Vous êtes sur la page 1sur 11

MIA COUTO: O AUTOR CONTADOR

AS MARCAS DE ORALIDADE NA OBRA DO AUTOR


MOÇAMBICANO
SOUZA, Debora Reffi de 1
MIYAZAKI, Maria Margareth Meneguiti2

RESUMO

O ensino da literatura lusófona é garantido por lei nas escolas e universidades. A África
é uma grande produtora dessa literatura que valoriza suas raízes e seu povo com suas
histórias contadas, passadas de geração em geração. Mia Couto, autor moçambicano, é
um exemplo de escritor que traz para sua obra a oralidade tão presente na vida dos seus
conterrâneos, o autor faz a leitura de sua terra onde ele encontra material para o seu
trabalho, e nos faz refletir sobre a importância de se valorizar a comunicação oral, e
perceber sua relação com a escrita.

PALAVRAS-CHAVE: literatura; ensino; oralidade.


MIA COUTO: COUNTER AUTHOR
THE MARKS OF ORALITY

SOUZA, Debora Reffi de


MIYAZAKI, Maria Margareth Meneguiti

ABSTRACT

The teaching of Lusophone literature is guaranteed by law in schools and universities.


Africa is a major producer of this literature that values its roots and its people with their
stories, passed from generation to generation. Mia Couto, Mozambican author, is an
example of a writer who brings to his work orality so present in the lives of his
countrymen, the author reads from his land where he finds material for his work, and
makes us reflect on the importance to enhance oral communication, and perceive its
relation to writing.

KEYWORDS: literature, teaching, orality.

DIREITO GARANTIDO

Este artigo foi escrito em consideração e respeito à lei de nº 10.639/2003, a qual


possui sua temática referindo-se à “História e Cultura Afro-Brasileira”, que obriga os

1
Universidade Metropolitana de Santos
2
Universidade Metropolitana de Santos

Unisanta Humanitas p.17-27, vol.2, nº2 (2013) Página 17


estabelecimentos educacionais, bem como seus professores a ensinarem sobre a cultura
dos países africanos que falam a língua portuguesa. Sua publicação nesta revista, almeja
ser útil como ferramenta na compreensão da literatura moçambicana.
Nas diretrizes dessa lei, as políticas públicas educacionais orientam as escolas
públicas e particulares a incluir conteúdo baseado na História e Cultura Afro-Brasileira,
desde a Educação Fundamental até o Ensino Médio. A mesma orientação também é
valida para as universidades.
Essa obrigatoriedade torna-se compreensível se analisarmos que, o português é
falado por mais de 4% dos seis bilhões de habitantes que integram a população mundial.
É a quinta língua mais falada no mundo ocidental. Os países que fazem parte deste
grupo são: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São
Tomé e Príncipe e Timor Leste.
A literatura produzida nesses países, ou seja, em língua portuguesa, recebe o
nome de literatura lusófona ou simplesmente lusofonia. A literatura lusófona mantém a
forma literária existente em cada país aonde se escreve em português, respeitando as
suas diversidades, como por exemplo, a literatura brasileira escrita no Brasil, a literatura
portuguesa em Portugal, a literatura produzida na África e assim por diante.
Moçambique ambienta a obra literária do autor moçambicano Mia Couto,
sobre o qual trata-se esse artigo. O africano escreve de forma única ao combinar as
histórias de seu povo com romance e política, remetendo-nos àquele país. Ao lermos
seus romances, deparamo-nos com textos cuja primeira impressão é a intensa marca da
oralidade, atividade típica africana. Outro aspecto fundamental na obra de Couto são as
criações lexicais presentes em toda a sua obra. Essas criações passam a ser consideradas
neologismos, porque circulam nas obras do autor.
A leitura sobre a vida de Couto se faz necessária para a compreensão de sua
obra.

