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SUMÁRIO
Parte 1 - ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA PESQUISA E DO PESQUISADOR ............................ 2
Parte 2 - SITUAÇÃO PRISIONAL NO BRASIL............................................................................................ 12
Parte 3 - O SISTEMA PRISIONAL PAULISTA E A CADEIA PÚBLICA DE BRAGANÇA PAULISTA ..... 20
Parte 4 - O SISTEMA DE JUSTIÇA JUVENIL .............................................................................................. 33
Parte 5 - A PENA: CONCEITOS, DEFINIÇÕES E TEORIAS ................................................................... 40
Parte 6 - MARCOS LEGAIS E INSTITUCIONAIS DA PESQUISA ........................................................ 45
Parte 7 - CITÉRIOS PARA SELEÇÃO DAS UNIDADES PRISIONAIS ................................................ 53
Parte 8 - EXCLUSÃO SOCIAL E EXCLUSÃO JURÍDICA ....................................................................... 55
Parte 9 - VIDA CIVIL ........................................................................................................................................... 62
Parte 10 - SITUAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL ....................................................................................... 69
Parte 11 - VIDA PRISIONAL .............................................................................................................................. 77
Parte 12 - CONVIVÊNCIA SÓCIO-FAMILIAR E COMUNITÁRIA ....................................................... 88
Parte 13 - MODELOS DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA ........................................................ 107
Parte 14 - A RELAÇÃO ENTRE AS CIÊNCIAS DENTRO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO .................................... 120
Parte 15 - CONCLUSÃO - A SOCIALIZAÇÃO INCOMPLETA ............................................................ 148
ÍNDICE DE TABELAS
TABELA 1 - N°DE ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS E VAGAS EXISTENTES, SEGUNDO A DESTINAÇÃO ..14
TABELA 2 - NÚMERO DE PRESOS POR ESTADO E POR 100.000 HABITANTES .....................................................15
TABELA 3 - NÚMERO DE PRESOS, POR CONDIÇÃO DE RECOLHIMENTO ............................................................15
TABELA 4 - PRESOS CONDENADOS POR REGIME DE RECOLHIMENTO E MEDIDA DE SEGURANÇA ...........16
TABELA 5 - NÚMERO E DISTRIBUIÇÃO DE PRESOS, POR GÊNERO .......................................................................16
TABELA 6 - DISTRIBUIÇÃO DOS PRESOS, SEGUNDO EXTENSÃO DA PENA ........................................................16
TABELA 7 - CUSTO MENSAL DE CADA PRESO, POR ESTADO.................................................................................16
TABELA 8 - RELAÇÃO PRESO-FUNCIONÁRIO, SEGUNDO ÁREA DE ATUAÇÃO .................................................17
TABELA 9 - SENTENCIADOS EM CUMPRIMENTO DE PENAS ALTERNATIVAS/REGIME FECHADO 18
TABELA 10 - ESTADO CONJUGAL..................................................................................................................................31
TABELA 11 - NÍVEL DE INSTRUÇÃO ............................................................................................................................31
TABELA 12 - IDADE...........................................................................................................................................................31
TABELA 13 - COR ...............................................................................................................................................................31
TABELA 14 - ADVOGADO ................................................................................................................................................32
TABELA 15 - ARTIGO INFRINGIDO ................................................................................................................................32
TABELA 16 - COR ...............................................................................................................................................................34
TABELA 17 - FAIXA ETÁRIA............................................................................................................................................35
TABELA 18 - CONDIÇÃO DE MORADIA ........................................................................................................................35
TABELA 19 - SEXO.............................................................................................................................................................35
TABELA 20 - DELITO COMETIDO, POR FAIXA ETÁRIA.............................................................................................36
TABELA 21 - MEDIDAS APLICADAS ..............................................................................................................................36
TABELA 22 - TIPO DE UNIDADE .....................................................................................................................................37
TABELA 23 - QUADRO DEMONSTRATIVO DAS PENAS.............................................................................................47
TABELA 24 - QUADRO DEMONSTRATIVO DAS PENAS.............................................................................................47
TABELA 25 - COR ...............................................................................................................................................................62
TABELA 26 - CONDIÇÃO DE MORADIA DOS(AS) ENTREVISTADOS(AS) .............................................................63
TABELA 27 - TABELA DE DISTRIBUIÇÃO DE IDADES...............................................................................................64
TABELA 28 - NÍVEL DE ESCOLARIDADE OBTIDO EM LIBERDADE ......................................................................65
TABELA 29 - NO MOMENTO DA PRISÃO VOCÊ?.........................................................................................................65
TABELA 30 - RECEBEU PROFISSIONALIZAÇÃO EM LIBERDADE? .........................................................................66
TABELA 31 - FORMA DE RELAÇÃO DE TRABALHO ..................................................................................................66
TABELA 32 - ERA FILIADO A SINDICATO OU ASSOCIAÇÃO DE CLASSE?............................................................67
TABELA 33 - EXERCEU DIREITO DE VOTO NA PRISÃO? ..........................................................................................67
TABELA 34 - É USUÁRIO DE DROGAS?.........................................................................................................................67
TABELA 35 - SITUAÇÃO JURÍDICA ................................................................................................................................71
TABELA 36 - PROGRESSÃO CRIMINOLÓGICA - 1° DELITO ......................................................................................71
TABELA 37 - PROGRESSÃO CRIMINOLÓGICA - 2° DELITO ......................................................................................71
TABELA 38 - PROGRESSÃO CRIMINOLÓGICA - 3° DELITO ......................................................................................72
TABELA 39 - TEMPO DECORRIDO ENTRE 1° E 2° DELITOS*....................................................................................72
TABELA 40 - N° DE PROCESSOS CRIMINAIS................................................................................................................73
TABELA 41 - N° DE PROCESSOS ABSOLVIDOS ...........................................................................................................73
TABELA 42 - SENTIMENTO DE CULPA..........................................................................................................................73
TABELA 43 - HISTÓRICO DE INFRAÇÃO ANTERIOR (SEM REG. POLICIAL).........................................................74
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APRESENTAÇÃO
Esse trabalho de pesquisa foi concebido e executado em continuação à Dissertação de Mestrado defendida
em novembro de 1996 na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, sob o título “A trajetória
de institucionalização de uma geração de ex-menores”.
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Naquele trabalho busquei mostrar como se configurou o processo de criminalização de parte da primeira
geração de crianças do sexo masculino internadas sob responsabilidade do Governo do Estado de São Paulo na
Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM), situando este processo como resultado de uma política
governamental, primeiro inspirada pelo regime militar, depois adotada por todos os estados brasileiros e
mantida em alguns.
Mostrei que uma legislação civil - no caso o Código de Menores de 1979 - permitiu a criação de instituições,
orientou o recrutamento e a formação de recursos humanos e suscitou a adoção de práticas institucionais que,
sob a égide do Estado, resultou na criminalização de crianças órfãs e abandonadas colocadas sob seus
cuidados, retro-alimentando um sistema penitenciário que é a ponta mais visível de um aparato jurídico-
policial e administrativo que opera preferencialmente junto aos segmentos mais pobres da população..
Tendo sido aconselhado e recomendado pela Banca Examinadora a dar continuidade aquele trabalho de
pesquisa em nível de doutoramento, o fio condutor da nova pesquisa foi proposto pelo Prof. Dr. Sérgio
Adorno, ainda no período do Exame de Qualificação.
Questionou ele se a tese da "relação de dependência orgânica do indivíduo em relação à instituição" seria
aplicável a outros universos que não o de crianças órfãs e abandonadas que tivessem vivido dez anos ou mais
em regime de institucionalização.
Por "relação orgânica de dependência do indivíduo para com a instituição" entendia eu as resultantes dos
processos de institucionalização e de prisionização. Meus conhecimentos empíricos e a leitura de bibliografia
específica indicava que a incorporação dos códigos, símbolos e valores próprios das instituições totais,
somadas a ausência de outros universos referenciais e da transformação da identidade para ajustar-se ao micro-
universo institucional cria no indivíduo a mesma relação umbilical que se observa em relação ao apego à mãe
e à terra natal, suscitando o desenvolvimento de outros recursos adaptativos para a sobrevivência no meio
institucional.
Esta passou a ser, portanto, minha primeira hipótese preliminar de trabalho, tanto para explicar a "reincidência
institucional" como mais importante do que a reincidência criminal na consolidação da carreira e da identidade
criminosas como para explicar a ineficácia da pena de privação da liberdade.
A trajetória de vida deste pesquisador, a militância social, o estudo, a reflexão e a posterior sistematização
destas experiências e conhecimentos contribuíram para consolidar uma visão analítica e crítica sobre os
objetos de estudos aqui considerados: o sistema de internação de adolescentes e o sistema de internação de
adultos e suas interfaces com as estruturas do sistema social mais amplo (ver resumo cronológico do autor nos
anexos).
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De junho de 1963 a agosto de 1975 este pesquisador viveu em instituições estatais destinadas ao abrigamento
de crianças órfãs e abandonadas. Entre 1975 e 1978, vivendo nas ruas de São Paulo, Santos, Rio de Janeiro e
Belo Horizonte, esteve preso em distritos policiais e cadeias públicas. De fevereiro de 1979 a junho de 1984,
esteve preso na Casa de Detenção de São Paulo cumprindo penas de privação da liberdade e de medida de
segurança.
Durante todo o período de aprisionamento, este pesquisador trabalhou nos setores administrativos da prisão,
participou de diversos grupos de discussão e consultou sistematicamente prontuários, documentos e
estatísticas prisionais.
As primeiras observações, reflexões e anotações efetuadas durante esse período constituíram a matéria prima
para a dissertação de mestrado e sua base empírica ainda fundamenta essa tese de doutoramento.
Em liberdade, este pesquisador trabalhou com diversas entidades de defesa de direitos; desde 1997 é membro
da Subcomissão de Política Criminal e Penitenciária e da Subcomissão de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo, onde coordenou o Grupo de Trabalho
sobre a FEBEM e durante o ano de 1998 integrou o Conselho de Segurança da Comunidade, do bairro Ponta
da Praia, em Santos, São Paulo.
Em outubro de 1999, como decorrência direta desta pesquisa de campo, fundou a História do Presente -
Organização Paulista para Ações de Cidadania, de certa forma antecipando as conclusões desta tese, reunindo
pós-graduandos, pesquisadores, técnicos e professores universitários, exatamente para atuar nas áreas que
identificadas como deficitárias.
Em novembro de 1999 foi designado para o conselho Científico do Instituto Latino Americano para Prevenção
ao Delito e Tratamento do Delinquente (ILANUD).
Esta pesquisa foi conduzida a partir da percepção - consolidada no mestrado - de que o Estado, na formulação
da política criminal e penitenciária e na administração da justiça criminal, cria as condições necessárias e
favoráveis à estruturação, desenvolvimento e aperfeiçoamento de identidades e carreiras criminosas, dando
outro significado à pena de privação da liberdade, diverso da recuperação, da reeducação e da ressocialização.
Dentro da estrutura social brasileira, o sistema de justiça criminal é aqui entendido como composto de dois
subsistemas, a saber: um subsistema de internação de menores e um subsistema de internação de adultos, que
inclui as mulheres.
Em face desta opção, a análise funcional, conforme conceituação dada por Merton (1970:85) torna-se
implícitamente o referencial analítico empregado para investigar a eficácia de um dos instrumentos de controle
social.
A prisão é aqui apresentada como o serviço público de mais fácil ingresso para o cidadão comum e
cuja saída é a mais difícil, por força do forte controle que o Estado exerce no controle da execução
penal.
A eficácia da pena de privação da liberdade é analisada em fução dos objetivos propostos em lei,
orientando-se por dois fatores que se revelaram preponderantes após a tabulação dos dados: a) à
vulnerabilidade pessoal e social de quem é a ela submetido, sobretudo diante dos efeitos deletérios da
pedagogia do crime e; b) ao modelo de administração penitenciária, sustentada por um tripé cujos
elementos estruturais são: 1) a permissividade para acorrência do tráfico de drogas; 2) a
permissividade para a corrupção entre alguns poucos funcionários, como forma de amenizar o rigor e
os riscos do trabalho e os baixos salários pagos e; 3) a compra e venda de privilégios na relação entre
presos e alguns funcionários, todos propiciando a existência, manutenção e reprodução de uma
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cultura prisional que norteia a natureza das relações internas entre presos e entre presos e
funcionários.
A "socialização incompleta" dos indivíduos que vão para a prisão apareceu como um dos elementos
estruturais da vulnerabilidade pessoal e social que os afeta, e aponta para duas das possíveis
conclusões desta pesquisa: a primeira é que o círculo das relações sócio-familiares está sendo
gradativamente afetado pela pedagogia do crime, com graves repercussões na criminalização destes
familiares, e a segunda é que a cultura prisional, aqui reputada como co-responsável pela ineficácia
da pena de privação da liberdade pode ser alterada em função de mudanças no modelo de gestão da
prisão.
Nesse estudo – que em todos os sentidos pode ser entendido como continuação ao mestrado – é novamente o
pesquisador, a partir de sua vivência empírica, de sua trajetória de vida e de sua forma singular de analisar os
fenômenos sociais, que se propõe a apresentar sua contribuição social – mais do que acadêmica – para a
análise, entendimento e resolução da problemática relacionada ao crime e a delinquência juvenil.
Esta contribuição, no entender deste pesquisador, não pode resumir-se apenas em mais um estudo-diagnóstico
destinado à obtenção de um título acadêmico e às prateleiras de uma biblioteca. Esta contribuição - a exemplo
do mestrado - pode e deve traduzir-se em ações concretas e efetivas que signifiquem esforços no sentido de
transformação das realidades que observa e da melhoria da qualidade de vida das populações alvos. As
prisões, abrigos e internatos não podem constituir-se apenas em espaços privilegiados e cativos para a
pesquisa acadêmica e produção de conhecimentos que, via de regra, instrumentalizam apenas as próprias
instâncias repressoras, perpetuando uma relação marcada pela opressão, injustiças e tratamentos desumanos.
No lugar das tradicionais recomendações que se faz ao final de um exaustivo trabalho de pesquisa e de
diagnísticos, apresento, nos anexos, o histórico das duas entidades criadas com estes objetivos criadas, as
relações de parcerias constituídas e as ações que ambas estão desenvolvendo.
Os preparativos para a realização dessa pesquisa iniciaram-se em janeiro de 1997, imediatamente após a
conclusão do mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Inicialmente a proposta era que esta pesquisa, mesmo mantendo seu caráter individual, fizesse parte de um
projeto mais amplo, denominado “insegurança e violência”, a ser desenvolvido por meio do acordo de
cooperação científica e de intercâmbio (CAPES/COFECUB N° 222/97) entre o Núcleo de Estudos da
Violência (NEV-USP) e o Centre D'Analises e Intervencion Sociologique (CADIS), da Ecole des Hautes
Etudes en Sciences Sociales (EHESS-PARIS).
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Os objetivos do referido acordo visam: 1) refletir sobre as condições que informam a emergência de um novo
paradigma da violência em escala mundial, bem como uma análise comparativa sobre as formas específicas de
violência, engendradas no quadro particular das condições sócio-econômicas; 2) formar jovens pesquisadores
altamente qualificados, que sejam sensíveis às novas tendências que hoje se desenvolvem na perspectiva de
uma análise compreensiva da violência em toda a sua complexidade.
Malgrado todos os esforços desenvolvidos pelo NEV e pela Profª Drª Angelina Peralva, não foi possível obter
da Capes a bolsa sanduíche que possibilitaria realizar o estágio no CADIS. Por esta razão, a pesquisa de
campo situou-se inteiramente no Brasil, orientando-se por um caráter mais instrumental e aplicada do que de
produção teórica.
A Profª Angelina Peralva, na qualidade de orientadora, participou da definição das linhas gerais deste projeto e
da elaboração do instrumental para coleta de dados, tendo o Professor Sérgio Adorno sido aprovado pela
Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo como co-orientador no
mesmo projeto. Com a saída da Profª Angelina da USP no segundo semestre de 1997, o Professor Sérgio
Adorno assumiu a orientação, tendo-a conduzido até seu termo final.
Ainda na fase de formatação do projeto, foram feitos contatos com o presidente da Fundação Estadual do
Bem-Estar do Menor (FEBEM), com o Secretário da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo,
com a Coordenadoria dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado de São Paulo (COESPE) e com a Vara
das Execuções Criminais da Comarca de Bragança Paulista, a título de consultas preliminares para verificar a
viabilidade da constituição do universo da pesquisa com pessoas recolhidas em suas unidades, sob regime de
privação da liberdade e obtenção de autorização para desenvolvimento da pesquisa.
Não foi propósito desse trabalho fazer uma radiografia completa do sistema penitenciário paulista ou
brasileiro. Apresento, entretanto, o contexto penitenciário brasileiro para situar a especificidade do Estado de
São Paulo, dentro do qual apresentam-se os recortes mais específicos onde se situam a Penitenciária Feminina
do Butantã, a Penitenciária de Franco da Rocha, a Cadeia Pública de Bragança Paulista e o Sistema de Justiça
Juvenil, do qual faz parte o Internato Encosta Norte, administrativamente subordinado à Febem.
A seleção de unidades amostrais no Estado de São Paulo e a limitação do número de entrevistados ao total de
240 sujeitos - adolescentes, mulheres, adultos no meio urbano e adultos no meio rural - divididos em quatro
grupos com 60 em cada um, teve apenas a propriedade de oferecer uma base estatística para análise da pena
de privação de liberdade aplicada a diferentes segmentos da população, e também constituir um corpo de
conhecimentos que possibilitasse subsidiar ações e intervenções.
Como adverte Becker (1994:157), tanto presos quanto técnicos, profissionais e administradores demonstraram
receptividade às minhas abordagens e tinham interesse em participar da pesquisa movidos pela expectativa de
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A pesquisa foi elaborada objetivando extrair uma massa muito grande de informações de uma amostra
relativamente pequena e distribuída em quatro subgrupos com características muito específicas.
Se fosse possível proceder ao estudo quanto à eficácia da pena de privação da liberdade limitando-me às suas
dimensões objetivas de intimidação, recuperação e ressocialização - sem abordar os fatores de ordem subjetiva
- como a cultura carcerária, a hegemonia das ciências jurídicas sobre as demais ciências no universo
penitenciário e o modelo de administração - provavelmente eu não incorreria na "bias" e não estaria sujeito às
interpretações divergentes capazes de serem suscitadas por uma pesquisa qualitativa e minhas conclusões
finais responderiam às angústias de presos, técnicos, profissionais e administradores.
Deixar falar a equipe dirigente, assim como os subordinados e os presos não assegura que uma das partes não
identificará certa tendenciosidade na condução da pesquisa e nas conclusões e nem que tudo o que eles digam
sejam a expressão da verdade, mas há recursos metodológicos para fazer essa "depuração" dos discursos.
Se tais abordagens são capazes de suscitar incômodos aos operadores do sistema, a análise da relações sócio-
familiares dos presos - vista como elemento importante para sua reinserção social - levanta novas hipóteses
capazes de também gerar incômodos a estes, pois meu entendimento sobre a "relação orgânica de dependência
do indivíduo para com a instituição" evoliu para a percepção de uma "cultura criminológica no contexto sócio-
familiar".
Os questionários apresentados aos (às) presos(as) possuem questões cujas respostas foram previamente obtidas
através de consulta a documentos oficiais; as respostas às questões de caráter qualitativo foram extraídas de
laudos e relatórios elaborados por técnicos e profissionais do próprio sistema e depois confrontadas com as
respostas dos presos, assim como foram ouvidos todos os técnicos e profissionais responsáveis pela elaboração
dos referidos laudos e relatórios.
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Dela foi possível extrair o número total de processos de cada preso, o número de processos absolvidos, a data
do primeiro, segundo e terceiro delitos, a data da condenação, a pena, os artigos infringidos, bem como início
e término da pena.
Da Folha de Cálculo de Pena, inicialmente elaborada por um advogado da Fundação Manoel Pedro Pimentel
(FUNAP) que atua na unidade, e depois homologada pela Vara das Execuções Criminais, foi possível extrair
as progressões e regressões de regime, a remição de pena em função dos dias trabalhados, a remição
eventualmente perdida, em função de castigos disciplinares, bem como o total de dias com que o preso foi
beneficiado.
O Prontuário Criminológico contêm os relatórios dos estudos aos quais o preso foi submetido durante o
período de cumprimento da pena, com informações não passíveis de sistematização, como dados sobre sua
vida familiar, local e condições de moradia, eventuais distúrbios de personalidade, relatórios disciplinares e
avaliações quanto a evolução do preso no cumprimento da pena.
De modo geral, a estrutura dessas fontes documentais é a mesma em qualquer unidade prisional, em nada se
diferenciando dos registros do Internato Encosta Norte.
A pesquisa documental foi realizada em dias contínuos, em dias úteis e em finais de semana até que se
esgotassem os 60 prontuários em cada unidade. Concluído todos os levantamentos e checada todas as
informações, seguiram-se as entrevistas individuais com os(as) presos(as), e em seguida, as entrevistas com o
os técnicos e profissionais de cada unidade.
Devido às necessidades de segurança interna, e também a especificidade dos presos que estavam exercendo
trabalho fora da prisão, foi preciso atende-los em função de suas disponibilidades.
No Internato Encosta Norte, onde os internos não trabalham fora, somente alguns estudando em escola da
comunidade à noite, os adolescentes foram chamados um a um na sala da Equipe Técnica, onde foram por
mim entrevistados.
Na Penitenciária do Butantã entrevistei na sala da Equipe Técnica as presas que não estavam trabalhando fora,
tendo entrevistado no local de trabalho as demais; algumas em empresas particulares e outras em órgãos
públicos.
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Em Franco da Rocha e Bragança Paulista foi necessário proceder às entrevistas inclusive nos finais de semana,
para atender aqueles que trabalhavam nas oficinas durante o dia e os que trabalhavam fora.
As entrevistas com os(as) presos(as) consistiram em passar a limpo as informações criminais e disciplinares a
seu respeito e colher com eles(as) informações sobre sua família e sua vida prisional.
As entrevistas com os técnicos e profissionais das unidades, segundo roteiro do Anexo, visou colher deles suas
posições e impressões sobre a administração prisional e sobre as técnicas de trabalho nos campos da
Psicologia, Serviço Social e Psiquiatria, uma vez que estes últimos compõem, juntamente com o diretor geral,
a Comissão Técnica de Classificação, a quem compete atestar o grau de prontidão do preso, tanto para
progredir de regime como para usufruir benefícios e obter a liberdade definitiva.
Em cada unidade foi entrevistado também o diretor de segurança e disciplina, visto ser ele o segundo elemento
na hierarquia prisional e quem mais diretamente mantêm contatos com os presos.
O mesmo roteiro de entrevistas foi aplicado, de maneira informal, aos mesmos técnicos na Metro State Prison,
no Estado da Geórgia, que funciona como um centro de triagem para o sistema penitenciário estadual e abriga
também o Georgia Statewide Academic and Medical System, da Santa Rita Jail, na Califórnia, com 3.600
presos, entre homens, mulheres e jovens, distribuídos por três diferentes níveis de segurança, e no Meyer Hall
Youth Detention Facility, em Iowa, um centro de detenção juvenil que acolhe atualmente 20 meninos e
meninas em regime de internação, por terem cometido crimes contra a pessoa.
Todos os dados foram divididos em quatro unidades temáticas, agrupadas por afinidade, optando-se por
referenciais teóricos específicos para fundamentar a argumentação e desenvolver a reflexão em torno de cada
unidade:
Identificação Civil: submetida à análise multifatorial, esta categoria reúne os dados referentes a cor, idade,
local e condição de moradia, escolaridade e profissionalização ao entrar na prisão, histórico infracional sem
registro policial, condições de trabalho, exercício de direitos, o que fazia no momento da prisão e drogadição.
Situação Sócio-familiar: analisada sob os conceitos de socialização de Peter Berger, esta categoria congrega os
dados referentes ao estado conjugal, à condição do pai e da mãe, irmãos, filhos, situação do(da)
companheiro(a), familiares presos, orientação e guarda dos filhos, motivação para o primeiro delito,
responsabilidade do(da) companheiro(a) em relação aos filhos, com quem conviveu do nascimento ao
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Vida Prisional: reúne os dados referentes ao tempo total passado na prisão, escolaridade e profissionalização
obtidas na prisão, aos ganhos e perdas na prisão, de quem recebe visitas, a situação em que estará sendo
libertado, forma de ocupação do tempo, testes e exames realizados, remição, constituição de pecúlio e
condenação por crime cometido dentro da prisão. Esta categoria é analisada unicamente sob a ótica das Regras
Mínimas para Tratamento do Preso no Brasil, documento que contêm as diretrizes básicas subscritas pelo
governo brasileiro.
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Três documentos - dois oficiais e um extra-oficial - compõem o diagnóstico mais claro sobre a realidade
carcerária brasileira nos últimos 30 anos. Depois do Exame de Qualificação foi publicado um quarto
documento, o Relatório da Comissão de Reforma do Sistema Penal, instituída em 29.09.99 pelo Ministro da
Justiça, José Carlos Dias.
O primeiro e mais extenso, foi produzido pela Comissão Parlamentar de Inquérito instituída pela Câmara dos
Deputados, em 1975.
Com a sanha inquisitorial própria de uma CPI, os deputados, liderados por Ibrahin Abi-Ackel - depois ele
mesmo Ministro da Justiça - "desceram às profundezas da vida carcerária", apresentando dados de quase todos
os estados brasileiros.1
Durante 180 dias a comissão visitou estabelecimentos penitenciários, tomou o depoimento de autoridades e
administradores, ouviu presos e ex-presidiários e passou a limpo os dados coletados pelo próprio Ministério da
Justiça.
O terceiro documento, mais recente e de caráter extra-oficial, mas igualmente acatado pelas autoridades
brasileiras e pela comunidade de especialistas, intitulado "O Brasil atrás das grades", é o segundo
levantamento feito pela Human Rights Watch sobre o sistema penitenciário brasileiro.3
Durante sete meses seus pesquisadores, seguindo uma metodologia indicada pelo Comitê Permanente de
Prevenção do Crime e Justiça Penal das Nações Unidas para a verificação da situação dos direitos humanos no
mundo, visitaram prisões, entrevistaram-se com autoridades, administradores, presos e ex-presidiários4, nos
mesmos moldes dos levantamentos feitos na África do Sul, Checoslováquia (antes da divisão em dois
Estados), Egito, Espanha, Estados Unidos (além de um breve relatório sobre Porto Rico), Hong Kong, Índia,
Indonésia, Israel e Territórios Ocupados, Jamaica, Japão, México, Polônia, Reino Unido, Romênia, Turquia,
ex-União Soviética, Venezuela, Zaire, China, Cuba e Peru..
1
Senado Federal. CPI do Sistema Penitenciário, DF, 1980.
2
Ministério da Justiça. Criminalidade e Violência, 3 vol., DF, 1980.
3
HUMAN RIGHTS WATCH. O Brasil atrás das grades, São Paulo, HRW, 1998.
4
Human Rights Watch. O Brasil atrás das grades, São Paulo, 1998.
13
Os documentos de referência, do qual foram extraídas as tabelas abaixo, são os Censos Penitenciários de 1995,
1996, 1997 e 1998, este último ainda não disponível em dezembro de 1999. Os censos tentam dar um
tratamento unitário aos dados quantitativos dos diferentes sistemas, sendo, para efeitos de planejamento
governamental, a obra de referência por excelência.
Os trabalhos de menor alcance, como as CPIs do sistema carcerário em São Paulo, Minas Gerais e Bahia e
trabalhos acadêmicos representam estudos pontuais sobre realidades específicas de cada Estado ou sobre fatos
que geraram denúncias, e também foram sistematicamente consultados.
A síntese das conclusões de todos estes estudos indicam para a falência das prisões e são pródigos em apontar
as mazelas de que sofre o sistema, como superlotação, falta de tratamento médico, grande número de presos
com AIDS e tuberculose, corrupção generalizada entre agentes penitenciários, mercantilização da prisão por
parte dos presos, tortura, espancamentos e execução sumária.
Apenas o Human Rights Watch, ao comparar a pesquisa atual com levantamento feito há dez anos atrás
indicou avanços na questão carcerária, tendo como termo de comparação, tanto a pesquisa anteriormente
realizada como o Plano Nacional de Direitos Humanos, editado pelo governo brasileiro em 1996, mas ainda
aponta a prisão como o local em que mais se cometem violações aos direitos humanos no Brasil.
A Comissão de Reforma do Sistema Penal, coordenada por Miguel Reale Jr. avaliou as estatísticas criminais, a
delinqüência juvenil, o sistema investigativo da polícia e o sistema carcerário propriamente dito, concluindo
pela imensa desproporcionalidade entre estabelecimentos de regime fechado e de regime semi-aberto e
reordenamento do sistema de penas, com maior ênfase, sobretudo do poder judiciário, na aplicação de penas
alternativas.
Em dezembro de 1998, o Brasil contava com 512 unidades prisionais, divididas em regimes fechado, semi-
aberto, aberto, misto, de internação hospitalar e de internação psiquiátrica, milhares de delegacias policiais e
vários outros estabelecimentos, distribuídos por todos os estados e Distrito Federal, abrigando cerca de
170.000 pessoas presas, aproximadamente 0,1% da população brasileira.
Com uma taxa aproximada de 108 presos por 100.000 habitantes, relativamente modesta em comparação com
a taxa dos Estados Unidos e dos demais países sul americanos, o Brasil administra um dos dez maiores
sistemas prisionais do mundo.
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Não é correto falarmos de um sistema penitenciário brasileiro, porque o que temos, em verdade, são sistemas
penitenciários estaduais, sendo que em um mesmo Estado pode coexistir dois ou mais sistemas.
O caráter federativo do sistema prisional é decorrente da legislação federal – Lei de Execução Penal – das
diretrizes do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), especialmente quanto a arquitetura prisional,
localização das prisões e captação de recursos, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
(CNPCP), especificamente na definição das diretrizes políticas e do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN),
que repassa verbas aos estados para construção de novas prisões.
O arcabouço jurídico, legal e administrativo que organiza o "sistema penitenciário brasileiro" é embasado nos
tratados e convenções internacionais e regionais de que o Brasil é signatário e que são referenciados na
introdução.
Devido a essa configuração segmentada, "sistema penitenciário", a rigor, existe como concepção ideológica
para a sustentação do que se pretende ser uma política criminal, penitenciária e de segurança pública, mas não
como entidade. Por essa razão elegemos alguns pressupostos metodológicos para orientar nossa leitura e
análise.
Os pressupostos metodológicos fornecem os parâmetros capazes de permitir a leitura e análise de sistemas tão
díspares, respeitando-se a especificidade de cada unidade prisional e ancoram-se em conhecimentos prévios
quanto à estrutura e funcionamento da prisão, da justiça criminal e da execução da pena.
A leitura dos dados apresentados pelos censos penitenciários dos anos citados indica um vertiginoso aumento
do número de estabelecimentos prisionais e de vagas existentes, com grande concentração de tipos de
unidades prisionais em determinados estados, como abaixo é demonstrado.
