te amo, meu irmão”. Sei que existe
muita boa vontade, mas as tentativas de
viver o amor terminam frustrando
exatamente por não haver compreensão do
que seja amor.
Para simplificar e ser prático, costumo
definir amor como compromisso+sentimento.
Amar é uma decisão, não um sentimento.
Amar também é uma ordem. Enquanto o
mundo fala em sentir amor, Deus fala em
amar. Sentir versus amar.
Amar é uma escolha, assim como

60
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

perdoar. Paulo diz, ao fim do capítulo sobre


os dons, que mostraria um caminho ainda
mais excelente. E começa então a explicitar
o caminho do amor (1Cor 12.31). O
mandamento bíblico é amar, nunca ‘ter
amor’. O caminho mostrado por Paulo é
explícito e muito fácil de ser visto, na vida de
quem ama. Vamos ver a pessoa que ama
esperando, suportando, crendo, padecendo,
portando-se decentemente, etc. Tudo porque
ama!
A sociedade do prazer quer sensação,
quer sentir. Amar, no entanto, estando
acompanhado de muito, pouco ou nenhum
sentimento, é uma postura com relação ao
que Deus diz. De igual modo, perdoar.
Perdoar é um mandamento. Costumamos na
nossa comunidade ensinar o amor e o perdão
como obediência, e temos tido resultados
maravilhosos de restauração. Claro,
obedecendo a Bíblia, o que poderia
acontecer?

2. A base

Se é dito em I Coríntios 13 que, sem o


amor, de nada me aproveitaria, não deve ser

61
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

a realidade do amor a principal preocupação


da Igreja?
Pensemos que, depois de tantas heresias
invadindo a igreja primitiva, vem o apóstolo
João para fechar a revelação do Novo
Testamento. Quem era ele? O chamado
apóstolo do amor! O que ele vem falar nas
suas cartas? Amor! O que ele diz? “Quem não
ama não conhece a Deus” (I Jo 4.8) . Pense nisso: Por
que Deus encerra a revelação, na Bíblia, com
o Amor?
Bom, penso que é o amor que diz se
somos igreja ou um clube. Não é difícil juntar
pessoas em torno de um objetivo, de
interesses comuns. No entanto agregar
pessoas diferentes e fazê-las amarem-se é
outra história. Diz o texto bíblico de João 13:
34 Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros;
assim como eu vos amei a vós, que também vós vos ameis uns aos
outros. 35 Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se
tiverdes amor uns aos outros.
Penso que de nada adianta a igreja
descuidar do amor investindo no que quer
que seja. Um bom culto, uma boa banda, um
lindo templo, patrimônio, lançar CD, etc.
Nada disso adianta, pois empresas no mundo
existem muitas, mas um lugar onde as
pessoas amam e são amadas – isso só na
Igreja!

62
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Na nossa comunidade isto é a primeira


lição para aprender-se a praticar. Tudo
acontece em pequenos grupos, chamados
células. A partir dali cobramos a que os
irmãos se vejam, saiam juntos, jantem na
casa um do outro - o irmão leva o pão, o
outro a manteiga, e assim nunca pesa pra
ninguém. A base é o amor prático, relacional,
vivencial.
Outro ingrediente importante é que
todos, incluindo aí a liderança, falam a
linguagem de “estamos todos crescendo”,
“estamos todos em processo”, “todos temos
defeito, mas o Senhor nos aceita como
somos”. Nossos defeitos e imperfeições nada
tem a ver com pecado – por isso podemos
admiti-los, dizendo que estamos buscando no
Senhor e na Igreja a cura e o crescimento.
Assim todos ficam nivelados.
A linguagem central é tornarmo-nos
semelhantes a Jesus, o filho amado de Deus.
Situações em que a igreja propicia o povo
estar junto, em um almoço, ou mesmo um
lazer, sem necessariamente pagar algum
valor por isso, são enriquecedoras e
fortalecedoras. Ressaltar a importância das
diferenças para que um membro seja tratado
pelo outro é também importante. Outro
ponto é ser inflexível com o pecado,

63
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

separando o que é comportamento ou hábito


arraigado do que seja pecado. Um exemplo
de comportamento adquirido é a timidez e o
isolamento; um exemplo de comportamento
pecaminoso é a auto-suficiência e o orgulho.
Tratando o pecado removemos a pior de
todas as enfermidades, a causadora de todos
os males – o pecado.
Pregamos explicitamente uma mensagem
mais ou menos assim “Você é discípulo, é?
Veremos na prática! Só acredito vendo – são
as obras que provam isso”. Com uma
mensagem dessas saímos do mundo do
aconselhamento, e partimos para o mundo
do discipulado. Aconselhar é dizer o certo e
deixar ‘a cavalheiro’ do ouvinte seguir ou
não. Discipular é não negociar. É afirmar o
que Jesus afirmou sem negociar; é também
praticar primeiro para depois falar.

3. Nível de amor

Quando começa-se a estudar sobre o


amor o primeiro passo técnico (do saber) é
distinguir as palavras gregas storge, eros,
phileo e ágape. Vamos seguir um caminho

64
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

diferente: I João 2.5-7


5 mas qualquer que guarda a sua palavra, nele realmente se tem
aperfeiçoado o amor de Deus. E nisto sabemos que estamos nele;6
aquele que diz estar nele, também deve andar como ele andou.7
Amados, não vos escrevo mandamento novo, mas um mandamento
antigo, que tendes desde o princípio. Este mandamento antigo é a
palavra que ouvistes.

Devemos andar como Jesus andou. Ele


nos deixou um mandamento que, para o
tempo em que João escreve, já não era mais
novo (v.7). Era mandamento, não era novo –
os discípulos já conheciam de muito tempo.
Mas parece que o mandamento radicaliza,
pois diz:
8 Contudo é um novo mandamento que vos escrevo, o qual é
verdadeiro nele e em vós; porque as trevas vão passando, e já
brilha a verdadeira luz.9 Aquele que diz estar na luz, e odeia a seu
irmão, até agora está nas trevas.10 Aquele que ama a seu irmão
permanece na luz, e nele não há tropeço.

Não amar é agora dito de forma mais


explícita: é trevas. E assim João vai fechando
veementemente o cerco, e diz no capítulo
3:14-16
14 Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque
amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte 15Todo o
que odeia a seu irmão é homicida; e vós sabeis que nenhum
homicida tem a vida eterna permanecendo nele.16 Nisto
conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e nós
devemos dar a vida pelos irmãos.
O amor vai sendo colocado por João como

65
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

um divisor de águas, quase como se


separasse trigo e joio. Mas não pára por aí:
aprofunda até a prática de dar a vida pelo
irmão. Ou seja, realmente viveremos em
amor, e andaremos como Jesus, como citado
em 2.6.