MIA COUTO
Mia Couto, nascido António Emílio Leite Couto (Beira, 5 de julho de 1955), é
um escritor moçambicano, filho de portugueses que emigraram a Moçambique nos
meados do século XX. Nasceu e foi escolarizado na Beira. Com catorze anos de idade,
teve alguns poemas publicados no jornal Notícias da Beira e três anos depois, em 1971,
mudou-se à cidade capital de Lourenço Marques (agora Maputo). Iniciou os estudos
universitários em medicina, mas abandonou esta área no princípio do terceiro ano,

Unisanta Humanitas p.17-27, vol.2, nº2 (2013) Página 18


passando a exercer a profissão de jornalista depois do 25 de abril de 1974. Trabalhou na
Tribuna até à destruição das suas instalações pelos colonos em Setembro de 1975. Foi
nomeado diretor da Agência de Informação de Moçambique (AIM) e formou ligações
de correspondentes entre as províncias moçambicanas durante o tempo da guerra de
libertação. A seguir, trabalhou como diretor da revista Tempo até 1981 e continuou a
carreira no jornal Notícias até 1985. Em 1983 publicou o seu primeiro livro de poesia,
Raiz de Orvalho, que inclui poemas contra a propaganda marxista militante. Dois anos
depois se demitiu da posição de diretor para continuar os estudos universitários na área
de biologia.
Além de ser considerado um dos escritores mais importantes de Moçambique,
ele é o escritor moçambicano mais traduzido. Em muitas das suas obras, Mia Couto
tenta recriar a língua portuguesa com uma influência moçambicana, utilizando o léxico
de várias regiões do país e produzindo um novo modelo de narrativa africana. Terra
Sonâmbula, o seu primeiro romance, publicado em 1992, ganhou o Prêmio Nacional de
Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1995 e foi considerado um dos
doze melhores livros africanos do século XX por um júri criado pela Feira do Livro do
Zimbabué. Atualmente é empregado como biólogo no Parque Transfronteiriço do
Limpopo é sócio-correspondente da Associação Brasileira de Letras.
O escritor moçambicano Mia Couto concedeu uma entrevista quando esteve no
Brasil em 2009, entrevista realizou-se no dia vinte e nove de junho de 2009 no Teatro
Eva Herz em São Paulo. A realização deste evento ocorreu juntamente com o
lançamento do livro Antes do Nascer do Mundo, 2009 patrocinados pela Livraria
Cultura e a editora Companhia das Letras. O texto a seguir foi publicado na Revista
Cultura do mês de julho/2009 e trás as impressões do repórter Rui Barata Neto, em
linguagem coloquial, ele demonstra simpatia e respeito pelo autor moçambicano Mia
couto. Segundo, o repórter, Mia Couto é um homem simples, nada afeito a rotina de um
escritor profissional - e nem quer ter esse estilo. Gosta de ter outro tipo de relação com
as pessoas, realizar trabalhos em equipe, trocando experiências e informações. Por isso
faz questão de manter como ganha-pão sua atividade como biólogo – foi até neste
exercício que encontrou inspiração para desenvolver seu último trabalho Antes do
nascer o mundo (ou simplesmente Jesusalém, adotado em Portugal, por exemplo – Mia
deu os dois títulos como opção para suas editoras). Na conversa que teve com o público,
que lotou o teatro Eva Herz, ele deixou um recado interessante quando foi questionado
sobre como divide o seu tempo para conseguir publicar obras. Ele disse: “o importante

Unisanta Humanitas p.17-27, vol.2, nº2 (2013) Página 19


na escrita não é os termos técnicos que nós temos, mas sim o tempo para estarmos com
os personagens, o tempo pra nós próprios sermos um dos personagens que criamos. É
isso que me obriga a ser cada vez mais um escritor insone”. Mia diz acordar entre três e
quatro da manhã, assombrado pelas histórias e pelos personagens dentro de si. Esquece
as horas e se põe a escrever. Está aí um exemplo de que falta de tempo não é motivo
para deixar de produzir literatura. Romances:
 Vozes Anoitecidas (1986)
 Cada Homem é uma Raça (1990)
 Terra Sonâmbula (1990)
 Estorias Abensonhadas (1994)
 A Varanda do Frangipani (1996)
 Contos do Nascer da Terra (1997)
 Mar Me Quer (1998)
 Vinte e Zinco (1999)
 Na Berma de Nenhuma Estrada (1999)
 O Último Voo do Flamingo (2000)
 O Gato e o Escuro (2001)
 Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra (2002)
 O Fio das Miçangas (2003)
 A Chuva Pasmada (2004)
 O outro pé da sereia (2006)
 Venenos de Deus, Remédios do Diabo (2008)
 Antes de Nascer o Mundo (2009)
 Pensageiro Frequente (2010)

Os moçambicanos são sua fonte de inspiração, assim como suas cidades


incluindo Maputo, capital de Moçambique a qual é retratada em alguns romances e
também a guerra civil que havia alguns anos, assolava o País, servem de pano de fundo
para ele.