HOSPITALAR
FECHADO
ABERTO
DÉFICIT
Estados
MISTO
Total
Acre - - - - - 3 - - 3
Alagoas - - - - 1 2 - 2 5
Amapá 84 213 - - - - - - -
Amazonas 11 590 1 1 1 1 - 1 5
Bahia - - - - - - - - -
Ceará 3.242 213 - - - - - - -
D. Federal 1.310 981 2 1 - - - 1 4
Esp. Santo 931 839 3 1 - - - 1 5
Goiás 200 2.428 - - 1 - - - 1
Maranhão 240 2.165 - - - - - - -
M.T 1.556 252 44 1 - - - - 45
MT.do Sul 1.324 1.815 8 6 2 2 - - 18
15
PROVISÓRIO
SEGURANÇA
FECHADO
ESTADOS
ABERTO
MEDIDA
TOTAL
TOTAL PRESOS
ALTERNATIVA
DE DIREITOS
FIM SEMANA
INTERDIÇÃO
LIMITAÇÃO
PESTAÇÃO
SERVIÇOS
FECHADO
ESTADOS
REGIME
Acre 20 20 40 80 293 386
Alagoas - - - - 330 478
Amapá 3 - - 3 222 297
Amazonas 44 14 - 58 456 601
Bahia - - - - - 2.617
Ceará 56 63 - 119 - 3.455
Distrito Federal 250 - - 250 1.599 2.291
Espírito Santo 84 2 - 86 1.476 1.770
Goiás - - - - 1.929 2.628
Maranhão - - - - - 2.405
Mato Grosso 2 - - 2 1.683 1.808
Mato G. do Sul 2 - - 2 2.835 3.139
Minas Gerais 380 - - 380 11.783 12.515
Pará - 1 - 1 1.863 2.026
Paraíba 15 1 - 16 4.602 5.036
Paraná - - - - 6.041 8.160
Pernambuco 25 - - 25 3.538 4.701
Piauí 9 1 4 14 381 551
Rio de Janeiro 192 2 - 194 14.894 16.468
Rio G. do Norte - - - - - 795
Rio G. do Sul - - - - 6.708 10.914
Rondônia 97 42 12 151 1.431 1.847
Roraima 1 - - 1 105 123
Santa Catarina 108 203 311 622 2502 3.521
São Paulo 1964 - - - 54.515 58.778
Sergipe 20 21 9 50 919 1.101
Tocantins 22 22 - 44 312 349
Total 1.330 392 376 2.098 129.789 148.760
Fonte: Censo Penitenciário de 1997 - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
Quando verificada a extensão das penas aplicadas, percebe-se a desproporção entre unidades fechadas e e
unidades destinadas aos regimes aberto e semi-aberto. De todas as novas unidades construídas em 1998 e
1999 nenhuma foi destinada às mulheres, continuando a existir unidades mistas.
Os dados indicam que em Rondônia, por exemplo, não consta nenhuma unidade de regime fechado e seis
unidades prisionais destinadas à internação hospitalar. Nada indica, entretanto, que Rondônia possua uma
política penitenciária diferenciada, em função da natureza de seus estabelecimentos.
Por outro lado, qual o critério que explica a existência de 44 unidades de regime fechado no Mato Grosso,
que possui apenas 1.808 presos, com a taxa de encarceramento de 78,15 presos por 100.000 habitantes?
O Estado do Rio Grande do Sul, com 10.914 presos e taxa de encarceramento de 113,94 por 100.000
habitantes, possui 75 unidades com regime misto, enquanto o Estado de São Paulo, com 58.778 presos e
taxa de encarceramento de 174,42 possui 41 unidades.
19
Mesmo com dados incompletos de vários estados, a simples comparação entre as três últimas colunas do
Tabela acima indica ser absolutamente incipiente a aplicação das penas alternativas como opção à pena de
privação da liberdade. Não obstante todo esforço recente no sentido de tornar as "penas alternativas" uma
prática no direito penal brasileiro, mais de 86% dos sentenciados ainda são condenados ao cumprimento de
suas penas em regime fechado, quando se sabe que os 8,9% condenados a penas menores que quatro anos
deveriam estar todos em regime aberto ou semi-aberto ou cumprindo penas alternativas. Este percentual de
"presos soltos" poderia ser mais significativo com a ampliação das penas alternativas até seis anos,
conforme projeto em tramitação no Congresso Nacional.
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, através do projeto “Déficit Zero”, financiado
pelo BNDES, prevê ainda a criação de outras unidades prisionais, sob a alegação de que há cerca de
250.000 mandatos de prisão não cumpridos, razão, entre outras, da falta de vagas.
Não obstante os amplos objetivos dos dois fundos, visando dar eficácia a todos os dispositivos da Lei de
Execução Penal, eles destinam-se, preferencialmente, para a construção de novas penitenciárias.
Além da dotação orçamentária própria da secretaria executiva responsável pela administração penitenciária,
os recursos dos fundos nacional e estadual são de outras fontes. O fundo nacional recebe dotação do
Ministério da Justiça, os bens e valores confiscados pela União ou a ela alienados, as fianças quebradas ou
perdidas, as multas judiciais, 50% das custas judiciais recolhidas em favor da União e 3% do rateio das
loterias da Caixa Econômica Federal.
O fundo estadual tem sua receita composta por dotação do fundo nacional e pela arrecadação das multas
aplicadas em processos criminais. Como a maioria dos condenados é pobres, poucos são os que
efetivamente recolhem essas multas.
Os fundos destinam-se à construção, reforma e ampliação das prisões, formação e treinamento de pessoal,
compra de material permanente, instalações de oficinas, assistência ao preso e ao egresso carentes e
assistência às vítimas, conforme previsão da LEP.
As elevadas médias nacionais de R$ 415,00 como custo de cada preso e de 2,96 funcionários por preso, no
regime fechado, indicam que, ao nível de Brasil, o Poder Judiciário - na aplicação da pena - e o Poder
Executivo - na Administração Penitenciária - não incorporaram os discursos de racionalizada na aplicação e
execução da pena.
20
O sistema penitenciário paulista tem sua espinha dorsal constituída pelas unidades subordinadas à
Coordenadoria dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado, cuja existência é anterior à Secretaria de
Administração Penitenciária.
Por ocasião da substituição do Dr. João Benedicto de Azevedo Marques na Secretaria da Administração
Penitenciária pelo Dr. Nagashi Furukawa, em dezembro de 99, este anunciou sua disposição em transferir
para a tutela de sua pasta as cadeias públicas e todos os presos dos distritos policiais, por entender que
presos condenados não devem estar sob a custódia da polícia e que a duplicidade de estruturas é irracional e
onerosa ao Estado e à sociedade.
Somente durante o ano de 1999, o Governo do Estado de São Paulo colocou em funcionamento 21 novas
penitenciárias, abrindo 17.520 novas vagas, ao custo total de R$ 183.000.00, e custo médio de R$ 10.445,20
por vaga, mas não conseguiu cumprir os propósitos estabelecidos de utilizar as novas vagas criadas para
retirar todos os presos condenados que se encontram ainda em distritos policiais e cadeias públicas e
desativar a Casa de Detenção, o maior estabelecimento prisional da América Latina, com mais de 7.000
homens presos.
21
A inclusão da Cadeia Pública de Bragança Paulista nesta pesquisa permitiu enfocar questões
organizacionais, funcionais e de procedimentos administrativos, pois não poderíamos limitar nossa análise
quanto à eficácia da pena de privação da liberdade considerando apenas a eventual motivação que o próprio
preso viesse a ter para superar sua condição de exclusão jurídica, de vencer a marginalização social
decorrente de sua condição de ex-presidiário ou à ação isolada de grupos religiosos ou ainda à capacidade
de sensibilização dos próprios familiares.
Esses fatores atuam de forma concorrente no processo de recuperação do preso, mas porque não fazem parte
de ações coordenadas e integradas, não podem responder sozinhos pela eficácia da pena de privação da
liberdade.
Dentro do nosso enfoque, de situarmos a eficácia da pena como resultado de uma política criminal e
penitenciária, a administração ocupa lugar de extrema relevância. Administração entendida enquanto
gerenciamento e execução da política criminal e penitenciária – feita pela SAP, COESPE e Secretaria de
Segurança Pública- mas administração também enquanto gestão de uma unidade prisional – feita pelos
diretores.
Decretos, portarias, resoluções e ordens de serviços, mesmo que devidamente fundamentadas no Direito
Administrativo, por si só não asseguram o bom gerenciamento de uma unidade prisional, tanto no sentido de
coibir irregularidades e arbitrariedades, do ponto de vista administrativo, como de dar a eficácia necessária à
pena, do ponto de vista de sua finalidade e razão de sua existência.5
Por esta razão, deliberadamente negligenciei os aspectos meramente formais da administração penitenciária
para dedicar-me à forma como o sistema administra a execução da pena e não como administra a prisão
propriamente dita.
O ângulo de análise que se privilegia aqui é contextualização de dois modos de administração, um feito pela
Secretaria de Administração Penitenciária, a qual sobordinam-se as penitenciárias de Franco da Rocha e
Butantã, e outro feito Secretaria de Segurança Pública, a qual subordina-se a Cadeia Pública de Bragança
Paulista.
55
Para melhor entendimento sobre os "regulamentos penitenciários", por exemplo, ver estudo de PINSKY, Jaime. Mulhres
encarceradas, São Paulo, Global, 1983, pp. 101 e ss.
22
Por suposição, entende-se que a administração de uma unidade prisional não seja diferente da administração
de qualquer unidade do serviço público, como escola, hospital, creche, etc. A administração de finanças, de
material e de recursos humanos de qualquer serviço público prestado diretamente pelo Estado é normatizado
por regras comuns estabelecidas pelo Tribunal de Contas do Estado, pela Secretaria Estadual de
Administração e pela Lei Orgânica do Funcionalismo Público.
O diferencial de cada serviço em particular está na característica específica da clientela que atende e na
especificidade da legislação que estabelece as diretrizes para seu atendimento.
A Escola, por exemplo, subordina-se à Lei de Diretrizes e Bases da Educação e ao Estatuto da Criança e do
Adolescente - como normas infraconstitucionais - aos Conselhos Estadual ou Municipal de Educação que
normatizam o respectivo sistema, à uma secretaria executiva que a dirige de fato, ao Conselho de Escola e à
Associação de Pais e Mestres, para as relações com pais e alunos.
Excluindo-se a legislação formal que rege o serviço público - comum a toda administração - o serviço
penitenciário e sua unidade básica - a prisão - subordina-se apenas à Lei de Execução Penal, legislação
infraconstitucional que regulamenta o inciso XLVI do Artigo 5° da Constituição Federal e que deve ser
executada pelo diretor da prisão e pelo juiz da Vara das Execuções Criminais, fiscalizados pelo Ministério
Público.
Os Códigos Penal e de Processo Penal, a Lei dos Tóxicos, a Lei dos Crimes Hediondos e demais legislação
específica, servem para normatizar as relações do indivíduo com a justiça criminal, independente dele estar
preso ou não e não têm nenhuma interferência direta na forma de operacionalização da prisão.
Com exceção da Lei de Execução Penal, aceita como moderna porque incorpora os princípios do direito
internacional, com 204 artigos de pouca complexidade em sua interpretação, nenhuma outra legislação
subsidiária ordena a prisão quanto ao seu modo de operacionalização e ao atendimento que deve dar ao
preso.
O que se depreende dessa análise - sobretudo quando comparada com o modo de administração de outros
serviços públicos - é que a prisão é o mais desburocratizado de todos os serviços públicos brasileiros. Para
entrar basta a correta identificação do preso e um mandato de prisão, e para sair, basta um alvará de soltura.
O Brasil criou, nos últimos anos, ministérios e secretarias nacionais e estaduais para a "desburocratização"
dos procedimentos, principalmente em relação aos serviços públicos, com a propalada convicção de que
menos formalidades significaria mais efetivo exercício dos direitos de cidadania, maior democratização no
acesso aos serviços e pela desnecessidade dos "especialistas" a quem Habermas atribui a função de decifrar
os "códigos linguísticos" pelos quais se dá a divisão social do trabalho.
23
Não é sintomático pensar que o equipamento público brasileiro mais acessível aos pobres seja a entrada
para a prisão? O cidadão não precisa sequer manifestar-se, basta uma condenação a revelia - tão comum -
que ele passará a ser procurado para usufruir desse serviço.
O fato é que essa menor burocratização, mais o custo médio de manutenção do preso e a proporção
vantajosa na relação preso X funcionários deveria corresponder a maior eficácia na prestação do serviço.
Porque isso não acontece, quando sobra tempo para perseguir os resultados desejados e quando não existe
quase nenhuma capacidade reivindicatória por parte dos presos?
Não obstante este quadro, a década de 90 está sendo pródiga em transformações positivas no sistema
penitenciário paulista e as ações abaixo, indicam algumas ações metas:
1. Convênio com a secretaria de segurança para construção de 12 unidades prisionais para absorver os
presos definitivos que se encontram cumprindo pena em cadeias públicas;
2. Convênio com o governo federal, representado pelo ministério da justiça, para realização do "Projeto
Carandiru" que consiste na construção de 9 unidades prisionais no Estado de São Paulo6;
3. Mutirão de execução penal em parceria com a UNIP reunindo estagiários visando identificar e requerer
os benefícios legais que os sentenciados possam fazer jus, proporcionando-lhes a progressão no regime
prisional;
4. Parceria SAP e ESALQ na implantação de campos experimentais em institutos penais agrícolas
formando uma cadeia produtiva com o objetivo de aliar o ensino profissionalizante a uma redução
gradativa de despesas em alimentação - experiência modelo na Penitenciária "Dr. Antonio de Queiroz
Filho" de Itirapina;
5. Atividades laborativas, incentivando o trabalho o sentenciado tanto no interior das unidades prisionais
quanto em parceria com órgãos públicos e empresas em geral - atingindo, em média, nos últimos três
anos, 20.000 sentenciados;
6. Curso de aperfeiçoamento dos Agentes de Segurança Penitenciários - ASPs, realizado pela Academia
Penitenciária - ACADEPEN, com ênfase em direitos humanos, cidadania e saúde do trabalhador com a
participação de 3.600 profisionais de 1995 até 19977;
7. Supletivo 1o grau para 5.871 sentenciados em 1995, 6.000 em 1996 e 6.430 em 1997;
8. Telecurso 2000 para sentenciados com salas e monitores nas Unidades Prisionais, com 3.480 alunos, de
1996 até 1997;
9. Projeto "Reconstruindo Prisões", aliando o ensino profissionalizante às necessidades de conservação e
manutenção do patrimônio público, iniciado em 1996 e contando com a participação de 500 trabalhadores
6
Temporariamente abandonada, por não ter sido possível deslocar os mais de 7.000 presos para as novas vagas criadas.
7
Lecionei a disciplina Direitos Humanos nas peniteinciárias de Guarulhos, Feminina do Butantã e na Acadepen.
24
sentenciados até 1997; Curso de capacitação de dirigentes, preparando profissionais para assumir postos
de direção nas unidades prisionais, com início em 1997 quando preparou 107 profissionais;
10. Curso de atualização de técnicos penitenciários, realizado pela academia Penitenciária-ACADEPEN,
dirigido a reciclagem e especialização de psicólogos, assistentes sociais, médicos e psiquiatras, que
atendeu a 70 profissionais em 1997;
11. Programa de Penas Alternativas em parceria com a Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho-
SERT, que atua desde a sensibilização de órgãos públicos para a disponibilização de vagas até o
encaminhamento, acompanhamento e orientação do sentenciado no cumprimento da pena, colocado em
execução em outubro de 1997, captou mais de 800 postos de trabalho nas secretarias envolvidas,
stabelecendo contato com outras secretarias e seus órgãos, tais como, Hospital das Clínicas, Hospital São
Matheus, Horto Florestal, JUCESP, Memorial da América Latina e outros;
12. Reformulação do curso de formação de Agentes de Segurança Penitenciários com a participação de
especialistas de diversas áreas de conhecimento provenientes da faculdade de direito da Universidade São
Paulo, - FDUSP, Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo - OAB, Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais - IBCCRIMm e profissionais desta secretaria, que resultou, entre outras melhorias, em
um aumento de sua extensão em módulos e no aprofundamento em disciplinas fundamentais como
direitos humanos e cidadania - este novo formato do curso será aplicado para cerca de 5.000 agentes a
serem nomeados para as 21 novas unidades prisionais a serem construídas com início em 1998;
Junto com a formação de recursos humanos e da interação dos profissionais dentro do sistema penitenciário,
vou me ocupar de questões organizacionais, funcionais e de procedimentos administrativos. Importa aqui
entender como uma determinada forma de administração tem a propriedade de implementar uma certa
dinâmica na vida prisional, mudando-a qualitativamente, sem que se tenha sequer pensado na necessidade
de um plano pedagógico. Interessa-me, fundamentalmente, a forma como ambos os sistemas administram a
execução da pena e não como administra a prisão propriamente dita, em suas dimensões técnica,
operacional e material.
Entendo que para além destas questões de ordem objetiva, o comprometimento da eventual eficácia na
execução da pena de privação da liberdade está, sobretudo e de modo muito evidenciado, no fato de a prisão
ter se tornado ambiente de degradação moral, fomentando o que no mestrado intitulei como Pedagogia do
Crime.
"pedagogia do crime"8, definida não como uma ação intergeracional, mas como uma prática de
socialização entre os próprios internos, com o referendo da instituição” (1997, p.7).
“Entendido o conjunto das instituições totais como um ciclo de formação da criminalidade, não apenas
pelo tratamento institucional dispensado aos seus internos, mas sobretudo, pela tolerância para que se
constituísse em seu interior uma prática sistemática para a formação e consolidação de identidades
criminosas (a pedagogia do crime), elas acabam por assumir o caráter instrumental a que me refiro”
(:98).
“É, em última instância, esta “cultura institucionalizada”, sem um formulador teórico visível, que não é a
prática oficial das instituições, que é sistematicamente negada por funcionários e por técnicos, mas que de
fato existe, que continua vitimando adolescentes [homens e mulheres}, que constrange seus próprios
profissionais e que envergonha a nossa sociedade, que eu denomino de pedagogia do crime” (:98).
“Por todas as razões apresentadas, torna-se imperioso reconhecermos que a dinâmica das relações intra-
institucionais, a institucionalização, o conformismo, a prisionização e a reincidência institucional são os
elementos constitutivos da lógica perversa presente no ciclo de formação da criminalidade,
caracterizando-se também como uma pedagogia do crime” (:101)
O conceito de prisão como ambiente de degradação moral fundamenta-se em uma lógica que só é viável de
ser abordada no âmbito da administração penitenciária, já que é impensável muda-la a partir de ações
organizadas dos próprios presos9. Essa lógica possui um tripé de sustentação que, em última análise, é
responsável pela natureza das relações que se estabelecem entre os presos e entre estes e os agentes
penitenciários:
8
Pedagogia do Crime, neste contexto, tenta descrever o processo de socialização próprio da contracultura institucional, e que tem
a sua interface mais visível na contracultura subjacente ao submundo do crime.
9
José Carlos Dias, quando Secretário de Justiça no Estado de São Paulo, esforçou-se por implantar no sistema penitenciário a
Política de Humanização dos Presídios, cujo ponto central de articulação foi a constituição de comissões de presos dentro das
penitenciárias. Referidas comissões revelaram grande potencial para lidar com essa lógica interna das prisões, mas todo esse
trabalho foi sabotado por autoridades que não tinham interesse em conceder aos presos qualquer forma de organização,
chamando-a de sindicato do crime.
26
a permissividade para o tráfico de drogas por parte dos presos, sendo que a alguns funcionários é reservada
a tarefa de introduzi-la dentro da prisão;
a permissividade para a corrupção entre alguns poucos funcionários, como forma de amenizar o rigor e os
riscos do trabalho e os baixos salários pagos;
a compra e venda de privilégios na relação entre presos e alguns funcionários.
Esse tripé de sustentação situa-se, geralmente, no segundo e no terceiro escalões das unidades presidiárias,
o que faz com que a cada substituição de diretor o sistema continue funcionando autonomamente.
Todo e qualquer diretor que ouse mexer nesse tripé enfrentará sérias resistências por parte de um grupo
reduzido de funcionários e por parte das lideranças negativas entre os presos, a quem também interessa essa
relação de promiscuidade.
Em função dessa lógica interna fomentadora da pedagogia do crime, cristalizaram-se alguns ditos que,
incorporados ao folclore das prisões, dão a medida do tamanho das dificuldades para uma significativa
mudança de cultura:
a) quem manda dentro das prisões são os presos; os agentes prisionais apenas as controlam;
b) tirar as drogas das prisões equivale a acender o estopim de um barril de pólvora;
c) mexer com a visita de preso é querer tocar fogo na cadeia;
d) malandro que é malandro não faz conhavos com “tiras”, e tantos outros mais.
Cada um desses chavões foram cunhados e são mantidos dentro da cultura prisional que é a antítese da
própria vida e que hoje constitui o maior desafio do sistema prisional do Brasil e de qualquer outro país.
Guardadas as devidas proporções e finalidades entre uma penitenciária e uma cadeia pública, Bragança
Paulista é a única experiência prisional brasileira onde as mudanças estruturais no modelo administrativo
possibilitaram modificar o tripé de sustentação acima referido.
27
No momento dessa pesquisa - março de 1998 - a referida Cadeia Pública abrigava 175 presos condenados,
em regime semi-aberto e provisórios, estando em construção um anexo de 1.000 metros quadrados para
abrigar mais 130 presos.
No final de 1995, a Apac propôs um convênio pioneiro ao Governo do Estado - celebrado em janeiro de
1996 - para administrar a Cadeia Pública de Bragança Paulista utilizando apenas a verba destinada à
alimentação dos presos.
A experiência construída em Bragança Paulista tem a participação ativa do Juiz das Execuções Criminais,
do Ministério Público, do Delegado Seccional, que é também o direitor da cadeia local, da OAB-SP, de
empresários, comerciantes e populares, que explorando as possibilidades criadas pelo Artigo 80 e seu
parágrafo único da Lei de Execução Penal, criaram o Conselho da Comunidade, com o nome de Associação
de Proteção e Assistência Carcerária (APAC).10
Com o repasse da referida verba à Apac, esta conseguiu diminuir o custo da alimentação de cada preso de
R$ 10,00 para R$ 4,80 por dia. Essa economia, somada às contribuições resultantes de campanha
coordenada pela Câmara Municipal da cidade, permitiu a construção de um prédio anexo para instalação de
oficinas e das salas dos serviços de assistência, bem como a contratação de um gerente, um advogado, um
psicólogo, um assistente social, um médico, um professor alfabetizador, um professor de educação física,
dois auxiliares de escritório e oito trabalhadores na construção civil.
Dada a desigualdade no pagamento de trabalhos de natureza diversa, 25% do total arrecadado com a
remuneração do trabalho vai para um fundo de manutenção e construção e o restante é dividido de forma
igual entre todos os que trabalham.11
Termo de cooperação técnica assinado com a Funap permitiu a introdução dos cursos supletivos de 1 e 2°
graus e a Prefeitura Municipal designou uma Assistente Social para atuar junto ao clube das Mães e
Esposas de Presos, criado para prestar assistência aos familiares dos presos mais necessitados.
Os alunos do curso de direito da Universidade São Francisco fazem o acompanhamento dos detentos em
regime aberto e semi-aberto e a Pastoral Carcerária e demais confissões oferecem assistência religiosa.
10
Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. Cidadania no Cárcere, 1998.
11
Em dezembro de 1998 estavam instaladas dentro da Cadeia Pública as empresas AMP do Brasil, Metalúrgica Gambôa, Castelo
Componentes Eletrônicos, além das atividades de artesanato, o trabalho externo e os serviços de manutenção interna.
28
Este subgrupo foi constituído considerando-se apenas os presos condenados a pena de reclusão, que ora
estão em regime fechado ou que já progrediram para o semi-aberto, perfazendo 34.28% da população
carcerária total.
A permissão para que se constituísse uma comissão de presos, com funções bem definidas na
operacionalização das rotinas carcerárias é um diferencial importante que alterou de modo significativo a
dinâmica carcerária, possibilitando que eles desenvolvessem uma liderança positiva, respeitada e acatada
por todas as instâncias do universo prisional.
Experiências relativas a organização de presos dentro do sistema penitenciário são raras no Brasil e todas
sistematicamente coibidas e duramente reprimidas, haja visto o histórico do Comando Vermelho, no Rio de
Janeiro e da Comissão de Presos tentada na década de 80 durante o mandato de José Carlos Dias na
Secretaria da Justiça, em São Paulo.
O trabalho desenvolvido pela Comissão de Sinceridade e Solidariedade, entretanto não teria sido possível
mudar radicalmente a cultura de opressão, medo e exploração reinante dentro das prisões sem que se
estabelecesse novos parâmetros para as relações entre os presos e entre estes e os funcionários.
Na primeira gestão da Apac o presidente da Comissão e os representantes de celas foram escolhidos dentre
os presos mais temidos, mais violentos e com maior histórico criminal - uma concessão que o Conselho da
Comunidade teve que fazer para viabilizar o projeto. Hoje eles são recrutados dentre os presos com maior
habilidade para a mediação, com mais estudos ou dentre os mais aceitos pelos demais presos.
A Comissão mantém em seu poder todas as chaves de acesso interno da cadeia, pode proceder mudanças de
celas a pedido dos presos, receber denúncias, inclusive contra funcionários, faz a recepção, apresentação e
distribuição dos presos recém chegados e define a escala de trabalho nas atividades de manutenção e
limpeza.
A experiência tem demonstrado que a ação coletiva dos presos na defesa de seus interesses diminuiu
sensivelmente a margem para a ação da corrupção de funcionários e policiais, um dos pilares do tripé de
sustentação da vida carcerária.
A corrupção funcional, por sua vez, está invariavelmente ligada à comercialização de drogas, à venda de
facilidades e à indústria de fugas. Trabalhos de conscientização em torno da AIDS, gerenciamento interno
da cadeia por parte dos próprios presos e satisfação das necessidades básicas, aliada ao atendimento às
famílias e aos compromissos de não infringir as regras coletivamente construídas foram os recursos
empregados para mudar a natureza das relações intramuros.
A criação do Conselho da Comunidade permitiu a gestão coletiva de uma unidade prisional sem que isso se
caracterizasse em sua privatização e sem que o Estado abrisse mão de suas prerrogativas na execução da
pena.
A contratação de profissionais independentes para prestação dos serviços de assistência social, médico,
psicológico e jurídico, tanto para os presos como para seus familiares possibilitou a superação dos vícios e
das distorções relatadas por Evangelista (1993), Cesar (1995), Fernandes (1998) e Faleiros (1990) e tantos
outros.
A criação de uma espécie de clube, para congregar familiares, esposas e companheiras dos presos instituiu
como que um mecanismo externo de fiscalização da cadeia, com prerrogativas para visitas periódicas,
participação das reuniões e encaminhamento de suas demandas diretamente ao diretor da cadeia e ao Juiz
Corregedor.
A desobstrução dos caminhos pelos quais presos e seus familiares podem chegar diretamente ao diretor e ao
Juiz Corregedor serviu para reestabelecer a confiança nos presos, de que suas demandas seriam ouvidas e
atendidas. A mesma facilidade de interlocução não ocorre com as instâncias administrativas situadas fora da
cidade, como o Conselho Penitenciário, por exemplo.
Pelos esforços do juiz da Vara das Execuções Criminais, foi possível diminuir a transferências de presos,
tanto de Bragança para outras cidades e destas para Bragança, como resposta a uma decorrência direta dessa
mudança de cultura carcerária, pois as transferências compulsórias estavam colocando em cheque o
trabalho desenvolvido.
forma mais dura de punição àqueles que recusam-se a submeter-se ao código disciplinar coletivamente
construído.
É discutível e pouco provável que a natureza das relações entre os presos e destes com os funcionários
tivessem mudado sob o modelo administrativo antigo, predominante no sistema penitenciário subordinado à
SAP e COESPE. O mais provável é que a maior organização dos presos evoluísse para reivindicações de
ordem administrativa e funcional, o que não é bem visto pelos órgãos dirigentes e que é passível de gerar
manifestações e desconfianças mútuas quando não atendidas.
É forçoso ressaltar que toda essa mudança foi obtida sem intervenções diretas junto ao pessoal carcerário,
sem cursos de capacitação ou de reciclagem. A adoção de um modelo de gestão comunitária impôs a
contratação de profissionais em suas respectivas áreas, mas sem domínio dos códigos, símbolos e valores
carcerários, o que foi fundamental para estabelecimento de relações de natureza diferente destes para com
os presos
A comparação do desempenho dos presos da Cadeia Pública de Bragança Paulista em relação às demais
unidades pesquisadas indica um nível de satisfação maior - tanto quanto isso é possível - quanto às
condições de cumprimento de suas penas e também indícios de melhor aproveitamento da "terapia
carcerária" por parte deles.
Em dezembro de 1999, o Dr. Nagashi foi convidado pelo governador do Estado de São Paulo a assumir a
Secretaria da Administração Penitenciária, com o claro objetivo de transferir o seu "know how" para as
penitenciárias, casas de detenção e colônias agrícolas.
Se a análise deste trabalho nos levará para um questionamento mais profundo quanto à eficácia da pena de
privação da liberdade como instrumento de política criminal, fica o alento de saber que, se ela é
imprescindível nos tempos que vivemos e com a sociedade que temos, é possível dar a ela a eficácia que se
31
espera dos remédios amargos, desonerando-a dos seus altos custos, desonerando o Estado do desgaste que
tem com o gerenciamento de verdadeiros "barris de pólvora" e oferecendo ao sujeito preso meios efetivos
para elevação de seu senso de responsabilidade social, sem o qual não há recuperação, reeducação ou
reintegração social.
Tabela 7 - IDADE
N° %
18-25 ANOS 59 33.71
N° %
BRANCO 129 73.71
PARDO 37 21.14
NEGRO 9 5.14
Tabela 9 - ADVOGADO
N° %
DATIVO 109 62.29
PARTICULAR 66 37.71
Totais 100%
Fonte: (Comissão de Direitos Humanos OAB-SP, 1998)
33
Com esse escopo e as definições jurídicas já dadas no capítulo "A pena: conceitos, definições e teorias"
, a prática de ato infracional não é vista pelo ECA como crime e sua reprimenda deve ser arbitrada por
meio de "medidas sócio-educativas13", aplicáveis somente a adolescentes ou "medidas de proteção14",
aplicáveis a crianças e adolescentes.
A medida de Liberdade Assistida - artigo 118 do ECA - também largamente utilizada, pode ser
aplicada como subsidiária à remição - artigo 126 - ou como progressão da medida de internação, sendo
sempre pelo mínimo de seis meses.
Para cumprimento do artigo 108 do ECA - internação provisória pelo máximo de 45 dias - a Febem
dispõe das UAPs - Unidade de Acolhimento Provisório. Para cumprimento do artigo 122 - privação da
liberdade - a Febem dispõe das Unidades Educacionais, no total de 22. As unidades regionalizadas,
como Encosta Norte, Itaquaquecetuba, Vila Conceição, Parada de Taipas, Franco da Rocha e Fazenda
do Carmo, que comportam os dois tipos de medidas
As resoluções de n°s. 44 e 45 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA), definem os pré-requisitos para instalação de unidades de internação de adolescentes,
estipulando em 40 o número máximo de internos por unidade, obrigatoriedade de um plano de trabalho
em que esteja prevista escolarização, profissionalização, interação sócio-familiar e atividades de lazer e
12
Inexistindo a Defensoria Pública da Infância e Juventude, a defesa dos adolescentes pobres é feita por advogados da
Procuradoria de Assistência Juduciária, a mesma que presta assistência a adultos presos.
