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Anais do XI SEL – Seminário de Estudos Literários, Assis, UNESP, 2013. ISSN 2179-4871
Com relação ao riso, Bakhtin destaca que este trabalha sobre as contradições,
corrigindo a rigidez do sério. E qual seria o recurso que pode representar e ridicularizar
as particularidades de um discurso? Trata-se da paródia, que é uma das mais antigas e
mais difundidas formas de representação do discurso de outrem. De acordo com
Bakhtin, as formas paródicas e travestizantes preparam o romance de várias formas,
como na destruição do aprisionamento da consciência no seu próprio discurso, e na
criação da distância entre língua e realidade.
Todavia, tal transformação da linguagem poderia realizar-se sob a condição de um
plurilinguismo substancial, uma vez que “somente o plurilinguismo liberta por completo
a consciência do domínio da sua própria linguagem e do seu mito linguístico.” (idem, p.
379).
No capítulo “Epos e romance”, Bakhtin reflete sobre a metodologia do estudo do
romance, iniciando suas considerações afirmando que o estudo do romance enquanto
gênero apresenta dificuldades específicas, como o fato de o romance ser o único gênero
por se constituir, ou seja, um gênero ainda inacabado.
Segundo o crítico, o romance tenta apreender o presente inacabado, com a
finalidade de por ordem no caos, diferentemente da epopeia, a qual sempre foi um
poema sobre o passado. Desse modo, o passado épico absoluto visto como a única fonte
e origem de tudo que é bom para o futuro constitui a forma da epopeia, enquanto a
experiência, o conhecimento e o futuro definem o romance.
No entanto, se o romance narra algo do passado, não é para narrar um passado
acabado e fechado, mas para mostrar a significação desse passado no momento
presente, já que o romance tenta incorporar o presente, que, por sua vez, é inacabado
por natureza.
Em suas conclusões, Bakhtin destaca que o surgimento do romance representou
uma transformação radical na representação literária, pois o passado absoluto, a tradição
e a distância hierárquica foram abolidos, cedendo espaço ao processo de familiarização
cômica do mundo e do homem, e ao rebaixamento do objeto de representação artística
ao nível de uma realidade atual e inacabada.
Georg Lukács, em O romance como epopeia burguesa, também reflete
profundamente sobre questões pertinentes à formação do romance, sua forma específica,
e a conquista da realidade, dentre outros assuntos. Logo no início, afirma que o romance
apresenta todos os elementos característicos da forma épica, como, por exemplo, a
tendência para adequar a forma da representação da realidade ao seu conteúdo, a
presença de vários planos, e a reprodução dos fenômenos da vida mediante uma
representação plástica, em que homens parecem agir por si mesmos ao longo da obra.
De acordo com Lukács, a contradição da forma romanesca reside no fato de o
gênero romance, produto da dissolução da forma épica, ser a epopeia da sociedade
burguesa, a qual, por sua vez, destrói as possibilidades da criação épica. Todavia, “uma
vez surgida a sociedade de classes, a grande epopeia não pode extrair sua grandeza
épica a não ser da profundidade e tipicidade das contradições de classe em sua
totalidade dinâmica.” (LUKÁCS, 1999, p. 95). Desse modo, para que as contradições
fundamentais da sociedade sejam representadas concretamente, é necessário haver um
distanciamento da realidade cotidiana para que, então, surjam situações épicas.
Com relação à conquista da realidade cotidiana, Lukács, de modo geral, afirma
que “o romance abandona a região ilimitada do fantástico e dirige-se decididamente
para a representação da vida privada do burguês.” (idem, p. 102). Portanto, o gênero
romance se limita à realidade cotidiana da vida burguesa, não para simplesmente
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Em “A timidez do romance”, ensaio que faz parte do livro A educação pela noite
e outros ensaios, Antonio Candido começa suas reflexões afirmando que a literatura é
uma “atividade sem sossego”, visto que muitos autores sobrecarregam suas obras com
um máximo de não-literatura, como moral ou política, para defendê-la de comentários
do tipo “literatura é fantasia que corrompe a alma” ou “literatura é mito e imaginação”.
