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Geografia do Brasil

Chapter · November 2005

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Geografia do Brasil.
Carlos Alberto Medeiros
Herculano cachinho

País da América do Sul, situado na parte oriental deste continente, banhado pelo
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Atlântico a norte e a leste, e com uma fronteira terrestre que o separa, a norte, da
Guiana francesa, do Suriname, da Guiana e da Venezuela, a oeste, da Colômbia, do
Peru, da Bolívia, do Paraguai e da Argentina, e a sul, do Uruguai. Como se vê, o Brasil
contacta com todos os países da América do Sul, excepto o Equador e o Chile.
Superfície de 8 514 215,3
km2 e 169 799 170 habi-
tantes (2000). Capital:
Brasília (1 817 000 habi-
tantes em 1996). Cidade
principal: São Paulo (em
2003, 19,7 milhões de
habitantes na área metro-
politana, 11 434 252 habi-
tantes no município). A
latitude do país varia
entre 5º N e 33º S, a
longitude entre 34º O e
73º O.

Traços Gerais. O Brasil possui algumas características relevantes, que importa avivar
logo de início. Antes de mais nada, a sua extensa superfície. Repetidas vezes se tem
sublinhado que o Brasil possui uma dimensão continental. É o quinto país do mundo
em área, a seguir à Rússia, ao Canadá, à China e aos Estados Unidos. A distância
entre os seus pontos extremos a norte e a sul, em linha recta, é de 4320 km, entre os
que ficam a oeste e a leste, aproximadamente a mesma (4328 km). A vasta área do
Brasil está ligada a condicionamentos diversos, entre os quais são relevantes os que
se relacionam com as longas distâncias a vencer: as vias terrestres implicam vultuosas
obras, enormes despesas, escolhas delicadas entre múltiplas opções, os transportes
aéreos internos tornam-se fundamentais. A própria maneira de conceber o país, em
termos de acções de planeamento, por exemplo, e o modo como é sentido e
encarado pelos seus habitantes têm muito a ver com esta característica de base. O
Brasil é também um país tropical, na larga maioria da sua extensão – traço que a
modéstia do relevo não atenua, nem contribui para modificar. Apenas as áreas
meridionais têm outro tipo de clima, essencialmente subtropical (o trópico de
Capricórnio passa pela cidade de São Paulo). Apesar da sua grande extensão, o Brasil
não compreende áreas francamente repulsivas quanto à ocupação humana, como
acontece, em dimensões variáveis, nos quatro países maiores, acima mencionados.
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Mesmo assim, a densidade populacional de conjunto é baixa, o que se enquadra
numa tendência corrente nas regiões tropicais: 18,5 habs./km2 (1996). Mas esta média
esconde grandes diferenças. Se é certo que o Brasil é comparado, por vezes, com um
continente, também tem sido entendido, noutros casos, como um «arquipélago»
complexo, já que nele se encontram áreas, mais ou menos amplas, com fortes
densidades populacionais (ainda que um tanto variáveis), dotadas de acentuado
dinamismo económico, e que se encontram separadas por extensões imensas onde a
ocupação humana é bastante rala e só pontualmente as actividades económicas
assumem níveis apreciáveis de eficácia, rendimento e produtividade. Aquelas áreas,
referidas em primeiro lugar, correspondem sobretudo às grandes aglomerações
metropolitanas, as do Sueste necessariamente (São Paulo, Rio de Janeiro), mas
também outras, como Salvador ou Recife. Deste modo, e não obstante a monotonia
da paisagem, sempre igual em vastos territórios, acentuada pelo relevo
predominantemente plano, o Brasil caracteriza-se por sensível diversidade geográfica,
a qual se manifesta, porém, numa escala compatível com a dimensão do país. Os
geógrafos costumam separar cinco grandes conjuntos regionais, Norte, Nordeste,
Centro-Oeste, Sudeste e Sul, que serão evocados adiante por mais que uma vez. A
multiplicidade de recursos existentes no território brasileiro, as amplas possibilidades
da sua utilização, potenciais, projectadas ou já concretizadas, constituem outro traço
a sublinhar. O país exporta variados bens agrícolas e industriais, incluindo, nestes
últimos, os de equipamento. No entanto, defronta-se, ao mesmo tempo, com graves
problemas económicos, que se traduzem, por exemplo, na existência de uma dívida
externa vultuosa, avaliada em cerca de 194 000 milhões de dólares (1997). A
brutalidade dos contrastes sociais é notória e reflecte-se nas características da
geografia humana. As condições de existência de larga parte dos habitantes são
muito deficientes, nos mais variados aspectos.

Origens e Consolidação do Espaço Nacional. O Brasil corresponde à imensa colónia


cuja posse Portugal garantiu no continente sul-americano. Alguns autores têm
sublinhado o contraste com os territórios espanhóis do mesmo continente, que se
prolongavam até à parte meridional da América do Norte e que, ao contrário do
Brasil, se fragmentaram em diversos Estados. Deve dizer-se, desde logo, que a
configuração geográfica destes territórios, compartimentados, de contornos
irregulares, com uma extensa faixa montanhosa, alongada de norte para sul, e situada
perto do mar (Andes), não era favorável a que viessem a constituir uma unidade
política. Por outro lado, o império espanhol da América encontrava-se dividido em
áreas administrativas bem individualizadas e autónomas, enquanto nos territórios
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portugueses se implantou uma administração fortemente centralizada. A pressão
desencadeada pelas ambições estrangeiras em relação ao Brasil reforçou a coesão
com que Portugal foi mantendo os seus domínios, ainda que, por vezes, com grandes
dificuldades. A evolução histórica ocorrida contribuiu também para essa coesão: a
partir de uma ocupação humana essencialmente periférica, e por acção de sucessivos
ciclos económicos que os estudiosos têm definido, desencadearam-se vigorosos
movimentos de população, a partir dos quais extensas áreas do interior do território
foram controladas e solidamente integradas no conjunto; as bandeiras, a partir de
São Paulo, constituem porventura o episódio mais flagrante deste processo, que um
relevo pouco movimentado, sem comportar grandes obstáculos, não deixou de
facilitar. A deslocação forçada da família real para a colónia, nos começos do século
XIX, por ocasião das invasões francesas, o modo «pacífico» como, no regresso à
Europa, o rei D. João VI transmitiu os poderes ao príncipe D. Pedro, seu filho mais
velho e, pouco tempo depois, imperador do Brasil, foram também factores de
unidade do novo país. Essa unidade acabou por se traduzir em aspectos culturais
diversos que, não obstante diferenciações mais ou menos sensíveis, têm funcionado
como condicionamentos de coesão e estabilidade, o que se reveste de importante
significado geográfico.

Relevo. As formações geológicas, nas quais está talhado o relevo do Brasil,


compreendem essencialmente maciços cristalinos, também designados por escudos,
constituídos por rochas muito antigas, em grande parte graníticas e metamórficas, e
ainda bacias sedimentares, com materiais de várias idades geológicas. O Brasil
praticamente não foi afectado pelos enrugamentos andinos (tão relevantes na
América do Sul), com excepção do extremo meridional do estado do Acre. O planalto
das Guianas, a norte, corresponde a um dos maciços cristalinos referidos; é
constituído essencialmente por formações do Precâmbrico e compreende algumas
áreas de grande altitude, entre as quais aquela onde se situa o ponto mais elevado
do Brasil, Pico da Neblina (3014 m), perto da fronteira com a Venezuela. O planalto
brasileiro, que ocupa grande extensão, corresponde em larga parte a outro escudo,
mas, pela sua complexidade, pode ser dividido em três unidades. O planalto atlântico
identifica-se como uma larga faixa que vai desde o Nordeste até ao Rio Grande do
Sul, e inclui as áreas elevadas do Sueste. O chamado planalto central é o mais extenso
e apresenta afloramentos de terrenos sedimentares, paleozóicos e mesozóicos,
assentes sobre as rochas cristalinas, mais antigas, que também aparecem largamente
à superfície. Entre as formas do relevo, assinalem-se as chapadas, de estrutura
tabular, planaltos sedimentares, ou então constituídas por derrames basálticos. O
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planalto meridional, também chamado arenítico-basáltico, abrange as áreas drenadas
pelos rios Paraná e Uruguai, com terrenos sedimentares, parcialmente cobertos por
lavas. Refira-se ainda a existência do pequeno escudo do Rio Grande do Sul,
praticamente sem expressão topográfica. Para além da série de planaltos assinalados,
o relevo do Brasil compreende também três grandes planícies, a amazónica, a mais
extensa de todas, entre o planalto das Guianas e o planalto central, a planície costeira,
ao longo do litoral, entre o Maranhão e o Rio Grande do Sul, e a do Pantanal, na
parte oeste do Mato Grosso do Sul, em contacto com o planalto central a norte e
nordeste, e com o planalto meridional a sueste. Estas planícies estão preenchidas por
materiais geológicos recentes, terciários e quaternários. Na planície amazónica,
distinguem-se correntemente dois níveis de terrenos: a terra firme, de formação mais
antiga, que escapa à invasão das águas dos rios e das marés; a várzea, mais baixa e
de formação mais recente, onde os rios depositam aluviões, e que é aproveitada para
a agricultura, tendo em vista a obtenção de determinados produtos. No conjunto, e
não obstante a diversidade a que se aludiu, insista-se na ideia de que o relevo do
Brasil é, em geral, pouco movimentado, com frequente presença de extensas
superfícies planas.

