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Missionários aprendem até pilotar avião

para evangelizar índios na Amazônia


2 horas atrás

© Divulgação - New Tribes Mission Missionária com o rosto pintado simula ser uma
indígena do povo Yanomami em treinamento promovido pela organização New Tribes
Mission na Pensilvânia, nos EUA

Cursos de piloto de avião, antropologia e linguística, vivências em réplicas de aldeias e


peças de teatro estão entre as estratégias adotadas por ONGs missionárias brasileiras e
estrangeiras para atrair voluntários ao esforço de evangelizar indígenas na Amazônia.

Lideranças indígenas contrárias às iniciativas temem que elas venham a ganhar fôlego
no governo de Jair Bolsonaro, após a indicação da pastora evangélica Damares Alves
para o ministério encarregado pela política indigenista.

Dinaman Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil


(Apib), diz que "com a indicação da ministra Damares, o novo governo sinaliza que está
claramente articulado com missionários evangélicos numa estratégia declarada de
integrar o indígena à sociedade - a mesma estratégia da ditadura militar."

 'Conheci e perdoei o índio isolado que me flechou no rosto'


 As freiras que, em vez de catequizar, defenderam cultura indígena e viram povo
'renascer'

Segundo a Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), entidade que


reúne 78 organizações missionárias, há no mundo "dois mil povos sem o Evangelho,
entre os quais 89 estão no Brasil".

A associação tem um Departamento de Assuntos Indígenas, cuja missão é "atender


demandas sociopolíticas oriundas das agências filiadas junto aos órgãos
governamentais", como obter autorizações para atuar em terras indígenas e influenciar
congressistas em debates sobre o trabalho missionário em aldeias.

Uma das entidades filiadas é a Asas de Socorro, criada por missionários americanos em
1955 e que mantém em Anápolis (GO) uma escola para formar pilotos e mecânicos
dedicados "à causa do evangelismo nas aldeias, comunidades ribeirinhas e povos
tradicionais, habitantes em regiões isoladas ou em situação de risco na Amazônia".

A formação completa dura quatro anos e custa cerca de R$ 1.500 ao mês, valor
subsidiado pela organização, e garante ao aluno licenças de piloto comercial, voo por
instumento e instrutor de voo.

Em cursos de piloto anunciados na internet, as mensalidades chegam a R$ 4.200/mês.

A Asas de Socorro tem bases em Roraima, Rondônia e no Amazonas. Um instrutor


disse à BBC News Brasil que, após a conclusão do curso, espera-se que o voluntário
passe a prover apoio logístico a missionários que já estejam em aldeias.

Os pilotos também podem fazer cursos para participar da evangelização direta dos
grupos, além de atuar em emergências, resgatando missionários ou indígenas doentes.
As operações são financiadas por doadores individuais e igrejas parceiras da Asas de
Socorro.

'Religiões tradicionais e espiritismo'

Com sede nos EUA, a agência missionária Association of Baptists for World
Evangelism (Associação Batista para o Evangelismo Global) também emprega
aviadores missionários no Brasil.

Em seu site a organização conclama voluntários a servir no país, descrito como um local
onde "religiões tradicionais e o espiritismo ainda abarcam parte da população".

Muitas organizações filiadas à AMTB têm sede no exterior - caso da WEC (Worldwide
Evangelisation for Christ), criada por um britânico em 1913 e que diz ter como meta
"envolver-se com 33 novos povos" em 2018 em parceria com as igrejas brasileiras.

Algumas organizações se especializam no treinamento antropológico e linguístico dos


missionários.

"Nunca houve uma época em que os missionários fossem tão bem preparados como
agora", diz à BBC News Brasil o presidente da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB)
e vice-presidente da Associação das Missões Transculturais Brasileiras (AMTB),
Edward Luz.

Luz diz que mais de 1.700 missionários já foram formados pelo Instituto Bíblico Peniel,
braço educacional da MNTB, fundada em 1953 e hoje presente em 50 etnias brasileiras.
O curso dura quatro anos e meio e tem aulas de teologia, antropologia e linguística.

