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Doutor Amor
NACIONAIS-ACHERON
PERIGOSAS
by Pamela Silva
NACIONAIS-ACHERON
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Índice
1. Capítulo 1 - Riscos
2. Capítulo 2 - Apostas feitas
3. Capítulo 3 - Fatos
4. Capítulo 4 - Se divirta!
5. Capítulo 5 - Sem
arrependimentos
6. Capítulo 6 - Deixe-me te conhecer
7. Capítulo 7 - Pegue minha mão
8. Capítulo 8 - Esperança
9. Capítulo 9 - Todo mundo erra
10. Capítulo 10 - Perdão é divino
11. Capítulo 11 - Mandando tudo
pelos ares
12. Capítulo 12 - Meu espelho
13. Capítulo 13 - Jogadores
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1. Capítulo 1 - Riscos
Capítulo 1 - Riscos
"Não importa quão estranho ou potencialmente problemático você seja, nós
podemos encontrar seu par perfeito! Venha hoje mesmo encontrar o amor da
sua vida!"
Sem dúvida alguma era um anúncio criativo, mas Kyle não conseguia
compreender o por que da animação do seu melhor amigo. O outro garoto o
encarava com os grandes olhos azuis brilhando de excitação, os cabelos
loiros desgrenhados ainda molhados do banho recente.
-Você devia secar o cabelo antes de vir a escola - comentou Kyle,
tranquilamente - Sabe que pode pegar um resfriado.
Anthony se largou na cadeira ao lado do amigo, puxando a janela aberta para
que pudessem observar seus próprios reflexos - O que você vê, meu amigo?
Kyle pensou por um instante, preocupado com o rumo daquela conversa -
Nós dois.
Anthony concordou com um aceno solene - Errado - disse com toda certeza -
Eu vejo Kyle, o aluno promissor, mas totalmente desligado de garotas, e
Anthony, aquele em quem todos perderam a fé - e diga-se de passagem -
muito interessado em garotas.
Kyle empurrou a janela de volta, sorrindo com a explicação absurda do
melhor amigo. É claro que ele mesmo não era feio, mas também não podia
ser chamado de "promissor". Os olhos incrivelmente negros nunca foram
destaque, muito menos os cabelos escuros escorridos.
-Talvez você devesse se preocupar mais com suas notas do que com garotas -
disse simplesmente, tentando voltar ao dever que faziam na sala sem
professor - Ou já se esqueceu que provavelmente vai pegar recuperação?
-No último semestre do último ano da minha vida estudantil - Anthony fez
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-Tem certeza de que é nessa rua mesmo? - indagou Kyle, analisando a rua de
aparência abandonada.
-Claro - respondeu Anthony com sua confinaça inabalável - Não poderia ser
num lugar melhor. As flores do amor precisam de ar puro para desabrochar.
-Não acho que vá encontrar alguma flor aqui... Qual a indicação do local?
-"Sigam os corações" - leu Anthony, imediatamente apontando para um
enorme coração inflável, preso sobre um prédio de apenas dois andares.
-Sim, com certeza é fácil de achar - murmurou Kyle, rumando firme para a
entrada do local.
Até mesmo no interfone, ao lado número da sala, havia o adesivo brilhante de
um coração. Os dois se entreolharam, um tanto nervosos, mas Kyle sabia que
o amigo não desistiria de encontrar "o amor da sua vida". Apertou o botão,
sobressaltando-se com o estrondo produzido do outro lado, imediatamente
uma voz pastosa respondendo com um "oi" arrastado.
-Vi-viemos por causa do anúncio - adiantou-se Anthony, olhando de canto
para o amigo.
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-Isso parece um tanto suspeito - sibilou Kyle, olhando para os dois lados da
rua deserta - Acho mesmo que devemos ir embora!
-Podem entrar - disse a voz do outro lado, sem nenhuma vontade.
O estrondo da campainha ecoou pela rua, deixando os dois completamente
desconfortáveis. Pela primeira vez, Anthony pareceu indeciso.
-Ah, que seja! - exclamou Kyle, abrindo a porta.
Dentro do pequeno prédio, se sentiam ainda mais longe da realidade. Tudo
era silencioso e branco, quase imaculado. Subiram as escadas com relativa
segurança, fato comprovado pela trilha de corações que seguia pelo corredor
do segundo andar. A porta da sala 202 era completamente coberta pelos mais
variados tipos de corações , de todas as cores e em todos os tamanhos.
-Algo me diz que é aqui - declarou Anthony, todo orgulhoso.
Kyle fitou o amigo sem nem conseguir se surpreender mais com aquela
resposta. Bateu de leve na porta, pronto para acabar de vez com aquela ideia
maluca.
-Entre! - respondeu a mesma voz arrastada de antes.
Kyle novamente tomou a frente, entrando em uma saleta cor de rosa berrante,
cheia de mais corações e vasos de flores.
-Legal - riu Anthony, avançando até a mesa da recepcionista, uma jovem de
vinte e poucos anos, cabelos longos e negros parcialmente caidos sobre um
rosto entediado.
Se ergueu com alguma dificuldade, chamando atenção pelo jaleco branco que
usava... repleto de corações. Para Kyle eram corações demais, rosa demais,
mas Anthony parecia empolgado.
-Os dois vão participar? - indagou a recepcionista, piscando devagar.
-Não! - respondeu Kyle com pressa, sentando-se rápido no sofá rosa claro -
Eu só vou esperá-lo.
A recepcionista o o observou por um instante, virando-se em seguida - Tudo
bem. Meu nome é Karineee, pode me chamar se precisar.
Kyle continuou sentado por mais alguns minutos, vendo os dois seguirem
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-Eu sei que "onde há amor, não há hesitação"... mas isso! - exclamou Kyle,
apontando para o controle de video game que ele mesmo segurava.
Clara, sentada ao seu lado sobre uma pilha de almofadas, fitou-o com
interesse, um pirulito preso entre os dentes. Pela sala, em suas respectivas
mesas e televisões, outros três casais jogavam também, ainda tomados pela
timidez das pessoas que não se conhecem.
-Desse jeito eu vou ganhar - declarou a doutora, depois de alguns segundos,
voltando a olhar para a televisão.
Kyle virou-se rapidamente, apertando os botões freneticamente.
-Quando eu disse que precisa de ação, falava mais que tudo de uma decisão -
comentou Clara, mastigando o palito do pirulito - Você não pode se abrir
para as coisas boas se não decidir que vai ser assim. Antes de sair de casa,
você não decidi aonde vai, e como vai até lá? Que roupas vai usar, como quer
se parecer, que pessoas gostaria de conhecer... Tudo é decidido por você. As
coisas boas e as ruins, é você quem decide. Com o amor não é diferente. Se
quise se apaixonar a primeira vista, deve decidir e se abrir para essas
possibilidades.
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3. Capítulo 3 - Fatos
Capítulo 3 - Fatos
Anthony não ousou erguer os olhos do papel durante todo o tempo disponível
para resolverem a prova, ciente de que Kyle estava logo ao lado, mais
preocupado do que ele próprio. Há anos haviam falado sobre a faculdade,
assunto que Anthony até mesmo pasSam a evitar depois que as notas foram
decaindo. Kyle, por outro lado, provavelmente conseguiria ir para uma
universidade boa, mas deixaria de lado esses planos sem pensar duas vezes.
Eram amigos a tempo demais para que Anthony não sabesse dessa provável
reação.
Ele sente que deve me proteger, desde quando éramos pequenos. Acho que
ele nunca vai mudar, e antes que a vida dele acabe em segundo lugar, tenho
que definir um rumo para a minha.
Já do lado de fora da escola, os passos de Anthony os levavam facilmente
para a área quase deserta onde ficava o consultório da Doutor Amor, sua
animação tão visível, que só deixava Kyle ainda mais preocupado.
-Ei, não acha que está feliz demais com isso... Digo - Kyle engoliu em seco,
com medo de magoá-lo - Só acho que talvez esteja indo rápido demais - deu
um suspiro, percebendo que os ombros de Anthony já estavam mais baixos,
encolhidos - Ah, tudo bem! Qual o nome dela?
Anthony se voltou para o amigo com os olhos brilhando, um sorriso enorme
iluminando todo seu rosto - Bem, na verdade eu não sei!
-Como não sabe?? - espantou-se Kyle, pensando no fato de que até ele
mesmo sabia o nome de Clara, aquela louca com quem nem deveria ter
começado a conversar - Vocês não falaram sobre nada?
Anthony deu de ombros - Falamos... Basicamente nos ameaçamos durante o
jogo, trocamos palavras hostis... e depois marcamos de nos enfrentar mais
uma vez!
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-Ela é mais uma viciada em jogos - murmurou Kyle, agora sim preocupado
com o amigo e aquela suposta forma de se conhecer alguém.
Só não queria que Anthony se machucasse com uma garota que não
conseguiria entender a mente complexa e sensível do garoto.
-Onde há amor não há hesitação... - murmurou para si mesmo, tentando
acreditar no que a doutora dissera - Tenho que me abrir para as
possibilidades, não é?
Anthony fitou o amigo com um sorriso bobo nos lábios - Ficar falando
sozinho não atrai as garotas, sabe.
-Eu não quero saber de garotas! - bradou Kyle, ficando vermelho.
-Aaah! - exclamou Anthony,parecendo enfim perceber algo importante - Me
desculpa, cara! Tantos anos de amizade e nunca percebi qual seu interesse
verdadeiro!
Kyle inspirou profundamente, o rosto completamente em chamas - Corre,
Anthony! Mas corre de verdade!
Clara atendeu a porta enquanto saboreava um café que desprendia seu aroma
agradável por todo o corredor, a xícara tomada por diversos corações.
-Olá, garotos - cumprimentou, deixando-os passar - Ei, Anthony, Isabel já
está jogando.
-Legal! - comemorou o garoto, lançando um breve olhar ao amigo - Viu, o
nome dela é Isabel!
Anthony despediu-se com um aceno rápido e correu para o local onde a
garota de cabelos dourados já o esperava com um sorriso animado,
imediatamente fuzilando-o com um olhar determinado.
-E como vai o MEU parceiro de jogo? - sorriu Clara, estendendo a xícara de
café para o garoto, que negou com um breve aceno - Pronto para a próxima
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derrota?
Kyle observou o casal desconhecido que jogava silensiosamente, no canto
mais distante do quarto - Acha mesmo que sua técnica funciona? E de
qualquer jeito, não deveria ficar por perto?