Clima. Como se disse, a quase totalidade do Brasil encontra-se na zona intertropical e


este facto condiciona obviamente os climas do território. Em geral, as temperaturas
registam médias anuais superiores a 20º C; só no Sul, estas médias descem até 16º C,
ao mesmo tempo que se acentua a amplitude térmica anual. No Brasil, faz-se sentir
amplamente a influência dos ventos gerais ou alísios, que sopram de NE no
hemisfério N e de SE no hemisfério S, confluindo na chamada Convergência
Intertropical (CIT), faixa de baixas pressões, em geral relacionada com chuvas mais ou
menos fortes, embora possa incluir áreas de calmaria. A CIT desloca-se para norte no
Verão do hemisfério setentrional e para sul no do meridional. Este segundo
movimento é mais influente no Brasil, já que o país se distribui sobretudo pelo
hemisfério S. A deslocação da CIT comanda, nas suas linhas gerais, o ritmo das
chuvas, ainda que com perturbações ou anomalias. Pode considerar-se que no Brasil
estão representados cinco tipos principais de climas. O clima equatorial e
subequatorial ocupa fundamentalmente as áreas de menores latitudes e está
particularmente bem representado na Amazónia. As temperaturas médias mensais
são sempre elevadas, com valores próximos dos 25º C, a amplitude térmica anual não
atinge 3º C, a diária é pouco superior, da ordem dos 5º C. As precipitações elevam-se
a 2000 mm, 3000 mm, ou mesmo mais, anualmente. O clima tropical com estação
seca, mais ou menos acentuada, ocupa um retalho do planalto das Guianas e vastas
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extensões a sul da área onde existe o anterior. O ritmo estacional é nítido, as
temperaturas médias são mais elevadas que as do clima equatorial (26º C a 28º C) e
as amplitudes térmicas anuais são também maiores. As chuvas são variáveis, da
ordem dos 1500 mm a 2500 mm por ano. No Nordeste, na área do chamado
«polígono da seca», o clima é semiárido, com chuvas escassas e irregulares, inferiores
a 1000 mm, nalguns sectores da ordem dos 500 mm a 700 mm por ano. Em
determinados anos, ocorrem secas catastróficas que afectam terrivelmente as
actividades rurais da população. As causas deste facto são complexas e não estão
bem esclarecidas. Têm-se invocado questões relacionadas com a origem das massas
de ar que os ventos arrastam, o modo como estes incidem na região, por via da
configuração desta, a persistência de uma célula de altas pressões, que alguns já
consideraram como apófise meridional do anticiclone dos Açores. As temperaturas
são elevadas, com médias superiores a 25º C, ou mesmo a 30º C. Os climas tropicais
de altitude acusam a interferência deste factor nas suas características;
designadamente, as temperaturas tornam-se mais baixas, o que varia em função das
altitudes atingidas. Finalmente, no Sul, já para além do trópico de Capricórnio, o clima
é subtropical, com temperaturas médias anuais da ordem dos 16º C a 19º C e chuvas
abundantes, 1250 mm a 2000 mm por ano, em média. Registam-se contrastes
térmicos acentuados ao longo do ano. As culturas reflectem a originalidade deste
clima: aparecem a vinha e o trigo, o café deixa de estar presente desde que se
verifique a possibilidade de ocorrência de geadas.

Rede Hidrográfica. A abundância das chuvas e a ampla superfície do Brasil


condicionam a importância da sua rede hidrográfica. Os grandes centros a partir dos
quais divergem os cursos de água são o planalto das Guianas, de onde partem os
afluentes da margem esquerda do Amazonas, os Andes, onde nascem os cursos de
água que originam aquele grande rio, e o planalto brasileiro, área de origem de
outros rios importantes, como o Paraná, o Paraguai, o São Francisco, o Paranaíba. O
regime dos rios brasileiros é predominantemente pluvial. A principal bacia fluvial, a
maior do Mundo, é a do Amazonas, com cerca de 7 milhões de km2, dos quais 4 800
000 km2 em território brasileiro. O próprio Amazonas em si tem 6750 km de extensão
(3165 km no território brasileiro). O rio principal (com reduzido desnível) e os seus
afluentes proporcionam boas condições à navegação. As outras bacias importantes
do Brasil, descontando as menos relevantes, são a bacia platina e a do São Francisco.
A bacia platina tem 4 milhões de km2 e abrange os rios Paraná, Uruguai e Paraguai.
O Paraná, que tem como origem os rios Grande e Paranaíba, é, dos três, o que
possui uma bacia mais extensa; são frequentes as quedas de água, o que dificulta a
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navegação, mas permite importantes aproveitamentos hidro-eléctricos, entre os quais
se destaca o de Itaipu. As cataratas do Iguaçu, que nasce perto de Curitiba e desagua
no Paraná, atraem muitos turistas. Finalmente, quanto ao São Francisco, que nasce no
estado de Minas Gerais e se dirige para N, através do estado da Baía, inflectindo
depois para NE, é o maior dos rios que correm exclusivamente no Brasil (3161 km).
Tem também grande potencial hidroeléctrico.

Vegetação Natural. As características da vegetação natural reflectem as do clima.


Segundo a sistematização de Dora Romariz, e considerando, antes de mais nada, as
matas ou formações florestais, elas comportam dois grandes grupos: as de folhas
largas (latifoliadas) e as de coníferas (aciculifoliadas). Nas primeiras, distinguem-se três
tipos. Em primeiro lugar, individualiza-se a floresta equatorial, ou Hileia, amplamente
representada na Amazónia, numa área equivalente a perto de 40% do território
brasileiro. Com grande diversidade de espécies, é uma formação vegetal densa e
complexa, que comporta três variantes, a mata de terra firme, onde não chegam as
inundações, a mata de várzea, em terrenos que correspondem ao leito de inundação
do rio, e a mata do igapó, permanentemente alagada. A área da floresta amazónica
tem vindo a reduzir-se (o que origina justificadas preocupações, essencialmente de
âmbito ecológico), em função de diversos factores, como a exploração das madeiras,
o alargamento das fazendas pecuárias, implantações industriais, especulação
imobiliária e outros ainda. A floresta tropical, menos exuberante, está cada vez mais
rarefeita, à medida que progride e se intensifica a ocupação humana. A floresta
tropical húmida de encosta, ou mata atlântica, ocupa as vertentes próximas do litoral.
Quanto à floresta aciculifoliada, ou mata de araucária (assim chamada, devido à
abundância desta espécie), encontra-se nos planaltos subtropicais do Sul. Em
oposição às formações florestais, os campos limpos, com predomínio de gramíneas e
sem árvores altas, ocupam diversas áreas, mais em função da profundidade do lençol
de água do que das condições climáticas (note-se que a palavra «campo» tem
significados diferentes em Portugal e no Brasil). Os cerrados são formações
diversificadas onde, ao contrário dos campos limpos, aparecem árvores, em maior
abundância nos chamados «cerradões», com relevância decrescente nos cerrados
ralos, campos cerrados, cerradinhos e campos sujos. A origem dos cerrados é
complexa e, provavelmente, diversificada, relacionada tanto com a duração da
estação seca, como com a intervenção do homem (queimadas), e ainda com
condições pedológicas ou de drenagem que não permitem o desenvolvimento das
matas. A caatinga é a formação característica do clima semiárido do Nordeste, com
espécies adaptadas à secura (cactáceas, bromeliáceas). As plantas da caatinga
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perdem as folhas na época das secas. O complexo do Pantanal, na região deste
nome, tem características mistas, reúne espécies da floresta, dos campos, dos
cerrados, mas a abundância de gramíneas está ligada à sua vocação pecuária.
Finalmente, no litoral, encontram-se formações vegetais específicas, designadamente
o jundu, tipo de floresta adaptada ao ambiente arenoso, e o manguezal (mangal),
implantado no lodo salino e sujeito à influência das marés, o que está na origem de
adaptações das plantas que o constituem, como raízes aéreas e pneumatóforos
(raízes respiratórias).