13
Artigo 112 do ECA.
14
Artigo 101 do ECA.
15
A organização não-governamental criada como decorrência direta deste projeto de pesquisa - HISTÓRIA DO PRESENTE
- Organização Paulista para Ações de Cidadania inicia, em janeiro de 2000, o gerenciamento de uma unidade regional de
atendimento, nas modalidades de semiliberdade e liberdade assistida, na região do ABCD, que permitirá atender 540
adolescentes anualmente na primeira medida e cerca de 1200 na Segunda.
34
cultura, com registro desse plano de trabalho no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente.
A evolução da prática de atos infracionais por parte de adolescentes, em São Paulo, foi feita a partir dos
dados do Departamento de Execuções da Infância e Juventude, que é, no Sistema de Justiça Juvenil, o
correspondente à Vara de Execuções Criminais. O DEIJ forneceu dados sobre a movimentação de
processos e aplicação das medidas sócio-educativas em todo o Estado de São Paulo durante o ano base
de 1998.17
A evolução do atendimento oferecido pelo Estado ao adolescente autor de ato infracional foi mapeado a
partir do relatório conclusivo da CPI da Febem, apresentado publicamente na Assembléia Legislativa
do Estado de São Paulo no dia 02.04.99, com dados atualizados quanto ao número de unidades de
internação, lotação de cada unidade, convênios para execução das medidas em meio-aberto, custos e
relação funcionário/adolescente.
O perfil do adolescente que dá entrada nas Varas da Infância e Juventude da capital foi traçado pela
Promotoria da Infância e Juventude, que através da Associação do Ministério Público Paulista criou um
banco de dados compilando informações sobre idade, cor, sexo, moradia, escolaridade, trabalho, uso de
drogas, artigo infringido, primariedade e reincidência.18
Ambas as bases de dados do DEIJ e do MP - com 2.934 registros, serviram para delinear o perfil do
adolescente em conflito com a lei - abaixo apresentado - filtrar e estabelecer comparações com a
realidade diagnosticada na unidade objeto desta pesquisa, o Internato Encosta Norte, da Febem.
Tabela 11 - COR
BRANC 1.817 61,93
A
PARDA 636 21,68
NEGRA 481 16,39
TOTAIS 2.934 100%
Fonte: Promotoria da Infância e Juventude da Capital - Ago/1998
16
ANTEPROJETO DE LEI DE EXECUÇÕES DE MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS: texto para discussão, ABMP,
Florianópolis, 1999.
17
DEIJ. Estatísticas de Medidas Sócio-Educativas, 1998.
18
Promotoria da Infância e Juventude da Capital-SP. Criminalidade infantil: um retrato da realidade, ago. 1998, pp. 78-81.
35
A expressiva presença de adolescentes de 15, 16 e 17 anos de idade contrasta com os últimos dados
demográficos levantados pela Pesquisa de Condições de Vida, da Fundação Seade, que identifica a
faixa etária de 10 a 14 como a mais numerosa, mas confirma as maiores dificuldades que enfrentam de
adentrar ao mundo do trabalho ou de inserir-se socialmente de alguma outra forma.
O quesito moradia, dentre outros, confirma a mudança do perfil do adolescente em conflito com a lei
em relação aos últimos anos. Os poucos moradores de rua podem ser tidos como infratores contumazes,
perpetradores de pequenos delitos relacionados à subsistência e à satisfação de suas necessidades
básicas por meio de pequenos furtos.
Tabela 14 - SEXO
MASCULINO 2.729 93,7
FEMININO 205 7,00
TOTAIS 2.934 100%
Fonte: Promotoria da Infância e Juventude da Capital - Ago/1998
36
Maior participação no universo das drogas e envolvimento com práticas delinquenciais violentas parece
ser a característica mais marcante desta geração de internos da Febem. É preciso ver nisto também que
tanto delegados de polícia quanto juizes e promotores possuem maior discricionariedade para o
enquadramento jurídico do adolescente. Como as delegacias especializadas para crianças e adolescentes
não empregam os mesmos procedimentos investigatórios aplicados nos distritos policiais que lidam
com adultos, a simples confissão por parte do adolescente ou simples imputação por parte do Delegado
de Polícia é suficiente para o enquadramento jurídico, independentemente de provas materiais, de oitiva
de testemunhas ou de estar o adolescente apenas assumindo a autoria de crimes cometidos por outras
pessoas, principalmente adultos.
A opção preferencia pela medida de internação, por parte de promotores e juizes deve-se, tanto à
pressão da opinião pública, via meios de comunicação, quanto à alegada falta de ações e de programas
de retaguarda de atendimento em meio aberto, operados pelo poder público e pela sociedade civil, que
constituam-se em alternativas à medida mais grave da internação.
FCARMO
V. CONC.
ITAQUA
TOTAIS
UEs (1-2219)
FROCHA
TAIPAS
Mês
A Quadro Demonstrativoabaixo, mostra a evolução das internações nas unidades da Febem, mês a mês e
unidade por unidade, deixando entrever a irregularidade no fluxo das internações e o quanto tem sido
difícil cumprir as orientações do Conanda quanto à capacidade máxima da unidade.
Em visita de inspeção no dia 22.12.98, constatei que o complexo da Imigrantes (Unidade de Acolhimento
Provisório 1 - UAP 1), estava com 1.364 adolescentes internados, 700 deles com medida de internação e
os demais com internação provisória aguardando decisão sentença.
19
As Unidades Educacionais são numeradas de 1 a 22 e destinam-se a internação depois da aplicação da medida.
38
Descontados cerca de 30% de reincidência dentre os adolescentes em conflito com a lei, 82.972
adolescentes foram submetidos à custódia do sistema de justiça juvenil durante o ano de 1998 no Estado
de São Paulo.20
A questão da superlotação é de difícil solução sobretudo porque os prefeitos municipais resistem aos
princípios de municipalização e de regionalização da política de atendimento à crianças e adolescentes,
recusando-se a criar ou permitir a instalação de unidades de internação em seus municípios ou nas cidades-
sedes de regiões administrativas.21
Na qualidade de membro da comissão julgadora do Prêmio Sócio-Educando durante o ano de 1998, tive
oportunidade de avaliar 96 programas de execução de medidas sócio-educativas desenvolvidos em 17
Estados da federação.
Desenvolvidos através de parcerias, termos de cooperação técnica ou convênios entre fundações estaduais
- tipo Febem - Varas da Infância e Juventude, Ministério Público, prefeituras municipais e organizações
não-governamentais, todos os programas centralizam-se especialmente na questão do acompanhamento
escolar e da profissionalização.
A pesquisa da Promotoria da Infância e Juventude da cidade de São Paulo aponta 8,89% de adolescentes
na faixa dos 13 anos envolvidos no tráfico de drogas; 8,89% na faixa dos 16 anos; 20% na faixa dos 15
anos, 17,78% na faixa dos 16 anos e 44,44% na faixa dos 17 anos de idade. A mesma pesquisa aponta que,
no geral, cerca de 30% dos adolescentes em conflito com a lei são usuários de drogas.
Outra pesquisa, desta feita realizada pelo Instituto de Estudos Sócio-econômicos (INESC), em 1997
apontou para 48% de usuários de drogas dentre os adolescentes internos em todas as instituições no
Brasil.22
Os subgrupo constituído pelos adolescentes internados no Internato Encosta Norte em nada difere do perfil
encontrado tanto pela Promotoria da Infância e Juventude como pelo Inesc. Ao terem sido classificados
como primários, segundo a definição jurídica também adotada pela justiça juvenil, foram destinados a uma
unidade específica - a de menor tamanho e com menor população - ainda que todos tenham cometidos
crimes graves, com mortes ou uso de violência.
20
82.972 adolescentes, cerca de 58.000 adultos, 5.540 cumprindo pena em regime aberto, 35 cumprindo penas restritivas de
direitos, 566 em prestação de serviços à comunidade, 4.500 em liberdade condicional, 4.768 cumprindo "sursis", indica que
em dezembro de 1998, aproximadamente 156.381 pessoas estavam de alguma forma sob custódia dos sistemas de justiça
criminal e juvenil, sem somar os mandatos de prisão não cumpridos, os casos de suspensão condicional do processo e as
fugas.
21
Na qualidade de membro da Comissão Interinstitucional para a Febem, composta na Assembléia Legislativa por
representantes do Tribunal de Justiça, da Procuradoria Geral do Estado, do Gabinete do Governador, da OAB, da Febem e da
Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, elaboramos e apresentamos ao Governador do Estado um plano,
que foi adotado depois das rebeliões em novembro de 1999, de descentralização e de regionalização dos adolescentes em
conflito com a lei.
39
Por essa característica da unidade, de ser destinada a adolescentes primários, a amostra revela-se
privilegiada em relação à população de internos nos itens moradia, escolaridade, trabalho e composição
familiar.
22
VOLPI, Mario (org.) O adolescente e o ato infracional, 2ª ed., São Paulo, Cortez, 1997.
40
A cultura jurídica brasileira tipifica duas modalidades de condutas delitivas, visando sua
prevenção e aplicação das penas. Os comportamentos definidos como "crimes" no Código Penal
Brasileiro são julgados pela justiça criminal ou pelo júri popular, se for homicídio, e apenado com
penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou multa, podendo tais penas serem isoladas
ou cumulativas.
A segunda modalidade, excluída do âmbito do Código Penal e remetida para a legislação especial,
refere-se ao "ato infracional", passível de ser cometido por crianças e adolescentes. Crianças entendidas
como pessoas em desenvolvimento no período compreendido entre 0 e 12 anos de idade. Adolescente
entendido como a pessoa em desenvolvimento no período compreendido entre os 12 e 18 anos de
idade.23
Não obstante o lapso temporal que separam as duas leis, a Lei de Execução Penal (de 1984) e o Estatuto
da Criança e do Adolescente (de 1990), são reconhecidos pela comunidade internacional como dois dos
mais avançados instrumentos jurídicos de proteção ao preso e à criança e ao adolescente, sendo este
último inclusive adotada por outros países. Ambos norteiam-se pelas diretrizes mais amplas traçadas
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Convenção Internacional pelos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, pela Convenção Internacional pelos Direitos Civis e Políticos, pela
Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, pelas
Regras Mínimas da ONU para Tratamento de Presos, pela Declaração dos Direitos da Criança e da
Convenção nos Direitos da Criança e pelas Regras Mínimas Nações Unidas para a Administração da
Justiça Juvenil (As Regras de Beijing).
Entender também a "penalogia" brasileira é passo fundamental para uma avaliação quanto à eficácia da
pena. Percorreremos, portanto, as diversas correntes teóricas que definem e conceituam a pena, para
situarmos a corrente predominante na legislação penal brasileira, e é em função dessa definição que
23
Artigo 2° da Lei Federal 8.069, de 13 de julho de 1990.
24
Artigo 27 do Código Penal - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas
estabelecidas na legislação especial.
41
O subsistema de justiça criminal é forjado a partir de uma seletividade estrutural, pois aqueles que
detêm o poder de definir o conceito de criminalidade o fazem a partir de sua concepção particular de
homem, de mundo e de sociedade, dirigindo a legislação penal e o aparato jurídico-policial e
administrativo para uma parcela mínima da sociedade, exatamente aquela cujos atos possuem mais
visibilidade. Colocar citação
Em face desta seletividade, o sistema de justiça criminal passa a atuar de forma fragmentária na defesa
dos interesses individuais e gerais, sendo a seletividade expressa também na escolha dos mecanismos
repressivos através dos quais se faz o recrutamento da clientela e a aplicação das sanções penais
estigmatizadoras, principalmente a pena de reclusão, ao passo que comportamentos semelhantes -
quando expressos por segmentos não-alvo - são ignorados ou abordados segundo uma ótica não
penalizante.
A intervenção do Estado no fenômeno criminal passa a ser então a criminalização sistemática de alguns
comportamentos (a tipologia criminal), restringindo sua atuação a determinados delitos e delinqüentes
(a morfologia do delito e do delinqüente), a quem são aplicados os "rótulos criminais" (primário,
reincidente específico ou genérico e inimputável).
Sob tais premissas, concebidas sob a égide das ciências penais, compilada e sistematizada no direito
penal, consolidada como fundamento da justiça criminal, balizadora das diretrizes da política de
segurança pública e instrumentalizadora das ações das polícias e da administração penitenciária, temos
todo um sistema concebido, dirigido e instrumentalizado a dar apenas respostas penais simbólicas como
proteção jurídica de bens e da vida, ao fenômeno da criminalidade e à insegurança social.
O simbolismo das respostas penais é evidenciado tanto nas intenções declaradas nos programas de
governo quanto no recrudescimento da legislação e da pena, cujos efeitos não podem ser subestimados,
visto que produzem resultados, ainda que não os originalmente previstos.
Para melhor compreensão dessa lógica que preside, em última instância, a aplicação da pena e sua
dosimetria, passemos em revista suas principais teorias, que se baseiam na promessa de cumprimento da
função instrumental da defesa social e do controle efetivo da criminalidade. Veremos que essas teorias
enunciam propostas e funções inalcançáveis para a pena, como a prevenção (geral negativa e especial
positiva) e outras impróprias à consecução de seus fins, como a prevenção (especial negativa e geral
positiva).
É Michel Foucault quem nos traça um panorama retrospectivo para melhor compreensão do histórico da
pena. Diz ele que o afrouxamento da severidade penal no decorrer dos últimos séculos é um fenômeno
bem conhecido dos historiadores do direito. Entretanto, foi visto durante muito tempo, de forma geral,
como se fosse fenômeno quantitativo: menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e humanidade.
42
Na verdade, tais modificações se fazem concomitantes ao deslocamento do objeto da ação punitiva ]...]
pois não é mais o corpo, é a alma.À expiação que tripudia sobre o corpo deve suceder um castigo que
atue profundamente sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições (1998:18).
O próprio Foucault, entretanto reconhece a decadência deste chamado "princípio de Mably", admitindo
que punir, atualmente, não é apenas converter uma alma. A consciência humanística do século XX não
mais admite que a pena marque o corpo e evoluímos para não permitir também que ela marque também
a alma e a subjetividade do ser humano. A pena incinde, essencialmente, sobre um bem ou valor social,
juridicamente tutelado: a liberdade.
Desde que o crime seja concebido como ente jurídico baseado no livre-arbítrio, expressando uma
violação consciente e voluntária da norma penal, a pena torna-se sua forma de retribuição, visando
restabelecer o equilíbrio rompido.
Beccaria, com as Teorias Relativas da Prevenção, e Carrara, com suas Teorias Absolutas da
Retribuição, foram dois dos principais dissidentes dessa escola. Para o primeiro, a pena é vista "como
um meio para a realização de fins socialmente úteis", impedindo o aumento dos crimes, e para o
segundo, "a pena não é vista como um meio para a realização de fins, uma vez que encontra em si
mesma a sua própria justificação". As posições de Carrara prevaleceram dentro dessa escola, como
relata Pablo de Molina (1997:).colocar página
A pena não deve recair sobre o infrator em si, mas a perspectiva de sua aplicação iminente e o ritual
dela decorrente deve gerar um efeito dissuasor, atingindo psicologicamente aqueles que estariam
inclinados a transgredir as leis.
A segunda das correntes a ser considerada foi desenvolvida dentro da Escola Positiva italiana, com o
nome de prevenção especial positiva. Enrico Ferri partiu da hipótese de que o delinqüente "é um ser
43
A Escola Positiva italiana estabelece uma linha divisória entre o mundo da criminalidade - composta de
uma "minoria" de sujeitos potencialmente perigosos e anormais - e o mundo da normalidade -
representada pela "maioria" na sociedade, mas adverte que "(...) a sanção não tem que infligir um
castigo proporcional a uma culpa moral, e sim prover a mais eficaz defesa social frente a delinqüentes
perigosos", conceituando o crime como um "fato natural e social, praticado pelo homem causalmente
determinado, que expressa a conduta anti-social de uma dada personalidade perigosa do delinqüente".
Esta conceituação esvazia a pena de seu significado retributivo passando a enfatizar a necessidade da
correção do condenado para a vida em sociedade. Colocar referências
Depois que os teóricos da Nova Defesa Social retomaram as idéias da prevenção especial positiva, no
pós-guerra, elas passaram a constituir a base dos programas de reabilitação nos Estados Unidos e na
Europa dos anos setenta. Colocar referências
A Escola Positiva italiana elevou a Criminologia tradicional ao status de ciência que estuda as causas da
criminalidade, fornecendo, há um século, os paradigmas dentro dos quais opera a teoria científica do
sistema penal. A Criminologia Crítica considera-a apenas como legitimadora do sistema e da política
criminal oficial, acusando-a de produzir efeitos contrários ao da ressocialização, de não contribuir para
diminuição da criminalidade e de possibilitar a consolidação de carreiras criminosas, acentuando a
estigmatização e o nível de tensões sociais.
Finalmente, consideraremos a teoria da prevenção geral positiva, que também entende o delito como um
fenômeno normal da sociedade, exceto quando ultrapassados certos limites, configurando-se como
patológico. Esboçada por Durkheim e, portanto, tributária do funcionalismo, insiste claramente na
necessidade de validação das normas, enquanto facilitadora do processo de integração social e de
44
restauração da confiança social em suas instituições. Com esse enfoque, Durkheim, entende que a pena
- dirigida para a coletividade dos cidadãos - mantém a solidariedade social e cumpre com o objetivo da
defesa social: proteger a sociedade mediante a expiação da culpa, contribuindo para manter a coesão
social e despertar a consciência comum.
Se focalizadas sob a luz da teoria sistêmica, conclue-se que ambas as linhas teóricas orientam-se apenas
no sentido de "manter o equilíbrio do sistema", partindo de hipóteses que não permitem uma
confirmação empírica, porque adotam instrumentais simbólicos para combater uma criminalidade
também simbólica. Colocar referência
A eventual atuação preventiva de todo o sistema penal e de seus sucedâneos e correlatos incide somente
sobre os efeitos das práticas delitivas já realizadas, e não sobre as causas que as desencadeiam; incide
contra as pessoas e não sobre as situações; é reativo e não preventivo; privilegia a validade das normas e
não a proteção das vítimas reais ou potenciais.
45
A cultura jurídica brasileira define que a pena de privação da liberdade seja competência exclusiva do
Estado, com pouca ou quase nenhuma participação da sociedade civil e pouca ou nenhuma
interferência das realidades extra-muros. Logo, a pesquisa com indivíduos submetidos a essa
modalidade de pena precisa levar em conta tanto os marcos legais quanto institucionais para a
condução da investigação.
A inserção do pesquisador neste universo não é o maior dos obstáculos epistemológicos, como
adverte Becker (1994:134), referindo-se à dificuldade de se apreender o conjunto de determinada
realidade pelo estudo de suas partes quando não se tem suficiente familiaridade com ele.
A legislação específica, a cultura organizacional imposta pela esfera administrativa a que o sistema se
subordina e a dinâmica de funcionamento interno de uma instituição penitenciária - expressa através
de leis, portarias, provimentos e resoluções - impõem ao pesquisador diretrizes objetivas que sua
opção metodológica não pode ignorar.
Não raro, nos deparamos com impropriedades na área de execução penal, devido, tanto ao hábito de
fazer a vontade política prevalecer sobre o texto da lei quanto de desconhecimento da legislação, da
estrutura do judiciário e de suas competências por parte dos operados do direito.
A lei não permite que o preso fique sob a tutela dos mesmos agentes que o prendeu. A prisão de uma
pessoa imediatamente a coloca sob tutela da justiça até a promulgação da sentença, e sob a tutela do
Estado após a condenação, mas hoje todos os presos recolhidos em distritos policiais e em cadeias
públicas estão sob responsabilidade da Secretaria a Segurança Pública, a mesma a qual estão
subordinadas as policias civil e militar.
A responsabilidade pelos "presos soltos"25, por exemplo, não está suficitemente clara, o que permitiu
que tal atribuição fosse alocada à Secretaria da Administração Penitenciária, que por definição tem
responsabilidades apenas sobre o "preso-preso".
Institutos jurídicos como o sursis, liberdade condicional, prisão albergue domiciliar, prestação de
serviço à comunidade e etc., não possuem sistemas eficazez de fiscalização e de acompanhamento
porque não há entendimentos consensuais dentro do judiciário e do executivo sobre de quem sejam
tais responsabilidades.
Ciente disso, é preciso delimitar os marcos legais e institucionais dentro dos quais se dá uma pesquisa
com presos, não para justificar eventuais lacunas, dificuldade de acesso a informações ou de
compreensão de todo o funcionamento do subsistema, mas sim para situar quais são as variáveis
46
capazes de ter impacto sobre a amostra estudada, e consequentemente, aquilatar o significado deste
impacto.
Não existe no Brasil um sistema federal de prisões, mas sim legislação e órgãos normativos federais –
Código Penal Brasileiro, Lei de Execução Penal e Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP) - que traçam as diretrizes e formulam a política setorial a ser executada por
todas as unidades da federação e um Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), criado pela LC n° 79,
de 07 de janeiro de 1994 – que capta recursos para distribuir aos Estados.
A legislação subsidiária, que reformou a parte geral do Código Penal, e que de certa forma, orientou a
formulação da política criminal e penitenciária, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de
Execução Penal e a criação das academias penitenciárias encontram-se hoje ancoradas em tratados e
convenções internacionais de que o Brasil tornou-se signatário, inserindo-o de forma definitiva no
contexto penal e penitenciário internacional.
O Código Penal Brasileiro – que data de 1940 - adotou o sistema unificado e progressivo de penas, e a
reforma de sua parte geral – efetivada em 1985 – delimitou a pena de privação de liberdade às
modalidades de reclusão e detenção.
Os efeitos da sentença de condenação criminal, qualquer que seja a modalidade da pena aplicada, só
exaure completamente os seus efeitos depois de cinco anos de sua prescrição – e não com a saída da
prisão – se o apenado não se envolver em qualquer fato delituoso. Isso quer dizer que o sujeito
primário condenado a 30 anos de reclusão, se cumprir 10 anos e sair em Liberdade Condicional,
estará sob tutela e fiscalização da justiça criminal durante os 20 anos restantes, somando-se mais 5
anos para sua prescrição.
O Artigo 33, parágrafo 2° da LEP determina que a pena de privação da liberdade seja cumprida de
modo progressivo, observando-se única e exclusivamente o mérito do condenado. Isto porque o
25
Presos soltos é a designação dada pelo Tribunal de Alçada Criminal aos sentenciados a penas que não sejam de detenção
ou de reclusão e que podem cumprir a sentença de condenação em liberdade, sob supervisão.
47
Código Penal Brasileiro estipula que pessoas condenadas a pena superior a oito anos devem,
obrigatoriamente, iniciar seu cumprimento em regime fechado. Os não reincidentes, cuja pena seja
superior a quatro anos de reclusão e menos de oito anos, podem iniciar o seu cumprimento em regime
semi-aberto
O rol das penas aplicáveis, segundo o Código Penal Brasileiro, pode ser assim demonstrado:
26
Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Instrumentos Internacionais de proteção dos direitos Humanos, Centro de
Estudos, Série documentos, n° 14, 1996.
27
Lei federal de 1998, ampliou o leque das “penas alternativas” para pessoas condenadas a penas até quatro anos de reclusão.
A Secretaria da Administração Penitenciária, o Fundo de Desenvolvimento da Educação e a Secretaria Municipal da Família
e Bem-Estar Social foram credenciadas pelo Tribunal de Alçada Criminal (sic) para procederem à fiscalização e ao
acompanhamento dos chamados "presos soltos".
28
Há farta jurisprudência nos tribunais quanto a essa propriedade de transformação da multa aplicada na sentença de
condenação em dias de prisão. O inverso também é verdadeiro, de transformar dias de prisão em multa. Os artigos 36 e 38 do
Código Penal permitem que a multa judicial seja parcelada em até dezoito meses quando superior a R$ 1.000,00 ou converte-
la em detenção de até um ano.
29
A Secretaria da Administração Penitenciária concebeu e implantou o Centro de Detenção Provisória (CDP), destinada a
receber pessoas sob custódia da justiça, mas sem sentença de condenação definitiva, com capacidade para 210 presos.
30
Definições apresentadas na apostila COESPE. Estrutura e funcionamento, 2ª edição, Série Informações, 1989.
31
Diversas penitenciárias, como também cadeias públicas possuem anexos destinados ao regime semi-aberto, contrariando as
disposições da Lei de Execução Penal, que estipula a existência deste regime apenas no modelo de colônias penais agrícolas.
48
Industrial
Esses pressupostos metodológicos delimitam o espaço, o tempo e a forma como a pena de privação de
liberdade deve ser executada em todo o território brasileiro e cumprida pelo condenado (Código Penal
e Lei de Execução Penal), definem a destinação de cada unidade prisional e instituem mecanismos e
instrumentos afetos à execução da pena, como o Laudo Criminológico, a remição, o pecúlio, a visita
íntima, remoção, transferência, etc., que o pesquisador não poderia ignorar.
Há outra ordem de pressupostos metodológicos, estes sugeridos pelo pesquisador, com o sentido de
orientar a leitura e análise, tanto da dinâmica prisional quanto dos dados quantitativos e qualitativos
coletados junto aos presos, e remete-se à especificidade de cada unidade prisional.
A distinção entre os marcos legais e institucionais que ordenam a vida prisional e os pressupostos
metodológicos que chamo de dimensões individual e institucional deve-se à percepção que para além
da estrutura formal da prisão e do sistema penitenciário, existe uma dinâmica interna que ordena a
vida na prisão, a que Foucault chamou "poder disciplinador".
Segundo suas próprias palavras "é importante notar que ele [o poder disciplinador] nem é um
aparelho, nem uma instituição, na medida em que funciona como uma rede que as atravessa sem se
limitar a suas fronteiras. Ele é uma técnica, um dispositivo, um mecanismo, um instrumento de poder,
são métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição
constante de suas forças e lhes impõem uma relação de utilidade-docilidade" (1993:XVII).32
Eu também argumentei que “a direção das unidades de internação reconhece, implicitamente, que ao
nível da constituição da identidade social virtual, da identidade social real e das representações
sociais do eu e do outro, o micromundo das instituições autonomizou-se a ponto de estabelecer um
conjunto de regras básicas que são permanentes e determinantes.” (SILVA, 1997:98). “É, em última
49
instância, esta cultura institucionalizada, sem um formulador teórico visível, que não é a prática
oficial das instituições, que é sistematicamente negada por funcionários e por técnicos, mas que de
fato existe, que continua vitimando crianças e adolescentes, que constrange seus próprios
profissionais e que envergonha a nossa sociedade, que eu denomino de pedagogia do crime. (SILVA,
1997:115).
Outra coisa bastante distinta – e que poucos conseguem investigar – é a dinâmica da vida prisional –
entendida como a relação estabelecida entre os internos e destes com os agentes prisionais, enfim a
microfísica do poder vigente dentro das prisões.
Esse tratamento metodológico da questão antecipa minha percepção de que o sucesso ou o fracasso
das finalidades objetivas da pena, como de resto em qualquer outro empreendimento, deve-se mais e
essencialmente à natureza e à qualidade das relações que se estabelecem entre os diversos atores
sociais do que aos aspectos formais de sua organização.
A correta operacionalização dos pressupostos metodológicos antes apresentados poderá nos levar a
entender o que são as variáveis intervenientes que interagem no interior das prisões, como as relações
intra e extramuros podem ser determinantes na forma como o indivíduo cumpre sua pena e outros
fatores que concorrem para a eficácia ou ineficácia da pena aplicada.
Não obstante a existência de parâmetros legais pelos quais verificar se a finalidade atribuída à pena
está sendo efetiva e objetivamente cumprida, dentre elas nossa Lei de Execução Penal e as Regras
Mínimas para Tratamento de Presos, estabelecidas pela ONU e ratificadas pelo Governo brasileiro,
entendi desde o início da formatação desse projeto que a dimensão sócio-pedagógica da pena de
32
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder, 11ª ed. Rio de Janeiro, Graal, 1993.
50
privação de liberdade possui também uma dimensão subjetiva que não pode ser avaliada por
indicadores tradicionais como escolaridade, profissionalização e índices de reincidência.
É oportuno, portanto, esclarecer o entendimento aqui expresso sobre o que seja essa procurada
"eficácia sócio-pedagógica" da pena de privação da liberdade.
Estabelecidos os marcos legais e institucionais que delimitam os parâmetros objetivos pelos quais
proceder essa avaliação, e estabelecidos os pressupostos metodológicos que consideram a
subjetividade do indivíduo, construída durante o período de cumprimento da pena, podemos
estabelecer por efeito sócio-pedagógico desejável na aplicação da pena o aprendizado decorrente da
experiência de estar privado da liberdade, aprendizado este que pode redundar em maior conformação
aos valores socialmente aceitos, traduzindo-se em maior responsabilidade individual, familiar e social
e expressa renúncia aos comportamentos delitivos.
"Aprendizado" no sentido de uma constante sociológica, conforme a definição dada por Berger à
"conhecimento" (1978:11);33: "conformação aos valores sociais" no sentido de adesão ao estado de
direito constitucionalmente instituído e "responsabilidade" segundo o seu sentido jurídico.
Por dimensão individual entendo os efeitos da pena de privação da liberdade advindos diretamente da
forma como o indivíduo auto-administra o cumprimento de sua pena, com interfaces para as relações
interpares, sócio-familiares e institucionais. Os dados da pesquisa mostraram que tem peso
significativo na conformação desta dimensão individual os atributos individuais eventualmente
apropriados na vida familiar, na vida escolar, no ambiente de trabalho e na participação social e
comunitária. São, enfim, os efeitos decorrentes de sua ação ou omissão, tanto nas relações intra como
extramuros, e que têm implicações diretas na dinâmica de suas relações sociais e determinam sua
forma de inserção na sociedade após o cumprimento da pena.
Por dimensão institucional entendo as diretrizes, normas e práticas carcerárias que moldam o sistema
penitenciário, como a legislação, a administração, o regime disciplinar, a arquitetura e tudo o que
pode ser abrangido dentro do conceito de "terapia penal", que é da competência da administração do
33
BERGER, Peter L. A Construção social da realidade. 4ª ed. São Paulo, Vozes, 1978.
51
sistema e que determinam as condições objetivas para maximização ou minimização dos resultados da
pena sobre o indivíduo durante o período de seu cumprimento.
Para dar maior consistência às variáveis que compõem as dimensões individual e institucional, foi
preciso colher dados que permitissem delinear com a maior objetividade possível o perfil dos
entrevistados e de suas relações sócio-familiares e comunitárias como também o pensamento jurídico-
institucional dominante nos sistemas onde estão inseridas as unidades pesquisadas.
DIMENSÃO INDIVIDUAL
biografia pessoal
atributos de identificação: apelido, tatuagens, cicatrizes, etc.
status prisional: papel e posição ocupada pelo indivíduo no universo institucional
status criminológico: papel e posição ocupada pelo indivíduo no submundo do crime
progressão criminológica efetuada pelo sujeito
tempo de institucionalização
extensão da pena
ganhos e as perdas durante o cumprimento da pena
danos causados pelo aprisionamento
grau de escolarização obtido antes e depois da prisão
grau de profissionalização obtido antes e depois da prisão
vinculação sócio-comunitária de caráter político, cultural ou assistencial
grau de inserção familiar
nível de comprometimento das figuras de referência na carreira delinquencial
DIMENSÃO INSTITUCIONAL
mesmo conjunto de valores, regras e símbolos, nos quatro subgrupos aqui apresentados o histórico de
institucionalização anterior não foi importante nem fator homogeneizador da biografia de todos os
sujeitos.
