Letramento Digital e

Formação de Professores
nos Cursos de Letras de
Universidades Federais
Brasileiras
Francisco Wellington Borges Gomes

Programa de Pós-Graduação em
Linguística Aplicada
Universidade de Brasília

1
 Letramento Digital e
Formação de Professores nos
Cursos de Letras de
Universidades Federais
Brasileiras

Francisco Wellington Borges Gomes

2019
2
 Reitor
José Arimatéia Dantas Lopes

Vice-Reitora
Nadir do Nascimento Nogueira

Superintendente de Comunicação
Jacqueline Lima Dourado

Editor
Ricardo Alaggio Ribeiro

EDUFPI - Conselho Editorial

Ricardo Alaggio Ribeiro (presidente)
Acácio Salvador Veras e Silva
Antonio Fonseca dos Santos Neto
Francisca Maria Soares Mendes
Solimar Oliveira Lima
Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Viriato Campelo

Editora da Universidade Federal do Piauí - EDUFPI

Campus Universitário Ministro Petrônio Portella
CEP: 64049-550 - Bairro Ininga - Teresina - PI - Brasil
Todos os Direitos Reservados

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

G633l

Gomes, Francisco Wellington Borges.

Letramento Digital e Formação de Professores nos Cursos de Letras de
Universidades Brasileiras / Francisco Wellington Borges Gomes. – Teresina:
EDUFPI, 2019.
139 p.

ISBN: 978-85-509-0429-0

1. Linguagem e tecnologia. 2. Currículo. 3. Língua inglesa. 4. Letramento digital

5. Formação de professores. 6. Ensino superior.

CDD: 410
Índices para catálogo sistemático:

1. Educação por computador - 371.334

2. Línguas estrangeiras - 372.65
3. Línguas: estudo e ensino – 418.007
4. Linguística Aplicada – 468

3
Agradecimentos

Este livro é fruto de uma investigação realizada no âmbito do Programa de Pós-

Graduação em Linguística Aplicada da Universidade de Brasília (PGLA/UnB), por meio do
incentivo do Programa Nacional de Pós-doutorado (PNPD/CAPES), sob a supervisão do Professor
Antonio Carlos Paes de Almeida Filho.

Além de agradecer ao PGLA/UNB e à CAPES pelo apoio e estímulo ao andamento do

estudo que abordamos aqui, expressamos nossa gratidão aos seguintes profissionais e
instituições, cujo auxílio, nos mais diversos níveis, foi essencial:

Supervisor e amigo, Professor Antonio Carlos Paes de Almeida Filho;

Coordenadora do PGLA/UnB, Professora Gladys Plens de Quevedo Pereira de Camargo;

Docente do PGLA/UnB e grande colaboradora acadêmica, professora Dra. Maria Del

Carmen de La Torre Aranda;

Secretário do PGLA/UnB, Thiago Presley e docentes e discentes do programa;

Coordenadores, colaboradores e alunos do curso Reflexão na Ação (RNA/PGLA/UnB),

em especial a Daniele Paz, coordenadora do módulo de Língua Inglesa;

Coordenadoras do Curso de Letras/Línguas Estrangeiras da Universidade Federal do

Piauí (CLE/UFPI), Professoras Juliana Castelo Branco Paz da Silva e Vânia Soares Barbosa;

Colegas e colaboradores da CLE/UFPI;

Colegas e colaboradores dos Programas de Pós-graduação em Letras da Universidade

Federal do Piauí (PPGEL/UFPI) e da Universidade Estadual do Piauí (PPGL/UESPI);

Alunos e orientandos do PPGEL/UFPI e do PPGL/UESPI, que direta e indiretamente

auxiliaram na condução desta investigação.

Universidade Federal do Piauí (UFPI), pelo incentivo à realização da pesquisa que

culminou neste livro, assim como pelo apoio para a sua publicação.

As Imagens da capa e da abertura dos capítulos e seções são livres de direitos autorais. Elas foram
obtidas/adquiridas nos seguintes repositórios:
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4
Apresentação: uma proposta de reflexão
sobre práticas e eventos de letramento
digital
No processo de formação de professores, a
presença das Tecnologias da Informação e
Comunicação (TICs) tem sido apontada
como um elemento que pode contribuir para
o desenvolvimento de docentes críticos,
capazes de usar tais ferramentas como um
instrumento de empoderamento e de acesso
ao conhecimento. Com as recentes
perspectivas sobre o papel dos letramentos
na aquisição e uso da linguagem, as
discussões sobre o tema se intensificaram
ainda mais.
Tradicionalmente visto como associado às
práticas sociais de leitura e escrita, o
letramento tem assumido uma concepção
plural nas duas últimas décadas. Essa “nova”
concepção, a dos Letramentos, ou dos
Multiletramentos, aborda a linguagem como
uma manifestação sociocultural não
v5
associada somente ao verbal, mas
constituída de múltiplos recursos linguístico-
semióticos que são apropriados tanto por
leitores e escritores, quanto por aqueles que
sequer dominam o código escrito
plenamente, mas que interagem e agem por
meios cada vez mais dinâmicos que, por sua
vez, permitem a esses sujeitos desempenhar
um papel social mais ativo.
Dentro dessa perspectiva, a popularização
das TICs, assim como as possibilidades para
sua aplicação em contextos de ensino,
aprendizagem e formação, trazem à tona a
necessidade de investigação sobre as
Práticas e os Eventos de Letramento
(STREET, 1984) voltados para o preparo de
profissionais e de cidadãos que saibam,
dentre outras coisas, ler, buscar, avaliar,
ensinar e produzir conhecimento de acordo
com as atuais demandas sociais de uso da
linguagem, em contextos cada vez mais
tecnologizados.
Com isso em mente, entendemos como
Eventos de Letramento as ações e atividades
realizadas por sujeitos imersos em contextos
de interação social com vistas a marcarem
seu lugar no mundo. Esses Eventos, por sua
vez, somente se situam e se constituem a
partir de um conjunto maior de estruturas de
conhecimentos e valores adquiridos pelas
vivências pessoais, culturais e históricas que
circundam os grupos humanos. Tais
macroestruturas são, por sua vez, as Práticas
de Letramento. Nessa perspectiva, para
compreendermos as ações individuais ou de
grupos em determinados contextos, é
necessário, antes, compreendermos de que
forma elas se constroem como elementos de
valor dentro dos grupos sociais nos quais os
indivíduos se inserem. A seguir,
apresentamos um esquema das relações
entre Eventos e Práticas de Letramento, tal
como adotadas neste trabalho.
FIGURA 01: Interações entre Eventos e Práticas de
Letramento.
Fonte: o autor.
Na Figura acima, representamos o Evento de
Letramento como uma ação concreta,
realizada individual ou coletivamente, que
influencia e é influenciada por Práticas de
Letramento, ou seja, experiências prévias
vividas/compartilhadas dentro de contextos
sociais maiores, formando estruturas de
6vi
conhecimento aceitas e adotadas
coletivamente. Essas práticas e eventos,
entretanto, não estão limitados àqueles
relacionados à cultura escrita, já que mesmo
aqueles que não dominam essas
ferramentas atuam e sofrem influências de
práticas e eventos diversos.
Assim, entendemos que as ações de
professores em relação ao uso de
tecnologias digitais está intrinsicamente
associada aos contextos de formação e às
estruturas de conhecimento que os rodeiam,
de modo que a compreensão do como e do
porquê artefatos tecnológicos são adotados
em sala de aula passa por análises tanto dos
momentos em que esse uso se materializa,
ou seja, dos eventos de letramento, quanto
dos fatores histórico-sociais e culturais que
constroem as visões de mundo
compartilhadas dentro ou fora de contextos
profissionais.
Nos cursos de formação de professores, a
necessidade por programas de ensino mais
abrangentes e em consonância com as
demandas contemporâneas relacionadas à
atividade profissional dos futuros docentes
leva a questionamentos sobre como eles
têm sido efetivamente formados nas
universidades públicas brasileiras. No caso
da formação de professores de línguas, mais
especificamente, é possível percebermos,
ainda, a necessidade de reflexões sobre
como as universidades têm agido diante das
mudanças na concepção de linguagem, de
código, de texto e de letramentos, tanto a
nível de graduação quanto de pós-
graduação.
Tentando contribuir com essas reflexões,
este livro apresenta os resultados de uma
pesquisa conduzida a nível de pós-
doutorado (PNPD/CAPES) no Programa de
Pós-Graduação em Linguística Aplicada da
Universidade de Brasília (PGLA/UnB). Um
dos objetivos gerais do estudo foi investigar
de que modo estão sendo oferecidas, em
universidades federais do país,
possibilidades para a formação de
professores de Letras que proporcionem a
construção de saberes, habilidades e
competências relacionadas ao letramento
digital, de modo que os professores egressos
de tais cursos possam mediar a
aprendizagem das mais variadas formas de
linguagem, nas mais diversas situações
comunicativas.
Para isso, a investigação buscou identificar,
por meio da metodologia da pesquisa
bibliográfica/documental e do estudo de
casos múltiplos, e a partir de uma
perspectiva qualitativa descritiva, padrões
manifestados nos projetos pedagógicos e
nas grades curriculares de cursos de
licenciatura e de pós-graduação em Letras
que indiquem de que forma eles buscam
promover o desenvolvimento de habilidades
de letramento digital na formação de seus
discentes.
Entendemos por Letramento Digital o
conjunto de conhecimentos e práticas (tanto
a nível individual quanto coletivo)
necessários ao desenvolvimento de
competências que permitam aos indivíduos
se situarem em um mundo cada vez mais
marcado pela presença de artefatos
tecnológicos digitais. Tais conhecimentos e
práticas, entretanto, não se limitam a uma
abordagem procedimental ou tecnicista,
voltada para a operação acrítica de
máquinas. Ser letrado digital, na perspectiva
desse trabalho, é ser capaz de mobilizar
conhecimentos variados para observar,
avaliar, julgar, criticar e produzir
conhecimentos no mundo contemporâneo.
Tendo isso em vista, a seleção do corpus foi
feita com base nos resultados do Exame
Nacional de Desempenho de Estudantes
(Enade) realizados em 2014 e em 2017. Em
2014, o exame obrigatório que avalia o
rendimento dos estudantes egressos dos
cursos superiores do país foi aplicado a 15
cursos, dentre eles o Curso de Letras
Português, Letras Português e Inglês e Letras
Português e Espanhol (bacharelados e
licenciaturas). Já em 2017, foram 30 cursos
avaliados.
vii
7
Até 2014, embora abrangessem tanto
habilitações duplas quanto simples, os dados
divulgados pelo Instituto de Pesquisas Anísio
Teixeira (Inep) apresentavam a
denominação generalizadora de “Letras
Português e Inglês”, não distinguindo cursos
focados somente na formação de
professores da língua inglesa. A partir do
exame aplicado em 2017, entretanto, foram
divulgadas dois conjuntos de resultados
(planilhas e relatórios), um referente às
licenciaturas em Letras Português e Inglês e
outro referente às licenciaturas em Letras
Inglês.
A partir dos resultados divulgados sobre o
universo dos cursos presenciais de
licenciatura em Letras Inglês nas duas
últimas edições do exame (BRASIL, 2015b;
BRASIL, 2018), foram selecionadas as 6
universidades públicas federais que
obtiveram maior nota no exame de 2014 e
que se mantiveram entre as melhor
classificadas nos resultados de 2017.
Dada a natureza do exame realizado pelo
Ministério da Educação (MEC) e pelo Inep,
que busca fornecer indicadores de qualidade
da educação superior no país, presumimos
que o corpus desse estudo fornece uma
amostra das tendências que são, com
frequência, adotadas por outros cursos de
Letras brasileiros, já que aqueles melhor
classificados no Enade tendem a ser
considerados como modelos.
Além das 6 universidades selecionados,
também analisamos a estrutura curricular do
curso de licenciatura em Letras Inglês da
Universidade de Brasília (UnB). Embora a
UnB apresente um perfil diferente daquele
estabelecido durante a seleção do corpus,
nos sentimos motivados a inseri-la nesse
estudo como uma forma de retribuir à
instituição os frutos dessa investigação,
fornecendo dados que podem ser utilizados
tanto para futuras ações de reflexão quanto
de planejamento.
Embora a seleção dos dados tenha sido feita
com base nas planilhas dos cursos de
licenciatura divulgados pelo Inep,
entendemos que a pós-graduação exerce um
papel fundamental na formação de
professores, já que, no Brasil, ela tem sido
responsável pela formação dos docentes
universitários dos cursos de graduação.
Além de serem “formadores de
formadores”, nas universidades públicas são
esses docentes provenientes dos cursos de
pós-graduação os responsáveis pela
elaboração dos currículos das instituições
em que atuam.
Desse modo, acreditamos que para
analisarmos a fundo a situação dos cursos de
graduação em Letras brasileiros, é
necessário, também, considerarmos as
relações que eles estabelecem com os cursos
de mestrado e doutorado. Assim, este
trabalho também se presta a analisar os
currículos de alguns dos cursos stricto sensu
das universidades participantes do estudo.
Assim, neste livro, analisamos as filosofias,
as abordagens e as competências voltadas
ao desenvolvimento de habilidades de
letramento digital presentes na estrutura
curricular dos cursos presenciais de
graduação (licenciaturas em Letras Inglês) e
de pós-graduação (Letras e
Linguística/Linguística Aplicada) das
seguintes universidades:
● Universidade Federal do Paraná (UFPR);
● Universidade Federal de São Carlos
(UFSCAR);
● Universidade Federal de Pelotas (UFPEL);
● Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN);
● Universidade Federal do Rio Grande
(UFRG);
● Universidade Federal do Ceará (UFC);
● Universidade de Brasília (UnB).
viii
8
Para a análise dos dados, adotamos como
principais referências teóricas a Perspectiva
Social de Letramento, tal como apresentada
por Street (1995) e Snyder (2008); as
discussões sobre o Letramento Digital
trazidas por Gee (2010), Prensky (2001),
Jenkins (2009) e Warschauer (2010); a
Teoria Sociocultural de Vygotsky (1988,
1999), assim como alguns de seus
desdobramentos, dentre eles a Teoria da
Cognição Distribuída (HUTCINGS, 1995), a
Teoria da Difusão de Inovação (ROGERS,
1983) e a Teoria da Percepção e Ação
(GIBSON, 1986).
Com base nessas perspectivas teóricas,
compreendemos o currículo como um
artefato mediador das relações entre
professores, alunos e os saberes escolares.
Ele é um instrumento que é elaborado por
professores a partir das demandas sociais e
culturais da realidade escolar e extraescolar
com vistas a estabelecer os parâmetros para
suas próprias ações, assim como dos alunos
e de outros atores escolares. Dessa forma,
entendemos que a estrutura curricular dos
cursos universitários manifesta tanto as
posturas teóricas quanto as ações práticas
que são adotadas nesses contextos formais
de aprendizagem.
Esperamos que as discussões, as análises e
os resultados aqui apresentados possam
oferecer alguns retratos de como o
letramento digital está inserido nos cursos
de formação de professores de língua inglesa
no país. Também esperamos contribuir para
a reflexão a respeito dos modelos teórico-
didáticos adotados nos cursos de
licenciatura e de pós-graduação em
Letras/Linguística/ Linguística Aplicada no
Brasil, assim como motivar o debate sobre o
papel e o modo como as tecnologias da
informação e comunicação (TICs) podem ser
usadas produtivamente para desenvolver
habilidades linguísticas nos alunos da
Educação Básica por meio da formação de
professores aptos a utilizá-las como
recursos didáticos eficazes.
Índice

Apresentação: uma proposta de reflexão sobre práticas e eventos de v

letramento digital

Seção 1 – Considerações preliminares: tecnologias no ensino de 12

línguas estrangeiras

1. Demandas por investigações sobre a 13

presença das tecnologias no ensino de línguas e na
formação de professores

2. Investigando o letramento digital em cursos de 21

Letras: breve descrição teórico-metodológica

Seção 2 – Aprendizagem, letramento digital e currículo 30

3. Novos olhares sobre a aprendizagem 31
4. Outras formas de pensar: relações entre corpo, mente, 37
tecnologias e o ambiente

5. Currículo e formação de professores 46

6. Políticas educacionais brasileiras para os cursos de 51
formação de professores

Seção 3 – O letramento digital nos cursos de Letras: análise de 67

currículos de licenciaturas e de pós-graduações
7. Outros esclarecimentos 68
8. Universidade Federal do Paraná (UFPR) 72
9. Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) 79
10. 1Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) 90
11. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) 96
12. Universidade Federal do Rio Grande (FURG) 104
12. Universidade Federal do Ceará (UFC) 110
13. Universidade de Brasília (UnB) 118
14. Principais Conclusões 127
Referências 133

9
Índice de Figuras e Tabelas
FIGURA 01: Interações entre Eventos e Práticas de Letramento vi
FIGURA 02: Opinião de gestores educacionais sobre sua formação para o 16
uso das TICs

FIGURA 03: Grau de concordância de professores com as frases sobre sua 19

experiência com tecnologia digital na escola

FIGURA 04: Infográfico com alguns dos conceitos adotados neste livro 20
TABELA 01: Universidades selecionadas para a composição do corpus 25
FIGURA 05: Percepção, cognição e ação do professor 28
FIGURA 06: Curva da adoção tecnológica de Rogers 29
FIGURA 07: Uso da internet, do computador e do celular no Brasil, em 32
2016

FIGURA 08: Atividades escolares com e sem tecnologias 34

FIGURA 09: Visões/abordagens a respeito das tecnologias da informação 36
e comunicação em contextos educacionais

TABELA 02: Inteligências múltiplas de Gardner 41

FIGURA 10: Diferença entre o processamento cognitivo descrito por 43
modelos internalistas (a) e externalistas (b)

FIGURA 11: Forças que definem o currículo 48

TABELA 03: Pareceres e resoluções do Conselho Nacional de Educação 54
sobre as licenciaturas

FIGURA 12: Competência comunicativa 63

TABELA 04: Teses e dissertações sobre TICs defendidas no Programa de 77
Pós-graduação em Letras de UFPR de 1995 a 2018

TABELA 05: Matriz curricular da licenciatura em Letras – 80

Português/Inglês, UFSCar, campus São Carlos

TABELA 06: Disciplinas sobe TICs – Linha 2 - UFSCar 86

TABELA 07: Teses e dissertações produzidas na UFSCar relacionadas às 87
TICS ou ao letramento digital
TABELA 08: Didática em Letras 93

10
TABELA 09: Teses e dissertações defendidas no Programa de Pós- 95
graduação em Letras da UFPEL

FIGURA 13: Grade curricular do Doutorado em Estudos Linguísticos da 101

UFRN (área de concentração em Estudos em Linguística Aplicada)

TABELA 10: Trabalhos (teses e dissertações) sobre tecnologias e 102

linguagem/letramentos digital defendidos na UFRN entre 2010 e 2018

TABELA 11: Teses e dissertações defendidas no Programa de Pós- 115

graduação em Letras da UFC

TABELA 12: Disciplinas obrigatórias oferecidas pelos departamentos do IL 119

TABELA 13: Dissertação sobre TICs defendidas no PGLA-UnB 125

11
Seção 1
Considerações Preliminares:
Pesquisando sobre letramentos e
tecnologias no ensino de línguas

12
1. Demandas por investigações sobre a
presença das tecnologias no ensino de
línguas e na formação de professores
Em uma perspectiva multiletrada, o ensino
de línguas está imbricado nas práticas sociais
de uso da linguagem. É a partir da visão de
que a língua é uma manifestação social
usada para a comunicação nos mais diversos
contextos que os desdobramentos do termo
Letramento tem se popularizado nos últimos
anos.
Dentre esses “novos” letramentos, está o
Letramento Digital, que é o processo social,
cultural e histórico de apropriação e uso de
ferramentas, conhecimentos e
competências que possibilitam a recepção, a
análise crítica, a produção e a circulação dos
mais diversos tipos de textos construídos em
meio a uma cultura influenciada pelo uso
direto e indireto de tecnologias digitais. Ele
é um fenômeno relativamente recente,
decorrente da ampla inserção de
13
ferramentas como os computadores e os
telefones portáteis, além de sistemas de
comunicação online como a internet, as
redes sociais, as mensagens instantâneas,
entre outras, no cotidiano de pessoas de
todas as idades e contextos socioculturais. O
efeito dessa inserção, contudo, não se
restringe apenas ao campo da linguagem,
mas se estende, por sua dimensão e impacto
social, às inúmeras outras esferas do saber,
dentre elas a psicologia, a sociologia, a
educação etc.
No ensino de línguas, o uso de TICs pode
oferecer a alunos e professores
oportunidades de interagir, refletir e
produzir textos e outros recursos simbólicos
que facilitam a aprendizagem, assim como o
desenvolvimento de habilidades e
competências linguísticas, sociais e
profissionais que os ajudem a agir de forma
cidadã.
Do modo mais específico, na formação de
professores, as discussões sobre o
letramento digital podem colaborar para o
despertar de docentes mais críticos em
relação ao papel social da linguagem e sobre
seu próprio papel como agentes de
transformação. Ao discutir sobre a
importância da reflexão na formação
docente, Freeman (1989) nos diz que
professores reflexivos são mais conscientes
de seu papel. Segundo o autor, o que muda
no professor por meio da reflexão nem
sempre é a ação, mas a consciência do que
se faz, resultando, mesmo que
indiretamente, em novas abordagens para
práticas pré-existentes. Desse modo, o uso
de ferramentas digitais em contextos
educacionais não pode se encarado como
algo meramente procedimental, que exclua
a reflexão crítica.
Da mesma forma, para Lima (2007), o
estímulo à reflexão dos professores em
formação os influencia a perceber que a sua
prática pedagógica deve ser dinâmica,
passível de constante aperfeiçoamento.
Professores reflexivos podem trabalhar de
forma mais eficaz para a formação de alunos
letrados, que por sua vez têm mais chances
de se tornarem capazes de mudar aspectos
da realidade social/linguística em que estão
inseridos. Assim, enfatizar habilidades
relacionadas ao letramento digital nos
cursos de formação de professores é um
meio de torná-los mais conscientes a
respeito do uso da linguagem,
especialmente quando ela é mediada pelos
artefatos tecnológicos que têm sido
inseridos amplamente nas mais diversas
atividades da vida pública e privada, tanto de
alunos quanto de professores.
Em contextos formais de ensino e
aprendizagem de línguas, a emergência das
tecnologias digitais tem levado a
questionamentos sobre temas diversos,
dentre eles o papel dos professores, dos
alunos, dos materiais instrucionais e da
14
própria escola. A esse respeito, Suaiden e
Oliveira (2006) sugerem que o objetivo do
ensino formal deve ser tornar os aprendizes
pessoas capazes de encontrar, de
decodificar, de avaliar e de usar a
informação (seja qual for a sua fonte) para
resolver problemas ou tomar decisões ao
longo da vida. Para os autores, atualmente
é uma necessidade que a escola passe a
incorporar novas práticas a velhos métodos
e recursos de ensino.
Essa perspectiva é corroborada pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
que orientam os currículos e as abordagens
a serem adotadas na Educação Básica no
País. Aos discutir sobre os princípios e
fundamentos desse nível de ensino, os PCNs
para o Ensino Fundamental afirmam que:
Não basta visar à capacitação dos estudantes
para futuras habilitações em termos das
especializações tradicionais, mas antes trata-
se de ter em vista a formação dos estudantes
em termos de sua capacitação para a aquisição
e o desenvolvimento de novas competências,
em função de novos saberes que se produzem
e demandam um novo tipo de profissional,
preparado para poder lidar com novas
tecnologias e linguagens, capaz de responder
a novos ritmos e processos. (BRASIL, 1996b.
p.28)
No campo do ensino de leitura e escrita, por
exemplo, as práticas com hipertextos
constituem uma demanda urgente no ensino
formal, já que são atividades largamente
exigidas dos alunos fora do ambiente
escolar. Da mesma forma, redes sociais e
aplicativos para smartphones podem ser
incorporados aos recursos didáticos de sala
de aula para potencializar o contato dos
alunos com línguas estrangeiras variadas.
Diante dessas novas exigências e
possibilidades, cabe ao professor agir como
mediador da aprendizagem do aluno,
oferecendo não só oportunidades de
contato e interação na língua, mas também
dando orientações sobre o uso adequado
dos recursos digitais, assim como estímulos
que os levem à autonomia. O professor
deixa, então, de ser visto como aquele que
detêm todos os saberes e ao redor do qual a
sala de aula é estruturada para se tornar
mais um coparticipante nos processos de
interação por meio dos quais os alunos se
constituem como cidadãos multiletrados.
Apesar da recente intensificação nas
discussões sobre a presença das TICs em
ambientes de aprendizagem, ao menos no
ensino de línguas alguns artefatos digitais
tem manifestado presença desde os anos 50,
adequando-se às diferentes perspectivas
teóricas que marcaram a área na segunda
metade do século XX. Frequentemente
reunidas sob o termo CALL (acrônimo para a
expressão inglesa Computer Assisted
Language Learning), as discussões sobre o
tema, que inicialmente centravam-se no uso
do computador como um instrumento de
apoio ao ensino, gradualmente passaram a
incorporar as mais diversas ferramentas
digitais, acompanhando as mudanças pelas
quais os meios de acesso à informação têm
passado nas últimas décadas. Ao propor
uma cronologia para a área, Warschauer
(1996) sugere três momentos, descritos
brevemente a seguir:
CALL Behaviorista: concebido nos anos
50, tinha como base teórica a psicologia
behaviorista aplicada à aprendizagem,
bastante em voga na época. Em termos
didáticos, computadores e programas eram
usados para promover ao aluno o contato
com modelos da língua tidos como ideais,
que eram enfatizados por meio de atividades
de escuta de amostras orais da língua, além
da realização de exercícios de repetição
(drills) e o fornecimento de respostas
automáticas por meio de máquinas
eletrônicas.
Naquela época, acreditava-se que a
automatização do comportamento
linguístico, um dos princípios das teorias
behavioristas, poderia ser alcançada mais
facilmente com o uso de computadores, que,
ao contrário de professores convencionais,
apresentavam estímulos consistentes e
constantes aos aprendizes. Além disso, os
programas de computador dessa fase
15
também permitiam o atendimento
individualizado ao aluno, com base nos
padrões de respostas dados por eles.
Apesar disso, as limitações tecnológicas,
associadas às próprias limitações da
perspectiva behaviorista radical, ignoravam
o papel da criatividade no processo de
aprendizagem. Desse modo, as máquinas
forneciam feedback limitado, pois só
consideravam como bom comportamento
linguístico os usos e variedades da língua
com os quais haviam sido programadas. O
aluno, por sua vez, não gozava de
autonomia, já que lhe cabia meramente
realizar as atividades propostas nos
softwares educacionais, evitando erros a
todo custo.
CALL Comunicativo: Em voga a partir dos
anos 70, essa visão acerca do papel dos
computadores no ensino de línguas
enfatizava a interação na língua alvo, sem os
padrões pré-estabelecidos pela visão
behaviorista. O foco recaia no uso dos mais
variados recursos, dentre eles jogos,
processadores de textos, planilhas,
dicionários, softwares dedicados ao ensino,
dentre outros, usados para fornecer aos
aprendizes oportunidades de contato e uso
da língua mais próximas do real. As
atividades frequentemente usadas variavam
entre exercícios de reconstrução e
organização de textos, leitura guiada por
software, escrita criativa e jogos de
linguagem.
Nessa fase, a interação era, com frequência,
limitada, já que ainda não estavam
amplamente popularizados meios que
permitissem a troca comunicativa entre
pessoas pelo computador. Por esse motivo,
o computador assumiu diferentes papéis,
dentre eles o de tutor, no qual ele ainda era
o foco do processo, responsável por fornecer
aos aprendizes as respostas corretas; o de
ferramenta, no qual a máquina era vista de
modo secundário, apenas como um recurso
que poderia auxiliar o aprendiz a
compreender ou usar a língua; e o de
estímulo, agindo para despertar no aluno o
interesse pela língua e pelo aprendizado.
Embora representem um avanço em relação
à perspectiva behaviorista, o CALL
comunicativo, tal como adotado nos anos 70
e 80, tinha como principal limitação a falta
de oportunidades de interação autêntica
entre aprendizes na língua alvo. Embora
essa interação fosse possível em
laboratórios de línguas com comunicação
entre diferentes terminais localizados no
mesmo espaço físico, havia sempre a
sensação de que as mesmas atividades
poderiam ser feitas sem o auxílio do
computador. Gradualmente, com a
popularização de recursos multimidiáticos e
da internet, uma nova fase de CALL teve
início.
CALL integrativo: marcado pelo advento
da internet e pelo surgimento de diferentes
mídias e novos sistemas comunicativos, que
permitiram a comunicação em tempo real e
a integração entre modos semióticos
variados, tais como a escrita, o áudio, a
imagem estática e a imagem em movimento.
Nessa fase, o computador deixou de
representar um elemento de controle, uma
vez que o aprendiz tinha cada vez mais
espaço para o desenvolvimento da
autonomia e para o acesso ilimitado a
amostras de linguagem. Ela também se
caracteriza pela expansão do termo CALL a
FIGURA 02: Opinião de gestores educacionais sobre sua formação para o uso das TICs.
Fonte: Fundação Víctor Cívita (2009. p. 49)
16
outros sistemas cada vez mais
computacionais tais como a TV (que
recentemente se tornou digital e mais
interativa), o celular e o videogame. Em
termos gerais, podemos dizer que ela é
marcada por uma mudança da comunicação
com o computador para uma comunicação
mediada por computador (CMC).
Como vimos, apesar da presença de
tecnologias digitais já ser um tema frequente
nas discussões sobre o ensino de línguas, em
uma rápida análise do mundo ao nosso redor
também é possível perceber que nos
ambientes formais de aprendizagem elas
ainda são aplicadas timidamente. Esse fato
sugere que há diferentes realidades no que
diz respeito aos ambientes formais e
informais de aprendizagem: enquanto fora
da escola as tecnologias digitais se integram
cada vez mais à vida privada e pública, na
escola elas parecem andar lentamente.
Em relatório da Fundação Víctor Cívita sobre
o uso de computadores e da internet em
escolas públicas das capitais brasileiras,
publicado em 2009, uma das possíveis
causas apontadas para esse fenômeno é a
falta de preparo oferecido nos cursos de
graduação para que profissionais do ensino
possam lidar com as demandas tecnológicas
exigidas nos atuais contextos educacionais
(FUNDAÇÃO VÍCTOR CÍVITA, 2009. p. 49), tal
como pode ser observado no gráfico a
seguir:
O gráfico da página anterior resume
resultados obtidos por meio da análise de
questionários elaborados por especialistas
contratados pela Fundação Víctor Cívita e
aplicados pelo Instituto Brasileiro de Opinião
e Estatística (IBOPE) a diretores e
coordenadores de escolas urbanas das
capitais brasileiras. Ao todo, foram
pesquisadas 400 escolas de 12 estados do
país. Para cada região, pelo menos 2 estados
compuseram a amostra adotada no estudo.
No gráfico, podemos observar que somente
11% dos entrevistados avaliaram sua
preparação universitária para lidar com
tecnologias digitais na educação como
suficientes para atender suas necessidades
profissionais. Isso revela um fenômeno
bastante interessante, uma vez que desde
2002 as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) elencam o uso de tecnologias dentre
as competências a serem promovidas na
formação de professores da Educação
Básica.
Embora os resultados da pesquisa acima
forneçam indícios valiosos sobre a formação
universitária voltada ao uso de tecnologias
educacionais, é preciso considerar que eles
foram obtidos por meio das análises de
questionários aplicados apenas a gestores
de escolas, há aproximadamente uma
década. Assim, apesar de relevante, o
estudo supracitado estimula
questionamentos sobre outros contextos
específicos de formação de professores, tal
como a formação de professores de Letras e
os currículos dos cursos universitários.
No que tange especificamente aos cursos de
formação de professores de Letras, as DCNs
enfatizam a necessidade da formação de
profissionais com base na perspectiva dos
multiletramentos, notadamente a do
Letramento digital, quando afirmam que os
cursos de Letras devem levar em
consideração as intensas transformações
que têm ocorrido na sociedade
contemporânea, no mercado de trabalho e
nas condições de exercício profissional, de
17
modo a atender às necessidades educativas
e tecnológicas da sociedade (BRASIL, 2001a).
Igualmente, ao traçar o perfil dos egressos
dos cursos de Letras no país, o Conselho
Nacional de Educação (CNE) é bastante
específico ao esclarecer que aprender a lidar
com as novas tecnologias é uma das
habilidades básicas a serem estimuladas na
formação de futuros professores, tal como
pode ser observado no trecho do Parecer
CNE/CNS No. 492/2001, a seguir:
O objetivo do Curso de Letras é formar
profissionais interculturalmente competen-
tes, capazes de lidar, de forma crítica, com as
linguagens, especialmente a verbal, nos
contextos oral e escrito, e conscientes de sua
inserção na sociedade e das relações com o
outro.
Independentemente da modalidade
escolhida, o profissional em Letras deve ter
domínio do uso da língua ou das línguas que
sejam objeto de seus estudos, em termos de
sua estrutura, funcionamento e
manifestações culturais, além de ter
consciência das variedades linguísticas e
culturais. Deve ser capaz de refletir
teoricamente sobre a linguagem, de fazer
uso de novas tecnologias e de compreender
sua formação profissional como processo
contínuo, autônomo e permanente. A
pesquisa e a extensão, além do ensino,
devem articular-se neste processo. O
profissional deve, ainda, ter capacidade de
reflexão crítica sobre temas e questões
relativas aos conhecimentos linguísticos e
literários. (BRASIL, 2001b. p. 31. Grifo nosso.)
Assim como os cursos de graduação, os
cursos de Pós-graduação na área de Letras
também manifestam uma preocupação com
a formação de professores aptos a lidarem
com as diversas perspectivas que envolvem
as práticas de linguagem contemporâneas.
Essa vocação dos cursos de pós-graduação
no país para a formação de professores está
expressa, por exemplo, no Documento de
Área publicado pela Comissão de
Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino
Superior (CAPES) em 2016, tal como pode ser
observado na página seguinte:
 A área de Letras e Linguística tem como
vocação natural a preocupação com o ensino
e seus diversos níveis – do Ensino Superior à
Educação Básica e nesta, especificamente,
contempla, em seus diversos Programas, suas
múltiplas vertentes, desde a formação de
professores nela inseridos até o foco direto no
discente da Educação Básica. Essa vocação,
vale ressaltar, revela-se, por exemplo, em
muitas linhas, grupos e núcleos de pesquisa
dos Programas que contemplam a Educação
Básica.
Ressalte-se que esse perfil da área foi sendo
construído pela própria natureza de seus
objetos de pesquisa, sendo inerente ao fazer
científico das letras e linguística. A área de
Letras e Linguística tem um envolvimento
intenso e muito evidente com o ensino de
Língua e Literatura, incrementando a
formação de docentes e formando
pesquisadores que atuam no ensino superior,
como formadores de profissionais-docentes
da educação básica. (BRASIL, 2016. p.6)
Essa declaração da CAPES nos permite, por
sua vez, estabelecer uma associação direta
com as DCNs, já que, em termos gerais, os
dois documentos comungam de uma visão
interdisciplinar e holística voltada à
formação de professores.
No que diz respeito à presença de
tecnologias digitais nesse processo, ao
detalhar sua forma de atuação na Educação
Básica, a CAPES se manifesta pela inserção
das TICs em dois eixos: a produção de
materiais didáticos em língua materna e em
línguas adicionais e a promoção de projetos
que visem os multiletramentos e os
letramentos hipermidiáticos, tais como pode
ser observado nos excertos a seguir:
De forma concreta, a Área de Letras e
Linguística se insere na Educação Básica nas
seguintes ações:
[...]
c) desenvolvimento de material didático em
língua materna, em línguas adicionais e em
literatura para formação básica discente e
18
docente, coadunando com as teorias
linguística e literárias mais atualizadas,
utilizando suportes tecnológicos variados;
[...]
h) criação de projetos voltados para questões
de multiletramentos, letramentos hipermi-
diáticos na Educação Básica, focados no
desenvolvimento de atividades de
compreensão de textos orais e escritos.
(BRASIL, 2016. p.7-8. Grifo nosso)
Dados da pesquisa “O que pensam os
professores brasileiros sobre a tecnologia
digital na sala de aula” (realizada em 2017
pelo Movimento Todos pela Educação, em
parceria com o Banco Interamericano de
Desenvolvimento, o Instituto de Pesquisas
DataFolha e diversas outras instituições do
setor privado) apontam a falta de formação
como uma das principais causas para o não
uso de tecnologias digitais por professores,
apesar da percepção positiva que eles têm
sobre os potenciais que as TICs oferecem
para a ampliação de suas possibilidades de
ação e para a motivação de alunos (TODOS
PELA EDUCAÇÃO, 2017).
A pesquisa foi realizada com 4.000
professores de escolas públicas de todo o
país, tanto do Ensino Fundamental, quanto
do Ensino Médio e da Educação de Jovens e
Adultos, atuando em diversas áreas do
conhecimento. Quando questionados sobre
algumas das restrições para o uso das
tecnologias nas escolas em que trabalham,
por exemplo, os professores pesquisados
apontaram como fatores mais relevantes:
a. O número insuficiente e a falta de
manutenção de equipamentos;
b. A velocidade da internet;
c. A falta de oportunidades de formação em
qualidade e relevância para professores;
d. A falta de modelos pedagógicos que
integrem o uso de tecnologias digitais.
Embora os fatores “a” e “b” estejam
diretamente relacionados às políticas de
inserção tecnológica mais amplas, uma vez
que dependem de investimentos financeiros
e planos de manutenção e uso de
equipamentos que são decorrentes de
posturas governamentais, mas nem sempre
fáceis de serem modificadas; os fatores “c”
e “d” estão mais diretamente ligados às
competências das universidades,
responsáveis pela definição das prioridades
e das estratégias a serem adotadas pelos
currículos de formação de professores.
Sobre essa relação entre a aparelhagem de
escolas e a preparação de professores,
sugerimos, em trabalho anterior (GOMES,
2010), que sem o estímulo para a formação
de professores conscientes e aptos a usar as
tecnologias digitais com propósitos
FIGURA 03: Grau de concordância de professores com as frases sobre sua experiência com tecnologia digital na escola:
Fonte: Todos pela Educação (2017)
https://www.todospelaeducacao.org.br/tecnologia/desafios-dia-a-dia-professor/
Como podemos observar acima,
aproximadamente 75% dos professores
participantes da pesquisa concordaram que
a inserção de tecnologias digitais na escola
em que trabalham ampliou suas habilidades
como professores. Também podemos ver
19
pedagógicos, a compra de equipamentos
tende a ser um investimento improdutivo, já
que faltam aqueles que são os verdadeiros
responsáveis por sua utilização.
É curioso notar que ao mesmo tempo em
que reconhecem não terem sido preparados
para lidar com a demanda pelo uso de TICs
nos espaços educacionais, os professores
também veem a inserção dessas tecnologias
como um elemento importante para o
aperfeiçoamento de sua atuação
profissional, apontando para a necessidade
da inclusão desse componente no processo
formativo de docentes. Isso pode ser
observado na imagem a seguir, que faz parte
dos dados do estudo:
que outras contribuições relevantes das TICs
na atividade dos professores são a
incorporação de novos métodos de ensino
(de acordo com a declaração de 62% dos
informantes) assim como a realização
facilitada de tarefas
administrativas/acadêmicas tais como o seguir um infográfico com alguns termos
controle de presença e de notas, indicada recorrentes nesta publicação.
por 59% dos informantes. FIGURA 04: Infográfico com alguns dos conceitos
adotados neste livro.
A partir dos dados e fatores discutidos
brevemente até agora, surgem
questionamentos sobre as ações efetivas
conduzidas nos cursos de formação de
professores de Letras no país voltadas para a
promoção de habilidades e competências
relacionadas ao letramento digital, tanto em
nível de graduação quanto de pós-
graduação. Dessa forma, este livro
apresenta dados de uma pesquisa descritiva
de natureza qualitativa que buscou
respostas para as seguintes questões:

a. Como os cursos de graduação em Letras

Inglês oferecidos por diferentes
universidades federais brasileiras se
propõem a promover competências e
reflexões (tanto teórica quanto práticas)
acerca do letramento digital e das suas
relações com o ensino de línguas e o
mercado de trabalho?

b. De que forma as discussões e os

posicionamentos apresentados nos textos
dos projetos pedagógicos se materializam
nos componentes acadêmicos curriculares
elencados por eles, dentre eles as disciplinas
e outras atividades teórico-práticas?

c. De que modo os cursos de pós-graduação

em Letras e Linguística/Linguística Aplicada
(mestrado e doutorado) estabelecem um
debate com os cursos de graduação por
meio da formação de professores da
educação básica ou de
pesquisadores/professores do ensino
superior aptos a preparar outros professores
que também possam lidar com as demandas
tecnológicas relativas ao ensino de inglês
como língua estrangeira?

Para que tais perguntas fossem respondidas,

adotamos o percurso metodológico que será
descrito na próxima seção. Antes disso, a
título de esclarecimento, apresentamos a
Fonte: O autor.