População. Com 169 799 170 habitantes no ano de 2000, o Brasil encontra-se hoje
entre os países mais populosos do mundo. O seu contingente demográfico permite-
lhe comandar, isoladamente, a cabeça do pelotão na América Latina e posicionar-se
em sexto lugar no ranking mundial, ficando atrás da China, da Índia, da ex-União
Soviética, dos Estados Unidos e da Indonésia, mas permanecendo à frente do Japão.
Se a grandeza destes números causa algum espanto, a rapidez com que foram
alcançados não deixa de ser menos impressionante. De 17 milhões no início do século
XX, a população brasileira eleva-se para 70 milhões em 1960, 147 em 1991 e 169 em
2000. No entanto, como se pode depreender dos números, as últimas décadas são já
de claro abrandamento do ritmo de crescimento. É certo que a taxa média anual de
crescimento de 1,3%, observada nos anos 90, faz ainda do Brasil um país em franca
expansão, sobretudo por oposição aos países da Europa ou até a alguns dos seus
vizinhos, como a Argentina ou o Uruguai, mas a evolução clássica da transição
demográfica para um tipo de crescimento mais moderado não sofre contestação.

Embora recente, esta mudança de trajectória da evolução da população brasileira


inscreve-se no longo prazo. Os seus alicerces encontram-se na evolução do
comportamento da natalidade, da mortalidade e da fecundidade. Desde o primeiro
recenseamento, em 1872, até 1960, a natalidade não sofreu alterações significativas,
permanecendo relativamente estável, no valor de 45‰, enquanto a mortalidade
conheceu uma forte redução, descendo de 30,2 para 13,4‰. Como consequência,
neste mesmo período, o crescimento natural acelerou-se, passando de 1,63 para
2,99‰. A partir dos anos 60 a tendência sofre uma inversão. Embora a mortalidade
continue a baixar ligeiramente, rondando em 1995 os 7,2‰, é a natalidade que
regista as maiores quebras, descendo em 1980 para 30,2‰ e em 1995 para 20,6‰.
Este comportamento da natalidade e da mortalidade reflecte-se, então, na taxa de
crescimento média anual, que em 1995 passa a ser de 2,0‰ e no ano 2015 se estima
que ronde o valor de 1,0‰. Em declínio encontra-se também a taxa de fecundidade
(média do número de filhos por mulher em idade de procriar). Se em 1960 rondava
369
os 6,3, em 1980 desce para 4,4 e no início dos anos 90 era já inferior a três.

Naturalmente, o declínio da natalidade e da fecundidade é ainda demasiado recente


para que se possa fazer sentir de forma significativa na estrutura etária da população.
As pessoas com 60 anos ou mais subiram de 6,4% em 1980 para 7,7% em 1991, mas o
Brasil é ainda um país marcado sobretudo pela população jovem (46,7% dos
brasileiros têm menos de 20 anos).

Vários factores contribuíram para que esta evolução ocorresse, mas todos, sem
excepção, são mais de ordem social que política. Seja pela forte influência que a
Igreja Católica exerce sobre a população (90% dos brasileiros declaram ser católicos),
seja pelo sentimento generalizado de que há lugar para todos num país de
dimensões gigantescas, nunca existiu no Brasil uma política deliberada de controlo
dos nascimentos. As poucas intervenções realizadas neste âmbito tiveram uma
aplicação meramente local e, quando existiram, raramente foram além da distribuição
gratuita de contraceptivos nos bairros mais pobres dos grandes centros urbanos.
Assim, se a manutenção até tarde das elevadas taxas de natalidade se encontra
relacionada com as estratégias familiares de sobrevivência (mais filhos significa mais
braços para trabalhar e uma segurança de sustento para a velhice), o seu recuo nas
últimas décadas deve ser associado, principalmente, aos efeitos da crescente
urbanização, que estimulou um mínimo de planeamento familiar: nas cidades, o
acesso aos serviços de saúde, nomeadamente aos centros de puericultura, não só é
melhor, permitindo poupar muitas vidas ainda de tenra idade, como as crianças no
imediato são menos úteis no trabalho e a sua escolarização é mais dispendiosa. Esta
explicação encontra pelo menos sustentabilidade nas diferenças da taxa de
fecundidade entre o campo e a cidade, que em 1980 rondavam os 160,8l no campo
contra 105,3l no espaço urbano.
Unidades da População População urbana Superfície Densidade
Federação km 2 demográfica
absoluta relativa absoluta relativa (hab/km2)
Região Norte 12 900 704 7,60 9 014 365 69,9 3 851 560,4 3,35
Rondónia 1 379 787 0,81 884 523 64,1 237 564,5 5,8
Acre 557 526 0,33 370 267 66,4 152 522,0 3,65
Amazonas 2 812 557 1,66 2 107 222 74,9 1 570 946,8 1,79
Roraima 324 397 0,19 247 016 76,1 224 118,0 1,45
Pará 6 192 307 3,65 4 120 693 66,5 1 247 702,7 4,96
370
Amapá 477 032 0,28 424 683 89,0 142 815,8 3,33
Tocantins 1 157 098 0,68 859 961 74,3 277 297,8 4,17
Região Nordeste 47 741 711 28,12 32 975 425 69,1 1 556 001,1 30,65
Maranhão 5 651 475 3,33 3 364 070 59,5 331 918,0 17
Piauí 2 843 278 1,67 1 788 590 62,9 251 311,5 11,31
Ceará 7 430 661 4,38 5 315 318 71,5 145 711,8 50,91
Rio Grande do Norte 2 776 782 1,64 2 036 673 73,3 53 077,1 52,22
Paraíba 3 443 825 2,03 2 447 212 71,1 56 340,9 61,05
Pernambuco 7 918 344 4,66 6 058 249 76,5 98 526,6 80,3
Alagoas 2 822 621 1,66 1 919 739 68,0 27 818,5 101,34
Sergipe 1 784 475 1,05 1 273 226 71,4 21 962,1 81,13
Baía 13 070 250 7,70 8 772 348 67,1 564 573,0 23,16
Região Sudeste 72 412 411 42,65 65 549 194 90,5 924 266,3 78,22
Minas Gerais 17 891 494 10,54 14 671 828 82,0 586 552,4 30,46
Espírito Santo 3 097 232 1,82 2 463 049 79,5 46 047,3 67,2
Rio de Janeiro 14 391 282 8,48 13 821 466 96,0 43 797,4 328,03
São Paulo 37 032 403 21,81 34 592 851 93,4 248 176,7 148,96
Região Sul 25 107 616 14,79 20 321 999 80,9 575 316,2 43,61
Paraná 9 563 458 5,63 7 786 084 81,4 199 281,7 47,96
Santa Catarina 5 356 360 3,15 4 217 931 78,7 95 285,1 56,14
Rio Grande do Sul 10 187 798 6,00 8 317 984 81,6 281 734,0 36,14
Região Centro-Oeste 11 636 728 6,85 10 092 976 86,7 1 604 852,3 7,24
Mato Grosso do Sul 2 078 001 1,22 1 747 106 84,1 357 139,9 5,81
Mato Grosso 2 504 353 1,47 1 987 726 79,4 903 386,1 2,77
Goiás 5 003 228 2,95 4 396 645 87,9 340 117,6 14,69
Distrito Federal 2 051 146 1,21 1 961 499 95,6 5 801,9 352,16

Brasil 169 799 170 100,00 137 953 959 81,2 8 514 215,3 19,92

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000, in http://www.ibge.gov.br


