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AS TÉCNICAS DE PESCA E O

CONHECIMENTO TRADICIONAL
ENVOLVIDO NAS ATIVIDADES
DOS PESCADORES ARTESANAIS
DA COMUNIDADE DE
SANTA CRUZ, ES – BRASIL*

Ricardo de Freitas Netto


Mestrando em Ciências Ambientais da Universidade Estadual
do Norte Fluminense (UENF) e Diretor Presidente do Centro de Estudos
em Ecossistemas Marinhos e Costeiros do Espírito Santo (CEMARES)

André Gustavo Alves Nunes


Mestre em Multimeios pela Universidade de Campinas (Unicamp)
e Professor da Faculdade de Ciências da Saúde da FAESA

Jacqueline Albino
Doutora em Geologia Sedimentar pelo Instituto de Geografia da Universidade
de São Paulo – IG/USP – e Professora do Departamento de Ecologia e
Recursos Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES

INTRODUÇÃO brasileiro dos últimos anos, concentrador de


renda e voltado para a exportação de grandes (*) Nossos agradecimentos
Por um longo tempo, estudos a respeito de empresas, veio acentuar o abandono a que ao senhor Pedro, pescador
de Santa Cruz, que
pescadores e de sua produção foram marca- estão relegadas as pequenas produções agrí- proporcionou a minha
integração à comunidade e
dos, no Brasil, por uma visão folclórica e idí- cola e pesqueira, em particular a da pesca contribuiu
artesanal. consideravelmente para a
lica. Ressaltava-se apenas sua vida pacata, realização deste estudo; a
indolente, ou seu tipo humano, sua coragem Faz-se fundamental a desmitificação da Lupércio Araújo Barbosa,
pela ajuda nas saídas de
para enfrentar os perigos da profissão do mar. imagem da pesca artesanal que, nos meios campo; a Cynthia Massote,
pelas críticas; ao
Em alguns casos, desde o Brasil colônia até o urbanos bem como nos órgãos da administra- departamento de Ecologia
contemporâneo, suas comunidades eram des- ção pesqueira, é vista como uma “atividade e Recursos Naturais, pelo
apoio logístico; à empresa
critas como entidades isoladas, alheias aos marginal” ou como uma peça de folclore. A Aracruz Celulose, pelo
apoio financeiro fornecido
processos econômicos. O modelo econômico pesca artesanal desempenhou e continua a ao projeto.

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FREITAS NETTO; NUNES & ALBINO

