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INTRODUÇÃO
Desta forma, onde a casuística da responsabilidade civil assumiu grandes proporções foi
no campo automobilístico.
Em observação àquilo que vem ocorrendo nos últimos tempos conclui-se que o aumento
generalizado dos acidentes automobilísticos, bem como o apelo social pela maior
responsabilização dos envolvidos veio abrir novos roteiros, seja no campo da
responsabilidade subjetiva, seja no da presunção de culpa, seja ainda no da teoria
objetiva.
Sobre esta última é que nos ateremos no presente trabalho. Provinda do entrechoque de
interesses crescentes no aumento das lesões do direito em virtude da densidade
progressiva dos acidentes, das diversidades múltiplas de atividades indefinidas que o dão
causa, e da necessidade manifesta de proteger a vítima, influenciou os juristas no sentido
de levá-los a solucionar os conflitos através de um novo fundamento que melhor
resolvesse o grave problema pela impossibilidade de abrangência da responsabilidade
subjetiva, nesta numerosa gama de casos.
Para se poder caracterizar a responsabilidade civil, ou seja, a obrigação que tem o agente,
causador de um dano, de repará-lo, indenizando a vítima, é necessária a presença dos
seguintes requisitos: Ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo causal e
o dano. A culpa, dentro da teoria objetiva, não se configura como um requisito.
A responsabilidade civil evoluiu de sua compreensão subjetiva e individual, algo imputável
a quem deu causa culposamente a um dano que jamais teria ocorrido se inexistente o ato
do responsável, para o estágio mais avançado da culpa presumida, e posteriormente ainda
para a concepção da responsabilidade objetiva, por sua vez suplantada pela teoria do
risco. Tudo isso sucedeu por imperativo da nova realidade sócio-político-econômica que o
capitalismo avançado e os ganhos tecnológicos determinaram.
A responsabilidade subjetiva, portanto, já há muito tempo já não vinha sendo uma forma
satisfatória de se proceder à entrega da tutela jurisdicional, dado que em muitos casos era
impossível à vítima fazer prova da conduta faltosa do autor do dano.
O que se busca, com a adoção, cada vez maior, da teoria da responsabilidade objetiva é
justamente a igualdade entre todos os componentes da sociedade, pois havendo um dano,
o causador deste deve indenizar a vítima. Não pode mais a vítima, por não conseguir
provar culpa do agente, arcar com as conseqüências de um ato não cometido por ela e
sim por outrem. Busca-se, desta forma manter o equilíbrio social e patrimonial, anterior ao
dano.
A responsabilidade civil busca outros fundamentos que não a culpa individual, deduzida de
um comportamento sobre o qual teria o agente algum poder de opção para impor o dever
de reparação. Na atualidade, vê-se o deslocamento focal da responsabilidade, justamente
em sua dimensão mais significativa, a do causador imediato do dano e de sua culpa, para
o imperativo da reparação do dano.
As atenções se dirigem, agora para o que se fez centro, por sua relevância - o dano. É ele
que cumpre seja reparado, independentemente do elemento anímico da conduta do seu
causador, dado que se tornou produtora de danos à própria atividade humana, necessária
e lícita, do capitalismo avançado, utilizando a tecnologia disponível.
Desta busca por soluções, é que nasceu a Teoria da Responsabilidade Objetiva, tendo
como precursores Saleilles e Josserand. Segundo Saleilles a "teoria objetiva é uma teoria
social que considera o homem como fazendo parte de uma coletividade e que o trata como
uma atividade em confronto com as individualidades que o cercam" e que "o nosso direito
atual tende a substituir pela idéia de reparação a idéia de responsabilidade". (apud
Pereira, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.17)
Josserand, por sua vez, propõe que examinemos o direito sob o foco da "evolução".
Entendendo ser necessário indagar "a que se deve a evolução constante e acelerada da
responsabilidade". E encontra razão na "multiplicidade dos acidentes, no caráter cada vez
mais perigoso da vida contemporânea". (apud. Pereira, Caio Mário da Silva. obra citada. p.