A repartição geográfica da população e dos indicadores que medem a sua
composição e seu dinamismo é marcada por profundas assimetrias regionais que
devem ser observadas a diferentes escalas. A nível nacional, do ponto de vista da
densidade, destaca-se desde logo o forte contraste entre a fachada atlântica e o
interior. A um litoral extremamente povoado, com densidades que chegam a alcançar
os 328 hab/km2 na região do Rio de Janeiro e 148 hab/km2 em São Paulo, opõe-se o
imenso «deserto» do interior, com valores inferiores a 5 hab/km2 na generalidade dos
municípios que distam mais de 200 km da costa, ou até mesmo inferiores a 1 hab/km 2
371
na região do Noroeste da Amazónia. No seio deste imenso deserto apenas o Distrito
Federal, liderado por Brasília, com 352 hab/km2, muito à custa da sua pequena
superfície (5800 km2), constitui uma verdadeira excepção. Na realidade, o litoral
regista não só as maiores densidades populacionais, como concentra os aglomerados
urbanos de maior dimensão. Dos dez centros mais importantes do país, São Paulo,
Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza, Brasília, Curitiba, Recife, Porto
Alegre e Belém, apenas Brasília, por motivos meramente políticos, e Belo Horizonte se
encontram localizados no interior. A forma como se processou a colonização,
associada às múltiplas adversidades do quadro natural (rede hidrográfica adversa à
penetração, paredões abruptos e florestas intrincadas, difíceis de transpor), obrigou
os colonizadores a implantar os primeiros estabelecimentos humanos no litoral,
condicionando desde muito cedo o presente arranjo espacial da população e do
povoamento.

No entanto, novos contrastes emergem ao mudarmos de escala geográfica. Do


ponto de vista da densidade populacional, tanto o litoral como o interior estão longe
de possuir um comportamento homogéneo. No litoral, às fracas densidades do Norte
da Amazónia opõem-se as médias densidades do Nordeste e as elevadas densidades
do Sul e do Sudeste. Nestas últimas duas grandes regiões, o contraste nacional entre
o litoral e o interior, anteriormente descrito, deixa mesmo de fazer qualquer sentido.
A forte ocupação alcança aqui uma certa profundidade, espraiando-se até às regiões
que estabelecem as fronteiras ocidentais do país e fazendo emergir entre as latitudes
de Vitória e de São Paulo, da costa atlântica aos confins de Mato Grosso, a região do
país com maior dinamismo económico, que a equipa da Reclus há alguns anos
designou por Brasil «útil». Quanto ao interior, em termos globais, a imagem de um
grande «deserto» não sofre contestação, mas esta seria ainda mais genuína se não
fossem as inúmeras ilhas urbanas que polarizam este vasto território, como o
testemunham as elevadas taxas de urbanização registadas tanto pelas grandes
regiões do país (nunca inferiores a 69%), como pela maioria das Unidades da
Federação e dos municípios em que estas se dividem.

Os contrastes regionais são também um traço comum de outros indicadores


demográficos. Com níveis de urbanização e de industrialização superiores, o Sul e o
Sudeste diferenciam-se claramente do resto do país. Beneficiando de uma população
jovem/adulta alimentada pela imigração, estas regiões podem contar com taxas de
actividade mais elevadas, ritmos de crescimento mais moderados e uma esperança
372 média de vida mais longa. Pelo contrário, enquanto o Nordeste e a Amazónia
(exceptuando algumas áreas pioneiras alimentadas pela imigração do Sul,
nomeadamente ao longo da estrada BR 364, que liga Cuiabá a Porto Velho, e no
Oeste da Baía) se encontram ainda no início da transição demográfica, o Centro-
Oeste divide-se hoje entre as elevadas taxas de crescimento da parte amazónica e o
crescimento moderado da parte sul.

Na configuração do actual padrão espacial da população, as migrações têm


desempenhado um papel fundamental. A população brasileira sempre se caracterizou
por uma grande mobilidade espacial, determinada tanto pelo sonho de enriquecer
como pela mobilidade social. Nas últimas décadas, os fluxos migratórios têm
privilegiado essencialmente três destinos: as terras virgens do Norte e do Centro-
Oeste, onde foram criados novos estados, as regiões mais desenvolvidas,
nomeadamente, as grandes metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro, e, cada vez
mais, no interior de cada região, os aglomerados urbanos, com especial destaque
para as metrópoles de dimensão regional. Esta deslocação maciça de população, que
só entre 1991 e 1996 terá envolvido, aproximadamente, 21 milhões de habitantes,
acaba não só por intensificar a já forte concentração da população nas regiões mais
povoadas e alimentar o movimento pioneiro, que tem por principal destino a
Amazónia, como contribuir para a perda de população de um grande número de
lugares, declínio particularmente sensível no Norte do Paraná e no Oeste do estado
de São Paulo, antigas regiões de cafezais, mas que, posteriormente às grandes
geadas de 1975, foram sendo progressivamente substituídas pelo cultivo mecanizado
da soja, menos consumidor de mão-de-obra. Crescimento negativo experimentaram
também inúmeros lugares sitiados nos confins dos Estados de Minas Gerais, Espírito
Santo e Baía.

Uma análise pormenorizada dos fluxos migratórios registados nos anos mais recentes
evidencia, no entanto, uma mudança significativa no comportamento dos migrantes.
Enquanto as grandes deslocações, nomeadamente para o Sudeste, entraram no seu
estádio de desaceleração, as metrópoles regionais ganham cada vez mais adeptos.
Para aqueles que mudaram de estado, se é verdade que o sentido tradicional das
deslocações continua a observar-se (do Nordeste para o Sudeste e para a Amazónia,
do Sul para a Amazónia ocidental), o movimento inverso também passou a ser uma
realidade (do Sudeste para o Nordeste, da Amazónia para o Sul e o Sudeste). No
entanto, nos últimos anos, são as migrações a curta distância que conhecem maior
desenvolvimento. Dos 21 milhões de habitantes que entre 1991 e 1996 mudaram de
residência, 9 milhões permaneceram dentro do mesmo estado ou deslocaram-se
373
para estados vizinhos, assumindo tais deslocações, a maioria das vezes, a forma de
êxodo rural. Na realidade, é esta inversão do destino das deslocações que explica, em
grande medida, o rápido crescimento dos grandes centros urbanos do Nordeste e, na
ausência de condições para receber os imigrantes, a multiplicação na sua
proximidade do número de favelas, por vezes com dimensões gigantescas e
condições de vida infra-humanas.

Em qualquer retrato da população brasileira, por mais simples que seja, impõe-se que
se aflore a questão da diversidade étnica e das clivagens sociais, duas dimensões que,
tendo em conta a distribuição do rendimento, parecem andar intimamente
associadas. Do universo populacional fazem parte tribos indígenas com pouco
contacto com o exterior, descendentes de colonos portugueses e de escravos
africanos utilizados nas plantações do açúcar, e ainda uma grande diversidade de
imigrantes provenientes dos mais distintos países, com especial destaque para os
Italianos e os Japoneses.

Na avaliação do problema da identidade étnica, entre as classificações mais


difundidas, encontra-se a baseada na cor da pele. Os recenseamentos da população
distinguem a este respeito seis categorias: os brancos, os negros, os mestiços, os
asiáticos, os índios e o grupo dos que não prestam declaração. Uma leitura dos
números referentes ao ano 2000 permite constatar que a população é
maioritariamente branca (53,74%), em segundo lugar aparecem os mestiços (38,45%)
e só depois os negros com 6,21%. Quando se analisa a evolução sofrida pelas
diferentes categorias, o aspecto que mais se salienta é o declínio da população negra
e o forte crescimento dos mestiços. Embora de fiabilidade duvidosa, já que são os
interessados que comunicam a sua identidade étnica e a mestiçagem é porventura
socialmente mais bem aceite, esta informação não deixa de confirmar a impressão de
uma brassagem crescente que se sente quando viajamos pelo país. Sem segregação
racial (pouco plausível dado o peso da mestiçagem) e movimentos de reivindicação
étnica suficientemente fortes (a questão dos índios, por mais grave que seja, diz
respeito apenas a uma pequena minoria e o movimento negro é ainda embrionário),
a ideia prevalecente é a de que o país tem caminhado para uma certa
homogeneização.

