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Nair Prata: Jornalista, mestre em Comunicação (Universidade São Marcos-SP), doutoranda em Lingüística (UFMG),
professora do curso de Jornalismo do Uni-BH (Centro Universitário de Belo Horizonte) e coordenadora do curso de
especialização “Criação e Produção em Mídia Eletrônica: Rádio e TV” do Uni-BH. nairprata@uol.com.br1
RESUMO: Brasil e Portugal viveram, no século XX, histórias muito semelhantes: ambos os países
sofreram sob o regime de ditadura durante longas décadas e um dos setores da sociedade mais
sacrificados foi a imprensa. No caso do rádio, são muito parecidas as histórias vividas pelos dois
países. O objetivo deste artigo é sistematizar argumentos teóricos sobre os regimes ditatoriais
vividos por Brasil e Portugal e mostrar os problemas com a censura, enfrentados pelos profissionais
de ambas as nações.
I. Introdução
Brasil e Portugal viveram, cada um à sua maneira, histórias de longas ditaduras. No Brasil, a
ditadura foi militar e durou cerca de 30 anos. Em Portugal, a ditadura foi ligada a um único nome,
Antônio Salazar, e perdurou por 40 anos. Apesar destas diferenças, um ponto foi comum em ambos
os países: a censura à imprensa. Tanto no Brasil, como em Portugal, os jornalistas tiveram seu
trabalho extremamente limitado, de modo que a população não pudesse ser informada sobre os
acontecimentos reais.
A censura à imprensa impetrada pelos militares, no Brasil e por Salazar, em Portugal, foi no
modelo que Veríssimo (2003) classifica de a posteriori, isto é, os censores baixavam normas para
serem seguidas pelos jornalistas. A autora cita um exemplo de ditadura onde a censura foi a priori:
na Alemanha de Hitler, a imprensa era formada por uma seleção dos jornalistas, avaliados
previamente pelo regime, a quem era concedida a autorização de escrever em jornais. No caso
alemão, não havia a censura no trabalho jornalístico pronto, como aconteceu no Brasil e em
Portugal.
1 Artigo produzido em Portugal, durante estágio de doutoramento na Universidade do Minho, na cidade de Braga, com
bolsa de estudos concedida pela CAPES.
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No dia 31 de março de 1964 foi deflagrado no Brasil o golpe militar que afastou João
Goulart da presidência da República, mergulhando o país numa ditadura que durou quase 30 anos.
Neste período, o país viu sucederem-se os governos militares e, com eles, a limitação dos direitos
civis dos cidadãos, prisões, torturas, desaparecimentos, perseguições e censura à imprensa.
Uma série de Atos Institucionais baixados pelos sucessivos governos militares marcou a
ditadura pós 64. O AI-1, decretado logo após o golpe, suspendeu os direitos políticos de centenas de
pessoas. O AI-2, em 1965, extinguiu todos os partidos políticos. O mais famoso foi o AI-5,
decretado logo após freqüentes e fortes ondas de oposição ao governo. O endurecimento do regime
trouxe violenta censura, prisões indiscriminadas e tortura nos porões da ditadura e o governo
tentava acabar, principalmente, com o movimento de guerrilhas na cidade e no campo.
O AI-13, por exemplo, decretado pela junta militar, criou a pena de banimento do território
nacional, aplicável a todo brasileiro que "se torne inconveniente, nocivo ou perigoso à segurança
nacional". O AI-14 chegou a estabelecer a pena de morte para os casos de "guerra externa,
psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva". Mas Fausto (1999) lembra que a pena de
morte nunca foi formalmente aplicada, preferindo-se a ela as execuções sumárias ou no decorrer
de torturas, apresentadas como resultantes de choques entre subversivos e as forças da ordem ou
como desaparecimentos misteriosos (p. 481).
O AI-5 teve seu fim em 1978, com o governo Geisel, que iniciou um processo de distensão
gradual. Em 79, o general João Batista Figueiredo assumiu a presidência da República e aprovou a
Lei da Anistia, possibilitando a volta ao país de centenas de exilados. Também pelas mãos de
Figueiredo foi restabelecida a pluralidade partidária.