Foi preciso procurar fatores comuns na biografia dos sujeitos selecionados que fornecessem os
elementos necessários para a análise. Com esse propósito, os conceitos de “socialização primária,
secundária e terciária”34, que servem de eixos estruturadores das variáveis que compõem as
dimensões individual e institucional, foram empregados no sentido de catalizar as experiências
comuns dos sujeitos ao longo da infância, adolescência e juventude, e possibilitar entendimento em
que medida os componentes desse circulo de socialização puderam ser determinantes na construção
ou consolidação da carreira delinquencial e que papel elas cumprem durante o período de
cumprimento da pena.
Com esse entendimento, quando aplicada à amostra em questão, socialização primária foi entendida
como o período de vida dos 0 aos 7 anos de idade. Por socialização secundária, o período de 7 a 16
anos de idade; e por socialização terciária entende-se o curso de vida trilhado pelo sujeito dos 16 anos
de idade até o momento de sua prisão.
O histórico infracional anterior, pelo qual não houve punição, nem enquanto adolescente nem
enquanto adulto, não foi situado no tempo, no espaço e nem em sua especificidade tipológica, dado o
meu entendimento que tal histórico, não sendo alvo da ação jurídico-policial, isto é, não resultando
em sentença de condenação com pena de privação da liberdade, faz parte da biografia do sujeito como
parte de seu processo de socialização em liberdade, mas não de sua Folha de Antecedentes Criminais,
portanto, sem impacto considerável na constituição de sua identidade institucional.
Por fim, a mensuração do nível de participação de membros da família, cônjuges e/ou companheiros
(as) nos delitos cometidos, assim como a identificação de eventuais parentes, cônjuges e/ou
companheiros (as) ou filhos que tenham sido presos, foi no sentido de colher subsídios para melhor
entendimento de como se deu a socialização terciária de cada sujeito e o nível de comprometimento
de suas figuras de referência na carreira delinquencial.
34
Socialização primária e secundária são categorias consagradas dentro da Sociologia, mas socialização terciária é uma
conceituação própria do autor para reclassificar o período de vivência no ambiente de trabalho, aplicando-se também para
análise da vivência dentro de instituições totais, quando o termo se torna sinônimo de institucionalização e de prisionização.
53
Não obstante o recurso semântico que diferencia "infração" de "crime" e "internato" de "prisão", o aparato
jurídico-policial e administrativo que atua sobre adolescentes e adultos é o mesmo, a arquitetura
institucional é a mesma e as práticas de reabilitação também as mesmas. Ambos os subsistemas são partes
integrantes do sistema de justiça criminal e das políticas de segurança pública. Portanto, ambas as
instituições - internatos e prisões - se destinam à custódia de pessoas judicialmente privadas da liberdade e
justificam a mesma categorização e o mesmo tratamento metodológico.
No universo da criminalidade adulta, esta custódia é dividida entre as secretarias da Segurança Pública e
da Administração Penitenciária. A primeira, tem como finalidade precípua manter sob custódia pessoas
acusadas, mas sem condenação, que aguardam instrução do inquérito policial ou julgamento em cadeias
públicas localizadas nos municípios paulistas. A segunda tem a prerrogativa de manter sob custódia presos
já condenados pela justiça, ainda que haja possibilidades de recursos, de diminuição da pena ou de
absolvição por instância superior da justiça. Entretanto, as distorções existentes na custódia de presos no
Estado de São Paulo impôs ao pesquisador que escolhesse unidades prisionais independentes de sua
subordinação administrativa.
Dada a necessidade de compor o universo de pesquisa com sujeitos com os quais fosse possível verificar
os desdobramentos sócio-pedagógicos do processo de institucionalização, privilegiou-se a composição
desse universo com subgrupos de características bastante distintas entre si, onde, entretanto, estivessem
presentes as mesmas variáveis.
As características das quatro unidades abaixo descritas indicam que dentro do respectivo subsistema, elas
são unidades modelos, sendo legítimo supor que ofereçam melhores condições para dar à pena de privação
da liberdade a eficácia que dela se espera.
Dentre as 28 unidades de internação da Febem existentes no início de 1998, o Internato Encosta Norte era
a única unidade do gênero que, em minha avaliação, melhor poderia cumprir os objetivos da internação
estipulados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, motivo pelo qual convencionei constituir um
subgrupo com todos os seus 60 adolescentes internos.
Ser primário na Febem e estar cursando pelo menos a 5ª série do Ensino Fundamental são os pré-requisitos
de admissibilidade para que um adolescente seja enviado ao Encosta Norte. Não obstante terem todos eles
cometidos crimes violentos, esses pré-requisitos determinam um perfil relativamente diferenciado dos seus
internos em relação aos internos das demais unidades da Febem.
No conjunto das 42 unidades administradas pela COESPE em janeiro de 1998, a Penitenciária de Franco
da Rocha era - e ainda é - a única próxima a capital que comporta o regime semi-aberto.35 No momento da
pesquisa estava com 1.200 detentos, com aproximadamente 700 deles trabalhando fora e retornando
apenas para dormir. Dentre sua população estão alguns dos presos mais antigos do Estado de São Paulo
que já podem ser libertados.
A mesma penitenciária foi objeto, durante o ano de 1997, de uma ampla auditoria por parte da
Corregedoria Administrativa da Secretaria da Administração Penitenciária, tendo, posteriormente, o
próprio corregedor e sua equipe assumido a direção da unidade ao final da correição.
Não obstante o desvio indicado na nota abaixo, próprio de um sistema que se autoregula mais pela
observação empírica e não pelo fiel cumprimento da lei, tais circunstâncias indicavam estar a Penitenciária
de Franco da Rocha em condições bastante favoráveis em relação às demais unidades para cumprir os
objetivos da pena, conforme impõe a Lei de Execução Penal, razão pela qual foi selecionada.
35
Observe-se que a existência de regime semi-aberto em uma penitenciária constitui um desvio na aplicação da Lei de
Execução Penal, que prevê a execução deste regime apenas nas colônias agrícolas.
55
Inicio esta parte refutando a heterogeneidade que se faz na "sociologia da exclusão" quanto ao uso do termo
"excluído" e incorporo-me ao grupo dos que defendem a necessidade de novas definições e de novas
abordagens para decodificar a complexa realidade social brasileira.
A teoria da exclusão alimenta-se do "pensamento da ausência", e no dizer de Robert Castel36 "é uma
qualificação puramente negativa que nomeia a falta sem dizer no que ela consiste nem de onde ela vem".
O discurso da exclusão, continua Castel, "autonomiza situações limites que só têm sentido quando colocadas
em um processo. A exclusão se dá efetivamente pelo estado de todos os que se encontram colocados fora dos
circuitos vivos das trocas sociais. Rigorosamente, esta sinalização pode valer como um primeiro
reconhecimento dos problemas a serem analisados, mas seria preciso acrescentar, também, que estes
"estados" não têm sentido em si mesmos. São o resultado de trajetórias diferentes. De fato, não se nasce
excluído, não se esteve sempre excluído, a não ser que se trate de um caso muito particular" (1995:3).
O texto de Castel - discutido na disciplina Sociologia da Juventude - apenas sinaliza a necessidade dessa
reflexão e depois se dedica a analisar os "fatores de exclusão" no contexto da globalização, mas permitiu situar
com mais propriedade a natureza da exclusão que afeta o objeto desta pesquisa.
Serge Paugam, liderando um grupo de cinqüenta pesquisadores no Institut d'Etudes Politiques e na Ecole de
Hautes Etudes em Sciences Sociales (EHESS), sistematizou e sintetizou as discussões e as linhas teóricas
sobre "exclusão" na obra L'exclusion social - l'etat de savoir. Primeiro ele sugere que se faça distinção do
termo quando empregado no debate social e quando empregado na pesquisa científica, aplicando-se definições
e conceituações mais apuradas para esta. As três grandes orientações teóricas definidas pelo grupo incluem a
noção de "trajetória" (possível de ser investigada pela pesquisa longitudinal), que resulta em "desqualificação
social", o conceito de "identidades" especificamente quando o processo de socialização resulta em uma
"identidade negativa", e a questão do "território", quando caracteriza a "segregação espacial".
55
56
membros de um estrato social muito distinto. Ademais, segundo o roteiro definido pelo grupo de Paugam,
possuem trajetórias individuais e coletivas que sucessivamente os tornaram em desqualificados sociais (foram
"qualificados policialmente), tiveram suas identidades transformadas (indesntidades criminosa e institucional)
e sofreram o processo de segregação social (por decisão judicial), sendo confinados a territórios específicos e
bem delimitados (internatos e prisões).
Dentre os excluídos jurídicos contamos as crianças órfãs e abandonadas que vivem abrigadas em instituições
por determinação dos Conselhos Tutelares37, os adolescentes a quem se atribui a autoria de ato infracional e
que receberam sentença de internação em instituições estatais e os presos judicialmente condenados. Por
último, mas que não interessa aos nossos propósitos, contamos também os índios, haja vista o regime jurídico
especial que os mantêm diferenciados, rotulados e segregados do conjunto da sociedade.
É importante notar que em tratando-se de excluídos jurídicos, não há que se considerar as variáveis moradia,
instrução, saúde e renda, pois em tese eles podem ser originários de todas as classes sociais e a provisão das
suas necessidades básicas é de responsabilidade do Estado.
Privados que estão da liberdade, a prisão nivela todos por baixo, impondo as mesmas condições a todos os
custodiados pelo mesmo sistema justiça criminal, que vestem os mesmos uniformes, comem a mesma
comida, moram no mesmo espaço físico, se submetem às mesmas normas disciplinares, cumprem os mesmos
rituais e respondem aos mesmos agentes.
Os níveis de escolaridade e de profissionalização, o modus operandi ou a origem social do preso, pelo menos
em tese, em nada diferencia um preso do outro38, subordinados que estão aos mesmos procedimentos
administrativos e jurídicos, às mesmas autoridades e às mesmas formas de representação social, tanto dentro
quanto fora da prisão.
O estrato social que se encontra abaixo da linha de pobreza, ditos excluídos sociais são excluídos porque não
têm acesso às diferentes facetas do chamado mercado de oportunidades sociais: moradia, trabalho, educação,
saúde, segurança e consumo.
1. CASTEL, Robert. As armadilhas da exclusão, In; Lien social et politiques, Paris, Riac, 1995.
37
Ressalte-se que as determinações dos Conselhos Tutelares possuem força jurídica e só podem ser desfeitas por um juiz, ouvido
sempre o Ministério Público.
38
Vide sobre os processos de hierarquização e de constituição do status prisional dentro das prisões op. cit. p. 189.
56
57
Mesmo levando-se a sério a afirmação do presidente Fernando Henrique Cardoso de que temos que conviver
com a realidade de que uma parcela significativa desse estrato social não poderá ser absorvida pelo mercado
das oportunidades sociais, podemos admitir que a medida que o “miserável” recupera a sua capacidade de
moradia, de consumo, de trabalho e de escolarização ele insere-se, em graus variáveis, dentro da dinâmica da
vida social.
De modo diverso, os excluídos jurídicos, mesmo não sendo consumidores nem usuários ativos das
oportunidades socialmente oferecidas, estão alijados da dinâmica da vida social. De acordo com o período de
duração da pena de privação de sua liberdade e do impacto que terá sobre ele os processos de
institucionalização e de prisionização, quando recuperada a liberdade, serão eles também alijados ou
marginalizados da vida social por força do estigma social que pesa sobre eles.
Paugam (2000:35) lembra que as classes trabalhadoras eram submetidas a processos de domesticação
através das escolas, das fábricas, hospícios, presídios, da legislação, da repressão para serem força de
trabalho, necessária para a expansão da produção capitalista. Agora os excedentes não interessam mais à
economia. Em face do crescimento da pobreza e da miséria e do aumento da violência criminal, surgem
tendências à intolerância e mesmo ao extermínio.
O pesquisador adverte que tal ideologia justificadora da eliminação dos miseráveis pode estar na raiz das
chacinas, dos massacres em favelas, bairros populares e no campo e,. inclusive, nos assassinatos perpetrados
contra mendigos, moradores de rua, índios e presos39 ocorridos nos últimos anos: são inúteis, incômodos e
potencialemente perigosos O excluído moderno é, assim, um grupo econômico que se torna economicamente
desnecessário, politicamente incômodo e socialmente ameaçador, podendo, portanto, ser fisicamente
eliminado. (idem:35).
É esta condição de "economicamente desnecessário", aliás, que permite apreender o delinqüente/ criminoso
moderno em sua dimensão organizativa e empresarial. A predominância de crimes contra o patrimônio, na
forma de furtos, roubos, estelionatos e extorsão, por exemplo, todos de motivação essencialmente sócio-
econômica, permite supor uma ação organizada contra o "espírito do capitalismo" e uma forma de burlar os
mecanismos tradicionais de posse, de acumulação e de legitimação da propriedade de bens e da riqueza.
Mesmo as modalidades criminosas que giram em torno do tráfico de drogas, cada vez mais crescente, possui
uma dimensão organizativa e empresarial que permite supor uma forma de concorrência diferenciada,
congregando segmentos populacionais que já estavam em condição de marginalidade social e pessoas que
39
Acréscimo em destaque do autor.
57
58
viram esgotadas as possibilidades de adquirir um padrão de vida razoável submetendo-se às regras de mercado
e da "boa" convivência social.
Tentar entender a eficácia sócio-pedagógica da pena de privação da liberdade pressupõe analisar esse
instrumento sob a perspectiva da ação do Estado sobre o indivíduo preso, pois ele, com o monopólio da força
legítima, é quem aplica e executa a pena.
Se pretendêssemos tentar entende-la sob perspectiva diferente - como o sentenciado responde à pena de
privação da liberdade - nosso ângulo de estudos seria a eficácia do castigo aplicado ao indivíduo que comete
crimes. Por essa abordagem, teríamos que admitir que os eventuais resultados obtidos quanto à recuperação,
reeducação e ressocialização, se dão em função de motivação pessoal do indivíduo, e certamente as variáveis a
serem pesquisadas seriam outras.
Devemos considerar como desvio – que resultará favorável à ação do Estado – quando o indivíduo, seja ele
um delinqüente eventual ou uma pessoa com bons atributos pessoais, opera seu próprio processo de
transformação, com ações objetivas no sentido de romper com o círculo da criminalidade, pois, via de regra,
nesse caso o mérito está nos esforços do próprio indivíduo e não nas ações do Estado.
A eficácia de uma política de inclusão social deve ser no sentido de dotar o cidadão dos mínimos sociais
prescritos no parágrafo único do artigo 2° da Lei Orgânica de Assistência Social, que apregoa:
"A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando o enfrentamento da pobreza,
à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à
universalização dos direitos sociais" (MPAS, 1997).
58
59
Do espírito da lei depreende-se que dotar o cidadão de capacidade de autosustentação financeira, alfabetiza-lo,
fornecer-lhe moradia e integra-lo à rede pública de serviços constitui o mínimo social capaz de estender a ele
os direitos básicos para o exercício da cidadania.
De modo análogo, a eficácia da pena de privação da liberdade consiste em dotar o indivíduo preso de um
aparato conceitual que lhe permita apropriar-se de códigos, símbolos e valores para tornar-se uma pessoa útil a
si próprio, à sua família e à sociedade, principalmente não voltando a delinqüir, além de assegurar os mínimos
sociais básicos à sua sobrevivência em condições de dignidade.
Classe "A"
CLASSE
ALTA
MISERÁVEIS/EXCLUÍDOS SOCIAIS
Em que consiste a inclusão social? Como ela ocorre? Quais são os pressupostos necessários para que ela
aconteça? Vou tentar responder às indagações sugeridas por Castel para melhor contextualizar os excluídos
jurídicos.
Os atributos socialmente mais valorizados por qualquer segmento social são a riqueza, a fama e o poder. É
obvio que tais atributos não estão igualitariamente distribuídos por todos os segmentos sociais e menos ainda
nos dois segmentos que nos servem de termo de comparação.
Excluindo-se os eventos fortuitos capazes de trazer fama, riqueza e poder da noite para o dia, ao cidadão
comum, já vulnerabilizado em suas condições de sobrevivência, que alternativas lhe sobram para propiciar
uma inserção social que possa revelar a eficácia do programa que o atende? Inserção social que, garantindo os
mínimos sociais já explicitados, assegure também o pleno exercício dos direitos de cidadania, o respeito e a
consideração, pelo menos, do seu círculo familiar.
Para o segmento objeto deste estudo, não me ocorre outras alternativas além da educação e do trabalho.
59
60
É preciso termos clareza de que sair das ruas e ir morar provisoriamente em um albergue ou uma favela não
pode ser tido como uma inclusão social bem sucedida. Da mesma forma, apenas o ato de sair da prisão não
assegura a inclusão social, especialmente porque sabemos que a condição de egresso do sistema penitenciário
é eivada de estigmas que dificultam em muito a aceitação social do indivíduo, além das dificuldades notórias
quanto a obtenção de emprego e de reintegração à vida familiar e comunitária.
O movimento de saída de uma situação de rua ou da prisão, via de regra, remete o indivíduo à situação de
marginalidade social e não de inclusão social, portanto, nosso parâmetro de avaliação deve ser no sentido de
que o indivíduo, ao sair da situação de exclusão social ou jurídica, transponha também a situação de
marginalidade social, sem o quê, nenhum programa de inclusão poder ser tido como bem sucedido.
A passagem de um extrato social a outro, nos termos da mobilidade social, pressupõe a apropriação de
instrumentos conceituais que constituam-se em alicerce seguro para o resgate da dignidade e exercício dos
direitos de cidadania.
Se concebermos cada extrato social como universos hermeticamente fechados, com códigos, símbolos e
valores próprios, veremos que o sentimento de pertencimento a determinado extrato social passa
necessariamente pelo domínio desse conjunto de valores simbólicos.
A dificuldade de apropriação desses códigos, símbolos e valores torna-se contundente quando um intelectual
tenta penetrar no universo simbólico de minorias sociais, quando educadores tentam abordar meninos de rua,
quando pesquisadores adentram às prisões, e em qualquer outra situação onde representantes de um extrato
social tenta analisar, interpretar e intervir em outro.
A rua, a prisão, o prostíbulo, a igreja, a indústria, a universidade, a política, etc., quando pensados como
universos herméticos, revelam códigos, símbolos e valores que lhes são próprios e que, sendo
preferencialmente compartilhados entre seus iniciados, revela-se impermeáveis e por vezes inacessíveis aos de
fora. A medida do sucesso em cada um desses universos tem a ver com o maior ou menor domínio dos seus
códigos, símbolos e valores.
A deficiência – ou impossibilidade – de apropriar-se desses códigos, símbolos e valores não tem a ver, para o
excluído, apenas com dificuldades de adaptação em universos diferentes, mas com o comportamento, com a
comunicação e tudo aquilo que faz uma pessoa sentir-se igual, gênese do sentimento de pertencimento a
qualquer grupo.
Ainda que admitíssemos a possibilidade de apropriação dos códigos, símbolos e valores da vida comunitária
sadia, do trabalho e da escola, à condição de preso e de ex-presidiário soma-se a desatualização decorrente do
tempo que passou afastado da interação social, a estigmatização decorrente de sua vida pregressa, sua
condição de estar condicionalmente em liberdade, isto é, o retorno à prisão é sempre uma ameaça real e
60
61
Que marcas duradouras podemos supor que um sistema criminal e penitenciário deveria impingir nos seus
cidadãos? As marcas são exatamente aquelas que identificamos nos cidadãos que não possuem biografia
criminal, ainda que vivam na fronteira entre a legalidade e a ilegalidade, quais sejam, temor aos órgãos de
repressão, respeito às leis, acatamento das convenções socialmente estabelecidas e limitação da qualidade de
vida às suas efetivas possibilidades de produzir e de ganhar dinheiro.
61
62
O objetivo dos dados coletados e apresentados nesta unidade visam, preliminarmente, traçar o perfil do
sujeito da pesquisa antes de ser preso e das condições em que ele foi para a prisão. Esses dados compõem
a biografia individual de cada um e são determinantes tanto do ponto de vista da capacidade de
administrar as circunstâncias próprias da dinâmica carcerária quanto de sua capacidade de inserção social,
quando libertado.
Tabela 20 - COR
INSTITUIÇÕES PESQUISADAS
FEBEM BUTANTÃ BRAGANÇA FROCHA
N° % N° % N° % N° %
BRANCA 36 41 41 32
NEGRA 8 5 3 22
PARDA 16 14 6 6
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
Na contabilidade geral do sistema penitenciário, os censos têm apresentado a cor "branca" como
crescente e "parda" e "negra" - isoladamente - como decrescentes, no sentido de responder à crítica social
que historicamente identificam essas duas últimas categorias como as vítimas potenciais e preferenciais
do aparato repressivo.
Pelo aspecto quantitativo, é possível notar que as variáveis idade, gênero e localização da prisão são
determinantes na composição da amostra segundo a cor. Dentre os presos mais idosos e localizados na
capital, a incidência de negros é maior, da mesma forma que dentre os adolescentes localizados na capital
os afrodescendentes aparecem em número expressivo.
62
63
ALUGADA 9 6 22 19
CEDIDA 7 8 16 7
PENSÃO/HOTEL - - 1 8 5
OUTROS - - 5 2 -
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
63
64
N° % N° % N° % N° %
16 ANOS 1 - - -
16 6 - - -
17 13 - - -
18 22 - - -
19 16 - - -
20 2 - - 2
22 - - 2 4
23 - - 2 3
24 - - 1 3
25 - - 2 4
26 - - 3 4
27 - - 4 5
28 - - 1 1
29 - - 4 1
31 - - - 5
30 - - 1 1 1
32 - - 3 2
33 - - 5 1 1
34 - - 3 1 1
35 - - 2 1 1
36 - - 2 1 1
37 - - 3 3 3
38 - - 3 1 5
39 - - 1 7 1
40 - - 4 2 1
41 - - 2 1 4
42 - - 2 2 2
43 - - 1 1 7
44 - - 1 - 8
45 - - 1 1 2
46 - - 2 - 6
48 - - - - 1
49 - - - - 4
50 - - - - 1
51 - - 1 - 1
52 - - 1 1 -
53 - - 1 1 -
54 - - - - 1
55 - - - 1 -
56 - - - - 2
57 - - - 1
59 - - - - 1
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
Franco da Rocha, em virtude de todos estarem há pelo menos 12 anos presos, nenhum deles tem hoje
menos de 30 anos de idade. Na demais unidades, a maior idade está invariavelmente relacionada a maior
tempo de permanência na prisão, e no caso dos adolescentes explica-se a existência de maiores de 18
anos pelo fato de terem cometidos suas infrações ao tempo em que ainda eram menor de idade e o ECA
permitir o prolongamento desta internação até os 21 anos de idade, quando a libertação é compulsória.
64
65
Internos da Febem que cometam crimes tendo já completado 18 anos são denunciados e julgados com o
adultos, única hipótese em que um indivíduo pode ir diretamente da Febem para o sistema penitenciário.40
A entrevista com os adolescentes confirma a tendência de hoje os filhos possuírem, em média, mais
escolaridade do que seus pais, mas entre a totalidade dos 240 entrevistados constata-se defasagem escolar
na relação idade/série. No caso dos adultos tal defasagem é irrecuperável e no caso dos adolescentes
extremamente comprometedora, especialmente quando ela se eleva a mais de três anos.
TRABALHAVA 23 36 41 26
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
40
Por ocasião das rebeliões e mortes ocorridas em janeiro de 2000 na Cadeia Pública de Santo André, 19 adolescentes alí
indevidamente recolhidos foram indiciados como adultos pela autoria e co-autoria da morte de um companheiro e ferimentos em
outros sete, e alí mantidos ou transferidos para a Casa de Detenção.
65
66
Os índices dos que estavam estudando ou trabalhando no momento da prisão apontam diretamente para o
rendimento nestas variáveis durante o período de aprisionamento. Quem estava estudando esforçou-se por
dar continuidade aos estudos, principalmente entre os adolescentes, para quem a frequência à escola é
condição básica para o cumprimento da medida sócio-educativa, e quem não cultivou o gosto pelos
estudos, como se verá em outra tabela, avançou muito pouco ou nada no seu processo de escolarização
durante o período que permaneceu preso.
O índice mais favorável entre os presos de Bragança Paulista que trabalhavam no momento da prisão
permite inferir que a isso se deve a resposta mais positiva que deram à proposta de semi-industrialização
de sua Cadeia Pública, enquanto em Franco da Rocha se observa o inverso.
O longo período de cumprimento de pena em regime fechado, somado à pouca familiaridade com a
cultura do trabalho, ao baixo nível de qualificação profissional obtido em liberdade - agravados pela
idade elevada - talvez explique sua baixa expectativa em relação ao trabalho, limitando-se a concebe-lo
em suas finalidades utilitárias, como a remissão da pena e a satisfação de necessidades imediatas.
Há que se observar ainda que a categoria sociológica "trabalho" - como meio de estruturação da
sociabilidade e de atribuir significados sociais - possui conotações diferentes quando contextualizados na
sociedade livre ou na prisão. Ainda que seja elevado o percentual daqueles que admitem ter adquirido
mais respeito pelo trabalho após o aprisionamento, deve-se ter em mente que na prisão, trabalho é quesito
para toda e qualquer avaliação disciplinar, possibilita a remissão da pena, permite interagir com a
realidade extramuros e é condição sine qua non para obtenção da Liberdade Condicional, além é claro
dos dividendos monetários que proporciona.
SIM 39 23 18 35
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
66
67
FORMAL 6 10 9 15 15 25 16 27
INFORMAL 23 39 14 25 32 54 14 23
AUTÔNOMO (a) - 12 20 11 19 7 11
NÃO 31 51 25 40 2 2 23 39
TRABALHAVA
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
SIM 0 - 7 11 6 10 0 -
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
A indicação de que a maioria dos presos estavam trabalhando de maneira informal e sem filiação a
sindicatos indica que estavam excluídos do sistema de benefícios da previdência social decorrentes da
condição de trabalhador com carteira registrada. Esta condição significa falta de registro da experiência
profissional em carteira, impossibilidade da família receber o auxílio reclusão e desamparo da família em
casos de incidentes que resultem em morte ou de invalidez permanente.41
SIM - - - - - - - -
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
SIM 23 39 16 26 09 15 46 36
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
41
O único levantamento conhecido sobre índice de ocorrências dentro das prisões paulistas indica, que de 1994 a 1997, 3 funcionários,
52 presos e 4 outras pessoas morreram, sendo que no período de 1994 a 1998 ocorreram 262 incidentes prisionais, todos tendo como
motivo tentativas de fugas, rebeliões ou movimentos reinvindicatórios.
67
68
A condição de usuário de drogas ou o fato de ter adquirido o vício das drogas enquanto preso é mais um
indicativo da vulnerabilidade do indivíduo aos imperativos da vida prisional, pois o circuito das drogas é
a forma mais rápida e mais corriqueira para a socialização intramuros. Com exceção de Bragança
Paulista, as demais unidades mantêm em seus registros esta informação, coletada quando motivada por
motivos disciplinares ou relatadas em entrevistas. Na unidade sobre a vida prisional 17, 12, 9 e 52
presos(as) respectivamente, declararam Ter adquirido o vício dentro da prisão. O índice de 88% de
viciados em drogas dentre os presos de Franco da Rocha explica-se pelo seu maior tempo de
permanência, todos encarcerados há mais de 12 anos e o menor índice em Bragança Paulista
provavelmente se explica pela diminuição significativa de drogas na cadeia, principalmente se
considerarmos que muitas das declarações são dadas em função da situação atual do preso(a), de ser ou
não usuário(a).
68
69
A situação jurídica é estabelecida pela forma de classificação oficial imposta pelo Código Penal
Brasileiro, que define quem é primário e quem é reincidente, para efeitos de aplicação da pena e de
progressão no regime carcerário. Tenho recorrido sistematicamente à categoria dos multireincidentes
como recurso para melhor aquilatar nos sujeitos da pesquisa a experiência de institucionalização, de
aprisionamento e de apropriação do quadro referencial das instituições totais.
Em Direito Penal, os conceitos de primariedade e reincidência são quesitos básicos para nortear a
dosimetria da pena por parte do juiz e para as Comissões Técnicas de Classificação, cujo objetivo é
definir o perfil do preso visando a individualização de sua pena, a escolha da unidade prisional onde irá
permanecer e para orientar os programas de tratamento e recuperação.
Uma pessoa pode ser "técnicamente primária" se, apesar de acusado e preso, ao final ela for absolvida ou
mesmo se tiver vários processos que foram arquivados, absolvidos ou prescrita a pena. A reincidência
pode ser específica, se o indivíduo incorre no mesmo tipo criminal, e genérica se o segundo ou terceiro
crimes forem diversos do primeiro.
Para todos os efeitos jurídicos e penais decorrentes do processo criminal, primariedade e reincidência
definem a periculosidade, a progressão criminológica e a estruturação da vida criminosa, em função de
que são aplicadas as agravantes, a medida de segurança e as condições para progressão do regime fechado
para o semi-aberto e deste para o aberto.
Primários, menores de 21 anos de idade e com residência fixa são apenados, via de regra, com a pena
mínima para a modalidade no primeiro processo criminal, exceto quando há agravantes, como uso de
armas, violência e formação de quadrilha.
Nos crimes comuns, a pena dos reincidentes é agravada pela própria reincidência com mais 1/6, 1/3 ou o
dobro da pena, dependendo do crime e das circunstâncias em que foi cometido. Se o primário pode
progredir do regime fechado para o semi-aberto cumprindo apenas 1/3 da pena, a progressão do
reincidente só ocorre depois de cumprida a metade ou 2/3 da pena, também dependendo da "vida
pregressa" de cada um.
O Direito Penal só exerce sua jurisdição e tutela sobre os indivíduos a partir do momento que incorrem
em algum fato capaz de ser tipificado como crime pelo Código Penal e com a respectiva pena prevista.
Sua jurisdição, estritamente sobre o indivíduo acusado, vai da prisão em flagrante até cinco anos depois
69
70
de cumprida a totalidade da pena, após o quê o indivíduo pode requerer sua reabilitação criminal, que
significa tirar seu nome dos arquivos policiais.
O histórico infracional anterior sem registro policial(Quadro 9), os processos arquivados e absolvidos
(Quadro 7), o histórico de institucionalização anterior (Quadro 11), a progressão criminológica (Quadros
2, 3 e 4), o número de processos criminais (Quadro 6), o tempo decorrido entre o primeiro e segundo
delitos (Quadro 5), a extensão da pena (Quadro 10) e a existência de sentimento de culpa (Quadro 8) são
variáveis que têm impacto direto na configuração de uma carreira delitiva, na resposta do indivíduo à
"terapia carcerária", na forma como ele cumprirá sua pena e em suas perspectivas de efetiva
(re)socialização.
Tanto com os adolescentes quanto com os adultos, a investigação quanto ao histórico infracional anterior
- sem registro policial - foi marcada por desconfianças e dificuldades.