Clara abriu seu melhor sorriso - Por que deveria? Eles acham que precisam
de mim, mas a verdade é que não sou necessária. O primeiro passo foi dado:
se arriscaram, apostaram em si mesmo, e agora estão conhecendo a reação
dos seus atos.
-E não tem um casal a menos?
Clara começou a se afastar, fazendo com que o garoto a seguisse - Talvez as
ações tiveram reações melhores do que eu mesma poderia prever... Eles
devem me ligar ainda hoje. Mas vão ficar bem, tenho certeza.
-Você é bem confiante - murmurou Kyle, seguindo-a na direção de uma mesa
baixa, rodeada por almofadas.
Sentaram-se a volta da mesa, um em frente ao outro, e o garoto não
conseguia deixar de pensar que não deveria estar ali. Anthony nem mesmo
pedira que ele fosse ao segundo encontro, mas se sentira na obrigação de ir. E
agora estava novamente frente a frente com aquela garota estranha.
-Ahm, quando tudo isso vai custar a eles? - murmurou meio sem jeito,
apelando para qualquer assunto que quebrasse o silêncio.
Clara acenou displicentemente, apontando para uma pequena placa na parede,
com o preço insignificante de cada encontro.
-Só isso? - exclamou Kyle, encolhendo-se em seguida, envergonhado -
Desculpa, mas isso é absurdamente barato!
-Bem, eu realizo trinta encontros seguidos - contabilizou com tranquilidade -
Isso me da algum lucro... eu acho.
Kyle meneou a cabeça - Você precisa urgentemente de ajuda para não falir!
-Ah, estou bem... É claro que temos um casal a menos, mas...
-Está decidido - rebateu Kyle, firme naquela ideia - Vou ajudar você nisso.
Clara o observou por um instante, pega de surpresa, e acabou surpreendendo
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o garoto quando sorriu sinceramente, de um jeito que ele ainda não tinha
visto.
-Obrigada, Kyle!
O garoto engoliu em seco, sem saber dizer o que estava sentindo.
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4. Capítulo 4 - Se divirta!
Capítulo 4 - Se divirta!
Uma música animada ecoava pelo corredor antes mesmo que as portas
fossem abertas, fazendo os ânimos dos dois amigos oscilarem em direções
completamente opostas.
-Ela está dando uma festa no meio da semana! – riu Anthony, correndo em
direção a porta.
Ela é maluca, concluiu Kyle, imaginando se era tarde demais para dizer que
não estava se sentindo bem.
Anthony abriu a porta e deu de cara com Karineee, devidamente vestida de
Rei, a Sailor Marte, do anime Sailor Moon. A secretária apenas piscou sem
nenhum vestígio de se importar com o rosto surpreso dos dois, fazendo sinal
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Kyle voltou-se para Anthony com pedido mudo de ajuda, mas o amigo estava
ocupado, rindo como um bobo.
-Desculpe, Clara, mas eu não acho que seja uma boa ideia...
A música começou, mas antes que Clara cantasse desafinadamente, ele ainda
não conseguia dizer de onde a conhecia. Até que...
-Espera! Isso é abertura de Pokémon! – disse, quase chocado.
Clara deu de ombros, trocando – Tudo bem se não gosta... Faça elevar... o
cosmo do seu coração!
-Não sei se abertura de anime conta como música – murmurou o garoto, mas
sob a insistência de Clara, acabou murmurando um pouco da música, muito
mais a vontade quando o casal animação resolveu cantar.
Kyle se afastou até uma parede, já nem tão surpreso em acabar ao lado
daquela garota maluca.
-E qual é a lição de hoje? – indagou por fim.
Clara fechou os olhos por um instante, inspirando profundamente – A única
que realmente importa. Divirta-se!
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5. Capítulo 5 - Sem
arrependimentos
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-Não... quer dizer! Você está ótima!- exclamou o garoto, enquanto Kyle só
conseguia concordar com um aceno nervoso.
E durante todo o caminho, assim como quando finalmente chegaram,
Anthony não conseguia deixar de olhar para a garota e sorrir, maravilhado.
Kyle apenas podia torcer para que ele não se machucasse demais.
A casa dos avós de Karineee seguia um padrão orienatal, totalmente incrível,
e as duas garotas haviam espalhado lanternas de papel e pequenos sinos que
balançavam alegremente. Karineee veio recebe-los vestindo uma yukata preta
muito elegante, e mais uma vez os dois não sabiam o que dizer. Ela estava
linda... e assustadora.
-Clara está colocando as lanternas na árvore - disse se ânimo, indicando os
fundos.
Kyle imediatamente seguiu para lá, sempre admirando o trabalho de
decoração que tinha tomado quase dois dias das garotas. Os fundos, onde
ficava o pequeno lago, estava repleto de mesinhas, cadeiras, flores e mais
lanternas. Era simplesmente lindo! Kyle olhava para o alto sem conseguir
deixar de sorrir; era como se estivesse sob um rio de estrelas, que levava
diretamente a ela.
-Ah, você está lindo! - exclamou Clara, fazendo-o virar-se de chofre.
A garota estava sob a maior árvore, de pé em um pequeno banco; usava uma
yukata azul claro com pequenas flores mais escuras, o cabelo preso com
displiscência. Kyle trincou os maxilares, tentando a todo custo respirar
normalmente, pensar como sempre. Se aproximou devagar, quase com
cuidado e lhe ajudou a descer.
-Você também - disse com firmeza, a palidez cobrindo seu rosto impassível.
Clara sorriu e se afastou, indo ajudar Karineee.
O que há comigo? Kyle não estava mais aguentando aquilo.
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Kyle sentiu seu chão desaparecer, e não havia nada que o fizesse se sentir
melhor; ou pelo menos, que fizesse sentir que aquilo era real. Se Clara tinha
mesmo vinte e nove anos, eles tinha onze anos de difereça, então...
-Kyle, estamos indo - avisou Anthony, mas o garoto simplesmente acenou -
Você não vem?
-Vou ajudar com a limpeza - disse sem emoção, perdido nos seus
pensamentos.
Não havia um limite para a idade que alguém aparentava ter? Como ele
podia... E afinal, por que isso estava lhe incomodando tanto? Não era como
se tivesse algum interesse naquela maluca, ele só... só estava surpreso.
Era tarde e apenas ele e Clara ainda estava do lado de fora; Karineee
terminava de guardar as coisas na cozinha. Kyle recolhia as mesas e cadeiras
enquanto a garota limpava as mesas.
De repente uma chuva fina começou a cair, pegando-os de surpresa, e em
poucos minutos a chuva aumentou dramaticamente.
-Vamos para dentro! - chamou Kyle.
-Vou terminar de recolher tudo - insistiu Clara, pegando algumas cadeiras.
-Mas vai ficar doente!
Kyle deu um suspiro e foi até ela, ajudando-a com as cadeiras restantes. Por
fim, voltaram-se para a mesa que ficara para trás, um de cada lado para poder
ergue-la.
O garoto firmou suas mãos sobre o tampo molhado, escorregando
violentamente o braço. Bateu o cotovelo e só não caiu por cima da mesa por
que Clara o segurou.
-Obrigado - murmurou sem jeito, erguendo os olhos.
Seus rostos estavam tão próximos agora que Kyle era capaz de jurar que
sentia o calor que emanava, o rosto corado e supreso. Não havia nada para ser
dito sem ninguém que pudesse explicar.
Kyle inconscientemente aproximou-se mais dela e tocou seu lábios com
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o numero.
-Isabel! - disse alegremente, rindo a toa enquanto ouvia a menina falar - Não,
nós temos aula... por...
O rosto de Anthony ficou sério por um instante, depois voltou a sorrir - Tudo
bem! Espero você na frente da estação!
Desligou o celular e voltou a andar como se nada tivesse acontecido,
deixando Kyle morto de raiva.
-Pode pelo menos me dizer o que aconteceu pra vocês saírem juntos, quando
tem um encontro marcado com a Cla... digo, a dr.Love? - disse, o rosto
vermelho como um tomate maduro.
-Desculpa, cara! - pediu Anthony, sorrindo com animação - É que a dra.Clara
está doente,e ntão vou sair com a Isabel depois da aula.
Kyle sentiu o coração perder um compasso, a boca de repente seca e áspera -
Doente? Por que? Ela está bem?
-A Isabel também não sabe bem, ela só pediu para nos avisar que não pode ir
ao encontro hoje - respondeu o garoto, tranquilamente.
O coração de Kyle ainda batia de modo irregular. É mesmo, ela não tem o
nosso número, pensou com um sentimento estranho pesando no peito.
-P-posso falar com a Isabel?
Anthony fitou o amigo sem compreender, mas discou o número da garota
como ele havia pedido. Kyle apenas continuou olhando em frente, tentando
evitar que seus sentimentos ficassem tão visíveis.
-Isabel, é Kyle - disse rapidamente - Você sabe onde Clara mora? - esperou
pela resposta, os ombros arriando de alívio - Obrigado.
Devolveu o celular para Anthony e deu meia volta, desandando a correr.
-Kyle! - chamou Anthony, pego de surpresa - O que você vai fazer?
-LEMBREI DE ALGO IMPORTANTE! - mentiu o garoto, sem parar de
correr.
-ELA DEVE ESTAR BEM, IDIOTA! - respondeu Anthony, suspirando -
Boa sorte...
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Isabel não sabia qual o número do apartamento, mas quando chegasse lá ele
daria um jeito de descobrir. Sim, ela poderia estar bem, mas também não
sossegaria enquanto não a visse. Correu como nunca, agradecendo que
felizmente não ficava muito longe dali.
O prédio era pequeno e no mesmo perfil do lugar onde ficava o consultório;
meio afastado, uma vizinhança um tanto quanto pobre e duvidosa. Kyle
continuou correndo até que chegou ao portão, deparando-se com um
interfone em péssimo estado.
Não havia um número para falar com a recepção, e nem mesmo um porteiro a
vista para quam pudesse pedir ajuda. O painel mostrava vinte apartamentos, e
não havia nome algum que lhe desse alguma dica. O que ele podia fazer?
Tentar em todos os apartamentos? Mas se alguém se irritasse? Provavelmente
se negariam a responder... E se ela estivess dormindo e ele achasse que o
apartamento estava vazio? E se ela não estivesse? E se tivesse ido ao
hospital?! Na verdade essa possibilidade era grande e sensata! Qualquer
pessoa doente iria para o hospital! Mas... mas Clara realmente não era muito
sensata, então...