4. Padrão de amor

Observe que o padrão de amor do Antigo


Testamento era a própria pessoa, conforme o
diálogo de Jesus em Marcos 12. 28-31
28 Aproximou-se dele um dos escribas que os ouvira discutir e,
percebendo que lhes havia respondido bem, perguntou-lhe: Qual é
o primeiro de todos os mandamentos? 29 Respondeu Jesus: O
primeiro é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. 30
Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a
tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as tuas forças. 31
E o segundo é este: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Não
há outro mandamento maior do que esses.
Ouço muitos afirmarem a importância de
primeiro a pessoa amar a si mesma, para só
depois amar ao próximo. Do ponto de vista
da psicologia isto é verdade, pois quem não
se ama não se aceita, e não conseguirá
relacionar-se corretamente com o Outro.
Logo, usará o Outro como remédio para sua
patologia, além de não aceitar o Outro como
ele é.

66
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Mas no campo espiritual amar a si


mesmo é conseqüência de aceitar o amor de
Deus sobre sua vida. Quem bem me conhece
– Deus – me ama, como eu não me amarei?
O Amor de Deus nos cura de centralizarmos
nossa vida no amor-próprio, transformando a
vida numa busca egocêntrica.
Quando Jesus está concluindo o seu
ministério, eleva o padrão do amor. Vê-se em
João 13:
34 Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros;
assim como eu vos amei a vós, que também vós vos ameis uns aos
outros.
Se antes era “como a ti mesmo”, agora é
como Jesus amou. E Jesus foi
conscientemente para a cruz, e deu sua vida
lá. Amar aos irmãos não trata de sentimento,
pois muitas vezes seremos, tal qual Jesus,
traídos, abandonados, negados, cuspidos,
zombados, injustiçados.
Esta é a razão pela qual não dá para
aceitar que nas igrejas não exista amor:
simplesmente este caminho é difícil, mas é o
caminho que Jesus trilhou, e é
verdadeiramente o nosso chamado, condição
sine qua non para atestação de nossa fé. I Pe
2.20-23 diz
20 ...Mas se, quando fazeis o bem e sois afligidos, o sofreis com
paciência, isso é agradável a Deus. 21 Porque para isso fostes

67
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

chamados, porquanto também Cristo padeceu por vós, deixando-


vos exemplo, para que sigais as suas pisadas. 22 Ele não cometeu
pecado, nem na sua boca se achou engano; 23 sendo injuriado,
não injuriava, e quando padecia não ameaçava, mas entregava-se
àquele que julga justamente;

Em síntese,
saímos da definição técnica de amor,
entendemos que a chamada é imitar
Jesus,
o mandamento por Jesus
o mandamento foi dado e era
conhecido por todos desde o início da
igreja,
a não-obediência do mandamento de
amar é claramente definida como trevas,
a obediência ao mandamento vai
evoluindo até o ponto de darmos a vida pelo
irmão.
Amar é obedecer. Os sentimentos? Não,
os sentimentos que acompanhem! E quando
tudo parecer contrário? Quando tudo parecer
que não está melhorando? Permanece
caminhando e agindo em obediência. Não há
concessão alguma a fazer, “pois, quem quiser salvar
a sua vida por amor de mim perdê-la-á; mas quem perder a sua
vida por amor de mim, acha-la-á” (Mat 16.25).

68
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Capítulo 7
DISCIPULADO

“O que eu realmente preciso é


esclarecer para mim mesmo o
que devo fazer, e não aquilo
que devo saber, a não ser na
medida em que o
conhecimento precede toda
ação. O que importa é
encontrar um propósito, saber
aquilo que Deus realmente
quer que eu faça; fundamental
é encontrar a verdade que é
verdade para mim, encontrar a
idéia pela qual vou viver e
morrer”.
Soren Kierkegaard

69
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Muito se escreve sobre discipulado, e


desejo colocar aqui alguns princípios que,
creio, conseguem dar forma ao processo de
transformação de crentes em discípulos,
conforme ordem de Jesus.
1. Conversão

Você já deve ter ouvido o termo “aceitar


Jesus”. Costumo atacar este ponto dizendo
explicitamente que “Jesus não está a venda,
não custa 1,99, não aceita cartão, não divide
em cheques pré-datados, não está
esmolando”.
Quando pensamos em conversão
acreditamos que basta uma pessoa crer que
será salva. Bastante crer em Jesus e no seu
sacrifício substitutivo na cruz, e confessar a
Jesus como Senhor. Atente para os 2 verbos –
crer e confessar. O brilhante livro de Jorge
Himitian (Jesus é o Senhor) descreve este
processo de forma clara. Vale a pena lê-lo.
Pois bem, pensando a salvação com o
homem no centro, Deus faz tudo por nós. A
ponto de Watchman Nee escrever a seguinte
aberração doutrinária, em seu livro Oremos:
“Todas as ações do céu são governadas pela terra...
Deus tem deleite em colocar todas as suas obras sob o

70
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

controle de seu povo... Deus deseja homens humildes


como nós para comandá-lo! Ele começa a fazer sua
obra quando ordenamos! Toda a ação de Deus no céu,
seja ligar ou desligar, é feita de acordo com nossa ordem
da terra... Quão restrito fica o céu pela terra! Uma vez
que Deus nos respeita tanto, não podemos nós confiar
nele da mesma forma?” (págs 11 e 12).
Sinceramente, nunca vi estupidez maior.
A salvação com Deus como centro é
sempre por graça, por meio da fé. Deus não
está esmolando nós o aceitarmos – Ele, sim,
é quem nos aceita. Assim, a conversão não é
adesão a credo algum, nem um favor que
fazemos a Deus, mas manifestação da graça
dEle.
A conversão tampouco nos garante
salvação. Aliás, sempre mostramos os 3
aspectos da salvação: passada, presente e
futura.
Passada: Sacrifício único, suficiente,
completo, perfeito (“Está
consumado), a justificação, a
redenção, a vinda do Espírito Santo
como penhor (Ef 1.14; Heb10.14; Rom3.24-26)
Presente: O processo de santificação (“sem a
qual ninguém verá o Senhor”): Deus
nos transforma de glória em glória,
para sermos semelhantes a Jesus

71
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

(Heb12.14; 2Cor3.18; Rom8.29)


Futura: O revestimento de incorruptibilidade
e imortalidade – a transformação do
nosso corpo (1Cor 15.53,54)