Normalmente temos a absolvição judicial como um julgamento moral, capaz de fornecer ao réu um
atestado de idoneidade. Na cultura jurídica expressa por nossos códigos, amplamente cultivada pelos
tribunais e fartamente sabida e utilizada por advogados, a absolvição em processos criminais constitui
um julgamento essencialmente técnico, que consiste na avaliação de provas, de testemunhos e da
legimidade dos ritos processuais, que vai desde a prisão e a instrução do inquérito até a citação do réu.
70
71
A eficácia do sistema de justiça criminal é objetivamente avaliada pelas penas efetivamente aplicadas, e
em relação a estas, a maioria dos presos entendem que foram injustiçados. Se o sistema de justiça
criminal não pode cobrar deles responsabilidades em relação a delitos que não foram suficientemente
apurados ou cujos inquéritos e processos não foram bem instruídos, não há uma culpa objetiva com que
lidar.
Quando confrontados com os delitos efetivamente praticados - antes da prisão, o que resultou na prisão e
durante a prisão - e questionados quanto ao sentimento de culpa em relação eles , seus parâmetros de
avaliação os remetem apenas ao tempo efetivamente passado na prisão, desconsiderando a
proporcionalidade da relação delito/pena.
REINCIDENTE 5 22 9 10
MULTIREINC. 4 18 24 36
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
71
72
A progressão criminológica compreende a ordem sequencial dos três primeiros crimes cometidos por
cada indivíduo e que resultaram em inquéritos e/ou processos. Ela aponta para a evolução do modus
operandi e indica o lapso de tempo decorrido entre o cometimento de um delito e outro. Não são
computados aqui eventuais crimes cometidos dentro da própria prisão. A possibilidade de delinear a
progressão criminológica de um indivíduo permite reconstituir passo a passo sua carreira delitiva e
dimensionar tanto o nível de estruturação na carreira quanto orientar a individualização de sua pena. As
comissões técnicas de classificação possuem esta informação no prontuário criminológico do(a) preso(a)
mas não as condições e os meios necessários para um trabalho efetivo.
O intervalo entre o primeiro e o segundo delitos é o espaço onde se configura a reincidência criminal.
Para a maioria dos jovens delinquentes, a primeira pena serve como uma advertência, que para uns pode
parecer um mero susto, mas para outros podem constituir em marcas duradouras em suas biografias. O
intervalo entre o segundo e o terceiro crime configura o espaço onde se constrói a multireincidência, que
tanto do ponto de vista jurídico como prisional significa um presumido nível de periculosidade e de
estruturação da vida delitiva.
72
73
As sucessivas passagens pela polícia, pela justiça criminal e pelas prisões fazem inchar as estatísticas
criminais, elevando custos e reafirmando a ineficácia do sistema e as deficiências individuais e pouco ou
nada acrescentam em termos de compreensão dos mecanismos de funcionamento destas estruturas, pois
não acrescentam escolaridade, profissionalização, consciência política ou adesão e respeito pelas
instituições, conforme mostrará os quadros que tratam das perdas e dos ganhos durante a vida prisional.
73
74
N % N % N % N %
NÃO 9 28 7 29
SIM 15 13 12 16
ARREPENDID(O)a 36 19 41 15
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
74
75
+ de 10 A 15 - - 13 12 2
ANOS
+ de 15 A 20 - - 11 7 5
ANOS
+ de 20 A 25 - - - 4 5
ANOS
+ de 25 A 30 - - 1 1 7
ANOS**
+ de 30 A 35 - - - - 7
ANOS
+ de 35 A 50 - - - - 18
ANOS
+ de 50 A 100 - - - - 13
ANOS
+ de 100 - - - - 3
ANOS
+ de 1970 a 1980 - 1 - 36
+ de 1980 a 1985 - 4 - 17
+ de 1985 a 1990 - 10 - 7
+ de 1990 a 1994 1 23 8 -
+ de 1994 a 1997 59 22 50 -
+ de 1998 - - 2 -
75
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INSTITUIÇÕES PESQUISADAS
FEBEM BUTANTÃ BRAGANÇA FROCHA
N % N % N % N %
Até 1998 1 5 - 1
+ de 98 a 2000 59 15 7 7
+ de 2000 a 2005 - 25 27 9
+ de 2005 a 2010 - 14 13 9
+ de 2010 a 2015 - 1 6 4
+ de 2015 - - 7 29
Nas respostas dos presos observa-se que maior tempo de aprisionamento não corresponde a mais
arrependimento, mas esse parece ser o único elemento norteador a sinalizar aos operadores do direito e do
sistema penitenciário alguma eficácia na pena de privação da liberdade, reforçando o movimento que
propugna pelo endurecimento das penas.
Mesmo considerando os delitos não registrados, os números indicam que o atentado contra o patrimônio
foi a regra comum no início da carreira delitiva dos quatro subgrupos, havendo depois uma diversificação
generalizada.
Contando o tempo passado na prisão pelo primeiro crime, mais de 1/3 dos entrevistados cometeram o
segundo crime em menos de 12 meses. Cerca de 60% dos presos adultos, exatamente os mais afetados
pelos processos de prisionização, terão o vencimento definitivo de suas penas entre os anos de 2000 e
2076, contando-se mais cinco anos para a reabilitação criminal.
76
77
O contraponto para a variável tempo é fornecido pela comparação entre os presos de Franco da Rocha e os
adolescentes do Encosta Norte. Se o tempo de institucionalização pode ou não ser determinante quanto à
eficácia sócio-pedagógica da pena de privação da liberdade, 100% dos primeiros passaram, sem exceção, mais
de dez anos na prisão (46% deles mais de 20 anos) e os segundos ficarão, no máximo três anos internados. As
mulheres e os presos de Bragança Paulista ficam tempos variáveis, mas parte significativa em períodos de
cinco a dez anos.
Confirmando minhas teses do mestrado, arrisco-me a dizer que independente de qualquer outra variável,
com qualquer tempo de institucionalização superior a cinco anos, a reincidência - institucional e criminal
- é potencialmente plausível e não deveria ser considerada para efeito de agravamento da pena, dada a
"relação orgânica de dependência" que o indivíduo cria para com a instituição. Com esse tempo de
institucionalização, a reincidência criminal deve ser vista como uma patologia social decorrente do
próprio processo e não como deficiência pessoal do indivíduo.
+ de 1 até 3 anos 33 15 27 -
+ de 3 até 5 anos 1* 18 16 -
+ de 5 a 7 anos - 10 6 -
+ de 7 até 10 anos - 10 4 -
+ de 20 anos - - - 28
*Internação de adolescentes por tempo superior a três anos caracteriza desvio de execução. Quando cometeu um homicídio na
porta de uma escola pública, o adolescente Matrícula 32.055 tinha 13,7 anos, devendo ter sido solto quando completasse 16,7
anos, em 25.12.97. Se ele for mantido em regime de internação até completar 18 anos terá cumprido 4,3 anos de internação e se
for mantido até completar 21 anos de idade terá cumprido 7,3 anos de internação sem possibilidades da remição que é concedida
ao adulto, sem regime semi-aberto e sem indulto.
**A legislação brasileira não admite cumprimento ininterrupto da pena por período superior a 30 anos, devendo o preso ser
libertado compulsoriamente após esse prazo.
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78
3ª SÉRIE - 1 7 9
4ª SÉRIE 2 4 8 15
5ª SÉRIE 19 10 7 12
6ª SÉRIE 8 8 7 6
7ª SÉRIE 15 5 2 3
8ª SÉRIE 7 4 5 6
1° COLEGIAL 6 10 1 2
2°COLEGIAL - 2 - 1
3° COLEGIAL - 2 3 2
SUPERIOR - 2 - -
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
SIM 18 39 35 08
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
A comparação entre o que era o nível de escolaridade no momento da prisão e a escolaridade alcançada após o
cumprimento de quase totalidade das penas indica que em todos os segmentos o acréscimo de anos de
escolaridade foi absolutamente insignificante, com exceção de Bragança Paulista, com reflexos positivos
principalmente na alfabetização de adultos.
O INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos) informa que de 1960 para 1990 a média de escolaridade
dos negros aumentou 266%, passando de 0,9 para 3,3 anos de estudos, dos pardos aumentou 227%, de 1,1
para 3,6 anos e dos brancos 118%, elevando-se de 2,7 para 5,9 anos de estudos. Dentre a população prisional
observa-se que nenhum segmento de cor, de gênero ou de idade teve aumento nos anos de escolaridade
78
79
Em função do tempo de aprisionamento, Franco da Rocha é ilustrativo dessa situação. O único que entrou
analfabeto assim continuou, mesmo depois de 22 anos de prisão. Os dois que entraram com um e dois anos de
estudo avançaram, mas cerca de 88% não conseguiu acrescentar nenhum ano de estudos.
Em Bragança Paulista observa-se que, não obstante não haver avanços significativos dentre os que
completaram quatro ou oito anos de estudos, o trabalho educativo em relação às séries iniciais foi mais
intenso, especialmente sobre os analfabetos.
A redução da defasagem escolar - relação idade\série - considerado um dos mais eficazes indicadores de
efetividade na aplicação de qualquer política, não aparece como preocupação nem entre os adolescentes e é
absolutamente desconsiderada no caso dos adultos.
Considerando-se o salário mínimo como remuneração regular para quem possui quatro anos de estudos e
calculando-se 50% de acréscimo na remuneração por ano de estudo, concluímos que mais de 50% dos presos
entrevistados não possui qualificações necessárias para competir no mercado de trabalho de modo a obter
remuneração equivalente à média da renda per capita (R$ 366,00)42 no Brasil ou custear os gastos de uma
família de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças).
Em dezembro de 1998, o montante estimado pelo DIEESE para atender às despesas básicas com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e Previdência Social alcançou R$
837,16, valor 6,98 vezes maior que os R$136,00 vigentes desde 1° de maio de 1999.
42
Relatório DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL 1970-1996, elaborado em parceria pelo PNUD - Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento, IPEA e Fundação João Pinheiro, com a colaboração do IBGE
79
80
RESPEITO PELA - 10 44 36
JUSTIÇA
RESPONSABILI- 12 8 19 19
DADE
TUDO O QUE TEM 17 21 13 48
MAIS 26 36 29 52
SENSIBILIDADE
ÓDIO PELA 8 18 9 20
SOCIEDADE
DOENÇA - 6 9 21
VÍCIO EM DROGAS 17 12 9 52
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
Perguntados sobre os ganhos e as perdas durante o período de cumprimento da pena, nota-se que, tanto em
uma como em outra questão, os indicadores negativos são sempre mais expressivos em todos os segmentos.
As aquisições socialmente mais valorizadas e definidas como objetivos da pena, mesmo reconhecidas como
válidas pela maioria dos presos, não foram incorporadas ao seu repertório pessoal.
Os eventuais ganhos positivos não chegam a compensar as perdas negativas, pois se os primeiros são de
ordem subjetiva e valorativa, os segundos são de ordem objetiva e existencial, como a perda do emprego,
morte de parentes, a perda de companheiros(as) e filhos, a juventude e as esperanças.
Se por um lado, os ganhos positivos podem ser interpretados como aproveitamento da "terapia
carcerária", apesar de não alterar significativamente a dinâmica da prisão, por outro lado as perdas
negativas representam degradação na condição humana, impactos na estrutura familiar e redução da auto-
estima, com reflexos diretos na dinâmica social.
80
81
COMPANHEIRA(o)
PARENTES
AMIGOS
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
A condição em que um indivíduo sai da prisão é determinante para que, se efetivem suas possibilidades de
reinserção social. Residência fixa e promessa de emprego são quesitos formais, exigidos pela Conselho
Penitenciário para deferimento dos pedidos de progressão para o regime aberto. O cruzamento dos dados
atesta validade às declarações de residência fixa, mas a promessa de emprego, em geral, é obtida por
familiares e amigos sem que signifique um compromisso tácito de empregabilidade após a saída da prisão.
Pouco mais da metade, em todos os segmentos, saem da prisão com os documentos em ordem, mas poucos
podem contar com a assistência de alguma entidade para a reconstrução de sua vida em liberdade, apontando
para uma das grandes deficiências do sistema prisional, especialmente em relação ao grande número de presos
que declararam estar saindo "sem nada" da prisão.
81
82
PROFISSIONALIZA - 4 0.30 -
ÇÃO
ESTUDOS 4 2 0.45 -
REGULARES
ESTUDOS - 5 0 -
AUTODIDATAS
LEITURAS 2 18 1.00 1
ESPORTES 2 8 1.30 1
MÚSICA 6 14 1.30 2
ARTESANATO 2 17 1.30 1
CORRESPONDÊNCI 2 15 0.50
A
ASSUNTOS - 3 0 -
JURÍDICOS
OCIOSIDADE 12 5 6.00 58
TELEVISÃO 4 9 2.00 44
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
Mesmo os estabelecimentos prisionais de segurança máxima, onde as celas são ou deveriam ser individuais,
não possuem uma rotina estruturada e rigidamente normatizada, no sentido de preencher todo o tempo do
indivíduo preso ou de mante-lo sempre ocupado. Muito pelo contrário; a única norma rigidamente cumprida
em todos os estabelecimentos é que o preso precisa estar disponível para as audiências de instrução e
julgamento de seus processos.
As demais rotinas, como horários para acordar, café da manhã, almoço, jantar, tomar sol e receber visitas,
principalmente nas prisões onde as celas são coletivas, submergem na dinâmica da vida carcerária, de tal
modo que o não cumprimento de um horário rígido não significa necessariamente a perda de uma refeição ou
de um benefício.
Com exceção dos presos escalados para executar tarefas administrativas e de manutenção, como expediente,
arquivo, cozinha, enfermaria, lavanderia e limpeza, que têm parte de seu tempo regulado pelo modo de
funcionamento da própria instituição, os demais desfrutam de muito tempo livre e ocioso.
Como trabalho e escola não são universalmente oferecidos a todos, identificar como o(a) preso(a) ocupa seu
tempo na prisão é identificar a estratégia que ele(a) desenvolveu para administrar o cumprimento de suas
penas.
A administração do tempo livre, sobretudo em situações extremas, como a prisão, a internação hospitalar ou
longas e forçadas viagens, pode dar a medida do esforço pessoal no auto-investimento, seja visando melhor
preparação para a situação em curso, seja para transforma-la ou para dela alienar-se.
E essa não é uma questão que subordine-se à quantidade de recursos que a prisão eventualmente possa
oferecer, pois a utilização do tempo livre, seja empregando recursos psíquicos, intelectuais, manuais ou sociais
compõe a zona de relativa liberdade que todo preso desfruta e que não está sujeita à normatização
institucional. Trata-se mais de empregar recursos e atributos próprios da individualidade, de cultivar interesses
específicos ou de fomentar novos interesses.
82
83
Trabalhos artesanais, estudos autodidatas, leituras regulares, participação em serviços religiosos, exercícios
físicos, esportes, comércio interno (inclusive ilegal) e cultivo de plantas são formas tradicionais que o preso,
segundo sua própria inclinação, escolhe para ocupar seu tempo na prisão, para conseguir avaliações
disciplinares favoráveis ou manter-se longe de confusões.
Dada a média de tempo que cada segmento obrigatoriamente passou em regime de institucionalização ou de
prisionização, é pertinente uma avaliação quanto ao que cada um fez em benefício próprio no sentido da
melhor aculturação, da escolarização, da profissionalização e do desenvolvimento espiritual e intelectual,
independentemente dos recursos ou das condições oferecidas pela prisão.
Os dados permitem inferir que a utilização dessa prerrogativa influenciou de modo decisivo a avaliação que
cada preso fez dos seus ganhos e perdas durante o período de aprisionamento, como também remete-se à sua
biografia anterior, de nenhuma participação sócio-comunitária, de ausência no exercício de direitos e de
alienação em relação às estruturas formais da sociedade, como escola, trabalho, igreja e sindicatos.
Em função das características sócio-educativas das medidas impostas aos adolescentes e dos quesitos
empregados para sua avaliação disciplinar, eles indicam uma utilização mais racional do tempo, dividindo-o
entre estudos regulares, profissionalização (artesanato) e atividades de esporte e recreação, contastando em
muito com outras unidades da mesma Febem, onde a completa ociosidade só é interrompida por algumas
horas de televisão e de futebol.
Testes, estudos e observações sistemáticas, sob controle, deveriam ser a regra dentro de qualquer sistema
penitenciário, como procedimentos de acompanhamento e de avaliação contínua e permanente da terapia
83
84
carcerária, como tive oportunidade de conhecer na Metro State Prison, subordinada ao Georgia Depatment of
Corrections.43
Service is provided on a continuum of care based on inmate needs. Offenders requiring mental health or
mental retardation services will be provided services on a continuum of care/levels of care according to their
need. An offender's need for MH/MR services will be based on a MH/MR evaluation of their ability to function
in general population. The severity of their impairment results in either no MH/MR services or the provision
of appropriate services either as an out-patient living in general population, as a resident in a supportive
living unit, as a patient receiving crises stabilization services, or as an in-patient in a hospital. All offenders
receiving mental health or mental retardation services will have a current individual treatment or habilitation
plan written by their primary care providers.
Os "estudos" elaborados pelas equipes técnicas de classificação para os indivíduos desta amostra, entretanto,
foram todos no sentido de meramente cumprir as formalidades legais exigidas para confecção do Laudo
Criminológico. São, em verdade, "estudos" tardios e pós-testes, que não visam a classificação ou a triagem
nem a individualização do tratamento e consistem basicamente em "anamneses" e testes, sem que sejam feitas
abordagens quanto às questões individuais e existenciais dos entrevistados, especialmente em relação aos
crimes cometidos, à problemática familiar e aos conflitos intramuros.
Os presos de Franco da Rocha revelaram conhecer todos os "macetes" para realização dos testes psicológicos e
psiquiátricos, mas todos confundiram-se quando incitei-os a diferenciar "atendimento" de tratamento. No
Encosta Norte, mais da metade dos adolescentes, principalmente os envolvidos em crimes de morte,
admitiram, ainda que com relutância, a necessidade de "tratamento", mas ao final de minha entrevista eles
convenciam-se de que o que estavam fazendo com psicólogos e psiquiatras - quando havia - eram "entrevistas"
e não tratamentos.
No Butantã, os psicólogos admitiram que atendem aos pedidos das presas para atendimento individual
independente do laudo, mas no sentido de ouvi-las e de permitir que elas "descarreguem" seus anseios e
angústias, sem que haja possibilidade de tratamentos específicos e individualizados, mesmo diante dos
diagnósticos claros feitos por eles.
Em Bragança Paulista os estudos e entrevistas para elaboração dos laudos são efetuados por assistente social e
psicólogo particulares, contratados pela própria Apac. Estes profissionais também cumprem a tarefa de "ouvir"
o preso, mas a organização dos familiares dos presos em uma espécie de clube, permitindo trocas de
experiências e possibilitando intensa interação entre os parentes e estes e os presos foi capaz de diminuir
significativamente esta demanda.
43
GEORGIA DEPATMENT OF CORRECTIONS. Metro State Prison, Mental Health - overview, Atlanta, 1998.
84
85
Atitudes muito diferentes eu constatei entre presos norte-americanos, que no dia da entrada na prisão recebem
um "Prisioner Handbook", que também é fornecido à sua família com todas as orientações e instruções das
diversas etapas pelas quais passará.
Your family member has been assgned to Lee Arrendale State Ptison and will be here for a portion or all
of his sentence. During the first part of his stay here, he will undergo a period of diagnostic testint and
evaluation. A diagnostic report will be prepared by the diagnostic staff to aid the inmate's counselor and
others to try help him help himself.44
Estar psicologicamente preparado para sair em liberdade foi entendido pelos presos desta amostra como
estar preparado para enfrentar as adversidades do retorno à sociedade em uma condição desfavorável, e
neste sentido, a maioria dos presos de Franco da Rocha foi clara em admitir que não estão preparados.
SIM - - 34 42 60
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
SIM - 40 67 49 88 54 90
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
É interessante notar que o cometimento de faltas disciplinares dentro da prisão não é, como se poderia
inicialmente supor, privilégio de reincidentes e multireincidentes, genericamente tidos como os mais
perigosos. Como em qualquer círculo de socialização, a insubordinação, o desacato e a contestação são
comportamentos e atitudes próprias dos "primários" e dos mais jovens.
44
GEORGIA DEPATMENT OF CORRECTIONS. Prisioner Handbook, Lee Arrendale State Prison, Gerogia, 1997
85
86
Conhecedores das "regras da casa" e das "regras do jogo", os mais velhos e mais adaptados à dinâmica
institucional desenvolvem recursos através dos quais "conviver" com o sistema, sem ser destruído ou
demasiadamente prejudicado por ele.
Faltas disciplinares têm o sentido de violação à normas administrativas de operacionalização da prisão e
podem ser punidas com castigos, como interdição temporária de benefícios, isolamento e perda dos dias
trabalhados, ao passo que crimes, segundo a definição do Código Penal, são punidos, cumulativamente, com
inquérito, processo e sentença de condenação.
Guardadas as devidas proporções, em respeito às variáveis idade, gênero e tempo, as faltas e os crimes
cometidos dentro da prisão estão distribuídos por todos os segmentos, com a ressalva de que o sistema é mais
tolerante às faltas do que a "massa carcerária". Violações em pequena escala às "regras da casa" não
comprometem a funcionalidade do sistema, mas qualquer violação às "regras do jogo" compromete a
reputação e a sobrevivência do indivíduo junto aos demais presos.
A remição da pena - desconto de um dia na pena por três dias trabalhados - aplica-se em qualquer regime
prisional, independente do trabalho ser remunerado ou não, mas o fato é que a maioria dos presos só começam
a trabalhar e a beneficiar-se dela depois que passam para o regime semi-aberto. A perda dos dias remidos
tornou-se uma forma de punição extrema às faltas disciplinares, que atinge mais pesadamente as mulheres do
Butantã e os presos de Franco da Rocha. Aos adolescentes ela não se aplica e em Bragança Paulista tem sido
minimizada sua aplicação face às poucas faltas cometidas.
Visitei e entrevistei diversas mulheres e homens no seu próprio local de trabalho, tanto interno quanto externo.
A condição de inferioridade e de subordinação a que estão submetidos impede que o trabalho do preso seja
analisado dentro de sua perspectiva sociológica, pois eles não desfrutam nem exercitam nenhuma das
prerrogativas próprias do ambiente de trabalho que respondem por grande parte do processo de socialização.
Com sua condição diferenciada, sem direitos trabalhistas assegurados, com horários de entrada e saída
rigidamente controlados pelo estabelecimento penitenciário, acesso restrito a determinados locais e sem
perspectivas de continuidade após a liberdade, o trabalho resume-se a execução de tarefas, dificultando a
absorção da "cultura do trabalho", essencial para os objetivos da ressocialização.
Aos adolescentes, em função do conceito de trabalho educativo, que privilegia a formação e o treinamento, em
detrimento da produção, as possibilidades de interação social são mais amplas, com possibilidades, inclusive,
de progredir para tarefas de maior nível de complexidade, mas o Internato Encosta Norte não tinha nenhum
adolescente trabalhando fora, dada a característica de sua clientela - adolescentes primários que cometeram
graves infrações.
Sem que o trabalho esteja inserido dentro de um sistema de garantia de direitos, que signifique
remuneração digna, possibilidades reais de absorção da "cultura do trabalho", condições adequadas para
86
87
sua execução, adequação à capacidade profissional e perspectiva de continuação após a liberdade, torna-
se, para o preso e para a administração penitenciária, instrumento de barganha que serve às conveniências
de um e de outro.
SIM - 8 5 28
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa "survey")
Tráfico de drogas, agressão, homicídio e tentativa de fuga com uso de violência ou danos ao patrimônio
público são as principais ocorrências que podem caracterizar um crime cometido dentro da prisão, pelos quais
os autores são processados e podem ser condenados. Adolescentes podem ser e são enquadrados dentro do
Estatuto da Criança e do Adolescente, por vezes retardando sua saída. Se na qualidade de interno já maior de
18 anos ele vier a infracionar, será encaminhado para delegacia policial, enquadrado e denunciado como
adulto, havendo a possibilidade de ser encaminhado ao sistema penitenciário ao término de sua medida de
internação.
Em Bragança Paulista quase não acontecem crimes, havendo presos, porém, que foram condenados por crimes
cometidos em outras prisões. Crimes desta natureza não permitem nenhum tipo de benefício a quem os
comete.
87
88
Faço ressalvas quanto ao uso do prefixo "re", pois a tônica do trabalho penitenciário não é a (re)educação, a
(re)socialização ou a (re)integração, sobretudo de segmentos de pessoas que sempre estiveram a margem da
educação, da vida e da integração social.
Como diz Augusto Thompson (1980:5) "ressalte-se, desde logo que, apesar da energia usada pelos preceitos
legais, convergentes no sentido de destacar, especialmente a reabilitação, dentre os escopos da pena
carcerária, os fins punição e intimidação permanecem intocados, inexistindo regra alguma a autorizar
possam ser desprezados em maior ou menor extensão, se isso for necessário, em benefício da atividade
reeducativa. Isto é, se houver atrito de caráter operacional entre os vários fins da pena, o relaxamento
daqueles em favor deste não conta com amparo legal. Oficialmente, tem prevalência o alvo recuperação, mas
não se autoriza seja obtida à custa do sacrifício dos objetivos punição e intimidação".
As referências doravante feitas à reintegração sócio-familiar indicam o processo de retorno do(a) preso(a) ao
círculo de relações mais imediatas, composto por pessoas orgânicamente ligadas ao sujeito e para quem o
julgamento moral no tocante à sua vida pregressa é menos importante do que a razão utilitária que os une.
Nos quatro subgrupos estudados, o estado civil, como era de se esperar, não coincinde necessariamente com a
existência ou não de filhos, razão porque optei por considerar a "família conjugal", isto é, em sendo o(a)
preso(a) solteiro(a), qual a relação que ele tem com pai e mãe? Possuindo ele(a) filhos, qual a relação que
existe entre ele(a), o cônjuge e os filhos?
Goode adverte "que nenhum sistema de família como um todo, pode ser chamado nuclear, caso isto signifique
que o sistema de família se reduz à unidade de pais e filhos. Os membros de cada unidade familiar estão, no
mínimo, ligados a outras unidades através de um membro comum de determinada família nuclear; o irmão
continua a manter relações sociais com a irmã e, por isso, com o cunhado e os sobrinhos; o pai continua a ter
relações sociais com a filha e, por isso, com a família da filha, o genro e os netos" (1969:10245).
Por outro lado, se admitimos a família como a escola do amor, como querem os românticos, onde são
construídas as primeiras noções de valor e onde os relacionamentos mútuos são marcados por propósitos de
doação, de negação, de sacrifício e de companheirismo, é legítimo entendermos que a modificação do padrão
45
GOODE, Willian J. Revolução mundial e padrões de família, São Paulo, Ed. Nacional/Edusp, 1969.
88
89
de família contribui decisivamente para modificar também as relações sociais, as relações de gênero e para
aumentar consideravelmente o nível de tensão nas relações humanas e sociais. (HITE, 1995:53).46
Dentre os fatores positivos suscetíveis de impulsionar o preso pelo pretendido caminho da ressocialização - via
responsabilização social - possivelmente o maior deles seja a existência de filhos e de uma família. Tanto para
os adolescentes da Febem quanto para as mulheres e para os homens presos, parte significativa de seus
projetos futuros de vida estão relacionados com sua família e com a possibilidade de verem seus filhos crescer
e de poder educa-los.
Não quero, entretanto, fazer o apelo mais fácil de enunciar as eventuais dificuldades que os filhos venham a
ter no seu desenvolvimento geral pela ausência dos pais - isso foi tratado no mestrado. O centro de nossa
questão aqui consiste em investigar o peso das relações sócio-familiares na formulação dos projetos de vida de
quem está preso, com vistas à sua (re)ssocialização quando em liberdade, bem como dissecar suas
especificidades.
A figura clássica da desestruturação familiar como regra geral para os quatro subgrupos evidencia-se nos
números do Quadro Comparativo 4, que indicam 9 adolescentes, 52 mulheres e 71 dos 120 homens com um
ou mais filhos, não obstante a soma das situações que permitiriam supo-lo - casados e amasiados - serem ainda
inferior àquele total.
Esta situação de desestruturação é agravada, conforme mostam os Quadros 18, 19 e 20 pelo fato de 13 das
mulheres terem cometido seus crimes contra membros da própria família e 17 te-los cometido com a
participação de alguém da família, evidenciando, de qualquer forma, que 50% destas mulheres possuem suas
relações familiares comprometidas explicitamente por causa de suas atividades delitivas.
46
HITE, Shere. Relatório Hite sobre a Família: crescendo sob o domínio do patriarcado, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995
89
90
FALECIDA 4 7 21 35 18 30 21 35
IGNORADA 2 3 5 8 2 3 4 7
FORA DE CASA 1 2 3 5 4 7 - -
PRESA - - 1 2 - - - -
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
FALECIDO 6 10 28 21 35 29 47
IGNORADO 7 10 17 4 7 8 14
FORA DE CASA 13 20 2 3 5 8 2 3
PRESO 3 5 - - 1 2 5 8
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
SIM 9 15 52 87 29 48 42 70
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
Os censos penitenciários nunca coletaram qualquer informação sobre os filhos ou familiares de presos(as).
Pesquisas efetuadas pelo Grupo Cidadania nos Presídios47, porém, indicam que aproximadamente 76% das
mulheres presas são mães, sendo que dentre elas 54,88% eram arrimos ou chefes de suas famílias.48 Esta
situação será particularmente agravada nos próximos anos, devido à renúncia do Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN) em continuar realizando o Censo Penitenciário, disposição esta anunciada
no início de novembro de 99 por um de seus conselheiros, por ocasião da XVII Conferência Nacional da
Ordem dos Advogados do Brasil.
47
Pesquisa e resultados parciais
48
Grupo Cidadania nos Presídios. Perfil da Mulher Encarcerada no Estado de São Paulo, OAB-SP, 1998.
90
91
Dentre 1.106 mulheres presas, 20,33% foram em algum momento internas da Febem e 104 eram portadoras
do vírus HIV, com 20 óbitos ao longo do ano de 1996.
Tabela 59 – N° DE FILHOS
INSTITUIÇÕES PESQUISADAS
FEBEM BUTANTÃ BRAGANÇA FROCHA
N % N % N % N %
NENHUM 51 8 31 18
UM 8 12 10 11
DOIS 1 14 8 17
TRÊS - - 13 5 5
QUATRO - - 6 4 5
CINCO - - 4 1 -
SEIS - - 2 1 2
OITO - - - - - 1
NOVE - - 1 - -
MÉDIA
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
91
92
TRINTA E TRÊS - - - - 1
TRINTA E SEIS 1
TRINTA E SETE 1
MÉDIA 0.25 3.65 1.77 2.97
Totais 9 128 62 104
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
As tabelas 62, 63 e 64 indicam quem tem filhos, quantos tem e suas idades. A mera quantificação indica
128 filhos para 52 mulheres, 62 filhos para 29 presos de Bragança, 104 filhos para 42 presos de Franco da
Rocha e 1 filho para cada um dos nove adolescentes que declararam te-lo, perfazendo o total de 303
filhos para 240 presos. Uma mera comparação entre o período que cada uma destas pessoas passou em
regime de institucionalização e a idade de seus filhos indica que eles foram concebidos, nascidos e por
vezes socializados primariamente no ambiente prisional.