-Kyle?
O garoto engoliu em seco, antes de se voltar para a figura pálida, metida num
robe cor de rosa e pantufas fofas. Clara tinha o rosto vermelho por causa da
febre e olheiras tão profundas quanto as do garoto. Se encararam por alguns
segundos, sem saber o que dizer, até que Kyle percebeu que ela não deveria
estar ali.
-O que está fazendo aqui fora? Não deveria estar na cama? - indagou com a
voz estranha, trêmula.
-Tinha que por o lixo para fora - respondeu a garota.
Ela estava estranha, os olhos quase se fechando, a voz mais lenta. Kyle estava
ficando ainda mais preocupado com ela.
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-E você? - disparou ela de repente - Achei que vocês tivessem uma aula extra
hoje...
-Isabel me disse que você não estava bem - disse Kyle, antes que percebesse
o que isso parecia aos ouvidos dela - Pensei que... pudesse precisar de algo...
Clara deitou a cabeça de lado, sorrindo agradecida - Você é mesmo muito
atencioso.
Abriu o portão e entrou, ainda olhando o garoto imóvel e tenso, os olhos
fixos no chão. Não tinha como não gostar daquele menino, mas temia que as
coisas estivesse saindo do seu controle.
Deu um suspiro - Por que não entra? Você deve ter vindo correndo... pelo
menos tome um chá.
Kyle engoliu em seco e passou pelo portão, fechando-o atrás de si. Clara
abriu a porta e esperou pelo garoto, seguindo finalmente para o elevador.
Dentro daquela cabine fechada e pequena demais, Kyle tinha a impressão de
que ela podia até mesmo ouvir os batimentos desenfreados do seu coração,
mas a despeito de tudo, Clara sorria com tranquilidade.
Desceram no terceiro andar e seguiram até o apartamento 312, onde a garota
apontou para o número com um sorriso indecifrável.
-Não vá esquecer.
Abriu a porta e a deixou aberta para o garoto, seguindo para a sala, onde se
largou no sofá, fechando os olhos. Kyle entrou e fechou a porta, se
aproximando com cuidado.
-Isso me deixou cansada - comentou a garota, ainda de olhos fechados - Me
de só um minuto.
Kyle engoliu em seco, olhando ao redor. Era um apartamento comum, que se
alugava mobiliado; apenas alguns livros e desenhos mostravam que havia um
morador.
-S-será que eu posso fazer o chá? - murmurou sem jeito - Você não deve ficar
se esforçando...
Clara sorriu, apontando para uma porta logo adiante. Kyle seguiu para a
cozinha com as pernas trêmulas. Também era a primeira vez que estava numa
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chão.
-Tem razão. Mas essa não é uma história feliz - murmurou com a voz fraca -
Foi a única vez que me apaixonei... foi a primeira vista, de verdade. Eu
confessei que estava apaixonada, mas fui rejeitada... eu tinha onze anos - deu
um suspiro - Foi a pior coisa que já tinha me acontecido. Doía tanto que nem
podia falar sobre isso. Acho que nunca deixer de amar essa pessoa... Não
desisti mas não lutei. É como uma história inacabada que me atormenta. Não
consigo me desprender... ou quem sabe não queira.
Kyle sentia o coração dolorido, percebendo que o amor de Clara era
destinado a alguém que estava longe, mas que não a deixaria em paz. De que
adiantava isso então? De que adiantava saber que a amava, se não havia
chances? Por que a vida seria tão irônica assim?
-E-e o que aconteceu com essa pessoa? - indagou com a voz alquebrada.
Clara negou com a cabeça - Sei que continua morando no mesmo lugar. Mas
nunca mais voltei lá.
Kyle saltou de pé em um instante, todas as suas células gritando que era cedo
demais para desistir sem lutar - E-então você tem que primeiro se libertar
dessa história do passado, não é?
Clara concordou com um aceno.
-Então vamos lá! - respondeu o garoto, o rosto sério e cheio de energia - Va-
vamos atrás dessa pessoa, para que você pelo menos saiba o que fazer. Você
pode escolher que não quer ficar comigo, mas pelo menos poderá ir em
frente!
Ficar comigo... As palavras ecoavam dentro do peito de Clara, deixando seus
batimentos ainda mais confusos. Mas no momento tinha que tomar uma
decisão. Olhou para a mão estendida de Kyle, esperando para poder ajuda-la.
E sorriu.
-Sim!
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Kyle ajudou a garota a chegar ao vagão certo do trem, seus passos cada vez
mais fracos. Pensando bem, talvez não fosse uma boa ideia levar alguém
doente para uma viagem de horas, atravessando metade do estado. Mas Clara
estava mesmo empolgada com essa ideia. Sentaram-se um em frente ao outro,
quase sozinhos naquele vagão que se iluminava rapidamente com o sol da
manhã.
-O que disse para a sua mãe? - indagou Clara, a voz sonolenta e pastosa.
Kyle fez uma careta - Ainda não falei com ela. A escola não vai ligar para
ela, então tenho até o final do dia para inventar uma desculpa.
Clara negou com a cabeça, um tanto incomodada.
-Não se preocupe - pediu Kyle, sentindo-se mal por deixa-la assim - Minha
mãe é legal... e não estou fazendo nada errado! Estou ajudando uma amiga...
não é verdade?
Clara sorriu um tanto, os olhos quase se fechando - Acho que tem razão.
Encostou a cabeça no vidro e se deixou adormecer, permitindo que Kyle
ficasse abandonado com seus pensamentos.
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-Vo-você não quer comer alguma coisa? Acho que podíamos comer antes
de... antes de...
-Acho uma boa ideia - concordou Clara, passando por ele - Se ainda estiver
aqui, tem um restaurante ótimo!
O restaurante da infância de Clara ainda estava aberto e puderam comer um
delicioso prato de peixe grelhado com legumes. Depois da refeição, a garota
até mesmo parecia melhor.
Seguiram para o endereço que Clara anotara cuidadosamente tantos anos
antes, mas conforme se aprioximavam, ela ficava cada vez mais relutante,
embora Kyle não percebesse, perdido nos seus próprios pensamentos.
E se ele for muito bonito? Por que eu não sou assim... Se ele tiver a idade da
Clara, e for mais bonito que eu... Sei que não sou lindo nem nada, mas sentia
que tinha alguma chance! MAS O QUE ESTOU PENSANDO?! Ele é o cara
que Clara ama! Não importa como ele seja... ela o ama.
O garoto parou imediatamente, enfim percebendo que Clara ficara para trás.
Voltou até ela, preocupado com sua saúde e seus sentimentos. Não queria que
ela sofresse mais. No fundo se sentia um idiota arrogante por fazê-la vir até
ali... mas não podia voltar atrás.
-Eu estou aqui com você - disse somente - Mas se quizer, nós podemos dar
meia volta e ir para casa.
Clara engoliu em seco, sorrindo para o garoto - Obrigado.
Seguiu em frente, dessa vez deixando Kyle para trás, observando-a com o
coração desenfreado. Seguiram até uma casa pequena com cerca de madeira
clara, parcialmente escondidos pelas trepadeiras que cobriam tudo, cheias de
flor e perfume. De onde estava, Clara podia ver um pequeno lago nos fundos
do jardim; um patinho nadava alegremente, e a garota quase saltou para trás
quando uma garotinha apareceu correndo.
Sua filha... Sentiu-se um tanto vazia, como se a verdade a deixasse, levando
toda a dor. Mas seu coração voltou a disparar.
Kyle se aproximou com cuidado, bsucando pela pessoa que deixara Clara tão
pálida.
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8. Capítulo 8 - Esperança
Capítulo 8 - Esperança
Kyle comprou as passagens mecanicamente, os pensamentos ainda longe.
Todas as suas ideias do que fazer a seguir, as palavras que poderiam consolar
ou tentar convencer Clara de que era melhor assim, não saiam.
Ela era apaixonada por uma garota. Era seu único e constante pensamento.
E para isso ele não preparara nenhum plano b. Apertou as passagens entre os
dedos, voltando para a plataforma com uma expressão decidida. Não
importava, afinal! Clara havia dado seu primeiro passo para longe do
passado, e para onde quer que ela decidisse seguir, ele - Kyle, quase dezoito
anos, terceiro ano do ensino médio, sem nenhuma pretensão na vida – estaria
lá!
Clara continuava no mesmo lugar, ainda calada, e seu rosto estava ainda mais
vermelho, como se a febre tivesse aumentado.
-Você está bem? – murmurou o garoto, sentando-se ao seu lado.
O trem se aproximou rapidamente, chamando a atenção da mesma; Kyle não
esperou que ela respondesse, apenas lhe estendeu a mão, ajudando-a a se
erguer. Seguiram para a porta quando os vagões estacionaram, parando
apenas quando chegaram aos acentos certos.
Novamente estavam quase sozinhos, o sol se pondo agradavelmente através
das casas baixas e cheias de enfeites de peixes, uma lembrança trivial de que
estavam bem longe de casa. Clara se sentou ao lado de Kyle sem dizer nada,
o olhar parado de antes. O garoto tampouco tentou obriga-la a falar,
imaginando que tipo de pensamentos estavam deixando-a tão calada. Não era
como se de repente ele soubesse tudo dela, ou fossem melhores amigos.
Mas foi completamente pego de surpresa quando Clara pousou a cabeça no
seu ombro, os olhos se fechando. Ela estava cansada, e Kyle não se
importava nem um pouco em ajudar. Encostou sua cabeça na dela, fechando
os olhos também. Possivelmente chegariam tarde, tinha que inventar uma boa
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desculpa para sua mãe... Mas a verdade é que estava mais preocupado com o
que Anthony iria perguntar. Ele sabia demais, as perguntas viriam com
certeza!
Mas isso podia esperar...
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ele puxasse seus braços para frente, largando-os ali, e deitou a cabeça no
ombro de Kyle, fechando os olhos de novo.
-Você não devia fazer isso. Sou muito pesada – murmurou sem vontade.
-Tudo bem, você pesa menos do que imagina – disse com animação – E se
não pudesse carregar uma ou outra maluca de vez em quando, de que minha
vida valeria?
Clara riu em silêncio, aceitando o entusiasmo dele como um bálsamo. Mas
seus próprios pensamentos iam longe, lembrando-se do que ele mesmo
dissera.
-Mais uma regra, Kyle – disse com a voz fraca, um tanto quanto triste.
O garoto engoliu em seco, sem saber se deveria ficar ainda mais preocupado.