Em 1984 a população brasileira foi às ruas numa imensa mobilização pelas eleições diretas,
mas a emenda Dante de Oliveira – que tinha este objetivo - foi votada e rejeitada pelo Congresso.
No ano seguinte, um oposicionista, Tancredo Neves, venceu as eleições presidenciais, via Colégio
Eleitoral. Mas foi traído pelo destino e morreu antes da posse e o vice José Sarney acabou
governando em seu lugar. Em 1988, o Brasil ganhou nova Constituição e, no ano seguinte, foi eleito
o primeiro presidente pelo voto direto desde 1960, Fernando Collor de Melo.
Dia 2 de abril: “João Goulart abandonou Brasília – Carlos Lacerda eletrizou o Brasil ao
unir-se aos revoltosos: a nossa luta não é contra vós mas sim contra o comunismo, declarou
o governador aos fuzileiros navais. Ademar de Barros numa proclamação pela rádio: Não
queremos infiltração de Moscou, de Pequim ou de Havana”
Dia 3 de abril: “A calma volta ao Brasil – Anunciada no Rio de Janeiro a vitória das Forças
Armadas – Um milhão de cariocas desfilou desde a catedral da Candelária ao centro da
cidade, cantando e rezando, numa manifestação impressionante que designaram de alegria e
ação de graças por todo o Brasil por o Brasil ter sido salvo dos perigos do comunismo”
O golpe em 64 trouxe ao país um clima de medo e, aos poucos, foram surgindo as delações
de opositores ao regime. A situação chegou a tal ponto que ninguém mais sabia dizer, com certeza,
se o seu familiar, o vizinho ou o melhor amigo seria um informante do governo militar. Os veículos
de comunicação foram um dos principais alvos do novo regime. Sodré (1983) explica que, logo nos
primeiros dias, começou a destruição de qualquer resistência na imprensa:
Segundo Santos (1995), as forças armadas acreditavam em sua missão de colocar ordem na
casa, após o golpe de 64, deixando o país retomar aos poucos sua normalidade democrática, com a
volta do poder civil, mas com a proteção militar. Mas, segundo o autor, aos poucos o poder foi se
deslocando cada vez mais para os grupos de ultradireita, que serviam de instrumento dos golpistas
de 1964, mas que mostravam sua conseqüência contra-revolucionária (p. 99).
Assim, com o AI-5, veio a repressão mais violenta, com a demissão de professores
universitários, funcionários públicos foram demitidos ou aposentados, líderes políticos foram presos
e torturados e fortaleceu-se a censura de todos os meios de comunicação, livros e espetáculos.
Tornaram-se rotineiras as batidas policiais e todos estavam ameaçados de demissão, prisão, tortura
ou morte, dependendo do juízo dos policiais e militares encarregados da repressão (SANTOS,
1995-100). Segundo Fausto (1999), o AI-5 foi o instrumento de uma revolução dentro da revolução
ou, se quiserem, de uma contra-revolução dentro da contra-revolução (p. 480). Segundo o autor,
Santos (1995) explica que o regime militar brasileiro padeceu de três crises:
1) A crise que foi reflexo da crise do modelo econômico brasileiro, que se anunciava no final de
1973;
2) A crise social aguda originada de um modelo econômico que favorecia os interesses do grande
capital;
3) A crise ideológica do regime. Primeiramente o governo fez tentativas desesperadas para criar um
clima de otimismo com as campanhas do Brasil Grande, Brasil: Ame-o ou Deixe-o (adaptação do
slogan conservador norte-americano Love it or leave it) e intensa publicidade nos meios de
comunicação. Mas a ditadura era atacada por frases simbólicas dos compositores de protesto,
publicações clandestinas, humor de crítica social e política, cinema e teatro de protesto e denúncia.