Composição étnica da população – 2000


Cor ou raça Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro--
Oeste
Branca 53,7 28,0 32,9 62,4 83,6 49,7
Negra 6,2 5,0 7,7 6,6 3,8 4,6
374 Amarela (asiáticos) 0,5 0,2 0,1 0,7 0,4 0,4
Parda (mestiços) 38,5 64,0 58,0 29,5 11,5 43,7
Indígena 0,4 1,7 0,4 0,2 0,3 0,9
Sem declaração 0,7 1,2 0,8 0,7 0,4 0,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000, in http://www.ibge.gov.br

Embora não exista segregação racial, as diferentes categorias étnicas estão muito
longe de coabitar no espaço. A cor da pele mais uma vez permite identificar grandes
assimetrias regionais, que a história do país explica em grande medida. Assim,
enquanto no Sul e no Sudeste a imigração europeia permite aos brancos serem
largamente maioritários, no Norte e no Nordeste esse lugar é ocupado pelos
mestiços e, na região do Centro-Oeste, estas duas categorias étnicas registam
percentagens muito equivalentes. Os imigrantes asiáticos apenas adquirem alguma
expressão na área metropolitana de São Paulo e os negros nas regiões do Nordeste e
do Sudeste, precisamente as áreas de maior concentração de escravos.

A diferenciação étnica regional não passaria de uma simples curiosidade histórica se


pouco ou nada nos informasse sobre o desenvolvimento desigual do país. A verdade
é que, quando se olha para a distribuição dos rendimentos, os níveis de formação da
população e outros indicadores sociais, o valor da correlação é muito forte. De
acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais de 2003, do IBGE, o valor do
rendimento da população mestiça e negra é praticamente metade do auferido pela
população branca, em todos os níveis geográficos. Enquanto o rendimento médio
mensal dos negros e mestiços rondava os 409 Reais, o dos brancos elevava-se aos
812 Reais. Relação semelhante se pode observar na análise do rendimento/hora, que
era de 2,60 reais para a população negra e mestiça e de 5,00 Reais para os brancos.
Se, além da cor, forem comparados os rendimentos dos homens e das mulheres,
verifica-se que os primeiros ganham cerca de 44% mais, mas o rendimento das
mulheres brancas é quase 40% mais elevado que o de homens pretos ou mestiços,
sugerindo que a discriminação por cor é ainda maior que a de género. Por último, a
distribuição dos décimos dos rendimentos (número de salários mínimos auferidos por
mês) permite-nos ainda registar uma diminuição sistemática da percentagem da
população negra e mestiça com o aumento dos rendimentos e um crescimento
constante da participação da população branca. No primeiro décimo, onde se
integram as pessoas que auferem os rendimentos mais baixos (apenas um salário
mínimo, 151,00 Reais), encontramos mais de 15% dos negros e mestiços e apenas
5,6% dos brancos. No último décimo, onde se incluem os que ganham mais de dez
salários mínimos, os valores invertem-se, encontrando-se 15% dos brancos e apenas
375
4% dos negros ou mestiços. Deste modo, tendo em conta a distribuição geográfica
das diferentes etnias, facilmente se consegue dividir o país em duas grandes regiões:
o Brasil «claro», do Sul e do Sudeste, mais desenvolvido, e o Brasil «colorido», do
Norte, do Nordeste e de alguns enclaves no Sudeste, mais pobre e menos
desenvolvido.

De acordo com o recenseamento de 1991, os rendimentos mais elevados (mais de 10


salários mínimos por mês) são alcançados com maior frequência pelos asiáticos, os
rendimentos médios (3 a 10 salários mínimos) pela população branca, e os mais
baixos (menos de 3 salários mínimos – valor utilizado oficialmente no Brasil para
definir a pobreza) são detidos maioritariamente pelos mestiços, os negros e os índios.
Assim, tendo em conta a distribuição geográfica das diferentes etnias, facilmente se
consegue dividir o país em duas grandes regiões: o Brasil «claro», do Sul e do
Sudeste, mais desenvolvido, e o Brasil «colorido», do Norte, do Nordeste e de alguns
enclaves no Sudeste, mais pobre e menos desenvolvido.

Urbanização. A urbanização é um dos fenómenos mais marcantes da geografia


brasileira contemporânea. Em poucos países a população urbana registou um tão
rápido crescimento e mobilizou um número tão elevado de habitantes como no
Brasil. Se em 1950 65% da população vivia ainda no espaço rural, o último
recenseamento dá-nos conta de que em 2000 81% residia já em centros urbanos e, a
avaliar pelos fluxos migratórios observados ao longo da última década, não há sinais
de que o processo se encontre em fim de ciclo. A urbanização não só se amplia a
cada dia que passa, como conhece novos desenvolvimentos e toca todo o país,
independentemente da composição da base económica das regiões. Em nenhum
estado a taxa de urbanização é hoje inferior a 69%, e em todas as Unidades da
Federação a população urbana suplanta a rural. Mesmo a região do Centro-Oeste,
considerada a «fronteira» agrícola do país, regista uma taxa de urbanização de 86,7%,
posicionando-se alguns pontos acima da média nacional.
A rede urbana brasileira é formada por uma grande diversidade de centros, que vão
do pequeno burgo rural à metrópole mundial. De acordo com as funções que
desempenham, a estrutura da base económica, a concentração de centros de decisão
e a escala da urbanização, o IPEA, num estudo efectuado em 1996, tendo por base 111
aglomerados, tipificou os centros urbanos em seis grandes categorias: as metrópoles
globais, formadas por São Paulo e Rio de Janeiro; as metrópoles nacionais,
constituídas por Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza e
Brasília; as metrópoles regionais, onde se integram Campinas, Belém e Manaus; os
376
centros regionais, dos quais fazem parte Florianópolis, Londrina, Campo Grande,
Ribeirão Preto, Santos, São José dos Campos, Vitória, Aracaju, Maceió, João Pessoa,
Natal, Teresina, São Luís, Cuiabá, Rio Branco e Porto Velho; e ainda 86 centros
subregionais (35 de nível 1 e 51 de nível 2), estes últimos com uma área de influência
muito limitada, mas com um papel importante a nível local no controlo dos fluxos de
bens, pessoas e serviços entre a cidade e o meio rural. Além das categorias
consideradas por esta tipologia, a rede urbana brasileira inclui ainda um número
elevado de pequenos burgos que fazem a transição para o espaço rural.

REGIÕES METROPOLITANAS
Localização Número de População residente
municípios
1991 1996 1999
São Paulo 39 15 444 941 16 583 234 17 218 461
Rio de Janeiro 14 9 814 574 10 192 097 10 363 644
Belo Horizonte 20 3 436 060 3 803 249 3 993 267
Porto Alegre 23 3 027 848 3 246 869 3 387 497
Recife 13 2 919 979 3 087 967 3 189 173
Salvador 10 2 496 521 2 709 084 2 844 241
Fortaleza 9 2 307 017 2 582 820 2 764 960
Curitiba 22 2 057 578 2 425 361 2 619 847
Belém 2 1 401 305 1 574 487 1 694 696
Baixada Santista 9 1 220 249 1 309 263 1 362 722
Vitória 5 1 064 919 1 182 354 1 268 376
Natal 6 960 000
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 1991; Contagem da População, 1996, Estimativa da população
para Estados e Municípios, 1998; Fundação Seade; Emplasa, Sumário de Dados da Grande São
Paulo, 1999.
Independentemente do potencial demográfico e dos factores que presidiram à sua
criação (motivos coloniais, funções militares, exportação de produtos agrícolas,
exploração de jazidas de minérios, pólos industriais), os centros urbanos são hoje,
indiscutivelmente, as áreas mais atractivas para a população brasileira. Ainda que no
seu crescimento se tenha de contar com o saldo fisiológico, a principal fonte de
alimentação tem sido, todavia, constituída pelos imigrantes, na sua maioria
provenientes do campo, como o testemunha o elevado êxodo rural, um facto bem
patente no contínuo declínio da população residente no campo observado ao longo
377
das últimas décadas. Com um contingente de 41,3 milhões em 1970, esta desceu para
39,1 milhões em 1980, e para 31,8 milhões no ano 2000.