20
2. Investigando o letramento digital em
cursos de Letras: breve descrição
teórico-metodológica
O estudo descrito neste livro se dedicou a
investigar (por meio da análise de projetos
pedagógicos de cursos de licenciatura em
Letras Inglês e da estrutura curricular de
cursos de pós-graduação em Letras,
Linguística ou Linguística Aplicada sediados
em universidades federais brasileiras) de
que modo a reflexão e a inserção de eventos
e práticas de letramento digital são
promovidas na formação de professores da
Educação Básica. Para isso, o estudo de que
tratamos aqui tinha os seguintes objetivos:
a. Identificar de que modo os Projetos
Pedagógicos de cursos presenciais de
licenciatura em Letras Inglês de 7
universidades brasileiras abordam a
formação de professores letrados digitais ao
adotarem modelos teórico-didático-
filosóficos (princípios, perfis, abordagens,
competências, habilidades, saberes e
21
filosofias sobre os processos de ensino e de
aprendizagem);
b. Analisar como a presença ou a ausência
de princípios formativos para o letramento
digital nos projetos pedagógicos se relacio-
nam com a estrutura da grade curricular dos
cursos de licenciatura em Letras;
c. Verificar de que modo os cursos de pós-
graduação em Letras das universidades
analisadas contribuem para a formação de
professores/pesquisadores aptos a lidarem
com as demandas “tecnoletradas”
contemporâneas e como eles se integram
com as propostas formativas dos cursos de
licenciatura em Letras de suas respectivas
universidades.
d. Colaborar para a produção e divulgação
de conhecimento científico e com futuras
reflexões sobre o papel das tecnologias
digitais no desenvolvimento de
competências letradas, assim como
contribuir para discussões críticas a respeito
dos modelos teórico-didático-filosóficos
adotados nos cursos de formação de
professores de Letras Inglês .
Tipo de Pesquisa
A investigação em tela se baseou nos
princípios e procedimentos da pesquisa
qualitativa-descritiva, notadamente nos
quadros teóricos que definem a pesquisa
bibliográfica/ documental e o estudo de
caso.
Assumimos a pesquisa qualitativa como o
conjunto de processos e procedimentos
fundamentados em uma sólida base teórica
e por meio dos quais se busca a construção
do conhecimento a partir da observação e da
análise de realidades múltiplas e complexas.
Durante a investigação, buscamos
compreender de que modo distintas
realidades que envolvem os cursos de
licenciaturas em Letras no país constroem,
tanto individualmente quanto
coletivamente, ambientes propícios para a
formação de professores letrados
digitalmente e aptos, ao mesmo tempo, a
serem mediadores na formação de alunos
igualmente letrados.
Embora a pesquisa bibliográfica/
documental seja um tipo de pesquisa que
está presente, em graus variados, em todo
tipo de pesquisa (GIL, 2002), nesse estudo
ela se constituiu na principal estratégia para
guiar a coleta e a análise dos dados. Sobre
esse tipo de pesquisa, cabe notar que grande
parte da literatura trata de duas entidades
distintas (ou pesquisa bibliográfica, ou
pesquisa documental), mas sem definir de
modo unânime os limites existentes entre
elas. Por esse motivo, adotamos a dupla
nomenclatura, já que em dados momentos a
coleta de referências teóricas foi planejada
de modo a se aproximar mais da pesquisa
bibliográfica, enquanto que em outros, ela
foi elaborada de modo mais próximo aos
22
princípios da pesquisa documental. O
mesmo ocorreu na seleção do corpora.
Desse modo, utilizamos tanto fontes
primárias quanto secundárias. Para Lakatos
e Marconi (2003), enquanto fontes
primárias são aqueles documentos que
ainda não passaram por análises prévias,
sendo compilados e tratados pelo
pesquisador no decorrer da investigação,
fontes secundárias são aquelas fontes
bibliográficas resultantes de análises
anteriores, trazendo dados de outros
estudos ou reflexões teóricas sobre o tema
da pesquisa.
As fontes primárias foram compostas pelos
projetos pedagógicos e grades curriculares
dos cursos de licenciatura, assim como pelas
estruturas curriculares dos cursos de pós-
graduação, coletadas tanto por meio dos
sites das universidades e das páginas dos
programas stricto-sensu, quanto dos
repositórios institucionais digitais das
universidades pesquisadas. Nesse sentido, é
importante mencionar que o § 1º do Artigo
47 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), por meio do adendo da Lei
No 13.168, de 2015, estabelece que as
instituições de Ensino Superior devem
manter em seus sítios eletrônicos
informações atualizadas sobre a grade
curricular de seus cursos e o seu corpo
docente, dentre outras informações. Com
base nesse fato, assumimos as páginas das
universidades na internet como fontes
fidedignas de dados, que foram coletados
entre os meses de fevereiro e julho de 2018.
Apesar do disposto em lei, também foi
necessário o uso de outros mecanismos de
busca online para a coleta de documentos
complementares, que não estavam
disponibilizados nas páginas das instituições,
assim como das leis e resoluções que
regulamentam o sistema de ensino
brasileiro, entre outros. Esses documentos
(leis, resoluções, planilhas, livros, artigos,
revistas acadêmicas, relatórios de pesquisa,
dissertações, teses, entre outras fontes
produzidas tanto no Brasil quanto no
exterior) construíram o repertório de fontes
secundárias utilizadas na investigação. Boa
parte delas será apresentada na seção 2.
Dentre as motivações para a escolha da
pesquisa bibliográfica/documental como
uma das principais estratégias de pesquisa,
está fato de ela permitir a cobertura de uma
gama de fenômenos muito maior do que
aquela que poderia ser pesquisada
diretamente, especialmente quando o
objeto de estudo se constitui de dados muito
dispersos pelo espaço (GIL, 2002), como é o
caso da investigação da qual tratamos aqui,
que buscou analisar as realidades de cursos
de Letras localizados em regiões geográficas
distintas do país. Nesse caso, a metodologia
da pesquisa trouxe tanto a possibilidade de
seleção e composição de um corpus mais
denso, quanto representou uma economia
considerável de tempo e de recursos
financeiros, uma vez que substituiu a
necessidade de viagens de campo a cada
instituição analisada durante o estudo. Esse
tipo de pesquisa torna-se ainda mais
relevante se considerarmos que vivemos em
uma época em que o acesso a dados não está
mais restrito a ambientes físicos como
arquivos públicos/privados e bibliotecas.
A amplitude do corpus da pesquisa também
foi fundamental para a seleção da
metodologia do estudo de caso como uma
metodologia complementar. Para Yin
(2005), o estudo de caso surge a partir da
necessidade de se investigar sobre
fenômenos sociais complexos. Contrariando
a crença de que esse tipo de estudo não gera
dados generalizáveis, o autor defende que
quando embasado em teorias previamente
consolidadas, esse tipo de investigação é
capaz de produzir dados com validade que
pode ser estendida a situações semelhantes
daquelas abordadas na investigação. Para o
autor, o estudo de caso tem como
consequência a capacidade de generalização
analítica dos resultados, por ser possível
expandir teorias por meio das evidências
obtidas com as análises de casos complexos.
23
Dentro da literatura a respeito do estudo de
caso, a pesquisa descrita neste relatório se
encaixa com a perspectiva do Estudo de Caso
Exploratório Múltiplo (YIN, 2005), no qual,
ao contrário de se buscar compreender um
caso em particular, vários estudos são
conduzidos para que se possa confirmar ou
refutar teorias.
Para Stake (1999), por sua vez, o estudo de
caso é um tipo de pesquisa holístico, já que,
de modo diferente de outras estratégias de
investigação, e pelo seu próprio caráter
exploratório-analítico, os casos e as
perspectivas a serem analisadas são
geralmente definidos no decorrer da
investigação. Nesse sentido, busca-se uma
maior concentração no todo para se chegar
a compreender o fenômeno na globalidade,
e não alguma particularidade ou
diferenciação de outros casos.
Inicialmente, a proposta do estudo relatado
nesta obra era investigar apenas os
currículos de cursos de licenciatura em
Letras Inglês, de modo que esse foi um dos
principais parâmetros adotados na seleção
dos objetos de análise, que se restringiria
aos currículos de cursos de instituições
melhor avaliadas no Enade realizado em
2014. Entretanto, à medida que a
investigação progrediu percebemos a
necessidade de ajustes no perfil dos casos
investigados.
Decidimos, então, incorporar outros níveis
relacionados à formação de professores por
enxergar os cursos de pós-graduação stricto
sensu (mestrado e doutorado) como
corresponsáveis pelo fomento de uma visão
crítica nos profissionais que atuarão na
educação básica e superior, uma vez que
formam tanto professores para o Ensino
Fundamental e Médio, quanto professores
para atuar em cursos superiores, formando
outros professores.
Assim, decidimos realizar, também, análises
das grades curriculares dos cursos de pós-
graduação relacionados à área de Letras,
Linguística e Linguística Aplicada nas
universidades previamente selecionadas.
Nos casos dos cursos de Pós-graduação em
Letras que envolvem tanto áreas de
concentração em linguística quanto em
literaturas, somente os dados da primeira
área foram considerados para análise.
A seguir, detalharemos os critérios de
seleção e de adequação do corpus.
Seleção do Corpus
Como já mencionamos brevemente, a
seleção e o tratamento do corpus foram
feitos, inicialmente, com base nos
resultados do Enade realizado em 2014.
Naquele ano, o exame, que faz parte do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (Sinaes), avaliou o desempenho de
alunos concluintes de 4 cursos de Letras:
licenciaturas em Letras Português; Letras
Português e Inglês; e Letras Português e
Espanhol; e dos bacharelados em Letras
Português. Ao todo, foram avaliados 791
cursos de licenciatura em Letras e 31
bacharelados dos mais distintos contextos
universitários, tanto públicos quanto
privados.
Com relação aos cursos de línguas
estrangeiras, os dados divulgados pelo Inep
para o Enade de 2014 não distinguiam
licenciaturas simples de licenciaturas duplas,
de modo que todos os cursos de inglês
estavam agrupados sob o título de “Letras
Português e Inglês”, independentemente de
serem cursos mistos ou não. Ao todo, foram
avaliados 355 cursos de “Letras Português e
inglês”, o que correspondeu a 44,87% do
total dos cursos de letras avaliados naquele
ano. Dada a amplitude do universo que
constitui os cursos verificados pelo Enade
em 2014, foram adotados os seguintes
critérios de seleção das universidades a
serem analisadas:
1º Somente os resultados referentes aos
“cursos de Português e Inglês” presenciais
de universidades públicas federais foram
considerados;
24
2º Somente os dados relativos aos cursos de
licenciatura foram considerados, excluindo-
se os bacharelados, por não tratarem
diretamente de contextos de formação de
professores;
3º Somente os cursos com Conceito Enade
(contínuo) acima de 4.000 foram
considerados. O Conceito Enade é um
indicador calculado a partir do desempenho
médio dos alunos concluintes de um curso
nos diferentes componentes do exame
(Componentes de Formação Geral e
Componentes de Formação Específica). Os
procedimentos para o cálculo do indicador
são estipulados pela Nota Técnica nº
16/2018/CGCQES/DAES – Inep.
O corpus foi selecionado por meio da análise
das planilhas divulgadas no site do Inep
(http://portal.inep.gov.br/conceito-enade),
atualizadas em 04.12.17. Uma vez
selecionadas as universidades participantes,
iniciamos a coleta dos Projetos Pedagógicos
em seus sítios eletrônicos. Em seguida,
foram coletadas as informações dos
programas de pós-graduação em Letras,
Linguística ou Linguística Aplicada de cada
instituição. Dentre esses dados, estavam as
grades curriculares, as ementas e a
bibliografia das disciplinas ofertadas, o
histórico de cada programa, as áreas de
concentração e as linhas de pesquisa, assim
como as teses e dissertações defendidas.
Nessa fase, foi necessária também a
utilização de outros mecanismos de busca
on-line, já que nem todas os programas
disponibilizam esses dados em suas páginas.
Em outubro de 2018, os resultados de uma
nova avaliação do Enade foram divulgados, a
partir de provas realizadas em novembro de
2017. Nesses novos dados, o Inep, ao
contrário dos anos anteriores, apresentou
planilhas e relatórios distintos para os
“cursos de Letras Português e Inglês” e para
os “cursos de Letras Inglês”, sugerindo que
as habilitações únicas na língua estrangeira
haviam sido avaliadas em separado das
habilitações duplas. Contudo, em uma
análise detalhada dos dados publicados, é
possível perceber que alguns cursos que
oferecem habilitação simples na língua
inglesa (como é o caso da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte)
continuaram elencados somente nos dados
dos cursos de “Letras Português e Inglês”.
Os relatórios divulgados pelo Inep,
entretanto, não fornecem detalhes sobre os
critérios de agrupamento das universidades
em cada um dos conjuntos de dados.
Diante da divulgação de novos resultados
para o Enade, julgamos necessária a
reformulação do 3º critério de seleção do
corpus, que passou a ser o seguinte:
3º Somente os cursos com avaliação
(Conceito Enade Contínuo) acima de 4.000
no exame de 2014 e no exame de 2017 (em
qualquer uma das duas listas divulgadas)
foram considerados.
Inicialmente, apenas 6 cursos preencheram
esse perfil. Entretanto, como esse estudo
tem raízes profundas na área de Linguística
Aplicada, acreditamos que ele deve ter
dentre suas propostas e produtos a
construção de conhecimentos que possam
auxiliar na reflexão e na solução tanto de
problemas de cunho geral quanto de
realidades específicas. Dessa forma,
optamos por inserir dentre os dados a serem
analisados a grade curricular do curso de
Licenciatura em Letras Inglês (e da pós-
graduação em Linguística Aplicada) da UnB.
Essa ação também se deve pelo desejo de
retornar à instituição dados que sejam mais
direcionados às suas demandas, já que ela,
juntamente com a CAPES, foi a financiadora
do estudo que abordamos aqui.
É necessário esclarecer, entretanto, que a
pesquisa aqui reportada não objetiva a
comparação entre os cursos ou as
universidades analisadas, mas a descrição
das realidades de cada uma delas enquanto
unidades independentes. Desse modo,
vemos as universidades e os colegiados dos
cursos em análise como entidades
autônomas para escolherem os mecanismos
que melhor se adequam às necessidades das
comunidades em que eles se inserem. Da
mesma forma, não objetivamos comparar o
desempenho dos cursos selecionados nas
duas edições do Enade, especialmente
porque a própria metodologia de aferição
dos indicadores de cada edição não permite
uma comparação entre eles. Tendo isso em
consideração, foram 7 as universidades cujos
projetos pedagógicos (licenciaturas em
letras inglês) e grades curriculares
(mestrados e doutorados) foram analisados,
a saber:

TABELA 01: Universidades selecionadas para composição do corpus.

Universidade Cidade - UF Conceito Conceito Enade Programa de Pós-
(Licenciatura em Letras Inglês) Enade (contínuo) graduação (mestrado
(contínuo) 2017 e/ou doutorado)
2014
1 Universidade Federal do Paraná - Curitiba - PR 5.000 5.0000 (Português/Inglês) Programa de Pós-
UFPR 4.6755 (Inglês) graduação em Letras
2 Universidade Federal de São São Carlos - SP 4.848 4.6298 Programa de Pós-
Carlos - UFSCAR (Português/Inglês) graduação em
Linguística
3 Universidade Federal de Pelotas - Pelotas - RS 4.548 4.1621 Programa de Pós-
UFPEL (Português/Inglês) graduação em Letras
4 Universidade Federal do Rio Natal - RN 4.379 4.7698 (Português/Inglês) Programa de Pós-
Grande do Norte - UFRN graduação em Estudos
da Linguagem
5 Universidade Federal do Rio Rio Grande - RS 4.124 4.0486 (Português/Inglês) Programa de Pós-
Grande - UFRG graduação em Letras
6 Universidade Federal do Ceará - Fortaleza - CE 4.017 4.4181 (Inglês) Programa de Pós-
UFC 3.9504 (Português/Inglês) graduação em
Linguística
7 Universidade de Brasília - UnB Brasília - DF 2.7870 (Inglês) Programa de Pós-
graduação em
Linguística Aplicada
Fonte: o autor

25
Procedimentos
A primeira fase desta pesquisa ocorreu a
partir de agosto de 2017, com a seleção e
leitura do material bibliográfico (fontes
secundárias) que deram suporte teórico ao
estudo. Embora a tenhamos denominado de
“primeira fase”, essa revisão teórica
perdurou durante toda a pesquisa. Essa
etapa também se caracterizou pela definição
dos casos analisados.
A Segunda fase da pesquisa consistiu na
coleta dos projetos pedagógicos dos cursos
de graduação e da grade curricular (e outras
informações) dos cursos de pós-graduação.
Ela ocorreu entre os meses de fevereiro a
julho de 2018. Nessa etapa, além das
páginas dos cursos e dos programas na
internet, foi necessária a coleta de dados em
bibliotecas digitais e repositórios
institucionais, assim como a utilização de
outros mecanismos de busca on-line, já que
alguns programas de pós-graduação não
disponibilizavam em seus sítios eletrônicos
todos os dados que procurávamos, em
especial as teses e as dissertações
defendidas por seus egressos.
Ao delinearmos a pesquisa, levamos em
consideração a Resolução CNE/CP 02/2015,
que estabelecia prazo de dois anos para a
reformulação dos currículos dos cursos de
licenciatura, assim como a Resolução
CNE/CP 01/2017, que prorrogou esse prazo
até 1º de julho de 2018. Desse modo, a
coleta de dados se estendeu até aquele mês
para que pudéssemos ter acesso, também,
aos novos projetos pedagógicos que seriam
atualizados conforme as DCNs de 2015.
Entretanto, até o encerramento dessa etapa
esses dados somente estavam
disponibilizados por uma das universidades
participantes do estudo. Desse modo,
esclarecemos que a maioria dos projetos
analisados ainda estava em conformidade
com as DCNs de 2002.
A terceira fase foi marcada pela análise dos
dados coletados. Nela, foi priorizada a busca
por elementos que pudessem indicar a
26
presença de componentes curriculares
voltados à promoção de competências
relacionadas ao letramento digital como um
instrumento relevante para a formação dos
professores. Consideramos que esses
componentes poderiam estar manifestados
tanto nas discussões de cunho teórico-
didático-filosóficas do projeto pedagógico,
quanto por meio da descrição de atividades
acadêmicas curriculares, consideradas como
“todo e qualquer conjunto de atividades
acadêmicas do curso” (BRASIL, 2001b), em
especial nas grades, nas ementas e
referências das disciplinas. Nesses casos,
buscamos estabelecer diferenças entre as
menções meramente teóricas ao letramento
digital e as materializações concretas nos
currículos. Por meio desses indícios,
também buscamos identificar as percepções
acerca da relevância dos letramentos digitais
na formação de professores. Esta fase foi
conduzida entre os meses de maio a agosto
de 2018.
Principais Teorias Adotadas na
Investigação
Na pesquisa, as teorias adotadas foram
fornecidas pelos Pressupostos da Teoria
Sociocultural de Vygotsky (1988) e de outras
teorias de base sociocultural, tais como a
Teoria da Percepção e Ação (GIBSON, 1986),
a Teoria da Cognição Distribuída
(HUTCHINGS, 1995), a Teoria da Difusão de
Inovação (ROGERS, 1983), assim como de
discussões sobre currículo e formação de
professores (SCHUBBERT, 1981; KELLY, 1981;
LOPES, MACEDO, 2002; VAN DER AKKER,
2004; MOREIRA, 1990; SILVA, 1999; WOODS,
WEIR, LUKE, 2010; SACRISTÁN, 2013;
MURPHY, 2018); e sobre o letramento digital
(GEE, 2010; PRENSKY, 2001; JENKINS, 2009;
WARSCHAUER, 2010); dentre outras.
Na perspectiva sociocultural vygotskiana, o
conhecimento é construído por meio da
interação do homem consigo mesmo, com o
ambiente ao seu redor e com os artefatos
dos quais ele se utiliza para agir (sobre si,
sobre o outro e sobre o meio). No estudo
aqui descrito, assumimos a postura de que é
por meio das interações socioculturais entre
professores, alunos e universidades,
ocorridas em contextos de ensino formal, ou
seja, nos ambientes universitários de
formação de professores que constituem os
cursos de Letras, que novas perspectivas
cognitivas podem emergir. Dentre essas
perspectivas estão a reflexão sobre as
possibilidades que a tecnologia traz para o
ensino de línguas, assim como sobre as
estratégias que possibilitam a integração de
teoria e prática na vida profissional dos
alunos em formação.
Uma parte essencial da teoria de Vygotsky é
a concepção de que a ação humana é
mediada por artefatos, sejam eles físicos,
sociais ou cognitivos. A partir dela,
assumimos que a estrutura curricular dos
cursos analisados é ao mesmo tempo um
artefato que apresenta esses três níveis.
Enquanto um artefato físico, ela é
materializada no projeto pedagógico e na
grade curricular de cada curso de graduação
e de pós-graduação, constituindo
documentos formais e com efeitos legais
para direcionar as ações tanto das
instituições quanto das pessoas que nelas
atuam, dentre eles os professores e os
alunos. Enquanto artefato social,
entendemos que o currículo é fruto das
necessidades políticas, históricas, culturais e
sociais que circundam as comunidades para
as quais os cursos universitários se
direcionam. Nesse sentido, ele reflete
pensamentos e necessidades de diversas
esferas, sejam elas relacionadas à academia
ou ao mercado de trabalho. Enquanto um
artefato cognitivo, a depender de que
saberes, habilidades e competências o
currículo prioriza, ele pode agir como um
instrumento tanto para o desenvolvimento
teórico de reflexões e de novas filosofias
quanto de visões que relacionem o mundo
das ideias com o mundo da prática.
27
Assim, neste trabalho, entendemos o
currículo como um instrumento cuja análise
pode nos permitir ter acesso tanto a
princípios, filosofias e visões de mundo
(Práticas de Letramento), quanto às ações
efetivas voltadas para a formação de
professores de Letras (Eventos de
Letramento). Essa visão de currículo está em
sintonia como a definição apresenta pelo
Conselho Nacional de Educação (CNE), por
meio do Parecer CNE/CES nº 492/2001, a
seguir:
Portanto, é necessário que se amplie o
conceito de currículo, que deve ser
concebido como construção cultural que
propicie a aquisição do saber de forma
articulada. Por sua natureza teórico-prática,
essencialmente orgânica, o currículo deve ser
constituído tanto pelo conjunto de
conhecimentos, competências e habilidades,
como pelos objetivos que busca alcançar.
Assim, define-se currículo como todo e
qualquer conjunto de atividades acadêmicas
que integralizam um curso. Essa definição
introduz o conceito de atividade acadêmica
curricular – aquela considerada relevante
para que o estudante adquira competências
e habilidades necessárias a sua formação e
que possa ser avaliada interna e
externamente como processo contínuo e
transformador, conceito que não exclui as
disciplinas convencionais. (BRASIL, 2001b.
p.29)
Afinada com a Teoria Sociocultural, a Teoria
da Percepção e Ação de Gibson (1986), por
sua vez, vê a ação humana como o resultado
da percepção individual e/ou coletiva dos
elementos presentes no ambiente. Esses
elementos, ou artefatos, trazem consigo
características inerentes que podem ser
usadas para realizar ações. Essas
possibilidades para ação são referidas na
Teoria gibsoniana como affordances.
Para o autor, possibilidades para ação estão
sempre nos objetos e no ambiente ao nosso
redor, mas nem sempre são percebidas de
modo igual por todos, já que isso depende
tanto das experiências socioculturais quanto
das experiências individuais pelas quais
passamos ao longo da vida.
Assim, a presença de tecnologias digitais
dentro (ou mesmo fora) do ambiente escolar
pode ser percebida de modo diferente para
cada um dos professores que lá atuam.
Enquanto para uns elas podem ser
percebidas, em maior ou menor grau, como
meios para inovar e ampliar as suas
possibilidades de atuação nos processos
formativos dos alunos, para outros, elas
podem ser vistas como artefatos estéreis,
sem utilidades práticas para a realização de
ações didáticas. Esses diferentes pontos de
vista são decorrentes da forma como cada
um percebe as características e as
possibilidades para ação que o ambiente os
oferece, ou seja, ela é consequência da
forma como percebemos as affordances
oferecidas pelos artefatos.
Nesse estudo, a Teoria da Percepção e Ação
fornece alguns dos instrumentos teóricos
para as análises do modo como as
instituições percebem as necessidades de
letramento digital na formação de seus
alunos e como elas agem, a partir dessas
percepções, para formar professores
letrados digitalmente. A relação entre a
percepção, a cognição do professor e a ação,
assumida nesse trabalho, está ilustrada
abaixo:
FIGURA 05: Percepção, cognição e ação do professor
Fonte: o autor.
Na figura, vemos que é a partir da percepção
que o professor tem de si mesmo, em
associação com a percepção da realidade ao
seu redor (demandas do ambiente) e dos
28
artefatos tecnológicos com os quais ele
precisa lidar, que as suas ações se
concretizam. Essas percepções, entretanto,
podem ser tanto “positivas” quanto
“negativas”, assim como podem ocorrer em
graus variados.
Por sua vez, ações acabam, por meio da
observação e da experimentação, levando a
novas percepções, que podem reformular ou
reforçar outros antigos conjuntos
perceptivos. Esse processo é mediado pela
reflexão do professor (análise, elaboração de
hipóteses e modelos, verificação), levando a
um ciclo contínuo de percepção – reflexão –
ação – reflexão – percepção, e assim por
diante. As fronteiras entre cada um desses
momentos, entretanto, não são claras, já
que por vezes a percepção e ação parecem
ocorrer quase que concomitantemente.
Dessa forma, as ações do professor em
relação às práticas de letramento digital em
suas aulas estão intimamente ligadas ao
modo como ele percebe certas tecnologias,
incluindo potenciais benefícios e prejuízos
associados aos seu uso; às demandas dos
contextos profissionais em que atua; e a suas
próprias posturas e necessidades.
Assim, a integração de tecnologias digitais na
formação e na vida laboral de professores
está diretamente relacionada ao
desenvolvimento das suas capacidades
perceptivas durante o processo formativo,
de modo que desenvolver competências
para que os professores possam atuar em
um mundo repleto de demandas
tecnológicas passa, antes de tudo, pelo
estímulo às percepções sobre as
potencialidades oferecidas pelos artefatos
tecnológicos. Professores conscientes de
certas affordances oferecidas pela
tecnologia, e de sua aplicação no ensino de
línguas, tendem a integrá-las em suas ações
profissionais.
No caso dos professores universitários de
graduação e de pós-graduação, essa
percepção pode, ainda, se manifestar na
inclusão de tópicos e temas que envolvam o
uso de tecnologias no ensino de línguas
dentro das estruturas curriculares
elaboradas por eles. Adotamos, então, a
premissa de que a análise dos currículos dos
cursos de Letras que compõem o corpus
desse estudo pode dar indícios de quais
percepções sobre tecnologia são priorizadas
pelos colegiados dos cursos durante a
formação de seus alunos.
As percepções também são um elemento
importante em outra teoria adotada neste
estudo, a Teoria da Difusão de Inovação de
Rogers (1963). Para o autor, a adoção de
FIGURA 06: Curva da Adoção Tecnológica de Rogers
Fonte: Rogers (1963). Editado pelo autor.
Para Rogers, a adoção de tecnologias se
inicia por indivíduos que ele chamou de
inovadores. Eles são vanguardistas que
criam ou aderem a novas tendências sem
receios. Apesar de representarem um
número bastante reduzido de uma dada
população, eles acabam por influenciar
outros entusiastas, os Adotadores Iniciais.
Composto por líderes ou formadores de
opinião, esse segundo grupo acaba
influenciando uma parcela maior da
população, a Maioria Adiantada. Com o
tempo, parcelas mais resistentes da
população também acabam por aderir à
inovação tecnológica.
Assim como a Teoria Sociocultural de
Vygotsky (1988) e a Teoria da Percepção e
Ação (GIBSON, 1986) e a Teoria da Difusão
de Inovação (ROGERS, 1963), a Teoria da
Cognição distribuída (HUTCHINGS, 1995)
atribui um papel importante à interação com
o ambiente e com os artefatos que o
constituem. Hutchings (1995) sugere que a
própria cognição humana opera de modo
estendido nos ambientes e nos artefatos ao
29
tecnologias depende da forma como as
pessoas veem tais artefatos e como elas, no
decorrer do processo de adoção, tornam-se
capazes de percebê-las como adequadas
para suprir certas necessidades. O autor
propõe 5 perfis de pessoas, definidos de
acordo com a sua propensão para a
aceitação e adoção de inovações. No gráfico
a seguir, podemos ver esses perfis
representados em uma curva. Em cada
coluna, o autor também sugere o percentual
da população que se encaixa em cada um
desses perfis:
nosso redor, e não de modo restrito aos
limites do cérebro humano. Usamos
constantemente artefatos que agem como
intermediários dos mais diversos tipos de
processos cognitivos, tais como folhas de
papel e lápis para memorizar eventos e
tarefas ou fazer cálculos. Também usamos
livros, TVs e computadores para ter acesso à
informação etc.
No estudo, a Teoria da Cognição Distribuída
foi aplicada tanto para que pudéssemos
traçar as justificativas para a investigação, já
que novas formas de pensar demandam a
sistematização de novos conhecimentos e
práticas acadêmicas (materializados nos
currículos em análise), assim como para
oferecer instrumentos de análise que nos
permitissem compreender a relação entre
artefatos e cognição, ou seja, o papel que os
currículos exercem na forma como
professores e alunos compreendem o
mundo em que estão inseridos. Na seção 3,
veremos essas teorias em uso na análise dos
dados coletados durante a investigação.
 Seção 2
Aprendizagem, Letramento
Digital e Currículo

Texto de apresentação dizendo brevemente o que será discutido

30
3. Novos olhares sobre a aprendizagem
É inegável que o uso de artefatos
tecnológicos em nosso cotidiano tem
influenciando nossas práticas de linguagem
e a forma como percebemos, produzimos e
transmitimos o conhecimento. Nos
contextos educacionais, o computador, a
Internet, o celular, o vídeo game, a TV,
dentre vários outros artefatos digitais, são
corresponsáveis pelo aprendizado, tanto
dentro quanto fora da sala de aula.
Em situações de ensino formal, por exemplo,
vemos a crescente inserção de tecnologias
que visam promover novas experiências de
aprendizagem, assim como motivar
professores e alunos a um intercâmbio entre
os saberes produzidos dentro da sala de aula
com aqueles gerados e valorizados fora dela.
31
Da mesma forma, em situações informais de
aprendizagem, as possibilidades oferecidas
pelas TICs levam cada vez mais ao
desenvolvimento de aprendizes autônomos,
capazes de buscar oportunidades de
aprendizagem em suportes que
gradualmente se tornam mais acessíveis que
ferramentas como o livro. É possível
termos experiências de aprendizagem
mediadas por tecnologias digitais
praticamente em qualquer hora e lugar.
Nesse sentido, podemos dizer que as
tecnologias digitais muitas vezes acabam
chegando onde livros e professores ainda
não conseguiram.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), em 2016, o
celular estava presente em 92,2% dos
domicílios do país, sendo ele, na época, o
principal meio de conexão com a internet
por usuários a partir de 10 anos de idade
(IBGE, 2018). Dentre as principais atividades
realizadas na rede por meio do telefone
estavam, respectivamente:
1. Trocar mensagens de texto, voz e
imagens;
2. Assistir vídeos, programas, séries e
filmes;
3. Conversar por chamada de voz ou vídeo;
4. Enviar ou receber e-mail.
FIGURA 07: Uso da internet, do computador e do celular no Brasil, em 2016.
Fonte: IBGE (2018).
Entretanto, se a popularização dos
computadores e da internet, notadamente a
partir dos anos 90, trouxe novas
possibilidades de aprendizagem, ela
também trouxe consigo inúmeros conflitos,
em parte porque representavam, naquela
época, uma ruptura com crenças e práticas
tradicionais.
Nesses primeiros anos de contato com essas
novas ferramentas, eram comuns
posicionamentos polarizados sobre as
relações que deveriam ser estabelecidas
entre esses artefatos tecnológicos
emergentes e aqueles já consolidados ao
longo dos anos. De um lado, podiam ser
32
Ao considerar o acesso à internet, a pesquisa
do IBGE estima que a 48,1 milhões de
residências no país contam com esse
recurso. O índice de utilização da rede
mundial, por sua vez, é maior entre usuários
em idade escolar, decaindo gradualmente
entre aqueles com idade acima dos 24 anos.
Dos estudantes da rede pública, 75,0%
acessam a rede, enquanto que esse índice é
de 97,4% entre estudantes da rede privada.
Em comparação com o celular, o
microcomputador assume o segundo posto
como o principal dispositivo de acesso à
internet. Alguns desses dados podem ser
observados no infográfico a seguir:
encontrados aqueles posicionamentos que
rejeitavam a todo custo a presença das
tecnologias digitais em ambientes de
aprendizagem, organizados sob os mais
diversos argumentos, dentre eles:
a. o de que elas distraiam alunos e
professores;
b. que impediam a disciplina;
c. que eram adequadas ao lazer mas não à
aprendizagem;
d. que formariam alunos alienados, alijados
do mundo real;
e. que logo tomariam o lugar de professores.
Do outro lado, estavam aqueles que viam os
novos artefatos digitais repletos de
otimismos, embora muitas vezes
exagerados. Nesta segunda corrente de
pensamento, tais tecnologias eram
frequentemente enxergadas como
portadoras das soluções de todos os
problemas da escola. Essa perspectiva era
marcada principalmente pela ideia de que
era necessário, antes de tudo, equipar os
ambientes de aprendizagem com o que fosse
mais moderno. Criou-se, então, uma corrida
pela tecnologização e aparelhamento da
escola: laboratórios foram criados e
computadores foram comprados em grande
escala.
Contudo, essa ênfase dada ao hardware não
era acompanhada com o mesmo otimismo
por uma ênfase dada às pessoas que usariam
tais equipamentos. Gradualmente, a
experiência (e alguns fracassos de
programas de inserção tecnológica na
escola) mostrou que não bastava ter
tecnologia, era preciso saber usá-la
(SANTOS, 2000; MENEZES, 2002; LIMA,
2006). Apesar dessas novas reflexões, ainda
são frequentes visões de inserção
tecnológica que priorizam somente a
inclusão de equipamentos, não de pessoas.
Mais recentemente, duas outras correntes
de pensamento se popularizaram a partir de
uma maior aceitação da presença das
tecnologias digitais nos ambientes escolares.
Uma delas, mais moderada, porém ainda
ligada à visão que prioriza a aquisição de
equipamentos, reconhece a importância de
se preparar professores para lidar com as
tecnologias no ambiente escolar.
Entretanto, esse preparo geralmente se
limita aos conhecimentos sobre como
operar as máquinas (ligar, desligar, imprimir,
usar softwares específicos etc.), ao invés de
estimular reflexões críticas sobre como elas
podem ser usadas de modo criativo para
atender as necessidades de professores,
alunos e dos contextos específicos de
aprendizagem. Saviani (2008) se refere a
essa visão “instrumental” das práticas
escolares voltadas para uma produção de
33
caráter quase industrial como
Neotecnicismo Pedagógico. Para o autor, ela
é fruto das políticas educacionais que se
popularizaram no Brasil na década de 90,
que buscavam indicadores numéricos de
qualidade a todo custo.
A outra corrente, por sua vez, vê a integração
das tecnologias na escola como um meio de
desenvolvimento de habilidades cognitivas
diversas, dentre elas a reflexão crítica como
um instrumento de ação sobre o mundo.
Dentre os autores que defendem esse ponto
de vista estão Gee (2010); Prensky (2001);
Jenkins (2009) e Warschauer (2010).
Diante de diferentes perspectivas sobre o
papel das tecnologias na sala de aula, é de se
esperar que conflitos teóricos sobre o tema
sejam frequentes. Contudo, assim como na
teoria, nas situações práticas também são
inúmeras as divergências e contradições
sobre o modo como as tecnologias devem
fazer parte da sala de aula.
A edição de 2016 da pesquisa por
amostragem do Centro Regional de Estudos
para o Desenvolvimento da Sociedade da
Informação (Cetic.br) revelou dados
interessantes a esse respeito. Em sua versão
educacional (TIC Educação) o Cetic.br realiza
anualmente, desde 2010, um levantamento
sobre a presença de tecnologias digitais
junto a professores e alunos de matemática
e de português, assim como com
coordenadores e diretores do Ensino Médio
em escolas de todo o país, tanto públicas
quanto privadas.
De acordo com a pesquisa, embora 81% das
escolas públicas do país possuam
laboratórios de informática, somente 59%
utilizam esse recurso. Já nas escolas
privadas, os laboratórios de informática
estão presentes em 47% delas. De modo
diferente dos dados do ensino público, nas
escolas privadas esses ambientes são usados
integralmente. Dentre os fatores que levam
a essa diferença estão a falta de planos de
manutenção de equipamentos nas escolas
públicas e a baixa percepção de professores
e diretores de que a utilização desses
espaços é relevante para a formação dos
alunos.
A pesquisa traz, ainda, dados importantes
sobre a realização de atividades com e sem
TICs por professores, mostrando que, na
prática, a integração de artefatos
tecnológicos em ambientes formais de
ensino ainda está aquém do que se espera,
especialmente se considerarmos que no
decorrer das duas últimas décadas medidas
governamentais e parcerias público-privadas
como o Programa Nacional de Informática
na Educação (ProInfo e ProInfo Integrado), o
Programa um Computador por Aluno
(Prouca), e o Programa Banda Larga nas
FIGURA 08: Atividades escolares com e sem tecnologias
Fonte: CETIC.BR (2017. P.114)
Apesar disso, também é possível perceber
um aumento na popularização da
perspectiva que aborda as TICs na escola por
meio do uso crítico e criativo. Isso pode ser
34
Escolas (PBLE), dentre outras, se voltaram
para a aparelhagem de escolas públicas.
Nesse caso, vemos em ação a perspectiva de
inclusão tecnológica como uma
consequência da aparelhagem, e não da
formação de professores e alunos críticos
para lidarem com esses artefatos de modo
inovador e integrado com suas reais
necessidades socioeducacionais.
Isso pode ser observado no gráfico a seguir,
que ilustra a desproporcionalidade entre
atividades realizadas com TICs e aquelas
realizadas sem o auxílio dessas tecnologias
digitais, mesmo quando a escola dispõe de
equipamentos:
constatado, por exemplo, pelo surgimento
de ambientes de formação financiados pela
administração pública. Dentre eles, estão
ambientes on-line de formação de
professores, como o Portal do Professor.
Disponível no portal do MEC
(http://portaldoprofessor.mec.gov.br/index
.html), ele é um ambiente voltado para a
interação, reflexão, produção e não ter “tempo para cumprir o conteúdo
compartilhamento de materiais
instrucionais entre professores, dentre eles
recursos envolvendo as TICs;
Contudo, ainda são muitas as razões
apontadas por professores e autoridades
escolares para justificar a pouca integração
das TICs na Educação Básica. No relatório do
Cetic.br de 2016, são listados os 8 maiores
motivos para o baixo uso de TICs em escolas
públicas brasileiras. Os dados foram
coletados por amostragem com
administradores escolares de todo o país,
dentre eles diretores e coordenadores
pedagógicos. Na visão dos diretores e
coordenadores, podemos observar uma
predominância da perspectiva de que a
inserção de tecnologias ocorre
majoritariamente por meio da aparelhagem
com equipamentos TICs. O quadro a seguir
lista, em ordem de relevância, os principais
motivos para a exclusão das tecnologias
digitais na escola:
1. Baixa Velocidade da Conexão;
2. Número insuficiente de computadores
conectados à internet;
3. Ausência de Suporte Técnico e
manutenção de equipamento;
4. Número insuficiente de computadores por
aluno;
5. Equipamentos obsoletos e ultrapassados;
6. Falta de apoio pedagógico aos professores
para uso da internet;
7. Pressão ou falta de tempo para cumprir o
conteúdo previsto;
8. Pressão para conseguir boas notas nas
avaliações de desempenho.
(CETIC.BR, 2016)
Como pode ser observado, há uma pouca
predominância de fatores de caráter
pedagógico, já que somente os 3 últimos
motivos da lista se relacionam diretamente
com as dificuldades do professor em lidar
com as demandas didáticas que o uso da
tecnologia exige.
35
É interessante notar que nos itens 7 e 8 fica
claro que as TICs não são vistas como
elementos que fazem parte das atividades
do professor, já que utilizá-las implica em
previsto” e “conseguir boas notas nas
avaliações de desempenho”. Nesse caso, a
inserção das TICs como uma forma de
desenvolver competências crítico-reflexivas
necessárias para a formação integral dos
alunos é negligenciada.
A relação entre TICs e professores também é
analisada de modo instigante pelo
movimento Todos pela Educação, uma
iniciativa privada que publica na internet
indicadores anuais relacionados às metas do
Plano Nacional da Educação. Para a
instituição, a inserção de tecnologias
educacionais ainda é vista como algo
relacionado à presença de equipamentos e
não como decorrente da preparação de
professores (TODOS PELA EDUCAÇÃO,
2018).
Acreditamos que os professores devem ser
vistos como a porta de acesso para as
tecnologias no contexto escolar. Embora a
presença de equipamentos seja um requisito
necessário a inserção de tecnologias, de
nada adianta a compra de hardware e
aparelhagem de laboratórios e salas de aula
se ela não vem acompanhada lado a lado por
uma preocupação com a preparação e o
apoio que deve ser dado aos professores.
Em parte, é essa negligência ao papel do
professor que contribui para que a
tecnologia seja vista por muitos daqueles
que atuam no cotidiano escolar como um
elemento que mais atrapalha do que ajuda.
Nesse sentido, não é difícil encontrar
laboratórios sem uso. Em outros casos,
também é comum encontrarmos diretores e
outras autoridades escolares que impedem
o acesso de professores e alunos a esses
recursos sob o pretexto de salvaguardá-los.
Assim, a tecnologia, que pode ser uma
ferramenta para motivar e promover
experiências de aprendizagem significativas,
transforma-se em um elemento sem
utilidade prática nas dependências da A seguir, apresentamos um quadro com a
escola. Enquanto isso, o ambiente escolar síntese de algumas visões/abordagens
permanece ligados à metodologia de quadro relacionadas às tecnologias digitais em
e giz. ambientes educacionais.

Sobre as demandas para uma abordagem FIGURA 09: Visões/abordagens a respeito das
mais integradora das TICs nos contextos tecnologias da informação e comunicação em
contextos educacionais.
educacionais, Prensky (2001) nos diz que os
estudantes de hoje mudaram em relação aos
alunos do passado. Hoje, alunos e
professores estão cercados por dispositivos
tecnológicos como computadores,
videogames, tocadores de música digital,
câmeras de vídeo, telefones celulares, entre
outras ferramentas. Entretanto, enquanto a
maioria dos alunos provavelmente cresceu
rodeada por tecnologias digitais, de modo
que elas não lhes causam estranheza, boa
parte dos professores ainda não estão tão
acostumados a tais ferramentas, pois o
contato com elas pode ter ocorrido mais
tardiamente, quando comparado ao
primeiro grupo.

Para o autor, esse é um dos motivos para os

conflitos na escola contemporânea, com
alunos que necessitam desenvolver
competências relacionadas ao letramento
digital sendo ensinados por professores que
vivem seus próprios dilemas sobre o papel
que as tecnologias podem desempenhar em
suas aulas.

Assim como o Ensino Básico, a universidade

também parece viver esses conflitos. Para
ilustrar isso, podemos mencionar o fato de
que em muitas instituições os computadores
disponibilizados para o uso de alunos em
laboratórios ou bibliotecas (com o objetivo
de promover o acesso a ferramentas digitais
uteis à formação dos discentes) ainda são
bloqueados para o acesso a certos sites e
páginas, dentre eles as redes sociais. Isso
revela que para alguns gestores
universitários é mais cômodo impedir o
acesso a ambientes vistos como
academicamente improdutivos do que
motivar a reflexão e a inovação para que eles
sejam usados produtivamente pelos alunos.
Fonte: o autor.

36
4. Outras formas de pensar: relações
entre corpo, mente, tecnologias e o
ambiente
Desde a Antiguidade Clássica, as reflexões
sobre a mente humana e os processos
mentais fazem parte da busca pelo
conhecimento. Com Platão e Aristóteles,
por exemplo, temos os primeiros
delineamentos de uma Filosofia Psicológica,
voltada para a compreensão do intelecto e
da capacidade humana de perceber, pensar
e raciocinar (GOMES, 2005).
Para Platão, a origem do intelecto estava na
alma, a qual ele interpretava como uma
substância eterna, capaz de acumular
experiências e conhecimentos ao longo de
diversas existências. Sendo o mundo um
ambiente instável e em constante
transformação, e por isso mesmo incapaz de
manter o conhecimento de modo estável,
37
somente a existência da alma imortal
poderia justificar a perpetuação e o acúmulo
do saber, obtido por meio da racionalidade
da própria alma. Nessa perspectiva, a
inteligência e o pensamento eram inatos, já
que existiam na alma de modo
independente das experiências fornecidas
pelo mundo material e pelo corpo.
Já em Aristóteles, embora o pensamento
também fosse uma propriedade da alma,
essa não era mais vista com uma entidade
separada do corpo, mas algo de caráter físico
e orgânico, aproximando-se do que hoje
entendemos como mente. Para ele, corpo e
alma estavam em uma relação de
interdependência, como uma única entidade
com diferentes instâncias, cada uma
responsável por funções distintas. Assim,
cabia ao corpo a percepção das experiências
enquanto que à alma, a compreensão, a
dedução e o armazenamento do
conhecimento. De acordo com Gomes
(2005), foi a partir de Aristóteles que se
difundiu a ideia dos cinco sentidos como a
porta pela qual os estímulos penetram na
alma/mente. Ainda na psicologia filosófica
de Aristóteles, a memória era vista como a
capacidade da alma de estabelecer
associações com as experiências do corpo
por meio da razão.
Como podemos ver pela reflexão grega
sobre a relação entre corpo e mente,
durante muito tempo o estudo do
pensamento foi um campo de reflexão da
Filosofia. Entretanto, com o fortalecimento
da psicologia científica no século XIX, ele
gradualmente se afastou das concepções
espiritualistas e filosóficas, assim como das
concepções puramente materialistas,
definindo-se como um campo de estudo das
ciências dedicadas aos fenômenos psíquicos.
Para Wilhelm Wundt (1904), por exemplo,
considera do o pai da psicologia moderna,
essa nova ciência deveria ser abordada como
uma ciência empírica cujo objeto de estudo
era a experiência interna ou imediata. A
partir desse período, consolidou-se o
paradigma de que o cérebro era o único
responsável pelo pensamento.
No decorrer das décadas de 50 e 60,
entretanto, o desenvolvimento da Psicologia
Cognitiva como o ramo da ciência voltado ao
estudo da cognição e dos processos mentais
que subjazem ao comportamento levou à
busca por perspectivas teóricas que
explicassem em detalhes como o cérebro
lida com o pensamento. Essa busca, por sua
vez, conduziu a ciência à adoção de modelos
de cognição computacionais, ou de
processamento da informação. Nesse
período, os primeiros computadores
começavam a chamar a atenção da
comunidade científica de modo que a forma
como lidavam com dados logo foi logo usada
como referência para explicar o representam uma teoria uniforme, mas
funcionamento do cérebro humano. Outro
38
fator que também contribui para adoção
dessa perspectiva computacional foi a
popularização da Teoria da Informação
proposta por Shannon (1948), que descrevia
a transmissão e o armazenamento da
informação em contextos comunicacionais a
partir de uma perspectiva matemática.
Nesses novos modelos cognitivos, o cérebro,
tal como um computador, recebe a
informação do ambiente, realiza seu
processamento e a exterioriza.
Ao descrever suscintamente como
processamos a linguagem, Dias (2000)
apresenta uma ideia de como esses modelos
interpretam a cognição:
Imaginemos que alguém nos faça a seguinte
pergunta. “Gorilas gostam de bananas; e
chimpanzés?” Para responder a uma
pergunta desse tipo, qualquer falante
atravessa uma série de etapas, dentre as
quais: compreender a informação que está
sendo veiculada pela sentença declarativa;
completar as partes da sentença
interrogativa que estão em elipse; ativar, na
memória, informações a respeito dos dois
animais mencionados; comparar essas
informações, para avaliar possíveis relações
entre elas; decidir, com base nas etapas
acima, se a resposta é afirmativa ou negativa,
e emiti-la. (DIAS, 2000. p. 31-32)
Como ilustra a autora, para a maioria das
correntes de “cognição computacional” o
ambiente tende a ser visto como uma fonte
de dados brutos, não processados. Esses
dados, por sua vez, são captados por meio de
inúmeros órgãos de entrada de dados, que
no ser humano correspondem aos 5
sentidos. Em seguida, eles são executados
no cérebro, que é o responsável pela
cognição propriamente dita, por meio de
processos como análise e categorização,
armazenamento, tomada de decisões,
elaboração de respostas e envio de
comandos ao sistema motor para
externalização dos dados processados.
Apesar da popularidade, esses modelos
cognitivos de processamento não
várias tentativas distintas de explicar como a
cognição funciona, diferindo entre si em
menor ou maior grau. Todos eles
compartilham, entretanto, certas
características, dentre elas:
a. A visão de que a cognição ocorre no
cérebro, a partir de informações recebidas
do exterior;
b. A metáfora da mente como um
computador, com dispositivos de entrada,
de processamento e de saída de dados.
Em parte, a popularidade desses modelos se
deve ao fato de que eles tendem a
representar a cognição como um fenômeno
localizado e linear, facilitando o isolamento
e a análise dos múltiplos processos que
envolvem o pensamento. Contudo, essa
aparente simplicidade nem sempre se revela
um benefício. Nos campos de ensino e de
aprendizagem, por exemplo, a visão de
cognição como um fenômeno restrito ao
cérebro tende a desconsiderar o papel que o
ambiente exerce na própria constituição do
processo cognitivo, já que ele é geralmente
visto apenas como fonte de dados não
processados.
Assim, para boa parte dos modelos
computacionais, é somente na mente que o
significado se constitui. Dessa perspectiva
também surgem conceitos como a
sobrecarga de memória de trabalho e de
estresse cognitivo, que ocorrem quando a
mente não é capaz de lidar adequadamente
com o excesso de dados com os quais é
alimentada.
Também são decorrentes dessa visão as
abordagens centradas no professor, que é
visto como o responsável por fornecer dados
a serem processados pela mente do aluno,
assim como a visão do aprendiz como um
elemento majoritariamente passivo, que
recebe, processa e armazena informação,
independente da interação com o ambiente
e com outros fatores que envolvem o
aprendizado. Ainda nessa visão de cognição
e aprendizagem (especialmente quando
39
aplicada a contextos formais) recai sobre o
professor a responsabilidade de fornecer ao
aprendiz as informações que este deverá
processar, de acordo como suas próprias
capacidades cognitivas, tornando-se, então,
capaz de exterioriza-las (por vezes por meio
de ações e em situações onde elas sejam
necessárias ou relevantes).
Essa postura, contudo, revela não só uma
visão simplista de um processo
demasiadamente complexo, quanto ignora
os papeis que o ambiente, os fatores sociais,
as tecnologias, dentre vários outros fatores,
podem exercer sobre a cognição humana.
Por esse motivo, e apesar de sua
popularidade, a ideia de cognição enquanto
um fenômeno restrito à mente tem
recebendo críticas já desde o final da década
de 60.
Em 1968, por exemplo, Paulo Freire
questionava a larga adoção de uma
“educação bancária”, criticando as visões de
aprendizagem que interpretam o
conhecimento como algo dissociado de
variáveis sociais e culturais e que enxergam
o aprendiz como uma máquina
desconectada das experiências reais do
mundo. Nas palavras do autor:
Falar da realidade como algo parado, estático,
compartimentado e bem-comportado,
quando não falar ou dissertar sobre algo
completamente alheio à experiência
existencial dos educandos vem sendo,
realmente, a suprema inquietação desta
educação. A sua irrefreada ânsia. Nela, o
educador aparece como seu indiscutível
agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa
indeclinável é “encher” os educandos dos
conteúdos de sua narração. Conteúdos que
são retalhos da realidade desconectados da
totalidade em que se engendram e em cuja
visão ganhariam significação. A palavra,
nestas dissertações, se esvazia da dimensão
concreta que devia ter ou se transforma em
palavra oca, com verbosidade alienada e
alienante. Daí que seja mais som que
significação e, assim, melhor seria não dizê-la.
[...]
Para esta equivocada concepção dos homens,
no momento mesmo em que escrevo,

