Vous êtes sur la page 1sur 5

6º excluído – exposição na Fundação José Rodrigues | Fábrica Social |

Porto – de 25 janeiro a 1 março 2014


R.E.R. # Redenção, exclusão e remissão…
Cláudia Melo | Jorge Coimbra| Prudência | Susana Lopes| Xai

Afinal, a monja disse que “malgré tout” ainda respirava. Essa respiração expelida no ar branco,
desenhou-se em linhas mais ou menos paralelas, entreactos de respiração fixados na parede.
A loucura exótica do pensamento poético gerou figuras hieráticas cuja luz dobro e desdobrou
– espécie de arquivadores de memórias – o tempo em mais tempo. A duração cativou cores
geométricas, embarcadas em quadrados humanos e infinitos, que desafiam a linearidade do
mundo. Assim, se unem 5 actos de redenção, exclusão e remissão – lúcidos e ambíguos
quanto nos baste.

Prudência:
“O olho, a que chamam a janela da alma, é a via principal por onde, o
centro dos sentidos ou senso comum pode contemplar mais
amplamente as infinitas e magníficas obras da natureza; a orelha é o
segundo sentido, o qual se enobrece escutando o relato das coisas que
os olhos viram.”1

As considerações sobre o olhar podem ser um dos denominadores comuns que organizam as
obras apresentadas pelos artistas na iconografia ocidental. Através dos olhos visíveis e
externos se adentrou a intencionalidade do artista. Pela alma (e razão) individuada de cada um
dos dois, assegurando um espectro de expansividade intersubjetiva que a radical exigência
amorosa configurou em moldes quase míticos.
Sob égide de tormentos estéticos, quanto ontológicos, que a volúpia talvez tenha
confundido nas mentes de gerações de leitores, eis quanto e como as Lettres d’une
religieuse portugaise2 de Soror Mariana de Alcoforado galgaram o tempo.
A artista fixou olhares mais opacos do que translúcidos, muito provavelmente
descendentes de engobes em estátuas gregas – companheiros das configurações que o
tempo, esse escultor lhes administrou, lembrando Marguerite Yourcenar. Sim, sejam os
olhos “janelas da alma”, incontáveis esmeraldas de olhar vítreo e inflexível, tanto quanto
o tormento e o desejo possuíram a monja para gáudio de seu cavaleiro francês. Mas serão
os olhos que nos impedem a entrada, frequente e exatamente, na alma visível dos seres?
Diz-se que as pessoas olham (ato singelo q.b.); basta somente dirigirem seu olhar para
alguém, atingindo-o – por via de um ato simples, decidido e incontornável. É a lúcida
intencionalidade de olhar, selecionado por um sujeito, ficando aquele que é olhado, cativo
dessa mirada. Quem é olhado deve aguentar a intensidade, circunstância e a (sem) razão
de ser olhado. Guarda em si o questionamento mudo do olhar, sendo atingido,
congratulando-se e aceitando – ausentou-se da paisagem do olhar da monja, o seu
cavaleiro... Ato simples, esse de olhar e ser olhado, todavia tão complexo e cheio de
sentidos oposicionais, por suposto. Deixar-se olhar, dispondo o rosto a ser alcançado.
Quando sou olhada, posso tomar um caminho: deixo-me invadir pela dúvida, rio-me ou

1
Leonardo da Vinci, Aforismos (326), Madrid, Espasa Calpe, p.64
2
Cartas publicadas por Claude Barbin em Paris – 1669. Leia-se na tradução de Eugénio de Andrade,
publicada na Assírio & Alvim, Lisboa, 1993.
escuso-me a devolver o olhar. Quero esses olhares que me abandonaram e nunca vão
regressar. Que a saudade aumenta cada dia mais, até um desespero que a inteligência
deserda. Barroco, barroco as celebrações que guardam os olhos olhados para se verem,
lembrando-me eu de quanto olhou Josefa de Óbidos – aquele visionária de cerejas,
grinaldas e meninos Jesus, que tanto poderia ter ensinado a Soror Mariana de Alcoforado
a transformação alquímica de palavras em pintura…

Cláudia Melo:
“Lugar de convocação como um poema muito antigo.
Lugar de aparição. Diálogo do visual e da visão.
Onde do visível emerge a aparição. (…)”3