-Não prometa se não quiser cumprir – continuou a garota – Você disse antes
que não devia prometer algo que não podia controlar. Isso acontece o tempo
todo. As pessoas prometem que passarão a vida inteira juntas e logo se
esquecem. De repente o marido engorda e gasta mais tempo com o futebol e
propagandas de cerveja. Os anos passam e a esposa fica cansada de cuidar
dos filhos, o marido se incomoda com isso e percebe que a secretária é uma
garota de vinte e poucos anos.
Kyle sentia cada uma daquelas palavras como se fosse uma faca, arranhando
lentamente seu coração já ferido. Ela não era assim amarga! Ou era? Ele não
a conhecia de verdade, então como podia afirmar isso?
-Mas você não faz com que eles, seus pacientes, acreditem nisso? – indagou
com receio, o peso de Clara como se fosse uma âncora garantindo que aquilo
era real.
Clara deu de ombros – Acho que no fim eu vendo a esperança de que a
próxima pessoa será melhor que a anterior.
-Isso é cruel...
-Não é – retrucou a doutora, abrindo um sorriso renovado – Isso se chama
esperança. Corremos atrás de um sonho com todas as nossas forças, por isso é
tão bonito! Mesmo que o mundo grite que não é possível, você eu diremos
que é! E é nisso que eu acredito...
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as gargalhadas.
-Gostava dela, era única. E eu não gritava! Podia falar normalmente... –
respondeu Anthony, sem esconder que também achava graça – E não
podemos esquecer da maluca da conspiração. Ela achava que sua família
pertencia a ordem Bonenberger, Kyle!
-Nem me fale – suspirou o garoto – Acho que aquela foi a pior de todas...
-Não, a pior foi aquela que não gostava de nada que fosse verde – discordou
Anthony com uma expressão de pânico – Achei que ia ter que arrancar a
grama do quintal, ela não parava de reclamar!
E os dois riram mais uma vez, quase esquecidos que estavam relativamente
atrasados para o encontro de Anthony, onde Kyle deveria ficar por perto para
“dar cobertura”. De repente o celular de Anthony começou a tocar, fazendo-o
silenciar no mesmo instante, já acenando para que o amigo se calasse.
-Isabel! – disse com animação, mas enquanto ela respondia sua expressão foi
murchando devagar – Ah, não... não tudo bem, eu entendo. Até amanhã,
então!
Desligou e se voltou para o amigo com uma cara de cachorrinho triste – Ela
não vai poder vir!
-Assim, em cima da hora? – estranhou Kyle, chateado pelo amigo.
Anthony soergueu os ombros, voltando a andar tranquilamente – Ela estava
meio estranha, acho que está doente... Aparentemente as garotas gostam de
pegar um resfriado, ajuda na relação, sabe como é...
-Cala a boca – resmungou Kyle, acertando um soco de leve no seu braço –
Mas e então? Vamos para o cinema com Clara?
-Finalmente passou seu e-mail para ela? – riu Anthony – Isso é um grande
avanço na relação confusa e romântica de vocês dois. E deixando a gozação
de lado, acho que devemos mesmo ir ao cinema.
Kyle sorriu para o amigo, concordando com a cabeça. Pegaram um ônibus até
o centro da cidade, e quando finalmente chegaram ao cinema, a sessão já
estava começando. Correram para dentro, os thrillers de outros filmes
enchendo a grande sala com sons de explosões e lutas.
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Kyle ainda queria saber como encontrar Clara e os outros membros daquele
grupo esquisito, e quase não reparou quando Anthony apontou para algumas
fileiras a frente.
-O que?
O garoto olhou na direção que o outro apontava e se segurou para não rir,
facilmente reconhecendo o chapéu de cowboy da estranha doutora. Enquanto
os dois lutavam para não gargalhar e ser expulsos, seguiram para lá. Clara
estava sentada ao lado de Karineee, ambas com enormes sacos de pipoca
colorida. Na fileira da frente o casal animação estava sentado ao lado do casal
timidez. Eram extremos opostos, mas parecia que tinham futuro.
-Olá, garotos – cumprimentou Clara, sorrindo com tranquilidade.
O estômago de Kyle afundou com brusquidão, a sensação desconfortável de
que borboletas esvoaçavam por ali. Queria poder se encolher e acabar com
aquele nervosismo, os batimentos tão acelerados que já achava necessário
procurar um médico.
Enquanto tudo isso acontecia em um segundo, Anthony sorriu e se sentou ao
lado. Kyle não sabia de reclamava ou agradecia não ter que se sentar ao lado
dela, encolhendo-se no acento mais distante. Clara continuou como se nada
tivesse acontecido.
Mas ela mesma disse que não devo desistir... Não importa quanto tempo vai
levar, eu vou estar aqui quando ela precisar! Não vou desistir!
-Vamos assistir comédia – murmurou Anthony – Faça o favor de mudar essa
expressão tensa, está me deixando preocupado!
Kyle engoliu em seco, o estômago ainda dando voltas. Já não estava se
sentindo tão bem quanto antes...
O filme começou e tentou pensar em outra coisa, mas aquele enjoo só
aumentava. A cada vez que tinha vontade de rir, e quando esses poucos
momentos acabaram, a sensação de que iria vomitar só multiplicava.
De repente levou a mão a boca, se erguendo.
-Me desculpa – disse como pode, saindo correndo.
-Kyle! – chamou Anthony, fazendo menção de se levantar, mas antes que
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mesmo. Se ele pudesse rir com a tragédia romântica do outro... melhor então.
Tudo que Kyle queria era que seu melhor amigo não sofresse.
-Pode não rir, por favor – disse com a medida certa de rispidez – Minha
situação também está condenada. Ela tem vinte e nove anos.
-O QUE?! – Anthony encarava o amigo sem saber o que mais podia dizer, a
boca ainda aberta – Cara, eu... eu nem imaginava!
-Acho que ninguém poderia imaginar – murmurou Kyle, desanimado – Tipo,
não existe um limite para quão nova uma pessoa pode parecer?
A expressão de Anthony se desfez rapidamente, dando lugar para um sorriso
desconcertante que fez Kyle sentir o estômago embrulhado novamente.
-Percebe que se conseguir sair com ela, vai ser o único cara da nossa escola
com uma mulher de trinta?
Kyle se encolheu automaticamente, incomodado com aquilo.
-Para.
Anthony continuou imóvel, parecendo mais surpreso do que o amigo poderia
esperar – Fala sério, Kyle... é sério mesmo?
-Tem muitos “sérios” nessa frase, está me deixando preocupado.
-Não, Kyle – insistiu Anthony, o rosto mostrando que não estava mais
brincando – Você gosta mesmo dela! Você não está só interessado nela...
você está apaixonado!
-Pensei que fosse a mesma coisa – murmurou o garoto, envergonhado.
Anthony negou com a cabeça, ainda fitando o amigo com força – Isso é
realmente sério. Você nunca se apaixonou por ninguém, e nem sabia que
viveria para ver isso. Agora é uma questão de honra ajudar vocês dois a
vencerem essas barreiras que impedem... as flores do amor de florescerem!
Kyle suspirou – Nada de flores do amor, por favor...
-Não se preocupe! Minha nova motivação na vida vai ser ajudar vocês dois! –
Anthony parecia animado, mas de repente murchou, o ombros arriando para
uma postura deprimida – Mas acho que agora... eu vou para casa. De
repente... me sinto cansado.
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O celular de Kyle tocou por alguns segundos, aquela música que cantara com
Clara, uma abertura de anime, enchia o quarto sem que ele se lembrasse de
que deveria atender. Abriu os olhos num rompante, agarrando o celular antes
mesmo que tivesse acordado direito.
-Alo?
-Kyle, eu acordei você?
Kyle sentiu todo o sono desaparecer ao reconhecer a voz culpada de Isabel.
Deveria falar com ela? Ela pelo menos já falara com Anthony, porque era
com ele que deveria se desculpar. Embora nem ele, com toda sua calma e
maneira prática de encarar as coisas, achasse fácil perdoar aquilo. Mas de
qualquer jeito, olhou para o relógio em busca de uma desculpa. Não eram
nem nove horas da noite, um horário perfeitamente aceitável.
-Não, tudo bem – disse meio a contragosto. Também não ia perguntar que
motivo a levara a ligar.
Isabel demorou mais alguns para responder, a voz contida e fraca de quem
não se sentia bem.
-Você deve ter achado estranho eu ligar – murmurou – Mas não posso falar
com ele agora. Não estou pedindo que você transmita minhas desculpas para
ele... isso seria idiota.
-Provavelmente ele iria me bater – concordou Kyle, sorrindo sozinho no
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escuro.
Isabel riu, mas ainda se sentia envergonhada – Só queria que você dissesse a
ele que ainda vou explicar tudo, mesmo que ele não queira mais ouvir.
Kyle não podia dizer que achava certo deixar para depois, mas nenhum deles
parecia em condições de falar sobre qualquer coisa. Ela era verdadeira, pelo
menos; nesse ponto. E quem era ele para julgar? Eram apenas garotos, por
qualquer ângulo que procurasse olhar. Tinham tanta coisa para aprender
ainda. Todos eles.
-Ele vai ouvir – concordou – Não se preocupe, Isabel. Essas coisas
acontecem.
Isabel suspendeu a respiração por um segundo – Obrigado, Kyle.
Desligaram quase ao mesmo tempo, e novamente deitado, olhando para o teto
escuro, Kyle se perguntava se isso era o certo? E saberiam algum dia se era
certo? Talvez fossem questões filosóficas demais para uma noite como
aquela, coroada por uma dor de cabeça cada vez pior.
Fechou os olhos, mas abriu-os novamente quando percebeu uma claridade
estranha. Havia acabado de receber um novo e-mail pelo celular. Abriu a
mensagem sem muita curiosidade, mas seu coração perdeu o compasso
quando reconheceu o remetente.
Estou preocupada com você. Espero que esteja melhor.
Amanhã espero vocês dois. Por favor, não desistam. Garanto que a manhã
vai faze-los se sentir melhor. Os dois.
Boa noite, Kyle. Clara.
E mesmo que não quisesse parecer tão feliz e idiota, era impossível depois
disso.
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O jogo era divertido, com certeza, mas não era o melhor lugar para Kyle
tomar uma atitude; encurralado atrás de uma pilastra, entre Anthony e Sam,
suas opções estavam ficando vagas.