Em Franco da Rocha, nenhum dos entrevistados está preso há menos de 12 anos, mas 46 deles possuem
filhos com menos de 12 anos, estando claro que estas crianças foram concebidas dentro do cárcere e não
apenas em razão da vísita íntima, introduzida recentemente.
Os 38 filhos com idade média menor do que o tempo de aprisionamento de suas mães também foram
gerados dentro do cárcere, com a distinção que, dem função do direito à maternagem, estas crianças
puderam ficar períodos variáveis de até 120 dias dentro da prisão para serem amamentados por suas
mães.
A dimensão social implícita no caso da mulher aprisionada é agravada pela constatação de que 75 de seus
filhos possuem idades inferior a 12 anos - crianças - e 23 estão na faixa dos 14 aos 18 anos - adolescentes,
sendo certo que 21 das 60 melheres pesquisadas já tiveram seus filhos - crianças ou adolescentes - sob
custódia da Febem.
No cômputo geral, dos 303 filhos gerados pelos 240 presos, 159 são crianças e 65 são adolescentes, tendo
32 deles em algum momento passado pela Febem.
No âmbito do poder público, contando-se SAP, Coespe, Funap e conselho Penitenciário, não existe
absolutamente nenhum programa específico para o atendimento de filhos de presos, não obstante os
números (Tabela 72) indicarem que são poucos os cônjuges que assumem plenamente responsabilidades
pelos próprios filhos.
Tabela 61 – N° DE IRMÃOS
INSTITUIÇÕES PESQUISADAS
FEBEM BUTANTÃ BRAGANÇA FROCHA
N % N % N % N %
NENHUM 10 11 4 11
UM 7 4 26 7
DOIS 10 9 7 7
92
93
TRÊS 16 2 4 6
QUATRO 4 5 6 12
CINCO 6 16 5 3
SEIS 4 2 3 4
SETE 1 3 2 3
OITO 1 3 1 1
NOVE 1 3 2 3
DEZ - - 1 - 2
ONZE - - 1 - -
MÉDIA 2,817 - 3,883 5
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
Parte considerável do tempo dispendido com cada entrevistado orientou-se pelo método de "reconstituição da
memória histórica", no sentido de resgatar o momento, a motivação, o tipo e o sentimento experimentado
quando do cometimento do primeiro delito. Iguais dificuldades cercaram o levantamento das condições em
que deu-se o processo de socialização primária e a natureza das relações de companheiros(as) e familiares com
os delitos cometidos.
Não é fácil levar um(a) preso(a) a admitir que tenha cometido algum crime contra sua própria família ou que
seus pais, companheiros(as), filhos ou outros familiares estão ou já estiveram onde hoje eles se encontram;
atrás das grades.
Classificar em quatro categorias - razões pessoais, econômicas, drogas e dívidas - a motivação para o
cometimento do primeiro delito e calcular o valor monetário dos crimes cometidos só não foi mais difícil do
que extrair uma resposta conclusiva que indicasse o sentimento de culpa que cada indivíduo experimenta em
relação ao crime pelo qual foi condenado, qualquer que seja o seu tempo de aprisionamento.
93
94
Os dados indicam que a maioria indivíduos da amostra já não morava com familiares, quase todos os adultos
possuem um ou mais filhos e poucos(a) podiam contar um(a) companheiro(a) com quem compartilhar as
responsabilidades em relação aos filhos.
A situação de risco pessoal49 e social da mulher é acentuada aos constatar-se que 21 delas já tiveram seus
filhos presos, 28 já tiveram algum parente preso, 36 já tiveram seus companheiros presos, e é a mulher quem
mais tem algum familiar envolvido nas práticas delitivas, seja como vítima, como cúmplice ou como mero
expectador.
O elevado número de presos cujos familiares possuem alguma relação com suas práticas delitivas e que já
estiveram presos, o exercício de trabalhos informais e a insignificância do índice de sindicalização aponta
também para a fragilidade do contexto sócio-familiar e comunitário que deveria constituir a "rede de apoio"
destinada a prevenir a reincidência criminal e facilitar a reinserção social após a saída da prisão.
O destino dado aos filhos menores de 12 anos após sua prisão indicará que essa rede de apoio é empregada,
preferencialmente, para acolher os filhos dos presos, principalmente por parte de sogros(as) e avós, não se
podendo conceber o mesmo quando o filho ficou apenas com o(a) companheiro(a).
A estrutura de apoio mais permanente com que os presos podem contar ocorre quando da inserção dos filhos
em idade escolar na rede pública de ensino, que, bem ou mal, insere-os na rede de serviços públicos a que todo
cidadão pode ter acesso como cuidados médicos, odontológicos, merenda escolar, supervisão frequente e
proteção de seus direitos básicos. O mesmo se pode dizer dos filhos de presos(as) encaminhado para entidades
particulares destinadas a acolhe-los, não se aplicando o mesmo raciocínio para os encaminhados a instituições
públicas, por razões óbvias.
49
Preferirei sempre usar o termo "vulnerabilidade social" e não "situação de risco pessoal e social", que parece impróprio para
quem encontra-se preso.
94
95
Essa breve explanação quanto aos detalhes que mais se ressaltam no perfil dos subgrupos não deve camuflar
as realidades individuais, pois diversas das variáveis indicadoras de situação de vulnerabilidade social por
vezes são cumulativas na biografia de um mesmo indivíduo.
A condição de maior vulnerabilidade social sugerida pelos indicadores mais corriqueiros entretanto, que em
liberdade sim, poderíamos denominar de situação de risco pessoal e social, não corresponde necessariamente a
maior vulnerabilidade dentro da prisão, pois essa última é determinada pelo grau de estruturação da carreira
delitiva, que tem a ver com a disposição para delinquir e para usar a violência.
PARCIAL 4 5 7 8
TOTAL 3 7 18 27
Totais 9 100% 52 100% 29 100% 42 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
* Computados apenas aqueles que possuem filhos.
SÓ PAI 1 3 3 -
SÓ MÃE 9 15 8 7
AVÓS 3 6 5 5
RUA - - - 3 -
95
96
INSTITUIÇÃO - - 2 2 2
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
SÓ PAI 3 3 1 1
SÓ MÃE 16 15 8 9
AVÓS 4 4 5 7
RUA - - 2 4 5
INSTITUIÇÃO - - 3 3 3
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
SO PAI 4 - 1 -
SÓ MÃE 18 5 6 1
AVÓS 1 - 2 -
IRMÃOS 3 5 5 3
SOZINHO(a) 1 8 6 25
INSTITUIÇÃO - - 1 - -
PAD./MADRASTA - - 1 3 2
RUA 9 1 1 8
COMPANHEIRO(a) - - 33 10 6
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
96
97
PARCIAL 6 8 4 7
TOTAL 3 16 3 7
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
97
98
SIM - - 1 - 1 60 100
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
SIM - - 12 - - 1
Totais 60 100% 60 100% 60 100% 60 100%
Fonte: (SILVA, nov. 1998 pesquisa survey)
Analisando com quem ficou o filho do(a) preso(a), por exemplo (Quadros 24 e 12), ou qual o nível de
responsabilidade do(a) companheiro(a) em relação aos filhos menores de 12 anos de idade, observa-se que,
dentre os homens, são poucos aqueles que assumiram integralmente a responsabilidade pelos filhos quando
sua companheira foi presa e que são menos ainda aqueles que efetivamente ficaram com os filhos.
O procedimento mais comum, é os filhos ficarem sob uma espécie de "guarda compartilhada", em que
diversos parentes revesam-se no cumprimento das responsabilidades. É de se supor que aqueles que foram
enviados para instituições ou ficaram com famílias substitutas não possuíam essa "rede de apoio familiar".
98
99
Para o homem ou mulher que tenha filhos, a prisão coloca-o diante do dilema da responsabilidade
paternal/maternal, e esse dilema começa na promulgação da sentença de condenação. O parágrafo único do
artigo 394 do Código Civil autoriza a suspensão dos direitos de pátrio poder quando a condenação judicial for
superior a dois anos e o artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente autoriza a colocação em abrigo ou
em família substituta nos casos de falta, ação ou omissão dos pais, fato que efetivamente aconteceu para 12
das mulheres presas.
Essas disposições legais consistem ameaças reais que todo homem ou mulher preso vivencia desde o momento
da prisão. A sentença de condenação introduz e consolida a noção de culpa em relação aos delitos cometidos,
para quem não a tinha, e a situação de abandono a que fica relegada a família introduz sentimentos de culpa
de outra espécie, que é mais acentuado quanto maior tenha sido a responsabilidade objetiva que ele(a) tenha
tida para com a unidade, manutenção e sobrevivência da família.
Essa percepção quanto aos sentimentos de culpa encontra uma definição apropriada no que Engel e Fergunson
(1992) intitulam "crimes imaginários"50, um dos mecanismos suscetíveis de reduzir a auto-estima do sujeito,
de incutir nele sentimentos de conformação em relação à pena aplicada e às injustiças contra ele cometidas,
levando-o a sentir-se inteiramente responsável por situações externas a ele.
O conceito de crimes imaginários como sucedâneos do sentimento de culpa baseia-se na Teoria de Domínio
do Controle, desenvolvida por Joseph Weiss, para explicar os problemas psicológicos de pessoas que "lutam
contra si mesmas", que fazem sacrifícios irracionais ou que recusam-se a desenvolver seu potencial.
A teoria, de matriz freudiana e orientada para a psicoterapia, admite dois padrões principais de auto-punição:
a identificação com os problemas de um dos pais e a submissão às suas mensagens negativas(:126). Quando
nenhum desses padrões é identificado, advertem Engel e Fergunson, a resposta deve ser procurada nos
esforços da própria pessoa em proteger-se de sofrimentos experimentados no passado (:134).
Em famílias que são desestruturadas, não por causa de distúrbios psicológicos ou de alcoolismo nos pais -
como é o caso das famílias americanas estudadas durante trinta anos por Weiss - mas sim pela falta de
preparação para a paternidade ou maternidade, pela ausência de um ou dos cônjuges, pela recomposição da
família, geralmente com a introdução de outro companheiro(a) e outros filhos e abalada por questões de ordem
estrutural, como moradia precária, emprego informal, falta de garantias previdenciárias, alimentação,
educação e cuidados de saúde deficitários, os "crimes imaginários" capazes de induzir no(a) preso(a) o
sentimento de culpa podem ser também a pedra angular para sustentação da sua "relação de cumplicidade"
com companheiro(a) e filhos, constituindo-se em fator importante para sua reintegração socio-familiar.
Para a maioria dos(as) presos(as) essa lógica da autopunição decorre, principalmente, do estado de abandono
involuntário a que relegou sua família, de não poder oferecer a segurança material, moral e afetiva que ela
precisa e de não poder acompanhar o crescimento dos filhos, ao mesmo tempo que torna-se devedor para com
99
100
eles, pois é a família que o visita - por vezes durante décadas - que intermedia seus negócios e interesses e que
lhe serve de suporte afetivo e emocional. O(a) preso(a) torna-se efetivamente dependente de sua família,
invertendo-se o papel de provedor que cumpria quando em liberdade.
O diferencial da realidade aqui estudada em relação à realidade americana estudada por Weiss, Engel e
Fergunson, é que o modelo de família onde o(a) preso(a) está inserido não se encaixa dentro dos modelos
convencionais, nem o papel de provedor é desempenhado segundo a clássica divisão social do trabalho.
Através do cruzamento das variáveis de qualificação civil e criminal, da situação jurídica e sócio-familiares,
foi possível identificar quem recebeu formação profissionalizante, quem estava trabalhando no momento da
prisão, as condições de emprego em relação aos direitos previdenciários, eventual inclusão na estrutura de
apoio trabalhista, via sindicatos, e dentro da prisão, qual a remuneração que cada um estava recebendo e a
destinação final desse dinheiro.
Com os mesmos cruzamentos de variáveis foi possível identificar a extensão das relações sócio-familiares, a
composição da família (Quadros 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 17), o nível de responsabilidade dela sobre os filhos dos(as)
presos(as) (Quadro 12), como também obter indícios de como se deu o processo de socialização dos 0 aos 7
anos de idade, dos 7 aos 14 e dos 14 até o momento da prisão ( Quadros 14, 15 e 16).
Dentre as muitas indicações permitidas pelo cruzamento dessas variáveis, chamou a atenção o elevado índice
dos(as) companheiros(as) que tinham algum conhecimento das atividades delitivas do(a) preso(a) antes que "a
casa caísse" (Quadro 20). Esse prévio conhecimento apontou o caminho para indagar sobre o nível de
comprometimento da família ou de membros isolados da família nas atividades delitivas do sujeito preso
(Quadro 21).
De fato, nos quatro subgrupos foi possível identificar a participação do(a) companheiro(a) especificamente no
delito que levou o outro à prisão, como foi possível identificar também os sujeitos que já tiveram algum
membro da família preso, inclusive filhos (Quadros 8, 9 e 10).
E mais! Os dados sobre a situação processual de cada um indicam quantos possuem histórico infracional
anterior à prisão, sem registro policial, e se cometeram um, dois, três ou mais delitos antes de serem presos.
O estudo da progressão criminológica dos indivíduos pesquisados sugere que a censura ou reprimenda do
meio familiar aos primeiros delitos cometidos - se existiram - não foram suficientemente enfáticas no sentido
de suprimi-los completamente, o que permite também supor elevada tolerância do núcleo familiar à carreira
delitiva de um de seus membros, talvez o mais proeminente.
50
ENGEL, Lewis e FERGUNSON, Tom. Crimes imaginários: porque nos punimos e como interromper esse processo, São Paulo,
Nobel, 1992.
100
101
Minha tese é que esse conhecimento prévio das atividades delitivas do membro da família - que na maioria das
vezes é o seu provedor - secundada por variados níveis de participação direta ou indireta, suprime, no seio da
família, o julgamento moral das atividades do outro para dar lugar a uma espécie de solidariedade que prefiro
denominar "orgânica", conforme Durkhein, porque descabido o termo ideológico.
O fato de que todos(as) passaram a visitar seus entes na prisão - inclusive visitas íntimas - reforça a tese da
incipiência da censura ou da reprovação e aponta para um nível de comprometimento que, se não nos permite -
por absoluta falta de pesquisas - falarmos de uma "genealogia delinquente" nem de "família criminosa", nos
termos das definições propostas por Despiner, Dugdale, Monkemoller, Goddard,51 pelo menos nos permite
supor que o processo de socialização no crime ultrapassou a esfera individual e estendeu-se pela "família
conjugal", impondo-nos ver, e de maneira dramática, que a criminalidade deixe de ser vista como patologia
individual para ser vista como patologia sócio-familiar.
Essa relação de cumplicidade de pais, companheiros(as), filhos e demais familiares em torno de atividades
delitivas pode ser direta ou indireta, dependendo do nível de participação no seu planejamento e execução, que
por sua vez, tem a ver com a modalidade delitiva.
É mais comum que a relação seja direta no caso de companheiros(as) e indireta no caso de filhos, que
apenas usufruem dos resultados das atividades ilícitas dos pais sem nunca questionar a origem e fonte dos
recursos alocados para custeio e manutenção da família.
Exceção deve ser feita quando o próprio adolescente, se não está elevado ao papel de provedor da casa,
torna-se o provedor de si mesmo, desonerando a família dos custos com sua manutenção.
Em qualquer dos casos, um pacto de silêncio está implícito nestas relações, constituindo-se esse silêncio
no caldo de cultura onde há de florescer os "crimes imaginários", suscitando "obrigações morais" que, por
sua vez, realimentam a relação de cumplicidade que apresenta-se aos olhos dos leigos como solidariedade
ou amor da família aos seus entes presos.
a) a mulher, por diversos fatores, tem uma participação indireta na atividade delitiva;
51
A propósito, ver SILVA, Roberto. Os filhos do Governo: a formação da identidade crimminosa em crianças órfãs e
abandonadas, Ática, 1997; EXNER, F. Biologia Criminal; Hurwitz, Criminologia, Barcelona, Ariel, 1956.
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b) o autor preso em flagrante geralmente encobre a co-autoria dos demais membros da família partícipes
do mesmo delito, até mesmo por um ato "cavalheiresco" em relação à mulher;
c) muitas das ações indiretas para a consecussão de um delito não são passíveis de tipificação penal ou
não possuem relevância jurídica;
d) muitos dos delitos efetivamente cometidos por mulheres, crianças e adolescentes ficam no âmbito das
"cifras negras", dando maior visibilidade apenas à criminalidade masculina.
Em qualquer das hipóteses, e mesmo sem dispor de dados precisos, pode-se empiricamente afirmar que
frequentemente os co-autores, sejam eles crianças, adolescentes, homens ou mulheres, possuem as
mesmas características criminógenas análogas do autor preso em flagrante e de seu ambiente. Não
obstante, estes últimos, apenas por terem assumido a autoria, enquadram-se dentro da conduta
normatizada como ilícita, e exatamente por isso, engrossam as estatísticas criminais.
Por qualquer ângulo que se analise a questão, os dados reafirmam que o meio sócio-familiar é a unidade
básica e primária para a sobrevivência do indivíduo e tem crucial importância para o egresso
penitenciário, mas que uma teia mais ampla de apoio sócio-familiar, entretanto, não assegura
necessariamente a reintegração social do(a) preso(a), pelo menos não nos termos dos discursos
redencionistas e oficiais.
O aumento do número de adolescentes brancos, com pouca ou nenhuma defasagem escolar, cujas
famílias são compostas por pai e mãe, e proprietárias de casas próprias, sugerindo uma posição sócio-
econômica que as situaria entre a "classe média baixa", trouxe à tona os "delinquentes eventuais", antes
ausentes das estatísticas criminais.
Minha hipótese é de que o nível de pauperização da classe média brasileira, aliada à menor coesão interna
das famílias, à menor privacidade e à maior ausência dos pais em casa, retirou muito da capacidade deste
segmento empregar seus próprios mecanismos de autoregulação interna, colocando seus membros na vala
comum das pessoas sujeitas ao maior controle da vigilância social difusa.
(Re)integração sócio-familiar não pode ser confundida com (re)integração social, esta entendida como a
comunidade mais ampla onde estão as oportunidades de estudo, trabalho, lazer, participação política, etc.
Relatório Hite (1995) abre possibilidades para reinterpretar essa solidariedade orgânica, conceituando o
amor devotado a mãe, filhos e demais familiares como "obrigação moral" que se impõe por força da
relações consanguíneas e dos "imperativos de sobrevivência" que os unem em um núcleo comum de
mútuo apoio.
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familiar que sirva de suporte afetivo, emocional e profissional ao(à) preso(a), coloca essas pessoas em
situação de extrema vulnerabilidade às pressões do ambiente carcerário, tornando-as mais propensas à
reincidência criminal e institucional e mais suscetíveis a fazerem dos valores institucionais o seu quadro
preferencial de referências.
Diferentemente das teses defendidas no mestrado, onde a dinâmica institucional responsabilizou-se por
forjar identidades e carreiras criminosas para crianças órfãs e abandonadas, o que estamos vendo agora é
a formação, senão de identidades, pelo menos de carreiras criminosas em função do processo de
socialização no meio sócio-familiar.
Para uma amostra com pequeno índice de institucionalização anterior à prisão, estamos obtendo pistas
que indicam ter sido a formação da carreira criminosa decorrência direta do processo de socialização
sócio-familiar, quando não, causa objetiva dela, conforme se depreende dos dados que indicam o
envolvimento da família nas atividades delitivas.
Para segmentos tão vulneráveis aos imperativos delinquenciais, o aprisionamento vai significar outra
etapa no processo de socialização no crime, razão pela qual o vulgo alardeia que a prisão transforma
trabalhadores em criminosos. Errada essa percepção! A prisão - com a sua pedagogia do crime - apenas
amplia e consolida o processo de socialização no crime, atribuindo ao(à) preso(a) um status carcerário e
rotula-os com as marcas indeléveis com as quais são socialmente apresentados.
No sentido em que queremos analisar a questão sócio-familiar aqui, no universo prisional, o que se impõe
ao(à) preso(a) é a lógica da auto-exclusão social e ele(a) precisa avaliar até que ponto sua família irá
participar do processo de socialização desencadeado pela dinâmica carcerária.
A inclusão da família no circuito carcerário torna letra morta o princípio da individualização da pena
enunciado no inciso XLV do artigo 5° da Constituição Federal, pois além da privação que ela já passa
pela ausência do(a) chefe ou provedor(a) da família, precisará também submeter-se aos ditames da justiça
criminal e da administração penitenciária, arcando ainda com o estigma que cerca os(as) presos(as) e suas
famílias.
Por razões óbvias, os(as) presos(as) resistem a permitir qualquer nível de socialização de seus familiares
com agentes penitenciários ou policiais, sendo possível identificar sempre uma razão utilitária quando
isso acontece, mas colocar seus próprios pais, esposa, marido, irmãos, irmãs, filhos e filhas em contato
103
104
com outros(as) presos(as), permitindo que conheçam seus companheiros de celas e de delitos é uma
decisão que todos(as) um dia terão que tomar e em maior ou menor grau isso sempre acontece.52
O indíviduo excluído de seu grupo de referência e de sua comunidade, para os quais tem dúvidas quanto à
conveniência de retornar, resiste também a incluir-se na dinâmica da vida carcerária, tendo, entretanto,
que responder aos imperativos diários de sobrevivência que a prisão lhe coloca.
A dicotomia que apresenta-se ao preso - preservar os vínculos familiares e seu respectivo quadro
referencial ou imergir na cultura carcerária e submeter-se ao seu quadro referencial - define as lógicas de
inclusão sócio-familiar e de auto-exclusão, com a agravante de que esta última, na maioria das vezes,
compromete também sua família.53
Com a elevada taxa de socialização intramuros de presos, ex-presidiários e familiares, que por sua vez,
dominam os códigos, símbolos e valores do universo prisional, não é de estranhar que tal processo de
socialização evolua para relações mais estáveis e duradouras, como relações de amizade, de sociedade,
namoro, vida conjugal em comum, apadrinhamento, compadrio e casamento.
A possibilidade da "visita íntima", permitida pela Lei de Execução Penal - mais aos homens, menos às
mulheres e proibida aos adolescentes - possibilitou também concluir esse processo de socialização através
da concepção de filhos dentro do cárcere.
A visita íntima - que é a possibilidade do(a) preso(a) manter relações sexuais com o(a) companheiro(a) -
independente de seu caráter humanitário ou de respeito aos direitos humanos não atingidos pela sentença
de condenação, suscita uma questão ética da maior gravidade para a qual não temos pesquisas nem
respostas ainda.
52
Presos(as) que efetivamente não foram socializados no mundo do crime quando em liberdade, inicialmente resistem em permitir que
pais, avós, tios, irmãos e namorado(as) os visitem na prisão. As resistências praticamente desaparecem por completo depois da
sentença de condenação, em que a pessoa já sabe quanto tempo vai ter que ficar preso.
53
A primeira experiência de reunir familiares de presos para ações comuns, de resistência e de transformação, surgiu na década de
80 e chamou-se AFALESP (Associação dos Familiares e Amigos dos Encarcerados do Estado de São Paulo). Em Bragança
Paulista foi constituído um clube de Mães (dos presos) que hoje exerce importante papel na ressocialização dos próprios filhos, e
em julho de 1999 foi criada a APAR (Associação dos Pais e Amigos de Adolescentes em Risco), para atuar junto à Febem.
54
Op. cit. p?
104
105
Da crítica a essa via de pesquisa nasceu a "Estatística Familiar", através da qual Lund, Göring e Conrad
fizeram aperfeiçoamentos metodológicos, utilizando grupos de controle, para investigar porque a
incidência de delinquentes é maior em famílias cujos ascendentes possuem histórico criminal.
O número de crianças concebidas dentro da prisão - desconhecido em seu total mas sinalizado pelas
mulheres do Butantã e pelos presos de Franco da Rocha - indica já haver uma geração de filhos de
presos(as) que possuem uma "relação umbilical" com a prisão, estão sendo socializadas nos mesmos
ambientes em que seus pais construíram suas carreiras delitivas e sistematicamente os visitam dentro das
prisões.
A legislação brasileira permite que uma mulher presa, ao dar a luz, possa ficar por até 120 dias com seu
filho dentro do cárcere, principalmente para assegurar a amamentação materna. Ter sido concebido atrás
das grades, ter sido gestado por nove meses no ambiente prisional e ter suas primeiras impressões e
sensações construídas em um mundo onde "o sol nasce quadrado", deve, de algum modo, constituir um
diferencial significativo na vida futura destas crianças.
Se na pré-adolescência ou na adolescência esses filhos evidenciarem comportamentos delitivos, é de se
perguntar qual a autoridade moral do Estado e da sociedade para puni-los criminalmente, uma vez que
foram concebidos - e por vezes nasceram - dentro da prisão, continuando a ter ali parte de sua
socialização primária.
Não soa politicamente correto - e está até superado - atribuir eventuais carreiras delitivas a fatores
genético ou hereditários, mas o conceito de "genealogia delinquente" ou de "família delinquente" possível
de ser vislumbrado aqui aponta para o incipiente processo de socialização a que homens, mulheres e
crianças estão submetidos sob a égide do Estado.
Os dados (Quadro 22) mostram que praticamente nenhum pai ou mãe recebeu, por ocasião da prisão em
flagrante ou da sentença de condenação, orientação específica sobre que procedimentos ter em relação
aos seus filhos, agravando consideravelmente os dados que indicam que 12 das mulheres da amostra
(Quadro 23) efetivamente foram destituídos dos direitos de pátrio poder sobre seus filhos em virtude da
sentença de condenação, sendo estas crianças abrigadas em instituições, entregue sob guarda a outros
parentes ou colocadas em famílias substitutas.
A proteção jurídica ao filho de presos está estipulada no artigo 5°, L da Constituição Federal, no artigo 83
parágrafo 2° da Lei de Execução Penal e no artigo 11 das Regras Mínimas para Tratamento de Presos no
105
106
Brasil, aprovada em julho de 1994 pelo CNPCP, que estabelece obrigatoriedade de oferecimento de pré-
escola para crianças de 0 a 6 anos cujos pais estejam presos.55
A situação da mulher ressalta-se como a mais grave, pois 60% possui dois ou mais filhos, metade delas
não pode contar com a mãe e o mesmo percentual não pode contar com o pai; 21 delas já tiveram algum
filho preso e 28 algum parente preso; 25 delas não possuíam um companheiro, 11 de seus companheiros
estavam presos, 36 delas já tiveram o companheiro preso alguma vez, apenas 7 podia contar
integralmente com o companheiro na guarda dos filhos, não obstante 33 delas estar morando com ele no
momento de sua prisão.
55
Para uma visão geral sobre o tratamento dispensado aos filhos de mulheres presas nos Estados Unidos, vide SILVA,
Roberto. Relatório de Visita aos Estados Unidos - Programa de Visitante Internacional, USIA, 1998.
106
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Não poderíamos limita nossa análise quanto à eficácia da pena de privação da liberdade considerando apenas
a eventual motivação que o próprio preso viesse a ter para superar sua condição de exclusão jurídica, de
vencer o estado de marginalização social decorrente de sua condição de ex-presidiário ou à ação isolada de
grupos religiosos ou ainda à capacidade de sensibilização dos próprios familiares.
Esses fatores atuam de forma concorrente no processo de recuperação do preso, mas porque não fazem parte
de ações coordenadas e integradas, não podem responder sozinhos pela eficácia da pena de privação da
liberdade.
No Brasil, algumas ações, denominadas "Projetos Especiais", foram idealizadas no âmbito do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária, direcionadas tanto para o sistema penitenciário quanto para
cadeias públicas e distritos policiais, no sentido de abranger as diversas dimensões da problemática
penitenciária, como se pode ver abaixo:
Dentro do nosso enfoque, de situarmos a eficácia da pena como resultado de uma política criminal e
penitenciária, a administração ocupa lugar de extrema relevância. Administração entendida enquanto
gerenciamento e execução da política criminal e penitenciária – feita pela SAP, COESPE e Secretaria de
Segurança Pública - mas administração também enquanto gestão de uma unidade prisional – feita pelos
diretores.
Decretos, provimentos, portarias, resoluções e ordens de serviços, mesmo que devidamente fundamentadas no
Direito Administrativo, por si só não asseguram o bom gerenciamento de uma unidade prisional, tanto no
sentido de coibir irregularidades e arbitrariedades, do ponto de vista operacional, como de dar a eficácia
necessária à pena, do ponto de vista de sua finalidade e razão de sua existência.56 Por esta razão,
deliberadamente negligenciei os aspectos meramente formais da administração penitenciária, tais como os
procedimentos administrativos, custos e planejamento, para dedicar-me à forma como o sistema administra a
execução da pena e a dinâmica interna da prisão.
O estudo dos aspectos formais da administração seria prejudicado pelas características próprias de cada
unidade e pela subordinação das unidades pesquisadas a três secretarias estaduais distintas. ângulo de análise
que se privilegia aqui é a comparação entre dois modos de administração, um feito pela Secretaria de
Administração Penitenciária, a qual subordinam-se as penitenciárias de Franco da Rocha e Butantã, e outro
feito Secretaria de Segurança Pública, a qual subordina-se a Cadeia Pública de Bragança Paulista.
56
Para melhor entendimento sobre os "regulamentos penitenciários", por exemplo, ver estudo de PINSKY, Jaime. Mulheres
encarceradas, São Paulo, Global, 1983, pp. 101 e ss.
107
108
O que há de comum nas quatro unidades é a sua característica de serem todas instituições totais e de serem
instrumentos por meio das quais o Estado operacionaliza o monopólio da força legítima no trato dos desvios
sociais de caráter criminal.
Internatos, prisões, polícias e justiça fazem parte do aparato que o Estado constitui para prevenir, reprimir e
punir o desvio social. Em um Estado populoso como São Paulo, tais instituições cresceram, especializaram-se
e adquiriram relativa autonomia, tanto em relação à sociedade a qual devem servir quanto em relação ao
governo que lhe traça as diretrizes.
Os interesses corporativos do corpo funcional, a nomeação política para ocupação de cargos, a corrupção
interna e o uso político destas instituições consagraram na opinião pública uma visão de ineficiência, de
redutos de privilégios e de malversação dos recursos públicos.
Se a ineficiência de tais instituições fosse decorrentes apenas de mal preparo dos funcionários que as operam,
de recursos financeiros e de planejamentos claros e objetivos, as boas técnicas de administração pública
seriam suficientes para corrigi-las e dar-lhes a eficácia que a sociedade espera e precisa, mas os fatores acima
elencados indicam que internatos, prisões, polícias e justiça criminal não somente não cumprem mais seus
papéis institucionais de proteger e de se constituírem em instrumentos de autoregulação da própria sociedade
como hoje prestam deserviços a ela, e, por vezes, consistuem-se em ameaças tão graves quanto a própria
criminalidade que deveriam prevenir, reprimir e punir.