desempenhar um papel fundamental na envolvido na atividade dos pescadores


produção pesqueira deste País, intimamente artesanais de Santa Cruz.
vinculada ao mercado e à pesca empresarial
capitalista. Portanto, não é nem marginal, nem A área de estudo
folclórica. Na verdade, encontra-se pressio-
nada, com profissionais explorados e caren- Localização
tes do apoio que se deu tão fartamente à pes- O Município de Aracruz está localizado no
ca empresarial-capitalista nesses últimos anos, litoral norte do Espírito Santo, a 80 km da ca-
particularmente por meio dos incentivos fis- pital do Estado, Vitória. Ocupa uma área 1.435
cais. O resultado mais evidente dessa política km2 e é dividido politicamente em cinco dis-
foi a depredação dos recursos vivos do ocea- tritos: Sede, Santa Cruz, Riacho, Guaraná e
no, a exploração de mão-de-obra e o empo- Jacupemba. O Município é drenado pelas ba-
brecimento do próprio pescador artesanal cias do rio Riacho, com 1.081 km, e do rio
(DIEGUES, 1995). A pesca artesanal, por ser Piraquê, com 457 km2. Às margens do rio
considerada importante meio de produção no Piraquê, na desembocadura do rio, junto ao
litoral brasileiro, vem recebendo grande ên- estuário, está localizado o distrito de Santa
fase nos últimos anos como forma de preser- Cruz, distante 65 km da capital (Figura 1).
vação cultural e biológica. Cresce o reconhe-
cimento de que o modo de vida de alguns seg- ASPECTOS CLIMÁTICOS
mentos, culturalmente diferenciados, é menos O clima desse trecho do litoral brasileiro é do
predatório do que o da sociedade industrial, tipo W (oeste) pseudo-equatorial, em zona
segmentos dos quais as comunidades de pes- caracterizada por chuvas tropicais de verão –
cadores artesanais fazem parte, com sua estação chuvosa –, com estação seca durante
produção intimamente ligada ao ambiente no o outono e o inverno. Porém, as duas últimas
qual vivem e com a capacidade de adaptação estações podem registrar precipitações fron-
que possuem para viver e explorar esse ambi- tais de descargas, devido às massas polares. A
ente (FERNANDES e MACHADO-GUIMA- temperatura média anual é de 22° C; a média
RÃES, 1994). das máximas fica entre 28° e 30° C, ao passo
Dessa forma, para gerar mais informações que a média das mínimas se apresenta em tor-
sobre esse segmento da sociedade, foi reali- no de 15° C.
zado um estudo na comunidade de pescado-
res artesanais do distrito de Santa Cruz, Mu- ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS
nicípio de Aracruz – ES. Em virtude de o ór- Hoje a comunidade de pescadores artesanais
gão regulador da pesca no Estado do Espírito de Santa Cruz é composta por 18 indivíduos,
Santo, o Instituto Brasileiro de Meio Ambi- um número variável devido à instabilidade da
ente (IBAMA), não dispor de informações atividade. Pelo mesmo motivo, metade des-
atualizadas sobre Santa Cruz, os dados gera- ses indivíduos exerce outra atividade remu-
dos por este estudo serviram como fonte para nerada para a complementação da renda fa-
o setor pesqueiro do Estado, na tomada de miliar. Quatorze dos chefes de família con-
medidas de gerenciamento costeiro. Além dis- cluíram o ensino fundamental. A maioria dos
so, mostraram a importância social, econômica filhos cursa o ensino médio, e dois deles têm
e ambiental dessa comunidade de pescadores formação superior. A maioria dos pescadores
artesanais para o distrito de Santa Cruz, quan- possui residência própria (13 dos 18 pesca-
do divulgados para a sociedade por meio de dores), com uma média de quatro cômodos
palestra e exposição. Os dados apresentados por residência. As embarcações somam um
neste trabalho incluem a descrição das técni- total de nove, todas registradas em alguma
cas de pesca e o conhecimento tradicional entidade regulamentadora da atividade de pes-
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Figura 1
Localização da área de estudo