estariam “dentro” de mim, como pedaços do
mundo que me circunda, a mesa em que
escrevo, os livros, a xícara de café, os objetos
todos que aqui estão, exatamente como
dentro deste quarto estou agora. Desta
forma, não distingue presentificação à
consciência de entrada na consciência. A
mesa em que escrevo, os livros, a xícara de
café, os objetos que me cercam estão
simplesmente presentes à minha consciência
e não dentro dela. Tenho a consciência deles
mas não os tenho dentro de mim. [...] A
educação que se impõe aos que
verdadeiramente se comprometem com a
libertação não pode fundar-se numa
compreensão dos homens como seres vazios
a quem o mundo “encha” de conteúdos; não
pode basear-se numa consciência
espacializada, mecanicistamente
compartimentada, mas nos homens como
“corpos conscientes” e na consciência como
consciência intencionada ao mundo. Não
pode ser a do depósito de conteúdos, mas a
da problematização dos homens em suas
relações com o mundo. (FREIRE, 1987. p. 33-
38)
No trecho acima, é possível observar que
para Freire (1987), a ideia que tudo deveria
estar na mente do aprendiz não se
sustentava como uma explicação que desse
conta do modo como aprendemos e agimos
no mundo ao nosso redor, já que a educação
baseada nesse princípio trataria somente de
“conteúdos que são retalhos desconectados
de uma totalidade em que se engendram”.
Dessa forma, mesmo que indiretamente, ele
também criticava os modelos de cognição
que isolavam o conhecimento das
experiências reais obtidas por meio da
interação com o ambiente. Assim como ele,
outros também questionaram a inteligência, a naturalística, que se refere à
interpretação dos processos cognitivos
como algo deslocado dos fatores externos à
mente.
Gardner (1983), por exemplo, no final dos
anos 70 e início dos anos 80, levanta dúvidas
sobre a noção de inteligência como uma
característica unificada, inata e localizada
somente na mente do indivíduo quando
propõe sua Teoria das Inteligências
Múltiplas. Ao descrever, inicialmente, sete
40
inteligências, a linguística, a lógico-
matemática, a espacial, a musical, a
corporal-cinestésica, a interpessoal e a
interpersonal, o autor busca desconstruir a
concepção predominante dentro da
psicologia cognitiva de que a aptidão
intelectual seria um fenômeno geral, capaz
de ser medido por meio de testes lógico-
matemáticos. Para ele, as práticas escolares
tradicionais enfatizam somente as duas
primeiras delas, de modo que aqueles alunos
com outras habilidades são geralmente
vistos como inaptos, ou pouco inteligentes.
Ao sugerir que a inteligência é decorrente,
também, de fatores ambientais, ele propõe
uma alternativa para as visões de
inteligência como algo inato e localizado. Em
sua teoria, um aprendiz pode tanto ter uma
predisposição biológica para aprender certas
habilidades, quanto aprendê-las por meio da
experimentação, ou seja, por meio da
interação com o ambiente.
Dessa forma, alguém pode nascer com
predisposições biológicas para a prática de
esportes mas não se tornar um bom atleta
por falta de experiências que o levem a isso,
enquanto que outro que nasça sem tais
predisposições pode obter alto desempenho
esportivo por meio de estímulos, treino e
outras experiências obtidas da interação
com o ambiente e com as pessoas que o
cercam.
Nos anos 90, A Teoria das Inteligências
Múltiplas se aproximou ainda mais do papel
exercido pelos fatores ambientais no
aprendizado ao acrescentar uma oitava
habilidade dos indivíduos para lidarem com
animais, plantas, fatores meteorológicos,
dentre outros, assim como para a criação de
ferramentas que permitam a eles interagir
com o mundo de modo produtivo.
De acordo com Gardner (2006), no passado
essa inteligência estava intimamente ligada
a sobrevivência humana dos indivíduos, que
dependiam de suas habilidades com o
manejo de plantas, animais e das condições
meteorológicas para garantir alimento. Ao
longo da história, entretanto, gradualmente
os seres humanos desenvolveram estruturas
sociais e outros mecanismos, tais como a
especialização de tarefas e a divisão de
trabalhos e dos papeis sociais, que
permitiram com que nem todos precisassem
ser agricultores, dedicando-se ao
desenvolvimento de outras inteligências e
aptidões.
Com isso, o autor sugere que tanto as
estruturas sociais quanto as ferramentas
criadas pelo homem têm um papel relevante
no desempenho cognitivo dos indivíduos. A
TABELA 02: Inteligências Múltiplas de Gardner
FONTE: Adaptado de DAVIES; SEIDER; CHRISTODOULOU; GARDNER (2011)
Antes mesmo das ideias de Gardner, ainda
nos 70, outras perspectivas de cognição
começaram a se delinear (COLE e BRUNER
1971; GIBSON, 1971/1982; COLE e GRIFFINS,
1980; MINSKY, 1985, dentre outros), em
parte motivadas pela popularização da
Teoria Sociocultural de Vygotsky no
ocidente, e pela crescente presença de
artefatos midiáticos, dentre eles a TV e a
emergente popularização dos computadores
pessoais.
De modo geral, os principais
questionamentos que levaram a esse novo
41
seguir, apresentamos uma síntese das oito
inteligências propostas pelo autor. Por meio
das descrições de cada uma delas, podemos
observar que a cognição não está limitada ao
processamento de representações pelo
cérebro. Ao invés disso, ela é o resultado da
integração de diversas habilidades e
atividades, muitas vezes de ordem física,
corporal e/ou social. Algumas delas estão
diretamente ligadas ao uso dos artefatos.
Isso nos mostra, ainda, que as tecnologias
digitais oferecem um grande potencial para
a aprendizagem, já que todas as inteligências
propostas por Gardner podem ser
estimuladas por meio das TICs.
movimento teórico são frutos da percepção
de que a visão cognitiva tradicional não
conseguia dar conta dos fenômenos sociais e
ambientais que começavam a ser apontados
pelos socioculturalistas. Eles podem ser
condensados em dois grandes problemas:
a. Se a cognição é um fenômeno
individualizado, como os modelos adotados
até então poderiam ser aplicados para
explicar o fato de que indivíduos estão
constantemente interagindo socialmente e
sendo, ao mesmo tempo, afetados por essas
interações?
b. Se, por outro lado, a cognição não é um
fenômeno individualizado, qual seria o papel
de artefatos midiáticos, dentre outras
ferramentas, na construção de
representações individuais e culturais e
como esses artefatos interagiriam com a
memória humana na construção dessas
representações?
Algumas das respostas para esses
questionamentos foram propostas, nos anos
90, por Edwin Hutchings (1995) por meio da
Teoria da Cognição Distribuída (Dcog). Para
ele, “A cognição humana é sempre situada
em um mundo sociocultural complexo e por
isso não há como não ser afetada por ele.”
(HUTCHINGS, 1995. p. xiii). Na visão do
autor, a cognição está atrelada às práticas
socioculturais dos indivíduos, de modo que
ela pode ser melhor compreendida como um
fenômeno distribuído, ao invés de um
fenômeno localizado, restrito somente à
mente. Em uma situação de interação, por
exemplo, são os elementos interactantes
que constantemente moldam e remoldam
os processos cognitivos envolvidos no
próprio ato interativo.
Dessa forma, dois ou mais indivíduos
envolvidos em atividades de interação
trazem consigo diferentes tipos de
conhecimento, que influenciam e sofrem
influências mútuas por meio do trabalho
colaborativo e da negociação de significado.
Essas influências mútuas levam, por sua vez,
à emergência de novas representações.
Nesse sentido, a própria interação é também
um meio no qual a cognição se processa e se
distribui.
Com isso, Hutchings (1995) não nega
completamente a visão cognitiva
“internalista”, tampouco se afasta da visão
computacional que prevaleceu nas ciências
cognitivas desde a década de 50. Para ele,
1
1 Apesardas
Apesar dasdiferentes
diferentes nuances
nuances no conceito
no conceito
de representação kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
científicas acerca da cognição humana, neste trabalho o termokkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
rkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
pensamento, por meio da qual a mente elabora
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
mundo
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
embora os fenômenos cognitivos possam
ocorrer na mente, eles também ocorrem
fora dela, de modo que os processos
internos de representação1 estão
intensamente conectados com processos
externos.
Da mesma forma, a cognição continua sendo
vista como sinônimo de processamento, mas
com outras unidades de análise, de modo
que o foco da Dcog é investigar como o
processamento da informação é conduzido
por uma grande quantidade de fatores que
não se restringem aos processos
estritamente mentais, tais como os
indivíduos que fazem parte de grupos ou
outras organizações sociais e as ferramentas
que eles utilizam para interagir entre si e
com o mundo. Em parte, é a essa conciliação
entre velhas e novas perspectivas que fez
com que a Dcog fosse rapidamente aceita
como uma alternativa para outros modelos
computacionais.
Tanto em sistemas cognitivos tradicionais
quanto na Dcog há a busca pela descrição de
como as estruturas representacionais são
armazenadas e ativadas. Entretanto,
enquanto nos primeiros o foco recai sobre os
processos psicológicos internos, no segundo
a perspectiva adotada é a de que tanto
fenômenos internos quanto externos são
parte ativa do sistema cognitivo do ser
humano. Esses fatores externos, por sua
vez, são acessados no sistema cognitivo pela
interação com o ambiente, com outros
indivíduos ou com artefatos diversos, de
modo que o ambiente é visto como um meio
computacional. Essa diferença pode ser
ilustrada pelo esquema da próxima página,
em que o processamento cognitivo a partir
de um modelo internalista é representado
ao lado de um modelo para o processamento
distribuído por artefatos e o ambiente.
de
adotadas por distintas perspectivas filosóficas e
será abordado como a unidade básica do
e organiza conteúdos simbólicos essenciais para a compreensão do
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
kkkkkkkk
42
FIGURA 10: Diferença entre o processamento cognitivo descrito por modelos internalistas(a) e externalistas(b).
FONTE: Nilsson, van Laere, Susi e Ziemke (2012).
Assim, Hutchings (1995) propõe
princípios nos quais a Dcog se baseia:
1. Os processos cognitivos podem de
distribuir pelos membros do grupo social;
2. Os processos cognitivos podem se
distribuir de modo que o funcionamento do
sistema cognitivo envolve a coordenação
entre estruturas internas e externas
(materiais ou ambientais);
3. Os processos cognitivos podem se
distribuir pelo tempo de modo que os
resultados de eventos anteriores podem
transformar a natureza de eventos
posteriores.
Um outro ponto relevante da Dcog é o
reconhecimento de que artefatos físicos
também são artefatos cognitivos, ou seja,
ferramentas físicas que exercem uma função
representacional capaz de afetar o
desempenho cognitivos humano, tais como
calendários, agendas telefônicas, listas de
2 2
Produtos,
Produtos,objetos, conceitos,dentre
objetos, conceitos, dentre outras
outras
estruturas físicas ou ideológicas, elaboradas socio-historicamente pelo
estruturas físicas
homem como ou ideológicas,
forma de agir sobre elaboradas
o meio.
ooooooooooooooooooooooooooooooooooooo
ooooooooooooooooooooooooooooooooooooo
três compras, papel e caneta, máquinas de
calcular, computadores etc.
Sobre o papel dos artefatos2 na cognição
humana, Norman (1991), sugere que eles
não mudam as capacidades dos indivíduos.
Ao invés disso, eles mudam a natureza da
atividade realizada por uma pessoa,
expandido as possibilidades de interação e
ação entre o ser humano, a própria atividade
e os artefatos utilizados em sua realização.
Para o autor, esses artefatos
físico/cognitivos operam em dois níveis: no
nível individual e no nível do sistema. No
nível individual, ao utilizar uma lista de
compras, por exemplo, uma pessoa se vê
obrigada a realizar outras atividades tais
como preparar a lista, lembrar de utilizá-la e
ler e interpretar os itens constantes nela; Já
no nível do sistema, é a partir da realização
dessas e de outras ações que podem
ocorrer durante o uso desse artefato, que
temos a impressão de que a memória se
expandiu, à medida que se distribui por
outras atividades realizadas e pelo próprio
artefato.
oo0000000000000000000000000000000000000
000000000000000000000000000000000000000
000000000000000000000000000000000000000
000000000000000000000ppppppppppppppppp
43
Os argumentos de Norman (1991) ajudam,
ainda, na desconstrução da ideia de que o
uso intensivo de artefatos reduz a
capacidade cognitiva do indivíduo, que se
tornaria dependente de “muletas
cognitivas”, incapaz de pesar por si próprio
quando desprovido da sua presença. Das
palavras do autor, o que se pode depreender
é que, na verdade, eles mudam a natureza
da atividade realizada pelo indivíduo,
criando a necessidade da realização de
outros processos que não eram exigidos
antes de sua inserção. A esse respeito,
Hutchings (1995) afirma que é essencial
distinguir entre o processamento necessário
para que uma pessoa manipule um artefato
em si; e o processamento alcançado pela
manipulação de tal artefato.
Kirsh (2010. p. 441), por sua vez, elenca
algumas das características das
representações construídas por meio de
artefatos externos:
a. Elas mudam o custo e a estrutura da
paisagem inferencial necessária no
processamento;
b. Elas fornecem uma estrutura que pode
servir para compartilhar o pensamento;
c. Elas criam referentes persistentes;
d. Elas facilitam a re-representação;
e. Elas frequentemente são mais naturais
que as representação mentais;
f. Elas facilitam a computação de
informações mais explícitas que devem ser
codificadas;
g. Elas permitem a construção arbitrária de
estruturas complexas;
h. Elas ajudam a coordenar o pensamento.
Hutchings (1995) também tenta afastar a
ideia de que artefatos são simples extensões
da mente porque essa visão tende a levar ao
engano de que a cognição ocorreria em
etapas distintas, uma dentro e outra fora do
cérebro. Para o autor, o que ocorre é uma
profunda integração entre processos
internos e externos de modo que a todo
momento recorremos aos dois tipos de
representação para entendermos e agirmos
44
sobre o mundo. É dessa perspectiva que vem
a ideia de que a cognição é um fenômeno
distribuído, ou seja, que acontece
simultaneamente em várias instâncias.
Kirsh (2010) ilustra isso ao comentar sobre o
ato de leitura. De acordo com ele, nunca
lemos um texto somente por meio do que
está em nossas cabeças. Além da constante
interação com o que está escrito, utilizamos
recursos como fazer marcações, apontar
com o dedo, murmurar, manipular outros
objetos, dentre inúmeras outras coisas. Para
o autor, esses são recursos por meio dos
quais conectamos o que está na mente com
o que está fora dela e assim conseguimos
atribuir sentido ao que lemos.
Outro exemplo de como fatores internos e
externos interagem entre si durante a
cognição é fornecido por Kirsh e Maglio
(1992) ao descreverem as ações de alguém
que joga Tetris, um jogo eletrônico no qual o
jogador deve encaixar, tal como em um
quebra-cabeças, peças de formatos variados
que caem de um posição elevada na tela até
que elas formem linhas horizontais na parte
inferior da área de jogo. Ao observar
jogadores envolvidos nessa atividade, os
autores constataram que os jogadores
tendem a mover as peças várias vezes à
medida que elas caem, mesmo que isso não
seja necessário. Segundo os autores, esse
movimento é importante para permitir que
o jogador estabeleça relações entre os
processos cognitivos que ocorrem
internamente e aqueles que ocorrem
externamente, muitas vezes distribuídos
pela tela do jogo, do controlador (joystick),
dentre outros ambientes cognitivos. É essa
conexão que o ajuda a tomar decisões.
O papel que a Dcog atribui aos artefatos e ao
ambiente na cognição fez com que ela fosse
adotada por diversas áreas do saber,
notadamente aquelas relacionadas à criação
e análise de sistemas informacionais,
(HALVERSON, 2002), à interação homem-
máquina (HOLLAN, HUTCHINGS e KIRSH,
2000) aos estudos da mídia (MAYER, 2001),
à análise de ambientes de trabalho
colaborativo (PERRY, 1999) e à educação
(PEA, 1993; HERRERO e BROWN, 2010;
HALVERSON, 2003), dentre vários outros. Em
contextos educacionais ela tem sido aplicada
com entusiasmo tanto nas análises da
aprendizagem mediada por computador
(SALTZBERG; POLYSON, 1995) e outras
tecnologias, como na interação em
plataformas de educação à distância
(DORADOUMIS e MARQUÊS, 2002), assim
como na análise das práticas escolares que
envolvem o uso de artefatos físicos e
cognitivos, dentre eles as TICs .
Neste último caso, a adoção de tecnologias
em contextos de formação, sob a
perspectiva da Dcog, é vista como um
fenômeno distribuído nos sistemas de
representação internos e externos, de modo
que o uso de tecnologias depende tanto dos
conhecimentos pessoais e profissionais que
os agentes têm a seu respeito, quanto de
fatores ambientais e sociais como
orçamento, currículo, rotinas,
infraestrutura, demandas sociais, dentre
várias outras.
Halverson (2003), por exemplo, aplica a Dcog
na análise da implementação de políticas
educacionais por meio do estudo da
cognição dos atores locais (professores e
autoridades escolares) e de como ela
influencia em ações como elaboração,
implementação, avaliação e reformulação
dessas políticas. Para isso, ele adota o
conceito de Sistemas de Prática (OGAWA e
BOSSERT, 1995, apud HALVERSON, 2003. p.
2), que são, nas palavras de seus
proponentes: “Um sistema complexo de
estruturas, tarefas e tradições que criam e
facilitam a prática em organizações.
Sistemas de prática se referem às
delimitações estruturais por meio das quais
a liderança, o ensino e a aprendizagem
33
the
the complex networkofof
complex network structures,
structures, tasks
tasks and and
traditions that create and facilitate practice in organizations. Systems
traditions that create and facilitate practice in which leadership, teaching and learning “flow” in a given school
of practice refer to the structural constraints through
organizations.
context. Systems of practice refer to the
structural constraints through which leadership,
teaching and learning “flow” in a given school
context.
45
‘fluem’ em um dado contexto escolar. 3”
Halverson e Clifford (2006), por sua vez,
afirmam que esses sistema de prática podem
agir tanto como ferramentas poderosas de
mudança quanto como filtros conservadores
que afastam os atores escolares de novas
práticas.
Para os autores, uma análise dos papeis
atribuídos aos artefatos criados ou adotados
na escola pelos atores escolares permite,
também, uma análise das práticas moldadas
por eles. A partir disso, também é possível
assumir o sentido inverso de investigação,
de modo que uma análise das práticas
escolares pode levar à depreensão de como
os artefatos são percebidos por aqueles que
efetivamente são responsáveis por
mudanças na escola. Para isso, é
imprescindível considerar que tais artefatos
são gerados ou adotados de acordo com os
julgamentos que a comunidade de
adotantes faz de suas características e de
como eles satisfazem a suas necessidades
implícitas e explicitas.
No estudo que descrevemos neste livro, o
currículo escolar é visto como uma unidade
de registro das práticas de professores e
alunos que são conduzidas nos contextos
formais de ensino analisados, já que é nele
que se manifestam as propostas didáticas, os
objetivos, as visões de mundo e de ensino,
assim como os conteúdos e sua organização.
Acreditamos que a análise dessas práticas
nos permite ter acesso ao modo como os
professores e os alunos integram
representações internas e externas sobre as
tecnologias digitais, o ensino de línguas e o
processo formativo.
No próximo capítulo, discutiremos um pouco
mais sobre o papel do currículo na formação
de professores.
5. Currículo e formação de professores
De modo geral, o temo currículo traz consigo
conotações variadas, que podem ir desde a
concepção de que ele abrange todas as
experiências pelas quais alguém pode
passar em situações de aprendizagem,
quanto a descrição de filosofias e atividades
voltadas para a promoção de situações de
instrução, além do detalhamento da
estrutura e da organização de conteúdos a
serem cobertos pela ação de ensinar
(SACRISTÁN, 2013).
Embora ele também possa ser abordado
como um fenômeno que ocorre fora de
contextos escolares, presente nos mais
diversos recursos e oportunidades de
aprendizado que se manifestam por meio
das nossas experiências socioculturais
(SCHUBBERT,1981), é inevitável que sua
46
associação mais direta se dê com ambientes
formais de aprendizado. Nesse segundo
sentido, ele se relaciona às experiências
planejadas para suprir necessidades
específicas tanto dos sujeitos aprendizes,
quanto dos atores educacionais, sejam eles
os governos, as comunidades, as instituições
de ensino, os líderes escolares, ou os
professores. Dessa forma, o currículo se
manifesta, com frequência, por meio de um
documento formal que delimita os processos
e os princípios que subjazem as visões que
esses atores têm sobre a natureza do
conhecimento.
Taba (1962, apud VAN DER AKKER, 2004), ao
discutir a conceituação do termo, sugere que
um olhar a partir de sua natureza
etimológica possa ajudar a minimizar
dificuldades conceituais decorrentes da
pluralidade de sentidos que ele recebe na
literatura. Nas palavras da autora:
Quando há uma míriade de definições de um
conceito na literatura (tal como com
currículo), frequentemente é difícil manter
um foco claro sobre sua essência. Nesses
casos, pesquisar
Quando hásobre
uma amíriade
origem de
etmológica
definições
do conceito frequentemente
aprendizado. 4 ajuda. A palavra
latina “curriculum” se refere a um percurso
ou caminho a ser seguido. No contexto
educacional, onde o aprendizado á uma
atividade central, a interpretação mais óbvia
dessa palavra é, então, a de um caminho ou
plano para o aprendizado4 (TABA, 1962,
apud VAN DER AKKER, 2004. p.2).
Van der Akker (2004), por sua vez, sugere
uma perspectiva inversa ao defender que a
melhor forma de definir currículo é a partir
da análise da sua complexidade e da
multiplicidade de níveis por meio do qual ele
se manifesta. Para isso, ele sugere os
seguintes níveis:
a. um macro-nível, referente às esferas e
interesses nacionais voltados para
formação;
b. um meso-nível, referente às
necessidades e aos objetivos formativos
estabelecidos por escolas e instituições;
c. um micro-nível, que se relaciona ao
ambiente de sala de aula e aos materiais
instrucionais usados;
d. um nano-nível: que diz respeito aos
objetivos pessoais e individuais dos atores e
sujeitos envolvidos no processo formativo.
Ao discutir sobre as nuances do termo em
contextos de pesquisa sobre o ensino de
língua inglesa, Woods, Weir e Luke (2010)
estabelecem a diferença entre duas
entidades: Syllabus e Curriculum. Para os
autores, o conceito de Syllabus descreve um
delineamento conciso do que deve ser
ensinado e aprendido durante os anos
escolares. Ele está, por sua vez, subordinado
a um conceito mais amplo, o de Curriculum,
sendo a manifestação mais imediata deste
último, de acordo com um local e tempo
específico.
Assim, o conceito de Curriculum diz respeito
à soma total de recursos intelectuais,
científicos, cognitivos, linguísticos e
materiais, tanto oficiais quanto extraoficiais,
que são reunidos para atender às
necessidades de professores, alunos, da
comunidade e do ambiente como um todo,
promovendo o ensino e o aprendizado.
Distinções semelhantes podem ser
encontradas nos trabalhos de Nunan (1988)
e Richards (2001).
Apesar de também tratar os dois termos
como entidades separadas, Murphy (2018)
a por sua vez, sugere que nos Estados Unidos
há uma tendência para que eles sejam
interpretados como a mesma coisa.
No contexto Brasileiro, essa distinção está
presente no trabalho de Moreira (1990), que
adota conotações semelhantes às dos atores
supracitados ao tratar de currículo e de
programa de ensino. Apesar disso, é possível
perceber uma predominância no país da
adoção de currículo como um termo
abrangente para esses e outros fenômenos
relacionados, tal como pode ser observado
nos trabalhos de Kelly (1981), Lopes e
Macedo (2002), Lopes (2006), dentre outros.
Seguindo essa tendência, Silva (1999),
interpreta currículo de forma mais

44
Whenthere
When thereisisa amyriad
myriad of definitions
of definitions of a of a
concept 'track'(as
in the literature towith
be followed. In itthe
curriculum), context
is often of to keep
difficult
concept in the literature (as with curriculum), it education, where learning is the
a clear focus on its essence. In those cases it often helps to search for the etymological origin of the concept.central activity,
The
is often difficult to keep a clear focus on its the most obvious interpretation of the
Latin word 'curriculum' refers to a 'course' or 'track' to be followed. In the context of education, where learning is word
essence.
the centralInactivity,
those cases it often
the most helps
obvious to search of the word
interpretation curriculum
curriculumisisthen
thento
to view
view itit asasaacourse
courseoror 'plan
'plan for
for the etymological
learning' origin of the concept. The
(Tradução nossa). for learning'
Latin word 'curriculum' refers to a 'course' or

47
abrangente, como uma ferramenta que No contexto da educação básica brasileira,
medeia as relações entre conhecimento, as forças que o definem e modificam podem
poder e formação da identidade, já que traz ser representados no esquema abaixo:
consigo valores de ordem política, cultural,
FIGURA 11: Forças que definem o currículo
social e individual. Nessa visão, o currículo,
justamente por sua amplitude, não pode ser
compreendido com um fenômeno restrito às
instituições escolares, já que se origina fora
delas e é para fora delas que se direcionam
os resultados que ele produz.
Essa visão coaduna com a de Freire (1987)
para quem o currículo deve ser um artefato
crítico libertador, que abarca não só as
relações da vida da escola como também as
relações entre todos e todas que fazem
parte dela, permitindo-lhes enxergar a
ideologia para além de um conjunto de
ideias, ou seja, como práticas concretas que
podem tanto estabelecer amarras quanto
libertar.
Veiga (2002) por sua vez, adota uma
perspectiva sociocultural ao definir currículo
como:

construção social do conhecimento,

pressupondo a sistematização dos meios para
que esta construção se efetive; a transmissão
dos conhecimentos historicamente
produzidos e as formas de assimilá-los,
portanto, produção, transmissão e
assimilação são processos que compõem uma
metodologia de construção coletiva do
conhecimento escolar, ou seja, o currículo
propriamente dito. (VEIGA, 2002. p.7)

É essa visão ampla de currículo, proposta por

Freire (1987) e referendada por Silva (1999)
e Veiga (2002), dentre outros, que é adotada
nesse trabalho. Nela, percebe-se uma
relação de grande afinidade como
pressupostos da teoria sociocultural
vygotskyana e da Teoria da Cognição
Distribuída de Hutchings (1995), outros
marcos adotados neste livro. Assim, o
currículo é visto, aqui, como o reflexo de
fatores tanto sociais, quanto políticos,
econômicos, tecnológicos, ambientais e
individuais.

FONTE: o autor.

48
O diagrama da página anterior descreve o
currículo como o resultado das inúmeras
forças que compõem os ambientes
socioculturais nos quais ele se situa. Essas
forças, contudo, não agem de maneira
isolada, mas em uma intensa relação de
dependência e de múltiplas influências.
Apesar disso, observa-se que certos fatores
tendem a exercer maior poder sobre o
currículo do que outros, especialmente
aqueles de caráter executivo, localizados no
topo do esquema, e de responsabilidade de
autoridades governamentais. São elas que
de fato legitimam as políticas educacionais,
sendo também responsáveis por sua
aplicação e fiscalização.
Em segundo plano, temos as forças sociais e
econômicas, que direta e indiretamente
definem o que elas querem que seja
contemplado pelos currículos escolares.
Nesse nível, além de fatores já
tradicionalmente consolidados como a
indústria, o comércio e o mercado de
trabalho, pode-se observar o papel das
tecnologias e da mídia como elementos que
exercem poder semelhante. No ensino
voltado para a formação profissional, por
exemplo, é essencial que o currículo
contemple conhecimentos relacionados às
tecnologias disponíveis ou requeridas de
modo que ele possa atender as necessidades
dos aprendizes.
Da mesma forma, a mídia tem se
consolidado como um dos mais poderosos
instrumentos de controle, em todos os
aspectos da vida moderna (HALL, 1998;
FISCHER, 2002; FEILITZEN e CARLOSSON,
2002; BAUMAN, 2009; BELLONI, 2010;). Nas
discussões sobre o currículo e a formação de
professores, por exemplo, ela é amplamente
debatida por Paraiso (2002; 2006), para
quem a mídia constantemente divulga
discursos que ditam a professores como
devem agir e o que devem e como devem
ensinar. Nas palavras da autora:
49
A mídia educativa brasileira tem seu próprio
modelo curricular para a formação docente em
serviço. Trata-se de um modelo híbrido que
incorpora vários elementos enfatizados pelas
diferentes teorias críticas de currículo e pelas
propostas pedagógicas críticas. Afinal é um
modelo curricular que ensina as/os docentes a
explorarem a relação com seus alunos; que ensina
a importância de cada um/a buscar seu próprio
esclarecimento; que prescreve exercícios de
autorreflexão e de engajamento da/o docente na
comunidade em que atua. Nesse currículo, a/o
docente é convocada/o permanentemente à
ação, à participação, à transformação das
condições da realidade em que está inserida/o, à
preocupação com alunos carentes que precisam
de sua compreensão e cuidado. Mas esse
currículo, ao mesmo tempo em que valoriza a
relação dialógica com o aluno e a ação para a
transformação da realidade em que está
inserida/o – assim como nas teorias críticas de
currículo inspiradas em Freire (1970 e 1976) ou
em Giroux (1983 e 1986), por exemplo –, valoriza
também o ensino dos conhecimentos oficiais tais
como selecionados e sintetizados em
documentos oficiais como os PCN ou livros
didáticos avaliados pelo PNLD.
No currículo híbrido da mídia educativa,
encontra-se a enumeração de saberes
necessários e daquilo que se chama de
“ingredientes básicos” para a construção de uma
prática docente adequada ao “Brasil que todos
querem”. Esses “ingredientes básicos” são
divulgados em forma de sugestões apresentadas
ora por meio de relatos de experiências de
professoras/es que têm “uma receita de
sucesso”, ora por meio de sugestões minuciosas
dadas à/ao docente, pela própria mídia educativa
e por seus inúmeros especialistas, para o
planejamento das aulas e para a condução do
ensino. Em outros momentos, essas sugestões
são apresentadas por meio de opiniões de
especialistas que avaliam a educação brasileira,
indicam modos de ensinar e exercícios que as/os
docentes devem efetuar sobre si mesmas/os,
com o fim de praticar a docência adequadamente
e tornar-se um indivíduo feliz e realizado.
(PARAISO, 2006. p. 97-98)
Outros elementos que exercem influência
sobre o currículo também estão
representados no esquema da página 53
pelas forças especializadas, ou seja, pelas
instituições públicas e privadas que atuam
na formação de professores, de lideranças
escolares e de outros especialistas
educacionais.
Frequentemente representadas por
universidades, fundações, associações e
ONGs, dentre outras, essas forças também
podem atuar para proporcionar o
financiamento e a execução de projetos de
formação ou implementação de pesquisas e
outros projetos educacionais de menor
porte, quando comparados às forças
executivas. Elas têm um papel fundamental
na construção do currículo pois tendem a
trabalhar para a consolidação ou para o
questionamento dos parâmetros
estabelecidos pelas outras forças. Elas são
forças de alto poder crítico e de grande
influência ideológica, já que podem construir
visões positivas ou negativas sobre o
currículo à medida que forma profissionais
para atuarem diretamente no ensino.
Já as forças locais, por sua vez, são aquelas
que lidam com o currículo de modo mais
íntimo, ou seja, na prática. Apesar disso,
com frequência elas são as que têm menor
poder no estabelecimento ou modificação
da estrutura curricular, pois tendem a se
submeter ao que é estabelecido pelas outras
forças. Esse fenômeno ocorre, por sua vez,
devido a vários outros fatores que se
constituem a partir das especificidades de
cada comunidade escolar.
É nesse nível que se percebe mais
diretamente a importância de agentes locais
reflexivos, capazes de avaliar e propor
mudanças criativas a currículos concebidos
de modo rígido para abarcar uma realidade
ampla, seja ela nacional, estadual ou
municipal, que nem sempre se adapta às
necessidades locais.
Apple (1999) discute sobre a necessidade de
que os agentes locais encarem seu papel
como transformadores da realidade escolar
50
ao denunciar as relações entre ideologia,
cultura e currículo. Para o autor, a ideia de
conhecimento como algo neutro não passa
de uma falácia para mascarar o papel que a
escola exerce para o empoderamento de
certas classes sobre outras. O currículo,
segundo ele, não se forma em ambientes
estéreis, livres de influências políticas e
ideológicas, mas em contextos sociais
autênticos, que inevitavelmente refletem as
lutas e os interesses dos grupos que os
constituem. Esses interesses, por sua vez,
tendem a ser aqueles dos grupos
economicamente dominantes.
A partir desse ponto de vista, o autor sugere
que o currículo é, por natureza, um campo
de luta e de compromisso, no qual um dos o
papeis dos professores é o de atuar como
questionadores das políticas educacionais e
curriculares voltadas para a manutenção de
estereótipos e de privilégios. Para fazer isso,
esses professores necessitam ser
profissionais comprometidos com a reflexão
crítica.
Embora frequentemente esteja a cargo das
forças locais, no Brasil, essa dimensão crítica
também se manifesta nas propostas
elaboradas pelas forças executivas, seja por
meio de documentos como a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) ou, com frequência, os pareceres do
Conselho Nacional de Educação (CNE). Em
parte, essa perspectiva crítica que tem sido
adotada pelas forças executivas brasileiras
se deve à popularização das ideias de
letramento e de pedagogia enquanto um
mecanismo de libertação, em voga a partir
dos anos 80, quando uma série de mudanças
políticas e sociais começaram a se delinear
em diversos contextos no país.
Na próxima seção, discutiremos mais a
fundo sobre as visões de currículo e
educação veiculadas por esses documentos.
Também abordaremos o papel que eles
atribuem as tecnologias digitais na formação
de alunos e, notadamente, na formação de
professores.
6. Políticas educacionais brasileiras para
os cursos superiores de formação de
professores
Após a promulgação da constituição de
1988, o sistema educacional brasileiro, que
ainda se encontrava sob os moldes da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1971
(Lei 5692, publicada em 11 de agosto de
1971) dava claros sinais de desgaste,
especialmente diante das então novas
perspectivas políticas e sociais que pareciam
estar em rumo nos anos futuros. Com isso,
iniciaram-se debates acalorados no
Congresso Nacional que visavam uma
renovação educacional “profunda”. Em
1996 esses debates culminaram, de forma
igualmente polêmica, na publicação de uma
nova LDB, (Lei 9394/96, de 20 de dezembro
de 1996), refletindo os interesses e as visões
51
antagônicos dos inúmeros agentes
envolvidos naquele processo de mudança.
Considerando a literatura produzida sobre o
tema, podemos constatar que se por um
lado a LDB de 1996 é frequentemente
apontada como um caminho para ampliar os
direitos educacionais, a autonomia das
instituições públicas e os investimentos
financeiros na Educação Brasileira,
incluindo-se investimentos do Banco
Mundial, por outro ela também é tratada
como retrógrada, confusa, antidemocrática
e contra os interesses das parcelas menos
favorecidas socialmente. (RAMAL, 1997,
PEREIRA e TEIXEIRA, 1997, PINO, 1997;
SAVIANI, 1999; DEMO, 2002, MONLEVADE,
2008).
Em parte, as discussões que envolvem a
estrutura e a eficácia da LDB de 1996 para
mudar os rumos da educação brasileira se
relacionam com o seu conturbado processo
de criação. Carneiro e Cruz (1995), antes
mesmo da aprovação da Lei, já relatavam
com preocupação o fato de que as
discussões conduzidas entre 1988 e 1993,
por meio de audiências públicas e
negociações partidárias, haviam sido
descartadas pelo então presidente do
Senado Federal em detrimento de uma outra
proposta mais sintética elaborada e relatada
pelo então senador Darcy Ribeiro. Essa nova
versão acabou sendo aquela que finalmente
entrou em vigor um ano mais tarde, gerando
o desagrado de muitos.
Talvez por esse, dentre outros fatores, a LDB
de 1996 nunca foi uma unanimidade entre
aqueles envolvidos com a prática de
formação de professores e com a elaboração
de políticas educacionais, de modo que ela
tem sido constantemente alvo de
reformulações, seja por meio de Medidas
Provisórias, Decretos ou Leis. Ao discutir
sobre as frequentes reformulações no texto
da LDB, Cury (2016) nos diz que:
Essas dificuldades, associadas à inevitável
postulação de grupos interessados em alterar
aspectos específicos da lei recém–aprovada,
conduziram, nesses 20 anos, a 40 alterações
sob a forma de leis no corpo legal da lei então
sancionada. Foram 178 mudanças, inclusive
com alterações das alterações. Se tomarmos
o conjunto das modificações processadas
pelas 40 leis mais os 47 decretos
regulamentadores, teremos uma soma de
225 alterações.
Apesar disso, é inegável que a Lei
estabeleceu os parâmetros da educação
brasileira nas décadas seguintes. A partir
desse fato, neste capítulo discutiremos
brevemente sobre algumas das perspectivas
trazidas pela LDB em 1996 em relação à
formação de professores, a organização e o
52
currículo dos cursos de licenciatura
brasileiros. Para situar essa discussão no
contexto de uso das tecnologias digitais,
teceremos também comentários sobre
alguns pontos de pareceres do Conselho
Nacional de Educação (CNE) que abordam a
relação entre formação de professores e
TICs. Nesse sentido, reconhecemos que
coube ao CNE, nessas duas décadas, por
meio de pareceres e resoluções, o papel de
reduzir as ambiguidades e as contradições
do texto da LDB. Diante da multiplicidade de
aspectos de que tratam as regulamentações
para o ensino, manifestadas na LDB e nos
pareceres do CNE, priorizamos uma breve
discussão dos seguintes aspectos:
a. A autonomia das universidades para a
construção dos currículos;
b. A relação entre ensino e mercado de
trabalho;
c. A Interdisciplinaridade e o desenvol-
vimento de competências;
d. O papel das Tecnologias na formação de
professores.
A Autonomia das Universidades
para a Construção dos Currículos
Um dos pontos de destaque da LDB de 1996
que apresenta grande relevância para esse
estudo, já que influencia diretamente na
construção dos currículos das escolas da
Educação Básica e das universidades, são as
contradições sobre a relativa autonomia
dada às instituições de ensino para a
elaboração e execução de suas próprias
propostas pedagógicas. Conforme prega o
documento, elas devem ser feitas com a
colaboração dos docentes e respeitadas as
convenções vigentes para cada nível de
ensino, estabelecidas pelos municípios,
estados e pela União.
De maneira prática, isso significa dizer que as
instituições gozam de uma liberdade
relativa, especialmente com a elaboração de
uma Base Nacional Comum para a Educação
Básica (materializada pelos PCNs), que
estabelece princípios e abordagens que
devem ser adotados nacionalmente. No
Ensino Superior, o mesmo ocorre com as
DCNs.
Mesmo em contradição, para o Ensino
Superior, a LDB prega a flexibilização dos
currículos e assegura a autonomia das
universidades e de seus órgãos colegiados na
definição dos currículos de seus cursos.
Nesse caso, há uma grande mudança em
comparação com o que era estabelecido
pela LDB de 1961, que valorizava o trabalho
individual do docente de nível superior ao
determinar que o programa de cada
disciplina, sob forma de plano de ensino,
deveria ser organizado pelo respectivo
professor, e posteriormente aprovado pela
congregação do estabelecimento.
Já em 1996, sob uma filosofia mais voltada
para o construtivismo, a Lei consolida o
trabalho em equipe, em detrimento do
individual, e valoriza a criação de órgãos
deliberativos dentro da estrutura
universitária ao assegurar às universidades,
dentre outras coisas, o poder para criar,
organizar e extinguir cursos de educação
superior; fixar os currículos de seus cursos e
programas; estabelecer planos, programas e
projetos de pesquisa, produção artística e
extensão; e fixar o número de vagas de
acordo com a capacidade institucional e as
exigências do seu meio (Brasil, 1996. Art. 53).
Entretanto, algumas das contradições do
documento que mencionamos
anteriormente se tornam evidentes em seu
próprio texto, que subordina a autorização e
avaliação dos cursos à União (Especificado
pela Lei 10.870, de 2004). Essa condição vem
acompanhada, no texto da Lei, de menção às
sanções que as instituições podem sofrer em
caso da não adequação às normas da União,
dentre elas a desativação de cursos e
habilitações, a intervenção na instituição, a
suspensão temporária de prerrogativas da
autonomia, ou o descredenciamento.
Como mencionamos anteriormente, desde a
aprovação da LDB de 1996, tem cabido ao
53
CNE deliberar sobre as ambiguidades da Lei.
Ao tentar esclarecer o papel dos órgãos
colegiados na estrutura universitária, a
Resolução 01/2002 do CNE especifica, no
Art. 7º, que:
“III - as instituições constituirão direção e
colegiados próprios, que formulem seus
próprios projetos pedagógicos, articulem as
unidades acadêmicas envolvidas e, a partir do
projeto, tomem as decisões sobre
organização institucional e sobre as questões
administrativas no âmbito de suas
competências” (BRASIL, 2002a p. 4)
Apesar do aparente avanço em relação às
Leis anteriores, se a LDB de 1996 abre espaço
para que as universidades recebem mais
autonomia para a definição e execução de
seus currículos, por outro, essa autonomia é
direcionada pelas DCNs e pelos inúmeros
pareceres do CNE, que determinam uma
variedade de aspectos relativos aos
currículos dos cursos superiores, variando
desde os conteúdos, a carga horária, as
abordagens adotadas e até mesmo sobre a
organização do Projeto Pedagógico.
A função reguladora do CNE, já estabelecida
na própria LDB, torna-se ainda mais clara no
texto da Resolução CNE/CP No 1/2002, que
estabeleceu as DCNs daquele ano. No corpo
do texto podemos observar que:
Art. 15. Os cursos de formação de professores
para a educação básica que se encontrarem
em funcionamento deverão se adaptar a esta
Resolução, no prazo de dois anos.
§ 1º Nenhum novo curso será autorizado, a
partir da vigência destas normas, sem que o
seu projeto seja organizado nos termos das
mesmas.
§ 2º Os projetos em tramitação deverão ser
restituídos aos requerentes para a devida
adequação. (BRASIL, 2002a. p. 6)
Texto semelhante é encontrado nos artigos
22, 23 e 24 da nova versão das Diretrizes
Curriculares Nacionais, publicada em 2015.
Para oferecermos uma ideia da função
reguladora exercida pelo CNE nos currículos
de formação de professores, elencamos a
seguir alguns dos pareceres e resoluções que
TABELA 03: Pareceres e resoluções do Conselho Nacional de Educação sobre as licenciaturas.
Parecer/Resolução CNE
1 Parecer CNE/CP nº 9, de 8
de maio de 2001
2 Parecer CNE/CP nº 21, de 6
de agosto de 2001
3 Parecer CNE/CP nº 27, de 2
de outubro de 2001
4 Parecer CNE/CP nº 28, de 2
de outubro de 2001
5 Resolução CNE/CP n.º 1, de
18 de fevereiro de 2002
6 Resolução CNE/CP n.º 2, de
18 de fevereiro de 2002
7 Parecer CNE/CP n.º 4, de 6
de julho 2004
8 Parecer CNE/CES nº 197,
de 7 de julho de 2004
9 Parecer CNE/CES nº 228,
de 4 de agosto de 2004
10 Resolução CNE/CP n.º 2, de
27 de agosto de 2004
11 Parecer CNE/CES nº 15, de
2 de fevereiro de 2005
determinam como tais cursos devem ser
organizados:
Assunto
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso
de licenciatura, de graduação plena.
Duração e carga horária dos cursos de Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso
de licenciatura, de graduação plena.
Dá nova redação ao item 3.6, alínea c, do Parecer CNE/CP
9/2001, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de
graduação plena
Dá nova redação ao Parecer CNE/CP 21/2001, que
estabelece a duração e a carga horária dos cursos de
Formação de Professores da Educação Básica, em nível
superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
de Professores da Educação Básica, em nível superior,
curso de licenciatura, de graduação plena.
Institui a duração e a carga horária dos cursos de
licenciatura, de graduação plena, de formação de
professores da Educação Básica em nível superior.
Adiamento do prazo previsto no art. 15 da Resolução
CNE/CP 1/2002, que institui Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de
graduação plena.
Consulta, tendo em vista o art. 11 da Resolução CNE/CP
1/2002, referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação de Professores da Educação Básica em nível
superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
Consulta sobre reformulação curricular dos Cursos de
Graduação.
Adia o prazo previsto no art. 15 da Resolução CNE/CP
1/2002, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação de Professores da Educação Básica, em nível
superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
Solicitação de esclarecimento sobre as Resoluções CNE/CP
nº 1/2002, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação de Professores da Educação Básica, em
nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena,
e 2/2002, que institui a duração e a carga horária dos
54