© Divulgação - Asas de Socorro Aviões de pequeno porte são usados por missionários
em deslocamentos pela Amazônia para atingir comunidades remotas em processo de
evangelização e ajuda

A formação busca preparar o aluno para iniciar o trabalho missionário do zero em


qualquer etnia, falante de qualquer língua, em qualquer lugar do mundo. O missionário
tem acesso a técnicas para aprender um idioma qualquer por conta própria, transliterá-lo
para nosso alfabeto e traduzir a bíblia para a língua aprendida.

O objetivo da MNTB é estimular as comunidades a criar suas próprias igrejas


evangélicas. Entre os povos que não falam português, os cultos são sempre celebrados
na língua local.

Foi essa a estratégia que eles aplicaram, por exemplo, entre os Wari' (também
conhecidos como Pacaas Nova), grupo contatado pela MNTB em 1956, em Rondônia.
"A igreja deles é totalmente Pacaa Nova. Eu nunca seria pastor numa aldeia indígena",
diz Luz.

Salvação do inferno

Durante o curso de formação, os candidatos a missionários da MNTB assistem à peça


teatral Clamor de Batum - que, segundo a organização, reproduz um episódio real
ocorrido na Papua Nova Guiné, país na Oceania.
Na peça, um grupo de jovens missionários visita pela primeira vez uma aldeia onde
outros colegas já atuavam. "Olha só essa nativa. Ela é muito bonita, e eu aqui pensando
que eles iam ser muito feinhos", diz uma das visitantes. "É, eles são seres humanos
como nós, e Jesus também ora por eles", replica um missionário mais velho.

Na trama, um grupo de aborígenes implora para que os missionários se desloquem para


outra aldeia para catequizar seus parentes e livrá-los do inferno após a morte. Diante da
negativa dos religiosos, que alegam não serem numerosos o suficiente para a tarefa, a
peça se encerra com uma choradeira coletiva.

A audiência é, assim, estimulada a unir-se ao esforço evangelizador para impedir que


tantos povos não cristianizados tenham destino semelhante ao dos aborígenes papuásios.

Encenações também estão entre as estratégias da organização americana New Tribes


Mission para angariar missionários.

© BBC Folheto com conteúdo religioso na língua Xavante distribuído por missionários
Testemunhas de Jeová em aldeias desse grupo indígena, no Mato Grosso

A entidade montou na Pensilvânia uma réplica de uma aldeia Yanomami, povo que
habita o Brasil e a Venezuela. Nela, voluntários interagem com atores que se passam
por membros do grupo indígena.

A experiência é oferecida durante um retiro de fim de semana batizado de Wayumi -


termo que, segundo os organizadores, é adotado pelos Yanomami para se referir a
viagens curtas.
Segundo a organização, o retiro "dará a você e a seu grupo uma visão panorâmica de
povos ainda não contatados pelo mundo. Ela abrirá seus olhos para o que deve ser feito
para acançar esses grupos".

103 etnias sem missionários

O esforço para recrutar voluntários busca preencher lacunas na evangelização de índios


na Amazônia.

Em 2017, numa palestra na Faculdade Teológica Sul Americana, em Londrina (PR), o


pastor Ronaldo Lidório - um dos principais nomes da atividade missionária no Brasil -
disse que indígenas são o grupo populacional brasileiro com maior carência de
missionários, seguidos por ribeirinhos, quilombolas, ciganos e sertanejos.

Segundo Lidório, 103 etnias brasileiras não têm a presença de qualquer missionário.

"Quarenta delas estão abertas para o Evangelho, mas a realidade é que não há
missionários", afirmou.

Não há dados oficiais sobre o avanço de igrejas evangélicas entre povos indígenas
brasileiros. Em alguns povos, porém - caso dos Terena, em Mato Grosso do Sul, e dos
Baniwa, no Amazonas - a maioria dos integrantes se declara evangélica.