Em meados dos anos 70, era clara a disposição dos militares em buscar uma saída viável
para o regime. Em janeiro de 1975, o general Ernesto Geisel suspendeu, discretamente, a censura ao
jornal O Estado de S. Paulo. Mas como sair da ditadura? Segundo Santos (1995),
Entre 1968 e 1974, com uma inflação estabilizada e uma dívida externa em crescimento,
mas sob controle, o aumento anual do PIB atinge um limite histórico de 10,9 por cento. A
mobilização das capacidades produtivas largamente não-utilizadas na fase recessiva
anterior tornou possível essa expansão, aliás bastante tributária das exportações, que foram
estimuladas por uma política de `mini-desvalorizações´, por isenções fiscais e por créditos
vantajosos às empresas exportadoras. As vendas ao estrangeiro favorecem as exportações,
que compensam a estreiteza do mercado interno e ao mesmo tempo fazem entrar as divisas
que financiam a importação do petróleo e dos bens de equipamento (p. 417-418).
Um texto intitulado Tesoura da ditadura cortou a UPI 2 detalha alguns problemas vividos pela
imprensa brasileira:
A censura à imprensa, proibida pela Constituição, foi exercida por oficiais do Exército nos
primeiros dias após o golpe. Eles iam a algumas redações e escolhiam o que poderia ser publicado
nos principais jornais. Alguns vetos eram transmitidos pelo telefone;
Pouco tempo depois, o serviço foi instalado na Polícia Federal, com censores treinados para
esta função. No quadro de carreira constava o nome do cargo: agente de censura;
Jornais, como O Estado de S. Paulo, sofreram durante anos com a presença do censor na
gráfica. Ele lia o jornal já montado e, se algo fosse vetado, a notícia não poderia ser substituída. O
Estadão passou então a publicar receitas de bolo e poemas de Camões nos buracos das páginas cujas
notícias haviam sido suprimidas pelo censor;.
Nos anos 70, jornais de oposição explícita, como os semanários Opinião e Movimento,
sofreram censura ainda mais rigorosa do ponto de vista da operação: eram obrigados a mandar
todos os textos e ilustrações para a Polícia Federal, em Brasília, e recebiam de volta as laudas
cortadas. No caso de Movimento, a censura conferia o jornal impresso para checar se os cortes
haviam sido respeitados;
O rádio, como toda a imprensa, também sofreu os rigores da ditadura. Em Minas Gerais, a
Rádio Itatiaia fez uma entrevista na qual conseguiu antecipar a proximidade do golpe. No dia 30 de
março de 1964 - com uma entrevista com o general Guedes, comandante da unidade federal sediada
em Belo Horizonte - a rádio repassou aos ouvintes a certeza de que a revolução ocorreria no dia
seguinte.
Um dos comunicadores da rádio, o veterano José Lino Souza Barros, viveu o dia-a-dia dos
censores na redação, com corte aos textos, proibição do uso de alguns termos, veto a alguns
assuntos. Num belo texto3 intitulado Liberdade, abra as asas sobre nós, José Lino explica como foi
a censura nos tempos da ditadura:
Neste tempo trabalhou aqui o Ruiter Miranda, o Periquito, que foi vítima de uma
brincadeira, aliás, muito sem graça para a ocasião. Alguém chegou e cochichou para o
Periquito que um ex-deputado cassado e preso havia sido espancado na prisão e a notícia
foi ao ar. O Periquito só não foi preso porque, por cúmulo da sorte, ele desceu as escadas
para ir embora cruzando com os militares que vinham pegá-lo.
Em outra ocasião, a Itatiaia noticiou uma matéria extraída da agência JB que, na época, era
muitíssimo respeitada como fonte segura. O noticiarista era o Marco Antônio França que,
coincidentemente, trabalhava também na Rádio Jornal do Brasil, mais tarde Rádio Cidade e
hoje nem sei bem o que é. A censura não deixou por menos e caiu matando. Processo em
todo mundo. A JB não quis nem saber e dispensou todo mundo no ato ou, pra usar o termo
da época, botou todo mundo na rua. O diretor presidente aqui era o Januário Carneiro, que
tomou atitude diferente e defendeu com unhas e dentes o pessoal da casa. Pois foi um ano
de seca e outro sem chover. Os julgamentos corriam na região militar em Juiz de Fora, as
audiências eram sempre lá e a cada uma delas o coração de todo mundo vinha na boca: 'é
hoje', pensavam todos. Mas passou a angústia e, felizmente, todo mundo saiu livre: Marco
Antonio França, Samuelito Mares e Márcio Doti.