Em resumo: a pessoa foi salva – pelo


sacrifício de Jesus –, está sendo salva – no
processo de santificação, visando o caráter
de Cristo – e será salva – definitivamente,
quando for revestida da imortalidade e
incorruptibilidade. A decisão de entrar pela
porta estreita apenas dá acesso ao caminho
estreito. Manter-se no caminho estreito é
uma decisão diária, de esmurrar o corpo e o
reduzir à servidão. Ora, o que é um
discípulo? É quem está seguindo Jesus. No
caminho estreito, claro!
Bom, em tese, uma pessoa que nasce de
novo deve ser orientada a prosseguir no
caminho, aprendendo a obedecer,
aprendendo a relacionar-se com Deus,
aprendendo a frutificar. Um coração novo é
condição. Mas, quem vê este coração? Como
identificá-lo? Pelas obras! “Que proveito há, meus
irmãos se alguém disser que tem fé e não tiver obras? Porventura
essa fé pode salvá-lo?... Mas dirá alguém: Tu tens fé, e eu tenho
obras; mostra-me a tua fé sem as obras, e eu te mostrarei a minha
fé pelas minhas obras” (Tg 2.14,18). O discipulado
então é facilmente compreendido pelas

72
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

palavras de Jesus: “ensinando-os a observar todas as


coisas que vos tenho ordenado” . Ensinar a praticar,
ensinar a obedecer. Caberá ao discipulador
uma postura amorosa mas firme em cobrar a
obediência do discípulo. Só assim poderá
saber se há de fato um novo coração -
através das obras.

2. Púlpitos condescendentes

Sem entender o discipulado, costuma-se


então pregar e “deixar a cavalheiro” do
ouvinte obedecer ou não. Querido, onde tem
isso na Bíblia? Bom, tem sim, mas não para
discípulo. Tem isso para gentio ou publicano,
ou fariseu. Mas observe a instrução para um
discípulo: “aquele que diz estar nele, também deve andar
como ele andou” (I Jo 2.6) . Em não havendo nada
para conduzir o discípulo à obediência, como
checar se ele obedece ou não? Fica-se
pregando na base de “dar conselho”,
deixando a cargo do “ouvinte” (tem isso na
igreja?) decidir se obedece ou não. É preciso
fazer aqui uma distinção entre não cristãos e
discípulos. Contudo, o púlpito tem sempre o
mesmo perfil e a mesma linha de aconselhar,
orientar.

73
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Daí cria-se a terrível imagem de santo-


pregador: considera-se “bem crente” quem
prega bem, quem é eloqüente. Pensa-se que
uma boa eloqüência supera em importância
uma vida bem ordenada. Daí o púlpito passa
a ser cobiçado e super-valorizado; o saber e
o conhecimento volta a ser o ápice da vida
cristã; a incoerência entre as palavras e a
vida não é levada em conta. Por fim, o
cristianismo torna-se mera religião, e as
pregações deleites e placebos, teatro,
entretenimento.

3. Modelos de vida

Nos nossos dias é muito raro ver alguém


falar em imitar alguém. Certamente por
problemas na questão de imagem, as
pessoas se sentem “bobas” quando dizem
que imitam fulano ou beltrano. Por isso
ninguém usa esta expressão. Ainda entra o
orgulho, onde em função da cultura vigente,
todos querem se sentir donos do seu próprio
nariz. Assim, dizer que está imitando
representa uma espécie de subserviência, ou
“falta de personalidade” (termo errado, mas
muito usado).

74
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

A Bíblia, no entanto, apresenta o


Evangelho através de modelos. O primeiro
modelo foi Cristo. Ele era a Palavra
encarnada (Jo 1.14) e veio ser um modelo de
cidadão do Reino de Deus. Só fazia o que
agradava o Pai (Jo 8.29), só dizia o que ouviu
do Pai (Jo 12.49), seguia o caminho traçado
pelo Pai (Jo 12.27). Jesus, portanto, é o
primeiro modelo para nós.
Jo 13.15 Porque eu vos dei exemplo, para que, como eu vos fiz,
façais vós também.
I Pe 2.21 Porque para isso fostes chamados, porquanto também
Cristo padeceu por vós, deixando-vos exemplo, para que sigais as
suas pisadas.
Os outros exemplos seguem o Modelo
Maior, Cristo. Aí formatou-se um estilo de
vida padrão, de acordo com os ensinos de
Jesus. Não a letra do ensino, mas a vida
produzida pelo ensino, a prática do que
ouvia-se dos apóstolos. E assim o estilo de
vida foi sendo adotado e passado.
Observe a ênfase dada no Novo
Testamento a imitar, ao exemplo, nos textos
a seguir – não deixe de lê-los atentamente.
I Cor 4.16 Rogo-vos, portanto, que sejais meus imitadores.
I Ef 4.1 Sede pois imitadores de Deus, como filhos amados;
Fil 3.17 Irmãos, sede meus imitadores, e atentai para aqueles que
andam conforme o exemplo que tendes em nós;
Cor 11.1 Sede meus imitadores, como também eu o sou de Cristo.
I Tess 1.6 E vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, tendo

75
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

recebido a palavra em muita tribulação, com gozo do Espírito


Santo.
I Tess 2.14 Pois vós, irmãos, vos haveis feito imitadores das igrejas
de Deus em Cristo Jesus que estão na Judéia; porque também
padecestes de vossos próprios concidadãos o mesmo que elas
padeceram dos judeus;
II Tess 3.7-9 Porque vós mesmos sabeis como deveis imitar-nos,
pois que não nos portamos desordenadamente entre vós, 8 nem
comemos de graça o pão de ninguém, antes com labor e fadiga
trabalhávamos noite e dia para não sermos pesados a nenhum de
vós. 9 Não porque não tivéssemos direito, mas para vos dar nós
mesmos exemplo, para nos imitardes.
Heb 6.11-12 E desejamos que cada um de vós mostre o mesmo zelo
até o fim, para completa certeza da esperança; 12 para que não
vos torneis indolentes, mas sejais imitadores dos que pela fé e
paciência herdam as promessas.
Heb 13.7 Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos falaram a
palavra de Deus, e, atentando para o êxito da sua carreira, imitai-
lhes a fé.
I Pe 5.2-3 Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, não
por força, mas espontaneamente segundo a vontade de Deus; nem
por torpe ganância, mas de boa vontade;3 nem como dominadores
sobre os que vos foram confiados, mas servindo de exemplo ao
rebanho.
Tg 5.10 Irmãos, tomai como exemplo de sofrimento e paciência os
profetas que falaram em nome do Senhor.
Tt 2.7,8 Em tudo te dá por exemplo de boas obras; na doutrina
mostra integridade, sobriedade,8 linguagem sã e irrepreensível,
para que o adversário se confunda, não tendo nenhum mal que
dizer de nós.
I Tim 4.12 Ninguém despreze a tua mocidade, mas sê um exemplo
para os fiéis na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na
pureza.