-Quem diria que Karineee tivesse esse talento também – riu Anthony, sem
coragem de sair do lugar, toda a extensão do corpo marcada pela tinta
colorida.
Em algum lugar dali, Karineee tomara a posição de um atirador de elite, e sua
mira fabulosa estava deixando o time adversário com problemas. Kyle,
Anthony, Sam e André estavam levando uma verdadeira surra do time de
Clara, Karineee, Lisa e John.
-Tudo bem, hora de virar o jogo! – decretou Sam, a expressão séria,
surpreendendo a ambos o garotos – Kyle, quero que você vá para aquele
monte de feno e tente acertar Karineee. Anthony, você da cobertura a ele – os
dois acenaram em concordância – Agora!
Movido pela convicção da garota, Kyle saiu de trás da pilastra e correu com
todas as suas forças para o outro lado do campo. Se era a cobertura de
Anthony ou sua vontade de correr, não podia dizer, mas não foi acertado mais
nenhuma vez. Se jogou atrás do monte de feno, e só então percebeu que Clara
estava bem ali. Ambos caídos no chão, apontaram-se as armas de tinta, mas
nenhum iria atirar.
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-Acho que pensamos na mesma coisa – riu Clara, se sentando direito, a arma
repousando no colo.
Kyle se ajeitou, mais nervoso do que antes – Na verdade foi Sam. Acho que
ela gosta mesmo desse tipo de coisa...
Ficaram em silêncio por alguns instantes, concentrados nas risadas alegres
que ecoavam pelo campo. De repente os dois tentaram falar, mas perceberam
que o outro também falava e se calaram ao mesmo tempo.
-Me desculpe – pediu Kyle, angustiado. Clara abriu a boca para falar
novamente, mas o garoto foi mais rápido que ela – Clara, você quer sair
comigo?
A garota permaneceu com a boca entreaberta, lentamente transformando a
expressão relutante em um sorriso.
-Sim! Eu quero!
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uniforme escolar! Ia parecer que matamos aula – Bem, só eu iria parecer isso
– Você pode me ajudar ou não?
Carlos o observou por mais alguns segundos, sorrindo com doçura em
seguida. Se ergueu e seguiu até o irmão, abraçando-o sem ligar para os
protestos do garoto.
-Não se preocupe, Katito. Sua irmã vai ajuda-lo.
-Por que mesmo você tem que sair com ela hoje? – insistiu Anthony, sentado
no parapeito da janela do banheiro masculino.
Ali em um daqueles cubículos Kyle estava se trocando com pressa, um
sorriso brilhante no rosto incomumente animado. O garoto arrancou a
camiseta branca, passando desodorante e perfume numa velocidade
espantosa; vestiu a camiseta vermelho vinho que Carlos escolhera na noite
anterior, seguindo enfim para a pia.
-Por que cada minuto conta nessa história – decretou Kyle, brigando com a
pasta de dente – Você mesmo disse, lembra? Não posso permitir que ela
mude de ideia. Se fosse esperar pelo final de semana, ela provavelmente vai
inventar algum motivo esdruxulo para dizer que não pode sair comigo...
-Você usou a palavra “esdruxulo” – observou Anthony com surpresa – Isso é
uma coisa que me põe preocupado.
Kyle tentou dizer alguma coisa, mas a escova de dentes enfiada na boca não
permitiu que ele brigasse com o amigo como desejava. Cuspiu tudo e
enxaguou a boca com pressa, lavando o rosto. em seguida molhou as mãos e
passou nos cabelos, desarrumando-os.
-Carlos disse que assim ficaria bom... o que você acha? – Kyle se voltou para
o amigo, ansioso – O que você acha?
Anthony fez uma careta – Levando-se em conta que você não pode tomar um
banho... e teria que nascer de novo para ter uma aparência melhor...
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Capítulo 13 - Jogadores
Faziam poucos dias... dois, ou três... Não, não faz tanto tempo.
Faziam mesmo poucos dias desde que Isabel não era mais uma presença
constante na sua vida. E essa falta ele não estava bem preparado para sentir.
Se culpava por ter caído tão de cabeça naquela relação duvidosa, mas podia
também dizer que não era algo que ele controlasse. Na sua família as pessoas
eram feitas de um material resistente e antiquado que fazia com que todos os
laços fossem frios e sem verdadeira ligação emotiva. Até mesmo seu pai e
mãe... Vindos de um casamento arranjado, o casamento estava longe de ter
alguma coisa parecida com amor, mas haviam decidido que um divórcio
estava fora de questão. Eram dois estranhos que por algum motivo tinham
filhos em comum.
Anthony era emotivo, sofrera muito com essa desestabilidade afetiva dos
pais, mas pasSam a encontrar a felicidade que precisava em outras fontes
menos problemáticas. De alguma forma ficara bem. A irmã mais nova,
Georgia, decidira por conta que estudaria em um internato, e nas poucas
vezes que estava em casa, ficava fechada no quarto estudando ou sabe-se lá o
que fazendo. Ela também parecia bem... do seu jeito triste.
Entrou em casa e seguiu direto para o quarto, sem fome ou vontade de fazer
qualquer outra coisa. Largou suas coisas no assoalho assim que estava seguro
no seu recanto feliz, ligou o computador enquanto escolhia algumas roupas
para poder tomar banho, antes que seguisse para o banheiro, pos para tocar
sua coletânea de Shaman, a única coisa que poderia anima-lo naquele fim de
tarde terrível. A escola geralmente era alvo do ódio reprimido de muitos
adolescentes, já que perdiam praticamente o dia todo ali, mas desde que...
desde que Anthony se lembrava, era o único momento em que podia rir sem
se sentir culpado. Não que não amasse os pais, mas eles pareciam sempre
tristes e desgostosos com o mundo, e o pior era que pareciam querer que
todos se sentissem assim. O garoto simplesmente não podia ser verdadeiro
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Sam, além de uma incrível estrategista, era líder da guilda Shadow Hunter,
num jogo online de batalhas medievais, e assim que descobrira a fascinação
do garoto por jogos, convidara ele para se unir ao grupo.
E Reino das Sombras se tornara seu passatempo favorito – na verdade, era até
mais do que um passatempo, era sua razão de não enlouquecer. Era sua
segunda noite jogando, e estava indo realmente bem.
Não estava online há nem um minuto e já recebera um comunicado da líder,
avisando que havia uma nova missão a sua espera.
-Vamos lá, então – disse com animação.
Seguiu direto para a aldeia onde deveria derrotar alguns guardas simples e
recolher um item raro que lhe valeria bastante no ranking dos jogadores. Mas
nem bem chegara lá, descobriu outro jogador, já em posse do tal item raro.
-Mas o que? – rosnou Anthony, sentando-se direito na cadeira, realmente
irritado – A missão era minha, droga!
Mandou uma mensagem para Sam, avisando da interferência. Em menos de
um minuto recebeu sua resposta.
Ah, deve ser a Rebecca8000... Mandei a missão para ela, mas como não
respondeu, achei que não estava. Desculpa, DarkAnthony.
Anthony xingou alto, jogando sua lata vazia no lixo. Bateu os dedos no
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teclado, ainda irritado com aquilo. Ele aceitara a missão, ela não podia
simplesmente tomar ela para si!
-Espera... Rebecca? – Anthony riu alto, se sentindo muito malvado – Espera,
ela é uma garota? Ah, ela vai ver só... – encolheu os ombros, agora culpado
com sua reação machista – Me desculpem, garotas que arrasam nos jogos...
mas essa eu não vou perdoar!
Na primeira oportunidade, encurralou o avatar da usuária Rebecca8000 em
uma área perigosa, deixando-a com sérios problemas. E obviamente não
demorou a receber uma mensagem.
Qual é o seu problema?!
Anthony riu alto, agora irritado de novo.
Qual é o SEU problema – digitou – Aquela missão era minha. Eu já havia
aceitado!
-Beca8000... – murmurou Anthony enquanto esperava a resposta da usuária
maligna – Por que esse oito mil? Oito mil vitimas do seu mau humor? Oito
mil motivos para sermos inimigos? Bem... nesse caso acho que seriam mais
de oito mil!
Anthony riu com vontade, calando-se de repente.
-Mais de oito mil? Não pode ser...
Recebeu uma mensagem nem um pouco simpática, mas não quis mais brigar.
Aquele “oito mil” havia acabado com as suas defesas.
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-Ai, deveria ter ligado para o Kyle... queria saber como foi – murmurou para
a escuridão – Aiai, agora estou falando sozinho... talvez seja hora de parar...
Boa noite, Anthony.
Deu um suspiro cansado, sorrindo para o nada. Ali ninguém poderia lhe
ouvir.
-Boa noite, Isabel.
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O lugar que Clara conhecia e adorava era uma lanchonete numa área menos
movimentada do centro da cidade, um lugar pequeno, num prédio simples
com um inusitado formato arredondado. Assim que chegaram, Clara desviou
da entrada e puxou o garoto pela escada de metal que seguia a parede ao
redor do prédio, levando a um terraço coberto de mesinhas de metal. Os
guarda sois ainda estavam abertos, ignorando o por do sol que se alongava no
horizonte plano e longínquo, e arbustos recobriam as laterais do lugar,
enchendo de verde com o aroma das flores pequenas que brotavam fora de
época. Clara seguiu até uma mesa mais afastada, perto da lateral com a
melhor vista do lugar.
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alguém que já trabalha e sabe o que quer da vida. Ou pelo menos alguém que
já não more com a mãe e possa... e possa lhe dar alguma perspectiva de
futuro! Então não se preocupe comigo... – Kyle ofegava com a necessidade
de dizer tudo aquilo de uma vez, antes que perdesse aquela coragem – Não se
preocupe comigo, porque vou para a faculdade se fizer você se sentir melhor!
E vou trabalhar para que quando a gente saia pelo menos não se sinta levando
o irmão mais novo para passear. E nunca mais vou sair do seu lado, então não
terá mais tempo de pensar bobagens!
Num movimento rápido, derrubando a cadeira onde estava sentada, Clara se
ergueu, debruçando-se sobre a mesa na direção do garoto. Segurando seu
rosto surpreso com as duas mãos, beijou-o com urgência, selando aquela
explosão de sentimentos que a pegara de surpresa. E enquanto Kyle estava
tão surpreso que nem se lembrara de fechar os olhos, ela lutava contra aquela
sensação desconfortável de que não daria certo.
Clara se afastou alguns centímetros em busca de ar, os olhos semi cerrados
ainda pousados nos lábios entreabertos e ofegantes do garoto.