40 05’ W
Rio Riacho

Oceano Atlântico

19 57’ S

Escala 1:250.000

ca. Dos pescadores, pela irregularidade da ati- os “Mestres” das embarcações, os quais pos-
vidade, cinco não possuem registro de pesca. suem um conhecimento maior sobre a pesca
A comunidade de pescadores artesanais de e o transmitem com maior facilidade. Esses
Santa Cruz, apesar de continuar a lutar para foram alvo de entrevistas mais detalhadas, pe-
exercer a profissão, apresenta muita dificul- las quais se poderiam obter informações mais
dade em dar continuidade à atividade. O de- precisas a respeito do conhecimento ecológi-
sinteresse pela atividade entre os filhos é o co do pescador. Essas entrevistas, feitas com
principal fator de desaparecimento dessa co- o auxílio de um gravador, respeitaram sem-
munidade, visto que a perpetuação do pesca- pre um roteiro, semi-orientado, a partir do
dor artesanal não ocorre dentro de uma nova qual o pesquisador, de tempos em tempos, efe-
formação social (FREITAS NETTO, 2001). tuava intervenções para trazer o informante
aos assuntos que pretendia investigar. Nesse
METODOLOGIA procedimento, o informante fala mais que o
pesquisador, dispõe de certa dose de iniciati-
Num primeiro momento, foi aplicado um va, mas na verdade quem orienta todo o diá-
questionário, denominado Questionário Base, logo é o pesquisador (QUEIROZ, 1991). Os
a todos os pescadores artesanais da comuni- dados obtidos nas entrevistas com gravador
dade, por meio do qual se buscou levantar as foram todos transcritos, analisados, e dispos-
técnicas de pesca empregadas em Santa Cruz. tos em forma de trechos que os ratificam.
Esses dados são apresentados na Tabela 1. A O registro fotográfico implementado for-
partir do questionário, foi possível identificar neceu dados visuais importantíssimos, prin-
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cipalmente para a descrição das técnicas uti- gando em uma velocidade bem lenta, para que
lizadas pelos pescadores. Além disso, a foto- as portas do balão não se quebrem, fazer o
grafia serviu como importante ferramenta para arrasto deste ao fundo, durante um período
a realização de uma outra modalidade de en- variável de uma a duas horas, dando voltas na
trevista – a foto-entrevista – na qual as fotos região onde se encontra o pescado. Ao final
são examinadas em conjunto, pelo pescador e do arrasto, o pescado que ficou retido na ma-
pelo pesquisador. Dessa forma, a tensão da lha do balão é colhido dentro do barco (Pran-
entrevista pode ser reduzida: o informante fica cha I).
mais à vontade, pois deixa de ser o foco prin- O pescador conhece sua região e sabe que
cipal da investigação e passa a ser um guia “lamas longas” só ocorrem nas regiões de
experiente que conduz o pesquisador através Barra do Riacho e do Rio Doce. Dentro de
do conteúdo das imagens. Esse método levou Santa Cruz, encontram-se em meio às rochas
o informante a falar sobre personalidades, lu- características da região. Daí o fato de a téc-
gares, processos e artefatos, a fornecer um nica do balão não ser produtiva, realizando-
grande fluxo de informações sobre sua reali- se principalmente para se conseguir o cama-
dade, enriquecendo o trabalho (NUNES, rão que serve como isca para a pescaria de
1998). Vale ressaltar que, neste estudo, a foto linha. Os pescadores de Santa Cruz saem para
não representa nem a arte, nem apenas a a pesca do balão na madrugada, período em
comunicação, mas a referência, que é a or- que há maior fartura de camarão, por uma ou
dem fundadora da fotografia (BARTHES, duas horas, conforme descrito anteriormente.
1984). Algumas das fotos estão presentes nas Logo após, iniciam a viagem para o “pesquei-
pranchas que ilustram parte das atividades da ro” onde se realizará a pesca de linha em que
pesca artesanal de Santa Cruz. o camarão é usado como isca.
“Bota o balão no barco e joga na posição
RESULTADOS E DISCUSSÃO certa onde tem a lâmina, aí você arrasta
uma duas volta, três volta, né? No período
A partir do Questionário Base, foi possí- de uma hora uma hora e meia, aí nesse meio
vel identificar o uso de três técnicas de pesca tempo levanta o balão e pega o camarão
artesanal pelos pescadores de Santa Cruz: a pra você pescá, né? Aí depois que você tá
do balão, a da linha e a da rede (Tabela 1). com aquele camarão dentro da embarca-
ção, dentro do bote, aí você sai pratica-
PESCA DE BALÃO mente uma hora, duas horas de mar afora
A técnica da pesca de balão consiste em e vai procurá o peixe até a posição! Mas
posicionar o balão na lâmina d’água e, nave- primeiramente é o balão, né? E depois que

Tabela 1
Técnicas de pesca artesanal utilizadas pelos pescadores
da comunidade de Santa Cruz