76
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

I Tim 1.16 mas por isso alcancei misericórdia, para que em mim, o
principal, Cristo Jesus mostrasse toda a sua longanimidade, a fim
de que eu servisse de exemplo aos que haviam de crer nele para a
vida eterna.
At 20.33-35 De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes. 34
Vós mesmos sabeis que estas mãos proveram as minhas
necessidades e as dos que estavam comigo.35 Em tudo vos dei o
exemplo de que assim trabalhando, é necessário socorrer os
enfermos, recordando as palavras do Senhor Jesus, porquanto ele
mesmo disse: Coisa mais bem-aventurada é dar do que receber.

São textos demais, que mostram um


estilo de vida existente na igreja primitiva. O
texto já bastante citado de 1João (andar
como ele andou) remete igualmente para a
prática, para um estilo de vida cristão. A
pergunta é imediata: quem são nossos
modelos de vida, que vivem de acordo com a
Palavra, com o modelo de Cristo? Quem são
essas pessoas-modelo nos nossos dias, às
quais devemos tomar como modelo e
exemplo?
Infelizmente nós nem estamos
procurando estes modelos, nem nós mesmos
decidimos SER ESTE MODELO. Ficamos
acreditando tanto em falar bem que
esquecemos do viver bem. Daí um bom
pregador diz: “Faça como eu estou dizendo”,
e nem checamos se ele vive o que está
falando.

77
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

4. Radicalidade

Decididamente, é hora de radicalidade.


Não de radicalismo. Radicalismo é mania,
exagero, extremismo. É quando não se vai na
raiz, mas posiciona-se a favor (ou contra) por
opção pessoal, inflexivelmente. Radicalidade
é descer até a raiz. Jesus falou disso em
Luc 6.48 É semelhante ao homem que, edificando uma casa,
cavou, abriu profunda vala, e pôs os alicerces sobre a rocha; e
vindo a enchente, bateu com ímpeto a torrente naquela casa, e não
a pôde abalar, porque tinha sido bem edificada.

Não existe alguém mais RADICAL do que


Jesus. Ele vai até a raiz do problema do
homem quando diz que
Mat 5.27,28 Ouvistes que foi dito: Não adulterarás.28 Eu, porém,
vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para a
cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.

Jesus nunca foi superficial, embora tenha


sido simples. Sempre adentrou na raiz do
problema do homem – seja genérica seja
especificamente – de quem o procurava. O
discipulado desce sempre até a raiz, para
colocar o alicerce. Para isso deve cavar
profunda vala, e fincá-lo bem. Como fazer
isso? Ensinando a guardar, ensinando a
praticar e exigindo sempre a obediência
sobre algo aprendido.

78
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Como então ser eficiente? Com modelos


que MOSTRAM o que estão falando. Se
falam pregam sobre ansiedade, não são
ansiosos. Se falam de compromisso, são
decididos. Se falam de família, são exemplo
no tratar os familiares. Se falam de Espírito,
são dominados por Ele. Se falam de ganhar
vidas, estão sempre levando pessoas a
Cristo.
Isso é utopia? Bem, então rasgue a
Bíblia!... Para que ler um livro que é só mais
um livro, e não produz nada de
extraordinário?! Por acaso é uma doutrina
que irá nos salvar? Francamente, onde
estamos?! É tão absurdo que conheçamos o
texto de Tiago (a seguir) e, indo à igreja
(templo), sendo crentes, achemos que somos
praticantes!... de novo digo: Francamente!...
Tg 1.22-26 E sede cumpridores da palavra e não somente ouvintes,
enganando-vos a vós mesmos.23 Pois se alguém é ouvinte da
palavra e não cumpridor, é semelhante a um homem que
contempla no espelho o seu rosto natural;24 porque se contempla
a si mesmo e vai-se, e logo se esquece de como era.25 Entretanto
aquele que atenta bem para a lei perfeita, a da liberdade, e nela
persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas executor da obra,
este será bem-aventurado no que fizer.26 Se alguém cuida ser
religioso e não refreia a sua língua, mas engana o seu coração, a
sua religião é vã.
A decisão é simples: Queremos modelos,
decidimos ser modelo de vida cristã para

79
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

outros! É uma decisão, não é uma questão


de doutrina! Por isso, para discipular alguém
devemos ser RADICALMENTE comprometidos
com praticar o Evangelho.
Assim como a prática é o alicerce de
quem ouve (o sábio ouve e pratica), assim
pessoas sábias tornam-se para nós
comprovação da verdade escrita. Na verdade
nós mesmos ou somos modelo de uma coisa
ou de outra. Ou cheiro de vida, ou cheiro de
morte (2Cor2.16).

5. Andando... com Jesus

Resumindo a vida de Jesus com seus


discípulos, poderíamos começar falando do
seu relacionamento pré-ministerial. Sabemos
que Jesus conhecia alguns de seus futuros
discípulos antes de chamá-los para seguir,
andando pelas praias do mar da Galiléia.
João Batista não tinha nenhuma vergonha
de atrelar diretamente seu ministério a outra
pessoa. Dizia que seu batismo era inferior ao
batismo de quem viria depois dele. E mais:
dizia-se indigno de tirar os sapatos de Jesus.
Posteriormente, quando Jesus inicia seu

80
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

ministério, muitas pessoas estão seguindo,


mas ele chama alguns com objetivo claro.
Observe:
Mc 3.13-15 Depois subiu ao monte, e chamou a si os que ele
mesmo queria; e vieram a ele. Então designou doze para que
estivessem com ele, e os mandasse a pregar; e para que tivessem
autoridade de expulsar os demônios.

Jesus chamou, dentre os que o seguiam,


12 homens, para ESTAR COM ELE e para
PREGAR e EXERCER AUTORIDADE sobre
demônios. O chamado não foi para uma coisa
só, senão três. A primeira delas é o alicerce
do discipulado: estar com Jesus.
Como poderiam mudar a forma de viver?
Pedro diz que tinha uma maneira vã de viver,
recebida dos pais através das tradições, em
I Pe 1.18 ...sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como
prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver,
que por tradição recebestes dos vossos pais,
Todos nós, na verdade recebemos um vão
estilo de vida. Contudo, é possível mudar –
basta aceitar o convite de ANDAR COM
JESUS. Imagine aqueles homens largarem
tudo para seguir Jesus! Acha que foi pouca
coisa? Acha que eles não passava pela
cabeça deles algo sobre o que tinham
largado?
Mat 19.27 Então Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Eis que nós

81
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

deixamos tudo, e te seguimos; que recompensa, pois, teremos nós?


Sim, os doze haviam decidido “pagar o
preço” do abandono da sua “vidinha”, para
aprender com a Vida, Jesus, a viver a vida
eterna. Por isso Jesus disse:
Jo 5.24 quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou,
tem* a vida eterna
Jo 10.28 eu lhes dou* a vida eterna, e jamais perecerão
* Os verbos estão no presente.