Embora todos os aglomerados urbanos, grandes ou pequenos, participem na


urbanização do país, a metropolização assume, no entanto, um lugar de destaque.
Actualmente, existem no Brasil 12 regiões metropolitanas, nas quais se concentram,
aproximadamente, 51 milhões de habitantes, isto é, 31,7% da população total. Além
disso, apesar de São Paulo, Rio de Janeiro e Belém, principalmente devido ao
processo de descentralização da indústria e outras actividades económicas, que se
começa a registar a partir da década de 1950, evidenciarem agora uma clara
desaceleração do seu crescimento, as restantes metrópoles continuam a ser chamariz
para elevados contingentes de pessoas e capitais, permitindo-lhes, em termos
demográficos, registar taxas de crescimento superiores às dos respectivos estados e,
do ponto de vista económico, melhorar o seu desempenho enquanto pólos regionais
de crescimento, uma função que vinham já desenvolvendo no interior da sociedade
agro-exportadora brasileira.

Ainda que dotada de grande complexidade, do ponto de vista geográfico, a


organização da rede urbana brasileira padece de profundos desequilíbrios. Nem os
esforços efectuados pelo Estado, materializados, nomeadamente, na concepção e no
planeamento de cidades novas no interior (Teresina em 1851, Belo Horizonte em 1897,
Goiânia em 1935, Brasília em 1960), na transferência do centro de gravidade da vida
política para Brasília, implantada no planalto central a cerca de 1000 km do litoral, nas
diversas acções de política económica (criação de parques industriais, zona franca de
Manaus), e nos incentivos à ocupação das terras do interior, conseguiram até hoje
atenuar a forte concentração da população na fachada atlântica, onde se localizam
onze das doze metrópoles brasileiras, que dão abrigo, aproximadamente, a 35% da
população urbana.
Para se compreender a distribuição geográfica da actual rede urbana brasileira torna-
se imprescindível viajar pelo passado e reconstruir a sua história. Ao contrário dos
países de colonização espanhola, o Brasil não possuía tradição urbana. Aquando da
sua chegada, os colonos portugueses deparam-se com um território escassamente
povoado, ocupado por indígenas organizados em tribos de agricul-tores, sem
vestígio de vida urbana. O desenvolvimento pelos colonos portugueses de uma
economia baseada na produção agrícola orientada para a exportação (principalmente
de açúcar e café, a que se juntam os minérios) influencia até muito tarde a fixação
378
dos núcleos urbanos nas planícies e nos terraços do litoral, em sítios próximos de
baías ou enseadas. Como as cidades eram concebidas para desem-penharem a
função militar e/ou servirem de porto comercial, estes sítios, além de favoreceram a
ligação com as áreas agrícolas, facilitavam também o estabeleci-mento de bases
militares que assegurassem a posse da colónia. Poucas cidades na altura, como São
Paulo, fundada em 1554, Curitiba, no século XVII, ou os núcleos mineiros do século
XVIII (Ouro Preto em Minas e Goiás Velho em Goiás), se afastam do litoral. A fundação
de cidades no interior durante o período colonial apenas adquire consistência com a
crise da agricultura no final do século XVII e no século XVIII e a expansão da actividade
mineira do ouro e da prata. No século XIX, com a retoma do sector agrícola, através
da cana-de-açúcar, da lavoura do café, do comércio de gado e da exploração da
borracha na Amazónia, a imigração europeia na região sul e o desenvolvimento do
transporte ferroviário, irá assistir-se a um acentuado crescimento urbano e com este a
um verdadeiro surto de fundação de novas cidades e vilas no interior das diferentes
regiões brasileiras, mas uma tal urbanização do território quase sempre foi
comandada pelas cidades do litoral, que assim progressivamente iam cavando o
fosso que as separava do interior. Além disso, como a sociedade agro-exportadora
reproduzia relações sociais de trabalho que fixavam a população no campo, as
cidades fundadas no interior poucas pos-sibilidades tinham de atrair população e
crescer. Isto explica que, de acordo com os cálculos realizados, a população urbana
brasileira em 1900 não fosse além dos 10%.

No início do século XX ocorrem mudanças significativas na política e no sistema


económico brasileiro que se reflectem profundamente na ocupação do território e na
organização urbana. A introdução do trabalho livre e assalariado, no final do século
XIX, conjugada com a exploração do café e o desenvolvimento do sistema de
transporte ferroviário, permitiu não só a conquista de muitas regiões do interior,
como criou condições para o desenvolvimento dos mercados urbanos. As cidades
passaram, então, a abrigar um número crescente de trabalhadores livres, empregados
nas actividades terciárias, cuja sobrevivência dependia inteiramente dos salários
auferidos. Símbolo das novas oportunidades provenientes da consolidação das novas
relações capitalistas de produção, as grandes cidades, principalmente do litoral,
acabam por ficar sujeitas a uma pressão demográfica sem precedentes, à qual
dificilmente poderiam responder. Estas terminam assim por ver crescer em torno de si
extensos bairros miseráveis, conhecidos por cortiços, tais eram as condições em que
vivia a população. A industrialização posterior aos anos 50, marcada pelo processo de
descentralização, e o desenvolvimento dos transportes rodoviários, porque mais
379
flexíveis, permitiram uma maior dispersão das actividades económicas pelo território e
concederam maior elasticidade ao fenómeno urbano, contribuindo directamente para
a consolidação de redes urbanas no interior, mas a verdade é que, acima de tudo,
estas alimentam o processo da litoralização e da metropolização, polarizado pelas
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

O grau de concentração de população nas regiões metropolitanas conduziu,


inevitavelmente, à agudização de problemas antigos e ao aparecimento de outros,
assumindo particular destaque o desemprego, a habitação, os transportes e o
saneamento. Na tentativa de minimizar estes problemas, o governo federal propôs a
criação em cada estado de secretarias de negócios metropolitanos. No entanto, estas
foram incapazes de alcançar os objectivos que presidiram à sua formação. Quanto
mais se fortaleceram os grandes centros metropolitanos, polarizadores do território
nacional, mais se acentuaram os problemas, sobretudo o da habitação. Em
consequência, as áreas centrais encetam um processo de verticalização e de
valorização do solo, acabando por expulsar a população de mais baixos rendimentos
para a periferia, onde a preços mais baixos consegue alugar casa ou adquirir um lote
de terreno e, através de um processo de autoconstrução, edificar ilegalmente as suas
residências. Mais recentemente, o crescimento caótico da periferia tem sido também
acompanhado por uma degradação das áreas centrais da cidade. Afectadas pela
deterioração da qualidade ambiental, pela poluição do ar e o congestionamento do
tráfego, estas áreas têm sido progressivamente abandonadas pelas classes mais altas,
que se deslocam para condomínios fechados construídos longe do centro. Uma vez
deixadas vagas, as casas das referidas áreas são invadidas pela população
economicamente mais desfavorecida, produzindo-se um intenso processo de
encortiçamento das antigas habitações.

Desenvolvimento Económico. Um retrato geral da economia do Brasil, da sua evolução


e do seu dinamismo, pode ser obtido a partir da análise da contribuição dos
diferentes sectores de actividade na formação de emprego e do Produto Interno
Bruto. Os números relativos a estes indicadores são, antes de mais, reveladores do
processo de urbanização do país. Ainda maioritária em 1960, a população activa
empregue pelo sector primário sofre um drástico declínio ao longo das décadas
seguintes, não representando mais do que 19% em 2002. Pelo contrário, ao longo do
mesmo período, os sectores secundário e terciário registam um processo inverso,
empregando, respectivamente, 20% e 61% dos activos. No entanto, as mudanças
observadas na estrutura da população activa não são acompanhadas por uma
reorganização semelhante da participação dos sectores no PIB. Enquanto a
380
agricultura, na prática com metade dos activos, reduz apenas ligeiramente a sua
participação, passando de 12 para 7%, a indústria e os serviços, apesar dos elevados
contingentes de trabalhadores que absorveram, não conseguiram melhorar
significativamente a sua contribuição. A indústria, que em 1980 tinha elevado a sua
participação para 41%, acaba mesmo por baixar a sua quota para 34% em 2002,
evidenciando uma clara redução dos níveis de produtividade.

