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RELATÓRIO DE TRABALHO DE CAMPO

VISITA À CHÁCARA SÃO VICENTE (VALE DAS FRUTAS)


JUNDIAÍ-SP
18.04.2018

Relatório de Trabalho de Campo


apresentado como parte do Relatório de
Projeto de Pesquisa apresentado ao Comitê
de Pesquisa e Extensão em 2018/02.

Professor Msc Marcel Di Angelis Souza Sandes

Ivaiporã,
Agosto de 2018
1 – HITÓRIA E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA

Segundo o IBGE1, a área que hoje é conhecida como município de Jundiaí


passou os séculos 17, 18 e 19 à base de uma economia de subsistência, assentada
em pequenas lavouras, que abasteciam moradores da vila, tropeiros e
bandeirantes. A origem do município estaria diretamente ligada ao movimento
bandeirante.
É só no século XIX que, com a expansão da produção cafeeira para o oeste
de São Paulo, a cidade irá crescer significativamente com a chegada das ferrovias e
das indústrias. A abolição da escravatura nesse período no Brasil forçou os
produtores a buscarem no trabalho assalariado a saída para a produção do café e a
imigração – sobretudo europeia – se apresentou como a solução.
No período, o Governo Imperial se responsabilizava por uma política
imigratória que buscava ao mesmo tempo: povoar os vazios demográficos e
garantir a segurança das fronteiras, para criar agricultura de abastecimento, suprir
mão de obra escrava e para fornecer trabalhadores para as grandes obras públicas.
O período também era de consolidação da segunda revolução industrial nos
países europeus, além de EUA e Rússia, e de exportação de capitais às ex-colônias,
sobretudo capitais ingleses. Em São Paulo essa marca pode ser vista na construção
de ferrovias e estações ferroviárias. A Ferrovia Santos-Jundiaí, inaugurada em
1867, seria outro grande motor a impulsionar o crescimento de Jundiaí.
Cada estado da porção sul do Brasil teve a sua configuração particular no
tocante à colonização por imigrantes. No caso de São Paulo os primeiros a chegar
foram os italianos.

“Depois, outros europeus foram instalados no comércio e na lavoura


e alguns passaram rapidamente de colonos a proprietários,
incrementando a atividade agrícola. A imigração estimulou o
crescimento comercial e industrial e, ainda, do segmento de serviços e
infra-estrutura urbana.
Enquanto isso, Jundiaí ia se destacava como uma cidade estratégica no
setor ferroviário, com a instalação da Ferrovia Santos-Jundiaí (em 1867),
a Cia. Paulista de Estradas de Ferro (em 1872), da Cia. Ituana (em 1873),
da Cia. Itatibense (em 1890) e a Cia. Bragantina (em 1891).” (Idem)

1
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/jundiai/historico
As melhorias urbanas foram chegando aos poucos. Em 1881 veio o
abastecimento de água, já no início do século seguinte chegaram a energia elétrica
(1905) e o telefone (1916). Graças à sua localização estratégica em relação às vias
de circulação o processo de industrialização de Jundiaí se acelerou:

“Nos anos 30 e 40, ocorreu novo impulso industrial e após a inauguração


da Rodovia Anhanguera, em 1948, mais empresas procuraram a cidade,
aproveitando também a abertura da economia ao capital estrangeiro em
1950. Foi nesta época que vieram para o município as indústrias
metalúrgicas.”2

Além das atividades industriais, a cidade conseguiu certo destaque na


atividade agrícola com a produção de frutas, sobretudo a uva. Segundo nos conta o
Sr Roberto Losque, os primeiros italianos a chegarem no Brasil se encontravam em
uma situação de dificuldade econômica, que inclusive os privava de manter certos
costumes culturais, como o consumo do vinho. Embora a bebida existisse, não
dispunham de meios para adquiri-la. Então a saída foi produzir a própria uva e
outros meios de subsistência, cultivando as terras e criando as suas famílias. O
vinho excedente era despachado pela rodovia Santos-Jundiaí para ser vendido em
São Paulo.
Imagem 01: Sr Roberto Losque.

Sr Roberto Losque, proprietário da Chácara São Vicente (Vale das Frutas) e representante da 3ª
geração de italianos em São Paulo.