Foi muito difícil até chegarmos ao que é hoje, pois para isto passamos por outro tempo
complicado da auto-censura. Cada um deveria conhecer suas responsabilidades. Ou seja,
era como se cada um, diariamente, se debruçasse numa janela para testar seu próprio limite.
Se passasse dele, se esborracharia lá embaixo. Esta época não deixou saudade.
O rádio acaba de transmitir a notícia de que Salazar, em coma, foi exonerado e substituído
na Presidência do Conselho. Na história do mundo nada aconteceu, mas na de Portugal
acabou um reinado, uma época - trágica como se há de ver -, uma maneira específica de
governar, qualquer que seja a vontade do sucessor. As circunstâncias, uma inteligência
impassível, um certo sentimento de grandeza pessoal, o conhecimento satânico do preço
dos homens, a obstinação, o oportunismo, a ousadia, a crueldade e o desprezo podem num
dado momento fazer do mais apagado indivíduo um chefe providencial. Mas quando o
ídolo ou o déspota, obrigado pela força ou pela erosão do tempo, é removido do pedestal,
leva anos, às vezes séculos, a surgir outro (p. 45).
A chamada Primeira República em Portugal levou o país a uma situação de crise social e
política. Assim, logo no ano seguinte à chegada de Salazar ao poder, a população já promovia
Muitos políticos portugueses exilados pensaram que seria o fim do Estado Novo. E o que fez
Salazar? Pronunciou um novo discurso atentamente ouvido em frente aos aparelhos de rádio, onde
anunciou uma maior liberdade de imprensa, prometeu a anistia para crimes políticos, afirmou que
seria defendida a liberdade efetiva dos cidadãos contra posições arbitrárias do governo e previu a
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candidatura da oposição nas próximas eleições para a Presidência. A população, atenta, ouviu
Salazar falando pelo rádio: Porque somos de opinião de que não se pode governar contra a vontade
persistente de um povo, este dirá se deve mudar-se de sistema (SARAIVA, 2004-42). É neste
discurso que ele promete eleições mais livres do que na livre Inglaterra. Muitos políticos exilados
voltaram e nasceu o Movimento de Unidade Democrática. Mais uma vez, tudo não passava de uma
estratégia política bem pensada e montada por Salazar que, assim, conseguiu conhecer seus
inimigos políticos para neutralizá-los.
O golpe militar do dia 25 de Abril, que pôs fim à ditadura, teve a colaboração de vários
regimentos militares. Os portugueses chamam Revolução dos Cravos a esse dia, pois os militares
enfeitaram os tanques de guerra com cravos e a revolução deu-se pacificamente.
A censura, embora não fosse um dado novo em Portugal, ganha uma sofisticação, até então
inexistente com Salazar. Torna-se permanente, solidificando-se como organismo legal ao serviço do
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Estado Novo. Os braços da censura chegavam a todas as formas de criação e informação,
diminuindo-as ou aniquilando-as. Os livros, imprensa, rádio, espectáculos, artes plásticas, música,
ensino, cinema e, mais tarde, a televisão, estavam sob o olhar dos censores e a ameaça da polícia
secreta.
No início dos anos 30, a imprensa era o veículo de maior difusão de idéias, o rádio dava os
primeiros passos e a maioria das pessoas não tinha dinheiro para comprar os aparelhos. Em 1933,
realizaram-se as primeiras transmissões experimentais da Emissora Nacional, cuja inauguração
oficial ocorreu a 1º de agosto de 1935. Sobre a emissora, Santos (2005) diz: pertencente ao Estado,
alavancava a profissionalização do rádio em Portugal, por outro lado iniciava-se a luta pelo
controle da emissora pelos protagonistas ligados ao regime saído do golpe militar de 28 de Maio
de 1926 (p.139).