17)
"A teoria da culpa, resumida, com alguma arrogância, por VON IHERING, na fórmula ´sem
culpa, nenhuma reparação´, satisfez por dilatados anos à consciência jurídica, e é, ainda
hoje, tão influente que inspira a extrema resistência oposta por autores insignes aos que
ousam proclamar a sua insuficiência em face das necessidades criadas pela vida
moderna, sem aludir ao defeito da concepção em si mesma". (Dias, José de Aguiar. Da
Responsabilidade Civil, Volume I, Editora Forense, 7ª Edição, Rio de Janeiro, 1984, p. 36).
O professor Wagner Inácio freitas dias, em seu livro sobre a responsabilidade médica,
assim comenta a responsabilidade objetiva:
"Com o passar do tempo, teve de buscar compreensão para casos em que não houvesse
um sujeito culpado, pois, apesar de seu ato ser perfeito frente ao ordenamento jurídico,
nasceu um prejuízo para alguém.
Para tais situações, resolveu-se criar uma ligação de responsabilidade que não mais
indagasse da culpa, mas estabelecesse a devida resposta com a simples existência de um
dano vinculado a uma conduta. Era o ponto em que se deixava de lado a inquirição acerca
da conduta do indivíduo e se passava a observar o ilícito em seu lado meramente objetivo.
E, havendo um dano, procurava-se descobrir a conduta que o havia originado, em se
descobrindo, não se cogitava de sibilinos questionamentos em relação às intenções do
agente, passando-se apenas a mensurar o liame causal e, em sendo este positivo, criado
estava o dever de resposta.
Esta teoria foi alçada para cobrir algumas situações em que a parte mais fraca
impossibilitada de demonstrar a culpa do agente lesivo ou quando a ação deste criava
uma ampliação do risco geral vinculado às atividades sociais." (Freitas Dias, Wagner
Inácio. A responsabilidade médica. Viçosa: UFV, 2002. p. 88)
A premissa básica da teoria do risco criado é que, se uma pessoa no exercício de uma
atividade, cria ou amplia um risco para outrem deverá arcar com suas conseqüências
danosas. Vai nisto um problema de causalidade. Sem o nexo causal, não existe a
obrigação de indenizar. A despeito da existência do dano, se sua causa não estiver
relacionada com o comportamento do agente, não haverá que se falar em relação de
causalidade e, via de conseqüência, em obrigação de indenizar.
O professor SÍLVIO RODRIGUES assim preleciona sobre a teoria do risco: "segundo esta
teoria, aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros, deve ser
obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de
culpa. Examina-se a situação e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e
efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem
direito de ser indenizada por aquele".(Rodrigues, Silvio, Direito Civil: Responsabilidade
Civil, Vol 4, 17ª ed, 1999, Rio de Janeiro, Ed. Saraiva. p.12)
Segundo CAIO MÁRIO, "a teoria do risco criado importa em ampliação do conceito de
risco proveito. Aumenta os encargos do agente; é, porém, mais eqüitativa para a vítima,
que não tem de provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um beneficio obtido
pelo causador do dano. Deve este assumir as conseqüências de sua atividade. O exemplo
do automobilista é esclarecedor: na doutrina do risco proveito, a vítima somente teria
direito ao ressarcimento se o agente obtivesse proveito, enquanto que na do risco criado a
indenização é devida mesmo no caso do automobilista estar passeando por prazer".
(Pereira, Caio Mário da Silva. obra citada. p.302)
Assim, o sujeito é responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que
coloque toda diligência para evitar o dano. O sujeito em razão de sua atividade deve
indenizar os danos que ela por ventura vier a ocasionar. Em síntese, cuida-se da
responsabilidade sem culpa em inúmeras situações nas quais sua comprovação
inviabilizaria a indenização para a parte presumivelmente mais vulnerável.
O novo código civil, em seu art. 927, parágrafo único, admite genericamente a aplicação
da teoria do risco no campo da responsabilidade civil. Tal solução inova o sistema vigente,
pois admite a responsabilização sem culpa além dos casos especificamente previstos em
lei.
"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado
a repará-lo.
A nosso ver, tal preocupação é exagerada; visto que a nossa jurisprudência, baseada nos
ensinamentos doutrinários, a muito tempo se debate sobre o assunto, sendo uma
exigência dela a ampliação genérica deste conceito. Além do mais, as várias
possibilidades de reforma das decisões dos juízes, em decorrência do princípio do duplo
grau de jurisdição, afasta a possibilidade de decisões extremamente contraditórias.