O estágio de comprometimento interno destas instituições é evidente quando, não respondendo mais aos
interesses e necessidades da sociedade que as criou e que as mantêm, passam a agir contra ela. Internatos que
transformam adolescentes em criminosos, prisões que especializam indivíduos em diferentes modalidades
criminosas ou os incapacitam para a vida social, polícia que emprega sua força máxima na defesa de patrões e
de proprietários, mas deixa lacunas visíveis na segurança pública para que prosperem a indústria da segurança
privada, dos seguros e de oportunistas ou que permite que se abrigue dentro de seus quadros perpetradores do
tráfico de drogas e de armas, exploradores de atividades ilícitas e rufiões, assaltantes de bancos e de cargas e
sequestradores, sem que a sociedade possua meios eficazes de reassumir o controle sobre elas.
Hoje o Estado e seus agentes são constantemente apresentados como os principais violadores de direitos da
pessoa humana, como também são apresentados como os geradores de boa parte da intranquilidade social e de
responsáveis pela sensação de impunidade e de corrupção generalizada no âmbito do poder público.
A falência total de tais instituições são evidentes quando elas passam a produzir em escala os próprios desvios
que deveriam combater, amparadas pelo uso da força legítima, custeadas por recursos públicos e
acumpliciadas por um espirito de corpo que as tornam invulneráveis e impenetráveis à fiscalização pública.
Por suposição, entende-se que a administração de uma unidade prisional não seja diferente da administração
de qualquer unidade do serviço público, como escola, hospital, creche, etc. A administração dos recursos
materiais, financeiros e humanos de qualquer serviço público prestado diretamente pelo Estado é normatizado
108
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por regras comuns estabelecidas pelo Tribunal de Contas do Estado, pela Secretaria Estadual de
Administração e pela Lei Orgânica do Funcionalismo Público.
O diferencial de cada serviço em particular está na característica específica da clientela que atende e na
especificidade da legislação que estabelece as diretrizes para seu atendimento.
A Escola, por exemplo, subordina-se à Lei de Diretrizes e Bases da Educação e ao Estatuto da Criança e do
Adolescente - como normas infraconstitucionais - aos Conselhos Estadual ou Municipal de Educação, que
normatizam os respectivos sistemas, à uma secretaria executiva que a dirige de fato, ao Conselho de Escola e
à Associação de Pais e Mestres, para as relações com pais e alunos.
Excluindo-se a legislação formal que rege o serviço público - comum a toda administração - o serviço
penitenciário e sua unidade básica - a prisão - subordina-se apenas à Lei de Execução Penal, legislação
infraconstitucional que regulamenta o inciso XLVI do Artigo 5° da Constituição Federal e que deve ser
executada pelo diretor da prisão e pelo juiz da Vara das Execuções Criminais, fiscalizados pelo Ministério
Público.
Os Códigos Penal e de Processo Penal, a Lei dos Tóxicos, a Lei dos Crimes Hediondos e demais legislação
específica, servem para normatizar as relações do indivíduo com a justiça criminal, independente dele estar
preso ou não e não têm nenhuma interferência direta na forma de operacionalização da prisão.
Com exceção da Lei de Execução Penal, aceita como moderna porque incorpora os princípios do direito
internacional, com 204 artigos de pouca complexidade em sua interpretação, nenhuma outra legislação
subsidiária ordena a prisão quanto ao seu modo de operacionalização e ao atendimento que deve dar ao preso.
O que se depreende dessa análise - sobretudo quando comparada com o modo de administração de outros
serviços públicos - é que a prisão é o mais desburocratizado de todos os serviços públicos brasileiros. Para
entrar basta a correta identificação do preso e um mandato de prisão, e para sair, basta, em tese, um alvará de
soltura.
O Brasil criou, nos últimos anos, ministérios e secretarias nacionais e estaduais para a "desburocratização"
dos procedimentos, principalmente em relação aos serviços públicos, com a propalada convicção de que
menos formalidades significaria mais efetivo exercício dos direitos de cidadania, maior democratização no
acesso aos serviços e pela desnecessidade dos "especialistas", a quem Habermas atribui a função de decifrar
os "códigos linguísticos" pelos quais se dá a divisão social do trabalho.
É sintomático pensar que o equipamento público brasileiro mais acessível aos pobres seja a entrada para a
prisão. O cidadão não precisa sequer manifestar-se, basta uma condenação a revelia - tão comum - que ele
passará a ser procurado para usufruir desse serviço.
109
110
O fato é que essa menor burocratização, mais o custo médio de manutenção do preso e a proporionalidade na
relação preso X funcionários deveria corresponder a maior eficácia na prestação do serviço. Porque isso não
acontece, quando sobra tempo para perseguir os resultados desejados e quando não existe quase nenhuma
capacidade reivindicatória por parte dos presos?
Meu principal objetivo com tais questionamentos é o de tentar entender como uma determinada forma de
administração tem a propriedade de implementar uma certa dinâmica na vida prisional. Sem que me escuse da
importância dos aspectos conceituais na administração pública, do organograma e das competências,
interessa-me, fundamentalmente, a forma como ambos os sistemas - de adolescentes e de adultos -
administram as condições objetivas em que deve se dar a execução da pena.
Entendo que para além destas questões de ordem objetiva, o comprometimento da eventual eficácia na
execução da pena de privação da liberdade está, sobretudo e de modo muito evidenciado, no fato de a prisão
ter se tornado ambiente de degradação moral, fomentando o que no mestrado intitulei como Pedagogia do
Crime.
“Entendido o conjunto das instituições totais como um ciclo de formação da criminalidade, não apenas pelo
tratamento institucional dispensado aos seus internos, mas sobretudo, pela tolerância para que se
constituísse em seu interior uma prática sistemática para a formação e consolidação de identidades
criminosas (a pedagogia do crime), elas acabam por assumir o caráter instrumental a que me refiro” (:98).
“É, em última instância, esta “cultura institucionalizada”, sem um formulador teórico visível, que não é a
prática oficial das instituições, que é sistematicamente negada por funcionários e por técnicos, mas que de
fato existe, que continua vitimando adolescentes [homens e mulheres}, que constrange seus próprios
profissionais e que envergonha a nossa sociedade, que eu denomino de pedagogia do crime” (:98).
“Com a análise do processo de constituição das “identidades”, da “cultura da fuga”, do conformismo e da
reincidência, tentei encontrar os elementos que permitissem sustentar a hipótese inicial de que no ciclo de
formação da criminalidade formou-se, consolidou-se e autonomizou-se uma pedagogia do crime, que foi
reforçada e estimulada pelas ações e omissões da instituição e dos agentes institucionais” (100).
“Por todas as razões apresentadas, torna-se imperioso reconhecermos que a dinâmica das relações intra-
institucionais, a institucionalização, o conformismo, a prisionização e a reincidência institucional são os
57
Pedagogia do Crime, neste contexto, tenta descrever o processo de socialização próprio da contracultura institucional, e que tem a
sua interface mais visível na contracultura subjacente ao submundo do crime.
110
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O conceito de prisão como ambiente de degradação moral e humana fundamenta-se em uma tal lógica que só
é possível de ser modificada no âmbito de um novo modelo de administração da coisa pública, já que é
impensável muda-la a partir de ações organizadas dos próprios presos, de propostas pedagógicas ou de mais
injeção de recursos.
Essa lógica possui um tripé de sustentação que em última análise, é responsável pela natureza das relações
que se estabelecem entre os presos e entre estes e os agentes penitenciários:
a) permissividade para o tráfico de drogas por parte dos presos, sendo que a alguns funcionários é reservada a
tarefa de introduzi-la dentro da prisão;
b) permissividade para a corrupção entre alguns poucos funcionários, como forma de amenizar o rigor e os
riscos do trabalho e os baixos salários pagos;
c) a compra e venda de privilégios na relação entre presos e alguns funcionários.
Esse tripé de sustentação situa-se, geralmente, no segundo e no terceiro escalões das unidades
presidiárias, o que faz com que a cada substituição de diretor o sistema continue funcionando
autonomamente.
Todo e qualquer diretor que ouse mexer nesse tripé enfrentará sérias resistências por parte de um grupo
reduzido de funcionários e por parte das lideranças negativas entre os presos, a quem também interessa
essa relação de promiscuidade.
Em função dessa lógica interna fomentadora da pedagogia do crime, cristalizaram-se alguns ditos que,
incorporados ao folclore das prisões, dão a medida do tamanho das dificuldades para uma significativa
mudança de cultura:
Estes chavões foram cunhados e são mantidos dentro das prisões como verdades incontestes. Sobrepujar
tais "verdades" e eliminar aquele tripé de sustentação, juntamente com outros preceitos forjados pela
cultura prisional, constituem hoje o maior desafio do sistema prisional do Brasil e de qualquer outro país.
111
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Guardadas as devidas proporções e finalidades entre uma penitenciária e uma cadeia pública, Bragança
Paulista é a única experiência prisional brasileira conhecida e suficientemente avaliada onde as mudanças
estruturais no modelo administrativo possibilitaram modificar o tripé de sustentação acima referido.
A experiência construída em Bragança Paulista teve a participação ativa do Juiz das Execuções Criminais, do
Ministério Público, do Delegado Seccional, que foi também o direitor da cadeia local, da OAB-SP, de
empresários, comerciantes e populares, que explorando as possibilidades criadas pelo Artigo 80 e seu
parágrafo único da Lei de Execução Penal, criaram o Conselho da Comunidade, com o nome de Associação
de Proteção e Assistência Carcerária (APAC).58
No momento dessa pesquisa - março de 1998 - a referida Cadeia Pública abrigava 175 presos condenados, em
regime semi-aberto e provisórios, estando em construção um anexo de 1.000 metros quadrados para abrigar
mais 130 presos.
No final de 1995, a APAC propôs um convênio pioneiro ao Governo do Estado - celebrado em janeiro de
1996 - para administrar a Cadeia Pública de Bragança Paulista utilizando apenas a verba destinada à
alimentação dos presos.
Com o repasse da referida verba à APAC, esta conseguiu diminuir o custo da alimentação de cada preso de
R$ 10,00 para R$ 4,80 por dia. Essa economia, somada às contribuições resultantes de campanha coordenada
pela Câmara Municipal da cidade, permitiu a construção de um prédio anexo para instalação de oficinas e das
salas dos serviços de assistência, bem como a contratação de um gerente, um advogado, um psicólogo, um
assistente social, um médico, um professor alfabetizador, um professor de educação física, dois auxiliares de
escritório e oito trabalhadores da construção civil.
A cadeia é administrada segundo as técnicas de gerenciamento empresarial, sem caracterizar entretanto uma
privatização. Mais de 60% dos presos estavam empregados em atividades remuneradas no momento desta
pesquisa, beneficiando-se da remição de pena e de assistência judiciária, médica, odontológica, social,
educacional e psicológica gratuitas.
112
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Dada a desigualdade no pagamento de trabalhos de natureza diversa, 25% do total arrecadado com a
remuneração do trabalho vai para um fundo de manutenção e construção e o restante é dividido de forma
igual entre todos os que trabalham.59
Um termo de cooperação técnica assinado com a Funap permitiu a introdução dos cursos supletivos de 1 e 2°
graus e a Prefeitura Municipal designou uma Assistente Social para atuar junto ao Clube das Mães e Esposas
de Presos, criado para prestar assistência aos familiares dos presos mais necessitados.
Os alunos do curso de direito da Universidade São Francisco fazem o acompanhamento dos detentos em
regime aberto e semi-aberto e a Pastoral Carcerária e demais confissões oferecem assistência religiosa.
Este subgrupo foi constituído considerando-se apenas os presos condenados a pena de reclusão, que então
estavam em regime fechado ou que já progrediram para o semi-aberto, perfazendo 34.28% da população
carcerária total.
A permissão para que se constituísse uma comissão de presos, com funções bem definidas na
operacionalização das rotinas carcerárias foi um diferencial importante que alterou de modo significativo a
dinâmica carcerária, possibilitando que eles desenvolvessem uma liderança positiva, respeitada e acatada por
todas as instâncias do universo prisional.
Experiências relativas a organização de presos dentro do sistema penitenciário são raras no Brasil e todas
sistematicamente coibidas e duramente reprimidas, haja vista o histórico do Comando Vermelho, no Rio de
Janeiro e da Comissão de Presos tentada na década de 80 durante o mandato de José Carlos Dias na Secretaria
da Justiça, em São Paulo.
O trabalho desenvolvido pela Comissão de Sinceridade e Solidariedade, entretanto não teria sido possível
mudar radicalmente a cultura de opressão, medo e exploração reinante dentro da cadeia sem que se
estabelecessem novos parâmetros para as relações entre os presos e entre estes e os funcionários.
Na primeira gestão da APAC o presidente da Comissão e os representantes de celas foram escolhidos dentre
os presos mais temidos, mais violentos e com maior histórico criminal - uma concessão que o Conselho da
58
Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. Cidadania no Cárcere, 1998.
59
Em dezembro de 1998 estavam instaladas dentro da Cadeia Pública as empresas AMP do Brasil, Metalúrgica Gambôa, Castelo
Componentes Eletrônicos, além das atividades de artesanato, o trabalho externo e os serviços de manutenção interna.
113
114
Comunidade teve que fazer para viabilizar o projeto. Hoje eles são recrutados dentre os presos com maior
habilidade para a mediação, com mais estudos ou dentre os mais bem aceitos pelos demais presos.
A Comissão mantém em seu poder todas as chaves de acesso interno da cadeia, pode proceder mudanças de
celas a pedido dos presos, receber denúncias, inclusive contra funcionários, faz a recepção, apresentação e
distribuição dos presos recém chegados e define a escala de trabalho nas atividades de manutenção e limpeza.
A experiência tem demonstrado que a ação coletiva dos presos na defesa de seus interesses diminuiu
sensivelmente a margem para a ação da corrupção de funcionários e policiais, um dos pilares do tripé de
sustentação da vida carcerária. A corrupção funcional, por sua vez, está invariavelmente ligada à
comercialização de drogas, à venda de facilidades e à indústria de fugas.
Trabalhos de conscientização em torno da AIDS, gerenciamento interno da cadeia por parte dos próprios
presos, atendimento de suas necessidades básicas, ocupação para todos e profissionais subordinados à
comunidade e não ao Estado, aliada ao atendimento às famílias e aos compromissos de não infringir as regras
coletivamente construídas foram os recursos empregados para mudar a natureza das relações intramuros.
A criação do Conselho da Comunidade permitiu a gestão coletiva de uma unidade prisional sem que isso se
caracterizasse em sua privatização e sem que o Estado abrisse mão de suas prerrogativas na execução penal.
A contratação de profissionais independentes para prestação dos serviços de assistência social, médica,
psicológica e jurídica, tanto para os presos como para seus familiares possibilitou a superação dos vícios e das
distorções relatadas por Evangelista (1993), Cesar (1995), Fernandes (1998) e Faleiros (1990) e tantos
outros.
A criação de uma espécie de clube, para congregar familiares, esposas e companheiras dos presos instituiu
como que um mecanismo externo de fiscalização da cadeia, com prerrogativas para visitas periódicas,
participação das reuniões e encaminhamento de suas demandas diretamente ao diretor da cadeia e ao Juiz
Corregedor.
A desobstrução dos caminhos pelos quais presos e seus familiares podem chegar diretamente ao diretor e ao
Juiz Corregedor serviu para restabelecer a confiança entre os presos, de que suas demandas seriam ouvidas e
atendidas. A mesma facilidade de interlocução não ocorre com as instâncias administrativas situadas fora da
cidade, como o Conselho Penitenciário, por exemplo.
114
115
Pelos esforços do juiz da Vara das Execuções Criminais, foi possível diminuir a transferências de presos,
tanto de Bragança para outras cidades e destas para Bragança, como resposta a uma decorrência direta dessa
mudança de cultura carcerária, pois as transferências compulsórias estavam colocando em cheque o trabalho
desenvolvido.
Os presos de Bragança Paulista sentiam-se vulneráveis e conceitualmente desaparelhados para viver em uma
prisão comum onde prevalecem a "lei da selva" e a Pedagogia do Crime. Da mesma forma, cada transferência
de preso de fora da cidade para Bragança implicava em um período tenso de adaptação deste às "regras do
jogo", o que nem sempre era possível. Transferência para outra cidade ou outra unidade prisional passou a ser
portanto, a forma mais dura de punição àqueles que recusam-se a submeter-se ao código disciplinar
coletivamente construído.
É discutível e pouco provável que a natureza das relações entre os presos e destes com os funcionários tivesse
mudado sob o modelo administrativo antigo. Via de regra, as cadeias públicas e os "cadeiões" são
potencialmente mais explosivos do que as penitenciárias, visto concentrarem presos provisórios, sem
condenação definitiva, que ainda contam com possibilidades de furtar-se à condenação por meio da fuga.
Sob o modelo tradicional de administração, o mais provável é que a maior organização dos presos evoluísse
para reivindicações de ordem administrativa e funcional - como alimentação, assistência judiciária e médica -
o que não é bem visto pelos órgãos dirigentes e que é passível de gerar manifestações e desconfianças mútuas
quando não atendidas.
É forçoso ressaltar que toda essa mudança foi obtida sem intervenções diretas junto ao pessoal carcerário, sem
cursos de capacitação ou de reciclagem. A adoção de um modelo de gestão comunitária impôs a contratação
de profissionais em suas respectivas áreas, mas sem domínio dos códigos, símbolos e valores carcerários, o
que foi fundamental para estabelecimento de relações de natureza diferente destes para com os presos.60
A comparação do desempenho dos presos da Cadeia Pública de Bragança Paulista em relação às demais
unidades pesquisadas indica um nível de satisfação maior - tanto quanto isso é possível - quanto às condições
de cumprimento de suas penas e também indícios de melhor aproveitamento da "terapia carcerária" por parte
deles.
115
116
A regulamentação deste mandamento constitucional permitiu a criação das estruturas que se pode
verificar abaixo:
Para uma sociedade que sempre delegou à classe política a administração das coisas públicas, a
incorporação destes conselhos na cultura da administração pública aponta para novas formas de
organização social, para novas formas de definição das prioridades sociais e políticas e para novas
formas de gestão das políticas sociais públicas, nos moldes do que dispõe o Artigo 204 da
Constituição.
60
A inauguração de 21 novas unidades penitenciárias entre 99 e 2000 anunciava a possibilidade de contratação, por concurso
público, de uma nova safra de agentes penitenciários, sem os vícios institucionais, mas a prática não comporvou isto.
61
Atualmente, com a criação da Secretaria da Administração Penitenciária pela Lei nº 8.209, de 4 de janeiro de 1993, o Conselho
Penitenciário, juntamente com outros órgãos, foi transferido da Secretaria Justiça e Defesa da Cidadania, para esta Secretaria.
Encontra-se organizado nos moldes dos Decretos nº 26.372, de 4 de dezembro de 1986 e 28.532, de 30 de junho de 1988.
62
Decreto nº 36.463, de 26 de janeiro de 1993
116
117
Aos conselhos, em cada esfera administrativa, compete formular as diretrizes das políticas públicas
setoriais e fiscalizar sua execução, tanto por parte do poder público quanto por parte da sociedade
civil. Compete aos conselhos também proceder ao registro das entidades governamentais e não-
governamentais que atuam em cada área, bem como o registro de seus programas de tabalho,
constituindo impedimento para acesso aos recursos públicos a ausência de tais registros.
Na área da infância e juventude estes princípios são a gênese e os fundamentos da existência dos
conselhos nacional, estaduais e municipais, dos fóruns e dos fundos da criança e do adolescente e dos
conselhos tutelares.
A estrutura organizacional, jurisdicional e administrativa criada pelo ECA para o gerenciamento das
questões afetas à infância e juventude foi a que mais avançou no país, podendo-se contar hoje com
conselhos estaduais dos direitos da criança e do adolescentes em todos os Estados, com conselhos
municipais em pelo menos um terço dos municípios brasileiros e mais de 5.200 Conselhos Tutelares
instalados em todo o país, todos compostos paritariamente por milhares de representantes de ONGs,
sociedade civil e governo, abrangendo tanto a questão do abrigamento quanto da adoção, da
colocação em família substituta e do ato infracional, mas dentro da paridade estabelecida para os
conselhos de direitos, os representantes governamentais tendem a agir monolíticamente, constituindo-
se em um fator interno de contenção e de racionalidade técnica face às demandas colocadas pela
sociedade civil .
117
118
O mesmo avanço não se observa na implantação dos conselhos na áreas da Educação, da Saúde, do
Meio Ambiente, da Habitação, do Emprego, do Meio Ambiente e da Segurança, não obstante a
prescrição constitucional.
Através dos Fundos Nacional, Estadual e Municipal, específicos da área de infância e juventude,
pode-se vislumbrar algo de novo no horizonte político-administrativo do país que leve à superação da
hegemonia que a classe política possui na destinação dos recursos públicos. Entender os respectivos
conselhos como instâncias democráticas de participação coletiva implica também em reconhecê-los
como instituições necessárias à normalidade democrática, pelas quais a sociedade define suas
prioridades, não apenas no âmbito da sociedade civil, mas também das ações governamentais.
Os fóruns e os conselhos de direitos devem ser o partido da sociedade civil organizada. Os conselhos
nacional, estaduais e municipais dos direitos da criança e do adolescente devem exigir que os recursos
financeiros destinados ao custeio das políticas de atendimento à criança e ao adolescente sejam
deslocados das rubricas orçamentárias de ministérios, secretarias e órgãos públicos para os Fundos
Nacional, estaduais e municipais da criança e do adolescente.
Parte significativa da hegemonia da classe política na disponibilização dos recursos públicos advém
das prerrogativas que possuem de aprovar o orçamento do executivo. O controle da máquina pública e
da administração pública permite à classe política manter toda a sociedade como refém. Os conselhos
e os fundos podem representar a via alternativa para que o Brasil faça um reordenamento institucional
absolutamente inovador, a partir da transferência de poderes da classe política para a sociedade civil
organizada.
Ministérios, secretarias estaduais e municipais e órgãos públicos deveriam ter todas as rubricas
orçamentarias destinadas ao atendimento de crianças e adolescentes transferidos para os respectivos
fundos, constituindo-se, de maneira semelhante, os fundos da saúde, da segurança, da habitação, etc.
Para a área de segurança pública evolui a passos lentos os conselhos de segurança da comunidade,
situado no bairro e não no municípios, estados ou União, compostos paritariamernte pelos comandos das
polícias civil e militar na área e por representantes governamentais e não-governamentais.
Na área penitenciária a Lei de Execução Penal prevê que "haverá, em cada comarca, um Conselho da
Comunidade, composto, no mínimo, por um representante de associação comercial ou industrial, um
advogado indicado pela seção da Ordem dos Advogados do Brasil e um assistente social escolhido pela
Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais" (Art. 80).
118
119
119
120
Em Manicômios, prisões e conventos, Goffman (1986:18) sustenta serem as instituições totais “estufas
onde se faz experiências com o eu”. Qualquer que seja o sentido dessas “experiências, um amplo espectro
de conhecimentos, ciências e pseudo-ciências atuam no universo prisional, podendo-se admitir que todas
elas são co-responsáveis e solidárias quanto aos resultados finais produzidos63.
A eficácia na aplicação e execução da pena de privação da liberdade, no sentido das expectativas que a
sociedade tem em relação a ela e do ponto de vista da recuperação do indivíduo preso, é resultado direto
da maior ou menor integração entre os profissionais e suas respectivas ciências que atuam no universo
prisional em torno da chamada “terapia carcerária”.
Não obstante a relação umbilical das ciências jurídicas com o Poder Judiciário e a subordinação
epistemológica do Poder Executivo ao Poder Legislativo, entendo que essa relação entre esferas de poder
na produção de uma política criminal e penitenciária e de uma política de segurança pública é matéria da
Ciência Política, razão pela qual trata-la-ei em momento e lugar mais oportuno. Por ora importa-nos
compreender que as ciências criminais, como uma subárea das ciências jurídicas, articulam todo o aparato
jurídico, técnico, policial e administrativo do Estado, tendo como atribuições a repressão, a investigação,
controle, execução, fiscalização, administração, formação de pessoal e estudos correlatos à aplicação da
pena de privação da liberdade.
63
VICARI JR. Carlos. Criminologia e ciências afins: perspectivas da abordagem do crime e do crikminoso, Revista do IMESC,
SP, v. 5, p. 20, 1982.
120
121
ÓRGÃO Justiça Criminal, IMESC, IC, COCs, IIRGD, Polícias Civil e Militar SAP, COESPE
Corregedoria, Varas de IML, HPs, MJ, FUNAP, Agentes
Execuções Criminais, ACADEPEN, Conselho Penitenciários e
Procuradoria de Assistência Penitenciário Secretaria de
Judiciária (PAJ) Segurança Pública
Segundo competências específicas definidas nas leis que criou cada um desses órgãos, todos possuem
uma interface muito clara dentro do universo penitenciário com a aplicação, execução, controle e
fiscalização da pena de privação de liberdade. O balizamento teórico e prático que organiza o
entendimento e as ações de todos esses órgãos no âmbito do Estado é dado, inquestionavelmente, pelo
Direito Penal.
Quando, entretanto, especialmente nas democracias ocidentais, entende-se a prisão sob uma perspectiva
humanitária, a pena de privação da liberdade implica em conceber um processo de transformação
qualitativa do preso (BOCAYUVA, 1996:12764). Sob essa perspectiva, assume relevância o papel
desempenhado pelas ciências tributárias das ciências jurídica e criminal, cujos profissionais são chamados
a prestar seu concurso na operação do sistema penitenciário.
Se, como vimos, o eixo central que articula os procedimentos em torno da pena de privação de liberdade
é fornecido pelas ciências criminais, com repercussões na Política Criminal e Penitenciária e na Execução
Penal, há que se considerar que a Criminologia, de modo muito especial, reúne um corolário de saberes,
oriundo das ciências e pseudo-ciências a quem se atribui as funções mais humanizadoras dentro do
121
122
sistema penitenciário. Ciências Criminais e Criminologia são, por vezes, tidos como sinôninos,
confundindo-se seus respectivos campos de atuação e objetos de estudo65.
Atacando especialmente a relação que se pretendia entre Direito Penal e Criminologia, advertia ele que
“qualquer forma de classificação do criminoso, sob feição científica, é prematura66”. Referindo-se
especificamente a antropologia criminal, de Enrico Ferri, Hungria afirma que o problema dessa ciência é
que “não nos levou a conhecer melhor os mecanismos do crime”, pelo contrário, somente analisou alguns
correlativos, isto é, “os fornecidos pela anatomia, pela patologia, pela morfologia constitucional e pelo
estudo do ambiente social, mas 80% dos casos ficaram por explicar”.
Hungria chegou a bradar que as doutrinas antropológicas ou biopsicosociais precisavam rever os seus
postulados, posto que partiram de premissas falsas e não encontram firme ponto de apoio na realidade.
Roberto Lyra (SERRA, 1996:264) já admitia, antes que Hungria cedesse a esse argumento, que Direito
Penal e Criminologia possuem uma estreita ligação. Lyra faz a distinção, reservando ao Direito Penal
funções normativas, e à Criminologia o estudo científico, sustentando que esta, por “estar eivada de
sociologia”, deve orientar tanto a política criminal como a política social.
Lyra subdivide a Criminologia em três partes distintas: Sociologia Criminal, Antropologia Criminal e
Política Criminal. Essa estreita relação entre Criminologia e Sociologia, no entender de Lyra, deve-se ao
fato de que somente a Sociologia pode “libertar” o Direito Penal do cárcere67.
Não obstante a afirmação de Roberto Lyra, de que a Criminologia seja matéria para o jurista, “pois é ele
quem processa e julga, quem prende e quem solta, quem defende e acusa o criminoso, quem elabora,
aplica e interpreta e ensina a lei penal”, há toda uma classe de profissionais, formados em Serviço Social,
Psicologia, Medicina e Pedagogia, atuando dentro do sistema penitenciário, que precisaram apropriar-se
do discurso e dos instrumentos, mais da Criminologia do que do Direito Penal, para o exercício de suas
funções.
64
BOCAYUVA, Pedro Claúdio Cunca. A violência insidiosa: capitalismo desregulado e exclusão social, Discursos Sediciosos: crime,
direito e sociedade, n° 2, 1996.
65
Para melhor compreender o assunto, ver DOTTI, Rene Ariel. A revisão das fronteiras entre o Direito Penal e Criminologia, Ciência
Penal, n° 2, RJ, pp. 79-106, jul/set. 1979.
66
HUNGRIA, Nelson. A classificação dos criminosos, Revista Forense, v. 177, p. 7 e ss., 1958.
67
Para a construção do pensamento jurídico-penal brasileiro, importantes ver BARRETO, Tobias. Menores e Loucos, RJ, 1844;
LYRA, RobertoA obra de Ruy Barbosa em Criminologia Criminal, seleções e dicionário de pensamentos, Bolsói, RJ, 1949; LYRA,
Roberto. Atualidades de minhas posições e propostas em Direito Penal e Criminologia, Revista Brasileira de Criminologia e Direito
122
123
Para melhor entender os debates, as relações e os avanços entre as ciências jurídicas e as demais ciências,
foi útil rever a produção dos diversos congressos do gênero realizados nas últimas décadas no Brasil.
Cito, pelo particular interesse que teve e pela antiguidade, os Congressos Nacionais de Direito Penal e
Ciências Afins, último deles realizado em 1975, em São Paulo. A participação neste congresso filiava
automaticamente os congressistas no Instituto Brasileiro de Ciências Penais, de curta duração.
Não obstante seu caráter mais genérico, o 1° Congresso Brasileiro de Política Criminal e Penitenciária
produziu resultados mais efetivos para a integração das diversas ciências atuantes no universo
penitenciário do que os cinco Congressos Nacionais de Direito Penal e Ciências Afins.
Não obstante ainda a deferência prestada aos presidentes das “associações culturais” dedicadas ao estudo
do Direito Penal ou de suas ciências afins, que eram tidos como membros natos dos congressos, o
programa científico relegou todas as chamadas ciências afins para a área de Criminologia, sendo as
outras, Direito Penal, Direito Processual Penal e Penologia, onde se discutia a reforma penitenciária.
A área de Criminologia denotava o recorte específico pretendido ao delimitar o tema chave a ser debatido
– periculosidade: sua aferição e consequências penais.
Todas as conclusões dos congressos versaram, em suas moções e resoluções, pautas específicas do
Direito Penal, do Direito Processual Penal e da Penalogia, concedendo espaço significativo à Psiquiatria,
mas nenhuma questão da Sociologia, da Psicologia, da Pedagogia ou das Ciências Sociais.
No Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em Brasília, revi o extenso relatório do Grupo
de Trabalho de Juristas e Cientistas Sociais68, criada pelo Ministério da Justiça em 1979 para realização
do que pretendia ser a mais completa radiografia do sistema penitenciário brasileiro, sob a presidência de
José Benedito Viana de Moraes.
Penal, RJ, v. 13, pp. 9-48, abr/jun 1996. PIMENTEL, Manoel Pedro. Breves notas para a história da Criminologia no Brasil, Ciência
Penal, RJ, v. 2, pp. 37-48, jul/set., 1979.
68
Ministério da Justiça. Violência e Criminalidade, Relatório do Grupo de Trabalho de Juristas e Cientistas Sociais, 3 vol., MJ, 1980.
123
124
O relatório final, editado em três volumes, incorporou as investigações efetuadas pela CPI do Sistema
Penitenciário, criada em 1975. Não obstante as claras recomendações da Portaria MJ 689, de 11 de junho
de 1979, quanto aos quesitos que deveriam ser verificados nas prisões e as claras indicações da condição
das prisões e dos presos, o escopo do relatório é notadamente de cunho jurídico, sendo praticamente
irrelevante o olhar do psicólogo, do psiquiatra, do médico e do pedagogo.