-Enquanto você estiver aqui... não vou parar de acreditar nisso – disse
somente, buscando por ele novamente.
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Capítulo 15 - Se Irritando
-E então, vocês estão namorando? – indagou Anthony, calmamente, sem se
importar com a cara vermelha de Kyle, completamente envergonhado.
-Anthony, prefiro não falar disso... aqui – murmurou quase inaudivelmente,
os olhos correndo pela lan house lotada – Por que mesmo que não estamos na
sua casa?
-Todos esses caras estão com fones enfiados nos ouvidos, nenhum vai ouvir
nada – riu Anthony, se inclinando na direção do monitor quando recebeu uma
mensagem – O caso é que meu pai está em casa... não quero falar com ele.
Mas e então?
Kyle se encolheu – Bem, não tenho certeza... Clara nunca me da uma
resposta certa, não existe sim ou não com ele; sempre tem uma resposta
ambígua ou que me deixa ainda mais confuso! Mas eu acho que... que
estamos sim!
Anthony se voltou para o amigo com um sorriso enorme, largou o controle e
segurou o amigo pelos ombros, os olhos quase lacrimejantes.
-Cara, você não imagina como me deixa feliz com isso!
-N-não precisa exagerar – resmungou Kyle sem jeito, se encolhendo – Não é
melhor responder essa mensagem ai...
Anthony se sorriu de canto, abrindo a mensagem sem pressa.
Se aprontar mais uma, vou ai quebrar a sua cara!
-Ah, sim, você ainda não conhece Rebecca8000 – riu Anthony – Ela acha que
pode ganhar de mim...
Do nada o avatar de Anthony caiu morto com um tiro, deixando o garoto
atônito.
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Capítulo 16 - Caminhos
Assim que conseguiu fazer os dois se sentarem no banco de madeira, em
frente a praça central, Kyle se ofereceu para comprar refrigerante, torcendo
para que a desculpa não fosse óbvia demais.
Na verdade sua desculpa foi óbvia demais, Kyle...-Então... – comentou
Anthony, com a mesma expressão que usaria para comentar o tempo – Você
mora por aqui?
-Não – respondeu Rebecca prontamente, os pés balançando sem alcançar o
chão – Vim ver a Sam, mas parece que ela não está na cidade...
-Entendo... – Ela é amiga da Sam, droga! Não devia ter reclamado dela!
Anthony fuzilava os próprios tênis, imaginando quanta coisa Sam já deveria
ter contado a ela... Se bem que, conhecendo Sam pelos encontros da Doutor
Amor, era possível que ela não tivesse dito nada – Bem, você vai voltar ainda
hoje?
-Quer tanto assim que eu vá embora? – Rebecca fez uma expressão triste, os
olhos chegando a ficar marejados.
-Não! Não foi isso que eu quis dizer! – o garoto quase gritou a resposta, tão
surpreso com aquele rosto inocente que em nada se parecia com a garota que
o socara sem poder ter certeza de que era ele mesmo.
Rebecca encarou-o por um momento, desandando a rir em seguida, as
lágrimas escorrendo dos olhos brilhantes – Você é mesmo muito engraçado!
Idiota...
Ela me chamou de idiota...- Ei, como sabia que era eu?
Rebecca parou de rir, fitando-o com seriedade.
-Na verdade eu não sabia. Fiquei até aliviada quando você não me chamou de
maluca.
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Clara abriu a porta com o mesmo sorriso alegre de sempre, ainda mais
contente ao ver a garota de cabelos berrantes entre os dois amigos.
-Que linda! – exclamou sem pensar, as mãos no rosto apaixonado.
Rebecca respondeu a altura, piscando seus lindos olhos verdes - Quem é ela,
baka? Me apresenta?
Anthony trincou os maxilares, desejando poder estrangula-la ali mesmo.
Agora ela vai me chamar de BAKA? Idiota na nossa língua não é o
suficiente?
Clara fez todos entrarem logo, levando-os para a sala dos encontros. Karineee
vagamente acenou enquanto eles passavam, os olhos fixos na abertura de One
Piece com sua música alegre. Kyle suspirou, imaginando como elas poderiam
ir pra frente se estavam sempre mais interessadas em animes do que no
trabalho. E falando nisso, tinha que ver que como andavam as finanças da
sua... namorada?
Ah, minha nossa, e se não formos isso? E se ela pensar que estamos indo
rápido demais? O que eu faço?
Enquanto guiava Anthony e Rebecca, por um instante, Clara passou os dedos
de leve pelo ombro de Kyle, deixando-o em pânico imediatamente. Se sentia
até idiota por ficar assim sempre que ela estava por perto, mas não podia
evitar. Seu coração disparava a uma velocidade vertiginosa e seu rosto já
deveria estar vermelho. Ainda mais quando Clara deliberadamente sorriu para
ele, piscando um olho.
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Os dois se merecem, concluiu Kyle com uma careta, voltando-se então para o
casal que geralmente emanava felicidade. Eles eram efetivamente o que
poderia existir de amor a primeira vista, e talvez chegassem mais perto de um
“felizes para sempre”, na concepção do garoto. Era até mesmo assustador vê-
los assim.
-Ah, desculpa – sorriu Lisa, e quanto mais ela tentava parecer feliz, mais
provava o contrário – Só estamos cansados...
Mas quando Kyle encontrou os olhos de Clara, sabia que não era só isso.
Depois que todos foram embora, até mesmo Karineee, Kyle conseguiu
relaxar consideravelmente, um suspiro profundo delatando sua situação antes
que Clara tivesse tempo de fazer as perguntas que estavam lhe rondando.
-Você parecia mesmo tenso. Aconteceu alguma coisa? – indagou, sentando-
se ao lado do garoto, o caderno de contabilidade sobre a mesa de centro.
-N-não – respondeu ele, quase depressa demais – Desculpa se pareci assim...
Não queria parecer...não queria dar a impressão de que nós... Eles poderiam...
-Seria tão ruim assim se eles descobrissem? – comentou Clara pensativa,
fitando o teto – Não acho que isso fosse incomoda-los... A menos que você
queira manter segredo, eu entendo! – disse, fitando-o com urgência.
Kyle ainda não tinha processado a primeira parte da conversa, a expressão
tola deixando-o ainda mais incrível aos olhos da garota.
O que é isso? Ela quer dizer que estamos... mesmo...
-Clara, nós estamos... – Kyle respirou fundo, tentando se impedir de enfartar
– namo... na...
Clara sorriu com animação, parecendo perdida depois – Eu acho que sim. A
menos que os adolescentes de hoje em dia não façam mais isso... ando meio
desatualizada...
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esperando a menina seguir até o guichê. Não havia fila alguma naquele início
de noite, e em menos de três minutos ela estava de volta, sorrindo com sua
animação cheia de altos e baixos.
-E ai? Quer que eu espere você embarcar? Que horas sai o seu ônibus? –
indagou Anthony, observando a estação praticamente vazia.
Não, aquele não era um bom lugar para uma garota ficar sozinha. Desejando
esmagar seu pescoço ou não, iria ficar ali com ela até que estivesse a salvo
dentro de um ônibus, seguindo para casa.
-Ah, você não precisa ficar aqui – riu Rebecca, alongando os braços – Na
verdade, parece que eu perdi o último ônibus.
-O QUÊ?! – Anthony saltou em pé, olhando ao redor como se do nada fosse
aparecer um ônibus com o letreiro CIDADE DA REBECCA – Como assim?
Que horas foi? Quando tem o próximo?
-Ahm, faz uma meia hora que saiu o último... Mas tem um antes das oito
horas da manhã! – exclamou a menina, jogando-se no banco de qualquer
jeito, a mochila largada ao seu lado – Não se preocupe, tem alguém por aqui
a noite toda.
-Não diga bobagens! – rebateu Anthony com ansiedade, realmente irritado –
Como se eu fosse deixar você aqui!
Rebecca encarou-o com tédio – E vai fazer o que? Dizer pra sua mãe que vou
dormir na sua casa?
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riu sozinho, descendo para a cozinha. É ele estava arriscando muita coisa com
aquela maluca, mas podia valer a pena.
Infelizmente não havia nada de interessante na geladeira. Voltou para o
quarto no momento que a menina saia com os cabelos molhados, vestindo
uma bermuda jeans bastante curta e a camiseta da banda Versailles que
pertencia ao garoto; ela parecia uns três anos mais nova e ainda mais fofa.
-Hum, essa camiseta fica melhor em você do que em mim – murmurou o
garoto, meio a contragosto, sorrindo em seguida – Estamos sem condimentos,
soldado. Vamos procurar a base das provisões?
-Claro, senhor!
Rebecca calçou os tênis sem meia mesmo e passou os dedos pelos cabelos
molhados. Anthony também colocou os tênis e aproveitou para pegar um
moletom no armário, jogando para garota.
-Está ficando frio – disse somente, e sem mais demora, saíram de casa.
Rebecca estranhou que Anthony não avisasse ninguém, ou mesmo que sua
mãe nem viesse lhes dar uma bronca. Mas existiam pais de todas as maneiras,
e se o seu era um tipo raro que presava a liberdade das escolhas e suas
consequências, muitos outros tentavam forçar os filhos a uma situação crítica
de convivência.
No mercado ali perto compraram pizza e refrigerante, voltando logo para
casa, rindo como velhos amigos.
-Tipo, o filho chega e o pai está com os braços erguidos na frente do
computador, ai ele pergunta: “Pai, o que você está fazendo?” E o pai diz:
“Ergue os braços, filho” – contava a menina, rindo enquanto falava – Ai tinha
uma imagem do Goku fazendo a Genki Dama e depois o filho e o pai com os
braços erguidos, o cara chorando: “Já fiz meu trabalho”.
Os dois riram com vontade, subindo a rua com animação. Anthony que
seguia mais a frente, parou tão de repente, que Rebecca chegou a bater nas
suas costas, recuando preocupada.
-O que foi?
Seguiu o olhar angustiado de Anthony até a frente da casa do garoto, onde
uma menina sentada no meio fio parecia tomar coragem para se aproximar.
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-Eu... não posso falar com ela ainda – murmurou quase sem querer,
assustado. Aquela sensação de traição, a dor... era recente demais.
Rebecca ajeitou ombros com um suspiro, séria do seu jeito prepotente.
-É mesmo? E vai estar pronto quando? Quando essa ferida estiver tão suja
que nem poderá mais ser curada – disse sem piedade – Acha que é o único
que está sofrendo? Ela não me parece bem. Pare de sentir pena de si mesmo.