Como disse ANDERSON SCHREIBER, que a "história das codificações mostra que um
código consiste menos nas suas palavras, e mais no que sobre elas se constrói. De fato, o
conteúdo de um código é sempre dinâmico, no sentido de que suas normas não são nunca
dadas, mas construídas e reconstruídas dia-a-dia pelos seus intérpretes". (Schreiber,
Anderson. Arbitramento do Dano Moral no novo Código Civil. RTDC. Rio de Janeiro:
Padma, 2002, v. 12., p. 3)
A circulação dos automóveis criou um risco social próprio, e que é preciso atender,
estabelecendo a responsabilidade na base dos princípios objetivos.
Segundo RUI STOCO, "a generalização do uso de veículos automotores por profissionais
e amadores; a produção massiva de veículos, colocando-os em circulação em proporções
geométricas; o arraigado apego das pessoas a esses bens, transformando-os de meio de
locomoção em símbolo de ´status´ e a precaríssima situação das vias e circulação em todo
o país e, ainda, a inexistência de um planejamento de tráfego e viário eficiente, criou
situações cada dia mais variadas, complexas e angustiantes". (STOCO, Rui.
Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos
tribunais, 1995.)
Oberva-se, contudo, que não se pode, muitas das vezes, excluir totalmente a
responsabilidade da vítima. Pois como bem preleciona RUI STOCO, "a circulação
automobilística, aliás, suscita em tom agudo o problema do procedimento individual em
relação à coletividade. Há o tipo do pedestre que não toma conhecimento do tráfego, na
fagueira ilusão de que a rua é sua propriedade, impondo ao motorista a penosa tarefa de
zelar pela vida do imprudente que lhe corta a passagem". (Stoco, Rui. obra citada. p.)
Desta forma, havendo o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano sofrido
pela vítima, sem a participação desta última para a formação do referido nexo, deve o
causador do dano ressarcir a vítima, independentemente de apuração do elemento
anímico de sua conduta.
RISCO ADMINISTRATIVO
Para entendermos o que seja a teoria do risco administrativo, que serve de supedâneo à
responsabilização do Estado, nos reportemos ao que prelecionam nossos doutrinadores.
CAIO MÁRIO também nos lembra que "a teoria do risco administrativo, foi imaginada
originariamente por Leon Duguit, sobre a idéia de um seguro social suportado pela caixa
coletiva, em proveito de quem sofre um prejuízo causado pelo funcionamento do serviço
público (..) ". Segundo o professor com o advento da teoria do risco administrativo o que
se tem que verificar a existência de um dano, sofrido em conseqüência do funcionamento
do serviço público. No se cogita da culpa do agente, ou da culpa do próprio serviço; no se
indaga se houve um mau funcionamento da atividade administrativa. Proclama-se em
verdade a presunção iuris et de iure de culpa. (Pereira, Caio Mário da Silva. obra citada.
p.132)
Vale acrescentar, contudo, que embora a vítima fique dispensada de comprovar a culpa da
Administração, para que possa ser indenizada, o Poder Público, por sua vez, pode tentar
demonstrar a culpa da vítima, para atenuar ou mesmo excluir, a obrigação de indenizar.
A maior parte da doutrina não faz distinção, considerando as duas expressões com
sinônimas. Alguns autores, entretanto, as diferenciam, pois consideram a teoria do risco
integral como uma modalidade da teoria do risco administrativo, sendo a Administração
Pública obrigada a indenizar, em qualquer hipótese, inclusive naquelas em que estejam
presentes alguma excludente de responsabilidade.
Vários autores tecem veementes críticas contra este posicionamento, caso de YUSSEF
SAID CAHALI, para ele a distinção entre risco administrativo e risco integral no
estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica entre as duas
modalidades de risco pretendidas, mas simplesmente em função das conseqüências
irrogadas a uma outra modalidade: o risco administrativo qualificado pelo seu efeito de
permitir a contraprova de excludente de responsabilidade, efeito que seria inadmissível se
qualificado como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto base ou natureza da
distinção. E acrescenta que deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer
que seja a qualificação atribuída ao risco pelos tribunais se permite a excluso ou
atenuação daquela responsabilidade do Estado quando fatores outros, voluntários ou no,
tiverem prevalecido ou concorrido como causa na verificação do dano injusto.(Cahali,
Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 1995, p.40.)