Por sua vez, a emissora católica Rádio Renascença, começou a emitir com regularidade em
1937, em Ondas Médias. Criada à semelhança de congêneres estrangeiras, a Emissora Nacional
assume-se como a voz do regime, servindo como órgão privilegiado de propaganda do Estado
Novo. Segundo Santos (2005), os preços dos aparelhos de rádio começaram a baixar drasticamente
a partir de 1938: era o tempo da massificação do rádio como meio de comunicação, a acompanhar
a expansão das principais estações nacionais (Emissora Nacional, Rádio Clube Português e Rádio
Renascença) (p.85). Cordeiro (2006)5 explica qual foi o papel do rádio durante a ditadura em
Portugal:
Nesta altura, a rádio servia para distrair a população, fazendo-a esquecer, ainda que por
breves momentos, da situação de fechamento a que o país estava votado. O grande
objectivo da programação centrava-se na função de entretenimento, estabelecendo uma
comunicação radiofónica pouco original, através de programas que procuravam acima de
tudo, distrair os ouvintes dos verdadeiros problemas que afectavam a nação.
Durante os anos 30, existiu quase um endeusamento de Salazar. Por toda a parte havia
cartazes com referências às idéias do regime e ao trabalho do governante. A propaganda era feita
com todo o rigor e Antônio Ferro a denominava de “Politica do Espírito”, pois servia para moldar a
consciência das pessoas e inculcar certos ideais de vida. Mas o Estado Novo serve-se também do
fado para transmitir esses ideais. Há uma clara instrumentalização do fado como canção preferida
do regime. Mas não qualquer fado, sobretudo os tristes, os que falam em aceitação do destino, da
pobreza, do viver com pouco e não querer mais do que aquilo que lhe é dado. O outro fado, o alegre
e brincalhão, esse é quase banido, até porque mesmo as letras das canções tinham que passar pela
censura.
A censura - algo mais complexo que a censura política - era também uma censura de
costumes. Tudo aquilo que pudesse ir contra a moral conservadora e respeitadora das tradições era
censurado. O Estado Novo chegou, inclusive, a legislar acerca do casamento das professoras! Nessa
época, as professoras ganhavam muito mal, o seu salário era insuficiente para manterem o estatuto
privilegiado que a profissão ostentava na sociedade portuguesa. O Estado, então, obrigava as
professoras a se casarem com homens que tivessem um bom salário, para que elas tivessem o
sustento garantido. Diante desta obrigatoriedade, muitas professoras foram obrigadas a ficar
solteiras, ou a se casar mais tarde, pois era difícil encontrar um homem nas condições ideais. Em
geral, elas se casavam com ex-seminaristas - porque o seminário servia de “trampolim” para muitos
jovens puderem estudar - ou com homens pertencentes às forças armadas.
A PIDE, polícia secreta, tinha informantes em todos os lugares, por isso ninguém ousava
levantar a voz para dizer mal do governo, com medo de ir preso. A censura tinha, portanto,
representantes a nível distrital e os quadros que a representavam eram muitos antigos militares
pouco cultos e pouco instruídos. Os redatores especializaram-se, então, em escrever nas entrelinhas.
Mesmo os jornais internacionais que tivessem artigos de opinião desfavoráveis ao regime eram
apreendidos totalmente e não podiam ser vendidos. Os próprios jornalistas já faziam auto-censura,
porque sabiam que certas coisas não passavam.