Sob égide de um corpo adestrado para replicar, acondicionando (ou internalizando) a


fisicalidade de uma tradição pingente de tantas mulheres achadas na história cultural da
loucura transformada em abordagem filosófica e sociológica…Eis como a artista, as tem
vindo a reencarnar, num ato que é uma espécie de “cover”, reativação performática para
que as ambiguidades societárias e analíticas as não dissolvam na cronologia. A história da
loucura e seus derivados são um palco sedutor para quem se projete, introjete e devolva
ao outro(a) que não é denominado, uma dignidade que, por vezes, lhe é retirada, ao
mesmo tempo que o (a) ausentam da liberdade. É a ditadura da razoabilidade: o 1º
excluído, dir-se-á. Seguindo uma metodologia, impregnada por incidências
argumentativas, visionadas por Michel Foucault, revendo a instauração propugnada pelo
Dr. Charcot (“histeria iconografada de Salpêtrière”), a autoreferencialidade não é a dimensão
almejada, nem tampouco o escopo privilegiado pela artista. Ou seja, não se trata de
buscar a consignação, a convocação (reafirmante) identitária “própria” que se exaure
a/em si mesma. Não é uma obra desenvolvida, por conta de um viés direto ou imediatista;
antes é caso de uma elaboração coreografada por uma aceção convergente – para a qual
conflui a condição humana dessas mulheres em histeria, enfocadas como paradigma e
vertigem.
Trata-se de mostrar (Schauen) 3 imagens fotográficas de uma série em processo: são “três
actos estereotipados”, assim os denominou Cláudia Melo. Decorrem, “são” em sequência
de um pensamento coreográfico que foi performatizado, desdobrando situações para
registo e extrapolação, dir-se-á. A imersão da atuação da artista/pessoa/ num espaço
coletivo – que é um jardim aberto à heterogeneidade de pessoas e grupos – propiciou
interações díspares, reações que foram absorvidas nas camadas mais distanciadas das
obras. Porventura, sendo objetos de condição invisível pelo exercício de uma perceção
estética inicial. Sendo montadas em caixa de luz, gera-se uma ilusão de evanescência que
cumpre uma ambígua romanticidade, ofuscando o trágico, emoldurando-o ao promover
ondulações de sensibilidade e pensamento. A própria evocação lumínica – para as
“guardar” -abre encaminhamento para um estado de transcendência que possui paridade
com esse estado de suspensão que seja um transe histérico e fértil. Assim, endereçando-se
para a luz – autognose que a condição fantasmática possa conduzir.

Susana Lopes
“…agora vivo rodeada de palavras
que eu cultivo
no meu jardim de penas

3
Sophia de Mello-Breyner Andresen, “Landgrave ou Maria Helena Vieira da Silva”, Ilhas (1989),
Lisboa, Caminho, 2005, p.68
Eu sigo-as
e elas seguem-me:
são o exigente cortejo
que me persegue

Em toda a parte
oiço o seu imenso clamor”4

A soma dos arquivadores concretiza-se no arquivo finalizado, elaborando a detalhista condição