2
https://www.circuitodasfrutas.com.br/municipios/jundiai
Segundo o Sr Roberto Losque, o Governo, percebendo que havia demanda
para o produto, importou 400 variedades de uvas americanas. Dentre elas vieram a
niágara branca e a isabel preta. De uma mutação provavelmente provocada por
abelhas nasceu a variedade niágara rosada, em um gralho de uma videira na
propriedade da família Carbonari. A partir daí o agricultor teria feito o enxerto e a
propagação da uva.
Hoje a uva mais consumida do Brasil, nascida em Jundiaí, a niágara rosada
rendeu a Jundiaí a denominação de “terra da uva”. Para tentar estimular ainda
mais os produtores, foi criada a Festa da Uva em 1934, idealizada por Antenor
Soares Gandra, com o apoio da Associação Agrícola de Jundiaí e Prefeitura. Com o
crescimento da produção de uva no município e nos arredores, outros cultivos de
frutas começaram a despontar, como: morango, pêssego, caqui, acerola, figo roxo e
goiaba.
Devido à excelente localização do município de Jundiaí, integrante da
Macrometrópole Paulista num espaço intermediário entre as Regiões
Metropolitanas de São Paulo, Campinas e o Aglomerado Urbano de Sorocaba, o
município experimentou um intenso processo de urbanização acompanhando a
tendência em nível nacional, especialmente no tocante às cidades médias. A
possibilidade de obtenção de rendas fundiárias diferencias em função da
localização faz do município de Jundiaí um espaço propício a especulação
imobiliária. O preço das terras reflete, em parte, a renda fundiária capitalizada.
Segundo dados do Censo Demográfico do IBGE de 2010 o município possui uma
taxa de urbanização de 95,70%.
Figura 1: Delimitação da Macrometrópole Paulista.

Fonte: FANELLI, Adriana Fornari Del Monte; SANTOS JUNIOR, Wilson Ribeiro dos. O Aglomerado
Urbano de Jundiaí (SP) e os desafios para a mobilidade metropolitana paulista. Cadernos
Metrópole., [S.l.], v. 15, n. 30, p. 461-487, dez. 2013. ISSN 2236-9996. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/view/17491/13010>. Acesso em: 10 jul.
2018. doi:http://dx.doi.org/10.1590/17491.

Figura 2: Evolução do perímetro urbano de Jundiaí, 1940-2010.

Fonte: FANELLI, Adriana Fornari Del Monte; SANTOS JÚNIOR, Wilson Ribeiro dos. Jundiaí (SP):
transformações recentes na paisagem urbana. Paisagem e Ambiente, São Paulo, n. 33, p. 109-126,
june 2014. ISSN 2359-5361. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/paam/article/view/90327>. Acesso em: 10 july 2018.
doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i33p109-126.
Esse processo de aumento do preço das terras em função da pressão
imobiliária levou alguns agricultores a venderem as suas terras e se ocuparem de
outros negócios. Ao longo da sua exposição, o Sr Roberto Losque apontava a
presença da malha urbana nos arredores da sua chácara, situada à Rua Ordival
Righi, 880 – Corrupira. As imagens a seguir, que mostram uma tomada aérea da
Chácara São Vicente, foram retiradas do Google Maps e editadas por Matheus
Sampaio, um dos organizadores da disciplina.

Figura 3: Vista aérea de Jundiaí e trajeto percorrido pela equipe de pesquisa.

Figura 4: Vista aérea da Chácara São Vicente.


Figura 5: Chácara São Vicente.

Fonte: https://turismo.jundiai.sp.gov.br/atrativos/fazendas/sitio-sao-vicente/

A propriedade do Sr Roberto Losque, de 12 hectares de extensão, é avaliada,


segundo o mesmo, em cerca de 15 milhões de reais, fato que levou o proprietário a
levantar a seguinte hipótese: “se eu não gostasse de trabalhar na terra eu poderia
viver de juros, vender a minha propriedade e viver de juros... diante dessa situação,
como você faz para manter o agricultor na terra com um rendimento melhor?... daí
que vem a ideia do Circuito das Frutas, uma área que engloba 10 municípios, pra
que através do turismo rural você possa estimular a atividade desses produtores”.
2 – A CHÁCARA SÃO VICENTE (VALE DAS FRUTAS) NOS MEANDROS DAS
RELAÇÕES COM O MERCADO