Mas, quase 30 anos depois de viver sob censura, a imprensa portuguesa passou a reivindicar
mais liberdade. O Jornal de Notícias publicou no dia 05/11/1953 um forte editorial reivindicando a
publicação de uma Lei de Imprensa para o país:
As limitações a que o sistema da censura submete os jornais, sejam quais forem as razões
em que se apoiem, não podem, salvo o devido respeito, contribuir para o eficaz exercício da
Imprensa, e quase sempre são motivos para que se não discutam e critiquem, nos termos
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mais corretos e com intuitos os mais construtivos, muitos aspectos da vida e da
administração pública, permitindo pela falta de correções oportunas e de informações
verdadeiras, a retificação de erros e de atos arbitrários que não aproveitam, antes
prejudicam, a autoridade e o prestígio dos governantes. (...)
Defendemos, sim, e reclamamos, a publicação duma Lei de Imprensa que esteja de acordo
com os preceitos da Constituição, e que, tornando a Imprensa responsável, pelas opiniões e
informações não a faça depender dum organismo especial, que funciona permanentemente,
e cuja intervenção, na fatura dos jornais, se verifica em termos que tornam por vezes
impraticável toda a discussão à volta da coisa pública, mesmo que essa discussão seja
tentada com o mais sério desejo de colaboração e de patriotismo.(...)
Imprensa livre e responsável, eis o que pedimos. E parece-nos que ninguém se surpreenderá
com esta atitude, considerando que, como órgão jornalístico, de grande informação e
expansão, não podíamos, nem pudemos, ter outra opinião, nem pensar de outra maneira.
Assim como no Brasil, também em Portugal o regime ditatorial manteve o rádio sob rígida
censura. Dina Cristo (2005) fez um amplo levantamento sobre o assunto no livro A rádio em
Portugal e o declínio do regime de Salazar e Caetano (1958-1974). Segundo a autora, a partir dos
anos 50 o RCP (Rádio Clube Português) passou a ter um departamento próprio para analisar os
programas a serem transmitidos. Jorge Botelho Diniz, um dos dirigentes da emissora, explica como
funcionava a censura: Nós, como responsáveis da estação, tínhamos muitas vezes que fazer ver as
pessoas que, quer se gostasse, quer não, havia certas coisas que se podia dizer e outras não e
portanto tínhamos os programas gravados (CRISTO, 2005-89).
Outro radialista daquela época, Rui de Andrade, conta como eram feitos os cortes nos
programas:
Numa entrevista com o monsenhor Lopes da Cruz, Cristo (2005) aponta ainda que a Rádio
Renascença tinha um cuidado enorme de não veicular músicas sensuais. No mesmo livro, Julio
Couto, da Ideal Rádio, comenta que, muitas vezes, se o censor era conhecido, cortava algumas
partes só por cortar, só para dizer o que tinha feito, não se interessando pelo conteúdo.
Considerações finais
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As ditaduras vividas por Brasil e Portugal, apesar das diferenças no formato e estilo, tiveram
modus operandi semelhante com relação à censura. Em ambos os casos, os governantes impuseram
rígidas regras à imprensa, de forma a manter o controle da informação.
O modelo a posteriori (VERÍSSIMO, 2003) adotado por ambos os países consistiu numa
política de cortes ao trabalho dos jornalistas. Em tese, havia uma articulação central e os censores
apenas deveriam obedecer às regras determinadas. Mas, na prática, os censores em ambos os países
transformaram-se em pequenos ditadores locais, com força e arbítrio para deliberar e para punir
quem lhes conviesse.
No caso específico do rádio, nas ditaduras vividas por Brasil e Portugal, pode-se encontrar
várias semelhanças no trabalho dos censores, como na forma de impor a ideologia, na maneira de
disseminar o terror, na abertura indiscriminada de processos criminais, no afastamento das idéias
subversivas, nos julgamentos sumários de acusados pelo regime. Isso mostra que a ditadura e a
censura à imprensa são perigosos aliados, andam de mãos dadas e não conhecem distinção de
nacionalidade.
Referências bibliográficas
http://www.bocc.ubi.pt
http://www.igutenberg.org/censu19.html
http://www.itatiaia.com.br
http://www.observatoriodaimprensa.com.br
http://www.pcp.pt
http://www.portugal-linha.pt