da memória em continuum que replica a ação de dobra e de corte – le pli…Gilles Deleuze dixit
(evoque-se).
As peças instaladas evocam o prazer de manipular a infinita medição do tempo que ultrapassa
o humano. De algum modo, as faixas pintadas que sequencializam unidades – que podem ser
isoladas e retalhadas – propõem uma linearidade que, neste caso, se impõe à circularidade
mítica do tempo.
As estruturas, que geometrizam a pintura dos padrões inventados por Susana Lopes,
garantem-lhes uma dimensão tridimensional que nunca, mas nunca lhes anula a superfície
deambulada pelos desenhos plasmados em permanência. Na memória de cada um, os padrões
coloridos invocam episódios de memórias. O desenrolar de tecidos numa loja quase difícil de
achar nas cidades atuais, assinala a presença subtil do tecelão ou do debuxador. Aquele
técnico (arte como tekné, lembre-se) que sabia direcionar o nascer da peça num tear manual
ou automático. Trata-se de exaltar, também, a capacidade imaginativa para desenhar padrões
e estampas, cuja razão botânica ou geométrica, de todo nos parecia infindável. Por outro lado,
acentue-se quanto as estruturas, com suas pinturas fluidas e concentradas, demonstram uma
certeza e são impositivas. Observadas as unidades pintadas - susceptíveis de serem
divorciadas, caso assim se decida pelo corte efetivo de uma “peça de tecido” inventado -
detectam-se movimentos, ad simultaneum, contríptos e centrífugos. Há uma presença de
corpo tornado invisível que foi determinante em diferentes fases de um processo que se deve
lembrar. A metodologia que viabilizou o estado conceitual da instalação, decorre da rigorosa
exigência patente na fluidez (quase psicogramática) de algumas etapas pintadas. O tempo
apresenta-se no cmainho pintado, onde as horas ou os meios-dias têm a obrigação de se
separar mas privilegiando (e decidindo-se antes) pela união “dissolúvel”…
A condição unificadora mas preservando, como se assinalou, a vida isolada de cada um dos
desenhos pintados traduz-se numa espécie de cortejo tombado, indo de encontro ao chão. No
solo se continuam a dobrar (e a soçobrar) as horas dos dias das coisas pintadas. Tal
consideração é uma garantia da continuidade na divisão: significa a decisão de, pela ação do
corte, separar…para que unir seja, muito definitivamente, uma vontade e poder de cada
pessoa.
De algum modo, estas obras evocam a tranquila dimensão escrita e desenhada, convertida em
intemporal, plasmada nos “Livros de Horas” que mãos pacientes e intensas de paixão
convertiam em perfetibilidade- algo incompreensível para nós, hoje…porventura). É
reconfortante reencontrar fragmentos do passado que institui a dimensão patrimonial do
pensamento que a artista, também, manifestou como presença, numa antiga unidade fabril
que direcionou gerações na cidade. Celebra essa arqueologia que é, antes de mais, composta
de lembranças, presenças das quais nem vestígios externos se acham, não fosse a pregnância
que as palavras – aqui transpostas – em festa de pintura acondicionada para exaltar o
património invisível da pessoa, plausível para ser reconcebido pelo espetador, pelo público. O
impacto visual da instalação pode suster-nos a respiração, mas logo a devolve, pois feliz por
ter sido desmultiplicada, imaginada pela ação interminável que permite sempre seja acrescida
de mais e mais unidades “em estado latente”.

4
Ana Hatherly, “Pensar é encher-se de tristeza”, O Pavão Negro, Lisboa, Assírio & Alvim, 2003, p.27
Xai
“Nunca chega à janela da alma.”5

O ato do artista que envolve o seu próprio corpo como agenciador físico para fidelizar
um pensamento duradoiro e convicto. A duração do ato compósito de atos exigidos
que apenas se finalizam e encerram quando é cumprida a intenção do desenho pré-
visto. O desenho afirma-se, pois, num estado primordial, reverberando na visibilidade
do processo criador: expandido em sua genuidade e caráter espontâneo que é
expansivo. Não se exaure no destino que serve uma fase intermédia em prol de um
outro objeto artístico (categórico), não se esgota num estado “em devir” – embora
haja toda a dignidade dessa acecção. O desenho não é/permanece, somente,
enquanto estudo preparatório para a obra definitiva. O desenho consigna uma
categoria suprema, em presença e consistência estética, quanto artística e
gnoseológica. O desenho rege a constituição de uma linha que o corpo movimenta: quer o
corpo do autor, quer o corpo do espetador – subjacente e imprescindível para a sua cativação
e sequencialidade no ato de ver. [« J’ai découvert que dessiner n’était pas
seulement/regarder, mais aussi toucher. » Jan Fabre] Neste sentido, “ver” um desenho será
efetivamente “desenhar”, pelo movimento do corpo próprio (do espetador), um ato único de
perceção visual:
[« J’ai découvert que dessiner n’était pas seulement/regarder, mais aussi toucher. » Jan Fabre]
Neste sentido, “ver” um desenho será efetivamente “desenhar”, pelo movimento do corpo
próprio (do espetador), um ato único de perceção visual:

« Je dessinais avant même de marcher.


Sur tout et sur n’importe quoi.
Je dessine encore, chaque jour,
avec le même plaisir,
sur tout et sur n’importe quoi.
Mais aujourd’hui, je marche :
je marche dans mes dessins.(…) »6

As linhas que decidem a consubstância do desenho, mediante o movimento do artista e a


corporalidade que os absorve…originam ritmos no espaço. A instalação tridimensional,
desenhada por Xai no espaço da Fábrica, evoca as grelhas que enredam a arquitetura em
conceito. A possibilidade de atravessar o espaço físico é um desafio que o campo perceptivo
vai celebrar. As linhas suspensas jogam com o hieratismo das linhas desenhadas em
terminologia mais convencionalizada. Daí advinda uma desafiante razão de ver para lá de
olhar: “…significaria um “erguer o olhar”, um proverbial “aprender ascendental”, um “reconhecer
ascendental”, uma palavra sem forma especial de mando já como uma exortação ou um chamamento;
(…)”7