TÉCNICA UTILIZADA OCORRÊNCIA


Balão e linha 1
Balão, linha e rede 4
Linha 4
Linha e rede 8
Rede 1

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você vai pescá!... Barra do Saí é... lá no “Quando é peroá, cê pesca cada pargueira
rio Doce! Essas região aí que tem lamas com vinte anzol, trinta anzol, né,
muito longas, né? E as nossas lamas aqui Arnaldo?!?... Aí, quando a linha bate no
dentro de Santa Cruz, principalmente, elas fundo, cê deixa ela firme ali, quando tem o
fica por dentro das pedras dos arrecifes peixe, cê vê logo o balançar da linha, pu-
altos, né?... O balão sempre de preferên- xando pro fundo. Aí, cê puxa em retorno que
cia de madrugada, né?... não aqui em San- o anzol entra na boca do peixe e cê puxa às
ta Cruz, aqui em Santa Cruz só dá mesmo vezes dois, três peixes. Quando tem muito,
pra isca.” cê pode até puxá cinco ou seis peixes, como
(Pescadores Artesanais de Santa Cruz) já aconteceu, né? Até treze eu já peguei!
Agora, peroá, até vinte, quando cê bota trin-
Na comunidade de pescadores artesanais ta anzol, vinte cinco anzol, até vinte mes-
de Santa Cruz, cinco pescadores utilizam o mo, se tiver muito, cê traz. Agora, quando
balão (Tabela 1). O arrasto do balão, confor- tem pouca, elas começa a roubá as isca,
me dito anteriormente, permite apenas a cap- né?... Uma faixa de 14 pargueira pra cada
tura de pequena quantidade de camarão. A pescador, cada pescador leva quatorze
utilização dessa técnica com o intuito de pro- pargueira, quinze pargueira, isso é o míni-
duzir quantidade de pescado para venda é mo, tem gente que leva vinte. O Arnaldo
completamente inviável na região. O motivo mesmo leva uma porção pra pesca até o
é a constituição da plataforma continental em meio dia, né? É importante que, quanto mais
Santa Cruz, que apresenta predominância de cê leva, mais cê vai desenvolver a pesca,
grânulos de cascalho ou areia muito grossa. porque quando embolô com uma daquela
As lamas litobioclásticas – descritas anterior- ali, cê tira aquilo e joga lá no canto, e isso
mente como “lamas” – são encontradas ape- aí engata outra, a outra que tá novinha, e
nas em pontos isolados (ALBINO, 1999), o isca ela e ripa pra frente, né? Num pode
que não favorece o desenvolvimento do ca- perdê tempo!”
marão. Sendo assim, a técnica é utilizada na (Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
maioria das vezes para obter isca para a pesca
de linha e, eventualmente, para consumo pró- A pesca de linha em Santa Cruz, quando
prio ou venda na comunidade. se trata de barcos de menor porte – em torno
de 6 metros e sem cabine –, é geralmente rea-
PESCA DE LINHA lizada em um dia, saindo do cais pela madru-
A técnica da pesca de linha consiste princi- gada e retornando por volta do meio-dia. Já
palmente no uso da pargueira, uma espécie de em barcos de porte um pouco maior – com
linha com um peso na extremidade final, onde cerca de dez metros e dotados de cabine –, a
são dispostos de 20 a 30 anzóis. A pargueira é pesca se estende por três a cinco dias, portan-
presa por meio de um grampo no carretel que to é necessário que os barcos estejam equipa-
o pescador manuseia na pescaria (Prancha II). dos com instrumentos de navegação, supri-
Quando existe fartura no pesqueiro, numa mentos para a tripulação e gelo para conser-
pargueira podem vir até vinte peixes, depen- var o pescado. Durante a pescaria, à medida
dendo do número de anzóis que forem utili- que vão sendo capturados, os peixes são acu-
zados. Cada pescador leva em média 14 mulados na borda do barco e, quando chega o
pargueiras nas saídas de pesca, pois, em caso meio-dia, são dispostos dentro da urna com o
de emaranhamento de anzóis, que ocorre com gelo. Depois do almoço, continuam a pescar,
facilidade, o melhor é utilizar outra pargueira gelando o peixe só pela tarde. O motivo de se
ao invés de tentar desemaranhá-los, o que se- abrir a urna apenas duas vezes ao dia é a ne-
ria uma perda de tempo na pescaria. cessidade de economia do gelo. Quando o dia
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está nublado ou chuvoso, o pescado pode ser não a utiliza (Tabela 1). São dois os motivos
gelado só à tarde, pois não existe o perigo de pelos quais essa técnica é preferida na comu-
o peixe estragar. Entretanto, uma nova técni- nidade: primeiro, a técnica permite a