Em seguida, o autor se utiliza das conclusões feitas por um estudioso norte-
americano, Arthur Jerrold Tieje, acerca dos intuitos do romance e seu papel de divertir,
edificar e instruir. É justamente nesse tripé que Candido se baseia para mostrar o caráter
persuasivo que o gênero romanesco possui. Daí a razão de textos desse gênero terem
sido condenados por muitos indivíduos, como Jean-Pierre Camus, bispo de Belley, por
exemplo, que teve uma postura totalmente antirromanesca ao combater o romance com
o próprio romance, escrevendo narrativas que valorizavam ao extremo a moral religiosa
em contraposição aos valores que comumente se encontravam nos romances, como a
sensualidade, a irreverência e a impiedade.
Além de Camus, Candido ainda se utiliza de outros nomes importantes, como
Bunyan, que via no gênero um tratado de moral; Barcley, que o olhava como um meio
de propagação política ou até mesmo de educação política; e Fancan, que concluiu que
o romance só pode ser justificado quando, por meio da ficção, puder funcionar como
instrumento moral de educação do homem.
Para Candido, no entanto, o romance é visto não como uma narrativa em que o
escritor debruça sua capacidade imaginativa, nem uma história exaustivamente realista,
mas uma figura do real, uma imagem modelada sob o olhar subjetivo e criativo do
compositor, um reflexo da sociedade na qual ele foi produzido. Todavia, a verdade crua
e às vezes dura pode ser disfarçada com os elementos da fantasia, para alcançar melhor
os espíritos. Tendo em vista essa finalidade do romance, Candido o compara com a
imagem da “pílula dourada” ou “remédio adocicado”, que tem aparência e sabor
agradáveis, mas que na realidade serve para curar enfermidades.
Além disso, o crítico considera o romance como uma prosa ficcional alegorizante,
onde a alegoria, uma forma de ver o mundo, constitui a ficção, que é nada mais que um
veículo carregado de ideologia.
Na Idade Média, a alegoria alcançou um estatuto sob todos os aspectos notável,
excedendo o âmbito estritamente literário e estendendo-se a toda uma concepção do
mundo. O ideal de edificação moral, então, proporcionou uma valorização das formas
literárias que contribuíssem para instruir o povo. Tal aspiração encontrou na alegoria
um meio de concretização privilegiado, visto sua predisposição para veicular conceitos
abstratos através de visualizações concretas, aliada a uma forma de expressão indireta,
que a tornam um poderoso instrumento lúdico e didático.
A propósito, um bom exemplo de romance alegórico é O diabinho da mão furada,
cuja autoria constitui uma dúvida, mas que supostamente seria de António José da Silva.
Nesse romance, há dois protagonistas: o soldado Peralta, que representa o mundo
visível e tangível, e o Diabinho, que representa o mundo misterioso e secreto. Este, na
verdade, é uma figura alegórica, inspirado em um personagem do folclore português.
Em algumas edições, o título aparece como O fradinho da mão furada, ou seja, o
personagem central é ambíguo, um diabo vestido de frade, com a mão furada, isto é, que
dá e tira ao mesmo tempo.
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Outro ponto importante nessa narrativa é que a vida material opõe-se à outra,
fantástica e apocalíptica, e os elementos reais, episódios ancorados na realidade, vão-se
entrelaçando, como elos de uma cadeia, com os sobrenaturais, episódios que pertencem
a um mundo mágico, expressos em sonhos e visões. Há, então, dois planos no texto, a
saber, o nível aparente e doutrinário, e o nível dissimulado e realista, que compõem um
jogo narrativo que diverte o leitor e o instrui ao mesmo tempo.