12 Parecer CNE/CP n.º 4, de
13 de setembro de 2005
13 Resolução CNE/CP n.º 1, de
17 de novembro de 2005
14 Parecer CNE/CP n.º 5, de 4
de abril de 2006
15 Parecer CNE/CP nº 9, de 5
de dezembro de 2007
16 Parecer CNE/CEB nº
5/2010, aprovado em 10
de março de 2010
17 Resolução CNE/CP nº 1, de
18 de março de 2011
18 Parecer CNE/CP nº 2/2015,
aprovado em 9 de junho
de 2015
19 Resolução CNE/CP nº 2, de
1º de julho de 2015
20 Parecer CNE/CP nº
10/2017, aprovado em 10
de maio de 2017
21 Resolução CNE/CP nº 1, de
9 de agosto de 2017
Fonte: http://portal.mec.gov.br (adaptado pelo autor)
O grande número de pareceres e resoluções
do CNE nos últimos anos, vistos acima,
ilustra, além do poder do CNE sobre os
currículos universitários, as lacunas e as
ambiguidades do texto da LDB. Ele também
sugere que, na realidade, a autonomia das
universidades acaba por não se concretizar,
pois se na teoria elas são autorizadas a
cursos de licenciatura, de graduação plena, de Formação
de Professores da Educação Básica, em nível superior.
Aprecia a Indicação CNE/CP nº 3/2005, referente às
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de
professores fixadas pela Resolução CNE/CP nº 1/2002.
Altera a Resolução CNE/CP nº 1/2002, que institui
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso
de Licenciatura de graduação plena.
Aprecia Indicação CNE/CP nº 2/2002 sobre Diretrizes
Curriculares Nacionais para Cursos de Formação de
Professores para a Educação Básica.
Reorganização da carga horária mínima dos cursos de
Formação de Professores, em nível superior, para a
Educação Básica e Educação Profissional no nível da
Educação Básica.
Consulta sobre a aplicabilidade do artigo 62 da Lei nº
9.394/96 (LDB).
Estabelece diretrizes para a obtenção de uma nova
habilitação pelos portadores de Diploma de Licenciatura
em Letras.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e
Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação
Básica.
Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura,
cursos de formação pedagógica para graduados e cursos
de segunda licenciatura) e para a formação continuada.
Proposta de alteração do Art. 22, da Resolução CNE/CP nº
2, de 1º de julho de 2015, que trata das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível
superior (cursos de licenciatura, cursos de formação
pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para a formação continuada.
Altera o Art. 22 da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de 2015,
que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura,
cursos de formação pedagógica para graduados e cursos
de segunda licenciatura) e para a formação continuada.
definirem seus próprios “currículos”, na
prática essa autonomia só se consolida na
definição das disciplinas e dos conteúdos
contemplados por cada uma delas, já que as
filosofias de ensino, de aprendizagem e de
avaliação, dentre outras, são definidas pelo
CNE.
55
Com base nisso, no início da pesquisa que
ora relatamos, levantamos a hipótese de
que, provavelmente, diferenças pouco
significativas poderiam ser encontradas nas
análises dos textos dos currículos
universitários que analisamos, uma vez que
seria natural que ao elaborarem seus
currículos, os colegiados tendessem a adotar
variações “bem comportadas” dos textos
dos documentos do CNE, sob pena de não
aprovação dos cursos ou de sanções, tal
como definido nos documentos oficiais. Por
outro lado, também tínhamos a expectativa
de que uma grande variação fosse
encontrada nas configurações das disciplinas
de cada curso/universidade, já que essa
parte ainda não é regulada pelo CNE de
forma detalhada (as respostas para essas
expectativas são apresentadas na Seção 3
desta obra).
Apesar de ainda não exercer muito controle
sobre os conteúdos dos cursos de nível
superior, em sua versão mais recente, as
DCNs (por meio da Resolução CNE/CU No. 2,
de 1º de julho de 2015) enfatizam, na forma
de saberes interdisciplinares e transversais,
alguns dos conteúdos que devem constituir
as disciplinas dos cursos de formação de
professores, dentre eles conhecimentos
sobre a língua portuguesa (tanto oral quanto
escrita), sobe a Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS), sobre “questões socioambientais,
éticas, estéticas, relativas à diversidade
étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de
faixa geracional e sociocultural como
princípios de equidade” (BRASIL, 2015a. p.
5). Isso mostra uma tendência para a
legislação do CNE também sobre os
conteúdos a serem abordados em diferentes
disciplinas dos cursos universitários.
A Relação entre Ensino e
Mercado de Trabalho
Na LDB de 1996, um dos pontos centrais é a
relação estabelecida entre ensino formal e
mercado de trabalho, de modo que a
formação cidadã implica em tornar o
56
aprendiz capaz de exercer uma atividade
profissional. No documento, esse princípio
se estende à toda modalidade de ensino, e
não somente à Educação Profissional,
universalizando no país a relação educação-
trabalho. Já em seus primeiros artigos, o
texto da LDB deixa claro esse vínculo ao
afirmar que:
Art. 1º A educação abrange os processos
formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho,
nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais.
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que
se desenvolve, predominantemente, por
meio do ensino, em instituições próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se
ao mundo do trabalho e à prática social.
[...]
Art. 2º A educação, dever da família
e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
BRASIL, 1996a (Grifo nosso)
Essa relação implica, para a Educação Básica,
em um ensino fortemente voltado para as
práticas profissionais, especialmente
quando, no Art. 22, a Lei determina que “a
educação básica tem por finalidades
desenvolver o educando, assegurar-lhe a
formação comum indispensável para o
exercício da cidadania e fornecer-lhe meios
para progredir no trabalho e em estudos
posteriores”.
Se de um lado a diminuição dos limites entre
o mundo do trabalho e o mundo escolar
visavam provocar uma formação mais
direcionada a propósitos e necessidades
concretas, garantindo aos alunos a inserção
em mercados de trabalho após o fim da
etapa escolar, ela também acabou levando a
uma educação mais voltada a certas
especializações, perdendo o caráter
formativo mais geral que caracterizava a
reforma educacional de Francisco de
Campos, em 1931, e a Reforma Capanema,
de 1942. Embora essa tendência de
condicionar o ensino ao mercado de
trabalho tenha sido um processo iniciado
ainda na década de 70, com LDB de 1971,
Demo (1997) e Saviani (1999) apontam como
causas para o seu fortalecimento as políticas
e filosofias mercantilistas que entraram em
voga no país nos anos 90, centradas em uma
maior qualidade dos meios de produção,
inclusive no que tange aos ambientes
educacionais.
Nos currículos escolares, isso se refletiu na
adoção de conteúdos, de padrões de
qualidade e de instrumentos de avaliação
que valorizam o desempenho dos alunos em
testes seletivos e provões, tais como o
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o
Sistema de Avaliação da Educação Básica
(Saeb) e o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (Sinaes). Para Ramal
(1997), por meio da LDB de 1996, a avaliação
da Educação Básica saiu do Processo
Educativo em si para focar nos resultados.
Essa mudança também influenciou
diretamente na formação de professores no
Ensino Superior.
Ao discutirmos o impacto da LDB no ensino
superior, é preciso esclarecer que embora
hoje em dia a relação entre ensino e
formação para o mercado de trabalho
pareça bem mais natural, a qualificação para
o desenvolvimento de trabalhadores nos
ramos produtivos e de ofertas de serviços
nem sempre se ligou diretamente ao
contexto universitário. Schwartzman (2001),
por exemplo, ao comentar sobre o
pioneirismo da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo (USP), criada em 1934, deixa claro que
o objetivo da universidade, naquela época,
era o de dedicar-se à pesquisa, enquanto
que os trabalhos considerados práticos
ficavam a cargo das escolas
profissionalizantes. Já a formação de
professores, à época, estava à cargo dos
institutos de educação.
57
Assim, da mesma forma que na Educação
Básica, somente na LDB de 1971 o mundo do
trabalho é apresentado como uma instância
essencial da prática social exercida pelas
instituições educativas de nível superior.
Apesar disso, o documento de 1971 dá
pouca ênfase ao Ensino universitário, em
parte porque esse nível já havia sido
regulamentado três anos antes pela Lei No.
5.540, de 28 de novembro de 1968. No
Artigo 1º da Lei de 1968, a formação para o
trabalho, embora presente, ainda parece
estar desvinculada de algumas áreas, tal
como podemos observar e quando o texto
diz que:
O ensino superior tem por objetivo a
pesquisa, o desenvolvimento das ciências,
letras e artes e a formação de profissionais de
nível universitário (BRASIL, 1968).
Ao tratar a formação de profissionais como
uma entidade separada do desenvolvimento
de ciências, letras e artes, o texto deixa
espaço para interpretações de que essas
áreas não deveriam, necessariamente, se
dedicar a formação profissional.
Já na LDB dos anos 90, a relação ensino-
trabalho na educação superior está definida
no Art. 43. quando ela afirma que a
Educação Superior tem por finalidade,
dentre outras:
II - Formar diplomados nas diferentes áreas
de conhecimento, aptos para a inserção em
setores profissionais e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e
colaborar na sua formação contínua; (BRASIL,
1996a).
Essa postura da LDB tem levado a debates a
respeito do papel do ensino superior em face
de uma perspectiva de ensino como produto
de mercado (CHESNAIS, 1999; BUARQUE,
2003; MÉSZÁROS, 2008; LEHER, 2011). Entre
as discussões mais frequentes estão
reflexões sobre os limites dentro dos quais
se deve encarar o ensino superior como um
mecanismo de capacitação de mão de obra
sem que isso afete a formação crítica e
intelectual por meio da qual as universidades
se caracterizam e se diferenciam de outras
instituições de educação profissional.
No que tange à construção dos currículos
dos cursos de formação superior, a postura
da LDB sobre a relação entre ensino e
trabalho se reflete na necessidade de que
eles estabeleçam claramente o perfil
profissional dos egressos dos cursos
universitários, assim como a descrição dos
campos de trabalho que podem abrigar os
futuros profissionais. A LDB também motiva
o ensino superior a se aproximar da vida real
e dos interesses sociais e econômicos
daqueles que buscam formação que lhes
garanta melhores oportunidades
profissionais. Por outro lado, a Lei também
cria a necessidade de uma constante
reavaliação e reformulação curricular, já que
o mercado de trabalho tem vida própria fora
do ambiente universitário, muitas vezes
seguindo rumos completamente diferentes
daqueles que são definidos pelas instituições
de ensino.
No texto da Resolução CNE/CP 2/2015, isso
se torna bastante explícito. Ao assumir a
formação de professores como um processo
permanente, o CNE determina que os
currículos devem promover a “elaboração
de processos de formação do docente em
consonância com as mudanças educacionais
e sociais, acompanhando as transformações
gnosiológicas e epistemológicas do
conhecimento” (BRASIL, 2015a, p. 6). Nesse
sentido, o documento ainda reforça a
necessidade de que os projetos pedagógicos
especifiquem planos e atividades de
formação continuada para os seus egressos,
promovendo a atualização profissional
constante.
No que diz respeito aos cursos de
Licenciatura, a preocupação com o mercado
de trabalho se manifestou mais claramente
por meio da Lei No 12.014, de 06 de agosto
de 2009, que estabeleceu a associação entre
teoria e prática por meio de estágios
58
supervisionados, da capacitação em serviço
e do aproveitamento da formação e
experiências anteriores.
Embora o estágio já fosse mencionado na
LDB de 1971 como uma possibilidade na
formação superior, ele somente foi
regulamentado por meio da Lei 6.494, de 7
de dezembro de 1977. Ainda assim, as
preocupações giravam mais em torno da
impossibilidade de vínculos trabalhistas
entre empresa e estagiário do que o estágio
como uma atividade curricular.
Outras regulamentações relevantes
somente surgiram 20 anos depois, com a
obrigatoriedade da Prática de Ensino, com
300 horas, para a formação de professores
(estabelecida pelo Parecer CNE/CES n.º
744/97). 5 anos mais tarde, a Resolução
01/2002 do Conselho Nacional de Educação
esclarece a importância do estágio para a
construção dos currículos universitários, ao
trazer novos olhares sobre a questão e
afirmar que:
Os cursos de formação de professores em
nível superior terão a sua duração definida
pelo Conselho Pleno, em parecer e resolução
específica sobre sua carga horária.
§ 1º A prática, na matriz curricular, não
poderá ficar reduzida a um espaço isolado,
que a restrinja ao estágio, desarticulado do
restante do curso.
§ 2º A prática deverá estar presente desde o
início do curso e permear toda a formação do
professor.
§ 3º No interior das áreas ou das disciplinas
que constituírem os componentes
curriculares de formação, e não apenas nas
disciplinas pedagógicas, todas terão a sua
dimensão prática. (BRASIL, 2002a)
Posteriormente, por meio da Res. CNE/CP
2/2015, o CNE é ainda mais enfático ao
definir o estágio curricular supervisionado
como componente obrigatório da
organização curricular das licenciaturas,
sendo uma atividade específica
intrinsecamente articulada com a prática e
com as demais atividades de trabalho
acadêmico (Art. 13, § 6º).
Ainda em 2002, a Resolução CNE/CP 2/2002
ampliou para 400 horas a carga horária
obrigatória para o estágio, fato que foi
mantido pela resolução de 2015, que
acrescentou novas dimensões para a
formação profissional nos cursos de nível
superior ao estabelecer, dentre outras
coisas:
I - 400 (quatrocentas) horas de prática como
componente curricular, distribuídas ao longo
do processo formativo;
II - 400 (quatrocentas) horas dedicadas ao
estágio supervisionado, na área de formação
e atuação na educação básica, contemplando
também outras áreas específicas, se for o
caso, conforme o projeto de curso da
instituição;
III – Pelo menos 2.200 (duas mil e duzentas)
horas dedicadas às atividades formativas
estruturadas pelos núcleos definidos nos
incisos I e II do artigo 12 desta Resolução,
conforme o projeto de curso da instituição.
IV - 200 (duzentas) horas de atividades
teórico-práticas de aprofundamento em
áreas específicas de interesse dos estudantes,
conforme núcleo definido no inciso III do
artigo 12 desta Resolução, por meio da
iniciação científica, da iniciação à docência, da
extensão e da monitoria, entre outras,
consoante o projeto de curso da instituição.
BRASIL (2015a)
A resolução do CNE ainda reforça, no Art. 10,
a possibilidade de aproveitamento de
experiências em instituições de ensino
adquiridas antes do ingresso no curso.
Inicialmente, essa proposição havia sido
incorporada à LDB por meio da Lei 12.014, de
2009.
Apesar da evidência histórica dada ao
estágio por meio das políticas educacionais
que acabamos de apresentar, o papel do
mercado de trabalho como um dos
principais elementos delineadores dos
59
currículos universitários a partir da década
de 90 está evidente, também, pela inserção
de temas relevantes para a formação
profissional dentre os conteúdos e
abordagens de cada disciplina, seja por meio
da interdisciplinaridade, da prática como
componente curricular e do
desenvolvimento de competências.
Nos currículos dos cursos superiores, essa
preocupação com a formação para o
trabalho está expressa tanto na definição do
perfil do egresso, quanto na justificativa para
a criação ou reformulação dos cursos. Ao
analisarmos os projetos pedagógicos
selecionados, buscamos identificar se e de
que modo as tecnologias e o letramento
digital são abordados como instâncias na
preparação dos egressos dos cursos de
Letras para o mercado laboral.
Antes de apresentarmos os resultados das
análises na Seção 3, discutiremos
brevemente sobre temas como a
interdisciplinaridade e o desenvolvimento
de competências na legislação brasileira.
Esses debates embasarão as discussões
daquela Seção.
A Interdisciplinaridade nos
Currículos do Ensino Superior
Como discutido anteriormente, a relação
entre educação básica e ensino superior se
fortaleceu com a LDB de 1996, tanto no que
diz respeito à formação para o mundo do
trabalho, quanto na abordagem, nos
currículos universitários, de temas
relevantes para o Ensino Fundamental e
Médio, assim como no diálogo a ser mantido
entre as diferentes áreas do conhecimento.
Contribuíram, para isso, as visões de ensino
contidas nos PCNs, que enfatizam a
interdisciplinaridade a o desenvolvimento
de competências como eixos centrais da
educação de nível básico.
Essas perspectivas, como era de se esperar,
logo geraram ecos nas posturas teórico-
didático-filosóficas a serem adotadas no
Ensino Superior, notadamente na formação
de professores. Assim, em 2002, ao
estabelecer as Diretrizes Curriculares
Nacionais para os cursos de licenciaturas, o
CNE determina que os critérios de
organização da matriz curricular devem
considerar, dentre outras coisas, a
interdisciplinaridade e a organização de
saberes para o desenvolvimento de
competências. Nesse sentido, o Parecer
CNE/CP 9/2001, também afirma que:
A interdisciplinaridade e a transdiscipli-
naridade previstas na organização curricular
daquelas etapas da educação básica
requerem um redimensionamento do
enfoque disciplinar desenvolvido na
formação de professores. Não se trata,
obviamente, de negar a formação disciplinar,
mas de situar os saberes disciplinares no
conjunto do conhecimento escolar.
No ensino médio, em especial, é requerida a
compreensão do papel de cada saber
disciplinar particular, considerada sua
articulação com outros saberes previstos em
uma mesma área da organização curricular.
Os saberes disciplinares são recortes de uma
mesma área e, guardam, portanto,
correlações entre si.
Da mesma forma, as áreas, tomadas em
conjunto, devem também remeter-se umas
às outras, superando a fragmentação e
apontando a construção integral do currículo.
A superação da fragmentação, portanto,
requer que a formação do professor para
atuar no ensino médio contemple a
necessária compreensão do sentido do
aprendizado em cada área, além do domínio
dos conhecimentos e competências
específicos de cada saber disciplinar. (BRASIL,
2001a. p. 27)
Para Leis (2015), a interdisciplinaridade é
uma condição fundamental do ensino e da
pesquisa na sociedade contemporânea, em
parte porque, hoje, ela desempenha um
antagonismo à cristalização das ciências,
notadamente nas áreas humanas e sociais.
Nas universidades, ela tem sido associada à
inovação e é frequentemente vista como
uma forma de trazer novos ares aos
60
contextos universitários rígidos e
antiquados. Ainda para o autor, apesar de
popular nos programas de ensino de
graduação e de pós-graduação no Brasil,
definir exatamente o que ela é não é uma
tarefa fácil, em especial porque há várias
relações interdisciplinares possíveis, de
modo que uma definição uniforme não
existe.
Talvez por esse motivo, ao buscarem um
conceito para o termo, Cesco, Moreira e
Lima (2014) preferem defini-la pelo que ela
não é, deixando claro, dentre outros
aspectos, que interdisciplinaridade não é
uma simples soma de diversas áreas, nem a
mistura de seus conceitos e representações.
Esse debate sobre a falta de limites claros
para definir a interdisciplinaridade pode ser
percebido nos textos dos documentos do
CNE, em que também faltam definições mais
claras sobre o que o Conselho entende pelo
termo. Mesmo assim, é possível perceber
que para as Diretrizes Curriculares, a
interdisciplinaridade é um meio para se
chegar à flexibilização do currículo
universitário. Na lei de 2015 (assim como na
de 2002), a interdisciplinaridade está
presente em todo o texto, de modo que, ao
fornecer diretrizes para a construção dos
Projetos Pedagógicos dos cursos de
formação de professores (Art. 3, § 6º, da Res.
CNE/CP 02/2015), ela é o primeiro dos 6
itens elencados:
§ 6º O projeto de formação deve ser
elaborado e desenvolvido por meio da
articulação entre a instituição de educação
superior e o sistema de educação básica,
envolvendo a consolidação de fóruns
estaduais e distrital permanentes de apoio à
formação docente, em regime de
colaboração, e deve contemplar:
I - sólida formação teórica e interdisciplinar
dos profissionais;
(BRASIL, 2015a.Grifo nosso)
Para os colegiados dos cursos universitários,
isso tende a se refletir em uma grande
preocupação com o detalhamento, no corpo
dos projetos pedagógicos, de temas diversos
(incluindo-se os Temas Transversais trazidos
pelos PCNs), assim como de atividades
extracurriculares, tais como atividades
culturais, de pesquisa e de extensão,
agrupados sob o “guarda-chuva” da
interdisciplinaridade. Nesse caso, as
habilidades de letramento digital tendem a
ser inseridas nos currículos dos cursos no
eixo dos conhecimentos interdisciplinares.
Entretanto, dada à ambiguidade sobre o que
é entendido como “interdisciplinar”,
também é possível que haja uma grande
diferença na forma como cada curso vê as
demandas para uma educação voltada ao
uso de artefatos tecnológicos e ao
desenvolvimento de habilidades de
letramento digital. Isso afeta diretamente no
modo como diferentes currículos abordam o
tema.
Discutiremos sobre isso com maior
profundidade na Seção 3. Antes de
chegarmos a ela, contudo, julgamos
importante debater um pouco sobre o
conceito de competência, outro elemento
bastante presente nos PCNs e nas DCNs de
2002.
O Desenvolvimento de
Competências
Como já mencionamos brevemente,
acompanhando as mudanças na LDB, em
1996 foram estabelecidos os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental (PCNEF). Em 2000, também
foram estabelecidos os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCNEM). O objetivo dos documentos era
atender ao que estava estabelecido no Art.
26 da LDB, que previa uma Base Nacional
Comum para orientar a construção dos
currículos da Educação Básica. A partir de
perspectivas cognitivas e construtivistas,
essa Base Curricular Nacional teve como
princípio norteador a construção do
conhecimento por meio do desenvolvimento
no contexto escolar de conjuntos de
habilidades voltadas para a solução de
61
problemas da vida prática. Com isso,
recebeu destaque o conceito de
competência.
Dias (2010) define competência como uma
aptidão para resolver um assunto ou
problema. Inaugurado pela Teoria inatista
de Chomsky (CHOMSKY, 1965) para
descrever a aquisição da linguagem, o termo
inicialmente distinguia a
habilidade/capacidade para usar uma língua
(chamada por ele de “desempenho”) dos
conhecimentos sobre essa língua (os quais
ele chamou de “competência”).
Gradualmente, entretanto, o termo passou a
assumir outras conotações, notadamente na
psicologia e na pedagogia.
Enquanto na psicologia o conceito de
competência é frequentemente usado para
descrever os traços individuais ou
comportamentos construídos ao longo da
vida que permitem a alguém realizar uma
determinada tarefa (KASLOW, DUNN, e
SMITH, 2008), na pedagogia ele se relaciona
mais explicitamente com a aprendizagem ao
se referir ao conjunto de conhecimentos
construídos por meio da experiência e da
reflexão que permitem ao indivíduo resolver
problemas ou adequar-se a determinadas
situações que são objeto da proposta
pedagógica adotada na relação de
aprendizagem.
Nesse segundo sentido, uma competência
não é algo inato, mas aprendido. Da mesma
forma, é algo individual, já que tem base nas
experiências pelas quais cada pessoa passa
ao longo da vida, envolvendo processos
cognitivos como a avaliação, a verificação e
a testagem de hipóteses sobre como agir no
mundo.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, o
conceito de competência recebeu grande
relevância, percorrendo todo o texto,
embora com diferentes conotações. Nos
PCNEF, por exemplo, o foco no
desenvolvimento de competências,
incluindo-se aquelas relacionadas o uso de
tecnologias, é um dos objetivos da educação
formal e uma forma de lavar o aluno dos
anos iniciais do Ensino Regular a “aprender a
aprender”, como podemos observar a
seguir:
Não basta visar à capacitação dos estudantes
para futuras habilitações em termos das
especializações tradicionais, mas antes trata-
se de ter em vista a formação dos estudantes
em termos de sua capacitação para a
aquisição e o desenvolvimento de novas
competências, em função de novos saberes
que se produzem e demandam um novo tipo
de profissional, preparado para poder lidar
com novas tecnologias e linguagens, capaz de
responder a novos ritmos e processos. Essas
novas relações entre conhecimento e
trabalho exigem capacidade de iniciativa e
inovação e, mais do que nunca, “aprender a
aprender”. Isso coloca novas demandas para
a escola. A educação básica tem assim a
função de garantir condições para que o aluno
construa instrumentos que o capacitem para
um processo de educação permanente
(BRASIL, 1996b. p. 27)
Já nos PCNEM, as competências são citadas
como instrumentos por meio dos quais os
alunos podem se conectar com a
contemporaneidade, com o mercado de
trabalho e se desenvolver como cidadãos:
O Ensino Médio, portanto, é a etapa final de
uma educação de caráter geral, afinada com a
contemporaneidade, com a construção de
competências básicas, que situem o
educando como sujeito produtor de
conhecimento e participante do mundo do
trabalho, e com o desenvolvimento da
pessoa, como “sujeito em situação” –
cidadão. (BRASIL, 2000. p. 10.)
Com o amplo uso do conceito de
competência nos PCNs, logo, propostas
relacionadas ao termo também foram sendo
inseridas na redação da LBD por meio dos
adendos de novas leis (Lei 12.014 de 2009 e
Lei 13.415 de 2017).
Na Educação Superior, o papel que as
competências passaram a ter pode ser
percebido claramente pela redação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a
62
Formação de Professores, de 2002
(Resolução CNE/CP 1/2002). No Art. 3º do
documento, por exemplo, está estabelecida
“a competência como concepção nuclear na
orientação do curso”. De forma prática, isso
significava que a criação, a manutenção e a
avaliação dos cursos de formação de
professores passaram a ficar condicionadas
à definição das competências que eles se
propunham a desenvolver na formação de
seus alunos.
Para os Cursos de Letras, a necessidade de
uma definição clara das competências a
serem desenvolvidas por meio de seus
projetos pedagógicos se tornou ainda mais
explícita quando, no mesmo ano, a
Resolução CNE/CES 18/2002 definiu os itens
mínimos a serem detalhados no corpo dos
projetos pedagógicos, a saber:
a) o perfil dos formandos nas modalidades
bacharelado e licenciatura;
b) as competências gerais e habilidades
específicas a serem desenvolvidas durante o
período de formação;
c) os conteúdos caracterizadores básicos e os
conteúdos caracterizadores de formação
profissional, inclusive os conteúdos definidos
para a educação básica, no caso das
licenciaturas;
d) a estruturação do curso;
e) as formas de avaliação.
(BRASIL, 2002c)
Perrenoud (1999) remonta a associação de
competências às práticas escolares aos anos
90, inspirando a reescritura “mais ou menos
radical” de Programas Educacionais no
Quebéc, na França, na Bélgica e na Suíça.
Isso se deu a partir da popularização da ideia
de que ciclos de aprendizagem eram melhor
percebidos por meio da identificação de
objetivos-núcleos alcançados ao final de
cada um deles. Para o autor, a noção de
competências remete a situações nos quais
é preciso tomar decisões e resolver
problemas. Dessa forma, competências são
conhecimentos complexos direcionados à
prática. Ser competente é saber e poder agir
em determinada situação. Ainda para o
autor, competências são formadas por
saberes, ou habilidades.
De acordo com essa distinção, habilidades
são conhecimentos de diversas ordens que,
quando agrupados, podem formar
competências. Assim, saber decodificar o
código escrito em uma folha de papel e
atribuir significados às palavras que ele
forma seriam habilidades que podem, em
associação com várias outras habilidades,
levar ao desenvolvimento de competências,
como a leitura e a produção crítica de textos.
Nessa linha de pensamento, ter habilidades
para fazer algo não significa,
necessariamente, ser competente, ou seja,
agir de modo satisfatório para resolver uma
situação-problema. Essa visão de
competência se distancia, contudo, do
conceito de competência de Chomsky
(1965), que estava mais relacionado ao
“saber sobre” do que o “saber fazer”.
Já Almeida Filho (2004), ao discutir a
formação de professores de línguas,
FIGURA 12: Competência Comunicativa
Fonte: Almeida Filho, 2004.
63
pluraliza o termo competência, descrevendo
pelos menos 5 “macro-competências”: a
competência linguístico-comunicativa, a
competência implícita, a competência
teórica, a competência aplicada e a
competência profissional, que atuam de
modo integrado para permitir ao professor
atuar. Para o autor, é necessário que pelo
menos duas delas estejam integradas para
que o professor possa “envolver os
aprendentes numa teia de linguagem na
língua alvo” (Almeida Filho, 2004. p.8).
Ao descrever a competência linguístico-
comunicativa, por exemplo, o autor
descreve outras “micro-competências” que
a constituem, revelando que competências
são conjuntos complexos de saberes e
habilidades sistematizados por meio de
conhecimentos provenientes de diferentes
esferas com as quais e por meio das quais os
indivíduos interagem. A imagem a seguir
ilustra a proposição do autor para
competência comunicativa, composta por
outras micro-competências:
Apesar do grande destaque dado ao
desenvolvimento de competências na
formação de professores nas Diretrizes
Curriculares de 2002, em sua atualização,
publicada em 2015, o termo competência é
praticamente abandonado. Ao invés disso, o
documento prefere adotar a concepção de
habilidades a serem desenvolvidas.
Ceana (2011), ao analisar distintas políticas
nacionais voltadas para o desenvolvimento
de competências e estabelecimento de
padrões de ensino, identifica duas
tendências antagônicas. De um lado, estão
países que adotam definições genéricas de
conjuntos de competências como um
indicativo de desempenho, enfatizando
princípios e códigos de práticas a serem
adotados no ensino, tais como a Finlândia e
a França. Do outro lado, estão nações que
adotam uma abordagem mais técnica e
burocrática, visando a medição de
desempenho, a comparação e a regulação
de comportamentos individuais,
abandonando a noção de competência como
um elemento central. Segundo a autora,
esse é o caso de nações como tais como os
Estados Unidos, o Reino Unido e a Nova
Zelândia.
Com as Diretrizes Curriculares de 2015, as
filosofias educacionais brasileiras para a
formação de professores parecem se
distanciar do primeiro grupo e aproximar-se
do segundo. Assim, no novo documento do
CNE (Resolução CNE/CP 2/2015), é bastante
perceptível que o foco deixa de ser o
desenvolvimento de competências para
enfatizar o trabalho com habilidades e
saberes.
Curiosamente, apesar dessa mudança de
foco, no que diz respeito ao letramento
digital, a noção de competência ainda parece
estar implícita, especialmente quando o
mesmo documento estabelece que:
Art. 5º A formação de profissionais do
magistério deve assegurar a base comum
nacional, pautada pela concepção de
64
educação como processo emancipatório e
permanente, bem como pelo
reconhecimento da especificidade do
trabalho docente, que conduz à práxis como
expressão da articulação entre teoria e
prática e à exigência de que se leve em conta
a realidade dos ambientes das instituições
educativas da educação básica e da
profissão, para que se possa conduzir o(a)
egresso(a):
(...)
VI - ao uso competente das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) para o
aprimoramento da prática pedagógica e a
ampliação da formação cultural dos(das)
professores(as) e estudantes; (BRASIL,
2015a. Grifo nosso)
Isso nos leva a conjecturar que, apesar da
mudança de abordagem nas Diretrizes
Curriculares de 2015, desenvolver
competências para o uso de tecnologias
digitais continua sendo um dos objetivos do
processo de formação de professores da
Educação Básica. A seguir, discutiremos
sobre isso com mais detalhes.
O Papel das Tecnologias na
Formação de Professores
A formação de professores voltada ao
desenvolvimento de competências que
permitam a eles se inserirem em um
contexto contemporâneo de práticas digitais
tem sido um tema recorrente nas
publicações do CNE, antes mesmo da
publicação das Diretrizes Curriculares para
os Cursos de Licenciatura, em 2002.
No Parecer CNE/CP 9/2001, por exemplo,
que serviu de base para a redação das
Diretrizes, isso está explícito quando o CNE
aponta a futura reforma curricular dos
cursos de licenciatura como “um
instrumento para transformar em realidade
as propostas da Educação Básica”( BRASIL,
2001a. p. 8). Nesse processo, os saberes
envolvendo as tecnologias desempenham
um papel importante, como podemos
observar no trecho a seguir:
 Além disso, as transformações científicas e
tecnológicas, que ocorrem de forma
acelerada, exigem das pessoas novas
aprendizagens, não somente no período de
formação, mas ao longo da vida. Há também
a questão da necessidade de aprendizagens
ampliadas – além das novas formas de
aprendizagem. Nos últimos anos, tem-se
observado o uso cada vez mais disseminado
dos computadores e de outras tecnologias,
que trazem uma grande mudança em todos
os campos da atividade humana. A
comunicação oral e escrita convive cada dia
mais intensamente com a comunicação
eletrônica, fazendo com que se possa
compartilhar informações simultaneamente
com pessoas de diferentes locais. (BRASIL,
2001a. p. 8).
Assim, vemos que no início dos anos 2000, a
presença das tecnologias digitais em esferas
que estavam fora da escola já chamava a
atenção para a necessidade de que as
práticas que envolviam esses novos
conhecimentos fossem integradas na
formação escolar e, consequentemente, na
formação dos professores. Nesse sentido,
incluem-se as práticas relativas ao trabalho
com a linguagem, que, em uma visão mais
ampla, passavam a abranger também
aquelas relacionadas com a comunicação
eletrônica que começava a se popularizar.
É relevante notar que 4 anos antes o
Programa Nacional de Tecnologia
Educacional (ProInfo) havia se iniciado como
o objetivo de promover o uso das TICs em
escolas do Ensino Fundamental e Médio
(Portaria nº 522/MEC, de 9 de abril de 1997).
Dessa forma, fica claro que as tecnologias
digitais passam a ser encaradas como um
dos elementos por meio dos quais os
espaços educacionais podem se diversificar
e modernizar.
Essa ênfase à inserção tecnológica na escola
é motivada pelo reconhecimento do CNE de
que os cursos de licenciatura se restringiam
ao preparo para a regência de classe, não
tratando das demais dimensões da atuação
profissional (BRASIL, 2001b. p. 22). Dentre
65
as deficiências para a formação de
professores estavam os fenômenos
relacionados à pouca afinidade que eles
tinham com tecnologias digitais. Para esse
fator, foram dedicados alguns parágrafos no
documento, reproduzidos a seguir:
3.2.7 Ausência de conteúdos relativos às
tecnologias da informação e das
comunicações
Se o uso de novas tecnologias da informação
e da comunicação está sendo colocado como
um importante recurso para a educação
básica, evidentemente, o mesmo deve valer
para a formação de professores. No entanto,
ainda são raras as iniciativas no sentido de
garantir que o futuro professor aprenda a
usar, no exercício da docência, computador,
rádio, videocassete, gravador, calculadora,
internet e a lidar com programas e softwares
educativos. Mais raras, ainda, são as
possibilidades de desenvolver, no cotidiano
do curso, os conteúdos curriculares das
diferentes áreas e disciplinas, por meio das
diferentes tecnologias.
De um modo geral, os cursos de formação
eximem-se de discutir padrões éticos
decorrentes da disseminação da tecnologia e
reforçam atitudes de resistência, que muitas
vezes, disfarçam a insegurança que sentem os
formadores e seus alunos-professores em
formação, para imprimir sentido educativo ao
conteúdo das mídias, por meio da análise, da
crítica e da contextualização, que
transformam a informação veiculada,
massivamente, em conhecimento.
Com abordagens que vão na contramão do
desenvolvimento tecnológico da sociedade
contemporânea, os cursos raramente
preparam os professores para atuarem como
fonte e referência dos significados que seus
alunos precisam imprimir ao conteúdo da
mídia. Presos às formas tradicionais de
interação face a face, na sala de aula real, os
cursos de formação ainda não sabem como
preparar professores que vão exercer o
magistério nas próximas duas décadas,
quando a mediação da tecnologia vai ampliar
e diversificar as formas de interagir e
 compartilhar, em tempos e espaços nunca
antes imaginados.
Urge, pois, inserir as diversas tecnologias da
informação e das comunicações no
desenvolvimento dos cursos de formação de
professores, preparando-os para a finalidade
mais nobre da educação escolar: a gestão e a
definição de referências éticas, científicas e
estéticas para a troca e negociação de
sentido, que acontece especialmente na
interação e no trabalho escolar coletivo. Gerir
e referir o sentido será o mais importante e o
professor precisará aprender a fazê-lo em
ambientes reais e virtuais. (BRASIL, 2001a. p.
24-25)
Como vemos no trecho acima, a motivação
para a inserção de conteúdos relativos ao
uso de TICs nos cursos de licenciatura parte
tanto das necessidades do ensino regular
(reconhecida nos PCNs) quanto das
negligências do ensino superior sobre o
tema, que em 2001 formava professores
despreparados para atuarem diante das
necessidades emergentes que envolviam a
escola. Entretanto, a perspectiva que se
abre para o desenvolvimento dessas novas
competências não é limitada àquela
instrumental, voltada somente para a
aquisição de conhecimentos sobre como
manusear tecnologias. Ao invés disso,
vemos também uma preocupação com o a
promoção de eventos e práticas de
letramento digital nas licenciaturas,
enfatizando processos de análise, de crítica e
de contextualização como formas de se
transformar a informação vinculada
massivamente em conhecimento.
Com as Diretrizes Curriculares de 2015, a
necessidade da presença de componentes
curriculares que abordem o uso das TICs está
expressa nos Artigos 7º e 8º, que sugerem o
repertório mínimo de habilidades e aptidões
que os egressos dos cursos de magistério
devem ter. Dentre as habilidades está o
“desenvolvimento, execução, acompanha-
mento e avaliação de projetos educacionais,
incluindo o uso de tecnologias educacionais
e diferentes recursos e estratégias didático-
66
pedagógicas”. Já entre as aptidões a serem
desenvolvidas nas licenciaturas está a de
“relacionar a linguagem dos meios de
comunicação à educação, nos processos
didático-pedagógicos, demonstrando
domínio das tecnologias de informação e
comunicação para o desenvolvimento da
aprendizagem” (BRASIL, 2015a. p. 7-8). Da
mesma forma, no Art. 11 as Diretrizes
mencionam que os Projetos Pedagógicos dos
Cursos de Magistério devem apresentar
garantias que “assegurem aos estudantes o
domínio dos conteúdos específicos da área
de atuação, fundamentos e metodologias,
bem como das tecnologias”. (BRASIL, 2015a.
p. 9)
Apesar dessas garantias, não há, nos
documentos oficiais, maiores detalhes sobre
a forma como as habilidades, aptidões e
competências para lidar com TICs devem ser
inseridas nos projetos pedagógicos dos
cursos de formação de professores. Isso leva,
naturalmente, a uma grande diversidade de
perspectivas e abordagens que podem variar
de acordo com as visões dos colegiados de
cada curso sobre o papel e a relevância de
habilidades de Letramento Digital na
formação de seus alunos. Além disso,
reconhecemos que inúmeros outros fatores
também podem entrar em jogo na
construção dos currículos universitários. É
diante dessa possibilidade que este livro
buscou traçar um perfil dos currículos de
algumas universidades do país. Para isso, as
análises da próxima seção não se aterão à
construção de hipóteses sobre as possíveis
causas para as escolhas manifestadas nos
currículos em análise. Ao invés disso, o que
buscamos é construir fotografias de como
essas escolhas estão presentes nos
currículos. Esperamos, com isso, contribuir
para a reflexão sobre os modos como as
universidades brasileiras formam
professores diante das demandas de uma
época repleta de artefatos tecnológicos cada
vez mais inseridos no cotidiano de
professores e alunos.
Seção 3
O Letramento
Digital nos Cursos de Letras:
análise de currículos de
licenciaturas e de pós-graduações

67
7. Outros Esclarecimentos
Neste capítulo, apresentaremos as análises
dos projetos pedagógicos das licenciaturas
em Letras (Inglês ou Português e Inglês)
selecionados conforme descrito no capítulo
2. Nelas, intentamos identificar como os
colegiados (responsáveis pela elaboração
dos currículos dos cursos) veem o papel das
tecnologias e do letramento digital na
formação de professores. Adotamos por
fundamento teorias como a Teoria da
Percepção e Ação (GIBSON, 1986); a Teoria
da Cognição Distribuída (HUTCHINGS, 1995),
a Teoria da Difusão de Inovação (ROGERS,
1963), assim como pressupostos da Teoria
Sociocultural (VYGOTSKY, 1988) e dos
Estudos do Letramento e dos
Multiletramentos (STREET, 1995; SNYDER,
2008; ; GEE, 2010; PRENSKY, 2001; JENKINS,
2009; WARSCHAUER,2010). Também
partimos do pressuposto de que o currículo
68
dos cursos manifesta, mesmo que
indiretamente, a forma como os
responsáveis pela sua elaboração percebem
as affordances oferecidas pelas TICs para a
formação de professores mais críticos e
atuantes.
Adotamos como affordances as
possibilidades para a ação que as coisas e os
seres presentes em um determinado
ambiente nos oferecem. Por meio das
características que eles possuem, podemos
agir sobre eles mesmos, ou utilizá-los para
agir sobre os outros. Assim, artefatos digitais
carregam consigo características que nos
proporcionam meios e oportunidades para a
ação. Essa ação, contudo, está diretamente
condicionada à forma como percebemos as
possibilidades que eles trazem consigo.
Desse modo, entendemos que a exploração
de affordances depende diretamente da
percepção que temos delas. Com base nisso,
assumimos que são diversas as percepções
que podem estar manifestadas nos projetos
pedagógicos e nas grades curriculares dos
cursos analisados, quando eles tratam da
presença e do papel das TICs na formação
dos seus egressos.
Dada a essa postura, assim como ao cunho
descritivo desta pesquisa, esclarecemos que
as análises que se seguem não têm como
objetivo julgar as percepções e escolhas
curriculares adotadas por cada universidade
sobre o tema. Nosso intento é, antes, o de
traçar um perfil sobre a forma como
discussões e reflexões sobre as TICs e o
Letramento digital têm se inserido nos
currículos de cursos de Letras inglês
avaliados como tendo um alto rendimento.
Sem dúvidas, as escolhas de cada
universidade afetam na forma como os
professores egressos de seus cursos podem
lidar com as demandas tecnológicas que
preenchem os espaços profissionais,
pessoais e sociais em que estão inseridos (ou
nos quais se inserirão após o término do
curso). Deixamos, contudo, a reflexão mais
direcionada sobre os caminhos a serem
traçados por cada universidade/curso a
cargo dos agentes que neles atuam. Da
mesma forma, embora tenhamos usado os
resultados do Enade para os anos de 2014 e
de 2017 na seleção dos corpora, neste
estudo não intentamos avaliar nem o mérito
do exame, nem o desempenho de cada
curso.
Assim, apesar de nos eximirmos de tecer
julgamentos relativos ao mérito de uma ou
outra postura e das organizações
curriculares de cada curso analisado,
esperamos contribuir com elementos que
possibilitem um olhar crítico tanto por parte
das instituições em análise, quanto de outras
universidades interessadas em uma
avaliação contínua dos seus currículos,
notadamente no que diz respeito a aspectos
ligados ao letramento digital. Esse
letramento, como discutimos ao longo das
seções 1 e 2 deste livro, apresenta uma
69
demanda clara de inserção nos mais diversos
níveis de ensino. Mesmo assim,
reconhecemos, ao mesmo tempo, que a
forma como ela é atendida depende dos
contextos e valores construídos de modo
social e historicamente, assim como das
affordances que são percebidas como mais
relevantes às realidades e necessidades de
cada instituição.
Sendo este um trabalho construído em uma
base socioculturalista, adotamos a postura
de que os currículos são frutos da interação
de fatores variados de ordem cultural, social
e histórica. Esses valores se manifestam, por
exemplo, quando nos referimos a conceitos
como “eventos” e “práticas de letramento”
(STREET, 1986), “percepções” (GIBSON,
1986) e “modelos teórico-didático-
filosóficos”. Como definimos na primeira
seção deste livro, entendemos como
Eventos de Letramento os acontecimentos
que agem na construção dos valores aceitos
por determinados grupos sociais. No que diz
respeito ao foco desse estudo, eles são todo
e qualquer fenômeno de ordem social,
cultural, política e individual que levam os
indivíduos, ou grupos, a determinadas ações
mais situadas e voltadas para atender a
necessidades específicas. Essas ações, por
sua vez, são o que entendemos por Práticas
de Letramento.
Nas análises que serão descritas nessa seção,
fazem parte das práticas de letramento as
leis, resoluções e outras deliberações (em
escala nacional, regional ou local) que guiam
as posturas e ações de alunos, professores e
das comunidades acadêmicas em geral.
Além desses fatores, também são práticas de
letramento os momentos históricos e as
experiências vividas no âmbito de cada
curso, dentre eles as reformulações feitas
nos projetos pedagógicos e nas grades
curriculares anteriores, assim como as
motivações que cada colegiado tem para
adotar certos padrões em seus currículos. A
partir dessa visão, na análise dos corpora,
trataremos brevemente do histórico dos
cursos, das motivações e das justificativas
declaradas para a construção/reformulação
dos currículos, assim como do perfil dos
egressos e das competências que cada um
deles deseja promover durante a formação
dos seus discentes. Julgamos a análise
desses elementos importante para que
possamos compreender como determinadas
Práticas são manifestadas nas grades
curriculares.
Durante as análises dos projetos
pedagógicos, cunhamos o termo “modelos
teórico-didático-filosóficos” para nos
referirmos ao conjunto de elementos que se
relacionam aos eventos de letramento
manifestados textualmente nos projetos.
Assim, quando nos referirmos aos modelos
teórico-didático-filosóficos estaremos
tratando dos princípios, das posturas, das
leis, das filosofias, das teorias e das
percepções, dentre outros fatores, que
guiam os projetos pedagógicos em análise.
Esses modelos teórico-didático-filosóficos,
por sua vez, são acessados neste trabalho
por meio da materialidade textual dos
projetos pedagógicos.
Por meio da análise desses modelos,
também tentaremos identificar se os
projetos incorporam perspectivas de
formação letradas. A partir das reflexões
conduzidas por (STREET, 1995; SNYDER,
2008; GEE, 2010; PRENSKY, 2001; JENKINS,
2009; WARSCHAUER,2010), entendemos
que essas perspectivas de formação letradas
são aquelas voltadas para o estímulo de
professores crítico-reflexivos e atuantes
como agentes sociais, capazes de mudar
coletivamente a realidade em que se
encontram e influenciar na formação de
alunos igualmente crítico-reflexivos e
atuantes. Assim, mesmo que os projetos
pedagógicos e as grades curriculares não
manifestem explicitamente seguirem uma
perspectiva de formação letrada, com base
nas análises dos modelos teórico-didático-
filosóficos, tentamos identificá-las de modo
implícito.
Cabe mencionar que a coleta dos dados das
pós-graduações encontrou como grande
dificuldade a falta de informações
70
atualizadas e disponibilizados nas páginas de
cada programa, especialmente no que diz
respeito às ementas das disciplinas e os
trabalhos defendidos. Nesses casos, foi
necessário recorrermos a outras fontes
bibliográficas on-line, tais como os
repositórios institucionais e as bibliotecas
virtuais, por meio dos quais foi possível
complementar dados e verificar
inconsistências nas informações contidas
nos sites. Apesar da mobilização de outras
fontes de coleta, quando não foi possível
obter certos dados, tal fato será
mencionado nas análises a seguir.
Ainda no que diz respeito às escolhas
metodológicas do estudo, é preciso
mencionar que ele fora planejado levando-
se em consideração o Parecer CNE/CO
10/2017, que alterou o prazo para a
reformulação dos projetos pedagógicos dos
cursos de magistério (conforme a Resolução
CNE/CU 2/2015) para julho de 2018. Desse
modo, a coleta de dados foi realizada entre
fevereiro e julho do mesmo ano para que
pudéssemos ter acesso aos novos projetos
pedagógicos e, com isso, traçarmos um perfil
mais atual dos cursos. Entretanto, até o fim
daquele mês somente uma das instituições
analisadas havia disponibilizado um projeto
pedagógico em conformidade com as DCNs
de 2015.
Se por um lado o intento de analisar os
currículos atualizados de cada curso foi
alcançado apenas parcialmente, por outro,
foi possível observar o modo como os
fatores sociais e históricos afetam na
construção dos currículos. Estando a maioria
dos projetos analisados em vigência há mais
de uma década, é preciso considerar que as
percepções contidas neles refletem, ainda,
os modelos teórico-didático-filosóficos de
uma época em que as tecnologias digitais
ainda não estavam tão imbricadas no
cotidiano de professores e alunos, como
acontece atualmente.
Ao mesmo tempo, também é importante
considerar que para a grande maioria dos
cursos de licenciatura analisados os novos
currículos somente entram em vigor a partir
de 2019, colhendo frutos mais concretos
após os 4 anos de formação. Isso nos leva a
refletir sobre o fato de que os currículos
analisados neste trabalho, que ainda estão
por ser reformados, são os modelos que
ainda serão adotadas pelos próximos 4 anos.
Sabendo que mudanças educacionais não
acontecem da noite para o dia, já que são
furtos da construção gradual de eventos de
letramento diversos, consideramos a análise
do corpus relevante e atual, mesmo diante
71
da perspectiva de uma mudança no futuro.
Diante dessa perspectiva, ensejamos novos
estudos voltados para a análise das
realidades curriculares que se delinearão a
partir de 2019.
Feitas essas considerações preliminares,
passaremos às análises dos cursos de
licenciatura e de pós-graduação de cada
universidade, individualmente. Ao final das
análises, retomaremos os principais
aspectos identificados no último capítulo.
8. Universidade Federal do Paraná
(UFPR)
O curso de Letras da Universidade Federal do
Paraná (UFPR) teve início em 1938
(reconhecido pelo Decreto Lei nº 10.908, de
30 de novembro de 1942). Embora seja
frequentemente referido nos documentos
da IES (site e projeto pedagógico) como um
curso único, ele é, na verdade, composto por
54 “habilitações”, entre licenciaturas
simples, licenciaturas duplas, bacharelados
simples e duplos, em línguas diversas. As
licenciaturas oferecidas atualmente
envolvem a língua portuguesa e/ou uma
dentre 8 línguas: Português, Alemão,
Espanhol, Francês, Inglês, Italiano, Japonês e
Polonês. (UFPR, 2018a). Na língua inglesa,
são oferecidas habilitações em licenciatura
simples, licenciatura dupla (português e
inglês) e 5 bacharelados.
72
O Projeto Pedagógico do curso apresenta
uma proposta integrada para todas as 54
habilitações. Nessa análise, entretanto,
além dos textos introdutórios que
especificam os modelos teórico-didático-
filosóficos adotados no curso (aplicados
simultaneamente a todas as habilitações),
nos ateremos à análise da estrutura
curricular das licenciaturas que envolvem a
língua inglesa.
O projeto pedagógico que estava em
vigência durante a coleta de dados foi
reformulado em 2006, entrando em vigor a
partir de 2007, ou seja, há mais de uma
década. Nele, encontramos a descrição de
uma organização complexa, que objetiva
descrever todas as habilitações do curso. Ele
também traz algumas demandas e
posicionamentos em relação às DCNs,
notadamente aquelas relativas a uma maior
possibilidade de flexibilização do currículo.
Também são apresentadas algumas das
necessidades para a melhoria da estrutura
física do curso de Letras, dentre elas a
aparelhagem de salas com equipamentos
TICs.
Além disso, é importante mencionar que o
texto do Projeto Pedagógico descreve a
relevância dos alunos na reformulação do
currículo. Nesse sentido, são citadas as
reuniões e debates de avaliação da grade
curricular com o corpo discente, assim como
alguns dos problemas apresentados por eles
para a versão anterior da grade curricular
(em vigência de 2001 a 2006), além da forma
como o colegiado buscou saná-los na versão
que entrou em vigor em 2007. Desse modo,
a estrutura do Projeto Pedagógico é
apresentada como uma versão melhorada
da edição anterior.
Assim, uma parte das discussões presentes
no texto do documento ainda refletem
posturas que remontam ao início dos anos
2000, notadamente no que diz respeito à
presença das TICs na formação dos egressos
do curso. Antes de uma discussão mais
aprofundada a esse respeito, entretanto,
julgamos necessário apresentar o projeto pedagógico do curso de Letras da
delineamento da estrutura curricular das
habilitações de Letras Inglês (licenciatura
simples e dupla).
Na UFPR, a estrutura curricular das
licenciaturas se organiza em 2 eixos, um
núcleo comum, que visa oferecer um
repertório teórico-metodológico-prático
compartilhado por todas as habilitações,
integralizado nos primeiros anos do curso; e
um núcleo específico, que fornece
disciplinas diretamente ligadas à cada
habilitação do curso. O objetivo dessa
organização é permitir aos alunos eventuais
mudanças de habilitações ao longo das
licenciaturas, se assim desejarem.
73
A Carga horária total para a licenciatura em
Letras Inglês (habilitação simples) é de
2.915 horas. Delas, 405 horas são dedicadas
a estágios, 330 à Prática como Componente
Curricular e 200 horas de atividades
acadêmico-científico-culturais. Já no curso
de Letras Português e Inglês a carga horária
total é de 3.600 horas. Em média, os alunos
concluem as licenciaturas em um período
entre 4 e 4,5 anos. Após a conclusão da
primeira habilitação, há ainda a
possibilidade de que os alunos cursem uma
nova habilitação, passando em média mais 1
ano na graduação (UFPR, 2007).
As Licenciaturas em Letras Inglês também
contam com a oferta de algumas disciplinas
optativas a distância, com vistas a
proporcionar maior liberdade a alunos
envolvidos em atividades profissionais
durante a formação inicial. Elas, entretanto,
não excedem uma média de 10% das
disciplinas do curso. De modo geral, as
disciplinas optativas, pertencem a dois eixos:
a. Optativas Específicas, ofertadas pelos
departamentos de Letras; e Optativas Livres,
ofertadas por qualquer departamento do
Setor de Ciências Humanas e do Setor de
Educação.
Voltando às discussões sobre os modelos
teórico-didático-filosóficos manifestados no
UFPR, é possível perceber claramente que a
proposta formativa contida no documento
visa a formação de profissionais críticos,
capazes de mobilizarem conhecimentos que
permitam a eles agir socialmente. Isso
revela uma consonância com uma visão
letrada de formação de professores, apesar
do termo “letramento” não ser mencionado
no Projeto Pedagógico. Dentro dessa
perspectiva de formação crítica, a
flexibilização curricular, a pesquisa, a
extensão e o diálogo com a pós-graduação
são tratados como pontos essenciais.
Outro aspecto exaltado no projeto é a
importância de uma formação linguística
sólida, especialmente no que diz respeito à
integração de diversas línguas estrangeiras,
mesmo na formação de professores de
licenciatura simples (como o curso de Letras
Português). De acordo com o projeto, essa é
uma forma de evitar que os alunos deixem o
curso como profissionais monolíngues
(UFPR, 2007). Nesse caso, vemos a defesa do
multilinguismo como um dos mecanismos
para formar profissionais mais críticos e
atuantes. Isso nos leva, novamente, a
enxergar uma forte postura letrada contida
no texto do documento. Nela, o acesso às
mais variadas manifestações da linguagem
possibilita mudanças cognitivas e sociais na
vida daqueles que se apropriam delas.
Considerando a popularização do termo
“letramento” como um fenômeno
relativamente recente, e considerando,
ainda, que o texto do projeto traz várias
reminiscências do início dos anos 2000,
julgamos natural a omissão de referências
aos eventos e as práticas letradas, mesmo
que elas estejam implícitas nos objetivos do
curso.
Apesar dessa perspectiva letrada, muito
pouco é apresentado em relação a um
letramento mais voltado para o uso de
tecnologias da informação e comunicação.
Somente ao delinear o perfil do graduando
em letras, encontramos uma menção à
presença das TICs como elemento
importante no processo formativo. Essa
menção, por sua vez, não se refere
especificamente à formação de professores,
sendo direcionada a todo e qualquer
profissional egresso de uma das 54
habilitações, dentre elas os bacharelados,
como podemos ver a seguir:
Especificamente, o perfil do graduado em
Letras que almejamos formar é o seguinte:
(...)
- Atitude investigativa que favoreça processo
contínuo de construção do conhecimento na
área e ampla utilização de recursos
tecnológicos. (UFPR, 2007. p. 5-6)
Como vimos na Seção 2, a presença das TICs
na escola e na formação de professores é um
tema bastante recorrente nos documentos
oficiais que orientam a formulação dos
74
currículos de licenciatura, o que leva,
durante a preparação dos projetos
pedagógicos, à menção desse elemento
dentre alguns dos itens essenciais da
proposta formativa do curso. No caso dos
cursos da UFPR, analisados, as tecnologias
digitais estão mencionadas no elenco de
competências que formam o perfil do
egresso, mas quase nenhuma ênfase é dada
a esse aspecto em outras seções.
Além da referência no perfil dos egressos,
não há outros trechos que indiquem que as
TICs ou o letramento digital estão integrados
como instrumentos importantes para a
formação dos professores de língua inglesa.
Da mesma forma, ao analisarmos em
maiores detalhes a grade curricular das
habilitações, não encontramos referências
às tecnologias digitais (nem nos títulos das
disciplinas, nem nas ementas, nem nas
referências bibliográficas). Isso sugere que,
embora presente no perfil dos egressos, o
desenvolvimento de habilidades e
competências relacionadas ao letramento
digital não é uma prioridade no curso.
Sobre esse aspecto, é preciso esclarecer que
eventos e práticas de letramento são
fenômenos múltiplos, assim como é a
definição do próprio termo “letramento”.
Desse modo, as diversas concepções que o
termo assume exigem estratégias diferentes
de ação a serem aplicadas na formação
docente. Nesse sentido, o fato de que os
cursos de Letras da UFPR adotam certas
perspectivas letradas, tal como a formação
com base na avaliação crítica da realidade e
na ação proativa dos futuros professores,
não implica em dizer diretamente que o
letramento digital está também
contemplado nas propostas formativas do
curso.
Ao citar as disciplinas optativas livres, que
podem ser cursadas em outras unidades de
ensino da universidade, o projeto abre a
possibilidade para que disciplinas
relacionadas ao tema sejam cursadas pelos
alunos do curso fora do âmbito dos
Departamentos de Letras. Entretanto,
acreditamos ser pouco provável que nesses
outros ambientes elas abordem (quando
ofertadas) a formação de professores ou o
ensino de línguas estrangeiras, já que
pertencem a outros núcleos de formação e
áreas do conhecimento. Embora esse
também seja um componente importante
para promover a flexibilidade curricular e a
interdisciplinaridade, acreditamos que seria
necessário que os professores em formação
tivessem experiências com as TICs em
contextos específicos de ensino de línguas,
especialmente se considerarmos as
particularidades que envolvem os cursos de
licenciatura, tal como a necessidade de
práticas como componente curricular
integradas de modo mais direto às
atividades formativas.
Em parte, a ausência de itens voltados para
a formação de professores letrados
digitalmente no currículo pode ser
justificada pelas demandas por melhorias na
infraestrutura do curso, mencionadas no
projeto pedagógico. Ao descrever a
infraestrutura física, o projeto deixa clara a
insuficiência de artefatos tecnológicos
disponíveis para atender às demandas de
professores e alunos, como podemos ver a
seguir:
Atualmente o Setor dispõe de apenas 2
projetores multimídia e um laptop, que
precisam ser carregados e montados cada vez
que se pretende utilizá-los; além da evidente
falta de praticidade de tal sistema, que
desencoraja o uso do equipamento, a
escassez de projetores dificulta a sua
disponibilidade, exigindo reserva com grande
antecipação. Seria importante termos acesso
a mais salas previamente equipadas com
sistema de datashow, e evidentemente há
necessidade de mais projetores e laptops à
disposição dos professores. (UFPR, 2007. p.
20)
Embora seja preciso considerar que a
realidade retratada no trecho acima é a de
2007, e que, como marcado explicitamente
no projeto, a proposta em vigência se trata
de uma atualização da proposta feita em
75
2001, quando computadores e outras TICs
ainda não eram artefatos comuns para
muitas universidades e escolas, é possível
associar que a escassez de recursos possa ter
levado à percepção pelo colegiado
(responsável pela elaboração do projeto
pedagógico) de que as discussões sobre
tecnologias não eram, naquele momento,
um item essencial na formação dos
professores egressos da instituição.
Utilizando o conceito de affordance,
(GIBSON, 1986) podemos inferir que a falta
de elementos no projeto que indiquem uma
formação mais voltada para as demandas
tecnológicas de professores de línguas
estrangeiras é decorrente da não percepção
das possibilidades de ação oferecidas por
esses artefatos. Isso, por sua vez, é
decorrente tanto dos contextos em que o
projeto pedagógico foi produzido
originalmente, quanto das carências físicas
do curso naquela mesma época.
Acreditamos que a partir de 2019, com a
mudança proposta pelas DCNs de 2015, uma
nova estrutura curricular possa contemplar a
maior presença de componentes voltados
para a formação de professores letrados
digitalmente, especialmente ao
considerarmos que nos últimos anos as TICs
se tornaram artefatos frequentes na vida de
uma parcela significativa da população. Esse
fato pode ter um forte poder para influenciar
na forma como os colegiados dos cursos de
licenciatura concebem os itens a serem
reformulados a partir da proposta da
Resolução CNE/CP 2/2015., resultando em
um maior destaque para o desenvolvimento
de competências de letramento digital entre
os alunos.
Programa de Pós-graduação em
Letras - UFPR
O Programa de Pós-graduação em Letras da
UFPR teve início em 1975, com duas áreas de
concentração, em nível de mestrado: a.
Língua Inglesa; b. Literatura de Língua
Inglesa. Atualmente, contudo, a UFPR
oferece os cursos de mestrado e de
doutorado, com áreas de concentração em
Estudos Linguísticos e em Estudos Literários.
Em mais de 40 anos de existência, foram
diversas as mudanças no perfil do programa,
de modo que ele assumiu a configuração
atual a partir do final dos anos 90. Em 2000,
o programa se expandiu, com a criação do
curso de doutorado em Estudos Linguísticos.
Dois anos depois, em 2002, iniciou-se
também o doutorado para a área de
concentração em Estudos Literários.
Atualmente, o programa é avaliado com
conceito 5 pela CAPES. (UFPR, 2018b)
Dentre os objetivos gerais do programa,
expressos em seus regimento (UFPR, 2012) e
na página do programa na internet (UFPR,
2018b) está a formação de professores,
prioritariamente para o nível superior. São 7
as linhas de pesquisa do programa, 4 na área
de concentração em Estudos Linguísticos e 3
em Estudos Literários. Como discutido no
capítulo 2, nessa análise trataremos apenas
da área de concentração em Estudos
Linguísticos. Abaixo, apresentamos uma
breve descrição de cada linha de pesquisa
dessa área de concentração:

Área de concentração: Estudos Linguísticos

Linha 1: Estudos gramaticais: descrição, análise, teoria, meta-teoria e historiografia

Reflexão crítica sobre movimentos da história e da filosofia da linguística. Estudos sobre fenômenos
gramaticais das línguas naturais, nos níveis fonético-fonológico, morfológico, sintático e semântico,
tanto do ponto de vista da modelagem formal, como do ponto de vista da realidade psicológica
(processamento e aquisição).

Linha 2: Linguagem e práticas sociais

Estudos teóricos e empíricos sobre os usos da linguagem na interação social e nas situações de
bilinguismo e de contatos entre línguas ou entre variedades da mesma língua. Estudos que buscam o
entendimento do uso real da linguagem a partir de várias perspectivas e teorias do texto, do discurso,
da pragmática e da variação e mudança e de sua interface com outras áreas da linguística e das
ciências humanas.

Linha 3: Linguagens, culturas e identidades: ensino e aprendizagem

Estudos voltados a processos de formação/educação inicial e continuada de professores de línguas e
literaturas; formação de professores formadores; questões de aquisição, aprendizagem e ensino de
LE.

Linha 4: Alemão como língua estrangeira

Estudos de aspectos relacionados à presença e à difusão do idioma, da cultura e da literatura dos
países de língua alemã no Brasil, relacionados ao ensino e aprendizagem, tradução, interculturalidade,
mediação e reflexão linguística e literária sob abordagens contrastivas. (UFPR, 2018b)

Como podemos observar, duas linhas (3 e 4)
mantém uma relação explícita coma a
formação de professores. Apesar disso,
nenhuma delas cita tópicos relacionados às
TICs. Contudo, na análise das grades
curriculares da área de concentração em
estudos linguísticos, identificamos duas
disciplinas relacionadas ao uso de
tecnologias e aos letramentos digitais, cada
uma com 90 horas/aula. São elas:
a. Interfaces da linguística - Carga horária:
90 horas
Ementa: Relações da linguística com outras
áreas do conhecimento: computação,
psicologia, estudos clínicos, música, etc.
b. Letramentos e ensino/aprendizagem de
línguas - Carga horária: 90 horas
Ementa: Teorias de letramento e
multiletramentos; o ensino de escrita,
leitura, oralidade e compreensão.
Enquanto na primeira disciplina essa relação
está expressa na ementa, na segunda ela só
pode ser identificada claramente após a
análise das referências bibliográficas

76
elencadas no projeto pedagógico. A ementa
dessa disciplina explicita que ela trata de
“Teorias de letramento e multiletramentos”,
mas somente ao analisarmos as referências
pudemos ter certeza de que o Letramento
digital é abordado entre eles.
O mesmo procedimento de análise serviu
para resolvermos algumas das dúvidas sobre
outras disciplinas que mencionavam o termo
“letramento” em suas ementas. Como em
geral elas não apresentavam referências
bibliográficas sobre o Letramentos digital ou
sobre o uso de tecnologias no ensino, elas
foram desconsideradas do corpus.
As estruturas curriculares das áreas de
concentração do programa ainda contam
com uma série de disciplinas de ementas
abertas, tais como seminários e tópicos
sobre temas diversos. Seus conteúdos,
entretanto, somente são definidos a cada
semestre, de modo que não estão elencados
dentre as descrições dos componentes
curriculares, disponibilizadas na página do
programa. Assim, do mesmo modo que nas
licenciaturas, é possível que dentre elas
estejam outras disciplinas que abordem
temas relacionados ao letramento digital e a
formação de professores. Entretanto, dada
a falta de informação sobre elas, não foi
possível verificar essa hipótese.
Para tentar preencher essa lacuna, além de
analisarmos a grade curricular da área de
concentração, também buscamos
identificar, dentre os trabalhos defendidos e
disponibilizados na página do programa,
aqueles que tratam de TICs. Para isso, foram
analisados os títulos e os resumos de cada
trabalho defendido entre 1995 e 2018. Ao
todo foram encontrados 7 trabalhos, entre
dissertações e teses, sendo 4 deles sobre
ensino e/ou aprendizagem de línguas. Deles,
por sua vez, apenas 1 (um) tratava de
contextos de ensino de língua inglesa. Não
foram encontrados trabalhos ligados
diretamente à formação de professores e
TICs ou ao letramento digital.
77
Ainda, apesar de boa parte dos trabalhos
defendidos estar disponibilizada na página
do programa, há um número significativo de
teses e dissertações ausentes, algumas com
as expressões “arquivo não depositado” ou
“autor não autorizou a publicação”. Assim, é
possível que os dados coletados não reflitam
a realidade do programa. Mesmo com a
falta de números exatos, consideramos que
eles sugerem indícios valiosos sobre como a
reflexão e a pesquisa sobre o letramento
digital tem se inserido no curso de pós-
graduação em Letras da UFPR. A seguir
estão nomeados os 7 trabalhos relacionados
ao uso de TICs, encontrados nos corpora
disponibilizado pelo programa:
TABELA 04: Teses e dissertações sobre TICs defendidas
no Programa de Pós-graduação em Letras da UFPR de
1995 a 2018.
ANO AUTOR – TÍTULO DO TRABALHO
1 2017 CAYER-BARRIOZ, C. X. A variação da
linguagem dos jovens franceses em
uma sequência de francês língua
estrangeira online
2 2016 BATISTA, D. A. Discursivo em
quadrinhos publicados na internet:
humor, religião e sexualidade
3 2015 GOULART, M. E. Análise da
discursivização das manifestações
populares ocorridas no brasil em
2013 e sua repercussão no ambiente
digital
4 2012 PEREIRA, P. M. A utilização de
desenhos animados em aula de
espanhol como língua estrangeira
para falantes de língua portuguesa
5 2008 BOBERG, A. R. Globo Repórter: uma
investigação sobre o estilo textual da
reportagem televisiva
6 2005 CRISTO, C. G. T. Progressão
referencial em redações on-line
7 2004 FLEITH, L. H. R. Avaliação do software
english discoveries para ensino de
inglês como língua estrangeira
Fonte: O autor. (Dados obtidos nos endereços abaixo)
http://www.prppg.ufpr.br/pgletras/index.php/teses/
http://www.prppg.ufpr.br/pgletras/index.php/dissert
acoes/
http://www.prppg.ufpr.br/pgletras/index.php/defesa
s-anteriores/
Como podemos observar, se o projeto
pedagógico das licenciaturas em Letras da
UFPR não enfatiza a formação docente
voltada para o uso crítico e ativo de
tecnologias digitais, o Programa de Pós-
graduação em Letras, na área de
concentração de Estudos Linguísticos,
parece começar um caminho relativamente
diferente, com algumas disciplinas sobre o
tema inseridas nos currículos (embora ainda
de cunho genérico), além de algumas teses e
dissertações defendidas. Apesar disso, ainda
é pequeno o número de trabalhos que
envolvem a formação de professores de
línguas e tecnologias. Menor ainda são
aqueles que tratam da formação de
professores de língua inglesa.
Desse modo, vemos a investigação sobre a o
letramento digital e a formação de
professores na UFPR ainda como uma área
em busca de consolidação na Pós-
graduação. Acreditamos, entretanto, que
com o maior incentivo à pesquisa na área,
ecos também podem ser gerados nos cursos
de licenciatura, especialmente se
considerarmos que duas das linhas do
programa de pós-graduação visam a
reflexão sobre as relações entre linguagem
e práticas sociais (linha 2) e a formação de
professores (linha 3).
Consideramos que os resultados das
investigações conduzidas na pós-graduação
tendem a influenciar os professores que
atuam nos cursos de graduação, tanto pela
criação de um ambiente propício para a
percepção das affordances oferecidas pelos
artefatos tecnológicos no ensino de línguas
(Gibson, 1986), quanto pela motivação para
o surgimento de Inovadores ou de
Adotadores Iniciais (Rogers, 1963). Como
discutimos em alguns dos capítulos
anteriores, perceber afforadances significa
perceber as possibilidades que os objetos
nos oferecem para que possamos agir sobre
o ambiente ao nosso redor, sobre os outros
e sobre nós mesmos. Essa percepção é,
portanto, um dos requisitos para a
realização de ações e pode ser estimulada
em ambientes educacionais, como os
contextos universitários. Para isso,
entretanto, é necessário que as discussões
sobre o letramento digital e as possibilidades
educacionais oferecidas pelas TICs façam
78
parte dos componentes curriculares
adotados na formação dos professores.
Ainda, Inovadores e Adotadores iniciais são
aqueles indivíduos que experimentam o uso
de tecnologias inovadoras, descobrindo
novas possibilidades e, no caminho,
influenciando outros membros dos grupos
sociais dos quais fazem parte. Esse papel
pode ser exercido tanto pelos professores
dos cursos de pós-graduação e de graduação
quanto pelos próprios professores em
formação. Novamente, nesse caso, é
necessária a criação de um ambiente
propício para a experimentação e a avaliação
de artefatos tecnológicos nos cursos de
licenciatura e de pós-graduação.
O maior incentivo à pesquisa sobre as TICs e
o Letramento digital na pós-graduação pode,
ainda, motivar os alunos egressos dos cursos
de graduação a conduzirem investigações
sobre o tema quando ingressam no
mestrado ou no doutorado, em um ciclo de
percepção, reflexão e ação, tal como
discutimos no capítulo 2 (pág. 30). Nele, o
contato com as TICs em sala de aula , ou fora
dela, é reforçado pelas oportunidades de
reflexão nos cursos de licenciatura e de pós-
graduação, levando os professores em
formação a reorganizarem suas
representações sobre esses artefatos e suas
aplicabilidades em sua atividade
profissional.
Tendo em vista que a reformulação mais
recente do projeto pedagógica das
licenciaturas ocorreu em 2007, época em
que a pós-graduação havia produzido
apenas 2 trabalhos na área, é de se esperar
a ausência de reflexões mais consistentes
sobre as TICs na formação de professores de
inglês. Contudo, é possível que com a futura
reforma do projeto pedagógico esse quadro
sofra alterações, já que em mais de uma
década a presença das TICs na vida pessoal e
profissional dos alunos e dos professores do
Curso de Letras provavelmente também
mudou bastante, o que pode ter despertado
novos interesses e percepções.
9. Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar)
O curso de Letras da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar) iniciou suas atividades
em 1996 (Resolução No 244/95 – C. U), já
com a organização que mantém até hoje, ou
seja, oferecendo duas habilitações: uma em
Letras Português e Inglês e a outra em Letras
Português e Espanhol. A duração mínima do
curso é de 10 semestres, com uma oferta de
40 vagas anualmente, sendo 20 para cada
habilitação. Embora em 2008 o projeto
pedagógico que inaugurou o curso tenha
sido reformulado, o novo documento deixa
claro que o colegiado optou pela
manutenção de grande parte dos elementos
da versão anterior, dentre eles o perfil
profissional estabelecido para os egressos,
79
assim como a estrutura básica do currículo.
Essa nova versão é a que se mantém em
vigência atualmente (dados de julho de
2018). Por outro lado, dentre as principais
mudanças em relação à versão de 1996
estão àquelas estabelecidas pela Resolução
CNE/CP 02/2002, que tratava da ampliação
da carga horária dos cursos de licenciatura
(UFSCar, 2008).
Na estrutura curricular atual, as duas
habilitações compartilham disciplinas de
formação geral, (que tratam da língua e das
literaturas de língua portuguesa, dos estudos
clássicos, de didática e de psicologia), mas
diferem entre si no que diz respeito às
disciplinas relacionadas às línguas
estrangeiras. Visando a flexibilização da
matriz curricular, o Curso de Letras da
UFSCar organiza suas disciplinas em 10 perfis
distintos, “como forma de garantir que o
aluno reflita sobre os conteúdos específicos
de sua área em consonância com a sua
formação como licenciado.” (UFSCar, 2008.
p. 16). Esses perfis são grupos de disciplinas
(tanto obrigatórias quanto optativas) aos
quais os alunos se filiam durante sua
formação, de acordo com suas áreas de
interesse. Eles dão ao aluno a possibilidade
de “customizar” o seu currículo.

Outra forma de flexibilizar a grade curricular

adotada pelo curso é a oferta de disciplinas
obrigatórias nos 3 primeiros anos e as
disciplinas optativas nos dois anos seguintes,
quando os alunos, já mais familiarizados com
o curso, podem escolher as disciplinas que
mais lhes despertam interesse.

A carga horária da habilitação de Letras

Português e Inglês está organizada em um
total de 3.200 horas, sendo 525 delas
equivalentes à Prática como Componente
Curricular, 420 horas ao Estágio
Supervisionado e 200 horas de Atividades
Científico-acadêmico-Culturais.

A seguir, apresentamos as disciplinas do

curso de Letras Português e Inglês da UFSCar
adotadas para cada perfil:

Tabela 05: Matriz curricular Licenciatura em Letras –

Português/Inglês, UFSCar, campus São Carlos

Fonte: http://www.prograd.ufscar.br/cursos/cursos-
oferecidos-1/letras/letras

80
Em uma análise do modelo teórico-didático-
filosófico do curso, é possível perceber um
ênfase na formação de profissionais críticos
e atuantes socialmente que, implicitamente,
coaduna com os princípios de uma formação
voltadas para os Letramentos, ou seja, de
formação de sujeitos capazes de mobilizar
competências que lhe permitam observar,
analisar, avaliar, planejar e agir sobre
situações problemas relacionadas ao seu
cotidiano e ao de seus alunos. Essa postura
pode ser observada nos trechos a seguir:
Por formar educadores que trabalham com a
linguagem, o curso deve refletir as
especificidades desse trabalho, no sentido
em que não pode simplesmente levar o aluno
a ser proficiente em línguas estrangeiras ou
dominar com perfeição a norma culta de
língua materna, mas sim levá-lo a aprender a
refletir sobre os fatos linguísticos e literários,
descrevendo-os, analisando-os
interpretando-os, na sua intrínseca relação
com a sociedade e a história, não de forma
impressionista, mas fundamentada em
teorias criticamente assimiladas. Também a
formação pedagógica do estudante de Letras
deve ocorrer de forma não abstrata, mas
contextualizada, de modo a abranger a
diversidade das realidades linguística e
educacional para que, mediante uma
compreensão dos fatos, o ensino se
apresente como uma resposta.
(...)
Podemos por último acrescentar, referindo-
nos às áreas de conhecimento, que o
profissional formado pelo Curso de Letras da
UFSCar, além de tudo, deverá ter profunda
compreensão da realidade socioeconômica
brasileira e consciência de que é ela, em
última instância, quem vai determinar as
pressões e limites impostos aos processos de
ensino-aprendizagem no sistema formal de
ensino, no interior do qual ele provavelmente
vai atuar. Só assim ele poderá superar essas
mesmas pressões e limites, exercendo uma
influência efetivamente formadora, de modo
crítico e autônomo. (UFSCAR, 2008. p.5)
Outra perspectiva bastante forte no Projeto
Pedagógico é a formação de professores
competentes para atuarem na produção de
materiais didáticos. Este é um aspecto
frequente tanto nas discussões sobre o perfil
do curso e dos egressos quanto nas ementas
de várias das disciplinas, sejam elas
obrigatórias quanto optativas.
A mesma ênfase, entretanto, não é dada à
uma formação que também abranja
competências ligadas ao Letramento digital.
No perfil dos alunos, por exemplo, a
tecnologia é mencionada apenas
brevemente, como podemos observar no
próximo trecho:
O perfil do profissional de Letras que aqui se
apresenta, e cuja formação o nosso Curso
busca alcançar, obedece aos pressupostos
acima esboçados, de uma maneira orgânica e
integrada, levando também em consideração
o Perfil Geral do Profissional a ser formado na
UFSCar, elaborado por coordenadores e
representantes das comissões de
reformulação curricular dos Cursos de
Graduação, em 2000. Entre outros, são
e princípios definidores desse perfil: aprender
de forma autônoma e continuada, produzir e
divulgar novos conhecimentos, tecnologias e
serviços, empreender formas diversificadas
de atuação profissional, desenvolver sua
atuação de modo
inter/multi/transdisciplinar, pautar-se na
ética e na solidariedade, buscar sensibilidade
e equilíbrio, etc. (UFSCAR, 2008. p. 6. Grifo
nosso).
Embora presentes em outras partes do
projeto pedagógico, a menção às TICs
frequentemente revela que elas são
percebidas predominantemente como uma
ferramenta para permitir a entrega de
atividades e a resolução de exercícios online,
ao invés de estarem inseridas como objeto
de reflexão do professor em formação. Isso
pode ser observado nas ementas de
algumas das poucas disciplinas que citam as
TICs:
DISCIPLINA: 063738 – ENSINO-
APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA:
TEORIA E PRÁTICA COM PROJETOS
Objetivos Gerais: Proporcionar aos alunos o
desenvolvimento de competência para: a)
compreender como as teorias de
aprendizagem influenciam o processo de
ensinar/aprender uma língua estrangeira;
81
 b) elaborar projetos interdisciplinares que
envolvam os temas transversais; c)
compreender a importância do ensino
contextualizado com base em abordagens
contemporâneas; d) elaborar tarefas para as
diferentes habilidades de acordo com temas
propostos, e) apresentar projeto de ensino,
oralmente e por escrito, utilizando a língua
inglesa; f) desenvolver e aplicar instrumento
de avaliação, e g) utilizar a mídia digital como
recurso educacional.
Ementa: Estudo e análise de teorias de
aprendizagem (de natureza linguística,
psicológica e/ou educacional) com base no
processo de ensino/aprendizagem de língua
estrangeira em abordagens contemporâneas.
Elaboração de projetos interdisciplinares
envolvendo Temas Transversais. Elaboração
de Plano de Ensino baseado em tarefas.
Elaboração e aplicação de critérios para
avaliação (autoavaliação, avaliação de pares,
avaliação de alunos). Tópicos de estudos da
língua, desenvolvidos a partir da produção
dos alunos. Utilização de ambiente virtual de
aprendizagem para interação escrita (fórum
de discussão, mensagens eletrônicas e
trabalhos em formato digital).
(UFSCAR, 2008. p. 53. Grifo nosso)
DISCIPLINA: 062405 – PRONÚNCIA DA
LÍNGUA INGLESA 1
Objetivos Gerais: Ao final do semestre o
aluno deverá ser capaz de: 1. saber como
utilizar o alfabeto fonético como instrumento
de autonomia sobre pronúncia; 2.
reconhecer e analisar criticamente sua
produção oral; 3. criar uma rotina de
treinamento consciente para melhoria da
pronúncia.
Ementa: Fonética e fonologia do inglês,
Leitura de pronúncia com dicionários,
variação linguística, prática em laboratório,
pesquisa e prática em sites de pronúncia na
Internet.
(UFSCAR, 2008. p. 64. Grifo nosso)
Como podemos observar, nos trechos acima
é predominante a visão de tecnologias como
artefatos físicos voltada para a mediação de
ações bastante situadas na vida acadêmica
dos alunos, tais como a entrega de
atividades e a pesquisa de certos temas.
Consideramos esta como uma visão mais
voltada para o uso instrumental desses
82
artefatos, já que não busca, ao menos
diretamente, provocar reflexões sobre seu
papel, ou mesmo sobre como eles devem ser
usados pelo professor de línguas.
Apesar de ser essa a visão predominante nas
disciplinas que acabamos de mencionar, há
também outras percepções sobre as TICs
presentes no projeto pedagógico,
notadamente no tocante à algumas
disciplinas optativas. Isso pode ser
observado na ementa da disciplina a seguir:
DISCIPLINA: 161217 – TECNOLOGIA E
SOCIEDADE
Objetivos Gerais: 1.O objetivo central da
disciplina é oferecer instrumentos teóricos e
analíticos que permitam a compreensão do
processo de transformação econômica e
social a partir da inovação tecnológica a
disciplina tem como objetivo, também
discutir a partir de estudos de casos, o
comportamento e a dinâmica de empresas,
setores produtivos e economias nacionais,
visando exemplificar e avaliar os aspectos
teóricos desenvolvidos no curso.
Ementa: 1. Desenvolvimento tecnológico e
desenvolvimento social 2. Tecnologia e
organização do trabalho.3. O
desenvolvimento da alta tecnologia
(robotização e microeletrônica) e seu
impacto sobre a composição da força de
trabalho.4. Novas tecnologias de
comunicação e informação e seu impacto
sobre a cultura. (UFSCAR, 2008. p.66)
De modo diferente das disciplinas
anteriores, no trecho acima podemos
observar uma visão de tecnologia mais
voltada para a reflexão crítica acerca do
papel social desempenhado por ela na
sociedade contemporânea. Nesse caso,
identificamos a percepção de tecnologia
como uma ferramenta cognitiva, capaz de
levar a outros níveis de reflexão, que por sua
vez conduz a ações que não se limitam ao
uso instrumental de artefatos digitais.
Apesar disso, ao analisarmos os contextos
nos quais a disciplina acima se encaixa,
dentro da grade curricular do curso,
podemos observar que ela não se direciona
especificamente para a formação de
professores. Esse é um viés interdisciplinar
que está de acordo com a proposta do curso
de oferecer uma formação diversificada aos
alunos, já que a disciplina enfatiza a
compreensão das transformações
econômicas e sociais por meio da inovação
tecnológica. Se por um lado ele insere no
currículo a reflexão sobre a presença das
TICs no mundo contemporâneo, por outro
ele deixa de contemplar a aquisição de
conhecimentos que podem ajudar, de modo
mais direto, os alunos da licenciatura a se
tornarem professores melhores. Além disso,
é possível percebermos que ela não se trata
de uma disciplina de acesso a todos, já que
dentro da organização curricular do curso ela
é oferecida somente a certos perfis (nesse
caso o Perfil 2).
Já em outra disciplina optativa (para os
alunos que do Perfil 7) as TICs são abordadas
como um produto prático, decorrente das
reflexões teóricas sobre a produção de
materiais didáticos que é enfatizada ao
longo do curso. Nesse caso, temos a
percepção de tecnologias digitais como
ferramentas de trabalho, com discussões a
respeito de como usá-las profissionalmente.
Apesar disso, a percepção de que
tecnologias como meios para a entrega de
atividades também está presente.
Podemos observar isso na síntese da
disciplina, a seguir:
DISCIPLINA: 063746 - AVALIAÇÃO E
PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO EM
LÍNGUA INGLESA
Objetivos Gerais: Ao final do curso o aluno
deverá ser capaz de: a) reconhecer a teoria
subjacente às ideias veiculadas em materiais
didáticos, b) elaborar instrumentos de análise
de necessidades (needs and wants), c)
selecionar atividades que possam ser
alteradas e adequadas às necessidades do
público-alvo d) apresentar oralmente e por
escrito sugestões elaboradas durante o curso
utilizando a língua-alvo e) elaborar material
didático utilizando jogos, vídeo, música e/ou
diferentes mídias como material de apoio
pedagógico, f) avaliar a produção dos colegas
e sua própria produção de acordo com
critérios estabelecidos pelo grupo, g) criar
atividades para as diferentes habilidades
83
orais e escritas.
Ementa: Estudo e análise de livros didáticos,
análise de necessidades e consequente
adequação das atividades, reconhecimento
de abordagens nos livros didáticos, seleção
de material didático, confecção de materiais
didáticos nas diferentes habilidades por
intermédio de jogos, atividades com vídeo e
música, e recursos de mídia tópicos de língua
a partir da produção dos alunos. Utilização de
recursos tecnológicos para interação escrita
com os alunos, trabalhos em formato digital.
Avaliação oral e escrita dos trabalhos
apresentados. (UFSCAR, 2008. p. 66)
Como podemos observar, embora
mencionadas em 4 disciplinas do currículo, a
presença das TICs não se mostra como um
componente que está integrado para a
formação de professores letrados digitais, ou
seja, aptos a usarem desses artefatos para
refletir sobre sua atuação profissional,
aperfeiçoando-a, e, ao mesmo tempo,
levando seus alunos a utilizarem-nas de
modo crítico e autônomo. Um outro indício
disso é o fato de que, quando atreladas a
uma reflexão mais voltada à prática, elas
estão presentes apenas como componentes
curriculares para certos perfis.
Para Rogers (1963), a adoção em maior ou
menor grau de artefatos tecnológicos está
condicionada à forma como eles são
percebidas dentro de certos grupos sociais.
Na perspectiva defendida pelo autor, essa
adoção não ocorre de repente, mas em
estágios, começando por grupos
inicialmente bem restritos e aos poucos se
propagando para os grupos mais robustos.
Se considerarmos que o projeto pedagógico
do curso de Letras da UFSCar, embora
reformulado em 2008, fora proposto
inicialmente em 1996, e que, como afirma o
próprio projeto, as alterações de 2008 se
direcionam mais para o atendimento às
mudanças propostas pela Resolução CNE/CP
2/2002, de modo que muitos dos elementos
do projeto original foram conservados, é
natural verificarmos que as TICs não se
integram à proposta formativa do projeto
pedagógico, já que, naquela época, elas
também não faziam parte integral da vida
das pessoas.
Considerando isso, a mudança do projeto
pedagógico do curso em 2019 (para atender
a Resolução CNE /CP 2/2015) pode trazer
novas perspectivas para o desenvolvimento
de competências ligadas ao letramento
digital, especialmente porque ele entrará em
vigor mais de duas décadas após a proposta
inicial do curso de Letras da UFSCar, em um
ambiente em que as TICs são artefatos já
adotados em diversas outras esferas sociais
e privadas. Esperamos que essas demandas
atuais sejam contempladas nas versões
vindouras do currículo da licenciatura. A
seguir, trataremos do currículo da pós-
graduação.
Programa de Pós-graduação em
Linguística - UFSCar
A UFSCar conta atualmente com dois
programas de pós-graduação ligados à área
de Letras, o Programa de Pós-Graduação em
Linguística e o Programa de Pós-Graduação
em Estudos de Literatura. O primeiro foi
criado em 2004, enquanto que o segundo
em 2011. Atualmente os dois programas
oferecem cursos de mestrado e doutorado.
Entretanto, o curso de doutorado em
Estudos de Literatura ainda é bastante
jovem, tendo iniciado suas atividades em
2018. Tal como delimitado no capítulo 2,
consideraremos para análise somente os
dados relativos ao Programa de Pós-
graduação em Linguística (tanto mestrado,
quanto doutorado).
O programa de pós-graduação em linguística
da UFSCar conta com 3 linhas de pesquisa: 1.
Descrição, análise e processamento
automático de línguas naturais; 2. Ensino e
Aprendizagem de Línguas; 3. Linguagem e
Discurso. Delas, somente a segunda
estabelece, em sua descrição, uma relação
direta com a formação de professores de
língua, tal como podemos observar a seguir:
Ensino e Aprendizagem de Línguas: O
objetivo desta linha de pesquisa é a
investigação
84
investigação de aspectos e variáveis dos
processos de ensino/aprendizagem de
línguas, a partir de uma visão ampla das
questões de linguagem que possibilite a
realização dos estudos sob perspectivas
transdisciplinares. (UFSCAR, 2018)
Embora no título das linhas não haja menção
à formação e pesquisa relacionadas ao uso
de tecnologias digitais, na página do
programa consta a informação de que a linha
de pesquisa 1 (Descrição, análise e
processamento automático de línguas
naturais) anteriormente chamava-se
“Linguagem Humana e Tecnologia” (até
2013). Entretanto, pela descrição da linha
de pesquisa, é possível perceber que desde
aquela época o seu objeto de estudo estava
mais voltado para o uso de ferramentas
tecnológicas para a análise de dados
linguísticos, e não para a formação de
professores de línguas por e para o uso de
tecnologias. Isso pode ser observado no
trecho a seguir, retirado da página do
programa.
A linha de pesquisa intitulada Linguagem
Humana e Tecnologia pretende criar um
espaço institucional para a pesquisa
linguística assistida por computador,
garantindo e legitimando a
interdisciplinaridade tão necessária. um dado
relevante que merece destaque é a
integração de docentes de distintos
departamentos (Letras e Computação) e
universidades (UFSCar e USP) para
constituírem essa linha de pesquisa.
(UFSCAR, 2018)
Essa visão acerca da presença de tecnologias
atribuir a elas um papel bastante valioso
para a obtenção e a análise de dados
linguísticos, permitindo a compreensão de
fenômenos de linguagem por meio da
interseção de áreas como a computação.
Embora ela permitisse, por meio da análise,
levar a uma reflexão profunda de
professores em formação acerca de diversos
aspectos da linguagem, o uso de tais
conhecimentos em sala de aula acabava
sendo uma consequência indireta, já que a
formação de professores e o ensino não
estava entre os objetivos da linha de
pesquisa. Atualmente, é possível perceber
conotações semelhantes na descrição da
linha de pesquisa vigente, tal como podemos
verificar a seguir:
A linha de pesquisa "Descrição, análise e
processamento automático de línguas
naturais" tem como objetivo a exploração do
conhecimento linguístico como base
fundamental para a descrição e análise de
línguas naturais, em seus diferentes níveis
(fonológico, morfológico, sintático,
semântico e pragmático-discursivo), bem
como para a construção recursos linguístico-
computacionais com vistas ao seu
processamento automatizado. (UFSCAR,
2018)
Por meio da análise do elenco de disciplinas
do curso, é possível perceber, que a
interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade formam as bases de
apoio da estrutura curricular do programa.
Ao todo, estão elencadas na sua página na
internet 108 disciplinas (incluindo
seminários e tópicos diversos) que abordam
as relações entre linguagem e áreas como
Filosofia, Etnicidade, Sociologia, Psicologia,
Lógica, Currículo, Computação, Formação de
professores, Letramento, dentre várias
outras. Essa diversidade curricular recebe o
suporte de um número elevado de
professores atuantes no programa
(especialmente em comparação com a
maioria das universidades brasileiras): 32
atualmente. Em uma análise das ofertas de
disciplinas dos 3 últimos anos, entretanto,
podemos constatar que em média são
oferecidas 10 disciplinas a cada semestre, de
modo conjunto para o mestrado e o
doutorado.
Porque a linha 1 tem a tecnologia como um
dos instrumentos de investigação da área, é
bastante frequente no currículo a presença
de disciplinas que envolvam TICs, em geral
tratadas como um conjunto de métodos e
técnicas voltados à análise de dados
linguísticos. Nesse caso, o conhecimento
sobre tecnologias digitais tem como
principal objetivo instrumentalizar
pesquisadores para lidar com dados
linguísticos por meios computacionais. Na
85
grade curricular, 15 disciplinas preenchem
esse perfil, tal como pode ser observado na
lista a seguir:
LIN051 - A Face Linguística do Processamento
Automático das Línguas Naturais
LIN007 - Argumentação e Enunciação
LIN027 - Construção de Recursos Linguísticos
para Processamento de Língua Natural (PLN)
LIN050 - Discurso e Poder
LIN 071 - Discurso, Voz e Subjetividade
LIN029 - Introdução À Lógica Para PLN
(Processamento de Linguagem Natural)
LIN005 - Linguística de Corpus
LIN062 - Métodos de Construção de Léxicos
Sintaticossemânticos Para o Processamento
de Línguas
LIN044 - Seminários Avançados em
Linguagem Humana e Tecnologia
LIN013 - Sumarização Automática
LIN010 - Terminologia e Ferramentas
Computacionais
LIN025 - Tópicos em Linguagem Humana e
Tecnologia: Análise Textual Baseada na
Teoria de Estruturação Retórica (Rst) e
Aplicações
LIN025-1 - Tópicos em Linguagem Humana e
Tecnologia: o Modelo das Classes de Objeto
LIN025-4 - Tópicos em Linguagem Humana e
Tecnologia: Os Verbos Suporte
LIN025-2 - Tópicos em Linguagem Humana e
Tecnologia: ” Ambiente Colaborativo Web de
Gestão Terminológica: E-Termos”
IN025-3 - Tópicos em Linguagem Humana e
Tecnologia: Gramática da Linguagem e
Informação: Uma Gramática Baseada em
Restrições
É preciso considerar, entretanto, que esta
também é uma habilidade relacionada ao
letramento digital, já que permite aos
discentes/pesquisadores do programa habilidades letradas em atividades didáticas
refletir sobre a língua por meio do uso e e em atividades acadêmicas. Apesar do
integração de artefatos TICs. Entretanto, número bem menor em comparação com as
como já discutimos brevemente, disciplinas da primeira linha, ao analisarmos
consideramos que as relações que essa as ofertas de disciplinas no Programa nos 3
abordagem mantém com as licenciaturas da últimos anos, foi possível constatar que duas
UFSCar são indiretas (ao menos no que tange delas são bastante recorrentes nesse
ao escopo deste trabalho), já que ela não período, mostrando que na prática elas
trata de uma perspectiva que visa acabam tendo uma relevância que vai além
diretamente formar professores para que do que mostra o percentual que elas
eles possam lidar com essas tecnologias nas representam dentro do universo total de
situações cotidianas em sala de aula e fora disciplinas do curso (menos de 3%). Isso
dela. também indica que, diferente das
licenciaturas, o programa de pós-graduação
Além da abordagem instrumental, a grade percebe a formação e a pesquisa sobre
curricular do programa também traz letramentos digitais como um elemento
disciplinas que integram saberes e práticas relevante. A seguir, apresentamos uma
docentes (ou saberes e práticas de tabela com os títulos, ementas e os períodos
professores em formação e as TICs). Ao todo, em que elas foram ministradas
foram catalogadas 3 disciplinas voltadas recentemente:
para a reflexão e o desenvolvimento de
TABELA: 06: Disciplinas sobre TICs – Linha 2 - UFSCar
Disciplina Ementa Ano/período
1 LIN056 - Novas Ementa: Conceito de multiletramento e novas 2016/2
Tecnologias e possibilidades no ensino-aprendizagem de línguas; Ensino-
Ensino de Línguas aprendizagem de leitura e escrita em diferentes suportes e
a questão da convergência de mídias; Aspectos teórico-
metodológicos do ensino-aprendizagem de línguas em
ambiente virtual; Análise, preparação e implementação de
materiais e recursos de língua em ambiente virtual (chat,
fórum, wiki); Possibilidades e limites no uso de novas
tecnologias no ensino-aprendizagem de línguas.

2 LIN055 - Tópicos Ementa: Ser autor: uma perspectiva histórica; Função-autor;

em Autoria Sentidos de obra e relações entre original, cópia e versão;
Arquivo, intertextualidade e interdiscurso no processo de
autoria; Hipertextualidade e autoria no espaço digital;
Autor, editor e leitor: novas relações; Ambientes Virtuais de
Aprendizagem e Blogs enquanto espaços potenciais de
autoria; Plágio; Políticas de autoria no Brasil.

3 LIN100-14 - Ementa: A disciplina promoverá a discussão crítica de 2017/1

Tópicos em concepções e modelos interpretativos de letramentos 1018/1
Linguística: acadêmicos e de práticas de letramentos digitais, no que se
Letramentos refere, de maneira particularizada, à percepção da
Acadêmicos, heterogeneidade e da multimodalidade no âmbito de
Internet e culturas digitais.
Mundialização

Fonte: O autor.