ca de conservação do pescado e do gelo está especificação do pescado a ser capturado; se-
sendo usada por um pescador de Santa Cruz. gundo, as condições ambientais favorecem a
Por essa técnica faz-se uso de esteiras de Taboa utilização da técnica ao longo do ano. A pes-
confeccionadas pelos Guaranis de Caeiras Ve- ca de linha permite ao pescador localizar o
lha. A técnica consiste em colocar todo o pes- pescado que houver em abundância e/ou ti-
cado na borda do barco, à medida que os pei- ver melhor aceitação no mercado. A experi-
xes forem sendo capturados, e estender por ência adquirida pela vivência diária no mar
cima a esteira, molhando-a freqüentemente com ajuda o pescador, de certa forma, a monitorar
água do mar. Tal procedimento permite a con- o cardume ao longo de sua área de atuação e a
servação do peixe até o final do dia, mesmo buscar exatamente o que é de seu interesse.
em dias quentes, fazendo com que a abertura As condições ambientais precisam ser favo-
da urna seja feita apenas uma vez e, mesmo ráveis para as saídas de pesca. Na região estu-
assim, em horário de temperatura mais amena, dada, assim como em boa parte do litoral do
conservando-se melhor também o gelo. Estado, são predominantes os ventos alísios,
“Essa pescaria do meu barco, por exemplo, vindos do quadrante NE – ENE durante a
é pescaria de três dias a cinco dias. Aí cê maior parte do ano (ALBINO, 1999), fazen-
tem que colocar cem caixas de gelo, né? No do também com que o mar fique calmo a maior
meu barco agora coloca 200 litros de óleo parte do ano. As condições a favor do pesca-
diesel, 200 litros de água, um rancho, que é dor são: uma embarcação com grande capaci-
a comida que se fala rancho, né?... peroá dade de armazenamento de pescado, porte,
eles pesca até praticamente meio-dia quan- potência, e aparelhos de navegação, condições
do o sol tá muito quente, né? Gela aquela que permitirão a duração da pesca até seis dias
quantidade, quando o dia tá frio... chuva... no mar. Já as pequenas embarcações, que não
assim pesca o dia inteirinho e só gela o pei- têm condições de viajar longas distâncias atrás
xe só à tarde, né? Aí à noite descansa, dor- do pescado, ficam pescando junto à costa. Um
me, faz o rancho lá, e come e vão dormi e, detalhe interessante é que alguns pescadores,
quando chega ali de manhã cedo, aí come- que não possuem instrumentos de navegação
ça a pescá outra vez,... Agora é que eu tô ou experiência no mar, só navegam até dis-
usando uma técnica aí! ... É com esteira, tâncias de onde possam avistar algum ponto
eles vão pegando o peixe, vão pegando o fixo em terra para se guiarem, como, por
peroá e vão amontoando e bota a esteira exemplo, a fumaça das chaminés das indús-
em cima, esteira mesmo, aquelas feita de trias de celulose da região. Esses fazem pes-
taboa! Aí o sol pode tá quente do jeito que carias de apenas um dia, saindo pela madru-
tivé, e joga água do mar em cima daquela gada e retornando quando ocorre a viração,
esteira, e aquela esteira conserva o peixe ou seja, quando o vento NE se torna mais for-
até de tarde! Aí cê pesca desde manhã cedo te, geralmente após o meio-dia.
até de tarde... e gela o peixe à tarde, sem
perigo de estragá o peixe, perdê o peixe. Aí PESCA DE REDE
adianta, em vez de cê tá abrindo a urna, A técnica do uso da rede consiste em amarrar
perdendo gelo!” vários Panos de Rede, de modo que se forme
(Pescadores Artesanais de Santa Cruz) uma rede de tamanho grande, que proporcio-
nará a captura de um maior número de pei-
A pesca de linha é a técnica mais utilizada xes. Entretanto, existe uma forma correta de
pelos pescadores da comunidade. Apenas um se amarrar e colocar os panos de rede dentro
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d’água para que o conjunto não fique tenso Na comunidade de Santa Cruz, 100% dos
demais e prejudique tanto o emalhamento dos pescadores concordam que o fenômeno
peixes como o recolhimento da rede. O con- ambiental que mais interfere nas atividades
junto deve ser montado ainda em terra, antes pesqueiras da comunidade é a entrada do vento
da colocação da rede no barco, pois, dentro Sul, quando predomina o vento Nordeste em
do barco e no mar, a montagem fica inviável. todo o litoral do estado do Espírito Santo.
Inicialmente, amarra-se ao primeiro pano de Dessa forma, o uso da rede em Santa Cruz
rede da série a poita – que vai segurar a rede normalmente se restringe aos períodos de fren-