Vá lá e mostre do que você é feito!
-Mas o eu...
-Agora! – sentenciou a garota, sorrindo quando os olhos assustados de
Anthony pararam nos seus.
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aquela garota encolhida que ameaçava cair no choro, Anthony teve certeza de
que jamais poderia ficar bravo com ela. Porque além de tudo que imaginara, e
por vezes desejara sentir, ela ainda era uma ótima amiga, e só queria que ela
ficasse bem.
Deu um meio sorriso gentil – Está tudo bem, Isabel – disse com tranquilidade
– Ninguém escolhe por quem se apaixona.
A garota o encarou quase sem acreditar, as lágrimas descendo sem controle
pelas faces pálidas. Diante da sua incapacidade de por em palavras a culpa e a
confusão que sentia, Anthony simplesmente lera seus pensamentos; afinal,
eles eram muito parecidos. O que um pensava saia pela boca do outro;
poderiam ser melhores amigos.
Anthony se aproximou e abraçou a garota, deixando que ela chorasse em seu
peito com vontade, o corpo todo tremendo com os soluços. Talvez fosse sua
decisão mais sábia de toda vida, e estava realmente feliz que conseguira agira
daquele modo. E no fundo, mesmo agora, enquanto abraçava aquela garota
por quem desejara estar apaixonado, estava inclinado a aceitar a única e
absoluta verdade de que não a amava desse jeito.
-Anthony, me desculpa! Eu não fiz por mal.... – chorava a menina – Nunca
quis mentir para você... mas não.... sabia o que.... fazer!
Anthony afagou os cabelos da menina, sorrindo com doçura – Está tudo bem,
eu sei – disse – Eu posso entender, não se preocupe.
-V-você... não me odeia? – indagou a menina, se afastando um pouco
enquanto secava os olhos no verso das mãos.
-É claro que não – riu Anthony, uma mão ainda sobre a cabeça da menina –
Não se preocupe mais com isso, ok? Você não teve culpa nisso, e agora já
estamos entendidos, então não tem por que chorar mais.
Isabel fungou com vontade, sorrindo com alguma dificuldade – Eu queria me
apaixonar por você, Anthony. Mas a garota que for sua namorada, terá muita
sorte!
Anthony passou os dedos pelos cabelos, erguendo o rosto como um modelo
prepotente.
-Muita sorte mesmo – disse com uma voz forçadamente séria.
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Isabel caiu na risada, seguida pelo garoto mesmo, e depois que ela já estava
se sentindo melhor, não demorou a partir, recusando que Anthony a
acompanhasse. O garoto ainda sorria consigo mesmo quando voltou para a
esquina, onde Rebecca ainda estava sentada a vontade.
-Pela sua cara de felicidade parece que reataram – sorriu-lhe a menina,
estendendo a mão para que Anthony lhe ajudasse a se erguer.
Anthony puxou-a para cima, rindo com animação – É, pode-se dizer que
estou mesmo feliz – concordou, voltando na direção de casa – Me sinto bem
melhor.
-Ela disse alguma coisa surpreendente? – perguntou Isabel, e pelo seu sorriso
enigmático, sabia o que estava fazendo.
-Na verdade não – respondeu o garoto, pensativo – Eu já sabia que ela
realmente se apaixonara por aquele outro cara... mesmo pelo pouco que
conheço dela, Isabel jamais ia sair com alguém sem um propósito. E se ela
realmente gosta dele...
-Mas você não gostava dela?
-Ainda gosto – retrucou o garoto, firme – Mas não posso dizer que a amo.
Talvez minha irritação e mágoa fosse porque eu mesmo estava me forçando a
sentir assim, como se devesse aparentar estar profundamente apaixonado por
ela.
-Entendo – sorriu Isabel, as mãos atrás da cabeça – E agora, como fica?
Anthony riu, entrando pelo portão de casa.
-Fica que ainda temos uma pizza para comer!
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Capítulo 20 - Mar
Passava da meia noite quando Clara e os outros se puseram a recolher toda
bagunça que tinham feito. Karineee, ajudada por John, levavam as mochilas
dos garotos para a van vermelho vinho estacionada do outro lado da rua, já
que cada segundo contava naquele fim de semana tão esperado.
-Não está muito cansada para dirigir? – indagou Kyle, ajudando Clara a
guardar os restos de comida na geladeira – Sei bem que você encontrou um
trabalho de meio período como fotógrafa...
Kyle ficara sabendo por acidente, ao passar justamente naquele estúdio onde
a garota começara a trabalhar naquela semana. Clara também não planejara
contar as novidades tão cedo, pega de surpresa; mas com sua maestria de
sempre, sorriu e piscou para o garoto, como se tivesse tudo planejado desde
sempre.
-É um bom lugar – disse apenas – Karineee me ajuda bastante... mas
praticamente dependo dela. Não é uma coisa muito justa. Quanto a dirigir,
vamos fazer dois turnos, não se preocupe.
-Nessas horas desejaria ser um pouco mais velho – murmurou o garoto
timidamente, terminando se guardar as coisas, agachado ao lado de Clara.
A garota se inclinou na sua direção, beijando-o na testa com carinho – Eu não
desejaria que fosse se outra forma.
Kyle sentiu o rosto ficar imediatamente vermelho e muito quente, mas pelo
menos já era uma sensação conhecida. Aceitou quando Clara lhe estendeu a
mão, ajudando-o a se erguer, e saíram de mãos dadas, tampouco ligando para
os olhares interessados – pelo menos naquele momento, em que ainda estava
entorpecido com a presença dela.
Silenciosos como conseguiam se aguentar, Rebecca e Anthony trocando
cotoveladas e muxoxos, saíram para a rua, agradecendo que nenhum vizinho
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Capítulo 21 - No Chalé
Karineee ligou o rádio inesperadamente, a música Don’t be Cruel de Elvis
Presley fazendo-os rir. Clara se recostou no banco, mexendo os dedos no
ritmo da música animada.
-Que rádio é essa? – estranhou Anthony, encarando Karineee com
curiosidade, mas ele simplesmente deu de ombros.
Kyle continuou imóvel, ainda sem respirar, indiferente aos comentários
animados que continuavam quando a van voltou a se mover, seguindo na
direção da pequena cidade costeira onde Karineee e o irmão tinham um chalé.
-Vem cá, Karineee... seus pais são ricos ou alguma coisa assim? – murmurou
Anthony, se inclinando na direção dela.
Atrás de Clara, Rebecca percebeu a conversa e se escorou no banco da frente,
quase sobre a outra garota, toda interessada.
-Alguma coisa assim – concordou Karineee, sem dar mais sinais de que
falaria.
Anthony lançou um olhar para sua cúmplice que já sorria abertamente, mil
planos sendo passados por telepatia naquele momento.
A cidadezinha ainda dormia tranquila, principalmente porque aquele não era
um período de veraneio, mas felizmente o único supermercado já estava
abrindo as portas. Desderam todos os nove, correndo pegar dois carrinhos de
super mercado, dividindo o grupo. Anthony, Rebecca, Sam e John estavam
encarregados dos produtos de higiene e limpeza, assim como as bebidas. O
restante tinha que dar conta da comida necessária para o final de semana.
-Né, podemos comprar batata frita? – indagou Lisa, debruçada dentro do
freezer aberto.
-Mas não sai mais em conta comprarmos as batatas? – comentou André,
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Rebecca virou-se para deitar de bruços e rolou para fora da cama, caindo
pesadamente. Anthony se sentou com cara de sono, olhando ao redor,
confuso. Quando a menina se ergueu, os cabelos completamente embolados,
o mau humor de quem acabara de acordar do pior jeito possível, levou mais
alguns segundos para compreender o que tinha acontecido.
-O que está fazendo no chão?
Rebecca meneou a cabeça – Ah, você sabe né... Tirando um cochilo.
Anthony concordou um aceno, se erguendo, ainda um tanto zonzo; ajudou
Rebecca a se erguer, seguindo para a sala; pela varanda daquele cômodo,
viam ao longe um grupo conhecido, correndo na beira da praia.
-Né, eles foram sem a gente – resmungou a menina, não exatamente
aborrecida.
-Quer ir também? – indagou Anthony, observando-a com um sorriso bobo.
-Não, o sol está muito quente – retorquiu a menina, virando-se para encara-lo
com um sorriso animado – Vamos fazer algo especial!
-Tipo o que? – estranhou Anthony, afastando-se inconscientemente.
-Yakisoba!
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de algum modo ele entendia a necessidade dela. Se ergueu sem chamar mais
atenção do que o normal, e rumou para a casa que se erguia graciosa entre as
dunas.
Karineee prontamente tirou seu violão do estojo e começou a tocar junto com
a música que vinha do rádio, seguida de imediato pela voz alegre de Rebecca,
fazendo as vezes de vocalista. Anthony riu, imitando o som de uma guitarra
desafinada.
-Acabou com a música! – riu André, jogando-se na direção do garoto.
Lisa riu e começou a fazer o som da bateria, quase rolando de rir. André
bufou audivelmente, começando a fazer a segunda voz para Rebecca. A
verdade é que riam mais do que conseguiam cantar, suas vozes podiam ser
ouvidas na imensidão da noite que se alongava aos poucos, prometendo uma
madrugada tranquila.
Eles nem mesmo perceberam quando Clara saiu do seu lugar, rumando
silenciosa para a casa onde Kyle já a esperava. Seus pés afundavam na areia
seca, deixando depois um rastro na madeira da varanda. A casa escura a
recebeu com calma, seus passos fazendo o assoalho ranger.
Tinha quase certeza de onde o garoto estava, e realmente conseguiu encontra-
lo logo, sentado na outra varanda que dava vista para a imensidão das dunas,
os cotovelos fincados nos joelhos, a cabeça sobre as mãos. Parecia sério
demais naquela penumbra, encarando um horizonte desconhecido.
Clara sorriu e atravessou a pouca distância entre eles com dois passos, se
jogando ao lado do garoto; Kyle talvez não estivesse tão distraído assim
porque nem mesmo pareceu surpreso.
-Parece muito sério – observou a garota, fitando-o abertamente.
Kyle se encolheu, mas com a pouca luz era impossível dizer se seu rosto
estava novamente corado – Desculpe, não quis parecer assim. Só estava
pensando... em nada, em particular.