86
Além das 3 disciplinas elencadas na tabela Esse número equivale a pouco mais que 10%
anterior, ainda há na grade curricular dos da produção do programa. Sobre isso,
cursos do Programa um grande número de chama a atenção o fato de que um número
componentes que abordam temas como considerável deles envolvia as linhas 2 e 3,
mídia e letramentos (seja no título ou na que não tratam diretamente das tecnologias
ementa). Entretanto, na análise das digitais em sua descrição. Esse fato sugere
referências bibliográficas não foi possível que enquanto a linha 1 tende a se restringir
identificar indícios de que as discussões à investigação com TICs (ou seja, como um
conduzidas nas disciplinas envolviam TICS instrumento de análise e não como o foco de
ou aspectos do letramento digital. Nesse análise), as outras duas linhas se
caso, presumimos que elas se referiam a direcionavam mais para a reflexão sobre a
mídias impressas como jornais e revistas e o presença de artefatos tecnológicos em
letramento tradicional (atrelado às práticas diversas esferas e situações sociais, incluindo
de leitura e escrita em meio impresso). o ensino, a aprendizagem de línguas e a
Desse modo que esses dados foram formação de professores. Nesse sentido,
desconsiderados. consideramos que as linhas 2 e 3
contribuem, qualitativamente, de modo
Já na análise das teses e dissertações mais relevante para a formação de
defendidas no programa (obtidas por meio professores letrados digitalmente. A seguir,
de uma busca no Repositório Institucional da podemos ver uma tabela com os trabalhos
UFSCar aplicando-se como filtro o nome do identificados no portal da UFSCar
programa de pós-graduação) foram (produzidos no Programa de Pós-graduação
contabilizados 32 trabalhos que envolvem as em Linguística) que abordam as TICs e seus
TICs e/ou Letramentos digitais, em um títulos e resumos.
universo de 297 trabalhos disponibilizados.
TABELA 07: Teses e dissertações produzidos na UFSCar relacionados às TICS ou ao letramento digital
Ano Autor – Trabalho (tese ou dissertação)
01 2018 ODORISSIO, R. M. Variação denominativa nas modalidades oral e escrita: o léxico da
culinária na internet
02 2018 CHIEREGATTI, A. A. Mídium e gestão dos espaços canônico e associado nas plataformas
colaborativas Wattpad e Widbook
03 2018 LACERDA, N. P. Leitura e relações dialógicas em fóruns escolares de discussão.
04 2017 EMIDIO, D. E. Planejamento temático baseado em tarefas no ensino e aprendizagem
de inglês a distância
05 2017 LOPES, A. C. S. Entre transgressões e consensos: a relação entre ética e estética no caso
da telenovela “Lado a Lado” no âmbito do debate sobre ações afirmativas no ano de
2012 .
06 2017 ARAUJO, L. M. B. M. Política e derrisão em videomontagens do Youtube: uma leitura
discursiva
07 2016 HRUSCHKA, E. R. Notas discursivas sobre autoria na rede (WEB): o funcionamento
polifônico da autoria no sistema computacional NELL
08 2016 NAKAMURA, Á. R. L. Acesso aberto e recursos educacionais: análise de um discurso
oficial
09 2016 ROSIN, P. S. Peculiaridades do exercício da função autor em redes sociais: uma análise
discursiva de “mensagens compartilhadas” pelo Facebook
10 2015 SOUZA, D. C. I. Lexicultura e hipertextos: letras de canções como mediação linguística
e cultural no contexto do ensino-aprendizagem de português para estrangeiros

87
 11 2015 FERREIRA, L. P. O gênero fórum de discussão online na formação continuada de
orientadores de estudos do PNAIC: caracterização e potencialidades
12 2015 CAMARGO, A. R. L. Escrita no espaço digital: criação e atribuição de autoria em
fanfictions
13 2015 KRASNOSCHECOFF, A. Liberdade e restrição: jogos de computador e linguagem
14 2015 GUEDES, R. O. Publicações nacionais sobre CALL e outras tecnologias no ensino e
aprendizagem de línguas estrangeiras: um olhar na segunda década do século XXI
15 2015 STEFANI, V. C. G. Formação continuada de professores de línguas estrangeiras mediada
pelo cinema: contribuições da teoria da atividade
16 2014 MANZANO, L. C. A ordem do olhar: sentidos da imagem no discurso político televisivo
brasileiro
17 2014 RANZANI, A. A formação de professores a distância e o acesso de crianças de seis anos
à linguagem escrita através de projetos de letramento
18 2014 STAHLHAUER, A. S. M. A representação de línguas no ciberespaço: um funcionamento
enunciativo na contemporaneidade
19 2013 TOMAZELLA, C. M. Ensino de LE em ambientes virtuais: um estudo sobre os tipos de
interação e de andaimes presentes na construção de conhecimento em língua
espanhola
20 2013 PEREZ, L. Representações do consumidor de fake nos discursos sobre a moda: a análise
do discurso e a construção de identidades
21 2013 BONÁCIO, D. Pequenas frases na mídia eletrônica brasileira: uma leitura discursiva
22 2012 REIS, L. L. Dos modelos classificatórios tradicionais na ciência da informação à
folksonomia: um enfoque discursivo
23 2012 GALLARDO, J. O. Representações de professores em formação em relação à internet no
ensino de português para estrangeiros em contexto de imersão
24 2012 PIRES, L. M. F. O funcionamento do discurso político: o Twitter na campanha
presidencial de 2010
25 2012 FARIA, E. R. O uso do hipertexto na aula de língua inglesa: promovendo o
desenvolvimento da oralidade por meio de novas práticas de linguagem
26 2011 PAULO, S. Cinema e ideologia: a espetacularização e os discursos acerca do policial e
do bandido na sociedade moderna
27 2011 PISA, L. F. Discurso, poder e identidades no Orkut
28 2010 STEFANI, V, C. G. O cinema na aula de língua estrangeira: uma proposta didático-
pedagógica para o ensino-aprendizagem de espanhol
29 2010 LOPES, L. R. O blogueiro e suas práticas - corpos carnavalizados e interações
multifacetadas
30 2010 CAMOLESE, M. R. C. Estudo sobre as produções de texto de alunos do ensino
fundamental - a influência da internet
31 2009 CAMARGO JÚNIOR, I. A memória de futuro analisada pela linguagem cinematográfica:
diálogos entre a teoria do cinema e Mikhail Bakhtin
32 2009 PEREIRA, G. I. Letramento digital e professores de LE: formação para o uso das novas
tecnologias em sala de aula
Fonte: o autor

88
É possível perceber que na UFSCar a
licenciatura em Letras Inglês e a pós-
graduação em Linguística têm atuado sob
perspectivas diferentes no que diz respeito à
inserção das tecnologias e do letramento
digital na formação de professores. Em
parte, isso se deve ao fato de que as
primeiras produções sobre esses temas na
pós-graduação se iniciaram em 2009,
quando o projeto pedagógico atual já estava
em vigência, de modo que a produção da
pós-graduação teve poucas oportunidades
para influenciar os rumos do currículo das
licenciaturas.
Outro fator que impacta nos diferentes
resultados obtidos entre a graduação e a
pós-graduação é o fato de que o projeto
pedagógico da licenciatura (embora
reformulado em 2008) traz apenas algumas
atualizações da proposta inaugural do curso,
feita em 1996. Naquela época, as TICs
começavam a se popularizar e, portanto,
ainda não eram percebidas por muitos como
artefatos com grades potenciais para o
ensino de línguas e para a formação de
professores. Para termos uma ideia mais
clara sobre os estágios em que as discussões
sobres as tecnológicas digitais no ensino se
encontravam no meio da década de 90,
podemos mencionarmos que oficialmente a
internet só foi inaugurada no Brasil em 1995.
Considerando que grande parte da
revolução digital que vivenciamos hoje se
deu por causa da popularização da internet,
assim como da popularização e da
portabilidade dos computadores ocorridas
89
nas duas últimas décadas, é de se esperar
que um currículo ainda embasado
predominantemente em visões da segunda
metade da década de 90 reflita uma
perspectiva majoritariamente instrumental
sobre a presença das TICs na formação de
professores. Nesse caso, por instrumental
nos referimos ao ensino centrado no uso
tecnicista de tecnologias (envolvendo
procedimentos sobre o manuseio dos
artefatos, a entrega de exercícios e a
realização de atividades didáticas) sem
necessariamente abordar reflexões sobre os
motivos, benefícios ou prejuízos da inserção
desses artefatos em ambientes de ensino e
aprendizagem de línguas.
Contudo, tendo em vista que o novo projeto
pedagógico (que ainda estava em
construção durante a realização das análises
apresentadas nesse livro) tem como pano de
fundo uma outra situação sociocultural, com
a tecnologia já amplamente integrada em
diversas esferas, incluindo o ensino de
línguas, acreditamos que o currículo do
curso poderá trazer uma nova perspectiva
para a formação inicial de professores de
inglês na UFSCar a partir de 2019. Para isso,
as pesquisas conduzidas no mestrado e no
doutorado sobre o tema podem ter um
papel de grande relevância.
Deixamos, então, ao leitor deste trabalho a
motivação para novas pesquisas que possam
avaliar mudanças entre os resultados do
estudo aqui apresentado e as versões
vindouras dos currículos ora analisados.
10. Universidade Federal de Pelotas
(UFPEL)
O curso de Letras da Universidade Federal do
Pelotas (UFPEL) teve início em 1984 (Portaria
no 42, de 13 de janeiro de 1984),
inicialmente com duas habilitações:
Português/Francês e Português/Inglês. Em
pouco mais de 3 décadas, o curso passou por
grandes reformulações, dentre elas a criação
de 3 habilitações simples: em Língua
Portuguesa (1991), em Língua Espanhola
(1994) e em Língua Inglesa (2000). Apesar
disso, a vida das licenciaturas simples em
Letras estrangeiras foi curta na UFPEL, uma
vez que em 2008 elas foram extintas para
dar lugar às atuais habilitações duplas.
Dentre os fatores apontados para essa
mudança no projeto pedagógico do curso,
estão a maior possibilidade de absorção pelo
mercado de trabalho de graduados com
90
dupla habilitação, e uma formação mais
consistente por meio do estudo de duas
línguas simultaneamente, já que, segundo o
documento, “a obtenção de uma consciência
metalinguística dessa natureza somente é
obtida de modo completo através de um
curso de licenciatura dupla” (UFPEL, 2013. p.
14).
Mantendo somente a habilitação em Língua
portuguesa como habilitação simples,
atualmente, o curso de Letras da UFPEL
conta com outras 7 habilitações, sendo 4
delas licenciaturas (duplas) e 3
bacharelados, a saber:
 ● Licenciatura em Letras – Português e
Literaturas de Língua Portuguesa
● Licenciatura em Letras – Português e Inglês
e Respectivas Literaturas
● Licenciatura em Letras – Português e
Francês e Respectivas Literaturas
● Licenciatura em Letras – Português e
Espanhol e Respectivas Literaturas
● Licenciatura em Letras – Português e
Alemão e Respectivas Literaturas
● Bacharelado em Letras – Habilitação em
Redação e Revisão de Textos
● Bacharelado em Letras – Habilitação em
Tradução Inglês/Português
● Bacharelado em Letras – Habilitação em
Tradução Espanhol/Português
O projeto Pedagógico em vigência, quando
da coleta de dados, foi reformulado em
2013, de modo que apesar de relativamente
recente ainda segue as normatizações das
DCNs de 2002. A grade curricular, por sua
vez, é compartilhada entre os cursos de
licenciatura (mesma carga horária,
disciplinas obrigatórias, optativas, práticas
pedagógicas e estágios), diferenciando-se
apenas no que diz respeito às disciplinas dos
eixos específicos de cada habilitação. No
curso de inglês, fazem parte desse eixo
disciplinas como Fonética e Fonologia,
Literaturas de Língua Inglesa, Língua Inglesa
I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII, dentre outras.
Apesar desse compartilhamento de
disciplinas entre os diferentes cursos, os
projetos pedagógicos são construídos
individualmente.
O número de vagas oferecido por ano para o
curso de Letras Português e Inglês é de 27.
Já a estrutura curricular se organiza em torno
de 2.800 horas, sendo que delas 1.800 horas
são cursadas por meio de disciplinas
obrigatórias e opcionais, 400 horas são
dedicadas aos estágios, outras 400 horas são
voltadas para a Prática como Componente
91
Curricular e 200 horas são dedicadas a
atividades científico-acadêmico-culturais.
Dentro das 1.800 horas dedicadas à
disciplinas, a UFPEL adota, para as
licenciaturas, a obrigatoriedade de que 100
horas sejam cumpridas como atividades de
Formação Livre ou Opcional. Essas atividades
são “toda e qualquer atividade curricular
cursada pelo discente, no seu percurso
acadêmico individualizado, que seja
ofertada pela própria instituição ou por
outra IES, até o limite de 20% da carga
horária total do curso”. De acordo com o
projeto pedagógico (UFPEL, 2013), essa
medida busca promover a flexibilização do
currículo, já que pode trazer ao aluno
conhecimentos provenientes de outras
áreas não contempladas pela grade do seu
curso.
A projeto pedagógico do curso de Letras
Português e Inglês ainda prevê que uma
parte da carga horária das disciplinas
obrigatórias e opcionais possa ser ministrada
por meio de atividades não presenciais, ou
seja, “sem obrigatoriedade de horário” e
“sem a supervisão direta do professor, tais
como exercícios de fixação de conteúdos,
leituras dirigidas, atividades orientadas e
mediadas por suporte tecnológico de
comunicação remota, etc.” (UFPEL, 2013. p.
36). Nesse aspecto, observamos a
recorrência da percepção de tecnologias
como artefatos que possibilitam,
prioritariamente, a realização e entrega de
atividades acadêmicas, mas que não levam,
necessariamente, a uma reflexão sobre o
modo como elas podem auxiliar o professor
a desenvolver competências mais amplas
com seus alunos.
Dentre as posturas adotadas no projeto
pedagógico, é enfatizada a formação crítica
de professores, que devem ser profissionais
conscientes de seu papel como responsáveis
pela transmissão de valores culturais, sociais
e políticos. Isso pode ser observado no
trecho a seguir:
A necessidade do entendimento das relações
entre língua e cultura, poder e preconceito se
estende integralmente quando a justificativa

volta-se para a formação de professores de
língua inglesa. A formação do professor de
língua estrangeira, nesse contexto, pode ser
definida como mais complexa por exigir, além
do entendimento dessas relações, também a
apreensão de um objeto de aprendizagem
que lhe é “estrangeiro” de fato, o que
demanda um esforço maior de internalização
da estrutura e, especialmente, das regras de
uso da nova língua. Unindo esses dois fatos,
temos a justificativa para a criação do curso
de língua inglesa, ou seja, vencer o desafio de
formar docentes proficientes na língua
inglesa e, ao mesmo tempo, conscientes de
seu papel enquanto (i) falantes de uma língua
considerada dominante e hegemônica e (ii)
responsáveis pela transmissão de valores –
culturais, sociais, políticos – que são
indissociáveis ao ensino dessa língua (UFPEL,
2013. p. 13).
Outros temas bastante recorrentes no
projeto pedagógico do curso de Letras da
UFPEL é a inclusão e o respeito às diferenças
e minorias (tanto raciais, quanto sociais e
linguísticas), assim como a preservação
ambiental. Isso mostra que o projeto busca
consonância com as propostas de
interdisciplinaridade e de
transdisciplinaridade, manifestadas nos
documentos do CNE, notadamente as DCNs
de 2002.
A relação com a pós-graduação também é
bastante enfatizada ao longo do projeto
pedagógico. São citadas tanto ações
realizadas em conjunto quanto a
importância que os cursos lato sensu e
stricto sensu em Letras da UFPEL têm
adquirido na formação inicial e continuada
dos alunos e egressos do curso. Além da pós-
graduação, outros programas ligados às
licenciaturas também são mencionados
como fatores que contribuem para a
formação de professores voltados para a
análise crítica do mundo, entre eles está o
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação
à Docência (PIBID).
92
Apesar disso, não há, no projeto, referências
consistentes sobre temas relacionados à
presença de tecnologias digitais na vida
acadêmica e profissional dos alunos.
Embora no perfil do egresso esteja listada a
competência para “utilizar multimeios como
recursos didáticos” (UFPEL. 2013. p. 15), não
são dados detalhamentos sobre como ela é
desenvolvida ao longo do processo
formativo dos futuros professores. Da
mesma forma, não há discussões ou
explicações sobre a relevância dessa
competência para professores de Língua
inglesa.
Essa ausência, entretanto, parece não ter
passado desapercebida pelo colegiado do
curso, já que ao discutir a avaliação continua
da estrutura curricular, feita por docentes e
discentes, o projeto pedagógico sugere que
futuros instrumentos avaliativos
considerarão a “adequação de recursos
materiais (funcionamento de laboratórios,
da biblioteca, dos aparelhos multimídia, do
mobiliário, do espaço físico)”. Isso sugere,
novamente, que as TICs não são percebidas,
nos contextos dos cursos de Letras
analisados, como elementos integrados da
formação docente, já que são abordadas
apenas como parte dos recursos materiais
do curso, e não como parte das propostas
pedagógicas adotadas na formação docente.
No elenco de disciplinas do curso também
não há componentes voltados
exclusivamente para a reflexão acerca das
tecnologias digitais e sua relação com o
ensino de línguas. Ainda assim, em uma das
disciplinas optativas da grade curricular
(Didática em Letras), as “novas tecnologias”
são mencionadas entre os tópicos elencados
na ementa, embora estejam ausentes nos
objetivos gerais, nos objetivos específicos e
na descrição dos conteúdos. A seguir,
podemos verificar parte da descrição da
disciplina no projeto pedagógico:
Tabela 08: Didática em Letras
Nome da disciplina: Didática em Letras
Código: 1310470 Semestre oferta:
Departamento/s: Câmara de Ensino 2 Eixo: CLET
Carga Horária Semanal: Presencial: 3 h/t +1 Carga Horária Total: 85h/a
h/p Não presencial: 1h/e
Créditos: 5 Natureza da Carga Horária: Optativa
Cursos:
Licenciatura em Letras – Português e Inglês e Respectivas Literaturas
Licenciatura em Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa
Licenciatura em Letras – Português e Inglês e Respectivas Literaturas
Licenciatura em Letras – Português e Francês e Respectivas Literaturas
Licenciatura em Letras – Português e Espanhol e Respectivas Literaturas
Licenciatura em Letras – Português e Alemão e Respectivas Literaturas
Pré-Requisito/s imediatos/s (efeito cumulativo): Nenhum
Objetivos: Gerais: - Analisar as principais concepções de Educação e suas relações com as teorias de
ensino e aprendizagem; - Refletir sobre o papel da Educação e da Escola e suas múltiplas relações
com a construção do saber.
Específicos: - Compreender o papel da Didática no desenvolvimento do trabalho docente; - Aplicar
subsídios teóricos, metodológicos e pedagógicos para atuação no ensino fundamental e médio; -
Compreender alguns dos elementos que constituem a organização do processo de ensino e de
aprendizagem: planejamento, metodologia e avaliação; - Elaborar planos de ensino e instrumentos
de avaliação; - Desenvolver práticas de pesquisa relacionadas à prática didática
Ementa: A Didática e seus fundamentos. Concepções de Educação e teorias pedagógicas. Teorias do
currículo. Procedimentos, recursos e técnicas de ensino e aprendizagem. Avaliação. Recursos
didáticos, novas tecnologias e suas implicações para o ensino.
Conteúdo programático: 1) Pressupostos teóricos, históricos, sociais e filosóficos da Didática. 2) As
diferentes concepções de educação. 3) Teorias de aprendizagem e de currículo: teorias tradicionais,
críticas e pós-críticas. 4) A ação docente no processo de ensino e de aprendizagem. 5) Estratégias e
métodos de ensino. 6) Planejamento e avaliação no processo de ensino. 7) A prática docente frente
às novas Bacharelados.
Fonte: UFPEL (2013. p. 94)

Como podemos observar, embora cite Pós-graduação em Letras da Universidade

brevemente as tecnologias entre um dos
tópicos da ementa, a ausência de referências
mais consistentes nos outros componentes
da descrição da disciplina indica que esse é
um tema tratado apenas incidentalmente.
Assim, diante das poucas referências às TICs
no corpo do projeto e na grade curricular,
consideramos que tanto as tecnologias
digitais, quanto o letramento digital não são
apresentados como elementos relevantes
para a formação de professores nos cursos
de Licenciatura em Letras da UFPEL.
Programa de Pós-graduação em
Letras - UFPEL
Atualmente, o Programa de Pós-graduação
em Letras da UFPEL (PPG-Letras UFPEL) é o
resultado da sua fusão com o Programa de
Católica de Pelotas (PPGL UCPel), ocorrido
em 2018. Antes da fusão, a UFPEL contava
com o curso de mestrado, criado em 2011.
Já o PPGL UCPel foi criado em 1994, tendo o
doutorado aprovado em 2005.
Com a recente união dos programas, a grade
curricular e a página do PPG-Letras UFPEL
foram reformuladas. Entretanto, a nova
versão da página do programa ainda se
encontrava em construção durante o
encerramento da coleta de dados do estudo
que abordamos aqui (realizada de fevereiro
a julho de 2018). Desse modo, poucas
informações puderam ser obtidas por meio
daquela fonte de pesquisa. Como
alternativa, buscamos coletar dados por
meio do repositório institucional da UFPEL.
Lá, obtivemos acesso às dissertações já

93
defendidas no âmbito do programa. Já as
ementas das disciplinas não puderam ser
localizadas. Dessa forma, procederemos a
uma análise bem sucinta da presença de
pesquisas envolvendo TICs e o Letramento
digital no PPG-Letras UFPEL, limitadas pelas
contingências às quais nos referimos acima.
O programa conta, atualmente, com
mestrado e doutorado (sendo este último
iniciado em 2018) e uma única área de
concentração, “Linguagem, Texto e
Imagem”, que por sua vez está dividida em 3
linhas de pesquisa, descritas a seguir:
I.Aquisição, variação e ensino: Nessa linha
integra-se toda investigação dos processos
naturais e formais de aquisição da língua
(materna e estrangeira), bem como da
variação da linguagem e sua articulação com
o ensino e outras interações que envolvam
fronteiras linguísticas, culturais, políticas
e/ou sociais.
II.Texto, discurso e relações sociais: Essa linha
congrega toda investigação de processos
textuais/discursivos em sua organização
interna e em seu funcionamento em
diferentes práticas sociais, dentro e fora do
contexto escolar.
III.Literatura, cultura e tradução: Essa linha
investiga o texto literário e suas relações com
outras artes, discursos, processos culturais,
criativos, sua dinâmica intertextual e
questões teóricas e práticas da tradução
literária. (UFPEL, 2018)
Como podemos observar, duas das linhas de
pesquisa estabelecem relação com a
formação de professores para a Educação
Básica. Essa relação também é reforçada na
descrição dos objetivos específicos do curso,
dentre os quais podemos ler:
proporcionar aos professores de
universidades e escolas da rede pública e
particular, assim como a outros profissionais
que utilizam a linguagem como seu principal
objeto de trabalho, oportunidade de
formação continuada e de desenvolvimento
dos conhecimentos linguísticos, discursivos e
literários necessários à sua prática
pedagógica e/ou profissional. (UFPEL, 2018)
94
Esse compromisso com a formação de
professores da Educação Básica, se reflete,
também na presença de componentes
curriculares que envolvem as tecnologias
digitais. Entretanto, pela ausência de
ementas e referências bibliográficas,
somente foi possível identificarmos
tendências manifestadas nos títulos das
disciplinas.
A grade curricular dos cursos de mestrado e
doutorado do PPG-Letras UFPEL se estrutura
em torno de 3 disciplinas obrigatórias e 42
disciplinas optativas. Embora boa parte dos
nomes dos componentes curriculares
permitam a inferência do seu conteúdo, para
alguns deles torna-se difícil fazer associações
já que são apresentados na forma de tópicos
especiais, estudos avançados e seminários,
geralmente seguidos de temas gerais que
não permitem uma identificação segura do
seu conteúdo. Como exemplos desses casos
temos “Tópicos Especiais em Linguística
Aplicada” e “Tópicos Especiais em
Linguagem e Educação”. Mesmo assim,
elencamos a seguir as disciplinas as quais é
possível perceber, pelo título, que algumas
relações com as Tecnologias e a formação de
professores são mantidas. Todas elas
pertencem à linha “Texto, discurso e
relações sociais”
● Tópicos Especiais em Metodologia de
Pesquisa na Internet
● Tópicos Especiais em Redes e Comunicação
Mediada pelo Computador
● Tópicos Especiais em Mídia, Discurso e
Análise de Redes Sociais I
● Tópicos Especiais em Mídia, Discurso e
Análise de Redes Sociais II
Dada a impossibilidade de verificarmos o
conteúdo dessas e de outras disciplinas por
meio das análises das ementas e das
referências bibliográficas adotadas,
buscamos confirmar se as tecnologias e o
letramento digital estavam de fato inseridos
na grade curricular do programa por meio da
análise das dissertações defendidas desde
sua criação na UFPEL. Nesse caso, foi
necessário recorremos ao repositório Nelas, a leitura dos resumos foi a estratégia
institucional da UFPEL, já que os trabalhos adotada para que pudéssemos ter certeza de
defendidos ainda não estavam que os temas abordados envolviam TICs ou o
disponibilizados na nova página do letramento digital. Dentro desse perfil,
programa. foram identificados 8 trabalhos, o que
Ao todo, utilizando o nome do Programa equivale aproximadamente a 8% da
como filtro de pesquisa, foram identificadas produção do programa. A Seguir,
97 dissertações, defendidas desde 2013. apresentamos uma tabela com esses dados:
Tabela 09: Teses e dissertações defendidas no Programa de Pós-graduação em Letras da UFPEL
Ano Autor – título da dissertação
01 2018 SILVA, Y. L. TV INES: o protagonismo surdo na produção de conteúdo audiovisual que
promove informação, cultura e língua.
02 2018 SANTOS, M E. M. Para além dos bons jogos: os princípios da competência
comunicativa em atividades gamificadas.
03 2018 CABRAL, C. R. S. A desconstrução do machismo pela linguagem: ordens de
indexicalidade e outscalings motivados pelo movimento feminista no Facebook
04 2017 BAZERQUE, A. L. Performances narrativas de minorias sociais nos novos letramentos
digitais: empoderamento de LGBTs no canal Muro Pequeno
05 2017 MARTINS, B. L. Me manda um whats?!: a aprendizagem de inglês como língua
adicional por WhatsApp
06 2017 OLIVEIRA, R. S. Currículo ecológico de língua e literatura: o uso de tecnologias móveis
para uma abordagem colaborativa
07 2015 SILVA JÚNIOR, S. D. V. O desenvolvimento das múltiplas linguagens em ambientes
virtuais: o blog como um sistema complexo
08 2013 NUNES, G. M. A escrita em inglês como sistema adaptativo complexo: uma
abordagem colaborativa na aprendizagem de língua estrangeira por meio das TCI
Fonte: o autor
Como podemos observar, embora não atribuído ao fato de que os currículos de
tenhamos indícios concretos (fornecidos por graduação entraram em vigor ainda em
descrições detalhada da grade curricular) de 2008, ou seja, 5 anos antes do primeiro
que as TICs e o letramento digital estão trabalho sobre o tema ter sido defendido no
contemplados nas reflexões conduzidas no PPG-Letras UFPEL. Dada esse espaço
PPG-Letras UFPEL, a proporção de temporal considerável, é compreensível que
dissertações defendidas nos 8 anos de a pesquisa na pós-graduação ainda não
existência do programa (notadamente em tenha gerado efeitos perceptíveis na
2017 e 2018) nos mostra que esse tem se formação inicial de professores. Entretanto,
tornado um tema recorrente de pesquisa na assim como com as outras universidades
pós-graduação. Supomos que esse analisadas até o momento neste trabalho,
movimento está acompanhado da oferta de considerando as reformulações vindouras
disciplinas optativas, que devem dar apoio à dos currículos de formação inicial de
pesquisa sobre as TICs. professores, presumimos que a próxima
versão do projeto pedagógico dos cursos de
Apesar disso, ao compararmos os dados da licenciatura em Letras da instituição poderá
pós-graduação com os da licenciatura em trazer mais elementos voltados para a
Letras na UFPEL, percebemos que o mesmo formação de professores aptos a atuarem
movimento ainda não é seguido pela em contextos de letramento digital. Essa,
licenciatura. Em parte, isso pode ser entretanto, é uma hipótese a ser verificada.

95
11. Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN)
O curso de Letras Inglês da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
assim como outras universidades do país,
tem um longo histórico de reformas
curriculares. Boa parte delas é
consequência das mudanças nas políticas
educacionais para o Ensino Superior, tal
como discutimos no capítulo 6. A seguir,
traçamos brevemente esse percurso na
UFRN.
O primeiro curso de Letras da UFRN teve
início em 1956 (Decreto Federal no. 40.573,
de 27 de dezembro de 1956), na época, sob
o nome de Curso de Letras e Línguas
Neolatinas, ele oferecia a formação em
bacharelado e licenciatura. Uma década
depois, em 1966, a licenciatura em Letras
96
Neo-latinas foi substituída pela Licenciatura
em Letras com 3 habilitações (Português,
Inglês e Francês), dando início à formação de
professores de língua inglesa no Estado. Em
1973, por sua vez, esse modelo foi
substituído novamente pelo de duplas
licenciaturas para as línguas estrangeiras
modernas. Assim, a UFRN passou a formar
egressos em Língua Portuguesa e uma língua
estrangeira moderna (Inglês ou Francês) e
suas literaturas. Contudo, em 1996, as
duplas licenciaturas deram lugar a 3
licenciaturas independentes: em Letras
Português, em Letras Inglês e em Letras
Francês, cada um com suas respectivas
literaturas (UFRN, 2017).
A reforma mais recente do currículo do curso
de Letras Inglês ocorreu em 2017, em
adequação à Resolução CNE/CP 02/2015.
Nesse caso, cabe ressaltar que a UFRN foi a
única universidade analisada que já tinha um
novo projeto pedagógico em vigência no
início de 2018. A atual estrutura curricular
do curso organiza-se em 3.200 horas,
conforme estabelece a Resolução CNE/CP
2/2015, das quais 2.200 horas estão
distribuídas entre disciplinas obrigatórias e
optativas (360 horas para integralização, a
serem escolhidas em um elenco de 43
disciplinas, que juntas somam 2.640 horas).
Além delas, 400 horas estão dedicadas à
Prática como Componente Curricular; 400
horas voltadas para estágio e 200 horas para
as atividades acadêmico-científico-culturais.
Embora a universidade também ofereça
outras licenciaturas em Letras, na UFRN o
curso de Letras Inglês é abordado como um
curso autônomo dos demais, e não como
uma habilitação em de um curso de Letras
geral. Assim, o projeto pedagógico analisado
trata especificamente da realidade da
licenciatura em Letras nessa língua
estrangeira.
O curso recebe anualmente 30 alunos,
ingressantes por meio do SISU e por
convênios assinados com outras instituições.
A estrutura física conta com salas de aula
com data shows, computadores e conexão
wireless e via cabo, além de equipamento de
som e telas de projeção. Há ainda 1
laboratório de informática, 1 auditório e 1
laboratório de línguas, e 5 salas para
professores. (UFRN, 2017)
De acordo com o projeto pedagógico, o
curso de letras inglês enfatiza a formação
teórica e prática de professores que sejam
ao mesmo tempo “éticos, críticos e
reflexivos” e capazes de identificar e resolver
problemas socioculturais e educacionais.
Estes princípios são recorrentes ao longo de
todo o texto do documento. Uma outra
diretriz, embora relacionada à primeira, é a
visão da formação de professores como
instrumento para a redução dessas
97
desigualdades, dentre elas a social, a étnico-
racial e a econômica.
Além da formação de um professor crítico e
atuante socialmente, o texto do projeto
pedagógico marca, ainda, o
comprometimento do curso com a
formação de um profissional que seja ao
mesmo tempo professor e pesquisador,
capaz de agir “como sujeito da
aprendizagem, assumindo uma atitude
independente, investigativa e crítica diante
dos conteúdos de formação acadêmica,
profissional e cidadã” (UFRN. 2017. p.22).
Na análise do projeto do curso é possível
perceber um grande detalhamento no que
diz respeito à maioria das escolhas
metodológicas, da estrutura física que dá
apoio ao funcionamento do curso, e da
organização curricular. Entretanto, se por
um lado esses fatores são cuidadosamente
delineados, o reconhecimento (teórico) da
necessidade de inserção das tecnologias
contemporâneas na formação dos egressos
do curso se mostra um tanto vago. Apesar
de citada brevemente no perfil do egresso e
nas competências, assim como dentre as
habilidades a serem desenvolvidas ao longo
do curso, a formação de professores para e
por meio de TICs não é um item discutido a
fundo.
No perfil do egresso, por exemplo,
encontramos a seguinte menção, por meio
da qual associamos ao curso uma visão das
tecnologias digitais como ferramentas
cognitivas, capazes de levar os alunos à
reflexão sobre seu papel como professores
em uma configuração social e profissional
marcada pela presença de artefatos
tecnológicos:
Independentemente de sua área de
interesse, Língua inglesa (geral ou
instrumental) e/ou Literatura em língua
inglesa, o aluno de Letras-Inglês deverá:
(...)Fazer uso de tecnologias no ensino e
aprendizagem de línguas estrangeiras e
compreender sua formação profissional
como um processo ético, contínuo,
autônomo e permanente. (UFRN, 2017. p.
24)
A mesma expressão também é usada no
item “Competências/habilidades/atitudes”,
onde são listadas as competências a serem
estimuladas durante o curso. Dentre os 26
itens elencados, o projeto faz uma breve
menção ao desenvolvimento de uma
competência voltada para o uso de
tecnologias ao dizer que o licenciado deve se
constituir em um profissional que sabe
“Fazer uso de tecnologias de ensino e
aprendizagem de línguas estrangeiras”
(UFRN, 2017. p.26). Entretanto, nesse item
não há maiores discussões sobre a
relevância das TICs para o aluno em
formação.
Ao apresentar o eixo da transversalidade,
entretanto, o projeto pedagógico faz
referência às tecnologias digitais como um
dos aspectos a serem integrados no rol de
saberes transversais. Para a promoção dessa
formação flexível e transdisciplinar, o curso
de letras inglês da UFRN utiliza as Práticas
Docentes (Prática Docente I, II, III e IV), que
são disciplinas que propõem a realização de
atividades coletivas de “micro-teaching”,
realizadas por grupos de alunos
supervisionadas por um professor do curso.
Elas “permitem que os alunos discutam,
avaliem e produzam atividades e materiais
resultantes das discussões em torno da
integração de temas transversais no ensino
de língua inglesa e de literatura em língua
inglesa” (UFRN, 2017. p. 40).
Na grade curricular, essas atividades estão
estruturadas em disciplinas com 30 horas,
abordando, cada uma, um tema específico.
O tema da Prática Docente I é o “Ensino de
Língua Inglesa e Tecnologias”. A ementa da
disciplina, contudo, não fornece maiores
detalhes sobre o foco dado, já que especifica
apenas “O uso de tecnologias no ensino de
língua inglesa; atividades de prática de
ensino” (UFRN, 2017. p.143). Mesmo assim,
é possível percebermos uma clara relação
entre TICs e formação de professores.
As tecnologias também são mencionadas
nas ementas de 3 outras disciplinas
optativas, mas somente na terceira ela
98
recebe destaque, por constar no tema
central, como podemos ver a seguir:
TRADUÇÃO DA LÍNGUA INGLESA II (60h)
Oficina de tradução (inglês-português;
português-inglês; espanhol-português;
espanhol-inglês) – a investigação das
principais teorias de tradução literária e sua
aplicação em projetos de tradução literária
individuais e coletivos. Introdução às
tecnologias – CATs – e normas e ética na
profissão. (UFRN. 2017.p.212. Grifo nosso)
METODOLOGIA DE ENSINO DE PORTUGUÊS
COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA II
O desenvolvimento da proficiência oral.
Proficiência na linguagem escrita. Ensino de
língua e os elementos de cultura. O ensino de
língua e as tecnologias. A classe híbrida, a
avaliação e seus formatos. (UFRN. 2017. p.
256. Grifo nosso)
TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO (60h)
O curso tem como objetivos apresentar o
conceito de Tecnologia Educacional e discutir
questões sobre o processo ensino-
aprendizagem (presencial ou distância)
mediado pelas Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC) e as implicações deste
uso. As teorias da comunicação: as relações
dos meios de comunicação e informação com
a educação. (UFRN, 2017. p.278)
Apesar da presença da disciplina “Tecnologia
e Educação” na grade curricular, é
necessário observar que ela é uma dentre
outras 43 disciplinas optativas (que juntas
somam 2.640 horas). Isso sugere que, na
prática, ela tem poucas oportunidades de ser
integrada efetivamente na formação dos
alunos, já que do elenco de disciplinas
optativas oferecidas, apenas 360 são
necessárias para a integralização do curso.
Mesmo assim, é possível observar que há
materializada no projeto, a percepção pelo
colegiado do curso da importância da
integração de discussões sobre as TICs na
formação inicial de professores. Essa
percepção, entretanto, se manifesta mais
pela organização da grade curricular do que
pelos modelos teórico-didático-filosóficos
adotados no projeto. Talvez por esse
motivo, não há no projeto discussões sobre
a relevância do letramento digital, tampouco
são conduzidas discussões mais
aprofundadas sobre os motivos que levaram
à inserção de disciplinas sobre as TICs dentre
o elenco de optativas do curso.
Outro ponto que deve ser notado é que,
embora tratada superficialmente, a
presença das TICs na licenciatura em Letras
da UFRN se direciona para uma visão
cognitivista, na qual o uso de artefatos leva
ao desenvolvimento de novas habilidades
que dizem respeito não somente aos
procedimentos para o seu manuseio, mas
também para o surgimento de
representações cognitivas que nos
permitem entender e agir sobre o mundo ao
nosso redor (HUTCHINGS, 1995; NORMAN,
1991; KIRSH, 2010).
A seguir, buscaremos estabelecer relações
entre o currículo da formação inicial
oferecida pelo curso de Letras Inglês da
UFRN e o Programa de Pós-graduação em
Letras da instituição.
Programa de Pós-graduação em
Letras - UFRN
O Programa de Pós-Graduação em Letras da
UFRN (PPGEL/UFRN) iniciou suas atividades
em 1993, com o Curso de Mestrado. O
doutorado, por sua vez, teve início efetivo
em 2005. Em sua página na internet o
programa estabelece seu compromisso com
a formação de professores ao afirmar que
“Em linhas gerais, o Programa objetiva
formar docentes e pesquisadores na área
dos Estudos da Linguagem para atuar nos
diversos níveis do ensino superior e
possibilitar a participação em todas as
formas possíveis de projetos institucionais
de pesquisas, contribuindo para a reflexão
sobre os estudos da linguagem no contexto
acadêmico.” (UFRN, 2018).
99
O Programa se organiza em 3 áreas de
concentração, cada uma com 3 linhas de
pesquisa:
Área de concentração 1: Estudos em
Linguística Aplicada
i) Estudos de Práticas Discursivas;
ii) Letramentos e Contemporaneidade;
iii) Ensino e Aprendizagem de Línguas
Estrangeiras.
Área de concentração 2: Estudos em
Linguística Teórica e Descritiva
i) Discurso, Cognição e Interação;
ii) Estudos Linguísticos do Texto;
iii) Variação e Mudança.
Área de concentração 3: Estudos em
Literatura Comparada
i) Literatura e Memória Cultural;
ii) Poética da Modernidade da Pós-
modernidade;
iii) Leitura do Texto Literário e Ensino.
Das 3 áreas de concentração, duas fazem
referência ao estudo dos letramentos
(múltiplos/digital) e das relações entre
tecnologias e ensino de línguas, Estudos em
Linguística Aplicada e Estudos em Literatura
Comparada. Como especificado nas
escolhas metodológicas desta investigação,
entretanto, essa análise focará apenas nos
componentes curriculares relativos à área de
Linguística Aplicada.
Na área de concentração 1 (Estudos em
Linguística Aplicada), são duas as linhas de
pesquisa que elencam a investigação sobre
as tecnologias e os letramentos digitais
dentre suas áreas de interesse: “Estudos e
práticas discursivas” e “Letramentos e
contemporaneidade”.
A seguir, apresentamos a descrição de cada
uma dessas linhas de pesquisa, tal como
apresentadas na página do programa na
internet:
 Estudos e práticas discursivas
Esta linha de pesquisa reúne estudos que
objetivam compreender, no âmbito da
Linguística Aplicada, práticas discursivas
circulantes em esferas específicas da
atividade humana como a escolar, a
midiática, os ambientes digitais, a ciência, a
literatura, dentre outras. Nessa direção,
acolhe projetos que objetivem investigar: a)
os processos de construção identitária, de
relações com a alteridade, com a ética, de
relações de poder e com as novas tecnologias
em práticas discursivas situadas; b) a
problemática do ensino de línguas e da
formação do professor, inicial e continuada,
em uma perspectiva enunciativa e discursiva.
Letramentos e contemporaneidade
Esta linha de pesquisa, que tem como objeto
de estudo os usos e funções da leitura e da
escrita em variados contextos e domínios,
dedica-se à investigação dos letramentos
múltiplos, presentes na vida contemporânea,
analisados a partir da articulação de saberes
advindos de diferentes campos do
conhecimento: antropologia, psicologia
social, sociologia, educação, filosofia,
tecnologia, semiótica e linguística, incluindo-
se seus domínios conexos. Dentre os seus
temas de interesse, incluem-se:
multiletramentos, gêneros
textuais/discursivos, letramento do
professor, letramento e inclusão, letramento
e agência, letramento e tecnologia,
letramento e redes sociais, letramento e
aquisição, letramento e trabalho, letramento
acadêmico, letramento e políticas
públicas.(UFRN, 2018)
Como podemos observar pelas descrições
acima, o estudo sobre o letramento digital
parece estar amplamente integrado na
proposta curricular do programa.
Apesar disso, ao analisarmos o elenco de
disciplinas, constatamos que não há
componentes curriculares dedicados a esse
tema. Mesmo assim, a partir da análise das
ementas, é possível presumir que as
tecnologias digitais então entre os temas
explorados em pelo menos uma das
100
disciplinas, intitulada “Linguagem e
Letramento”. A ementa da disciplina elenca
entre seus objetos de estudo:
A partir dos novos estudos de letramento
(New Studies of Literacy), discussão do
conceito de letramento como uma prática
social complexa e múltipla; Suas implicações
teórico-metodológicas para o ensino-
aprendizagem da leitura/escrita e para o
letramento do professor de línguas;
Articulações entre letramento, identidade,
cultura; Letramento e gênero discursivo.
(UFRN, 2018)
Tal discrepância pode ser explicada pelo fato
de que que muitas das disciplinas do
programa apresentam títulos e ementas
abertas, definidos de acordo com os
interesses definidos a cada semestre letivo.
O Programa tem grades curriculares distintas
para o mestrado e o doutorado, sendo que o
currículo do doutorado consiste das
disciplinas do mestrado acrescidas de
inúmeros “Tópicos Avançados” e “Leituras
Orientadas”. Na área de concentração 1
(Estudos em Linguística Aplicada), são
oferecidos 10 Tópicos Avançados. De acordo
com a página do PPGEL/UFRN, essas
disciplinas visam promover “Estudos
aprofundados de um autor ou de uma teoria
de relevância para estudos da Linguística
Aplicada. A bibliografia é definida em função
do objetivo de cada tópico” (UFRN, 2018).
Na próxima página apresentamos as
disciplinas elencadas na área de
concentração 1 para o doutorado. Nela,
podemos ver o número elevado de tópicos
avançados.
É possível que o letramento digital seja
abordado durante o curso por meio desses
Tópicos Avançados, mas a ausência de
ementas mais específicas na página do
programa impediram uma investigação
aprofundada dessa hipótese. Mesmo assim,
ao buscarmos outras fontes que pudessem
oferecer dados a esse respeito, analisamos
os resumos dos trabalhos defendidos no
âmbito do PPGEL/UFRN. Com isso, tentamos
identificar, mesmo que indiretamente,
relações entre as disciplinas e os trabalhos
defendidos ao assumirmos que a produção necessárias aos seus alunos, nesse caso,
de uma tese ou dissertação em um representadas pela oferta de disciplinas
determinado tema demanda do programa específicas.
de pós-graduação a oferta das afffordances

FIGURA 13: Grade curricular do doutorado em Estudos Linguísticos da UFRN (Área de concentração em Estudos em
Linguística Aplicada).