para que as correntes não a levem mar afora – te fria, quando entra o vento Sul e o mar fica
e, em seguida a bóia, que marcará o local onde agitado. Essa condição ambiental não favore-
foi deixada a rede. Alguns pescadores usam a ce a pesca de linha, que demanda a presença
bandeira junto à bóia. A poita, que é uma es- do pescador na atividade todo o tempo. Com
pécie de âncora, algumas vezes é substituída o uso da rede, é possível colocá-la pela tarde
por uma pedra ou por outro objeto capaz de e retirá-la na manhã seguinte, evitando, dessa
realizar o mesmo trabalho. Pronto esse con- forma, permanecer no mar por muito tempo.
junto, amarra-se a ele outra poita e, a partir O prejuízo causado pela permanência num mar
dela, outro conjunto de panos de rede. Isso é agitado pode envolver desde a danificação da
o Pé de Galinha, um ponto fixo que segura embarcação até problemas com a saúde dos
um conjunto de panos de rede de cada lado, pescadores, como, por exemplo: ferimentos
dando seguimento à estrutura linear que a rede com anzóis, riscos com o gás de cozinha ou
inteira tem (Prancha III). A vantagem desse com a parte elétrica da embarcação, resfria-
processo é que a rede fica mais maleável às dos, entre outros. O movimento constante da
correntes, “pescando”, como diz o pescador, embarcação, por causa das grandes ondas de
e mais leve quando tiver que ser recolhida, frentes frias, provoca constantes náuseas, que
pois serão puxados quatro panos de rede de podem levar inclusive à desidratação do pes-
cada vez, e não todos juntos. cador em alto mar.
“A rede, se cê não souber colhê ela na em- Outro motivo pelo qual a pesca de linha
barcação e colocá a tralha certa, num vai não acontece com frentes frias é que o pesca-
funcioná não! Ela vai ficá dura, vai fica ten- do de linha geralmente pára de se alimentar
sa dentro d´água! Num vai pescá não!...nóis nesse período. Segundo os pescadores, quan-
a cada quatro pano de rede, nóis coloca um do o mar fica agitado, o peixe “endoida”, fica
ancorote; o ancorote é uma âncora, ela se- “alvoroçado” – pelo fato de entrar areia nas
gura quatro pano de rede. Ali vem o pé de guelras dele –, fugindo da costa. Nesse inter-
galinha, aí solta mais quatro pano tudo valo em que o peixe se desloca é que ele en-
emendado, mais aí aquele ancorote segura contra a rede e fica preso, de modo que preci-
quatro pano... e assim por diante; num tem sa ser retirado num curto intervalo de tempo.
peso pra cê puxá que a rede num vem toda Isso porque o pescado não resiste muito tem-
de uma vez, ela num estaca todinha em cima po dentro d’água e logo estraga, principalmen-
da embarcação, ela estaca de quatro em te se a pesca estiver sendo realizada para o
quatro pano no ancorote. Aí cê puxa aquilo “lado do norte” (desembocadura do rio Doce)
dali, é mais fácil pra cê puxá, a rede fica onde as águas são mais quentes. Como a pes-
mais molinha, num fica tensa... sempre co- ca é realizada de um dia para o outro, não é
loquei duas poitas, em meses de maré gran- necessário o uso de gelo para a conservação
de, né? que nóis já perdemos rede inteirinha do pescado, mesmo porque ele só vai ser reti-
de ressaca de maré, né?” rado da rede no cais.
(Pescadores Artesanais de Santa Cruz) “E a rede também pode pegá peixe só na
época do mar agitado. Com a mudança de
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tempo do vento sul é que o peixe se afasta do ocorrem precipitações frontais de descar-
da beira da costa, né?... por quê? Ah, o pei- gas devido às massas polares – ou frentes fri-
xe de rede, quando o mar mexe... que o mar as –, as condições tornam-se mais instáveis,
fica brabo, o mar mexe todinho, o peixe havendo a necessidade de alternar a técnica
endoida; o peixe endoidando, aí cê tem fa- de pesca segundo a condição ambiental. O
cilidade de pegá ele, porque alvoroça todo, mesmo fato foi percebido na comunidade de
sai, né? Aí cê pega ele na saída, então é Zacarias, na lagoa de Marica – RJ, onde, du-
por quê? Porque o mar mexeu, o peixe ficô... rante os meses de maior estresse climático (ju-
endoidô, entra areia nas guelras do peixe; nho/julho, outubro/novembro e dezembro/ja-
tem peixe que sai mais pra fora, né? Quan- neiro), constatou-se a utilização das três téc-
do o mar volta a acalmá você pega ele na nicas de pesca praticadas na comunidade