Bom, estar com Jesus e andar com Jesus


é um chamado. Creio pessoalmente que seja
a questão mais esquecida, mas também a
mais significativa para o discípulo. Com
minhas desculpas aos que se dedicam em
produzir material para discípulo, creio ser um
erro focar no ensino sistemático com
material didático. Pensar que a igreja evoluiu
em 19 séculos usando nenhum ou quase
nenhum material escrito didático para novos
decididos... Hoje temos enorme vantagem
com relação a nossos antecessores, pois
dispomos de recursos que eles não
dispunham.
Contudo, não justifica esquecer a
característica do discípulo de Jesus: andar
com seus discípulos. Penso que estamo-nos
perdendo no emaranhado de informações
disponíveis. Caímos de novo tentação da

82
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Árvore do Conhecimento – saber, saber,


saber. Precisamos voltar a nos alimentar da
Árvore da Vida – viver, viver, viver. Viver é
composto de ações, de praticas: ouvir e pôr
em prática. Somente andando com Jesus
podemos VER como colocar em prática
conceitos difíceis de explicar.
Para que não fique muito subjetivo e
abstrato, andar com Jesus é traduzido, na
Igreja, na relação de discípulo/discipulador. É
através do relacionamento que Jesus se
manifesta da vida do discipulador, e desta
forma ensina ao discípulo pelo método mais
eficaz: peripatético.
Temos que estruturar a igreja no sentido
de propiciar ao discípulo a caminhada
discípulo/discipulador. Nada funcionará sem
que isto exista. O discipulador deve ser
radical no seu compromisso, vivendo uma
vida de jejum e oração, sabendo que é um
modelo que será olhado e copiado.
A caminhada discípulo/discipulador é
baseada no SER DISCÍPULO, e se desenha no
almoço, no estar junto, no sair para o lazer,
nos momentos de reunião e dedicação
espiritual, em tudo. O esforço de andar junto
é o esforço de viver junto, viver. Forma-se
assim uma cadeia de discípulos, todos
cuidados pessoalmente, todos sendo

83
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

discipulados nas situações reais do dia-a-dia.


‘Andar junto’ ataca um dos principais
problemas da pregação de púlpito: a
irrelevância, a intangibilidade. Muitas e
muitas explicações e instruções dadas por
microfone não são relevantes para o dia-a-
dia das pessoas, e outras tratam de assuntos
que não os que precisam de respostas. Quais
os temas que precisam de resposta?
Alguns exemplos rápidos: desemprego e
sub-emprego, aids, namoro, submissão da
mulher no casamento, trabalho fora de casa,
filhos de pais solteiros, disciplina de filhos,
doenças, ansiedade, depressão, stress,
definição profissional e mercado de trabalho,
capacitação profissional e vocação cristão,
casamento, velhice, aposentadoria,
envolvimento com organizações sociais e
políticas, uso da televisão, pornografia,
divórcio e re-casamento, etc.
Observe que os temas nada têm a ver
com muitas doutrinas que dividem a igreja:
predestinação, volta de Jesus, milênio,
línguas estranhas, usos e costumes, etc. Por
isso às vezes acho que muitas igrejas estão
vivendo num mundo irreal, onde, por “terem
a chave da eternidade”, se ensoberbecem,
dando respostas erradas, simplistas,
irrelevantes e, principalmente, para

84
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

perguntas que nem foram feitas... e nem


serão feitas! Criar perguntas para
respondermos, e depois mostrarmos uma
imagem de sábios é leviandade! E
infantalidade também!
Andar com Jesus, andar com discipulador.
A vida de Cristo se manifesta em nosso
cotidiano; as perguntas reais feitas no
momento que ocorrem as situações da vida;
o ensino é dado e imediatamente aplicado;
assim, a resposta bíblia incorpora-se ao estilo
de vida. Mais do que no saber, foca-se aqui o
SER, ser discípulo, ser testemunha.
Como Jesus não mandou “ganhar almas”,
e sim fazer discípulos, comecemos por
mudar a linguagem dentro da igreja: não são
crentes, são discípulos. Lembro ainda que
deve ser montada uma estrutura de
relacionamentos e vinculações próximas.
Somente em pequenos grupos, todos
desejando e buscando ser discípulos de Jesus
é que se pode acompanhar vidas e discípula-
las.

DISCIPULADO, CONCEITOS PRÁTICOS

 Jesus mandou fazer discípulos.

85
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

 Jesus fez discípulos.


 Ao terminar a História e voltar aos Céus,
pensamos que, em termos de resultado, o
discipulado foi um fiasco total.
 James Houston afirmou que “Os
Evangelhos são a história do fracasso do
discipulado”.
 Depois, ao questiona-lo sobre essa
‘absurda’ afirmação, replicou: “Ficou
provado que sem o Espírito Santo não se
pode fazer discípulos; ficou provado que
sem o nascer de novo é impossível formar
um discípulo”.
 Mas Jesus deixou sementes tão fantásticas
que, foi só uma “aguinha de chuva” – O
Pentecostes – cair por sobre aquela “terra”
que o resultado veio com juros e correção
monetária.
 A Igreja se expandiu sem livro algum, sem
Bíblia, sem quase estrutura nenhuma.
 A estruturação vem com a necessidade,
com no caso de levantar diáconos.
 A prática de Jesus, de repartir a sua vida,
formou pessoas. Deixou Ele a Sua Vida
como o principal legado.
 A Vida de Jesus, como diz Paulo, se

86
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

manifesta em nossa carne mortal.


 A Vida de Jesus é pelo Espírito.
 Dimensão interna (Espírito) e externa
(comportamentos e práticas) compõe o
perfil de um discípulo.
 Discípulos não são profundos
conhecedores de teologia, como não o
foram os Doze.
 Conhecimento é indispensável para
expansão e sedimentação, como vimos
através da vida de Paulo. Mas para ser e
ter discípulos não é preciso muito mais
que... VIDA!!!
 Atitude foi o que marcou os discípulos dos
primeiros séculos.
 Aceitar com alegria o espólio dos bens é
algo indescritível sob o ponto de vista
psicológico, antropológico, sociológico e
religioso.
 Só vida gera vida.
 Só quem aplica a Palavra reproduz.
 O Evangelho não é o que se acredita mas
o que se vive. Muitos dirão “Senhor,
Senhor”, mas não herdarão o Reino
porque Deus nem os conhece!