O ESPAÇO FICICIONAL DE MIA COUTO VISTOS PELA AD E AC

Antes da análise das marcas da oralidade presentes nos textos de Mia Couto,
objetivo principal da produção deste artigo, é importante primeiramente que se faça uma
comparação entre a enunciação falada e a escrita, através da citação abaixo de Urbano,
linguista que escreve sobre o assunto. Ele nos chama a atenção para o contexto não

Unisanta Humanitas p.17-27, vol.2, nº2 (2013) Página 20


verbal presente na comunicação falada. Este contexto, na comunicação escrita, precisa
ser verbalizado para maior entendimento do leitor.

Na comunicação falada, o falante, utiliza a linguagem verbal, mergulhada e


amparada no contexto todo que o cerca, desde o paralinguístico, representado
pela entonação, ritmo, etc., até o extralinguístico, representado pela
paralinguagem dos próprios corpos do falante e ouvinte (traços fisionômicos,
gestos, postura, etc.) e/ou pelo próprio referente situacional ou ambiente
físico situacional ou ambiente físico e social comum, como verdadeiro
complemento da linguagem verbal e elemento da produção comunicativa.
Na comunicação escrita, literária ou não, os elementos contextuais, não
verbais, necessários à compreensão da mensagem, precisam ser verbalizados,
residindo na presença do contexto na fala e na verbalização dele na escrita
uma diferença básica entre as duas modalidades linguísticas. Na língua
falada, a enunciação, dependente do contexto, se realiza pelo enunciado,
preso e auxiliado por aquele: na língua escrita, a enunciação, carente do
contexto, recria-o na própria expressão verbal do enunciado. (Urbano, 2000,
pp. 19-20)

Para ilustrar este tipo de contextualização, presente na comunicação oral, pode-


se analisar o seguinte trecho extraído de Venenos de deus remédios do diabo a respeito
do velho e do médico: “O velho quase adormece. Como ele mesmo diz: A velhice é
assim, faz noite a qualquer hora”. (Venenos de Deus Remédios do Diabo, 2008, p. 24)
Através do contexto em que se encontravam médico e paciente é possível inferir
que houve comunicação entendível entre os personagens da seguinte forma: o velho
fechou os olhos, o médico viu e percebeu que ele quase adormecera, então entendeu que
o velho sentia-se cansado pela velhice.
O paciente não precisou de palavras para transmitir a mensagem de que quase
adormecera, talvez seus olhos tenham transmitido essa mensagem, porém para que haja
uma leitura de compreensão coerente, é totalmente necessária a informação: “O velho
quase adormece”, ou não seria possível entender o comentário feito pelo idoso a
respeito da velhice.
Urbano nomeia essa transformação da fala em escrita literária, presentes na obra
de Mia Couto, de “coloquial elaborado” o que não é apenas a transcrição da língua
falada. Essa transformação é um recurso eficiente para a aproximação entre narrador e
leitor.
Um dos recursos que ajudam a transformação da fala em escrita literária é o uso
do neologismo, bastante utilizado nas obras de Mia Couto, Ieda Maria Alves, em sua
obra, Neologismo, Criação Lexical, faz a seguinte observação:

O acervo lexical de todas as línguas se renova. Enquanto algumas palavras


deixam de ser utilizadas e tornam-se arcaicas, uma grande quantidade de

Unisanta Humanitas p.17-27, vol.2, nº2 (2013) Página 21


unidades léxicas é criada pelos falantes de uma comunidade linguística. Ao
processo de criação lexical dá-se o nome de neologia. O elemento resultante,
a nova palavra, é denominado neologismo. (Alves, 1990, p. 5)

O discurso do escritor é a codificação de forma literária da oralidade dos


Moçambicanos para a escrita sem perder suas características próprias de textos
contados, por isso, é tão importante essa criação linguística, já que Couto não se
preocupa em encontrar o termo mais adequado; ele o cria adequando-o ao cenário, aos
personagens e ao clima da narrativa. Essa criação se dá através da leitura que Mia Couto
faz de sua terra, onde ele encontra material para o seu trabalho.
Essa própria terra gera os personagens de Mia Couto que contam suas histórias e
têm como ferramenta principal não só a lembrança de suas experiências de vida e morte,
de sofrimento, guerra e injustiça, mas também de suas alegrias e crenças e esse portfólio
de histórias é passado de geração a geração através da fala de pessoas que não dominam
a escrita, mas como garantem “sabem ler a terra”. O que eles leem, o escritor codifica
para a escrita sem perder suas características próprias de textos contados. As autoras
Fonseca e Cury em sua obra sobre o escritor discorrem sobre as marcas da oralidade na
escrita, fonte de inspiração de Couto:

Sobre esta marca de gêneros – os da oralidade e os da escrita – Ana Mafalda


Leite diz que tal confluência deve ser considerada a partir de uma
“textualidade formal manifesta” – aproveitamento visível das máximas,
lendas mitos, provérbios – e de uma “textualidade não manifesta” –
“reveladora de atitudes mentais e técnicas características da tradição” (Leite,
2003, p. 38). O escritor moçambicano, então, agenciaria os modos de
construção da oratura para a construção do texto literário. (Fonseca e Cury,
2008, p. 63)

Fonseca e Cury dissertam sobre as características da escrita deste autor


elaborada com provérbios, tradições do povo em África, principalmente dos
marginalizados, ditos, frases prontas e “brincriações”, termo que nomeia o neologismo
nas obras de Mia Couto. Estas estudiosas dizem que o autor coloca em xeque a língua
portuguesa oficial ao utilizar marcas da oralidade em suas criações literárias. O próprio
personagem avô Mariano do livro Um rio chamado Tempo, uma casa chamada Terra
(2008, p. 65) assim diz: “Eu dou as vozes, você dá a escritura.” Ou seja: a escrita é a
reprodução das histórias contadas por alguém que não tem o domínio das letras escritas,
mas tem na memória grandes histórias para passar adiante.
Na obra mencionada, estas brincriações são bastante aparentes com tais palavras
adaptadas ao oralismo da ocasião em que os personagens se encontram: sozinho-me,
chinesamente, outonecido, desverdeado, sujidades, desnascidos, provoquentes,

Unisanta Humanitas p.17-27, vol.2, nº2 (2013) Página 22


romanteação, irmandaram, desfinado, tremência, rezinguice, gaivoteando, despertença,
desconvivíamos, despeladas,desiluminada, trepadeirou, desabri, fiorrapo, periclitância,
pitosguiando, vaticínios, engalinhando-me, incertidão de óbito, insubstanciar-se,
calafriorento, varandear, destabaralhado, desrazão, voáveis, despedideira, pisqueiros,
ensinadora, descoveiros, covar, mortalecido, desencorpavam, desamundos, minhocável,
traumaririzado, amolento, desarrumos, pré-falecido, acontecências e desabraço, entre
outras.
Além da criação de novas palavras pela adaptação de outras já existentes, Mia
Couto utiliza-se também de ditos que retratam o contexto ambiental, histórico, social e
político em que sua obra foi criada. Ainda em Um rio chamado tempo, uma casa
chamada Terra há uma grande utilização destes ditos:

 “Na nossa terra, o sofrimento é uma nudez – não se mostra aos públicos.”, “...nossa
família é o lugar onde somos eternos.”
 “Toda roupa recebe a alma de quem a usa.”
 “A ilha é um barco e nós somos o rio.”

Na verdade, cada episódio desta obra dá um desfecho para um dito dos


conterrâneos de Lua do Chão, local onde se passa a trama.
Além das brincriações e dos ditos há também o uso de figuras de linguagem na
escrita de Mia Couto, recurso que contribui para enriquecer suas obras pela infinidade
de sentidos e do lirismo que estas figuras podem dar à prosa. Pode-se encontrar, por
exemplo, as seguintes passagens em suas obras para ilustrar a utilização desse recurso:
 A prosopopeia: “...a morte que vai ditando suas ordens...”
 nudez...”; “Engoli um deserto...”
 poente junto com ela.”; “...saltitar pupilas numas
moças.”; “Pena que Nyembeti fosse retrasada e desbotada para as falas.”
 lhos dele tinham mau hálito...”; “Olhar de burro está sempre
acolchoado de um veludo afectuoso.”
As crendices que envolvem os personagens de Couto interferem na compreensão
de suas obras, pois o leitor precisa entender o contexto implícito destas crendices que
não são explicadas pelo autor, já que sua intenção maior é promover o diálogo entre
narrador e leitor. O contexto oral que haveria na conversa se faz por meio da