Além do mais, mesmo os autores que reconhecem a teoria do risco integral admitem a
existência de excludentes ou atenuantes da responsabilidade.
Remetendo o que foi exposto para os acidentes de trânsito, cabe ao Estado responder
pelos danos decorrentes de acidentes com veículos de sua propriedade,
independentemente de qualquer falta ou culpa do agente que o conduzia.
(TRF-2a RG, Apelação Cível. Proc. 2000.02.01.0255778. Publ. no DJU: 04/09/2003, pág.
147. Relator: Des. Fed. ALBERTO NOGUEIRA)
No primeiro caso, a nosso ver, poderá a vítima demandar o Estado sem qualquer óbice
jurídico. Pois, ainda que se argumente, que possuindo a guarda jurídica do bem, a pessoa
se encarrega dos seus riscos. Afasta-se esta perspectiva do fato em questão por estar o
agente no exercício de uma função pública e, por força do texto constitucional nada
impede que a vítima demande a pessoa jurídica alegando responsabilidade objetiva desta.
Podendo, é claro o Estado (em seu sentido amplo, envolvendo as pessoas jurídicas de
direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público) exercer o direito de
regresso, quando lhe for possível.
No segundo caso, verifica-se uma omissão do agir estatal, que embora não autorizado o
agente público (ou qualquer outro) utiliza-se do patrimônio estatal para causar danos.
Trata-se neste caso de responsabilidade objetiva do Estado; ainda que pesem algumas
posições em contrário (visualizam nos atos omissivos estatais apenas a possibilidade de
responsabilidade subjetiva). Sobre o tema, o desenvolveremos no tópico subseqüente.
Alguns julgados de tribunais brasileiros são no sentido de que, quem conduz veículo
automotor não pode isentar-se da responsabilidade invocando dificuldades ou obstáculos
surgidos em seu caminho, a pretexto que deles derivou o acidente, a não que se traduzam
em casos de força maior.
Desta forma aquele que causar um dano a outrem, não poderia se eximir de sua
responsabilidade alegando más condições da pista; pois, presente o nexo de causalidade
(ainda que não exclusivo de sua conduta) ter-se-á o dever de reparar. Também aquele que
se acidentar, originando danos próprios, arcaria com os resultados lesivos de sua
"desídia".
"As más condições de via pública não justificam o acidente de trânsito, pois essas
condições em apreço demandam do acusado maior atenção na condução do veículo"
(TACRIM-SP – AC – Rel. Rezende Junqueira – JUTACRIM 52/334).
A idéia central que preside a teoria do risco administrativo é a de que os ônus decorrentes
da atividade estatal devem sem distribuídos igualmente por toda a sociedade. Se um
determinado indivíduo suporta uma conseqüência da atuação do Estado de modo
diferenciado, esse encargo especial deve ser redistribuído por toda a sociedade através da
fixação de uma indenização.
No plano da responsabilidade objetiva, o dano sofrido pelo administrado tem como causa o
fato objetivo da atividade administrativa, seja ela comissiva ou omissiva. Assim se provado
que a omissão do Estado (não reparação das vias rodoviárias) foi apta a gerar o nexo
causal (criando o risco ou incrementando-o), ter-se-á o Estado responsabilizado
objetivamente pela conduta de seus agentes.