87
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

 A diferença entre o homem insensato e o


prudente, do final do Sermão do Monte, é
justamente a prática: “Ouve... e as
pratica”, e “Ouve... e não as pratica”
 A rocha que firma o pé do discípulo é sua
prática, ou sua obediência. Prefiro a
palavra como foi citada por Jesus – “e as
pratica”.
 Ensinar a praticar os ensinos – isso é
discipulado

Aceitamos que muita gente faz discípulos


no mundo, e que em hipótese alguma o que
fazemos é melhor ou mais especial, muito
menos resposta metodológica para todos.
Longe disso! Mas, devo dizer, cremos
totalmente em tudo que afirmamos, e temos
visto práticas neste sentido.
Os ensinos do Novo Testamento são por
vezes complexos de se traduzir em prática.
Um exemplo disso é a relação marido-
mulher:
a) quase todos afirmam que a mulher
deve obedecer ao marido, e a Bíblia não
ensina isso, em ‘canto’ nenhum.
b) Também se afirma comumente que a
mulher deve submissão ao homem, e é
outra falácia sofismática. A mulher deve

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

submissão ao SEU PRÓPRIO marido, seu


próprio homem.
c) Amar como Cristo amou a Igreja: é
possível isto? Se não fosse possível não
estaria na Palavra. Deus não nos deu
mandamentos para nos fazer devedores,
nem nos sentirmos culpados. Não! Os
mandamentos não são penosos, diz João.
Portanto é possível amar a esposa como
Cristo amou a Igreja

Estes simples exemplos, só para me ater


à parte da família, são algumas das
evidências de que nós precisamos muito
mais saber como praticar do saber como
saber! A nossa deficiência, conquanto
discípulos, é muito maior em partir para a
prática sabendo como, do que interpretar
corretamente o que Deus quis dizer na
Palavra.
Aliás, ressalto aqui a dificuldade de
muitos de, ao receber ensino, conseguir
interpretar e traduzir – dentro da sua própria
mente – a maneira de colocar em prática.
Muitos dos “conceitos” abordados
frequentemente são essencialmente
abstratos, e não lidam, por exemplo, com
irritação, compra a crédito, libido, ser
empregado/patrão, transferência de culpa,

89
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

reclamações, etc. Essas coisas citadas fazem


parte do cotidiano pessoal das pessoas, e é
para essas que precisamos trazer respostas e
ensino bíblico – discipulado.

90
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Capítulo 8
LIDERANÇA

“Você pode
impressionar pessoas à
distância, mas só pode
causar-lhe algum tipo
de impacto bem de
perto.”.
Howard Hendricks

Existe por acaso tema mais badalado e


cobiçado que este? Quantos e quantos livros
são lançados anualmente na área de
liderança? Há outro tema com mais
seminários e congressos que este?
Falar de liderança sem cair no lugar

91
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

comum não é fácil. Mesmo que este livro não


pretende ser um estudo bíblico, nem por isso
deixaremos de passear por conceitos
explícitos das Escrituras Sagradas. Da
mesma forma, não poderemos desprezar a
contribuição dada por vários autores e
lideranças. Por isso começaremos pensando
sobre

1. Líder: e tem na Bíblia?

Para começar, saiba que não existe esta


palavra na Bíblia. Na perspectiva que se
apresenta atualmente, liderar exige uma
série de requisitos e habilidades. Muitas
delas, colocadas como importantes ou
prioritárias, sequer são respaldadas pela
Palavra. São quase sempre fruto de
experiências pessoais, nem por isso
desprezíveis.
Os discípulos de Jesus tomam a palavra
de Deus como verdade (Jo 17.17), tomam a
vida de Cristo como modelo (I Pe 2.21),
tomam Cristo como Palavra Encarnada (Jo
1.14). Por isso, por mais válida que possa
ser, qualquer experiência está
necessariamente subordinada à explicitude
da Palavra de Deus. Sendo assim falar em

92
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

liderar é procurar a simplicidade do que Jesus


e a igreja bíblica fizeram.
Pensar em líderes como Moises e Davi
distorce por demais o foco do ensino de Jesus.
Por várias razões estes 2 homens foram
levantados em Israel com destaque, mas
quase nada tem a ver com o perfil de
discípulo que Jesus descreveu durante o
anúncio do Evangelho do Reino. Foram
inauguradores de novos momentos histórico-
político-espirituais em Israel, de fato. Mas
observe estes detalhes dos 2 líderes:

Centralistas Moisés cedeu aos conselhos


óbvios de Jetro; Davi decidia
bem ao seu jeito, e assim não
formou sucessor;
Estrelas Ambos carregavam “nas costas”
o povo;
Vingança Davi era homem excessivamente
vingativo e violento; matou
dobrado em filisteus o número
exigido por Saul para dar-lhe sua
filha Mical por esposa;
Ensino Nenhum dos dois tinha o ensino
como foco importante do seu
ministério;

93
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

O propósito aqui não é diminuir Moisés e


Davi, mas mostrar que existem muito mais
diferenças que semelhanças no perfil desses
líderes, comparando-os a Jesus. Jesus era
manso, mas não bobo; era pacato, porém
decidido; era atencioso, porém focado; era
amoroso, mas não “meloso”; era sensível,
mas não fraco; era servo, porém convicto;
era Mestre, porém amigo; era discipulador,
porém discípulo – do Pai; era espiritual,
porém humano; era Deus, mas também
homem.
Liderar tem sido definido a partir de
atribuições várias, menos a principal – o
caráter. E pior: menos o caráter principal, o
de Jesus. Jesus não é um bom exemplo para
muitos porque simplesmente não se “adapta
bem” ao modelo capitalista. Sendo servo,
não se impõe, como “deve impor-se” todo
líder que se preze. Não prezava pela
aparência e muito menos pela boa fama,
como é condição sine qua non de todo líder
moderno. Liderar na linguagem de hoje é ser
tudo, menos ser semelhante a Jesus.
Não creio que ser estrela seja parecido
com a liderança de Jesus. Não creio que fazer
um povo depender das habilidades e talentos
pessoais de um homem seja liderar, de

94
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

acordo com o modelo de Jesus. Não creio que


liderar como sinônimo de criar uma estrutura
de poder tenha alguma base bíblica
aceitável. Não consigo conceber que um líder
possa ter ministério próprio maior que a
própria igreja, e que esta seja conhecida pelo
líder que tem. Não consigo imaginar um líder
que conceba sua liderança no seu poder
estrutural, e não no seu caráter humilde e
serviçal.

2. Hierarquia

Liderar nunca pode ser sinônimo de


hierarquia. Fico meio preocupado quando
observo algumas pessoas defendendo a
hierarquia na igreja. Penso na hora em textos
como:
Slm 100.3 Sabei que o Senhor é Deus! Foi ele quem nos fez, e
somos dele; somos o seu povo e ovelhas do seu pasto.
I Pe 5.2-4 Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, não
por força, mas espontaneamente segundo a vontade de Deus; nem
por torpe ganância, mas de boa vontade;3 nem como dominadores
sobre os que vos foram confiados, mas servindo de exemplo ao
rebanho.4 E, quando se manifestar o sumo Pastor, recebereis a
imarcescível coroa da glória.