Fonte: https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/programa/curriculo_resumo.jsf?id=65&lc=pt_BR

De 2006 a 2018 foram defendidos 616
trabalhos (incluindo teses e dissertações).
Delas, 31 envolvem as relações entre
linguagem e tecnologias ou aspectos do
letramento digital. Eles correspondem a 5%
das pesquisas realizadas no programa. Esses
dados indicam que apesar de uma proporção
relativamente baixa (5%), a quantidade de
trabalhos (31) não pode ser considerada
como um fenômeno incidental, de modo
que é possível concluir que o letramento
digital está inserido efetivamente dentre as
reflexões da pós-graduação em Letras da
UFRN.
A seguir, podemos verificar uma tabela com
os trabalhos que tratam desse tema,
disponibilizados na página do programa de
pós-graduação. Nela, também é possível
observar uma frequência elevada de
trabalhos que tratam de contextos de ensino
e aprendizagem de língua inglesa:

101
TABELA 10: Trabalhos (teses e dissertações) sobre tecnologias e linguagem/ letramento digital defendidos na UFRN
entre 2010 e 2018.
Ano de Autor - título
defesa
1 2018 DANTAS, A. M. A. Os memes na construção identitária do professor de língua inglesa:
um ressoar de vozes no facebook
2 2018 CALDAS, V. O. A tecnologia digital móvel em uma abordagem híbrida: o papel do
feedback no desenvolvimento da produção oral em inglês como L2
3 2017 OLIVEIRA, A. C. Percepções de alunos sobre curso FIC no contexto de tecnologia da
informação no IFRN: uma análise do discurso pela perspectiva do sistema de
avaliatividade
4 2017 SILVA, E. V. Rádio escolar: práticas e atitudes educomunicativas na constituição do
sujeito
5 2017 ABELLA, L. B. G. O poder hegemônico das redes sociais: uma análise crítica do discurso
de quem “vai para rua”
6 2017 LIMA, B. F. Experiência intercultural mediada pela internet: o ensino de línguas via
telecolaboração.
7 2016 SILVA, A. P. Feminismo na rede: o [cyber]ativismo no facebook e a construção
discursiva de identidades
8 2016 SANTOS, G. L. Relações dialógicas em fanfictions: carnavalização na reescrita da saga
Harry Potter na era da convergência
9 2016 SOUZA, A. S. Os gêneros discursivos digitais na formação de docente o blog em
práticas de ensino
10 2010 BURGOS, T. L. Comunicação gráfica em interfaces de hipermídia de educação a
distância via web
11 2015 OLIVEIRA, D. M. S. Blog PROERD no sertão: letramento e ação social
12 2014 OLIVEIRA, S. F. O impacto das tarefas de aprendizagem mediadas pela lousa digital
interativa na motivação situacional de aprendizes de inglês
13 2014 SOUSA, L. A. A ferramenta voicethread em uma abordagem híbrida: o
desenvolvimento da produção oral e da habilidade de noticing na aprendizagem de
inglês como L2
14 2014 FREIRE, A. E. D. O canto dos vestibulandos em 140 caracteres: linguagem e construção
de identidades no twitter
15 2014 MONTE, S. M. A construção identitária em um fórum de discussão: um estudo com
alunos da EAD
16 2014 LEADRO, D. C. Escrita colaborativa com google docs: flash fiction, noticing e
aprendizagem de inglês como L2
17 2014 UCHÔA, J. M. S. Narrativas de professores em formação sobre a didatização de
podcasts para o ensino de inglês na floresta
18 2014 RODRIGUES, E. D. Os discursos sobre a educomunicação na rádio escolar: um estudo
etnográfico em uma escola pública
19 2013 SILVA, M. G. O leitor universitário e a construção das práticas de ler e escrever textos
impressos e digitais
20 2013 CAMARA, L. L. L. M. Práticas de letramento digital de professores em formação:
demandas, saberes e impactos
21 2013 SOARES, W. C. S. A aprendizagem de inglês como língua adicional mediada por jogos
eletrônicos do tipo MMORPG
22 2013 GRINER, A. P. A linguagem do blog escolar em um trabalho com multiletramentos:
compartilhando sentidos
23 2013 PEREIRA, M. S. Os youtubers e a representação do certo, errado, adequado e
inadequado no trabalho com a variação linguística em sala de aula
24 2013 CARVALHO, A. C. L. O discurso do grotesco na mídia digital
25 2012 AMORIM, C. S. L. O ritual simbólico do “CTRL+C” (copiar) e “CTRL+V” (colar) no ensino
médio

102
 26 2012 ABELLA, L. B. G. O discurso dos tuiteiros: uma análise crítica da construção identitária
coletiva e do empoderamento cidadão.
27 2012 LEMOS, D. D. A argumentação como elemento discursivo na mídia digital: um estudo
sobre o blog “fatos e dados”
28 2012 PINHEIRO, M. M. F. A TV como objeto de leitura da imagem no contexto escolar: uma
pesquisa-ação com alunos do ensino médio
29 2012 CAMPOS, M. F. Ambiente de textualização no ensino a distância: o caso do fórum
educacional
30 2011 SILVA, F. A. Ensino de língua estrangeira: uma proposta de ensino integrada com o
uso das tecnologias da informação e da comunicação com vistas ao desenvolvimento
da autonomia dos aprendizes
31 2010 BURGOS, T. L. Comunicação gráfica em interfaces de hipermídia de educação a
distância via web
Fonte: o autor, a partir de dados coletados no endereço:
https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/programa/defesas.jsf?lc=pt_BR&id=65

Ao compararmos os dados da licenciatura letramento digital como um dos aspectos

em Letras Inglês com a pós-graduação é
possível estabelecermos certas relações.
Dentre elas, merece destaque o fato de que
ambos trazem em seus currículos disciplinas
voltadas para a reflexão sobre o papel das
TICs e do letramento digital na formação de
professores. Da mesma forma, é possível
observar que na licenciatura as TICs são
abordadas em uma perspectiva que prioriza
a reflexão sobre como e porque elas devem
ser integradas nas atividades docentes, não
se limitando a visões instrumentais ou
tecnicistas que focalizam conhecimentos
somente sobre o uso de artefatos
tecnológicos como ferramentas sem uma
perspectiva crítico-reflexiva. Isso pode ser
atribuído à recorrência de pesquisas na pós-
graduação sobre o tema, que trazem novos
olhares sobre esses fenômenos tanto para os
professores da graduação, quanto para os
alunos ainda em formação.
A partir dos dados da UFRN, podemos
observar que a pós-graduação desempenha
um papel importante nos rumos dos cursos
da graduação. Embora esse não seja o único
fator a ser considerado, podemos dizer que
tendo iniciado sua produção sobre o tema
ainda em 2010 (e mantendo essa produção
constante) o mestrado e o doutorado
contribuíram para pavimentar o caminho na
construção do currículo da licenciatura em
Letras, 8 anos depois. Por sua vez, a ênfase
dada à investigação sobre as TICs e o
relevantes para a formação de professores
nos curso de graduação tendem a retornar
para a pós-graduação como resultado do
estímulo a novas pesquisas, que tendem a
ser conduzidas pelos egressos dos cursos de
formação inicial. Isso gera um ciclo contínuo
de percepção, reflexão e ação, ao qual nos
referimos nos capítulos 2 e 3 desta obra.
Acreditamos, também, que a grande
presença de oportunidades de reflexão
sobre o uso das TICs no ensino de línguas
(tanto na graduação quanto na pós) tendem
a repercutir diretamente fora das
universidades, já que, como discutimos ao
longo deste livro, professores mais
conscientes das possibilidades oferecidas
pela tecnologia (affordances) tendem a
incorporá-las de modo mais consciente e
duradouro em suas atividades profissionais.
Diante disso, é inevitável pensar sobre as
possiblidades de investigação que se abrem
com os dados aqui apresentados. Dentre
elas, podemos sugerir investigações futuras
sobre o impacto que os cursos de formação
de professores da UFRN têm sobre as
práticas digitais conduzidas em escolas da
Educação Básica no Rio Grande no Norte.
Sem dúvida, seria bastante interessante
sabermos um pouco mais sobre o papel que
os modelos teórico-didático-filosóficos
adotados nos currículos universitários
desempenham nas esferas profissionais .

103
12. Universidade Federal do Rio Grande
(FURG)
Os cursos de Letras da FURG estão entre os
mais antigos daquela instituição, criados em
1964, incialmente com habilitações em
francês e inglês. Posteriormente, a
habilitação em português foi acrescentada
de modo que o curso, já com as 3
habilitações, foi reconhecido em 1967 pelo
Decreto no 61617, de 03/11/67, publicado
no DOU de 08/11/67 (FURG, 2012).
Atualmente, são 4 as licenciaturas em Letras
oferecidas pela instituição, sendo uma em
língua materna (Letras Português) e 3 em
línguas estrangeiras (licenciaturas duplas):
Letras Português e Francês; Letras Português
e Espanhol; e Letras Português e Inglês, cada
um com suas respectivas literaturas. Todos
104
os currículos foram reformulados em 2012,
entrando em vigor a partir do ano letivo de
2013. Apesar de recentes, eles ainda se
encontram em conformidade com a DCNs de
2002. Até o encerramento da coleta de
dados dessa pesquisa, o novo currículo ainda
não havia sido disponibilizado no site da
instituição.
Apesar de serem licenciaturas separadas,
com projetos pedagógicos próprios, os 4
currículos dos cursos de Letras da IES estão
integrados, com um grande número de
disciplinas comuns entre si. Na redação do
Projeto Pedagógico, o texto se refere, com
frequência, ao “curso de Letras da FURG”, no
singular, sugerindo uma integração também
ideológica por parte dos colegiados dos
cursos, responsáveis pela elaboração dos
projetos. Ao esclarecer sobre a quantidade
de alunos ingressantes a cada ano, por
exemplo, o projeto pedagógico do curso de
Letras Português e Inglês afirma que
“Atualmente, o curso de Letras, em todas as
suas habilitações, conta com um ingresso
anual de 150 estudantes.” (FURG, 2012. p.
3). Isso nos sugere que cada curso não é
tratado na instituição como uma entidade
independente.
Com exceção do currículo de Letras
Português, é possível perceber que as
disciplinas dos cursos de línguas estrangeiras
são praticamente as mesmas, com variações
apenas em disciplinas específicas para a
realidade de cada curso, tais como as
disciplinas de Inglesa I, Língua Francesa I e
Língua Espanhola I, ministradas de acordo
com a língua estrangeira enfatizada em cada
um deles. Algumas disciplinas de literaturas
também seguem o mesmo padrão. Além
disso, a redação dos projetos pedagógicos
dos cursos de línguas estrangeira é, com
grande frequência, idêntica, sugerindo que
os projetos pedagógicos foram construídos
em conjunto.
No Projeto Pedagógico do curso de Letras
Português e Inglês, a carga horária total
mencionada é de 2.850 horas, sendo 1.800
(mil e oitocentas) horas para conteúdos
curriculares, 400 (quatrocentas) horas de
prática como componente curricular, 450
(quatrocentas e cinquenta) horas de estágio
curricular supervisionado, e 200 (duzentas)
horas para atividades acadêmico-científico-
culturais. O curso tem um ingresso anual de
25 alunos, por meio do ENEM (FURG, 2012).
De modo geral, o projeto pedagógico do
curso de Letras Português e Inglês da FURG é
bastante sucinto, com poucas discussões a
respeito das escolhas e abordagens
adotadas para a formação dos discentes. As
subseções do texto apresentam, em sua
maioria, uma estrutura em tópicos,
tornando perceptível que o projeto prioriza
a descrição da estrutura curricular, ao invés
105
de sua explicação. Das 98 páginas do
documento, 18 trazem um manual para o
estágio supervisionado, com modelos de
formulários e planos de aula a serem usados
por professores e alunos, enquanto 69 são
dedicadas exclusivamente a detalhamentos
das disciplinas (nome, carga, ementa e
bibliografia). Assim, há pouco espaço para
discussões dos modelos teórico-didático-
filosóficos adotados no curso.
Nesses modelos, foram encontradas
somente 2 referências às tecnologias. A
primeira delas diz respeito ao perfil
profissional dos egressos do curso, descritos
como profissionais com “competência e
habilitação para o magistério em língua e
literatura nos ensino, fundamental, médio,
superior e outros” que têm uma postura
ética, responsabilidade social, consciência
de seu papel profissional, e que
compreendem e aplicam diferentes teorias e
métodos de ensino, sendo capazes de
“desenvolver habilidades de uso de novas
tecnologias e compreender sua formação
profissional como processo contínuo”.
(FURG, 2012. p. 6). Não há, entretanto,
maiores detalhes sobre como essas
habilidades de uso de novas tecnologias são
desenvolvidas durante o curso.
A segunda referência cita a instrução sobre o
uso de tecnologias entre as atividades de
caráter científico, acadêmico e cultural que
os alunos podem realizar no decorrer do
curso. Sobre a natureza dessas atividades, o
Parecer CNE/CP 21/2001 esclarece que:
Assim, o componente curricular formativo do
trabalho acadêmico inclui o ensino presencial
exigido pelas diretrizes curriculares. Mas, um
planejamento próprio para a execução de um
projeto pedagógico há de incluir outras
atividades de caráter científico, cultural e
acadêmico articulando-se com e
enriquecendo o processo formativo do
professor como um todo. Seminários,
apresentações, exposições, participação em
eventos científicos, estudos de caso, visitas,
ações de caráter científico, técnico, cultural e
 comunitário, produções coletivas,
monitorias, resolução de situações-
problema, projetos de ensino, ensino
dirigido, aprendizado de novas tecnologias
de comunicação e ensino, relatórios de
pesquisas são modalidades, entre outras
atividades, deste processo formativo.
Importante salientar que tais atividades
devem contar com a orientação docente e ser
integradas ao projeto pedagógico do curso.
(BRASIL, 2001c. p. 13. Grifo nosso)
No projeto pedagógico da FURG, essas
atividades são descritas em consonância
com o texto do parecer do CNE, por vezes
reproduzindo trechos do parecer do CNE.
No que diz respeito às tecnologias digitais,
podemos observar como essas atividades
são abordadas no projeto pedagógico:
Dentre esse tipo de atividades estão aquelas
em que o estudante participa de seminários,
apresentações, exposições acadêmicas, ciclos
de palestras, eventos científicos, estudos de
caso, visitas, ações de caráter científico,
técnico, cultural e comunitário, publicação
acadêmica, produções coletivas, resolução
de situações-problema, projetos de ensino,
ensino dirigido, aprendizado de novas
tecnologias de comunicação e ensino, cursos
de línguas estrangeiras, disciplinas não-
pertencentes à estrutura curricular, viagens
de estudos, estágios não-curriculares, cursos
de formação de professores, oficinas,
monitorias, atividades de extensão, projetos
de iniciação científica e relatórios de
pesquisas. (FURG, 2012. p.73. grifo nosso)
Apesar de se aproximar bastante da
proposta das DCNs sobre as atividades e
caráter científico, acadêmico e cultural, o
projeto não traz detalhamentos sobre o que
o colegiado compreende por “aprendizado
de novas tecnologias e ensino”. Nesse caso,
faltam detalhamentos e discussões sobre as
atividades que podem ser desenvolvidas
pelos alunos ao longo do curso que os
conduza a esse aprendizado de novas
tecnologias de comunicação e ensino.
Embora reconheçamos que esses
conhecimentos de caráter acadêmico,
científico e cultural sejam importantes para
a formação dos alunos universitários, é
106
preciso considerar que no projeto
pedagógico da FURG eles são abordados
como decorrentes, prioritariamente, das
experiências dos alunos com atividades
curriculares que estão além daquelas
promovidas pela universidade. Nessa
perspectiva, eles representam uma forma de
a universidade estimular e legitimar os
saberes adquiridos em outros ambientes de
formação, muitas vezes informais e não
limitados às paredes das salas de aulas
universitárias.
Embora eles sejam um avanço nos currículos
do ensino superior, acreditamos que essa
instância do aprendizado precisa do apoio de
outros componentes curriculares mais
firmemente sustentados nas reflexões de
nível superior, tal como sugerido pelo
parecer CNE/CP 21/2001. Sem esse apoio,
esses saberes não se diferenciam de outros
adquiridos fora da universidade, que,
embora relevantes, não são suficientes para
a formação de profissionais de alto nível. Se
eles fossem suficientes por si mesmos, não
seria necessário que professores passassem
por cursos de formação de 3º grau, por
exemplo, bastando aos docentes as
experiências advindas de outros contextos
que não os universitários.
Assim, é importante que as experiências
anteriores do professor em formação, assim
como outros aprendizados que ocorrem em
concomitância com o curso, sejam
consideradas em conjunto com aqueles que
surgem das reflexões que ocorrem nos
cursos superiores de formação de
professores, seja por meio de disciplinas, de
estágios supervisionados, de práticas como
componente curricular, dentre outros
instrumento mais sistemáticos e
supervisionados.
Nesse sentido, o currículo do curso de Letras
Português e Inglês da FURG traz as TICs e o
Letramento digital também entre os
componentes curriculares expressos na
grade do curso. Ao todo, são 111 disciplinas
elencadas na grade curricular (59
obrigatórias e 52 optativas), sendo que 3
delas (optativas) trazem discussões sobre
tecnologias digitais, em perspectivas e graus
variados. Duas delas tem carga horária de 36
horas/aula enquanto que a terceira tem 54
horas/aula.
A primeira das disciplinas tem como título
“Letramento digital e Formação de
Professores”. Ela é dedicada inteiramente
ao tema, como ementa e bibliografia
voltados para discussões sobre o papel das
tecnologias no ensino de línguas e na
formação de professores. A seguir, podemos
ver a ementa proposta para a disciplina no
Projeto Pedagógico:
Código: 06546
Nome da disciplina: Letramento Digital e
Formação de Professores
Ementa: Reflexão sobre o impacto das novas
tecnologias nas práticas de linguagem.
Gêneros digitais no processo de ensino de
aprendizagem. O papel do professor/aluno
em contextos de ensino mediados por
computador. (FURG, 2012. p. 43)
A segunda disciplina, por sua vez, estabelece
uma relação menos direta com o tema, já
que ele divide espaço com outros tópicos,
tais como avaliação em língua portuguesa,
os PCNs, e outras atividades práticas, como
podemos ver a seguir:
Código: 06499
Nome da disciplina: Práticas de Ensino em
Língua Portuguesa II
Ementa: Reflexões sobre o ensino de língua
portuguesa. Tecnologias de informação e
ensino de leitura, análise linguística e
produção de textos. O papel da avaliação no
ensino de língua portuguesa. Parâmetros
Curriculares Nacionais e avaliação.
Desenvolvimento e aplicação de atividades
práticas de ensino. (FURG, 2012. p. 41. Grifo
nosso)
Apesar de citar as tecnologias, a ementa
acima não deixa claro sob que perspectivas
elas serão tratadas. Também é possível
perceber que a disciplina aborda reflexões
sobre contextos de ensino da língua
portuguesa, somente.
107
A terceira disciplina, por sua vez, faz menção
às TICS em sua ementa, mas não as relaciona
nem ao ensino nem à formação de
professores. Sua proposta é tratar dos
diversos fenômenos culturais brasileiros das
décadas de 80 e 90, incluído aqueles
mediados por sistemas de comunicação de
massa, como podemos ver abaixo:
Código: 06510
Nome da disciplina: Seminário de Cultura
Brasileira II
Ementa: Estudo da cultura no Brasil, nas
décadas de 1980 e 1990, e no século XXI, nas
diferentes áreas: Artes Plásticas, Cinema,
Literatura, Música e Teatro. Análise da
influência dos meios de comunicação de
massa (rádio, cinema, televisão e histórias em
quadrinhos) na Cultura Brasileira. (FURG,
2012. p. 49)
Dessa forma, das 3 disciplinas identificadas
na grade curricular do curso, somente uma
trata de TICs em contextos de ensino e
aprendizagem de língua inglesa, com 36
horas/aula.
É preciso notar que do total de 2.850 horas,
somente 165 horas de optativas são
necessárias para a integração curricular.
Outro fato que podemos observar é que para
ser oferecida, a única disciplina voltada para
a formação de professores letrados
digitalmente deve concorrer com outras 51
disciplinas. Isso dá poucas chances para que
as discussões sobre as TICS e o Letramento
digital recebam algum destaque na
formação dos futuros professores.
Desse modo, a análise do currículo sugere
que a formação de professores letrados
digitalmente não é percebida pelo colegiado
do curso como um componente relevante
para a formação de professores.
A seguir, analisaremos os dados da pós-
graduação em Letras de FURG. Nela, será
possível perceber tendências diferentes na
forma como as TICs são percebidas pelo
colegiado da pós-graduação.
Programa de Pós-graduação em
Letras - FURG
O Programa de Pós-Graduação em Letras da
FURG iniciou suas atividades em 2002, então
com uma área de concentração em História
da Literatura. Essa linha de pesquisa foi, em
2004, mudada para “Literatura, História e
Memória Literária”. Em 2001, o programa
iniciou o curso de doutorado em História da
Literatura. Atualmente essa área de
concentração conta com 3 linhas de
pesquisa: 1. Escrita feminina; 2. Literatura,
história e memória Literária; 3 Literatura sul-
rio-grandense.
A partir de 2018, o programa passou a contar
também com a área de concentração em
Estudos da Linguagem, com duas linhas de
pesquisa para o mestrado: 1. Aquisição,
aprendizagem e ensino; e 2. Lingua(gem),
discurso e ensino. Na análise que se segue,
abordaremos apenas a grade curricular da
área de concentração em Estudos da
Linguagem.
Das 17 disciplinas elencadas na grade
curricular da pós-graduação, foram
identificadas duas disciplinas que tratam do
letramento digital. Uma delas se mostra
dedicada exclusivamente ao tema, enquanto
que a outra traz um tópico sobre o assunto
dentre os listados na ementa. A seguir
podemos observar as ementas das duas
disciplinas:
DISCIPLINA: Letramento Digital
EMENTA: Processos de construção de
sentido no contexto das tecnologias digitais
da informação e comunicação. Discussão
sobre Internetês, hipertexto, hipermídia e
hipermodalidade. Cultura digital
identidade. Letramentos digitais na escola.
DISCIPLINA: Cultura e Identidade no Ensino
de Línguas
EMENTA: Os conceitos de cultura e de
identidade na contemporaneidade a partir da
problematização da noção de língua sob
diferentes enfoques teóricos. As relações
entre linguagem e cultura digital. Os
construtos de cultura e de identidade no
ensino de línguas. (FURG, 2018)
Além do Letramento digital, os
multiletramentos também são frequentes
no currículo do programa. Eles estão
inseridos dentre os temas abordados em 4
outras disciplinas, embora não sejam o foco
das discussões. Elas são as seguintes:
a. Gênero Discursivo e Ensino de Línguas,
Leitura;
b. Letramento Literário e Mediação
Pedagógica;
c. Ensino e Aprendizagem de Língua e
Literatura Estrangeira;
d. Estudos do Letramento.
Apesar da presença de disciplinas específicas
sobre TICs e o Letramento digital, é possível
perceber certas semelhanças com a
abordagem adotada na licenciatura. Uma
delas é o fato de que os conhecimentos
sobre TICs e sobre o letramento digital estão
diluídos em outros componentes
curriculares, por meio das 4 disciplinas
elencadas acima, que tratam dos
multiletramentos em uma perspectiva
interdisciplinar e, indiretamente, do
letramento digital.
Contudo, se há semelhanças, também há
diferenças entre os currículos dos dois níveis
de formação. Enquanto na graduação há
pouca possibilidade de que a única disciplina
sobre TICs e o letramento digital no ensino
de língua inglês seja ministrada ao longo do
curso, na pós-graduação é possível
percebermos uma maior presença do tema,
e já que o currículo conta com duas disciplinas
voltadas para reflexões sobre o letramento
digital e 4 que abordam o assunto
indiretamente. Assim, os alunos têm muito
mais chances de ter contato com essa área
de pesquisa e de formação de professores do
que na graduação.
108
Isso indica que no Programa de Pós-
graduação em Letras de FURG o letramento
digital é um dos focos de pesquisa.
Essa constatação é corroborada pela
descrição de uma das linhas do programa, a
seguir:
Linha 2: Língua(gem), Discurso e Ensino
Ementa: Esta linha de pesquisa contempla
estudos que fundamentam a reflexão sobre a
língua(gem) com ênfase em aspectos
linguísticos, discursivos e enunciativos em
diferentes contextos de uso, sob distintas
formas de mediação, incluindo a tecnológica,
com implicações para o campo do ensino.
(FURG, 2018)
109
Dado ao fato de que a área de concentração
em Estudos da Linguagem é bastante jovem,
tendo se iniciado ainda em 2018, a inserção
de uma proposta voltada para o debate e a
reflexão sobre o letramento digital no ensino
de línguas sugere que os contextos
contemporâneos de ensino, repletos de
artefatos tecnológicos, começam a gerar
ecos na configuração dos cursos
universitários de pós-graduação,
notadamente aqueles que tem se
consolidado no últimos anos, como é o caso
da área de concentração em Estudos da
Linguagem no programa da FURG.
13. Universidade Federal do Ceará
(UFC)
O curso de Letras da Universidade Federal do a. Língua Portuguesa e Literaturas de Língua
Ceará (UFC) foi criado em 1946, por meio do Portuguesa;
Decreto Lei N.º 9092 de 26 de março de b. Língua Portuguesa e Língua Inglesa e
1946. Embora haja pouco material Respectivas Literaturas
bibliográfico sobre os primeiros anos do
c. Língua Portuguesa e Língua Francesa e
curso, o projeto pedagógico menciona que
Respectivas Literaturas
em 1961 ele se organizava em três áreas do
conhecimento: Letras Neolatinas, Letras d. Língua Portuguesa e Língua Alemã e
Anglo-germânicas e Letras Clássicas. Essas Respectivas Literaturas
áreas, posteriormente, moldariam o perfil e. Língua Portuguesa e Língua Italiana e
do curso nos dias de hoje. Atualmente são 9 Respectivas Literaturas
as licenciaturas em Letras presenciais f. Língua Portuguesa e Língua Espanhola e
oferecidas pela instituição, estruturadas em Respectivas Literaturas
4 projetos pedagógicos distintos. No
primeiro projeto pedagógico, agrupam-se as Já em 3 outros projetos pedagógicos
habilitações a seguir: individuais estão os cursos de licenciatura
simples em Língua Espanhola e Respectivas

110
Literaturas (criado em 2009), em Letras optativas (352h), estágio supervisionado
LIBRAS (criado em 2012), e Língua Inglesa e (400h), Prática como componente curricular
suas literaturas (criado em 2009). Nessa (400h), e atividades “de natureza científico-
análise, trataremos dos 2 projetos que acadêmica e/ou artístico-cultural e
envolvem a formação de professores de esportiva” (200h). Da carga horária
Letras de língua inglesa. Inicialmente, destinada às disciplinas optativas, 128 horas
abordaremos os modelos teórico-didático- podem ser cursadas fora do curso de Letras
filosóficos do curso de dupla licenciatura, português e inglês, em outros cursos da UFC.
seguindo da análise do curso de licenciatura
simples. Posteriormente, procederemos Na análise das diretrizes pedagógicas
para a análise da estrutura curricular do constantes no projeto pedagógico,
curso de pós-graduação em Linguística. praticamente não foram encontradas
menções às TICs, ao Letramento digital, ou
Língua Portuguesa e Língua mesmo aos letramentos. Somente no perfil
dos egressos há uma menção ao tema,
Inglesa e Respectivas Literaturas quando o projeto lista as características que
os futuros profissionais de letras deverão
A versão mais recente do Projeto Político
ter. Dentre elas está: “atitude investigativa
Pedagógico do curso de Língua Portuguesa e
que favoreça a construção contínua do
Língua Inglesa entrou em vigência em
conhecimento na área e sua aplicação na
2007.2. O curso compartilha o mesmo
área das novas tecnologias” (UFC, 2007. p.
projeto pedagógico que outras licenciaturas
6). Entretanto, esse item não está
duplas, trazendo princípios, objetivos e
acompanhado de discussões que esclareçam
perfis de modo integrados, sem abordar
a visão de tecnologias que subjaz o uso do
especificamente as realidades profissionais e
termo “novas tecnologias”.
de formação de professores de inglês. Já os
detalhamentos das grades curriculares são
Em geral, o projeto pedagógico traz
apresentados de forma separada para cada
discussões bastante breves sobre as
curso, em seções específicas.
escolhas teóricas e didáticas assumidas para
a formação de professores, dando maior
Apesar disso, as distintas matrizes
ênfase à listagem das 6 grades curriculares
curriculares apresentam a mesma base, com
das habilitações que ele contempla. Desse
diferenças apenas nas disciplinas voltadas
modo, não foi possível identificar elementos
para línguas específicas. Assim, enquanto no
que indicassem haver uma inserção de
Curso de Letras Português Inglês há
reflexões sobre as TICs e o letramento digital
disciplinas como Inglês I: Língua e Cultura e
na licenciatura analisada. Sobre isso,
Fonética e Fonologia da Língua Inglesa, na
consideramos que o fato de 6 licenciaturas
matriz curricular de Letras Português
estarem contemplados em um único projeto
Francês elas são substituídas por Francês I:
pedagógico deixa pouco espaço para
Língua e Cultura e Fonética e Fonologia da
reflexões específicas relativas às distintas
Língua Francesa, dentre outras que seguem
realidades de cada curso, dentre elas, o
a mesma lógica. Isso também ocorre na
desenvolvimento de competências que
grade curricular das outras habilitações,
levem os professores a atuarem ativamente
tanto no que diz respeito às disciplinas
em contextos de ensino imersos em uma
obrigatórias quanto às optativas e aos
cultura digital.
estágios supervisionados.
A ausência de uma proposta voltada ao
A Licenciatura em português e inglês conta
letramento digital também é perceptível na
com uma carga horária de 3.784 horas,
análise da grade curricular, já que não há
divididas em 10 semestres e organizada
qualquer disciplina dentre as obrigatórias e
entre disciplinas obrigatórias (2.432h),
optativas voltadas para a discussão sobre a

111
relação entre as tecnologias e a linguagem,
ou sobre o letramento digital. Dada a
integração entre os 6 cursos aos quais o
projeto se refere, com uma mesma base
curricular, essas ausências também se
repetem na grade curricular de todas as
outras habilitações.
Língua Inglesa e suas literaturas
Uma situação diferente é constatada no
curso de licenciatura simples em língua
inglesa. Iniciado em 2009, o curso apresenta
como uma das principais justificativas para
sua criação a necessidade de uma formação
mais específica ao ensino da língua inglesa,
uma vez que o projeto reconhece que “a
concepção de um curso de graduação em
Letras com habilitação em uma língua
estrangeira e suas literaturas é paradigma da educação de transmissão para
essencialmente diferente da concepção de
um curso de Letras com dupla habilitação”,
de modo que “a duplicidade de licenciaturas
acarreta um aumento da carga horária do
aluno, do número de disciplinas a cursar e da
quantidade de conteúdos” (UFC, 2009. p.
13). Com isso, o projeto pedagógico mostra
uma proposta distinta do curso de
licenciatura dupla em vários aspectos,
inclusive no que diz respeito ao tratamento
das TICs e do letramento digital.
Por outro lado, apesar da distância clara da
proposta das licenciaturas duplas, há uma
grande aproximação com as perspectivas
adotadas pelo curso de Espanhol e pelo
Curso de LIBRAS. Os currículos dos cursos de
inglês e de espanhol foram reformulados em
2009 e dadas as inúmeras semelhanças
entre os projetos pedagógicos, com a
mesma organização textual e redação
praticamente idêntica na maior parte do
texto, presumimos que eles foram
elaborados em conjunto. A organização das
disciplinas também segue uma matriz muito
semelhante. Além disso, se nesse projeto
pedagógico, por um lado, a formação de
professores de língua inglesa não divide
espaço com outras licenciaturas, por outro
ela é apresentada juntamente com o
bacharelado. Assim, ao comparar os dois
112
projetos de formação de professores de
língua inglesa (licenciatura simples e dupla),
percebemos que o texto da licenciatura
simples está mais direcionado às
necessidades relativas aos contextos da LI,
mas ao mesmo tempo deixa, por vezes, de se
direcionar especificamente à formação de
professores.
Outra diferença entre os dois projetos
pedagógicos diz respeito ao reconhecimento
do papel das tecnologias digitais e de
habilidades de letramento digital na vida
acadêmica e profissional de futuros
professores, vistas como “um desafio
fascinante para a formação de profissionais
de língua inglesa” e uma ferramenta de
sobrevivência profissional no mundo atual,
que dá ao professor a condição de mudar o
a construção cooperativa do conhecimento
(UFC, 2009. p. 24).
Ainda dentre as justificativas apresentadas
no projeto pedagógico do curso de inglês
(licenciatura simples) para a criação do
curso, o conhecimento da língua inglesa é
apontado como uma forma de acesso a um
mundo repleto de tecnologias, como
podemos observar no trecho a seguir:
A valorização do inglês por parte da
sociedade é fato notório no mundo inteiro e,
naturalmente também no Brasil; aprender
inglês é de vital importância a fim de se entrar
em contato com as últimas inovações
tecnológicas e científicas e aqueles que têm
um bom domínio do idioma têm muito mais
vantagens sobre aqueles que não o têm.
(UFC, 2009. p. 12).
Essa postura é reforçada por outro trecho da
justificativa de abertura do curso, quando o
projeto pedagógico reafirma que: “este
projeto abre, portanto, caminho para a
formação de licenciandos e Bacharéis em
língua inglesa preparados para atender às
novas demandas e contingências da
sociedade moderna” (UFC, 2009. p. 17).
O letramento digital também é tratado como
um fator importante na formação de
professores de Letras em outros pontos do
projeto pedagógico, seja ao discutir a relação
entre a formação universitária e o mundo de
trabalho, seja ao definir as capacidades e
competências do futuro profissional egresso
do curso. Nesse quesito, ele esclarece que
“É missão do curso, ainda, habilitar o aluno
para que seja capaz de transmitir
informações por meio de diferentes recursos
tecnológicos, identificando relações entre o
desenvolvimento científico e tecnológico e
os limites ético-morais intrínsecos a esse
desenvolvimento.” (UFC, 2009. p. 16).
Dentre outras competências elencadas no
projeto também estão a “capacidade de lidar
com as novas tecnologias desenvolvidas para
sua área” e a “atitude investigativa que
favoreça a construção continua do
conhecimento na área e sua aplicação na
área das novas tecnologias”. Como
podemos observar, esse último quesito
estabelece, ainda, uma relação entre ensino
e pesquisa por meio da aquisição de saberes
relativos à presença e uso de tecnologias
digitais na área.
Assim como com as competências, os
objetivos do curso também passam tanto
pelo uso instrumental (saber como usar)
quanto crítico (saber porque usar) de
tecnologias digitais. Em um trecho que
assume as vezes de objetivo geral, por
exemplo, temos que:
O Curso de Letras: Língua Inglesa e suas
Literaturas, na modalidade licenciatura, tem
por finalidade específica proporcionar aos
discentes uma formação consistente e
adequada ao exercício do magistério no nível
fundamental e médio, nas áreas de Língua
Inglesa e suas Literaturas, procurando
proporcionar situações educativas nas quais
o aluno possa desenvolver o raciocínio e a
capacidade de aprender, além de exprimir-se
oralmente, ler e produzir diferentes tipos de
textos, sejam acadêmicos, literários ou de
outros gêneros. Buscar-se-á, também,
estimular a utilização crítica de novas
tecnologias e a promoção da
interdisciplinaridade entre os conteúdos do
Curso. (UFC, 2009. p. 15. Grifo nosso.)
113
Já dentre os objetivos específicos, há duas
outras referências ao desenvolvimento de
habilidades de letramento digital:
7. Habilitar os alunos para acompanhar e
compreender os avanços científico-
tecnológicos e educacionais;
8. Habilitar os alunos para utilizar diferentes
recursos tecnológicos que favorecem o
aprendizado da língua estrangeira. (UFC,
2009. p.22)
Na análise da grade curricular do curso, por
sua vez, constatamos a presença de uma
disciplina obrigatória ofertada no 9º
semestre intitulada Ensino-Aprendizagem da
língua inglesa por meio de novas tecnologias,
com carga horária de 64 horas/aula. Além
dela, há duas disciplinas optativas, com 32
horas/aula cada, relacionadas ao ensino de
línguas e tecnologias: Tecnodocência e
Tecnodocência EAD. Apesar de sugerirem
escopos distintos, elas apresentam a mesma
ementa. A seguir, podemos verificar a
proposta de cada uma delas:
ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA
INGLESA POR MEIO DE NOVAS TECNOLOGIAS
Ementa: Conceito de mediação de
aprendizagem por novas tecnologias dentro
de diversas teorias de aquisição de segunda
língua; aplicação e avaliação de programas de
software e de ferramentas multimidiáticas
para aprendizagem de segunda língua.
TECNODOCÊNCIA
Abordagens Científicas Contemporâneas.
Teoria de Fluxo. Planejamento e Plano de
Aula. Aprendizagem Significativa.
Abordagens metodológicas vinculadas às
Tecnologias e TDIC. Prática docente.
TECNODOCÊNCIA EAD
Abordagens Científicas Contemporâneas.
Teoria de Fluxo. Planejamento e Plano de
aula. Aprendizagem Significativa. Abordagens
metodológicas vinculadas às Tecnologias e
TDIC. Prática docente. (UFC, 2009.)
O curso de Língua Inglesa e suas literaturas
integraliza um total de 3.080 horas, sendo
1.840 horas organizadas em disciplinas
obrigatórias e optativas (deles, 224 horas
são de optativas), 448 horas de Estágio
supervisionado, 592 horas de prática como
componente curricular e 200 horas de
atividades acadêmico-científico-culturais.
Nesse caso, observamos que o curso não se
limita, em alguns dos itens, aos valores
mínimos estabelecidos pela Resolução
CNE/CP 2/2002.
Com base nesses dados, é possível afirmar
que o curso de licenciatura em letras inglês
apresenta uma proposta bem distinta da
habilitação em português e inglês, voltando-
se para a inserção de TICs como um item
relevante na construção do currículo. Esse
fato é corroborado por seu projeto ser o
único dentre os analisados nesse estudo,
que elenca uma disciplina sobre as TICs e a
formação de professores dentre os
componentes obrigatórios do currículo.
Também é possível observar que as TICs são
percebidas como artefatos cognitivos, em
detrimento das percepções voltadas para o
uso instrumental. Na visão cognitiva,
artefatos tecnológicos são capazes de
promover a reflexão do professor sobre
formas de atuar no mundo e, mais
diretamente, na formação de seus alunos.
A seguir, traçaremos um perfil da estrutura
curricular do curso de pós-graduação em
Linguística.
Programa de Pós-graduação em
Linguística - UFC
A universidade Federal do Ceará conta
atualmente com dois cursos de pós-
graduação stricto senso na grande área de
Literatura, Linguística e Artes da CAPES. O
mais antigo deles, o “Programa de Pós-
graduação em Letras: literatura comparada”,
fundado em 1988 e que atualmente oferece
os cursos de mestrado e de doutorado em
Letras, com área de concentração em
Literatura Comparada. O segundo programa,
intitulado “Programa de Pós-Graduação em
Linguística”, foi fundado em 1993 e oferece
mestrado e doutorado também em uma
única área de concentração: Linguística. Nas
114
análises seguintes, abordaremos apenas a
grade curricular do segundo programa.
O Programa de Pós-graduação em
Linguística conta com 4 linhas de pesquisa, a
saber.
1. Aquisição, desenvolvimento e
processamento da linguagem: estudo da
aquisição, do desenvolvimento e do
processamento da linguagem; investigação
dos processos de compreensão e produção
da fala e da escrita em seus aspectos
linguísticos e cognitivos;
2. Descrição e análise linguística: estudo de
questões e problemas de natureza
fonológica, morfológica, morfossintática,
lexicológica, lexicográfica, sintático-
semântica e pragmático-discursiva, com
base em corpora orais e escritos em língua
portuguesa;
3. Práticas discursivas e estratégias de
textualização: estudo das relações entre
categorias da língua e categorias do discurso
em situações de uso, a partir dos enfoques
enunciativo, organizacional e
sociointeracional, tratando,
particularmente, da argumentatividade, dos
processos de referenciação, das tipologias
textuais e das práticas discursivas de feição
institucional;
4. Linguística aplicada: Aplicação dos
resultados da pesquisa desenvolvida pelas
diferentes disciplinas linguísticas à resolução
de problemas relacionados à produção,
percepção, aquisição ou processamento
computacional da linguagem natural, ao
ensino/aprendizagem de línguas e à
elaboração de dicionários, glossários e
gramáticas pedagógicas.
Como podemos observar nas descrições das
3 linhas de pesquisa não há referências ao
Letramento digital ou às TICs. Contudo, na
linha de pesquisa 4 encontramos a
expressão “aquisição ou processamento
computacional da linguagem natural”. Isso
sugere a adoção de uma perspectiva sobre
as TICs que prioriza o seu uso como um
instrumento de análise de dados linguísticos, HBP7266 - TÓPICOS AVANÇADOS II: Cursos
ou seja, sem relações diretas com a monográficos de cunho teórico ou aplicado
preparação do professor para atuar em sala vinculados às linhas de pesquisas
de aula. Essa mesma visão está presente nas emergentes. Tema: Estudo do processo de
disciplinas “Linguística computacional” e leitura no meio digital e suas implicações
“Tópicos em Linguística Aplicada I”, sociais, cognitivas e epistemológicas para o
oferecidas pelo programa e com carga ensino: o conceito, as habilidades e as
estratégias de leitura sob a perspectiva da
horária de 64 horas cada.
teoria da complexidade, com ênfase no papel
do leitor/navegador e em questões de
Além delas, outras duas disciplinas práticas de ensino da leitura em contexto
demonstram uma relação com as TICs e o digital. (UFC, 2018)
Letramento digital, mas dessa vez
diretamente associadas ao ensino de línguas Além de disciplinas especificamente
e a formação de professores. Abaixo, estão voltadas para a discussão de temas
as ementas de cada uma delas: relacionados ao letramento digital, até julho
de 2018 o programa havia produzido um
HBP7366 - TÓPICOS EM LINGÜÍSTICA
APLICADA II: Ensino/Aprendizagem de
número expressivo de teses/dissertações na
Línguas Mediado por Computador (CALL): área. Foram 52 trabalhos, em um universo
Visão abrangente dos processos de de 427 dissertações e teses defendidas. Esse
implementação, desenvolvimento, e valor representa quase 12% das pesquisas
avaliação da tecnologia computacional no dos discentes do programa. Esse número,
ensino e na aprendizagem de línguas. entretanto, se refere tanto a trabalhos sobre
Exploração do uso de ferramentas a língua inglesa, quanto outras línguas. Nem
tecnológicas nas áreas de interação, todos eles, por sua vez, tratam
avaliação, compreensão e produção da especificamente da formação de
linguagem. (UFC, 2018)
professores. Abaixo, é possível observar os
trabalhos defendidos, organizados por ano
de publicação.
TABELA 11: Teses e dissertações defendidas no Programa de Pós-graduação em Letras da UFC.
Ano de Autor – título do trabalho
defesa
1 2018 PEREIRA, S. R. B. Produção de textos escritos em inglês (L2/Le) em celular, tablet e
computador.
2 2016 FREITAS, E. O. Uma proposta de descrição para gêneros multimodais animados
3 2016 OLIVEIRA, L. C. A modalidade deôntica em discurso profissional na mídia televisiva
4 2016 BARBOSA, L. L. Há negociação de sentidos nas interações em fóruns educacionais
online?
5 2016 RODRIGUES, M. C. S. Tradição discursiva no anúncio publicitário de automóveis:
permanências e mudanças do impresso ao digital
6 2016 COSTA, R. R. A interface como prática discursiva em redes sociotécnicas: um estudo
no YouTube
7 2015 LIMA, B. F. A. Múltiplos letramentos de pessoas com deficiência visual: uma
pesquisa discursiva de caráter etnográfico
8 2015 SILVA, A. T. Affordances e restrições na interação interpessoal escrita online
durante a aprendizagem de inglês como língua estrangeira
9 2015. MARTINS, C. G. F. M. Avaliação de softwares educativos para desenvolvimento da
pronúncia do inglês como língua estrangeira e/ou segunda língua
10 2015 PESSOA, E. G. Potencialidades de objetos de aprendizagem em repositório digital
para o ensino da língua inglesa
11 2015 RODRIGUES, E. M. S. Glossário eletrônico da terminologia da farinha de mandioca
na Amazônia paraense

115
12 2015 CAVALCANTE, E. S. Atividades de produção oral em língua inglesa na EaD: um estudo
na licenciatura à distância de letras inglês da Universidade Federal do Ceará
13 2015 DANTAS, H. O. Interfaces entre links e remissivas na construção das redes
medioestruturais de dicionários online e impressos de língua materna.
14 2015 SALES, J. T. L. Desenvolvimento das habilidades orais e escritas em língua
estrangeira por professores de inglês em formação nas modalidades presencial e à
distância
15 2015 FREITAS, M. L. T. Narrativas de si em cena: a dramaturgia das interações no twitter
16 2015 PINHEIRO, M. B. Por um dicionário eletrônico de pragmatemas do português
brasileiro: levantamento, descrição e categorização
17 2014 SILVA, D. M. R. Processamento do texto escrito em inglês, com e sem inserção de
glossários multimidiáticos
18 2014 PEREIRA, E. C. Tecnologia educacional e letramento digital: um estudo de caso de
vários contextos de uma escola pública
19 2014 SANTOS, E. G. Leitura de textos eletrônicos em inglês/LE: um estudo exploratório
via rastreamento ocular
20 2014 PEREIRA, G. C. As representações do gênero feminino no seriado televisivo A grande
família: uma análise crítica do discurso imagético-verbal
21 2014 NOGUEIRA, M. S. O uso da multimodalidade em materiais didáticos virtuais dos
cursos de graduação de Ensino a Distância- EaD
22 2014 BELINI, R. G. C. Multimodalidade e propósitos comunicativos no gênero homepage
institucional
23 2014 NASCIMENTO, S. S. O. A construção multimodal dos referentes em textos verbo-
audiovisuais.
24 2014 LIMA NETO, V. Um estudo da emergência de gêneros no facebook
25 2013 Adriana Paula da Silva Amorim – Aprendendo a produzir notícias na era digital
26 2013 FONSECA, A. S. F. As estratégias evidenciais no material didático impresso para EaD
27 2013 LIMA, A. M. P. Práticas de letramentos e inclusão digital na aula de língua
portuguesa
28 2013 PAIVA, G. M. F. A influência da terceira parte na mudança de footing em chats
educacionais
29 2013 ARAÚJO JÚNIOR, J. S. Tecnologias digitais e autonomia: a aquisição de segunda
língua sob a ótica da complexidade
30 2013 CUNHA, T. M. A criação de um sistema híbrido de tradução automática para a
conversão de expressões nominais da língua inglesa.
31 2012 VIANA, E. O. Estratégias de construção do ethos gay masculino no blog
Katylene.com: um estudo da multimodalidade e das gírias gay
32 2012 FREITAS. E. O. Modalidade no gênero webcomentário do jornal O Povo: efeitos de
sentido e relação com o mídium digital
33 2012 BENEVIDES JÚNIOR, F. T. C. Estratégias de Aprendizagem de Inglês como Língua
Estrangeira em EaD.
34 2012 NASCIMENTO, M. V. F. Representação Social, avaliação e léxico: um olhar sobre o
discurso de professores e tutores do Curso de Licenciatura Letras/ Espanhol da
Universidade Federal do Ceará
35 2012 LIMA, S. C. Ensino de línguas mediado por computador: um estudo das propostas
de atividades online para o ensino da compreensão e produção oral em língua
inglesa.
36 2011 BARBOSA, L. L. Análise dos tipos de feedback fornecidos por tutores e das respostas
dos alunos
37 2011 IRINEUDO, L. M. Representações sociais sobre a latinidade em sites de redes sociais
contemporâneas: uma investigação discursivo-ideológica situada no Orkut.
38 2011 PRATA, N. P. P. Modalidade deôntica e discurso midiático: uma análise baseada na
Gramática Discursivo-Funcional
39 2011 FURTADO, R. N. M. Letramentos e práticas letradas: impactos na formação do
professor de espanhol em um polo de educação à distância no interior do Ceará.