Em algumas regiões, como no Alto Rio Negro, há forte presença católica entre os
indígenas por influência de missões instaladas nos últimos séculos. Hoje, porém, a
Igreja Católica diz ter abandonado a evangelização de indígenas e valorizar as crenças
ancestrais dos grupos.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão ligado à Igreja Católica, diz atuar
junto a mais de 180 povos indígenas brasileiros respeitando o protagonismo dos grupos
e "dentro de uma perspectiva mais ampla de uma sociedade democrática, justa,
solidária, pluriétnica e pluricultural".
© Divulgação - Asas de Socorro Avião da Asas de Socorro, entidade missionária fundada em
1955 e que oferece cursos para formar mecânicos e pilotos dedicados "à causa do evangelismo
nas aldeias"

Autorização para entrar em terra indígena

Pelas regras atuais da Funai, missionários só estão absolutamente impedidos de entrar


em territórios de povos indígenas isolados - restrição que vale para qualquer outro grupo
de pessoas.

Para ingressar nas demais terras indígenas, eles precisam de uma autorização da Funai
ou da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).

Segundo servidores da Funai que não quiseram ser identificados, muitos missionários
obtêm autorizações com a justificativa de prestar serviços à comunidade, como
assistência em saúde.

De acordo com o Portal da Transparência, a entidade filantrópica que mais recebeu


recursos da União nesta década foi uma ONG presbiteriana que atua junto a indígenas -
a Missão Evangélica Caiuá, que mantém um convênio com o Ministério da Saúde para
administrar 18 dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas. No período, a ONG -
que em seu site diz trabalhar "a serviço do índio para a Glória de Deus" - recebeu cerca
de R$ 2 bilhões em verbas públicas.

Linguistas missionários

Outras entidades recebem autorização para entrar em terras indígenas com base em
convites da própria comunidade. Em alguns casos, indígenas que moram em cidades e
já foram catequizados servem de ponte entre os missionários e suas aldeias de origem.
Há ainda missionários que conseguem autorizações com o pretexto de estudar línguas
indígenas - prática que chegou a ser apoiada por um dos patronos do indigenismo
brasileiro, o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1977).

Enquanto trabalhava no Serviço de Proteção ao Índio (órgão antecessor da Funai),


Darcy Ribeiro abriu portas para que missionários estrangeiros do Summer Institute of
Linguistics (SIL) se instalassem em aldeias e estudassem línguas nativas brasileiras,
julgando que o trabalho ajudaria a preservá-las.

A aliança do Estado brasileiro com o grupo foi rompida, mas o SIL se mantém ativo no
país. Outra influente entidade no ramo é a Associação Linguística Missionária
Evangélica (Alem), criada a partir de uma subdivisão do SIL, a Wycliffe Bible
Translators.

A Alem diz em seu site que há no Brasil 69 línguas indígenas sem a bíblia traduzida, de
um total de 274. A organização diz trabalhar "com o sonho de tornar a Palavra acessível
a todos os povos e línguas ainda não alcançados".

© Divulgação - Instituto Peniel Peça teatral Clamor de Batum, encenada por alunos de um
instituto ligado à Missão Novas Tribos do Brasil e que descreve trabalho de missionários entre
aborígenes de Papua Nova Guiné

Zonas cinzentas
Segundo servidores da Funai, missionários se aproveitam de zonas cinzentas na
legislação para expandir suas operações entre indígenas.

Muitas vezes, dizem eles, religiosos que entram nas aldeias com a justificativa de
prestar serviços ou estudar línguas aproveitam o acesso para tentar converter indígenas
durante sua estadia ou conseguir o aval para a instalação de uma missão. A Funai só é
acionada nos casos em que essa atuação gera conflitos.

A SIL e a ALEM não responderam a pedidos de entrevista da BBC News Brasil sobre
suas práticas.

Questionada sobre as regras para autorizar o trabalho missionário em aldeias, a Funai


disse em uma nota que a Constituição determina o respeito aos "costumes, línguas,
crenças e tradições dos povos indígenas". "Assim, a Funai não autoriza o ingresso de
pessoas com projeto de realizar trabalho missionário de evangelização, a menos que esta
seja uma demanda da própria comunidade. Mesmo os estudos e pesquisas só ocorrem
com o diálogo com os povos indígenas, que devem manifestar interesse no ingresso
solicitado", diz a fundação.