Unisanta Humanitas p.17-27, vol.2, nº2 (2013) Página 23


imaginação de quem lê e este precisa entender que o povo descrito por este
moçambicano carrega consigo um grande arsenal de crenças que fazem parte de suas
vidas e seria impossível tê-los como fonte de inspiração sem mencionar tais crenças.
São exemplos destas crendices: “...antes de entrar na água, cada uma delas pede
permissão ao rio.” “...Desconfio que Miserinha está grávida. ...Não vê que ela já não
bebe água em pé?” Tais exemplos transformam linhas escritas em conversação
espontânea, atividade tão valorizada pelos moçambicanos.
A seguinte citação esclarece algumas dúvidas que o leitor pode ter ao ler Mia
Couto: “ler não é uma recreação tipicamente africana. Música sim; dançar, sim comer,
sim; conversar sim - muita conversa.” (Cury e Fonseca, 2008, p. 11). Nesse trecho,
pode-se perceber que os africanos gostam de atividades que aproximem as pessoas.
Dança lembra festa, pessoas reunidas, comida e conversa, então transformar a leitura em
uma conversa entre narrador e leitor como faz Mia Couto é uma tentativa de transformar
a leitura em uma recreação africana. A oralidade é uma prática mais presente na cultura
dos africanos do que a leitura e este é um dos motivos que explica o fato de que Couto
tem mais público não africano, como dizem Cury e Fonseca (2008, 17).
Ao satisfazer seu público africano, Mia Couto não transgride as normas e regras
de funcionamento da língua. Ele recria palavras e significados que provam que a língua
portuguesa está em constante alteração e evolução e que pode ser ainda largamente
explorada por ser um sistema infinito, o que facilita o alargamento do léxico.
Este alargamento é um recurso amplamente explorado na oralidade e tão bem
trabalhado por Mia Couto. Como Urbano explica: “escrever é também falar e o que há
são textos fixados por escrito e outros não.” (Urbano, 2000, p. 95), Mia Couto fala por
meio de seus textos literários e poeticamente oralizados.
O que Mia Couto faz é reproduzir a expressividade da fala, sem transgredir as
regras gramaticais e brinca com elas incorporando à oralidade em suas obras e
tornando-a mais prazerosa, já que pertence a um campo vivido pelo leitor diariamente,
faz parte de sua vida e este campo é o da fala. Urbano esclarece sobre a forma
simplificada que existe na comunicação oral em relação à escrita:

Como no geral, também no campo morfossintático, a língua oral é


simplificada, porém mais analítica, em relação à língua escrita proposta nas
gramáticas. É, em consequência, compensatoriamente repetitiva no
aproveitamento das formas. Ademais, faz uso permanente dos implícitos e
dos recursos suprassegmentais e situacionais para complementação. (Urbano,
2000, p. 111)

Unisanta Humanitas p.17-27, vol.2, nº2 (2013) Página 24


As marcas da oralidade no enunciado de Mia Couto são visíveis no léxico
recriado, as tais “brincriações”, palavras adaptadas ao oralismo da ocasião em que os
personagens se encontram e não necessariamente na estrutura das orações.
Os trechos retirados de suas obras ilustram a fala dos moçambicanos amparada
por brincriações e figuras de linguagem:
 “Se aproxima por trás e dispara um puxado pontapé no animal. Um
méééé se amplia pela noite.” (Terra Sonâmbula 1990, p. 36)
 “Emborco dessas bebidas deles, tradicionais, e me deixo zululuar”. (A
Varanda de Frangipani, 1996, p. 50)
 “E quem passasse por ali ouvia os insectos zunzunando nos
subterrâneos”. (A Varanda de Frangipani, 1996, p. 117)
 “Os mosquitos. São grandes, negros, zunzumbentes. Não mordem”.
(Terra Sonâmbula, 1990, p. 188)
 “No desfrisar do medo me veio a suspeita: e se fossem as quizumbas a
aproveitar das panelas?” (Terra Sonâmbula, 1990, p. 22)
 “Uns antigos terrenos de machamba. Tudo fora abandonado, as culturas
se tinham perdido”. (Terra Sonâmbula, 1990, p. 54)
 “Só o nganga lhe podia ajudar. Talvez ele sabe um lugar sossegadinho”.
(Terra Sonâmbula, 1990, p. 32)
 “O moçambicano ripostou, quisesse o estrangeiro ensinar o Padre-
Nosso ao vigarista”. (Terra Sonâmbula, 1990, p. 179)
 “Os traços abraçavam os olhos de quem os tocasse...” (Vinte e Zinco,
1999, p. 40)
 “O cego lê o corpo de Jessumina como se fosse uma página.” (Vinte e
Zinco, 1999, p. 31)
 “Seus olhos, boquiabertos, navegavam em retalhos de riqueza”. (Terra
Sonâmbula, 1990, p. 153)