As expressões grifadas dizem tudo, mas


vamos entrar um pouquinho nelas:

95
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

a) Todos são ovelhas do pasto do Senhor –


Pastor, de verdade, só Ele.
b) O rebanho é de Deus, e está entre nós –
implica que pode, de uma hora pra outra,
não estar mais;
c) Não se pode agir como dominando o
rebanho
d) O rebanho foi confiado a nós – de novo,
não é nosso;
e) Servir de exemplo ao rebanho – ser
modelo;
f) Em contraste com estarmos nós entre as
ovelhas, aparece agora um bonito título de
exaltação ao pastoreio de Jesus – Sumo
Pastor;

Insisto que o primeiro e delicado ponto de


personalismo, autoritarismo e centralismo
seja a compreensão errada de que a igreja
depende de um homem. No Antigo
Testamento, que não é modelo para a Igreja,
Deus levantava um homem para uma obra
específica. Mas observe: você acha que só
havia aquele homem na Terra? Você acha
que outros tantos homens não eram úteis a
Deus? Claro que não - esta frase “Deus
levantava um homem” é falaciosa. O caso de
Elias, que achava que era o único servo fiel

96
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

de Deus prova o contrário. Em I Reis 18


aparece o servo de Acabe, Obadias, que
escondia vários profetas de Deus; haviam
também, segundo Romanos 11.4, sete mil
varões que não se curvaram aos deuses
falsos. Ou seja, Elias era o personagem
daquela história, mas não era O Homem,
não! Era apenas mais um, dos muitos que
Deus tinha!
Deus levantava um homem para cada
obra específica, e haviam vários homens
fazendo várias obras específicas. Sem Moisés
não haveria Tabernáculo, nem Bezaleel,
certo? Sem Bezaleel não haveria
Tabernáculo, certo? Ambas erradas! Os
nomes não fazem diferença, a diferença é
que o que Deus quer fazer Ele faz, por um ou
por outro!
A hierarquia está dentro da cabeça das
pessoas. Entende-se bem que um povo seja
servil, como o caso do povo brasileiro. A
História mostra, desde a colonização, que a
liberdade sempre foi uma falácia, quando
houve. Se a escravidão não é física, é de
outro tipo. Se não é política, é econômica. Se
não social, então o é culturalmente. Enfim, a
relação patrão-empregado e toda a hierarquia
está dentro da cabeça das pessoas, que
querem saber “quem é que manda”! E aí, o

97
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

líder, que já não gosta (!...), aceita de bom


grado e monopoliza a palavra final.

3. Aceitando o desafio

Não é difícil imaginar um povo sendo


guiado por Deus. Basta olhar a igreja
primitiva e veremos as diversas situações
ocorridas, e a sua resolução. Este negócio de
“quem tem a palavra final” não está em
questão, por várias razões:
a) O povo sabe que Igreja é organismo vivo
espiritual – tem sua estrutura definida
diferente da estrutura governamental
humana;
b) Existem 2 tipos de líderes: os presbíteros
e os diáconos;
c) Os presbíteros ministram nas coisas
espirituais, e os diáconos nas materiais;
d) O que conta não é a palavra do líder
fulano ou beltrano, nem a pregação A ou
B; o que conta é a Palavra de Deus;
e) Nas questões em que há divergências
inconciliáveis, busca-se discussão plenária
com a presença da igreja;
f) Espera-se sempre uma Palavra do Senhor,
que ponha fim à questão, como aconteceu
em Atos 15;

98
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Então a premissa de muita gente,


afirmando a necessidade de ter alguém que
dê a última palavra, tem pouco ou nenhum
respaldo bíblico. Ademais, sabemos que
alimenta sobremaneira o ego ter a
prerrogativa de decidir – por isso muitos
querem uma estrutura com este poder.
Uma igreja formada de discípulos
entende facilmente o que são questões
espirituais, e assim fica fácil respeitar o
direcionamento do presbitério. Este, por sua
vez, atua nas questões administrativas
apoiando, direcionando e indicando linhas
bíblicas de administração dos recursos
materiais. Isto se viu quando Paulo toma a
iniciativa de arrecadar oferta específica para
os irmãos pobres de Jerusalém. Também
quando foram escolhidos os diáconos,
mediante a palavra dos apóstolos.
Podemos, sim, aceitar o desafio de deixar
a administração material da igreja para
diáconos. Uma vez que eles são ovelhas
como qualquer outra, estão debaixo da
autoridade espiritual do presbitério. Assim,
devem ser tratados como discípulos, e
cuidados normalmente, para crescimento
espiritual próprio e desenvolvimento do
trabalho diaconal devidamente.

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

O problema é que o presbitério quer “ter


carta branca”. Não aceita os limites impostos
pela Palavra. Quer ser o dono do império, e
muitas vezes tirar proveito pessoal disto. Daí
vemos os escândalos. É improvável que
pastores iniciem trabalho ministerial
pensando em enriquecimento. Contudo, por
não colocarem freios bíblicos mentais em si
mesmos, adentram em terreno minado, sem
a vocação, preparo e responsabilidade para
isso. Passam a ver resultado financeiro das
suas “boas” pregações, e então amam o
prêmio da injustiça, tal qual Balaão (II Pe
2.15).
Se nós líderes abrirmos mão de ter a
resposta final para todas as coisas,
perceberemos com grande alegria como
Deus usa O Corpo Dele para ministrar Sua
graça. Como cada pessoa tem seu dom, além
também de Ser um Dom, Deus manifesta-se
na coletividade fazendo-a cada vez mais
interdependente. Se uns dependem da
complementariedade um do outro, assim
também os presbíteros e diáconos se
completam, para administração da Casa de
Deus. Para que haja assim, equilíbrio nas
coisas materiais e espirituais.

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

Conclusão

“Deus não quer que


façamos coisas
extraordinárias. Ele
quer que façamos
coisas ordinárias
extraordinariamente
bem”.
Bispo Gore

Falamos de várias coisas ao longo deste


pequeno livro.
Jesus fez discípulos, efetivamente. Deixou
uma vivência, um estilo de vida, mas não
deixou um livro.
Todo o Antigo Testamento Deus trabalhou
baseado em Palavra Escrita. Até mesmo as
tábuas da Lei Ele mesmo escreveu. Passou o
Antigo Testamento todo enviando profetas

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

para lembrar do que estava escrito.