Deitou as costas contra o encosto do sofá de palha trançada, fazendo sinal
para Clara se deitar. A garota enrolou os cabelos com os dedos, deitando-se
nas pernas de Kyle, os olhos erguidos para o rosto do garoto.
Mesmo que não admitisse, alguma coisa incomodava seus pensamentos.
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contra o sofá.
Aquilo não era muito fácil de responder. E quando achou que tinha
encontrado uma resposta para Clara, ela já estava dormindo.
Tudo bem, a resposta não era para ela. Ela sabe... sou eu quem deve saber.
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-Imagino que você queira falar com a mamãe – disse para o garoto,
recebendo um olhar desesperado em resposta – Vou ficar por perto. Alguém
tem que proteger a Clara.
Novamente não foram suas melhores palavras, Carlos...
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-Como assim? Mais velha? Você acha que pode namorar uma mulher mais
velha? Uma mulher? – a mãe de Kyle balançava a cabeça com vontade,
negando de todos os modos aquela ideia – E a escola? E seus planos? E a
faculdade? E...
A lista de coisas que Clara supostamente estava impedindo o garoto de ter
tinha vários itens interessantes, mas Kyle não ouviu mais nada depois da
“faculdade”. Não era Clara quem mais lhe dava apoio. Era justamente ela
quem mais queria que ele fizesse tudo aquilo.
-Não seja tão dramática mãe...
A mulher reagiu como se tivesse levado um soco, tamanha sua surpresa,
encarando-o com as feições tão iguais as do filho.
-Não estou sendo dramática, estou sendo realista – disse entredentes, agora
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muito mais assustadora – Você acha que sabe muita coisa, que sabe com o
que está lidando, mas ainda não sabe de nada! A mesma coisa com seus
sonhos bobos de futuro, onde tudo parece muito bonito, mas não tem ideia de
como os adultos sofrem!
-E como vou descobrir isso se você nem me deixa respirar? – bradou Kyle de
repente, a respiração irregular, suas costelas sumariamente esmagadas pelos
batimentos desenfreados.
Não queria chegar aquele ponto, não queria magoar sua mãe, porque no
fundo tudo que ela queria era protegê-lo, mas ele já estava pronto para lutar
suas próprias batalhas. Ele tinha que lutar.
-Me desculpe, mãe – disse mais calmo, finalmente conseguindo olha-la nos
olhos sem nenhum medo de ser repreendido – Me desculpe, mas amo aquela
mulher, e não vou mudar de ideia só porque não vai ser fácil.
Suspirou, voltando-se para a porta, um peso enorme tirado dos seus ombros,
mas se lembrou de algo, olhando para a mãe por cima do ombro.
-A propósito, vou fazer faculdade de cinema. Por que é isso que eu quero.
E seguiu com passos decididos para a sala de estar, onde estava o que ele
queria. A pessoa que podia acreditar nele mesmo quando não acreditava nem
em si mesma; a única pessoa louca o suficiente para amá-lo.
A mulher deixou que o filho saísse dali, seus pensamentos atormentando-a
porque em maior parte concordavam com ele. Era isso então, ele estava
crescendo. Não. Quem queria enganar? Seu filho já estava crescido. E mesmo
que estivesse tão furiosa que suas mãos tremiam, e jamais admitiria isso!,
estava orgulhosa dele. Era seu filho. Estava feliz que conseguisse se manter
tão firme em suas decisões, e nem sua presença aterradora e todo temor que
devia impor conseguiram demove-lo. De algum modo... seu trabalho estava
feito. Era uma boa mãe.
Ainda pensando sobre isso, se surpreendeu quando o garoto atravessou a
cozinha correndo a se jogou num abraço que não se repetia há bastante
tempo. Se agarrou a cintura da mãe, escondendo seu rosto no peito dela,
agora sim completamente aliviado. E mesmo que ela jamais fosse admitir, e
que ainda estivesse muito irritada, sorriu de canto, beijando o alto da cabeça
do garoto.
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-Seu tolo.
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”Querido Kyle; Você tem me pedido para contar as novidades, mas isso tem
ficado cada vez mais difícil! Tanta coisa tem acontecido que é complicado
por tudo no papel... Anthony e Rebecca continuam na mesma, daquele jeito
que só os dois tem. Fico muito feliz quando os vejo, acho que é o sinal de que
nem todas as pessoas precisam seguir regras para ser feliz. Não é o nosso
caso mesmo?
Toda vez que os vejo não posso deixar de lembrar de você, e como sinto sua
falta. Felizmente meu tempo tem sido ocupado pelos encontros no
consultório e as manhãs no estúdio de fotografia. Acho que finalmente me
sinto completa, captando o segundo mágico que dura um olhar de amor
verdadeiro, um sorriso cheio de significado. Isso é mágico. E não me deixa
esquecer de você. Isso é bom.
Lisa e André sempre mandam notícias e querem saber de você, o que está
achando da faculdade. Parece que eles se divertem bastante, e é claro que
continuam juntos. Tenho certeza de que jamais vão se separar! Almas como
as deles são puras e tendem e se unir. Isso é lindo não é?
Karineee manda lembranças, do jeito dela, sabe, sem muita empolgação.
Tenho certeza de que ela sabe que está tudo bem. Karineee sempre sabe de
tudo.
Sam também saiu da cidade, mas aparece bastante, acho que está
trabalhando com o pai numa indústria de roupas... Acho que ela tem muito
bom gosto, então deve estar se dando bem. Há mais ou menos dois dias
cruzei com John. Ele estava com uma garota bonita que sorria muito. Ele
olhou para mim e sorriu. Tenho certeza de que está bem.
Todos estão conseguindo viver não é mesmo? Apesar das dificuldades todos
tem coragem e força para continuar lutando. Nessas horas sinto muito
orgulho mesmo. Principalmente de você, o meu Kyle.
Sua irmã me liga bastante e conversamos como velhas amigas, o que acho
que somos mesmo. Sua mãe tem sido muito atenciosa e posso dizer que nos
damos bem. Ela me trouxe almoço no final de semana! Disse que estava
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sobrando, mas depois Carlos me disse que ela queria fazer porque você
havia dito algum dia que era minha comida favorita. Foi a coisa mais linda
que ela poderia fazer por mim, e foi ainda mais precioso porque tentou
esconder isso com uma desculpa boba. Sua mãe é mesmo uma boa pessoa.
Mas e você? Como está indo? Espero que esteja bem, sinto muito não poder
estar ai para lhe dar apoio... Por favor, divida seus pensamentos comigo,
porque todo meu amor está com você. Todos os dias, espero que se lembre
disso. Sinta meu amor e o abraço que não posso lhe dar agora, e de o seu
melhor!
Com todo amor que é possível sentir, sua Clara.”
Kyle guardou a última carta de Clara no meio dos cadernos e se preparou
para voltar a aula, há quase um ano seguindo aquela rotina de maneira
obstinada, cada nota comemorada como se fosse seu prêmio derradeiro. Para
os amigos que conquistara na faculdade, toda aquela empolgação tinha nome
e endereço, e escrevia periodicamente, recarregando a carga energética
daquele garoto magricela. E ele tinha mesmo talento. Não era somente a
namorada cega de amores, todos ali tinham certeza de que ele tinha
sensibilidade para a sétima arte.
Ele tinha certeza. Tinha confiança em si mesmo!
-Kyle! – chamou uma voz rouca que se tornara conhecida – KYLE!
O garoto se virou com alguma irritação; já estava atrasado para a aula e agora
Lucca queria faze-lo perder a segunda chamada?
-O que foi?
-Sua namorada – disse estendendo um envelope cor de creme, a respiração
entrecortada pela pressa em chegar até ali, os cabelos desarrumados – Pediu
desculpas... por ser... assim tão de repente...
Kyle nem havia escutado direito e já rasgava o envelope, expondo um bonito
convite em tons claros, e numa caligrafia elegante e dourada, as palavras:
Convite de Casamento.
O garoto sentiu o estômago afundar de forma repentina, todo seu ar
escapando dos pulmões.
Me desculpe avisar tão de repente, Kyle... mas eu encontrei alguém.
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Parece repentino, mas você sabe como eu sou... Vamos nos casar.
Sim, tudo fazia sentido, ela finalmente tinha percebido. Quem eles estavam
tentando enganar? Aquela relação estava fadada ao fracasso desde o
princípio... eles estavam apenas adiando o inevitável. É claro que ele não
queria que isso acontecesse, é claro que ele a amava... mas se era o que ela
queria ele...
Não! Ele não conseguia pensar assim! Tudo que queria era ouvir da boca de
Clara que não havia mais chance alguma, queria que ela dissesse que estava
mesmo acabado. Não podia terminar com ele enviando um maldito convite
de casamento... Era isso que ela pensava a respeito dos dois? E aquelas
palavras apaixonadas? Tudo fora... em vão?
-Ela disse que só recebeu o convite há dois dias e nem sabia se poderia vir...
Acha que consegue se arrumar a tempo?
As palavras de Lucca demoraram a fazer sentido, lentamente tirando-o
daquela onda de pensamentos depressivos e revoltados.
-O-o que disse? – murmurou, os olhos passando pelo convite de casamento
onde dois nomes desconhecidos lhe acusavam de forma hostil.
Kyle engoliu em seco, ainda atônito demais com a própria estupidez.
-Acha que consegue, Kyle? Ela disse que vai espera-lo na igreja...
Kyle nem mesmo esperou ele terminar de falar e já estava correndo, ouvindo
ao longe os gritos de incentivo de Lucca. Sim, ele podia se arrumar a tempo.
Tinha tempo para reencontrar aquela maluca.
De maneira sobre humana, conseguiu tomar um banho rápido e trocar de
roupa, apanhando um paletó abandonado para usar com as mesmas jeans de
sempre. Atravessou aquela cidade como um condenado, rindo a toa com a
possibilidade de ver Clara.
Quando seus olhos se encontraram, todo mundo desapareceu ao seu redor e a
abraçou com força, selando seus lábios de maneira desesperada. Não havia
mais nada entre eles, assim como nunca houvera. Mesmo a distância era algo
passageiro e leviano. Se encararam alguns segundos em silêncio, tudo que
não podiam por em palavras passando de um para o outro como ondas
contínuas de entendimento.
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Kyle não tinha palavras suficientes para dizer como estava feliz. E nem era
preciso, porque ela sabia.
Clara tomou as mãos do garoto entre as suas e as beijou, sorrindo com os
olhos fixos nos dele.
-Eu estava te esperando.
Não existe fim quando você pode escrever sua própria história.
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