Assim já se decidiu:
(TAC RJ, AC 5743/94, 8ª Câm., unânime, em 14/12/94, Rel. Juiz WILSON MARQUES)
EDIMUR FERREIRA DE FARIA, por sua vez, entende que "o comportamento pode ser
comissivo ou omissivo. Por omissão, o Poder Público responde pela responsabilidade
objetiva ou pela culpa subjetiva, dependendo da situação concreta. Será caso de
responsabilidade objetiva por omissão quando o Estado, ou quem lhe faça às vezes,
deixar de agir quando tinha o dever legal de atuar comissivamente, mas se absteve,
deliberadamente ou não, de praticar o ato que lhe competia. A culpa será subjetiva
quando, embora o Estado não tivesse o dever legal de agir, objetivamente previsto,
devesse, ante a situação concreta, adotar providências visando evitar conseqüências
danosas ao administrado". (Faria, Edimur Ferreira. Curso de Direito Administrativo
positivo. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 525)
Não me parece cabível a interpretação restritiva do texto legal. Pois, tendo o Estado o
dever de agir, seja ele genérico ou previsto objetivamente, deverá ser-lhe imputado as
conseqüências de sua eventual desídia, não se perquirindo se no caso houve culpa ou
dolo de seus agentes para a ocorrência do sinistro. Pois, muitas vezes o dano proveniente
do funcionamento do serviço público se origina, não da conduta do agente atualmente
encarregado de prestá-lo, mas de outro que atuou no passado e que esteve encarregado
de organizá-lo. Assim, exigir a prova de sua culpa, ainda que se a presuma, é
simplesmente falsear a realidade e fomentar a irresponsabilidade estatal, visto a
complexidade que inúmeras vezes revestem os seus atos.
1 - A prova do fato danoso e do nexo de causalidade entre a fato e o dano são suficientes
para configurar a responsabilidade objetiva do Estado por ato praticado por seus agentes,
nos termos do artigo 37, parágrafo 6 ー, da Constituição Federal.
O maior entusiasta desta teoria no Brasil é WILSON DE MELO DA SILVA, em seu livro
"Responsabilidade sem culpa" chega à conclusão de que a responsabilidade objetiva deve
ser subordinada ao conceito da "socialização dos riscos" que ele entende ser o que
"melhor atende aos reais reclamos da consciência coletiva". (apud Pereira. Caio Mário da
Silva. obra citada. p. 289)
A socialização dos riscos é, segundo Wilson de Melo da Silva, o único modo de tranqüilizar
a todos nós, uma vez que não há garantias de que o agente causador do dano tem
recursos econômicos suficientes para garantir a reparação do prejuízo. É um instrumento
de maior proteção para a vítima e, como conseqüência, para toda sociedade.
Note-se que com um sistema que garanta o pronto ressarcimento do dano, haverá maior
possibilidade de recompor o prejuízo sofrido pela vítima, sem a preocupação de longos
processos judiciais ou a impossibilidade de satisfação do crédito pela insolvência do
devedor.
O professor CAIO MÁRIO, citando Malaurie e Aynès, assim preceitua o que seja a teoria
da socialização dos riscos: "tem surgido na atualidade a idéia de socialização dos riscos,
cujo aparecimento obedece a três etapas de desenvolvimento, que aludem Malaurie e
Aynès. Numa primeira fase, ocorre a extensão da responsabilidade pela prática do seguro
que distribui o risco entre os segurados: ‘o seguro é a complementação da
responsabilidade’. Na segunda fase a socialização dos riscos é assegurada diretamente
pela seguridade social, a cargo de organismos coletivos que assumem os riscos sociais: ‘a
responsabilidade é o complemento da seguridade social’. Na terceira fase, a vítima
somente pode reclamar da seguridade que não obtém reembolso contra o responsável. ‘A
repartição coletiva dos riscos exclui, então, a responsabilidade’." (Pereira, Caio Mário da
Silva. obra citada. p. 289)
Segundo WILSON DE MELO o dano "deixa de ser apenas da pessoa para se tornar um
dano à própria coletividade", substitui-se o princípio da responsabilidade civil pelo da
"socialização dos riscos", provendo "a um melhor entendimento entre os homens e uma
garantia maior de harmonia, de segurança e paz social para todos". (apud Caio Mário da
Silva Pereira; obra citada, p. 22)
STARCK, citado por Caio Mário, após criticar o teoria subjetiva e a teoria do risco,
argumenta que "da mesma sorte que o homem tem direito à honra, à própria imagem, e à
intimidade de sua vida privada, tem igual direito à seguridade pessoal. No propósito de
assegurá-lo cumpre oferecer à vítima uma ‘garantia objetiva’, independentemente da
apuração de culpa. Daí a necessidade de se estabelecer um sistema securitário, que
sempre proteja a vítima, no só fato do dano". (apud Caio Mário da Silva Pereira; obra
citada, p. 22)
Apesar do que há de sedutor nos programas de socialização dos riscos, ela que não
comporta aplicação a toda espécie de danos, devido à extrema onerosidade que dela
advém, e que ficaria sempre a cargo da coletividade. Encontra, todavia, receptividade no
seguro obrigatório dos veículos automotores contra danos pessoais.