Apesar da drástica diminuição do número de trabalhadores que experimentou ao


longo das últimas décadas, a actividade agrícola continua a ser um sector-chave da
economia brasileira. A redução do número de efectivos foi motivo para que se
encetasse uma modernização do sector, que permitiu aumentar consideravelmente
os níveis de produtividade e manter o país entre os principais produtores e
exportadores de alimentos de todo o mundo. No ranking mundial, ocupa o primeiro
lugar na produção de cana-de-açúcar (27,1%), de café (21,1%) e de citrinos (24,6%), o
segundo lugar, na produção de soja (18%) e de gado bovino (12%), o terceiro lugar
na produção de milho (5,9%), e é ainda o quarto maior produtor de cacau, com 10%
da produção mundial. Além disso, seria redutor restringir a importância económica da
agricultura e da pecuária ao brilhante desempenho alcançado por estes produtos ou
de outros aqui não mencionados, como o arroz, o algodão, o trigo, o feijão ou a
mandioca, por ocuparem um lugar bem mais modesto nas exportações. De forma
alguma se pode negligenciar que foi do mundo rural que partiu grande parte dos
capitais e da mão-de-obra que permitiram o crescimento da indústria e dos serviços.
É do conhecimento geral que a industrialização de São Paulo se deve, no essencial,
aos monopólios do café, que a maioria dos efectivos da classe operária urbana são
oriundos das plantações ou dos campos nordestinos, e que o poder político foi
durante muito tempo partilhado pelos «barões» do café, do açúcar e do gado e pelas
classes urbanas ascendentes.
População activa (%)
Sectores de actividade 1960 1980 1991 2002
Primário 54 30 23 19
Secundário 13 24 23 20
Indústrias transformadoras 9 16 15 13
Construção 3 7 6 6
Terciário 33 46 55 61
Serviços 13 16 18 16
Comércio 7 9 13 16
381 Transportes e comunicações 4 4 4 5
Serviços sociais 3 7 9 15
Administração 3 4 5 9
Total (milhões) 23 44 62

A superfície de dimensão continental, conjugada com a grande diversidade de climas


disponíveis, permite ao Brasil explorar uma vasta gama de produtos agrícolas. O
único produto com algum peso nas importações é o trigo, cultivado no Sul, mas em
quantidades manifestamente insuficientes para satisfazer as necessidades da
população. Todavia, o facto de se produzir praticamente todo o tipo de produtos,
típicos dos climas tropicais ou temperados, de modo algum significa que se produza
a mesma coisa e da mesma forma em todas as regiões. Devido às políticas seguidas é
certo que a geografia agrícola brasileira se encontra em permanente mudança, mas,
apesar de todo o seu dinamismo, algumas constantes espaciais se têm perpetuado
através dos tempos. Estas, quando se espraiam por grandes extensões territoriais, ao
mesmo tempo que dotam o país de uma grande diversidade de paisagens agrárias,
conferem também às diferentes regiões personalidade própria, sobejamente
explorada pelo marketing turístico e difundida pelo mundo através dos mass media.
Na verdade, se o cultivo de alimentos de base, como a mandioca, o milho, o feijão ou
o arroz, em proporções variáveis, ocorre praticamente em todas as regiões, a
exploração dos produtos de natureza vegetal ou animal orientados para o mercado,
que alimentam as exportações, tende a concentrar-se preferencialmente em algumas
áreas, acabando muitas vezes por determinar a especialização das regiões.
Considerando apenas as culturas com maior peso nas exportações, observa-se que
em 1990: a cana-de-açúcar, destinada em grande parte ao fabrico do álcool-
combustível, é cultivada essencialmente nas regiões do Sudeste e do Nordeste, que
concentravam, respectivamente, 61,9 e 27,2% da produção nacional; a soja é
produzida sobretudo nas regiões do Sul (57,8%) e do Centro-Oeste (32,4%); o café,
uma das culturas em crescente expansão geográfica, é explorado principalmente no
Sudeste (73,5%), nos estados de Minas Gerais (35%), São Paulo (22%), Espírito Santo
(15%) e Paraná (10%); e, por último, a cultura da laranja é praticamente monopólio do
Sudeste, sendo o estado de São Paulo responsável por 83% da produção nacional.
Com um papel importante na economia, a pecuária organiza-se também no espaço
brasileiro de acordo com grandes áreas de pastorícia. As manadas de bovinos, para
corte e leite, concentram-se sobretudo no Sul e no Centro do país, destacando-se as
regiões do Centro-Oeste e do Sudeste, ambas com uma quota de 28% e o Sul com
19%. Os rebanhos de caprinos, menos exigentes quanto às condições de vida,
382
encontram-se na prática confinados às caatingas do Nordeste (92%), a produção de
suínos dispersa-se um pouco por todo o país, mas regista a sua maior concentração
na região sul (31,6%), e, por último, a criação de aves de capoeira encontra-se
sobretudo concentrada nas regiões do Sudeste e do Sul.

PIB (%)
Sectores de actividade 1970 1980 1990 2002
Agropecuária 12 10 9 7
Indústria 37 41 34 34
Minas 1 1 1 2.4
Indústria transformadora 28 31 23 21.0
Construção 6 7 7 7.0
Serviços à indústria 2 2 3 3.6
Serviços 55 49 57 58
Comércio 17 11 6 7.5
Transportes 4 4 4 2.6
Comunicações 1 1 1 2.4
Instituições financeiras 6 8 11 7.7
Administração pública 10 6 11 16.0
Outros serviços 8 12 11 10,7
Rendas 10 7 13 11.1
Fonte: IBGE, Directoria de Pesquisa, Coordenação de Contas Nacionais, in http://www.ibge.gov.br

Responsável por uma quota de 34% do PIB, 60% das exportações e 20% da
população activa, a indústria é hoje também um sector-chave da economia brasileira
e um dos motores do seu desenvolvimento. Processo complexo, apoiado na
justaposição de elementos diversos (sectores tradicionais e modernos, capitais
públicos e privados, empresas nacionais e estrangeiras), a industrialização do país, no
entanto, apenas começa a ganhar expressão na década de 1950, muito
provavelmente, devido à necessidade sentida pelo Estado e por alguns proprietários
fundiários e importadores/exportadores de responderem à crise económica
emergente da grande depressão dos anos 30, e pelo facto de a saturação do
mercado mundial de café ter provocado uma quebra acentuada das exportações.
Não podendo contar com as tradicionais receitas provenientes das exportações do
sector agrícola, para adquirir os bens manufacturados de que o país necessitava e
que se habituara a contrair no exterior, a forma de contornar tal problema passava,
necessariamente, pela produção in loco dos mesmos e, na realidade, foi isso que veio
a acontecer. Assim, nascia a indústria de substituição de importações brasileira,
383
expressão pela qual ficou conhecido o processo acima descrito.

As necessidades do mercado interno fizeram que, numa primeira fase, se


privilegiassem as indústrias ligeiras, de bens não duráveis e de larga difusão, como os
têxteis e o algodão. No entanto, à medida que a industrialização avança, aos sectores
tradicionais vieram juntar-se as indústrias pesadas, de bens de equipamentos e de
bens duráveis, destacando-se, entre outras, as químicas e petroquímicas, as
siderúrgicas e metalúrgicas, as farmacêuticas, as mecânicas, as electrotécnicas e as de
material de transporte. Nos anos 70, através de um forte envolvimento directo do
Estado e de investidores estrangeiros, foi a vez de as indústrias de alta tecnologia,
como a militar, a aeronáutica, a informática e a nuclear, registarem também um forte
crescimento. Os bons níveis de desempenho alcançados por alguns ramos de
actividade, como a indústria automóvel e farmacêutica, permitem ao país não só
abastecer o mercado interno, como exportar parte da produção. Na diversidade de
sectores que compõem o tecido industrial, uma referência deve ainda ser feita à
extracção de minerais metálicos, onde se destacam o ouro, o ferro, o alumínio, o
zinco e o manganés.

O desenvolvimento do sector industrial e a sua crescente participação na economia


jamais teria sido possível sem os contributos fornecidos pelas fontes de energia.
Apesar de deficitário, o Brasil dispõe hoje de importantes recursos energéticos, como
o carvão, o petróleo e a energia hidráulica, e, mais recentemente, as fontes de
energia alternativas, assumindo neste âmbito particular destaque o fabrico de álcool a
partir da cana-de-açúcar. As jazidas de carvão encontram-se localizadas nas bacias
sedimentares da região sul, nos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul; o
petróleo é extraído, essencialmente, nas bacias do Recôncavo Baiano, do Nordeste ou
de Sergipe e, através de modernas técnicas de controlo remoto, nos profundos poços
submarinos da plataforma continental; e a energia eléctrica de fonte hidráulica
provém da vasta rede de centrais espalhadas pela rede hidrográfica do país,
destacando-se pela sua capacidade de produção as centrais de Itaipu, no Sul, na
fronteira com o Paraguai, e a de Paulo Afonso, na região do Nordeste.