O que torna a oralidade tão importante, nas obras de Mia Couto, são as
lembranças de seus personagens, confessa o administrador, um de seus personagens em
O último voo do flamingo que diz: “Não sou mau lembrador. Minha única dificuldade é
ter que escrever por escrito.” (O último, voo do Flamingo, 2005, p. 71)

Unisanta Humanitas p.17-27, vol.2, nº2 (2013) Página 25


Ao dizer “escrever por escrito”, o administrador nos passa a mensagem de que o
personagem considera a fala uma forma de escrita, ou seria visivelmente redundante
esta expressão: “escrever por escrito”, e redundância parece não ser uma das
características das obras deste autor que transmite sempre uma mensagem coerente
àquilo que escreve e isso é algo que temos de considerar ao lermos seus livros. Outro
fator importante que auxilia na compreensão do discurso de Couto é estar ciente que o
escritor utiliza-se das crendices de seu povo como ferramenta para o seu trabalho.
Através dessa utilização de recursos retirados de sua terra, Mia Couto procura
representar o que significa africanidade. Ele faz isso por meio de sua produção literária
e põe em discussão a busca de uma raiz africana empreendida por alguns intelectuais
por que segundo ele aqueles têm uma “visão restrita e restritiva do que é genuíno” e o
que Couto faz é mostrar a África através da voz de seu povo, de suas histórias, de suas
crenças e seu amor por aquele país principalmente por ele mesmo ser nascido e criado
em um país africano.

CONCLUSÃO
Para Mia Couto “existe uma grande fronteira entre o universo da escrita e o
universo da oralidade, e o universo da oralidade não é coisa menor.” Couto, 2007b, p.3).
Para ele, esse universo falado é uma fonte inesgotável de material para o seu
trabalho.
A lei nº 10.639/2003 é uma ferramenta que nos garante o aprendizado de uma
literatura que busca suas fontes na oralidade de seu povo e costumes de sua terra, com
toda sua riqueza literária e que não pode ser descartada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Ieda Maria. Neologismo, Criação Lexical. São Paulo: Ática, 1990.

http://www.facha.edu.br/publicacoes/comum/comum31/Artigo4.pdf>. Acesso em: 14 de


agosto de 2010.

BIBLIOGRAFIA. Autor Mia Couto. Disponível em: <


http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/mia-couto/mia-couto.php>. Acesso em: 18
de outubro de 2010.

Unisanta Humanitas p.17-27, vol.2, nº2 (2013) Página 26


BRASIL. LEI Nº 19.639 de 09 de janeiro de 2003. Altera a LEI Nº9394, de 20 de
dezembro de 1996. Brasília, 09 de janeiro de 2003; 182º da Independência e 115º da
República.

COUTO, Mia. Venenos de Deus, remédios do diabo: as incuráveis vidas de Vila


Cacimba. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

_________________. Terra Sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

_________________. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia de Letras, 2006.

_________________. O último voo do flamingo. São Paulo: Companhia das Letras,


2005.

_________________. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003.

_________________. A varanda do Frangipani. Lisboa: Caminho, 1996.

_________________. Vinte e zinco. Lisboa: Caminho, 1999.

DORIGATTI, Bruno. Entrevista com Mia Couto. Publicado originalmente em


Moçambique dia 25/set/2007. No Portal Literal. Rio de Janeiro, 26/08/2008. Disponível
em:< http://www.literal.com.br/artigos/mia-couto >. Acesso em: 29 de julho de 2010.

FONSECA, Maria Nazaré Soares; CURY Maria Zilda Ferreira. Mia Couto espaços
ficcionais. Belo Horizonte: Atlântica, 2008.

Unisanta Humanitas p.17-27, vol.2, nº2 (2013) Página 27

Vous aimerez peut-être aussi