O seguro obrigatório tem uma necessidade social, o que já seria uma justificativa para sua
imposição legal, a fim de trazer o equilíbrio às relações jurídicas que surgem em
decorrência de dano, assegurando a maior proteção à vítima.
As excludentes de responsabilidade são alguns dos meios de defesa nos processos que
tem por fito averiguar a existência do dever de reparar. Para que se possa impor a alguém
a obrigação de indenizar o prejuízo experimentado por outrem é necessário que haja uma
relação de causalidade entre o ato praticado pelo agente e o prejuízo sofrido pela vítima.
Em todas as hipóteses analisadas até agora, vimos sempre a existência de um dano,
causado pela ação ou omissão do agente. Sem essa relação de causalidade não se pode
conceber a obrigação de indenizar.
Sem o dano não haveria responsabilidade, ou seja, sem um prejuízo que repercute na
esfera jurídica de uma pessoa, de ordem material ou moral, não há que cogitar o dever de
ressarcimento. Basta um simples interesse afetado para caracterizar o prejuízo
juridicamente relevante, porém, o dano deve ser certo e atual.
Existem causas que levam à irresponsabilidade, por eliminarem o nexo causal entre o
dano e a ação ou omissão do agente, como é o caso da força maior e do caso fortuito e a
culpa exclusiva da vítima; e outros que atenuam a dever de ressarcir, com é o caso da
culpa concorrente da vítima.
Este parece ser a opinião do legislador brasileiro, pois o código civil em seu art. 393,
Parágrafo único, os trata como expressões sinônimas.
"Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos restantes de caso fortuito ou força
maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos
efeitos não era possível evitar ou impedir."
O professor SERGIO CAVELIERI FILHO entende que "estaremos em face do caso fortuito
quando se tratar de evento imprevisível e, por isso, inevitável. Se o evento for inevitável,
ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente
são os fatos da Natureza, como as tempestades, enchentes etc., estaremos em face da
força maior, como o próprio nome o diz. É o ‘act of God’, no dizer dos ingleses, em relação
ao qual o agente nada pode fazer para evita-lo, ainda que previsível" (Cavalieri Filho,
Sergio, Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed., 1999, Rio de Janeiro, Ed. Malheiros,
p. 66.)
Por sua vez MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO estabelece distinção diversa, onde
aponta diferentes efeitos para instituto: "Força maior é acontecimento imprevisível,
inevitável e estranho à vontade das partes, como uma tempestade, um terremoto, um raio.
Não sendo imputável à Administração, não pode incidir a responsabilidade do Estado (...),
caso fortuito, em que o dano seja decorrente de ato humano, de falha da Administração,
não ocorre a mesma exclusão; quando se rompe, por exemplo, uma adutora ou um cabo
elétrico, causando dano a terceiros, não se pode falar em força maior." (Di Pietro, Maria
Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 13ª ed., 1999, São Paulo, Ed. Atlas, p. 518.)
CARLOS ROBERTO GONÇALVES, por sua vez, os distingue da seguinte forma: "O caso
fortuito geralmente decorre de fato ou ato alheio à vontade das partes: greve, motim,
guerra. Força maior é a derivada de acontecimentos naturais: raio, inundação, terremoto."
(Gonçalves, Carlos Roberto, Responsabilidade Civil, 6ª ed., 1995, São Paulo, Ed. Saraiva,
p. 522.)