Dentre os temas abordados pelo Sr Roberto durante a visita guiada, a


temática do mercado esteve em destaque ao lado das técnicas das técnicas de
manejo desenvolvidas ou aprimoradas por ele e das questões culturais e filosóficas
referentes à ligação com a terra. A sua exposição de como toma decisões sobre
quais frutas plantar e em que período colher em nada deixa a desejar aos
operadores da BM&F Bovespa, a bolsa de valores brasileira. Não à toa o
proprietário compara a rotina do trabalho no CEAGESP à rotina de uma bolsa de
valores.
A questão dos mercados é central nos debates teóricos sobre o
desenvolvimento do modo de produção capitalista no campo brasileiro. Uma das
duas principais correntes que tenta interpretar esse desenvolvimento argumenta
que a modernização da agricultura levará inevitavelmente à destruição do
campesinato e à modernização dos latifúndios, enquanto que outra argumenta que
há na verdade uma criação e recriação do campesinato e do latifúndio.
No caso da propriedade do Sr. Losque, que se define como agricultor, é
possível ver que as condições de sustentabilidade da sua propriedade se assentam
em uma série de inovações introduzidas por ele na produção de frutas que
permitiram e ainda permitem a ele levar vantagem sobre os concorrentes. Essa
dianteira obtida no mercado de algumas frutas, com a técnica da segunda poda da
uva3 e a siriguela fora de tempo, deram a ele condições de se capitalizar e investir
em pontos da cadeia produtiva que lhe mantêm em vantagem competitiva, como é
o caso da adoção de uma câmara fria, que permite estocar as frutas por um período
maior, garantindo uma disponibilidade maior para dias de maior demanda (nas
feiras de sábado e domingo) e assim conseguindo obter certa estabilidade nos
preços. O elo final da cadeia é fechado com a propriedade de um ponto de
comercialização no CEAGESP, em São Paulo, dando ao Sr Losque a independência
em relação a atravessadores.

3
Segundo o Sr Roberto já está em desenvolvimento uma terceira poda da uva.
Figura 6: Processo de embalagem de siriguelas e câmara fria (ao fundo).

Fonte: Autor.

Contudo, o agricultor é claro ao afirmar que a sua condição é uma exceção:


regra dos pequenos agricultores é não conseguirem administrar de forma rentável
as suas propriedades. Se analisarmos a questão do ponto de vista da racionalidade
por trás dos argumentos do Sr Losque, tendemos a conceituá-lo como agricultor
familiar, tomando como referência a obra de Ricardo Abramovay, Paradigmas do
Capitalismo Agrário em Questão (1992), tida por muitos pesquisadores como marco da
consolidação da noção de agricultura familiar no Brasil.
A obra de Ricardo Abramovay está estruturada em duas partes. A parte 1 lança
os elementos conceituais para apresentar uma diferença entre os agricultores familiares
e os camponeses. Segundo o autor, a diferença está no ambiente social, econômico e
cultural que caracteriza cada uma dessas formas sociais. As unidades “ao alcance da
capacidade de trabalho de uma família”, com alto volume de produção e elevada
produtividade existentes nos países do capitalismo avançado descendem do
campesinato, mas não teriam mais nada a ver com ele.
A raiz da diferença estaria no ambiente social, econômico e cultural que
caracterizaria essas formas sociais, ou seja, elas responderiam a formas distintas de
racionalidade. As particularidades culturais dos camponeses seriam marcadas pela
partilha de laços comunitários e pela tradição. No plano econômico, os camponeses
seriam produtores marcados por uma inserção parcial em mercados incompletos, ou
seja: a racionalidade do campesinato seria incompleta, não redutível a elementos
puramente econômicos.
Já a racionalidade da agricultura familiar não dependeria da família em si
mesma, mas da capacidade que os produtores familiares teriam de se adaptar e montar
um comportamento adequado ao meio social e econômico em que se desenvolvem. A
julgar pelas referências do Sr Roberto à tradição, à linhagem familiar e à forma como
entende a propriedade da terra, tenderíamos a enxergá-lo como um camponês. Porém, se
observarmos a forte presença do trabalho assalariado na propriedade e a completa
adaptação da organização da sua propriedade às necessidades de se obter diferenciais de
preços no mercado, tendemos a enxergá-lo como um agricultor familiar.