116
 40 2010 COSTA, R. R. A TV na web: percursos da reelaboração de gêneros audiovisuais na
era da transmídia
41 2009 SOUSA, A. C. L. Hipertextualidade: uma abordagem enunciativa de hipertextos
42 2009 PEREIRA, E. C. Interação em Ambientes Virtuais de Aprendizagem: footings e
preservação de faces em e-fóruns educacionais
43 2009 LIMA, S. C. Letramentos e atividades on-line em Ambiente Virtual de Aprendizagem.
44 2009 LIMA NETO, V. Mesclas de gêneros no Orkut: o caso do scrap
45 2008 SILVA, F. M. Chats e e-fóruns na Ead virtual: links entre mediação pedagógica e
hipertextualidade
46 2008 PAIVA, G. M. F. A polidez linguística em sala de bate-papo na internet
47 2008 ANDRADE, R. L. A personalização em e-mails promocionais.
48 2007 ALMEIDA, L. P. Gênero Carta-corrente Digital: Estudo Dos Aspectos Formais e
Funcionais.
49 2006 ARAÚJO, J. C. R. Os chats: uma constelação de gêneros na internet
50 2005 PINHEIRO, R. C. Leitura De Hipertexto: Estratégias Metacognitivas Usadas Por
Leitores Proficientes
51 2003 ARAÚJO, J. C. R. Chat na web: um estudo de gênero hipertextual
Fonte: http://www.ppgl.ufc.br/teses-e-dissertacoes/
Por meio dos dados analisados, é possível em formação, que culminarão na aplicação
observarmos que as TICs e o Letramento de novos modelos, métodos e
digital estão contemplados dentre os temas procedimentos letrados na Educação Básica.
abordados no programa de pós-graduação.
Isso se comprova tanto por meio da Nos dados analisados, podemos ver uma
quantidade de trabalhos que envolvem essa influência mútua desses construtos
área de investigação, quanto pela presença perceptivos na graduação (curso de
de disciplinas na grade curricular. Também licenciatura em Letras Inglês) e na pós-
podemos constatar que dois conjuntos de graduação, já que a reflexão e a investigação
percepções acerca das tecnologias são sobre o tema produzida no curso de pós-
adotas no programa: I - a percepção de TICs graduação influencia a grade curricular e os
como ferramentas para a resolução de modelos teórico-didático-filosóficos
atividades de pesquisa; II - a percepção de adotados no curso de licenciatura simples.
TICs como ferramentas cognitivas que Por sua vez, como já discutimos, é possível
permitem aos professores de línguas refletir que o conhecimento produzido na
e agir sobre a realidade profissional e social graduação influencie seus egressos a
que os envolve. Essa segunda percepção é atuarem na pós com outras investigações
compartilhada com o curso de licenciatura sobre o tema. Efeitos desse ciclo tendem a
em letras inglês (licenciatura simples). não ficar contidos no ambiente universitário,
ecoando na Educação Básica e na formação
Como discutimos no capítulo 2, para Gibson de cidadãos mais aptos a se tornarem atores
(1986), percepções são estruturas de críticos nos processos identitários, sociais e
conhecimento que guiam nossas ações. Na profissionais para os quais estão sendo
formação de professores, é por meio delas preparados na escola.
que as atitudes das instituições e os
currículos são constituídos. Assim, a Apesar disso, observamos nos dados da UFC
percepção dos colegiados dos cursos de que duas realidades distintas, relativas às duas
as TICs podem ser meios para expandir a licenciaturas de Letras analisadas. É possível
reflexão e a atuação dos seus alunos pode que essa diferença tenha entre seus motivos
levar a ações mais concretas direcionadas à diferentes percepções dos fenômenos
inserção de disciplinas e outros tecnológicos na contemporaneidade. Essa
componentes curriculares sobre esse tema. hipótese, contudo, pode se constituir em
Isso, por sua vez, pode também motivar objeto de investigações futuras.
outras percepções positivas nos professores

117
14. Universidade de Brasília
(UnB)
O curso de Letras da Universidade de Brasília com um grande número de habilitações5,
teve início juntamente com a fundação da listadas a seguir:
Universidade, em 1962. Na época, sob o
título de Letras Brasileiras, o curso promovia a.Língua Inglesa e Respectivas Literaturas
tanto a formação de bacharéis (com (licenciatura e bacharelado);
especialização em redação para jornal, rádio
e televisão) quanto de professores de língua b.Língua Francesa e Respectivas Literaturas
portuguesa e literatura brasileira. (licenciatura e bacharelado);
(CAMARGO e LAZARTE, 2012). Atualmente, c.Língua Portuguesa e Respectivas
em sua modalidade presencial, ele tem um Literaturas (licenciatura e bacharelado);
caráter bastante diversificado, já que conta
d.Português do Brasil como Segunda Língua
(licenciatura);

5
7Sete
desses itens
desses (a,(a,
itens b, b,
c , c,d)d)são
sãocitadas
citadasno
nosite
siteda uma integração entre eles.
da UnB (https://matriculaweb.unb.br Essa habilitações
) como integração sede um
mesmo curso, sugerindo uma integração
UnB (https://matriculaweb.unb.br ) como entre eles. Essa integração
mmmm se manifesta nos currículos por meio do
compartilhamento de algumas disciplinas.
habilitações de um mesmo curso, sugerindo Já os demais são referidos como “cursos” e apresentam projetos
pedagógicos independentes entre si.
118
e.Letras Tradução – Espanhol (bacharelado); apresentamos uma tabela com as disciplinas
obrigatórias que estão a cargo dos
f. Letras Tradução (bacharelado); Departamentos do Instituto de Letras (IL):
g. Língua Espanhola e Literatura Espanhola e TABELA 12: Disciplinas obrigatórias oferecidas pelos
Hispano-americana (licenciatura); departamentos do IL.
1º SEMESTRE
h.Língua e Literatura Japonesa Dep. Código Nome Créditos
(licenciatura); LIP 147397 PRÁTICA DE TEXTOS 004
LET 142930 INGLÊS: COMP 004
i. Língua de Sinais Brasileira/Português como TEXTOS ESCRITOS 1
Segunda Língua (licenciatura); TEL 141089 INTROD A TEORIA 004
DA LITERATURA
j.Línguas Estrangeiras Aplicadas LET 145998 INGLÊS: COMP DA 004
(bacharelado). LÍNGUA ORAL 1
LET 145874 INTROD A MORF DO 004
INGLES
O curso de Letras Inglês (e suas respectivas
LIP 140082 INTRODUÇÃO À 004
literaturas), por sua vez, iniciou suas LINGUÍSTICA
atividades em 1969, estando filiado 2º SEMESTRE
atualmente ao Departamento de Letras Dep. Código Nome Créditos
Estrangeiras e Tradução (LET). O currículo LET 142891 INGLES: EXPRESSAO 004
analisado, em vigência em julho de 2018, ORAL 1
LET 145858 FONETICA E 004
fora reformulado em 2010, de modo que FONOLOGIA DO
ainda não atendia às normas estabelecidas INGLES
pelas DCNs mais recentes. As disciplinas na LET 142999 INGLES: EXPRESSAO 004
grade curricular, por sua vez, se organizam ESCRITA 1
entre disciplinas obrigatórias e optativas. 3º SEMESTRE
Dep. Código Nome Créditos
LET 142905 INGLES: EXPRESSAO 004
No que diz respeito às obrigatórias, o curso
ORAL 2
conta com disciplinas comuns e disciplinas LET 142981 INGLES: EXPRESSAO 004
organizadas em 5 ciclos, voltados para o ESCRITA 2
aprofundamento dos estudos literários. LET 140660 MORFOSSINTAXE 004
Cada ciclo oferece um elenco de disciplinas DO INGLES 1
4º SEMESTRE
dentre as quais os alunos podem escolher
Dep. Código Nome Créditos
aquelas que mais se relacionam com suas LIP 147249 SINTAXE PORT 004
áreas de interesse. Assim, enquanto no CONTEMPORANEO
Ciclo 1 o aluno tem a opção de cursar uma 1
entre 5 disciplinas que versam sobre a LET 142913 INGLES: EXPRESSAO 004
literatura brasileira, no Ciclo 2 eles podem ORAL 3
TEL 141305 LITERATURA 004
optar por uma dentre 5 disciplinas sobre INGLESA 1 - SÉC XX
Literatura Portuguesa. Já o Ciclo 3 traz LET 142956 INGLES: EXPRESSAO 004
disciplinas ligadas à Teoria da Literatura e à ESCRITA 3
Literatura Comparada. O Ciclo 4, por sua vez, LET 145823 MORFOSSINTAXE 004
disciplinas sobre a pesquisa em literatura, e DO INGLES 2
LIP 140201 LATIM 1 004
o Ciclo 5, sobre produção de textos.
5º SEMESTRE
Dep. Código Nome Créditos
As disciplinas obrigatórias são divididas TEL 141313 LIT INGLESA II - 004
entre o LET, o Departamento de Linguística e IDADE MÉDIA
Português (LIP) e o Departamento de Teoria TEL 141356 LITERATURA 004
Literária e Literatura (TEL), assim como com NORTE-AMERICANA
I
alguns departamentos da Faculdade de
TEL 141208 FUND DE HISTÓRIA 004
Educação e do Instituto de Ciências LITERARIA
Humanas (para a licenciatura). A seguir,

119
 6º SEMESTRE elementos voltados para a formação de
Dep. Código Nome Créditos professores da língua estrangeira, relata sua
TEL 141321 LIT INGLESA 3 SEC 004
experiência enquanto ex-aluna do curso.
XIX
TEL 141364 LITERATURA 004 Segundo a autora, que na época catalogou
NORTE-AMERICANA quase 400 disciplinas optativas, essa oferta
II não é real, já que muitas das disciplinas
7º SEMESTRE constam no sistema de matrícula mas não
Dep. Código Nome Créditos são mais ofertadas nos dias atuais.
TEL 141330 LITERATURA 004
INGLESA IV
Apesar disso, consideramos que a
TEL 141372 LITERATURA 004 quantidade elevada de disciplinas gera
NORTE-AMERICANA efeitos positivos e negativos sobre o
III currículo. Dentre os efeitos positivos, está a
Fonte: o autor (a partir de informações de enorme possibilidade de flexibilização,
<https://matriculaweb.unb.br/graduacao/fluxo.aspx?
cod=4316>)
atendendo o que propõem o CNE a respeito
da educação superior. Por outro lado, ao
Como podemos observar, dentre as considerarmos que desse rol de disciplinas,
disciplinas de caráter obrigatório, não há apenas 24 créditos são integralizados ao final
componentes que se destinam ao fomento do curso, é possível perceber que, na prática,
de discussões sobre o papel e uso das TICs ou isso significa que há uma alta concorrência
do letramento digital pelo professor de entre elas, de modo que poucas são
línguas. A análise das ementas também efetivamente cursadas. O mesmo se aplica
corroborou esta constatação. Da mesma no que diz respeito às disciplinas que tratam
forma, é possível perceber que as disciplinas das TICs e do letramento digital. Da análise
obrigatórias estão centradas no da grade curricular e das ementas das
desenvolvimento de competências disciplinas, constatamos que discussões
linguísticas e de conhecimentos literários, sobre as tecnologias digitais estão diluídas
não abordando atividades relacionadas em várias disciplinas. Entretanto, é
diretamente o ensino e à formação de necessário observar que uma parte
professores, que são contempladas por significativa delas não são ministradas pelo
algumas das disciplinas optativas. Departamento de Línguas Estrangeiras e
Tradução, o que significa dizer que mantém
No que diz respeito às disciplinas optativas, pouca ou nenhuma relação com o ensino de
os alunos precisam integralizar 24 créditos e LE. Outro fato a se considerar é o de que um
podem optar por cursar disciplinas variadas, número considerável das disciplinas que
oferecidas por diversos departamentos da envolvem TICs exige como pré-requisito
UnB. Isso resulta em um leque de mais de outras disciplinas optativas. Isso,
350 disciplinas (dados do site de matrículas inevitavelmente, reduz ainda mais a
da UnB, matriculanaweb, coletadas em julho possibilidade de que elas sejam cursadas
de 2018). Sobre isso, Macedo (2016), ao pelos alunos. A seguir, apresentamos uma
avaliar o currículo do curso de Letras Inglês breve descrição das disciplinas que abordam
na UnB com vistas a identificar a presença de aspectos do letramento digital.

Código/Nome: 209309 - Linguística de Corpus

Órgão: LET Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução
Pré-requisitos: LIP 140082 Introdução à Linguística
Ementa: Corpora na época da informática como base para pesquisas linguísticas ou como ferramenta
em áreas como a lexicologia, lexicografia, tradução e didática entre outras.

120
Código/Nome: 192015-Didática Fundamental
Órgão: Departamento de Métodos e Técnicas
Pré-requisitos:
PED 124966 Fund Desenv e Aprendizagem OU
PPB 124052 Psicologia da Aprendizagem 1 OU
PPB 125172 Aprendizagem no Ensino OU
PED 125156 Desenv Psicológico e Ensino OU
TEF 191523 Dinâmica Psicossocial Educação OU
TEF 194654 Perspect do Desenv Humano
Ementa: A relação entre a educação e sociedade. A relação entre as ciências da educação, pedagogia
e didática - saberes docentes. A evolução histórica da didática e tendências atuais - diversidade de
sujeito-tempo-espaço. Pesquisa em didática e auto-formação. A organização do trabalho pedagógico:
currículo, planejamento e avaliação, na escola e em outros ambientes de aprendizagem mediados ou
não pelas tecnologias de informação e comunicação.

Código/Nome: 201618 - Fundamentos da Sociedade da Informação

Órgão: LET Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução
Pré-requisitos:
LET 145955 PRAT.FRANCES ORAL E ESCRITO 1 E
LET 142930 Inglês: Comp Textos Escritos 1 OU
LET 145955 Prát. francês oral e escrito 1 E
LET 142328 Língua Espanhola 1 OU
LET 142328 Língua Espanhola 1 E
LET 142930 Inglês: Comp Textos Escritos 1
Ementa: O conceito de sociedade de informação; a era industrial e a era pós-industrial; O debate
sobre a identidade no mundo globalizado; a ideologia da técnica e a construção de subjetividades; a
globalização das línguas e a possibilidade de entendimento; a nova civilização.

Código/Nome: 145131 - História da imprensa

Órgão: JOR Departamento de Jornalismo
Pré-requisitos: Disciplina sem pré-requisitos
Ementa: Histórico de imprensa no Brasil dos panfletos a imprensa empresarial. O advento do rádio e
da televisão. O paralelo entre a história e o desenvolvimento dos meios de comunicação e os
acontecimentos políticos. Trabalho dos alunos. Pesquisa a respeito da história dos principais veículos
e sua situação atual.

Código/Nome: 182010 - Introdução à Biblioteconomia e Ciência da Informação

Órgão: FCI Faculdade de Ciência da Informação
Pré-requisitos: Disciplina sem pré-requisitos
Ementa: Posição da biblioteconomia e da ciência da informação no universo dos conhecimentos e no
contexto da sociedade de informação. Evolução do conceito de biblioteca: do livro ao documento de
qualquer natureza, da conservação a difusão, das unidades de informações aos
sistemas nacionais e internacionais. A questão da transferência da informação. A biblioteconomia e
a ciência da informação no Brasil e no mundo. A profissão do bibliotecário. O pesquisador e a pesquisa
em ciência da informação.

Código/Nome: 146412 - Introdução aos multimeios

Órgão: LIP Departamento de Linguística, Português, Líng Clás
Pré-requisitos: LIP 147443 linguistica aplic ensino PSL
Ementa: O papel da tecnologia no ensino de línguas. Visão crítica do uso de multimeios no ensino do
português como segunda língua. Preparação de material didático-pedagógico.

121
 Código/Nome: 111490 - Laboratório de Estudos de Literatura Artes e Humanidades
Órgão: TEL Departamento de Teoria Literária e Literatura
Pré-requisitos: Disciplina sem pré-requisitos
Ementa: Estudos baseados nas múltiplas possibilidades experimentais de interação da literatura com
a produção cultural contemporânea e com as humanidades: música, dança, performance, cinema,
teatro, política, economia, fotografia, filosofia, sociedade, discursos representacionais urbanos:
graffitis; Estudo e experimentação da criação, difusão, recepção e crítica digital de textos artísticos e
teóricos. Ensino, leitura digital ou em meios eletrônicos.

Código/Nome: 141178 Literatura Brasileira Contemporânea

Órgão: TEL Departamento de Teoria Literária e Literatura
Pré-requisitos: Disciplina sem pré-requisitos
Ementa: Tendências estéticas. Implicações com as artes visuais e a teoria da informação. O romance,
o conto e a crônica contemporânea. As vanguardas poéticas.

Código/Nome: 206067Métodos e Técnicas Aplicadas ao Multilinguismo

Órgão: LET Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução
Pré-requisitos: LET 201618 Fundamentos Soc da Informação
Ementa: Esta disciplina visa fazer uma introdução a alguns métodos e técnicas de pesquisa das ciências
humanas e sociais de maneira a apresentar possíveis caminhos para pesquisas relacionadas aos eixos
temáticos do curso de Línguas Estrangeiras Aplicada, bem como explorar o uso de recursos
informacionais e tecnológicos que permitem trabalhar profissionalmente com textos multilíngues em
diversos entornos digitais.

Código/Nome: 209287 - Modalidades de Tradução Audiovisual

Órgão: LET Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução
Pré-requisitos:
LIP 140082 Introdução à Linguística E
LET 145939 Prát Francês Oral e Escrito 3 OU
LET 142344 Língua Espanhola 3 OU
LET 142981 Inglês: expressão escrita 2 ou
LET 146188 Teoria P Esp Oral e Escrito 3
Ementa: Aspectos teóricos e práticos da tradução audiovisual (TAV): legendagem, audiodescrição para
cegos, e adaptação para a mídias. A pesquisa em TAV no Brasil e na Europa. (UNB, 2018b)

Podemos observar que nas ementas A seguir, analisaremos a estrutura curricular

descritas anteriormente não há referências
diretas ao termo Letramento Digital. Mesmo
assim, é perceptível que elas tratem de
habilidades voltadas para o uso e a reflexão
sobre os artefatos digitais, em graus
variados. Apesar disso, o fato de que elas
são estimuladas apenas por meio de
disciplinas optativas, com pouca
probabilidade de oferta ou de matrícula
(devido aos pré-requisitos exigidos para cada
um deles) e o distanciamento de uma
abordagem voltada para a formação de
professores nos leva a observar que na
prática esses componentes não estão muito
presentes na vida acadêmica dos
professores em formação.
de um dos Programas de Pós-graduação
relacionados à área de Letras da UnB, o
Programa de Pós-graduação em Linguística
Aplicada.
Programa de Pós-graduação em
Linguística Aplicada – UnB
O Programa de pós-graduação em
Linguística Aplicada da UnB (PGLA-UnB) é
filiado ao Departamento de Línguas
Estrangeiras e Tradução do Instituto de
Letras, tendo sido criado em 1999 a partir da
descontinuação de um outro programa em
Língua Inglesa. A reforma mais recente da
estrutura curricular ocorreu em 2005 (UnB,
2018a). Atualmente, o programa oferece

122
formação em nível de mestrado e tem uma
única área de concentração: Práticas e
teorias no ensino-aprendizagem de línguas.
Ela, por sua vez, se divide em duas linhas de
pesquisa, descritas a seguir:
1) Processos formativos de professores e
aprendizes de línguas: esta linha de
pesquisa abriga estudos que contemplem os
muitos aspectos dos processos de ensinar,
aprender e avaliar línguas nos diversos
contextos de instrução - formais, informais e
mistos, presentes na sociedade brasileira,
contemplando as diferentes faixas etárias e
os diferentes públicos e agentes envolvidos
no ensino de línguas – alunos, pais,
professores, autoridades escolares etc.
2) Língua e cultura na competência
comunicativa: Esta linha ocupa-se da
descrição e conceituação teórica das
diferentes formas de inter-relação e
interdependência entre o conhecimento
linguístico e o conhecimento cultural,
especialmente em relação à sua relevância
no processo e construção da competência
comunicativa na nova língua. (UnB, 2018a)
Como podemos observar, as linhas de
pesquisa não contemplam diretamente
competências voltadas ao letramento
digital. O mesmo ocorre com as disciplinas
ofertadas, descritas na sua página na
internet. Ao todo, estão listadas 14
disciplinas, incluindo a de “Tópicos Especiais
em Linguística Aplicada”, que tem ementa
aberta e varia de acordo com as prioridades
do programa a cada semestre. Na descrição
da disciplina, o programa especifica que
essas necessidades surgem “a partir da
percepção de lacunas na formação dos
alunos e/ou interesse em verticalizar tópicos
já tratados”.
Na análise das ementas e da bibliografia das
outras 13 disciplinas não identificamos
elementos que indicassem uma discussão
sistematizada sobre as TICs e o ensino de
línguas/formação de professores. Abaixo,
apresentamos uma lista com as disciplinas
do programa

A Formação de Professores de Línguas

Ementa: Estudo dos intervenientes na formação de professores de língua(s) e o estado-da-arte da
pesquisa no tema.
Abordagens de Ensino de Línguas
Ementa: A partir da perspectiva histórica dos métodos em sucessão e da ideia de domínios (linguístico,
social e afetivo), estabelecer a hierarquia abordagem - método - técnica e as vertentes de constituição
de uma abordagem ou filosofia de ensino e aprendizagem de uma nova língua que movem as ações
de professores, alunos e terceiros agentes.
Aquisição de Segunda Língua
Ementa: Estudo dos modelos contemporâneos de aquisição de LE/L2 incluindo fatores variáveis
individuais dos aprendizes (idade, personalidade, aptidão linguística), fatores cognitivos (estilos e
estratégias de aprendizagem), fatores socioculturais (crenças, identidade) e fatores sociopsicológicos
(motivação e atitude) na aquisição de LE/L2
Avaliação de Aprendizagem de Línguas
Ementa: Reflexão sobre as relações entre o ensino/aprendizagem e a avaliação de rendimento e
proficiência em segunda língua e língua estrangeira.
Competência Comunicativa
Ementa: Evolução, constituintes, construção e uso(s) da competência comunicativa em contextos de
ensino-aprendizagem de línguas.

123
Conceitos de Gramática e Ensino de Línguas
Ementa: A conceitualização da língua X linguagem, noção de usos da linguagem descritos em
gramáticas contemporâneas e sua relevância no ensino de Línguas.
Estágio Docente em Linguística Aplicada
Ementa: O estágio de docência é obrigatório para todos os bolsistas da CAPES de acordo com a
Resolução da Câmara de Pesquisa e Pós-Graduação nº 02/2000. Envolve a participação do pós-
graduando em atividades de ensino da graduação.
História do Ensino de Línguas no Brasil
Ementa: Estudo da História do Ensino de Línguas no Brasil. Legislação educacional brasileira. Políticas
educacionais. Formação de professores.
Interculturalidade no Ensino de línguas
Ementa: Cultura; Relações entre língua e cultura; Interculturalidade; Competência
cultural/competência intercultural; Representações Sociais; Dimensões (inter)culturais e materiais
didáticos; Interculturalidade e Formação de Professores.
Língua e Cultura
Ementa: O conceito de cultura nos principais modelos teóricos da Linguística Aplicada atual e suas
repercussões sobre os modos de enfocar relacionamento/dependência entre língua e cultura.
Metodologia de Investigação em Linguística Aplicada
Ementa: Questões epistemológicas da ciência, pesquisa em educação e em linguística aplicada, coleta,
registro e análise de dados, escrita acadêmica e disseminação de resultados de pesquisa.
Português como Segunda Língua e Língua Estrangeira
Ementa: Histórico do ensino de português do Brasil para falantes de outras línguas no país e no
exterior para evidenciar tendências metodológicas discerníveis na área.
Seminário de Pesquisa
Ementa: Apresentação e discussão do conteúdo do projeto final de dissertação servindo como
qualificação da pesquisa.
Tópicos Especiais em Linguística Aplicada
Ementa: Esta disciplina está aberta a ofertas dos docentes a partir da percepção de lacunas na
formação dos alunos e/ou interesse em verticalizar tópicos já tratados. A ementa será produzida a
partir da definição do tópico. (UnB, 2018a)

Apesar da organização curricular acima nos trabalhos defendidos. Levando em conta a

levar a uma primeira percepção de que o
letramento digital não está contemplado na
formação oferecida pelo programa, ao
procedermos às análises das dissertações
defendidas, dados em contrário começaram
a se revelar. Por meio da busca no
Repositório Institucional da UnB,
encontramos 241 dissertações defendidas
no âmbito do Programa. Dessas, a leitura
dos resumos revelou 20 trabalhos que
abordam as TICs ou o Letramento digital, o
que corresponde a pouco mais de 8% dos
ausência de disciplinas sobre os temas,
consideramos esse um valor bastante
representativo. Nesse caso, é possível que
essas pesquisas tenham encontrado apoio
teórico nas diferentes versões dos “Tópicos
Especiais em Linguística Aplicada”. Nem
todos os trabalhos catalogados, entretanto,
tratam de contextos de
ensino/aprendizagem ou formação de
professores de língua inglesa. Isso pode ser
observado na tabela a seguir:

124
TABELA 13: Dissertações sobre TICs defendidas no PGLA-UnB.
Ano de Autor – Título da dissertação
defesa
1 2018 SANTOS, E. B. Português língua de acolhimento: interação e inserção social de
imigrantes por meio do whatsapp
2 2018 ALENCAR, C. C. Praticando Francês no ciberespaço: uma proposta pedagógica de
prática da oralidade em Francês Língua Adicional por meio de interações online
3 2017 ARAÚJO, G. S. O ambiente virtual de aprendizagem MOODLE como espaço
multimodal de ensino de língua portuguesa
4 2016 VIEIRA, A. L. G. Curso online para a parte oral do Celpe-Bras: contribuições da
avaliação de proficiência para o ensino-aprendizagem de PLE
5 2016 QUEIROZ, G. R. Proposta multimodal de uso de vídeos online no planejamento de
tarefas para o ensino de português para estrangeiros
6 2016 BATISTA, C. A. O desenvolvimento da competência comunicativa intercultural de
surdos aprendizes de inglês : a internet como meio
7 2016 DOURADO, L. B. O trabalho com a oralidade em um curso de licenciatura em língua
espanhola (EAD) : realidades e necessidades
8 2011 SANTIAGO VIGATA, H. Linguacultura em foco: material audiovisual legendado como
mecanismo para o ensino intercultural de espanhol para brasileiros
9 2014 PEREIRA, L. S. M. O professor de línguas vai ao cinema: ressignificando a identidade
profissional sob a perspectiva da formação crítico-reflexiva
10 2014 RIBEIRO, L. V. R. Quem sabe faz a hora: estratégias de aprendizagem na formação em
letras-espanhol a distância
11 2014 RIBEIRO, W. Alice no país das maravilhas tecnológicas: uma história sobre
tecnologias digitais no ensino de línguas
12 2014 DAMACENO, N. B. Mediação cultural em vídeos publicitários para o ensino de língua
estrangeira (francês)
13 2013 SANTOS, K. F. Experimentação em TICs: reflexões para a prática da oralidade no
ensino de L.E. em Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA)
14 2011 SANTOS JUNIOR, E. S. O caminho de Raniere: a jornada de aprendizagem de um
peregrino online
15 2011 NAGAMINE, A. G. Lapidando as competências de professores de línguas em contexto
EAD/TIC's
16 2011 BARROS, J. M. A. O ambiente virtual como um espaço para a autonomia na
aprendizagem de línguas
17 2011 CRUVINEL, R. C. Ensino a distância na pós-graduação: investigando experiências e
crenças de mestrandos em linguística aplicada
18 2011 STIVAL, M. A. S. B. Uma janela para o mundo: o uso da internet para desenvolver a
competência intercultural em aulas de língua estrangeira (inglês)
19 2010 MEIRELES, A J. Criando uma aquarela: a formação de professores no uso de TICs na
aula de línguas estrangeiras
20 2009 FERREIRA, J. R. Blended learning: uma proposta de espaços interativos de ensino e
aprendizagem de espanhol como LE para a rede pública de ensino do Estado de Goiás
Fonte: O autor (a partir de dados extraídos de <http://repositorio.unb.br/handle/10482/837>)

Por meio dos dados acima, podemos
perceber que a investigação sobre as TICs e
o letramento digital no programa ainda é
bastante jovem, com pouco menos de uma
década. Por outro lado, é possível perceber
um aumento significativo no número de
trabalho sobre o tema a partir de 2011. Isso
indica que o programa passou,
recentemente, a perceber uma maior
relevância das TICs na formação de
professores.
Ao relacionarmos a licenciatura e a pós-
graduação, verificamos que embora na
grade curricular da graduação as discussões
sobre o letramento digital pareçam não
estar integradas de modo efetivo, as
pesquisas do mestrado indicam tendências

125
para mudança desse fenômeno.
Considerando que o primeiro trabalho sobre
o tema foi defendido no PGLA em 2009, e
que o currículo da licenciatura em Letras
Inglês fora reformulado um ano depois, em
2010, vemos que as investigações sobre o
tema ainda se encontravam em um estado
bastante incipiente naquele momento para
gerar efeitos mais sólidos na licenciatura.
Entretanto, com a intensificação de
pesquisas no mestrado a partir de 2011,
acreditamos que a futura reforma do projeto
pedagógico da licenciatura em Letras Inglês
possa sofrer influências mais diretas da pós-
graduação. Da mesma forma, ao
observarmos que a reforma mais recente da
grade curricular do mestrado se deu em
126
2005, é possível vislumbrar que novas
reformas considerem mais explicitamente
essa vocação emergente do programa para a
investigação sobre as relações entre
tecnologias digitais e ensino de
línguas/formação de professores.
Nesse caso, deixamos ao leitor a sugestão de
pesquisas futuras que possam verificar como
os novos projetos pedagógicos das
licenciaturas, provavelmente vigentes a
partir de 2019, serão influenciados pela
produção das pós-graduações no campo de
letramento digital e da formação de
professores.
Principais Conclusões
Neste livro, intentamos analisar de que
modo competências voltadas para a
formação de professores aptos a lidarem
com as demandas “tecnoletradas” do
mundo contemporâneo são desenvolvidas
em alguns dos cursos de Letras Inglês ou
Letras Português e Inglês de universidades
federais brasileiras. Para isso, adotamos
como estratégia metodológica a análise dos
projetos pedagógicos dos cursos de
licenciatura na língua estrangeira e das
grades curriculares dos cursos de pós-
graduação filiados à área de Letras
(linguística ou linguística aplicada).
A partir do reconhecimento em documentos
oficiais brasileiros da necessidade de uma
formação inicial de professores voltada para
a reflexão e o uso de TICs, dentre outras
competências, buscamos identificar nos
currículos a presença de modelos teórico-
127
didático-filosóficos que indicassem o modo
como os cursos analisados percebem as
tecnologias digitais e como essas percepções
influenciam nas ações formativas que eles
promovem. Entendemos que essas ações,
por sua vez, são indiciadas pelas disciplinas e
outros componentes curriculares presentes
nos projetos pedagógicos das licenciaturas e
nas grades curriculares das pós-graduações.
Por esse motivo, as análises focaram na
identificação de referências às TICs e ao
letramento digital tanto nas discussões
teóricas quanto metodológicas dos projetos,
assim como na carga horária, no elenco de
disciplinas e nas ementas de cada
documento analisado. A partir da
identificação dessas referências,
procedemos à análises textuais como forma
de depreendermos as percepções dos
colegiados sobre o papel das TICs na
formação de professores de língua inglesa.
Como discutimos na Seção 2, a perspectiva
dos letramentos no ensino tem cada vez
mais sido adotada para além dos domínios
da escrita, relacionando-se ao
desenvolvimento de competências críticas
diversas que, por sua vez, conduzem a ações
embasadas na análise e reflexão sobre os
fenômenos do mundo, gerando pessoas
mais conscientes de seus papéis sociais.
Embora nas análises dos projetos
pedagógicos das licenciatura não tenhamos
identificado referências diretas aos
letramentos enquanto princípios
norteadores das atividades formativas,
constatamos que todos os projetos
analisados se baseiam em uma perspectiva
letrada indireta, já que defendem a
formação de professores com base nas
demandas dos contextos sociais em que eles
se inserem ou se inserirão, na reflexão crítica
e na preparação para a ação de modo
criativo e consciente.
Esses princípios, entretanto, também estão
expressos nos documentos oficiais que
orientam tanto a educação básica quanto a
formação de professores, tal como
discutimos no Capítulo 6. Por meio dessa
constatação, é possível perceber que há nos
projetos pedagógicos das licenciaturas uma
forte tendência de reprodução das posturas
expressas na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, nas Diretrizes
Curriculares Nacionais e mesmo nos
Parâmetros Curriculares Nacionais, inclusive
pela citação frequente de trechos desses
documentos, seja elas diretas ou paráfrases.
Nesse caso, é possível observar que os
projetos pedagógicos tendem a se filiar, ao
menos textualmente, às normatizações. Da
mesma forma, como a reflexão como um
princípio fundamental para a ação do
professor e à mudança da realidade social é
um item explícito e constante nos
documentos oficias, eles também são
recorrentes nos textos analisados.
128
Enquanto que, de forma geral, os princípios
dos letramentos estão contemplados em
todos os projetos, no que diz respeito ao
letramento digital, que é um
desdobramento bastante situado e
específico dos letramentos, encontramos
uma variedade bem maior na forma como
ele é abordado.
Nos projetos pedagógicos, foi possível
perceber que nem sempre as TICs eram
apresentadas como elementos importantes
no processo de formação. Enquanto que em
alguns projetos elas permeavam todo o
texto, em outros, elas foram citadas apenas
brevemente, talvez como forma de mantê-
los coerentes textualmente com as
regulamentações oficiais. Nesse segundo
caso, é possível perceber a natureza do que
chamamos no decorrer dessa investigação
de “Modelos teórico-didático-filosóficos”,
ou seja, das manifestações no texto dos
projetos pedagógicos das posturas, das
visões, das abordagens, dos princípios, entre
outros elementos de cunho teórico,
metodológico e ideológico em que os
projetos se fundamentam, mas que não
necessariamente são concretizados nas
práticas que dão vida ao currículo.
Se por um lado os documentos oficiais citam
com frequência a necessidade de preparar
professores para lidarem com as demandas
tecnológicas da contemporaneidade, essa
citação não goza do mesmo prestigio que
outros saberes e competências, tais como o
respeito e a tolerância direcionados às
diversidades étnicas e religiosas e à
conservação ambiental. Tais saberes e
competências são asseguradas como
obrigatórios pelas políticas educacionais e
manifestadas claramente em todos os
currículos analisados. Já as competências
voltadas para o letramento digital, por sua
vez, são manifestadas nas políticas
educacionais como ideais e necessárias,
deixando a cargo dos colegiados adotarem
seus próprios instrumentos para promovê-
las.
Com isso, foi possível identificar diferentes
posturas em cada currículo. Enquanto que
em algumas universidades as competências
para o letramento digital são fomentadas
por meio de disciplinas obrigatórias ou de
outros itens frequentes na grade curricular,
em outras, elas são objeto de estudo apenas
de disciplinas optativas ou estão previstas
por meio das atividades acadêmico-
científico-culturais. Nesses dois últimos
casos, entretanto, elas não têm garantias de
serem ministradas por causa da alta
concorrência com outras disciplinas
optativas ou com as demais atividades
curriculares.
O fato de que o fomento ao letramento
digital está a cargo dos colegiados dos cursos
nos levou a análises interessantes a respeito
do modo como as TICs são percebidas em
cada instituição. Nesse caso, também
identificamos certa variedade de
percepções, que subjazem as ações
propostas nos currículos.
Dentre essas percepções está a de que é
necessário equipar as estruturas físicas do
curso com artefatos tecnológicos, entre eles
computadores, projetores, internet, etc.
Nesse sentido, identificamos apelos à
aparelhagem das salas de aula, mas não
encontramos elementos que definissem
como esses equipamentos seriam
integrados na formação de professores. No
capítulo 3 sintetizamos essa percepção
como “ter é mais importante do que saber
usar” tecnologias. Essa é uma percepção
natural e característica de contextos que
experimentaram poucos eventos de
letramento (nesse caso o letramento digital).
A falta de equipamentos gera a falta de
oportunidades de uso de tecnologias digitais
educacionais. Por sua vez, a falta de
experiência com esses artefatos leva a uma
visão ainda limitada de que a inserção
tecnológica é decorrência apenas da
aquisição de hardware. Nesses casos, tende-
se a priorizar a inclusão de equipamentos e
não de pessoas. Em decorrência disso,
quando adquiridos, os equipamentos
tendem a não ser usados por não estarem
129
implementados em ambientes no quais as
pessoas estão aptas o manuseá-los, ou que
enxerguem propósitos claros no seu uso.
Rogers (1963), sugere que tendemos a
adotar artefatos tecnológicos em estágios,
com base nas experiências que temos com
eles, ou com outras pessoas que os utilizam.
Contudo, essas experiências não descrevem
somente o manuseio de artefatos físicos e
palpáveis. Ela também se aplica a artefatos
ideológicos ou conceituais. Nesse caso, a
reflexão sobre o papel das TICs na atividade
profissional poderia suprir nos professores
em formação a falta de experiências físicas
com os equipamentos ausentes. Apesar
disso, nesses contextos, o que se observa é o
ciclo descrito a seguir:
1. Como não há equipamentos TIC,
geralmente não se percebe a necessidade de
reflexão sobre como eles podem ser
integrados na formação de professores;
2. Não havendo reflexão, geralmente não se
percebe que as tecnologias são relevantes
tanto para a formação de professores
quanto para a formação de alunos;
3. Não havendo percepção de relevância,
geralmente não há a percepção da
necessidade de aquisição de equipamentos,
ou da inserção da reflexão teórica que no
futuro poderia pavimentar novas visões e
mudar a situação;
Assim, nesses contextos, a ausência de
equipamentos com frequência é utilizada
como uma justificativa para a exclusão de
discussões sobre o letramento digital. É
preciso considerar, entretanto, que a
aparelhagem das universidades (ou mesmo
das escolas) pode ser uma forma de tentar
sair do ciclo, mas consideramos que sem as
reflexões conduzidas nos ambientes de
formação sobre as possibilidades de ação
oferecidas por esses artefatos, eles
continuariam, ao menos durante um bom
tempo, sendo vistos como ferramentas sem
grande relevância para mudar as
perspectivas dos futuros professores.
Uma outra visão bastante recorrente na
análise dos projetos de licenciatura é a de
que as TICs, embora já presentes no
ambiente universitário, são artefatos físicos
de uso limitado, já que servem
predominantemente para a realização de
exercícios e outras atividades. Tal como no
primeiro caso, nos projetos pedagógicos que
se encaixam nesse perfil não identificamos
discussões sobre como as tecnologias
digitais estão integradas aos saberes e
competências pedagógicos estimulados
durante o curso. Ao invés disso, com
frequência elas constavam nas ementas das
disciplinas como parte dos procedimentos
de sala de aula, e não como parte dos
conteúdos. Nesses casos, com frequência,
as TICS eram citadas indiretamente por meio
da possibilidade de realização de disciplinas
a distância ou pelo envio de atividades
online.
Nessa segunda forma de enxergar as TICs,
predomina a visão de que saber usar é mais
importante do que saber pensar sobre como
usar. Embora esses saberes sejam parte dos
letramentos, já que as práticas letradas
plenas presumem em sua estrutura
subjacente a ativação de conhecimentos
procedimentais, ela carece de componentes
reflexivos que levem ao uso inovador das
tecnologias. Lankasheer e Knobel (2003), ao
discutir o letramento tradicional, atrelado à
cultura escrita, distinguem 3 dimensões que
o compõem:
a. Uma dimensão operacional, que se ocupa
do conhecimento do código escrito e que
caracteriza a capacidade de um indivíduo ler
e escrever de forma adequada e apropriada
em uma variedade de contextos.
b. Uma dimensão cultural, que envolve a
capacidade de fazer sentido e entender os
significados dos textos de forma apropriada
e em relação aos contextos de produção e
recepção.
c. Uma dimensão crítica, que envolve o
aspecto crítico do letramento, ou seja, a
130
base que permite às pessoas não só
participarem em práticas de letramento e
construírem sentidos, mas serem capazes de
transformá-las e produzi-las.
A partir da análise dos dados descritos nesta
obra, sugerimos categorias que julgamos
mais adequadas para descrevermos os
elementos constituintes das competências
letradas digitais. Tal como na proposta de
Lankasheer e Knobel, elas são 3 dimensões,
uma dimensão instrumental, que engloba os
conhecimentos sobre como saber usar
artefatos tecnológicos para resolver
situações problema; uma dimensão
pragmática, que envolve conhecimentos
sobre o saber para que usar tecnologias para
resolvermos problemas; e uma dimensão
crítica, que abrange conhecimentos relativos
ao saber porque usar TICs. Consideramos
que competências relacionadas ao
letramento digital são furtos da interação
dessas três dimensões, de sorte que para
usar as TICs criticamente ou mesmo de
modo inovador (para adaptá-las a diferentes
contextos e necessidades) o professor
necessita dispor dessas 3 ordens de
habilidades, em graus variados, a depender
da natureza da atividade a ser realizada.
Assim, para a solução de determinadas
situações problema, pode ser necessária
uma presença maior de elementos da ordem
do “saber usar”, do que do “saber para que
usar” ou do “saber porque usar”. Já em
outras situações, habilidades relacionadas
ao “saber porque usar” podem ser mais
relevantes do que habilidades ligadas às
outras duas dimensões.
Isso nos leva a considerar que para preparar
professores adequadamente de acordo com
as demandas por letramento digital, os curso
de formação devem contemplar as 3
dimensões, munindo seus alunos com
elementos suficientes para que eles próprios
possam selecionar aquelas mais relevantes
para determinados contextos e situações
com os quais virão a se deparar ao longo de
sua carreira. Isso, contudo, não foi
constatado nas análises da maioria dos
projetos, que tendem a enfatizar somente a
dimensão instrumental, ou seja, o saber usar
tecnologias. Apesar de ser uma parte
constituinte da competência letrada,
acreditamos que ela sozinha não leva à
formação de indivíduos letrados plenos, já
que não estimula a criatividade e a reflexão
sobre a funcionalidade, as motivações e as
consequências de se usar tecnologias para
ensinar línguas. Desse modo, a maioria dos
cursos analisados demonstrou estar em um
estágio ainda inicial no processo de
letramento digital, já que percebem tais
artefatos ainda como tendo propósitos
apenas instrumentais, limitado à resolução
de atividades por meio das TICs.
Um terceiro grupo, entretanto, manifestou
nos projetos pedagógicos uma postura
distinta, voltada mais diretamente para a
reflexão e a formação de professores
letrados digitalmente. Nesses projetos, ao
mesmo tempo em que há uma ocorrência
mais elevada de referências às TICs nos
modelos teórico-didático-filosóficos,
também há um número maior de disciplinas
e outros componentes curriculares que
abordam o tema. Nesse caso, o foco dado a
elas também se mostra mais atrelado à
formação de professores e ao ensino de
línguas. Neles, é frequente a percepção de
que as TICs são artefatos cognitivos que
levam os professores a repensarem suas
próprias práticas profissionais. Também foi
possível perceber uma forte correlação
entre os cursos de licenciatura e os cursos de
pós-graduação das universidades.
Entretanto, antes de tecermos
considerações sobre as análises dos cursos
de pós-graduação, cabe mencionar as
dificuldades enfrentadas na coleta dos dados
dos programas analisados. Dentre elas,
estão a frequente ausência de ementas das
disciplinas que compõem a grade curricular,
assim como dos trabalhos defendidos. Em
geral, os programas analisados organizam
seus currículos em torno de um número
elevado de disciplinas como seminários
temáticos e tópicos especiais, que
geralmente não têm uma ementa fixa. Isso
dificultou bastante a identificação dos
131
componentes curriculares que se relacionam
com o letramento digital. Como uma forma
de suprir essa falta de dados, no estudo que
descrevemos neste livro, também
analisamos os resumos e os títulos dos
trabalhos defendidos em cada programa
para verificarmos se as tecnologias faziam
parte das suas rotinas de investigação e,
assim, supormos que mesmo não estando
explicitamente nas grades curriculares, elas
eram objetos dos seminários e tópicos. Para
isso, frequentemente foi necessário o apelo
a outras fontes de dados, como repositórios
digitais nacionais e locais.
Foi possível perceber que todos os
programas de graduação analisados trazem
as TICs ou o letramento digital como
elementos presentes nas suas grades
curriculares ou nas suas rotinas de pesquisa.
Entretanto essa presença apresentou
variações. Enquanto em alguns deles há
uma alta integração de
discussões/investigações relacionadas a
esses temas (seja por disciplinas ou por
pesquisas defendidas), em outros, ela ainda
se apresenta timidamente. Para dois dos
programas, a investigação sobre as TICs se
iniciou ainda na primeira metade dos anos
2000, embora com pouca frequência, e se
intensificou nos últimos 10 anos. Para os
outros, ela está presente há pouco menos de
uma década. Isso indica que a pesquisa
sobre as tecnologias digitais tanto na
formação de professores quanto no ensino
de línguas e em outras áreas dos estudos da
linguagem é um campo de investigação
jovem.
No que diz respeito às relações entre pós-
graduação e graduação, foi possível
constatar a existência de dois padrões:
a. Universidades com programas de pós-
graduação com uma presença ainda tímida
de investigações e reflexões sobre as TICS e
com cursos de licenciaturas no quais as TICs
não têm um papel relevante na grade
curricular;
b. Universidades com programas de pós-
graduação com uma alta presença de
investigações e reflexões sobre as TICs e com
cursos de licenciaturas no quais as TICs têm
um papel relevante na grade curricular;
Por meio dessa constatação, podemos ver
que há uma relação entre o fomento à
pesquisa sobre as TICs e o letramento digital
nos mestrados e doutorados e a sua
presença nos currículos da graduação. A isso
atribuímos o fato de que as pesquisas nos
programas de pós-graduação levam a
reflexões que motivam professores e alunos
das licenciaturas a repensarem o papel das
tecnologias nos processos de formação
inicial. Ao mesmo tempo, a maior integração
das TICs nos cursos de graduação motiva o
aumento de pesquisas nas curso de pós, já
que são esses egressos das licenciaturas,
mais aptos a lidarem com as TICs, que dão
nova vida às investigações nos mestrados e
doutorados.
Apesar dos padrões descritos acima,
observamos que eles não se aplicaram a uma
das universidades analisadas. Nela,
enquanto a graduação praticamente não
incorpora a presença das TICS, a pós-
graduação demonstrou uma alta
produtividade no tema. Nesse caso, uma
análise mais detalhada mostrou que a
reformulação mais recente do projeto
pedagógico da licenciatura ocorreu antes
que os primeiros estudos sobre TICs e o
letramento digital começassem a ser
defendidos, de modo que as pesquisas do
mestrado e do doutorado não puderam
132
exercer influências na definição do currículo
pelo colegiado da graduação.
Esse fato nos leva, inevitavelmente, a uma
outra observação: a de que até o momento
de encerramento da coleta de dados para
esse estudo, apenas um dos cursos de
licenciatura havia reformulado seu projeto
pedagógico em conformidade com as DCNs
de 2015. Nele, as tecnologias e o letramento
digital estão bastante presentes. Esse
movimento também foi acompanhado pelo
programa de pós-graduação em Letras da
mesma instituição. Sabendo que o CNE
estipula para 2019 a adoção de novos
projetos curriculares, e observando que
tanto as pesquisas nos mestrados e nos
doutorados, quanto a presença de TICs nos
cotidianos fora das salas de aula tem se
intensificado na última década, acreditamos
que as tecnologias digitais tenderão a
marcar maior presença nas edições mais
recentes dos projetos analisados nesse
estudo.
Motivados por essa perspectiva, concluímos
este livro sugerindo a realização de
investigações futuras para averiguar essa
hipóteses, seja por meio de um paralelo
entre este e estudos futuros, ou por meio da
construção de novos caminhos
metodológicos que contribuam para
compreendermos o modo como as
competências voltadas para o letramento
digital se materializam nos cursos de
formação de professores e nas diferentes
instâncias da Educação Básica.
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As tecnologias digitais se integram cada vez mais a atividades que envolvem a comunicação, o
lazer, o trabalho, dentre inúmeros outros campos. Em decorrência disso, nos ambientes formais
de aprendizagem elas também têm sido reconhecidas como ferramentas que podem permitir
experiências didáticas bem mais significativas que as ferramentas tradicionais que há tempos
compõem a paisagem escolar. No ensino de línguas estrangeiras, por exemplo, as ferramentas
digitais podem motivar e promover oportunidades de interação e o contato com culturas e
amostras de linguagem diversas, de modo que já parece ser senso comum que as demandas
relativas ao uso crítico de tecnologias precisam ser abarcadas pela educação básica e superior.
Apesar disso, na prática parece que tais ferramentas ainda não fazem parte das atividades
escolares do cotidiano, embora programas escolares de inserção tecnológica tenham sido
financiados por iniciativas públicas e privadas no contexto brasileiro nas últimas duas décadas.
Isso leva a questionamentos sobre o modo como professores têm sido formados nos cursos de
licenciatura para lidarem com alunos e com contextos de ensino imersos em tecnologias. A partir
dessa indagação, este livro traz reflexões sobre o papel das tecnologias digitais na sala de aula de
línguas estrangeiras, assim como sobre a formação de professores de língua inglesa. Nele,
também apresentamos os dados de uma pesquisa de pós-doutorado (PNPD/CAPES) conduzida no
âmbito do Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada da UnB. No estudo, foram
analisados currículos dos cursos de licenciatura em Letras Inglês e de pós-graduação sticto sensu
de 7 universidades federais brasileiras com o objetivo de verificar o modo como competências
voltadas à formação de professores letrados digitalmente são fomentadas em algumas
universidades do país. A partir dos pressupostos dos Multiletramentos, do Letramento Digital e
da Teorias Sociocultural, defendemos a perspectiva de que a formação de professores reflexivos
e conscientes de seu papel enquanto agentes de mudança é um dos passos essenciais para o
desenvolvimento de alunos igualmente críticos e atuantes, capazes de usarem tecnologias como
ferramentas para marcar seu lugar no mundo.

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