Sobre o romance no século XIX e sua publicação em folhetins, Marlyse Meyer,
no livro Folhetim: uma história, afirma que o folhetinista é originário da França, e que
de lá se espalhou pelo mundo por meio dos jornais. Em seguida, explica a origem da
palavra folhetim, a qual deriva de “le feuilleton”, denominação de um lugar específico
do jornal, o rés-do-chão, geralmente o da primeira página, junto com as notícias
aglomeradas. Esse espaço vazio era destinado ao entretenimento dos leitores, onde se
publicavam piadas, receitas, charadas, críticas de teatro ou de livros, enfim, era um
espaço específico para as diversas formas de diversão.
Em agosto de 1836, no entanto, começam a ser publicadas no espaço do folhetim
partes do romance Lazarilho de Tormes, cuja autoria é desconhecida. Jogam-se, então,
fatias diárias de ficção no jornal, com a finalidade de “fisgar” os leitores assinantes.
Trata-se do surgimento da “literatura industrial”, cuja fórmula se baseia nos
procedimentos de corte, suspensão e redução.
Lazarilho de Tormes é considerado a primeira ficção publicada em folhetins, com
estrutura de um romance picaresco, suspensão de ação, criação de expectativas e
manutenção do desejo de saber o que acontecerá com o protagonista. Todavia, o
romance-folhetim nasce, de fato, em 1838, com Capitaine Paul, de Alexandre Dumas,
já então consagrado romancista e dramaturgo, que descobre a técnica perfeita do
folhetim: “mergulha o leitor in media res, diálogos vivos, personagens tipificados, e tem
senso de corte de capítulo.” (MEYER, 1996, p. 60).
Com relação ao romance moderno, Anatol Rosenfeld, em seu ensaio “Reflexões
sobre o romance moderno”, compara a literatura com a pintura, procurando apresentar
os fatores determinantes para a mudança das artes plásticas, os quais também podem ser
encontrados nos textos literários. Um desses fatores é o fenômeno da “desrealização”,
em que a obra deixa de ser mimética, abandonando por completo a ideia de cópia, na
completa negação do realismo em forma e conteúdo.
Desse modo, na pintura moderna a perspectiva central, surgida no Renascimento,
é eliminada, e surgem várias correntes estéticas, como o cubismo, o surrealismo e o
expressionismo, por exemplo. No caso do romance moderno, também é possível notar
modificações, como a ruptura com a linearidade e com a cronologia, ou seja, o espaço e
a sucessão temporal são eliminados, proporcionando a visão de uma realidade mais
profunda e mais real do que o senso comum. Os exemplos mais marcantes dessa nova
percepção estão nas obras de Proust, Joyce, Gide e Faulkner, que começam a desfazer a
ordem cronológica, fundindo passado, presente e futuro.
Rosenfeld destaca em seguida que a expressão total desse fenômeno vem com o
romance de consciência, uma vez que, não vivendo mais “no” tempo, o homem agora
passa a “ser” o tempo, mas tempo não cronológico. Há, então, uma atualidade que
engloba tanto o passado, o presente e o futuro. A consciência flutua entre estas
referências de maneira completa, e a narrativa fica sem fronteiras em seu contexto.
Portanto, a partir desse entendimento, Rosenfeld compreende que o fluxo de
consciência caminha para a radicalização do monólogo interior, característica crucial do
romance moderno. Desse modo, a figura do narrador desaparece, e a consciência da
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3. O romance e a pós-modernidade
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Por isso, ficou muito mais difícil caracterizar um indivíduo, já não sendo suficiente
dizer, por exemplo, que ele é “um professor de história”.
De modo geral, portanto, nessa obra estão unidos os principais conceitos da pós-
modernidade: a paródia, a intertextualidade, a movimentação entre os diversos níveis de
linguagem, o questionamento de todos os elementos, a metalinguagem e a metaficção
historiográfica, marca principal da pós-modernidade, a qual é contraditória e duplicada
por excelência.
Referências bibliográficas
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