Para Dinaman Tuxá, o coordenador-executivo da Apib, o trabalho missionário


demoniza saberes tradicionais e "tenta desaculturar nossas comunidades".

Ele afirma que, embora indígenas brasileiros lidem com missionários desde 1500, nos
últimos anos, evangelizadores têm se articulado com outro grupo poderoso na política
brasileira, o agronegócio, impondo riscos adicionais às comunidades.

"Eles não querem mais só evangelizar, eles querem trazer as comunidades para o meio
urbano e liberar nossas terras para plantar soja, tirar minérios, criar gado."

Para Edward Luz, presidente da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), a


evangelização altera a cultura de um povo tanto quanto o provimento de serviços de
saúde e de educação. "A partir do momento em que você dá um antibiótico, um remédio
antimalária, você alterou toda a cosmovisão de um povo. Você vai negar dar saúde para
o índio?"

Ele afirma que missionários deveriam ser livres para atuar em qualquer comunidade
indígena, inclusive as isoladas, e que esse trabalho pode salvar alguns grupos da
extinção.

"Qualquer povo com menos de 400 pessoas está fadado ao extermínio por razões
óbvias, como a consanguinidade. Têm que haver uma política de aproximação desses
povos", defende.
© Diocese de São Gabriel da Cachoeira Padres salesianos no Alto Rio Negro, em 1914; ação
dos religiosos difundiu o catolicismo entre povos indígenas da região

Contato com os Zo'é

Edward Luz protagonizou um dos episódios que fizeram a Funai mudar sua política em
relação a índios isolados, estabelecendo restrições ao contato. Ele diz ter sido o primeiro
não indígena a contatar o povo Zo'é, no norte do Pará, em 1982.

Em "Memórias Sertanistas: cem anos de indigenismo no Brasil", livro organizado pelo


jornalista Felipe Milanez, o ex-servidor da Funai Fiorello Parise diz que o contato foi
feito à revelia da Funai e causou grande mortandade entre os Zo'é.

Segundo Parise, a presença dos missionários contaminou os indígenas com gripe e


malária, doenças até então inexistentes no território. Ele afirma ainda que na aldeia "só
havia medicamento para uso dos próprios missionários", e que os religiosos criaram
uma estrutura "tendo os Zo'é para lhes oferecer artesanato, servirem-lhes caça, pesca e
outros serviços mais".

Em 1987, a Funai determinou que iniciativas de contato com povos isolados deveriam
partir sempre dos próprios grupos - e que cabia ao Estado somente proteger e demarcar
suas terras.

Em 1991, os missionários da MNTB foram expulsos do território Zo'é.

Edward Luz diz que as afirmações de Parise sobre a introdução de doenças na


comunidade são falsas. Ele afirma que provavelmente a malária chegou ao território por
meio de macacos, que estão entre os hospedeiros da doença.
"Depois que cheguei no Amazonas, peguei oito malárias, lá no meio deles. E dizem que
eu fui lá levar malária? É inconcebível."

Sobre os relatos de privilégios que os missionários teriam entre os indígenas, ele diz que
se tratava de cuidados para conciliar "dois mundos completamente diferentes".

"Eles queriam isso ou aquilo e você não pode, dentro da perspectiva sociocultural, dar
ou distribuir esssas coisas, como alguns erroneamente fazem. E se ele (índio) te dá algo,
espera receber algo na frente. Éramos parcimoniosos para não criar uma dependência
econômica."

Luz diz que os missionários reverteram "o processo de extinção completa daquele povo"
e que a expulsão do grupo se deveu a fatores políticos.

"Havia interesses de pessoas para estudar aqueles povos e não queriam a presença de
missionários no meio deles. Até então, a Funai nos elogiava, temos relatos e afirmações
fantásticas deles a nosso respeito", diz.

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