entrada outra vez... e nesse intervalo onde (FERNANDES e MACHADO-GUIMA-
encontra, e que passa na rede e que pega... RÃES, 1994).
Então eles vão colhendo periodicamente e “Linha, cê procura o local lá fora, onde cê
vão tirando o peixe, né! Porque o peixe, pode achá o peixe; tem vezes que cê acha,
passô de um certo período, se a água esti- tem vezes que cê não acha, e tem ocasião
ver quente principalmente, eles estraga com que num dá peixe de rede, só de linha! Tem
muita facilidade, né? Se a água tá fria, não, ocasião quando a lua fica muito clara, num
mas quando a água tá quente, o peixe, fá- dá peixe na rede; é mais em ocasião de lua
cil, fácil eles estraga, fica meio moído. A escura, né? Então, quando num dá uma
nossa região aqui, a água ainda é muito fria, coisa, então eles só conserta uma rede na
né? Mas do rio Doce pra cima, passô de praia, vão procurá outro tipo de peixe, vão
duas hora, o peixe apodrece, cê perde o procurá através de espinhel, né? ... É uma
peixe, com certeza cê perde o peixe, a água coisa rotativa, não é uma coisa fixa, né?
é quente mesmo!” Cê não pode trabalhá numa pesca só, se cê
(Pescadores Artesanais de Santa Cruz) só trabalha na pesca de camarão, por exem-
plo, cê não vive! Se cê trabalhá só na pesca
Ainda existem dois tipos de rede que são de rede, ainda vá lá que seje ainda, a pes-
a boiada e a de fundo, ou seja, uma fica na soa que pesca só com rede, que tem muito
superfície e outra, no fundo. Segundo os pes- material, que tem muito material mesmo,
cadores de Santa Cruz, utiliza-se a rede boia- cinqüenta peças em cada barco, quarenta,
da em luas escuras (Nova), pois o peixe fica cinqüenta peças em cada barco, cê ainda
na superfície. Quando a lua está clara (Cheia), consegue vendê, consegue arranjá alguma
os peixes deslocam-se para o fundo, daí a uti- coisa, né? Mas pesca de camarão, pesca de
lização da rede de fundo. O pescador de San- linha, isso tem que diversificá, né?”
ta Cruz percebeu que a luminosidade, lua (Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
cheia ou nova, interfere no comportamento do
pescado. Segundo Toledo (1991, apud MARQUES,
Na comunidade de pescadores artesanais 1995), a espécie Homo sapiens coexiste – co-
de Santa Cruz, as três técnicas de pesca estão operativa e conflitivamente – com o ambien-
constantemente sendo alternadas, de acordo te que a cerca, procurando adaptar-se, conhe-
com as condições ambientais. Durante a esta- cendo e agindo por meio de um jogo de so-
ção chuvosa (primavera e verão), existe uma brevivência. Isso resume, de forma bastante
maior estabilidade das condições marítimas, simples, a condição do homem, que está liga-
com predomínio de ventos alísios do NE e, do à teia de vida em condições idênticas às
conseqüentemente, mar calmo, o que favore- dos demais seres vivos e, ao mesmo tempo,
ce a pesca de linha. Já na estação seca, quan- ao sistema social, como autor e ator na natu-
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reza (LIMA, 1984, apud MARQUES, 1995). de madrugada, para capturar o camarão que
Essa é a condição do pescador artesanal de servirá de isca para a de linha, técnica
Santa Cruz, que busca de diversas maneiras direcionada aos “peixes de pedra” e utilizada,
sustentar a atividade pesqueira a fim de asse- na maioria das vezes, por causa dos padrões
gurar sua sobrevivência dentro de um ecos- de vento NE predominantes na região; e, fi-
sistema imprevisível como o marinho. Por esse nalmente, em frentes frias, a técnica da rede,
motivo, a técnica da pesca deve estar aliada a empregada na captura dos “peixes de lama”,
um comportamento e a um conhecimento ade- visto que a da linha é inviável para isso. Esses
quado adquirido através das gerações, os quais padrões foram determinados em função do
assegurarão o sucesso da atividade. conhecimento dos pescadores, adquirido no
ambiente em que vivem. As relações intra-
CONCLUSÃO especifícas que eles estabelecem, no compor-
tamento social da pesca com os companhei-
As técnicas utilizadas pelos pescadores ros, e as interespecíficas, nas técnicas mais
artesanais de Santa Cruz seguem um padrão apropriadas para a captura do pescado, só ra-
que os leva a alcançar o objetivo da ativida- tificam o profundo conhecimento ecológico e
de. Por exemplo, a técnica do balão, utilizada tradicional do pescador artesanal.