Jorge Coimbra
Lembro que Almada Negreiros acreditava que a Arte começava quando a realidade fosse
transcendida, quando não fosse copiada, antes “inventada” pela imaginação e
pensamento estruturado do artista. Mas a realidade é uma exigência. Há que ponderar o

5
Leonardo da Vinci, Aforismos (326), Madrid, Espasa Calpe, p.64
6
Jan Fabre, Umbraculum, Paris, Actes du Sud, 2001
7
Peter Handke, Ensaio sobre o dia conseguido, Lisboa, Difel, 1994, p.11
que se possa entender e concentrar a definição de “realidade”. "Sem Arte não há
realidade, há só natureza. A Arte tem que ver com a realidade, não com a natureza."8
A realidade abstrata era mais real do que a natural, assim argumentava Mondrian nos
diálogos falado na escrita de um pequeno, mas emblemático, livro.9 No decurso de um
passeio pelo perímetro de uma qualquer cidade, dois pintores enfrentavam-se,
questionando qual a realidade que auferia de primazia na pintura/arte. O pintor
naturalista, convocando a reprodutibilidade, a mimesis do percebido em termos visuais:
procurando plasmar tais imagens para o reconhecimento de referentes e atribuição de
sentidos óbvios. Por outro lado, o pintor abstrato que sabia concentrar nas formas inócuas
da geometricidade, a essência da sua acuidade visual, quanto conceitual. Assim, o genuíno
artista ascendia à suspensão polissémica – baseada /balizada por significações atributivas,
para expandir seus propósitos mediante a redução fenomenológica (eidós)… seguindo os
pressupostos da fenomenologia husserliana.
Pela intuição – preenchimento dotado de intencionalidade, enquanto percepção ou
apercepção – o artista “traz” em si o objecto; acede às coisas em si, no desejo de
ao“presentificar” ou “representar”, ser susceptível o ato de captar o eidós. Esta via de
“pureza” exigida na sua apreensão tornava-se mais rigorosa para o artista do que para outro
indivíduo a quem não urgisse a criação artística.10
Parece-me que se aplica à série presentificada por Jorge Coimbra, em sintonia à enunciação
estabelecida por Mondrian, relativamente ao que designou por “nova imagem da pintura”.
Esta apresenta-se como real, pois que nela se desvelam quer o conteúdo, quer a aparência
das coisas. O conteúdo, porque se expressando em concreto e a aparência, pois nascendo do
natural, preservando seu núcleo. Será, certamente, o caminho inevitável que a arte deverá
atingir, desde a sua primitiva elaboração, empreendendo uma “marcha permanente desde o
natural: o crescimento para o abstracto.”11 Pois, me parece, existe, nestas telas quadradas,
uma densidade cromática que concretiza variações quase infinitas de tons e espessuras,
texturas e velaturas: para convergir na substância primeira que é a opacidade singular da cor,
a exaurir-se em si mesma – sem necessidade de referente semântico, acessório atributo,
talvez.
Acordes: fale-se da transposição para ritmos cromáticas do que se poderia converter em
sonoridades; desenhos de sons, ruídos e demais estímulos que são organizados mediante uma
lógica, não necessariamente, regida pela harmonia, nem pela proclamação do melódico. As
linhas direcionam-se em movimentos laterais ou longitudinais, permitindo que olhando as 63
telas como todo, se anunciem leituras abertas. Lembrei das afinidades eletivas manifestas na
correspondência trocada entre Kandinsky e Arnold Schoenberg al longo de anos…quantas
transposições e cinestesias maravilhosas a sucederem.

Maria de Fátima Lambert


Janeiro 2014

8
Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da
Revista Cidade Nova, p.17. Paul Klee in Théorie de l'Art Moderne, a propósito do "Credo du Créateur"
afirma uma ideia próxima à manifesta — e complementar — por Almada quando escreve: "De même
qu'un enfant dans son jeu nos imite, de même nous imitons dans le jeu de l'art les forces qui ont créé et
créent le monde." Cf. op. cit., p.42.
9
Piet Mondrian, Realidad natural y realidad abstracta, Barcelona, Ed. Seix Barral, 1973
10
Cf. Maria de Fátima Lambert, “Arte e Fenomenologia: até à Arte Real/Abstrata, seguindo a “redução
fenomonológica” de Husserl”, Revista Portuguesa de Filosofia, vol.67, fasc. 3 (2011), p.474
11
Piet Mondrian, La nueva imagen de la pintura, CCECA, Murcia, 1983, p.61

Vous aimerez peut-être aussi