Até que, “na dispensação da plenitude dos tempo Deus
enviou Jesus”, que não era mais uma palavra
escrita. Era agora a palavra-que-virou-gente.
Não adiantava ficar falando, falando; era
preciso mostrar a palavra “vivendo” a vida
normal das pessoas.
O chamado para você, leitor, é
justamente esse: viver a Palavra. “Ensinando-as a
guardar” é de fato ensinar a praticar. A fé sem
obras é morta, e o Evangelho sem vivência é
discurso.
O mundo cansou de gente que começa
uma coisa mas não mantém. O povo cristão
começa mas logo perde o compromisso,
entrando pela normose da vida mundana.
Deixa de ser sal e luz por falta de
radicalidade no discipulado.
Agora é hora de revolução. Revolução
que foi paralisada na igreja da Idade Média,
irrelevante, auto-indulgente, política,
ditatorial e formalista. Revolução que os
reformadores não fizeram porque ativeram-
se quase exclusivamente na parte
doutrinária.
É hora de não respeitar qualquer
desobediência, considerando-a anti-
testemunho cristão. É hora de uma revolução

102
p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

de obediência. Obediência radical que não se


preocupa com os sentimentos, mas com a
demonstração de que É POSSÍVEL VIVER A
BÍBLIA.
Realmente acredito que, se a Palavra não
pode ser vivida, Deus não existe. Para que
Deus falaria? Para confundir? Para trazer
culpa? De hipótese alguma! Deus nos quer
discípulos sujeitos a Ele, de tal modo que a
Sua Palavra vá até a raiz da vida.
Wesley foi o segundo Paulo. Conseguiu
sistematizar a prática da Palavra, a ponto de
conseguir reprodutibilidade. O máximo que
se consegue hoje é um substituto que
continue a construção do templo.
Chega! Precisamos de sistematização e
reprodução de vida! De obediência! De
práticas cotidianas simples, mas todas
ancoradas na vida de Cristo.
O mundo verá uma nova geração de
cristãos! Uma nova geração de pessoas que
não são crentes nem evangélicas – são
discípulos! Discípulos que pregam, mas que
nem precisam na verdade abrir a boca,
porque sua prática é tão cristalina e clara
que Jesus é manifesto visivelmente.
Encarnado. Em vasos de barro.
E toda a excelência? Será Dele! Só a Ele!

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

BIBLIOGRAFIA

Segue lista de livros que entendemos compor


entendimento acerca da formação de
discípulos, cada um dentro da sua respectiva
abordagem.

O DISCÍPULO - Juan Carlos Ortiz (Ed. Betânia)


Reputo ser fundamental para compreender a distância do
modelo atual de evangelho com o cristianismo bíblico. É
desafiador, e quebra paradigmas.

DISCÍPULOS SÃO FEITOS, NÃO NASCEM PRONTOS – Walter


A.Henrichsen (Ed.Atos)
É o que melhor ‘passeia’ por todos os aspectos do
discipulado. Bem geral, amplia e simplifica a visão, embora

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

não seja profundo.

DISCIPULADO – Dietrich Bonhoeffer (Ed Sinodal)


Sem comentários. Quem não leu o autor não conhece o
termo graça barata. É profundo, desafiador, santo.
Indispensável.

UMA VIDA COM PROPÓSITOS – Rick Warren (Ed.Vida)


Este best-seller não o é por acaso. Não é simplista; de fato
arruma a cabeça, focando o essencial de forma bem
espiritual. Maravilhoso.

QUEBRANDO PARADIGMAS – Ed René Kivitz (Abba Press)


Deveria ser livro de tese de formatura de todo seminarista.
Arruma a cabeça sem religiosidade piegas. Essencial,
embora muito pouco citado e conhecido.
O CORDÃO DE TRÊS DOBRAS – Paulo Solonca (Abba Press)
Vida cristã é relacionamento. Paulo Solonca mostra as
implicações e importância deles, de forma bíblica e
penetrante. É raro um livro nessa área.

MENTORIA ESPIRITUAL – James M. Houston


(Ed.Textus/Sepal)
Este já traz uma profundidade bem maior sobre a
formação da pessoa. Aponta para mentoria, mas dá muito
boas bases para um discipulado maduro e profundo.

O PROPÓSITO ETERNO DE DEUS E COMO ALCANÇÁ-LO; A


PORTA DO REINO – apostilas do presbitério da Igreja em
Salvador.

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São materiais internos de bases e doutrinas para o


discipulado. São muito, muito bons; simples e focados.
Aliás, aprende-se muito com esses amados.

CONHECENDO DEUS E FAZENDO SUA VONTADE – Henry


T.Blackaby e Claude V.King (LifeWay e Bompastor)
Este verdadeiro manual dá importante suporte de
crescimento, em bases de espiritualidade saudável e
profunda, sem ser teológico. Muito bom, talvez o melhor
disponível no Brasil.

TUDO PARA ELE – Oswald Chambers (Ed.Betânia)


Não conheço nada mais profundo, santo, abrangente,
espiritual e completo que este livro. Ele não tem similar em
nada. P-e-r-f-e-i-t-o! Deus puro, puro!

JESUS E SUAS DIMENSÕES – Anselm Grün (Verus)


O povo de Deus ainda vai descobrir Anselm Grün. Ele é
sem precedentes. Mostra pleno equilíbrio entre o
conhecimento de Deus e do ser humano. Este livro é
maravilhoso, maravilhoso.

A TRILHA MENOS PERCORRIDA – Scott Peck (Imago)


Não é à toa que só vive esgotado. Vai na ferida do ser
humano, que foge de mexer na essência de suas
incoerências. Quem não entende isso não entende nada de
processos de crescimento.

CAMINHOS DA REALIZAÇÃO – Jean Yves Leloup (Ed.Vozes)


Um dos bons livros de Leloup, mistura psicologia e análise
textual, aplicando ao mundo interior, visando crescimento.

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p or u m e vangelho s imples Nils Alberto Bergsten

É elaborado; dá até temor em muitos momentos essa


leitura. Profundo.

ESCRITOS DO HESICASMO – Jean Yves Leloup (Ed.Vozes)


Uma boa leitura para quem busca ver se há alternativas ao
“evangelho gospel”. Mostra a espiritualidade como era
bem perto dos dias de Jesus. Como sempre em Leloup,
literatura para auto-conhecimento.

INTRODUÇÃO AOS VERDADEIROS FILÓSOFOS – Jean Yves


Leloup (Ed.Vozes)
Compilação e comentário dos antigos pais da
espiritualidade. Ainda na linha reflexiva, com transcrições,
reforça a reflexão sobre a espiritualidade hodierna.

CRER E CRESCER – J.B.Libânio (Olho dágua)


Livro profundo teológico, que vai mostrando e
confrontando conceitos de maneira aguda, sem deixar de
ser focado no espiritual.

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