***

Os 12 hectares da propriedade do Sr Losque são divididos entre 8 hectares


destinados à produção de frutas e 4 hectares de áreas de preservação permanente
(APPs), reservatórios de água e construções, incluindo casas. Nos 8 hectares estão
distribuídos cultivos de goiaba, uva, carambola, pitaya, siriguela e caqui, além de
outras mudas experimentais em áreas específicas da propriedade. Uma questão
que chama a atenção é que mesmo nas áreas mais íngremes e supostamente
impróprias à produção o agricultor experimenta o reflorestamento com variedades
de frutas diferentes. “A intenção é fazer uma mata pra mostrar que existem várias
formas de fazer reflorestamento e pode ser sustentável”.

Figura 7: Vista parcial das APPs e das fontes de água.

Fonte: Autor.
Nas demais áreas do terreno destinadas a produção a organização é feita de
modo a permitir ganhos de produtividade, seja pela via da mecanização, seja pela
facilitação das atividades dos trabalhadores. O arruamento e o sistema de
condução via espaldeiras foram pensados para permitir o trabalho com máquinas,
bem como para facilitar o processo de colheita. Segundo o Sr Roberto:

“Eu precisava ter técnicas diferentes em relação à mão de obra. No caso


da goiaba, a necessidade de colher em cima de escada. Se o funcionário
se acidenta eu tenho que ficar pagando a ele, ele parado, sem trabalhar...
e eu não tenho recurso para isso. Então eu vou fazer tudo no chão,
porque do chão não cai. No máximo você pode machucar um PE. E o
rendimento também. Uma coisa é você trabalhar em cima de uma escada,
outra coisa é você trabalhar no chão.” (Autor)

Figura 8: Vista dos arruamentos.

Fonte: Autor.
Figura 9: Sistema de condução por espaldeiras e cobertura contra granizo.

Fonte: Autor.

Em relação ao manejo do solo o agricultor afirma que não existe solo ruim,
existe solo mal trabalhado. A adubação dos solos da sua propriedade é feira com o
que nasce da terra com a roçada. “Construímos nosso solo com palhada. Há 10
anos não uso adubação química. Retém chuva, ajuda na biodiversidade do solo.
Reduz a insolação. Assim você tem um solo melhor. Antes de ser produtor de fruta
eu sou produtor de solo de qualidade.”

Figura 10: Solo adubado com roçada.


Fonte: Autor.

De volta às frutas produzidas o Sr Roberto falou sobre as suas


experimentações com consórcios entre duas plantas diferentes e os casos de
sucessos obtidos, sem negar os percalços até obter sucesso nessas e em outras
experimentações. “O grande tchan da coisa é saber que a gente não sabe nada. Esse
modelo é bom para hoje, mas pode não ser pra amanhã. Eu gosto muito do novo e
gosto de desafiar... Mesmo dando errado eu fui embora”.
Ao final da sua exposição o Sr Roberto enfatizou as dificuldades
encontradas pelos agricultores no Brasil em função:

- da queda da qualidade da assistência técnica oferecida pelo Estado (com


críticas diretas ao Instituto Agronômico de Campinas e à Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária);
- das exigências trabalhistas que oneram o produtor reduzindo bastante as
margens de lucro;

Para ele, a saída encontrada foi buscar inovações em todas as etapas da


produção, seja:
- diversificando e garantindo a produção de frutas ao longo de todo o ano
para fazer frente aos custos que também são contínuos. “Eu formei um sítio que eu
tivesse produção o ano todo, porque eu tenho custos o ano todo.”;
- desenvolvendo técnicas para obter frutos fora do período de colheita (uva,
siriguela e caqui) convencional, e assim obtendo margens de lucro maiores nos
mercados;
- adequando a sua produção aos interesses do consumidor e mudando de
acordo com as mudanças do mercado;
- melhorando a forma de apresentação das suas frutas;
- incluindo a sua propriedade no Circuito das Frutas, recebendo o público
para visitas técnicas (a exemplo dos estudantes da ESALq) ou para turismo rural.