REFERÊNCIAS

ALBINO, J. Processos de sedimentação atual e morfodinâmica das praias de Bicanga à Po-


voação – ES. 1999. 175 f. Tese (Doutorado em Ciências) – Programa de Pós-Graduação em
Geologia Sedimentar do Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo,
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GEOGRAFARES, Vitória, no 3, jun. 2002 131


FREITAS NETTO; NUNES & ALBINO

RESUMO ABSTRACT
As técnicas de pesca empregadas pela comunidade The fishing techniques used in the artisanal fisher-
de pescadores artesanais de Santa Cruz e o conheci- men community of Santa Cruz, and its traditional
mento tradicional adquirido ao longo dos tempos são knowledge along the time, are parts of a study reali-
um dos segmentos de um estudo realizado durante zed in 2000 and 2001, including several aspects about
os anos de 2000 e 2001, abrangendo vários aspectos this community. The intention of this study was to
dessa comunidade. O objetivo foi fornecer subsídi- provide subvention to this community to the defen-
os a esses pescadores para a defesa do “seu lugar”, se of “their place”. Due to their environment, sub-
pois sua subsistência e sobrevivência ainda hoje vêm sistence and surviving, they’re still threatened by
sendo ameaçadas por atividades pesqueiras indus- industrial fishery activities – almost predatory – in-
triais que prejudicam a pesca e o ambiente de Santa juring the fishery and environment of Santa Cruz.
Cruz. Neste estudo, foram aplicados questionários a To raise up this information, questionnaires were
toda a comunidade. Apenas alguns pescadores fo- applied to all community, having as a target some
ram alvo de entrevistas mais fechadas, com auxílio fishermen in closed interviews, using a tape recor-
de gravador. O registro fotográfico foi utilizado em der. The photographic register was used in a diffe-
outra modalidade de entrevista: a foto-entrevista. rent kind of interview modality: the photo-intervi-
Foram identificadas três técnicas de pesca: a de ba- ew. Three fishing techniques were identified: the
lão, a de linha e a de rede. Essas técnicas são utiliza- bottom trawl net, the simple line and gillnets. These
das com base num conhecimento que o pescador techniques are used through a knowledge that the
adquiriu na prática e que é mostrado neste estudo. O fisherman acquired with practice and it is showed in
objetivo deste trabalho é registrar a atividade do pes- this study. The objective of this work is to register
cador artesanal de Santa Cruz, pois a continuidade the artisanal fisherman activity of Santa Cruz, be-
desse segmento culturalmente diferenciado, cujo cause the continuity of this culturally differentiated
conhecimento foi adquirido ao longo de séculos de segment, which acquired knowledge through centu-
experiências diretas e de contato com o meio ambi- ries of direct experimentation and contact with en-
ente, permite uma interação correta e ecológica com vironment, allowed their correct and ecological in-
o recurso pesqueiro. teraction with fishery resource.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Técnicas de pesca – Conhecimento tradicional – Pes- Fishing techniques – Traditional knowledge – Craft
ca artesanal – Santa Cruz e Espírito Santo. fishery – Santa Cruz and Espírito Santo.

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