CAIO MÁRIO, comentando sobre o assunto, faz a seguinte distinção: "o nosso direito
consagra em termos gerais a escusativa de responsabilidade quando o dano resulta de
caso fortuito ou de força maior. Em pura doutrina, distinguem-se estes eventos, a dizer que
o caso fortuito é o acontecimento natural, derivado da força da natureza, ou do fato das
coisas, como o raio, a inundação, o terremoto, o temporal. Na força maior há um elemento
humano, a ação das autoridades, como ainda a revolução, o furto ou roubo, o assalto ou,
noutro gênero, a desapropriação". (Pereira, Caio Mário da Silva. obra citada. p.303)
Não obstante acirrada discussão em torno do tema e das inúmeras correntes surgidas,
pendemos no sentido de que no direito brasileiro é irrelevante, sob o aspecto prático,
estabelecer diferenciação entre o caso fortuito e a força maior, pois ambos são capazes de
ilidir o nexo causal. Como bem nos ensina RUI STOCO, "o fortuito representa um causa
absolutamente independente, ou uma ‘não causa’, e por isso, exclui o nexo de causalidade
entre a conduta do agente e o resultado". (Stoco, Rui. obra citada. p.608)
FATO DA VÍTIMA
O professor SERGIO CAVALIERI FILHO nos lembra que "a boa técnica recomenda falar
em fato exclusivo da vítima, em lugar de culpa exclusiva", vez que, "o problema, como se
viu, desloca-se para o terreno do nexo causal, e não da culpa". (Cavalieri Filho, Sergio.
obra citada. p. 65.)
Feita esta ressalva, utilizaremos muitas das vezes os termos "culpa exclusiva da vítima" e
"culpa concorrente", por estarem eles impregnados na doutrina brasileira.
CAIO MÁRIO afirma que "com efeito, se a vítima contribui com ato seu na construção dos
elementos do dano, o direito não pode conservar estranho a essa circunstância. Da idéia
de culpa exclusiva da vítima, chega-se à concorrência de culpa, que se configura quando
ela, sem ter sido a causadora única do prejuízo, concorreu para o resultado". (Pereira,
Caio Mário da Silva. obra citada. p.298)
AGUIAR DIAS nos ensina que "a culpa da vítima exclui ou atenua a responsabilidade do
agente, conforme seja exclusiva ou concorrente". (Dias, José Aguiar. obra citada. p.727.)
O professor SILVIO RODRIGUES, preleciona que "o evento danoso pode derivar de culpa
exclusiva ou concorrente da vítima; no primeiro caso desaparece a relação de causa e
efeito entre o ato do agente causador do dano e o prejuízo experimentado pela vítima; no
segundo, sua responsabilidade se atenua, pois o evento danoso deflui tanto de sua culpa,
quanto da culpa da vítima." (Rodrigues, Silvio. obra citada. p. 165.)
Sintetizando as lições acima expostas, podemos dizer que, o fato concorrente da vítima
deve reduzir o valor da indenização exatamente na sua proporção. Se o fato da vítima foi
determinante para o evento, ou seja, se revestir-se das características da imprevisibilidade
e inevitabilidade deve-se reconhecer a culpa exclusiva desta.
Com efeito, se inexiste relação de causalidade, não se pode impor a obrigação de reparar.
As razões são simples e obvias. Quem deve ressarcir o prejuízo da vítima é quem deu
causa ao evento, e se esta é que é responsável pela conduta formadora do liame causal,
deverá suportar os danos de sua conduta.
CONCLUSÃO
Em observação final a tudo o que foi exposto e o que vem ocorrendo nos últimos tempos
(o aumento generalizado dos acidentes automobilísticos, bem como o apelo social pela
maior responsabilização dos envolvidos), concluímos que o instituto da responsabilidade
civil assumiu grandes proporções e desenvolvimento no diz respeito ao campo
automobilístico, e têm muito mais ainda a crescer, adotando e ampliando as novas teorias
de responsabilidade e até mesmo no sentido da absoluta renúncia (teoria da socialização
dos riscos).
Nas sábias palavras do professor Carlos Roberto Gonçalves "o automóvel assumiu
posição de tanto relevo na vida do homem que já se cogitou até de reconhecer a
existência de um ‘Direito Automobilístico’, que seria constituído de normas sobre as
responsabilidades decorrentes da atividade automobilística, normas reguladoras dos
transportes rodoviários de pessoas e cargas e regras de trânsito." (Gonçalves, Carlos
Roberto. Responsabilidade Civil, Ed. Saraiva, S. Paulo, 4ª ed. 1988, p. 243)
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