Ao final da sua exposição o proprietário vê com bons olhos a política


desenvolvida pelo governo do Estado de São Paulo para incentivar o turismo rural
na região com a criação do Circuito das Frutas, já que essa prática garante o
ingresso de fontes de renda externas à atividade agrícola, sendo o turismo uma
atividade do setor terciário.
O discurso do proprietário faz lembrar os debates que ocorreram no Brasil
na década de 1990 em torno do conceito de agricultura familiar e da abordagem
territorial do desenvolvimento, debates esses que visavam entender as novas
dinâmicas do rural brasileiro. Nesse período, um grupo coordenado por
pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) iniciou um
programa – o Projeto Rurbano – “focalizando a formação das rendas entre as
famílias não urbanas para constatar um movimento relativamente generalizado de
substituição dos ingressos provenientes das atividades primárias por rendas não
agrícolas” (FAVARETTO, 2007, p. 13-4)
Os resultados das pesquisas integrantes desse projeto sugeriam que a
economia das áreas rurais não poderia ser compreendida em separado da
economia das áreas urbanas, sendo a “superação desta dicotomia... uma das razões
da emergência da chamada abordagem territorial do desenvolvimento” (idem, p. 15)
As múltiplas formas de ingressos de rendas nas propriedades familiares
abrem um novo conjunto de noções e conceitos para pensar o rural brasileiro, a
exemplo das noções de pluriatividade e multifuncionalidade da agricultura
familiar. Seria na análise da diversidade das relações estabelecidas entre as
propriedades familiares e o seu entorno econômico e cultural que estaria a chave
para o entendimento dos processos de desenvolvimento territorial. Considerar a
pluriatividade dessas propriedades possibilitaria a superação de uma abordagem
setorial que considera apenas a agricultura na ótica das cadeias agroindustriais e
dos segmentos que se encontram a montante e a jusante da sua produção. Assim,
olhar para o caráter pluriativo da agricultura familiar significa “situar a agricultura
como parte do processo mais amplo de desenvolvimento territorial... e sua
capacidade de integrar-se à dinâmica do desenvolvimento dos territórios onde se
encontra”. (Abramovay, 2007, p. 276-7).
Comentando os caminhos aos quais esse entendimento levou no âmbito das
políticas para a agricultura na Comunidade Europeia, Abramovay afirma:

“Esse modelo de intervenção de caráter setorial (sustentar a renda da


agricultura) via sendo substituído por uma ação pública cada vez menos
homogênea, que toma em consideração as características das diferentes
regiões e que tende a se estruturar em torno de projetos tópicos e localizados.
E é claro que esses projetos supõem a participação local de diferentes atores
interessados nos bens públicos do meio rural. O modelo de intervenção de
um Estado tratando a agricultura de maneira setorial unificada não é
substituído por uma suposta liberdade de mercado, mas por um conjunto
diversificado de processos de negociação e pelo fortalecimento e surgimento
de organizações locais em torno de contratos referentes à gestão desses bens
públicos. Trata-se cada vez menos de fixar modelos e sim de estimular e
negociar projetos (Kayser ET AL., 1994). Em termos de política agrícola, a
mudança dificilmente poderia ser mais significativa. A gestão setorial
vai-se convertendo em gestão territorial”. (Abramovay, 2007, p. 279).

Segundo o autor, essas novas referências seriam o retrato da construção de


um novo paradigma na agenda de pesquisa brasileira e latino-americana para o
mundo rural. O que existe de comum, marca distintiva desses estudos e programas
de pesquisa da década de 1990 e de 2000 é que neles

“a definição de agricultura familiar e, posteriormente, as conexões entre


formas sociais de produção e das dinâmicas territoriais estiveram no
centro das preocupações e, por certo, continuam a influenciar o debate
público e científico sobre o rural e seu lugar no desenvolvimento”
(Favareto, 2007, p. 15).

“Em uma palavra, pode-se dizer que a década de 1990 iniciou-se sob a
marca da entrada da agricultura familiar no vocabulário científico,
enquanto a presente década iniciou-se com uma reavaliação do
significado do desenvolvimento rural. Reavaliação que aparece sob a
forma do debate acerca das relações entre o rural e o urbano e da
introdução da abordagem das dinâmicas territoriais nos processos de
desenvolvimento, e que revela uma profícua agenda de pesquisas, cujo
devido tratamento tem ainda um largo caminho pela frente. Na
passagem de um tema a outro há uma espécie de continuum, que é
dado pelo lugar que as formas familiares de produção ocupam ou
podem ocupar na configuração dessas dinâmicas. Como já foi dito,
os trabalhos de Veiga e Abramovay são marcos simplesmente
incontornáveis para ambos os debates”. Favaretto (2007, p. 18)