Apesar da acção política descentralizadora do Estado brasileiro, motivada por uma


preocupação estratégica de contrariar a excessiva centralização geográfica do
crescimento económico, e de a indústria ser encarada como a principal alavanca do
desenvolvimento, a industrialização brasileira é ainda hoje claramente atributo de um
número muito reduzido de lugares. Em 1990, 55% das empresas e 61% do PIB
384 industrial localizam-se na região do Sueste, região na qual só o estado de São Paulo
detinha uma quota de 40%. Esta hiperconcentração torna-se ainda mais evidente
quando se consideram ramos de actividade específicos ou se atenta na dimensão das
empresas e dos estabelecimentos industriais. O estado de São Paulo não só reúne
45% das empresas com mais de 100 trabalhadores, como possui as indústrias mais
modernas.

A concentração geográfica da indústria parece ser mesmo um problema impossível


de contrariar. Devido às «deseconomias» provocadas pela concentração,
recentemente, através da iniciativa privada, tem-se assistindo a uma redistribuição dos
estabelecimentos industriais no interior da região do Sudeste, com particular
destaque nos estados de São Paulo e Minas Gerais, no primeiro caso colonizando os
planaltos do Oeste, antiga área de cafezais e, no segundo, privilegiando os eixos
conducentes ao Rio de Janeiro (por Juiz de Fora) e a São Paulo (via Uberaba e
Uberlândia), as principais cidades do Triângulo mineiro. Todavia, tudo não passa de
uma mera desconcentração, uma vez que, salvo honrosas excepções, as novas
indústrias continuam a eleger para localização as regiões centrais da economia
industrial constituídas pelos eixos São Paulo-Rio de Janeiro-Belo Horizonte. Azzoni
(1985) designa, precisamente, este processo de redistribuição do parque industrial de
desconcentração concentrada. Depois, deve ainda salientar-se que os grandes centros
urbanos destas regiões nunca deixaram de ser atractivos para as empresas. Se para as
unidades de produção se movem as sedes das empresas e os escritórios, no fundo, as
actividades de controlo e gestão dos negócios permanecem concentradas nos
grandes centros metropolitanos.

Apesar dos bons níveis de desempenho da agro-pecuária e da indústria, o sector


terciário, formado pelas actividades comerciais e de serviços, constitui o sector mais
importante da economia brasileira, sendo também aquele que maior crescimento tem
observado nas últimas décadas. Em 2002, empregava 61% da população activa e
gerava 58% do PIB nacional.
A diversidade de actividades e o seu crescimento têm conduzido inúmeros
especialistas a dividir o sector em duas partes com papéis distintos na economia e na
sociedade: o sector «formal», também designado por «moderno», e o sector
«informal», considerado parasita do primeiro. O terciário «formal» obedece a uma
lógica de funcionamento semelhante à de qualquer outro lugar no mundo.
Caracteriza-se, essencialmente, pela existência de contratos de trabalho e
contabilidade que seguem as normas vigentes. Fazem parte deste sector a
administração pública, os transportes, as comunicações, o sector financeiro, a
385
imprensa, etc. O terciário «informal», pelo contrário, é em termos de funcionamento
em tudo original, tendo na economia subterrânea e no trabalho ilegal a sua
expressão mais próxima. O sector «informal» encontra-se presente sobretudo no
comércio e nos serviços, sob a forma de uma imensidão de micro-estabelecimentos e
vendedores ambulantes, os camelôs, que vivem em situação de uma certa ilegalidade.

Visto como parasita do sector moderno, e por isso desprezado pelos responsáveis da
política económica nacional, o terciário «informal» acaba, no entanto, por ter um
papel fundamental na sociedade urbana brasileira. Para milhares de imigrantes que se
amontoaram nas grandes metrópoles e não conseguiram emprego nos circuitos
económicos clássicos, este representa muitas vezes o único meio de sustento das
famílias. O reconhecimento da sua importância leva a que hoje seja objecto de
atenção por parte de organismos como o Banco Mundial ou a BIRD, preocupados
com a coesão social e os riscos que poderão advir da ocorrência de uma crise social.
Susceptível de criar numerosos empregos e de assegurar a sobrevivência dos mais
pobres, começa a ganhar consistência a ideia de que este sector deve ser encorajado
e ajudado, sem no entanto se proceder ao seu enquadramento legal, situação que a
acontecer pode pôr em causa a sua existência.

O Brasil e o Mundo. De acordo com o geógrafo francês Hervé Théry, as relações do


Brasil com o exterior podem hoje ser classificadas, no mínimo, como ambíguas. Se do
ponto de vista diplomático, militar e político o seu comportamento se aproxima do
das grandes potências, a ponto de se chegar a falar num certo «imperialismo
brasileiro», em termos económicos e financeiros a situação é, no entanto, de uma
profunda dependência. Naturalmente, encontrando-se entre os países mais
industrializados do mundo, a sua dependência económica não corresponde mais ao
modelo clássico dos países dominados. Há já algum tempo que o Brasil deixou de ser
um país exportador de matérias-primas e produtos agrícolas e importador de bens
de equipamento e produtos manufacturados. A indústria é actualmente responsável
por 60% do total das exportações, ou até mesmo 79%, caso se incluam nestas os
produtos da indústria agro-alimentar, e o petróleo é, de longe, o produto que mais
pesa nas importações. Contudo, mesmo que o comércio internacional tenha deixado
de ser um bom indicador para avaliar a dependência económica do Brasil, a verdade
é que esta existe, e o forte endividamento relativamente a países terceiros, embora
preocupante e de grande visibilidade, nem sequer constitui a dimensão mais
problemática.

386 A dependência externa brasileira tem sido acima de tudo atribuída à orientação da
política de desenvolvimento industrial do país. Embora encontrando-se entre as
maiores potências industriais do mundo e com as indústrias responsáveis por 60%
das exportações, a verdade é que, em 1998, estas não representavam mais do que
6,8% do PNB. Além disso, se juntamente com este facto tivermos presente que 40%
dos produtos industriais exportados são fabricados por empresas estrangeiras
implantadas no país, facilmente nos damos conta de que a vulnerabilidade da
economia brasileira e a sua dependência face ao exterior são bem maiores do que os
números do comércio internacional poderão sugerir e o potencial industrial do país
alguma vez deixaria supor. É certo que o investimento estrangeiro não chega a
representar 3,5% do capital total do Brasil, mas com este capital limitado as empresas
estrangeiras controlam hoje uma parte muito significativa da economia, sem que daí
advenham reais benefícios para o país. Segundo alguns analistas, quando colocados
nos pratos da balança os benefícios e os prejuízos atribuídos à acção das empresas
estrangeiras, o Brasil ficou mesmo a perder.

Completamente diferente é, contudo, a influência que o Brasil detém na América


Latina, seja no plano diplomático, como na esfera económica. Do ponto de vista das
trocas, esta grande região do Globo tanto fornece ao Brasil as matérias-primas de
que necessita para as suas indústrias (o petróleo venezuelano, peruano ou
equatoriano, o carvão colombiano, o cobre chileno...), como os mercados para os
seus produtos agrícolas e industriais, com os quais pode pagar as importações. Em
termos geopolíticos, a crescente influência do país na região, que as relações
comerciais estimulam e ajudam a consolidar, inscreve-se perfeitamente no grande
ideal dos militares brasileiros de conseguirem controlar o continente sul-americano,
em troca de um apoio incondicional à política externa dos EUA e da abertura da sua
economia aos seus capitais. A criação do Mercosul, do qual fazem parte o Brasil, a
Argentina, o Uruguai e o Paraguai, desempenha precisamente este duplo papel: além
de permitir estreitar as trocas comerciais, constitui também um meio de estender a
sua influência sobre estes países, tradicionalmente mais ligados ao seu rival, a
Argentina.

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