Segundo Abramovay (2007), no curso que a história teve nos países centrais, a
base individual da agricultura familiar tem existência coletiva. Sua criação e o seu
impulso foi fruto da ação deliberada do Estado, por uma questão clara: nesses países a
agricultura familiar foi tratada como política de estado decisiva no rebaixamento dos
preços alimentares, possibilitando a liberação do poder aquisitivo dos trabalhadores
urbanos e a formação de um mercado de consumo de massa para os novos produtos
industriais que surgiam, lançando as condições para um regime intensivo de acumulação
fordista. Segundo o autor, esse paradoxo é o cerne do processo de modernização da
agricultura capitalista nos países centrais, é a sua característica central:

“É nessa unidade entre a natureza fundamentalmente familiar da agricultura e


seu funcionamento a partir de critérios públicos, definidos institucionalmente
e onde o mercado pesa cada vez menos, que reside justamente a pedra de
toque da modernização da agricultura nos países capitalistas avançados. É
este o paradoxo que permitiu ao Estado levar adiante uma política simultânea
de rendas e de preços... a característica central da agricultura moderna está na
capacidade que ela oferece ao Estado de exercer um controle rigoroso sobre
seu próprio processo de desenvolvimento...” (Idem, 265-66).

Por essa razão, por não esta inteiramente subordinada aos ditames do mercado,
as políticas públicas para a agricultura capitalista nos países centrais pode incorporar
elementos que não são exclusivamente econômicos, como a preocupação com a
preservação ambiental, as migrações campo-cidade, a preservação do patrimônio
histórico, cultural e paisagístico, entre outras questões, e não meramente focar nos
volumes e nos gêneros produzidos. Ou seja: a agricultura deixa de ser vista como setor,
com foco na sua integração a cadeias produtivas, e o meio rural passa a ser encarado
como espaço, como território, como bem público.
Provavelmente, este “novo rural” vem aparecendo por pressão do mercado e não
é iniciativa das famílias rurais. Mas como será este novo arranjo do espaço rural pós-
mudanças mencionadas? Como o território absorverá as novas relações entre as pessoas
e os empreendimentos, visto que abraça uma sociedade organizada com vínculos e
raízes históricas? (ABRAMOVAY, 2003).
A visita de campo na chácara São Vicente nos fizeram pensar essas questões e
como a forma de gestão bem sucedida da propriedade do Sr Roberto Losque é uma
evidência a favor do incentivo à pequena propriedade, pela sua capacidade de empregar
mão de obra, produzir solo e água, preservar biodiversidade, garantir a produção de
alimentos saudáveis e equilibrar os níveis de desenvolvimento das regiões brasileiras.

Figura 11: Produção de caqui.

Fonte: Autor.
Figura 12: Vista Panorâmica da Propriedade.

Fonte: Autor.

VI – BIBLIOGRAFIA

ABRAMOVAY, R. Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão. 3. ed. São Paulo:


Edusp, 2007. 296 p.
. O Futuro das Regiões Rurais. 1. ed. Porto Alegre: UFRGS - Editora, 2003. v. 1.
149 p.
. Para uma teoria dos estudos territoriais. In: Antonio César Ortega; Niemeyer
Almeida Filho. (Org.). Desenvolvimento territorial, segurança alimentar e ecoonomia
solidária. Campinas: Alínea, 2007, v., p. 19-38.
. A dimensão territorial do desenvolvimento. Disponível em:
http://www.cofecon.org.br/noticias/artigos/16-artigo/365-a-dimensao-
territorial-do-desenvolvimento. Acesso em: 02 mar. 2016.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Referências para o
desenvolvimento territorial sustentável. Brasília: MDA, 2003.
FAO/INCRA. Diretrizes de política agrária e desenvolvimento sustentável. Brasília,
DF: FAO/INCRA, 1994. 24 p. Versão resumida do relatório final do Projeto
UFT/BRA/036.
FAVARETO, Arlison. Prefácio. In: ABRAMOVAY, R. Paradigmas do Capitalismo
Agrário em Questão. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2007. 296 p.
. Paradigmas do desenvolvimento rural em questão – do agrário ao territorial.
São Paulo, Ed. Iglu/Fapesp, 2007.
. A dimensão territorial do desenvolvimento brasileiro recente (2000-2010).
São Paulo: CEBRAP, 2014.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO/SDT. Referências para uma
estratégia de desenvolvimento rural sustentável no Brasil. Brasília: MDA/SDT, 2003.
VEIGA, J. E. A face territorial do desenvolvimento. In: XXVII Encontro Nacional de
Economia (ANPEC), 1999, Belém, PA. ANAIS DO XXVII ENCONTRO NACIONAL DE
ECONOMIA, 1999. p. 1301-1318.

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