Mereceu vistas também a produção das Semanas de Criminologia e Ciências Afins e dos seminários do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, na 16ª e na 4ª edição, respectivamente, em dezembro de 1998,
dada sua localização em São Paulo e o maior afluxo de profissionais de áreas estranhas ao Direito Penal.
A radiografia do sistema penitenciário brasileiro recebeu notável contribuição com o Relatório da Human
Rights Watch, apresentado em dezembro de 1998, com destaque especial para a quase ausência e absoluta
ineficácia da assistência prestada aos presos nas áreas médica, psicológica, psiquiátrica, pedagógica e de
serviço social.
Procurei interrelações entre ciências jurídicas e ciências afins também nos anteprojetos e projetos de
política criminal e penitenciária e de reforma penitenciária, particularmente naqueles destinados a ter
maior repercussão e consequências dentro dessa “comunidade”. O anteprojeto de reforma penitenciária
apresentado, discutido e aprovado69 no 5° congresso Nacional de Direito Penal e Ciências Afins, como
ficou denotado acima, só fez concessões à psiquiatria, insistindo, em suas conclusões “...que as direções
dos Estabelecimentos Penais sejam entregues à Bacharéis em Direito ou excepcionalmente a profissionais
liberais de reconhecida capacidade intelectual e comprovados conhecimentos em assuntos criminológicos
ou penitenciários” (1975:110).
Sua idéia de “tratamento penitenciário” é que seja feita “como uma família trata de um filho-problema,
pois invariavelmente encontrar-se-á algum nível de responsabilidade social em seus atos” (1992:17).
Psiquiátra, psicólogos e assistentes sociais são lembrados – nos termos da Comissão Técnica de
Classificação – apenas para “orientar a individualização do cumprimento da pena, separando os
69
LEAL, Juçara Fernandes. Reforma Penitenciária, Anais do 5° Congresso Nacional de Direito Penal e Ciências Afins, 1975.
70
Anteprojeto de Política Criminal e Penitenciária, Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, Processo DH-608, 1992.
124
125
condenados mais perigosos dos eventuais e estabelecendo as diretrizes para o tratamento mais adequado
de cada um” (1992:17).
Útil foi o trabalho realizado pelos alunos do mestrado em Direito Penal da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, que fizeram uma compilação dos projetos e anteprojetos apresentados de código penitenciário,
respectivamente, em 1933 por Cândido Mendes, em 1957 por Oscar Stevenson, em 1963 por Roberto
Lyra e em 1970 por Benjamin Moraes Filho. Todas as iniciativas foram no sentido de estabelecer uma lei
orgânica para o sistema penitenciário, depois ofuscadas pela Lei de Execução Penal. Nenhum dos
projetos e anteprojetos foi aprovado, mas delineavam com mais precisão o que deveria ser a comissão
técnica de classificação e a relação entre os diversos saberes dentro do universo prisional.
Revendo a produção bibliográfica e acadêmica sobre os embates das ciências dentro do sistema
penitenciário, foi possível localizar a “Psico-sociologia carcerária do Norte do Brasil, onde Ribeiro
(1978) procura situar o impacto do pensamento jurídico-penal face à cultura tradicional do nordestino,
fazendo também a sua defesa quanto às tentativas de enquadra-lo dentro das tipologias criminológicas
propostas por psicólogos e psiquiátras.
A igual conclusão chegou Maria Soares de Camargo em sua tese de doutoramento “Assistentes Sociais no
sistema penitenciário: a crença na reabilitação (PUC 1992:75), onde discute as relações entre saber e
poder. Depois de contextualizar o Serviço Social desde suas origens, nas encíclicas papais Rerum
Novarum e Quadaragésimo Anno, até chegar ao serviço judiciário e às prisões e para concluir que “(... o
Serviço Social se coloca como instrumento institucional, constituído pelo aparato estatal para oferta de
certos bens e serviços que visam garantir condições mínimas de subsistência.)”
Vicente de Paula Faleiros (1990), ao fazer a “Avaliação e perspectivas da área de Serviço Social”, a partir
dos cursos de pós-graduação financiados pela Capes e CNPq e realizados pelas PUCs do Rio Grande do
Sul, Rio de Janeiro e Universidades Federais de Pernambuco e Paraíba, também historia a evolução do
Serviço Social, de uma perspectiva de “observação do homem” para a de “intervenção social”, momento
125
126
Percorrendo a grade curricular dos cursos de graduação, delineando as linhas de pesquisa no mestrado e
no doutorado, Faleiros registra os esforços de dotar a área de status científico mais consistente, através da
criação de associações profissionais e da criação de publicações especializadas, para concluir que após a
redemocratização do país, em 1988, política social, movimentos sociais, perfil do profissional e
organização da categoria passaram a constituir a tônica da pesquisa em pós-graduação.
Maria da Costa Barbosa, tendo as relações de produção e a divisão técnica e social do trabalho dentro da
sociedade capitalista como pano de fundo, buscou definir a natureza do trabalho social dentro das
instituições (A práxis do Serviço Social nas instituições), criadas pelo Estado para administrar, regular e
controlar os problemas emergentes. Sendo assim, afirma ela, fazendo coro aos demais pesquisadores, a
instituição passou a ser a intermediadora entre os bens e serviços procurados e a população que os
procura, cabendo ao Serviço Social intermediar a relação entre a população demandatária e a oferta de
bens e serviços oferecidos. Recorrendo as diversas definições possíveis para “instituição”, a autora
pretende justificar como a academia, em especial, instrumentaliza o Assistente Social para atuar na
dimensão ambígua da manutenção/transformação das relações sociais, permitindo ao profissional evoluir
de uma consciência ingênua para uma consciência crítica.
A síntese das posições defendidas pelos Assistentes Sociais que trabalham no sistema penitenciário
paulista estão reunidas no documento “Subsídios da área de Serviço Social aos Grupos de Reabilitação
dos estabelecimentos penitenciários, apresentado no II Congresso Brasileiro de Administração
Penitenciária, e resultado de cinco seminários com técnicos da Coespe.
126
127
O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro tratou exaustivamente da relação entre ciências
criminais e Psicologia no livro "Psicologia e Instituições de Direito: a prática em questão"71, com enfoque
especial no atendimento ao adolescente em conflito com a lei.
O psiquiatra Robert Castel, referência obrigatória na discussão, afirma em “A ordem psiquiátrica: a idade
de ouro do alienismo” (1978:43) que “(...) não é por acaso que a psiquiatria nascente se inscreveu numa
forma institucional que é a herança do absolutismo político. A relação que se desenrola entre psiquiatra
e paciente (...) é uma relação de soberania.”
Na mesma linha, Foucault, em “Vigiar e Punir” (1977), referindo-se às ciências humanas de modo geral,
considera que os discursos científicos são as formas mais requintadas de ocultação do poder, pois
atribuem ao ao juiz, ao julgamento e à pena ares de cientificidade.
71
BRITO. Leila Maria Torraca de. (org.) Psicologia e Instituições de Direito: a prática em questão, RJ, CRP, 1992.
72
Eu, Pierre Rivière, eu que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão, RJ, Graal, 3ª ed., 1984.
73
COESPE, Estrutura e funcionamento, 2ª ed., Série Informações, 1989.
127
128
"Art. 7º - A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será presidida pelo
diretor e composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente
social, quando se tratar de condenado à pena privativa da liberdade".
A presença dos demais profissionais dentro do sistema penitenciário também dá-se em decorrência das
obrigações legais que o Estado reserva-se para si em relação ao sentenciado à privação da liberdade:
O que por um lado constitui garantia constitucional, de que o Estado seja formalmente responsável pela
assistência ao sentenciado condenado a pena de privação da liberdade, em termos de eficácia dos serviços
oferecidos a ele, constitui também a sua maior deficiência.
Todos os profissionais designados para prestar a assistência e os serviços estipulados pela Lei de
Execução Penal, com exceção do religioso, são funcionários de carreira do Estado. É no espaço da
ambiguidade entre as prerrogativas de ser co-responsável pela execução da política penitenciária e de dar
a contribuição de sua ciência em particular ao processo de custódia do preso que o profissional se perde.
Não é possível pensar o sistema penitenciário com o Serviço Social, a Psicologia, a Pedagogia, a
Medicina, a Psiquiatria e a Advocacia atuando de forma sistêmica na operação desse complexo. A única
parte efetivamente sistêmica é a própria estrutura carcerária, componente do sistema criminal, cujas
interfaces dão-se com a Justiça Criminal, Vara de Execuções Criminais, Corregedoria dos Presídios,
Conselho Penitenciário e Polícia, porque atuam organicamente em função dela e para ela.
128
129
sempre com funções subsidiárias ao juiz, ao diretor de presídio e aos burocratas do Conselho
Penitenciário74.
Camargo (1992:74) afirma que “a subordinação profissional implica em perda de autonomia quase total
dentro do sistema penitenciário. Mesmo levando em conta ser a autonomia profissional sempre relativa,
nas prisões essa relativização atinge o ponto máximo”.
Algum indício, entretanto, ainda muito tênue da independência dessas ciências em relação a ciência
jurídica foi esboçada no Estatuto da Criança e do Adolescente, quando da criação da equipe
interprofissional de assessoramento a Justiça da Infância e Juventude, conforme se depreende do texto
abaixo:
"Art. 150 – Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos
para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e Juventude.
Art. 151 – Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela
legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem
assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo
sob imediata subordinação a autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista
técnico."
Em termos de estatuto científico, não há nenhuma subordinação de uma ciência a outra, podendo, como
via de regra ocorre, uma ser tributária da outra. Nossa tradição cultural e nossa forma de organização
social e política, essencialmente colonialista e policialesca, é que consagrou a subordinação das ciências
humanas, sociais e biológicas às conveniências politico-ideológicas do grupo dominante que responde
pelos interesses do Estado.
Os paradigmas pelos quais norteiam-se a “terapia carcerária”, diretamente responsável, tanto pela eficácia
da pena de privação da liberdade quanto pela eficácia do trabalho dos profissionais que a desenvolvem,
são todos ditados pelo Direito Penal, e mais especificamente, pelas ciências criminais.
Para os propósitos desse estudo, é oportuno acatarmos a definição que Thomas Khun (1998:13) propõe
sobre o que sejam paradigmas. Para o professor da Universidade de Berkeley, paradigmas são “as
realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e
soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.
74
Para entender um pouco como essas ciências subsidiárias provocaram mudanças no pensamento jurídico-penal brasileiro, ver
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Do paradigma etiológico ao paradigma da reação social e permanência de paradigmas
criminológicos na Ciência e no senso comum. Revista Brasileira de ciências Criminais, ano 4, n° 14, p. 276 e ss., abr/jun., 1996.
129
130
Recorrendo ainda a Khun (1998, p. 220), é oportuno também acatarmos sua “noção intuitiva” de
comunidade:
“Uma comunidade científica é formada pelos praticantes de uma especialidade científica. Estes foram
submetidos a uma iniciação profissional e a uma educação similares, numa extensão sem paralelo na
maioria das outras disciplinas. Neste processo, absorveram a mesma literatura técnica e retiraram dela
muitas das mesmas lições”.
Com essas definições, podemos conceber toda a constelação de profissionais atuantes em torno da
questão penitenciária como uma comunidade científica que, tendo um mesmo objeto de estudo e de
trabalho - a pena de privação da liberdade – compartilham valores que são determinantes no
comportamento do grupo, “mesmo quando seus membros não o empregam da mesma maneira” (1998, p.
231).
Dentro dessa suposta comunidade, entretanto, não obstante serem todos os membros co-responsáveis
pelos resultados últimos e não haver uma hierarquização de natureza científica, é desigual a atribuição de
tarefas, reservando-se as funções normativas às ciências criminais, as executivas à Administração
Penitenciária e as de “recuperação”, “reeducação” e “ressocialização” às ciências que agasalham-se sob o
amplo guarda-chuvas da criminologia - psicólogos, médicos, psiquiatras e assistentes sociais. Aos
profissionais dessas áreas reserva-se o papel de legitimar as normativas pelas quais o sistema subsiste,
ignorando-se que tais profissionais, enquanto depositários de significativo repertório de conhecimentos
científicos, poderiam e deveriam dar ao sistema a valiosa contribuição de que sua respectiva ciência é
capaz.
A subordinação das ciências sociais, humanas e biológicas à ciência jurídica é mais enfática ao
verificarmos que apenas esta última possui um pensamento científico sistematizado, que se traduz por
meio da norma jurídica. A norma jurídica – o Direito Penal - consubstanciou-se em uma linha de ação – a
Lei de Execução Penal – da qual as demais ciências tornaram-se meras executoras.
Ainda que psicólogos, assistentes sociais, médicos e psiquiatras eventualmente participem de Cursos de
Atualização Técnico-Profissional, oferecidos pela administração penitenciária (ACADEPEN, 1997), a
proposta de curso implícita em sua grade curricular indica apenas instrumentação técnica para as tarefas
130
131
As entrevistas efetuadas com esses profissionais revelou que nenhuma de suas ciências, isolada ou
conjuntamente, possuem ou adotam uma reflexão teórica suficientemente consistente para imprimir uma
linha de ação aos seus profissionais.
“Bom, na verdade, pensando em termos ideais, é claro que deveria ter um conduta até mesmo para
confecção do laudo, uma teoria específica que desse luz para o trabalho do psicólogo, mas isso não
existe, fica a cargo de cada feudo que é a penitenciária. Para mim cada penitenciária é um feudo, é claro
que eu sigo os preceitos da psicanálise que é com o que eu mais me identifico.” (Psicólogo do Presídio
de Franco da Rocha, 1998).
“Nós, as Assistentes Sociais, não seguimos nenhuma linha teórica não. A gente vem, atende e faz por
onde estar resolvendo os problemas.” (Assistente Social do Presídio de Franco da Rocha, 1998).
“Basicamente não adotamos nenhuma teoria criminológica. Valem mais as teorias psicológicas
aprendidas durante a faculdade e o período de especialização, voltadas mais para as questões humanas
da presa, sem entretanto, se apegar muito a isso. A uma criminosa, que cometeu um homicídio ou um
assalto, alguns testes são aplicados, e aí sim, buscamos um embasamento teórico em livros e apostilas,
mas eu particularmente me baseio mais nas entrevistas e no contato com elas.” (Psicóloga da
Penitenciária Feminina do Butantã, 1998).
Esse quadro permite supor que o Estado, sendo gestor dos principais centros de formação e de pesquisa, e
grande empregador, mantêm sob tutela as ciências humanas, sociais e biológicas, servindo-se de seus
conhecimentos apenas naquilo que coaduna-se com seus propósitos político-ideológico. As ciências
criminais absorveram os demais campos de conhecimento e os tornaram estéreis, incapazes de dar
contribuições significativas na discussão e resolução da problemática social e criminológica.
As ciências sociais são sempre chamadas a explicar e a interpretar a criminalidade, a violência e o fato
criminoso, mas não a intervir neles quando fora dos paradigmas traçados pelas ciências criminais. Essa
relação subalterna relega a Pedagogia, a Psicologia, a Sociologia e a Psiquiatria aos campos da teorização
acadêmica, da pesquisa e da crítica social, impossibilitando sua intervenção tanto na formulação das
políticas setoriais quanto na condução da terapia carcerária.
131
132
PEDAGOGIA
Servindo-se da permissão que a Lei de Execução Penal concede no seu artigo 20, o Governo do Estado de São
Paulo estabeleceu convênio com a Fundação Manoel Pedro Pimentel para gerenciamento dos serviços
educacionais dentro do sistema penitenciário.
Art. 18 - O ensino de primeiro grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da unidade
federativa.
Art. 21 - Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para
uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos."
As únicas e mais substanciais reflexões e contribuições em torno da questão da educação dentro das
prisões são oriundas dos Encontros de Monitores de Alfabetização de Adultos Presos no Estado de São
Paulo (FUNAP. 1993).
O trabalho de escolarização formal dentro dos estabelecimentos penitenciários do Estado de São Paulo é
realizado por um Departamento de Educação da FUNAP. Em dezembro de 1998 esse departamento
contava com um gerente, seis coordenadores pedagógicos e dois auxiliares administrativos, que têm a
responsabilidade de oferecer a Educação Básica de Nível I (de 1ª a 4ªséries) e de Nível II (de 5ª a 8ª
séries), atendendo cerca de ? alunos em ? unidades penitenciárias e supervisionando o trabalho de ?
professores da rede pública de ensino e ? presos monitores.
Os anais dos Encontros de Monitores indica o que são as principais dificuldades para a implementação de
um programa regular de ensino dentro das prisões, como também faz sintetiza os procedimentos capazes
de supera-las:
132
133
“O aluno preso oscila entre uma culpabilidade genérica da sociedade por seus atos e um mea culpa
exacerbado, oferece resistências à compreensão de seu universo simbólico, tem dificuldades para o
trabalho cooperativo, e estando sob constante vigilância, não deixa de manipular a oferta de serviços
educacionais em função de seus propósitos de um parecer mais favorável no laudo criminológico”.
Gadotti (FUNAP, 1997, p. 143) acenou para os monitores com a teoria do vínculo, de Martin Buber,
como o melhor meio de penetrar no universo simbólico do preso e levar a ele a mesma motivação para
estudar de que se alimenta o cidadão livre.
Admitindo-se que os códigos, valores e símbolos do universo prisional são inacessíveis até mesmo a seus
diretores e aos profissionais que atuam dentro da prisão, mas que na dinâmica do micromundo das prisões
o corpo dirigente possui as prerrogativas da “territoralização” e “desterritorizlização”, é nessas dimensões
que a administração penitenciária pode atuar para favorecer o processo pedagógico.
133
134
devidamente habilitado pelo SENAI, na execução dos serviços de manutenção dos estabelecimentos
prisionais.
Uma parceria com a USP/ESALQ visa a implantação de campos experimentais para atividades de
agricultura, avicultura, piscicultura, silvicultura e suinocultura nas colônias agrícolas.
Um acordo de cooperação entre a FUNAP, a FIESP e a Fundação Roberto Marinho deu início ao
Programa Educar, baseado no Telecurso de 1° e 2° graus, direcionado para a suplência escolar e formação
profissional na área de informática.
SERVIÇO SOCIAL
Aprofundando a reflexão, Barbosa (1990, p.17)76 afirma que a formação em Serviço Social direciona o
profissional para três linhas de interpretação:
Para fechar essa contextualização quanto a formação e prática do Serviço Social, Faleiros (1990, p. 42)77,
com base nos dados dos Programas de Pós-Graduação em Serviço Social avaliados pela Capes e CNPq,
de 1982 a 1988, historia a evolução da prática da profissão, para assegurar que o Serviço Social, hoje,
“não se restringe mais à filantropia ou à clínica individual de problemas, mas abrange as políticas
sociais como forma de reprodução da força de trabalho e de relação do Estado com a sociedade,
75
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci e as ciências sociais. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, Cortez, n° 34, 1990.
76
BARBOSA, Mário da Costa. A práxis do Serviço social nas instituições. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, Cortez, n° 34,
1990.
77
FALEIROS, Vicente de Paula. Avaliação e perspectivas da área de Serviço Social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo,
Cortez, n° 34, 1990.
134
135
trazendo para o âmbito da reflexão questões globais de organização e mobilização, tanto dos atores
governamentais como dos movimentos sociais”.
“Objetiva estudar as técnicas de entrevista com o preso, bem como com seus familiares, visando o
levantamento de dados sobre a dinâmica familiar, situação social e econômica e dinâmica social no
contexto prisional, dados estes, tanto referentes ao passado, como ao presente, e inclusive, voltados para
uma prospecção de futuro, organizados e interpretados sob a ótica da perícia criminológica.”
(ACADEPEN, 1997, p. 26).
"Art. 22 - A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o
retorno à liberdade.
O assistente social possui diversas instâncias normativas do seu trabalho – os Conselhos Nacional,
Estadual e Municipal de Assistência Social, além das normas próprias do serviço público, mas poucos
instrumentos de ação com que fazer frente às realidades com que lida. Essa ausência de instrumentos
relega-o a vala comum dos funcionários públicos que fazem o controle burocrático da pena e do preso.
PSICOLOGIA E PSIQUIATRIA
135
136
O campo de atuação da Psicologia e da Psiquiatria está sucintamente delineado pela Lei de Execução
Penal, no âmbito da Comissão Técnica de Classificação.78
Art. 6º - A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa
individualizador e acompanhará a execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos,
devendo propor, à autoridade competente, as progressões e regressões dos regimes, bem como as
conversões.
Art. 7º - A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será presidida pelo
diretor e composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente
social, quando se tratar de condenado à pena privativa da liberdade.
Parágrafo único - Nos demais casos a Comissão atuará junto ao Juízo da Execução e será integrada por
fiscais do Serviço Social.
Parágrafo único - Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento
da pena privativa de liberdade em regime semi-aberto.
Tanto para o psicólogo como para o psiquiatra, a ACADEPEN se propõe instrumentaliza-los para a
realização do trabalho penitenciário, sempre em função da melhor elaboração do laudo criminológico,
conforme se depreende das ementas dos cursos destinados a ambos os profissionais:
78
Sobre a realidade dos trabalhos no interior da Comissão Técnica de Classificação, SÁ, Alvino Augusto. Equipe criminológica:
convergências e divergências, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2, Ed. RT, p. 41 e ss.
136
137
“Possibilitar ao psicólogo uma reciclagem no que diz respeito a condução da entrevista psicológica, ao
uso e avaliação dos testes com vistas ao levantamento, interpretação e síntese de dados de inteligência e
personalidade sob a ótica da perícia criminológica. Serão estudados os seguintes testes: Wartegg, M.K e
Roschach”.
“Possibilitar ao psiquiatra uma reciclagem e reflexão no que diz respeito à natureza, importância e
peculiaridade do exame psiquiátrico, no âmbito do exame criminológico, bem como no que diz respeito
ao levantamento, organização e interpretação de dados psiquiátricos e da personalidade em geral do
examinado, sob a ótica da perícia criminológica” (ACADEPEN, 1997, pgs. 25-6).
Retornando a Thomas Khun, ele ensina que a chamada ciência normal – aquela que se baseia nas
realizações bem sucedidas do passado – “esgota sua literatura na determinação do fato significativo, na
harmonização dos fatos com a teoria e na articulação da teoria” (:55), para fazer sua crítica de como,
dentro de dada comunidade científica, existe esforços no sentido de enquadrar os fatos significativos aos
pressupostos da teoria. Se os fatos não se encaixam, deixam de ser relevantes, e por isso mesmo,
ignorados.
A dinâmica que a “cultura do laudo” impõe a assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras do sistema
penitenciário soa como uma imposição paradigmática que baliza o seu trabalho dentro de limites
demasiadamente estreitos, impedindo que os paradigmas tornados clássico dentro de cada ciência
específica possam harmonizar-se no trabalho em favor da pessoa presa.
A teoria da reação social, tão cara ao serviço social, não encontra guarida no trabalho “científico”
realizado dentro do sistema penitenciário porque choca-se com o código disciplinar vigente, que não é
rígido ao ponto de coibir as indisciplinas, mas que não é elástico o suficiente para permitir contestação à
autoridade institucional delegada aos agentes penitenciários.
137
138
MODELOS BIOLÓGICOS
Biotipologia Criminal: a premissa das investigações biotipológicas é a existência de uma correlação entre
as características físicas do indivíduo e suas características psicológicas, entre tipo somático ou corporal e
tipo mental, caráter e temperamento. Ancora-se firmemente na Estatatística Criminal. Cada Escola, a
seguir, desenvolveu uma metodologia e uma noimenclatura própria, bastante assemelhadas entre si.
3.1 Escola Francesa: distingue quatro tipos humanos, segundo o sistema predominante – respiratório,
digestivo, muscular e cerebral (SIGAUD).
3.2 Escola Italiana: cada autor utiliza-se de uma tipologia diferente. VIOLA tipifica o ser humano em
brevilíneo e longilíneo. No brevilíneo predominaria o sistema vegetativo, produzindo indivíduos
enérgicos e vigorosos; no tipo longilíneo prevalece indivíduos de maior estatura, tórax e membros largos,
abúlicas e depressivas, com tendências à introversão e à fantasia. PENDE classifica o ser humano em
longilíneo-estêmico (indivíduos fortes, delgados, com disfunção da tireóide e das supra-renais);
longilíneo-astênico (fracos, delgados, comcom escasso desenvolvimento muscular e hipofunção das
glândulas supra-renais); brevilíneo-estênico (forte, musculoso, de reações lentas, com hipotireoidismo e
hiperfunção das glândulas supra-renais; e o brevilíneo-astênico (indivíduos gordos, fracos, lentos de
reações e com hipofunção da tireóide. BÁRBARA considera que o tronco expressa a vida vegetativa e as
extremidades a vida de relações, distinguindo dois tipos extremos e um terceiro intermediário, com dois
subtipos: branquítipo (excedente, antagônico e deficiente); longítipo (com as mesmas características) e o
normotipo (macrossômico e microssômico).
3.3 Escola Alemã: KRESTSCHMER, o principal teórico dessa escola, elaborou uma dupla tipologia,
constitucional (leptossomático, atlético, pícnico e displático) e caracteriológica (esquizotímico,
ciclotímico e viscoso). Do cruzamento do tipo constitucional com a característica psicológica
Krestschmer concluiu que os pícnicos (grande desenvolvimento das cavidades viscerais, abdomen
proeminente, cabeça redonda e larga, extremidades curtas e tendência a obesidade) são os menos
propensos a criminalidade; os leptossomáticos (corpo comprido e fino, cabeça pequena e nariz
pontiagudo) são os mais reincidentes em delitos como roubo, furto e estelionato. O tipo atlético ( grande
138
139
desenvolvimento do esqueleto e da musculatura, tórax e cabeça grandes) são violentos e compõe o mais
alto índice dentre os delinquentes.
Sistema Nervoso Autônomo: quando algumas reações humanas escapam do controle da vontade
consciente, é o sistema nervoso autônomo (ou sistema vegetativo) que assume o comendo dos processos
bio-físico-químicos. ENSENCK81 pesquisa e defende a correlação entre o nível de condutividade
epidérmica e conduta humana, inclusive criminosa.
79
Pesquisas fundamentadas nos pressupostos da Escola Norte-americana podem ser encontradas em GLUECK, S. e E. Phsyque
and Delinquence, HARTL, E.M., MONNELLY, E.P. e EDELRMAN, R. D. Phsyque and Delinquent behavior, Academic Press,
NY, 1982; SHELDON, W. Variaties of Delinquence Youth, 1949.
80
Resenha das investigações nesse sentido estão em Criminology, de L. J. Siegel. No Brasil ler MARANHÃO, Odon Ramos. O
eletroencefalograma em Criminologia, Revista da Faculdade de Direito-USP, v. 67, SP, p 161.
81
ENSENCK, H. J. Crime and Personality.
139
140
hormonal no delinquente, principalmente nos casos de crime sexual. (SCHLAPP, BERMAN, HUNT,
VIDONI, KINBERG, PENDE, MARAÑON, RUIZ DE FUNES).82
Sociobiologia: refutando a teoria da equipotencialidade (que afirma que todos os homens têm as mesmas
potencialidades), aplica a fórmula código genético X meio sócio-ambiental = código cerebral X meio
sócio-ambiental = conduta, para explicar que o “aprendizado” não se dá por processos sociais, mas por
processos de natureza bio-química e celular, onde o cérebro e o sistema nervoso central desempenham
papéis preponderantes (WILSON).83
Genética Criminal
8.1 Genealogias de delinquentes. DESPINER, DUGDALE, MONKEMOLLER, GODDARD
dedicaram-se ao estudo da linha de descendência para investigar a incidência de comportamentos
delitivos. Da crítica a essa via de pesquisa nasceu a Estatística Familiar, através da qual LUND, GÖRING
e CONRAD fizeram aperfeiçoamentos metodológicos, utilizando grupos de controle, para investigar
porque a incidência de delinquentes é maior em famílias cujos ascendentes possuem histórico criminal.84
8.2 Estudos sobre gêmeos: a partir da maior ou menor semelhança entre a carga genética, verifica-se
o índice de coincidência criminal nos casos (ENSENCK, STUMPELL, EXNER, CHRISTIANSEN).
8.3 Estudos sobre famílias adotivas: analisa a conduta de delinquentes adotivos e não-adotivos em
relação aos pais biológicos, segundo tenham ou não histórico criminal anterior (HUTCHINGS,
MEDNICK).
MODELOS PSICOLÓGICOS
140
141
Modelos psicodinâmicos: baseados na Psicanálise, trabalha com os conceitos de Id, Ego e Superego
9.1.1 Psicologia Individual, de Adler, tem o delinquente como ser dotado de complexo de inferioridade,
fonte de suas reações neuróticas; tem o delito como mecanismo compensatório.86
9.1.2 Teoria Psicossocial do Ego, de Erick Erickson. Além dos aspectos intrapsíquicos e mentais,
considera os aspectos sociais como determinantes da conduta criminosa; sustenta que as aquisições
psicossociais ocorrem sucessivamente ao longo de oito etapas: confiança, autonomia, iniciativa, indústria,
identidade, intimidade, generatividade e integridade.
9.1.3 Teoria do Caráter Social:– Erich Fromm afirma que a função subjetiva do caráter, é levar a pessoa
a agir de acordo com o que é necessário para ela sob um ponto de vista prático, e também, proporcionar-
lhe satisfação psicológica através de sua atividade87.
9.1.4 Psicologia Analítica: Carl Jung e seus adeptos trabalham com a idéia de “inconsciente coletivo”,
conjunto de vivências acumuladas pela humanidade ao longo dos tempos e que, como um legado cultural,
é transmitido por hereditariedade. O inconsciente coletivo, segundo Jung, possui arquétipos e imagens
gerais que são decisivos na interpretação e explicação do delito.
85
Ver estudos do gênero em JACOBS, P. A. et alli. Agressive behavior, mental sunnormallity and the XYY male, NY, Nature,
1965, pp. 1.351 e ss.
86
Ver ADLER, A. El sentido de la vida, Barcelona, Miracle,1970.
87
FROMM, Erich. O medo à liberdade. 13ª ed., Rio de Janeiro, Zahar, 1981.
88
MENEXES, Ivami Vatarelli et alli. Estudo piloto sobre sistematização do exame psicológico em criminologia, Revista do
IMESC, SP, v. 5, n° 3, p.23, 1982.
141
142
observação e da imitação; não obstante a pré-disposição, em função dos fatores biológicos e psicológicos,
é o meio que o ativa o potencial criminológico.
10.3 Teorias do desenvolvimento moral e do processo cognitivo (PIAGET, KOHLBERT, TAPP): essa
linha de investigação divide-se entre os “cognitivistas” (WUNDT, TITCHENER, JAMES), a Psicologia
da Gestalt (KOHLER, LEVIN) e a Psicologia Humanista. Têm como pressuposto básico a rejeição do
comportamento criminoso ao processo de socialização deficiente, atribuindo-o a processos cognitivos que
determinam o grau de evolução moral do indivíduo.
11. Teorias psiquiátricas da criminalidade: apesar de todos os esforços doutrinários, termos como
psicopatia, sociopatia e personalidade social, que por vezes são tidos como sinônimos, originaram mais
de duzentas expressões, com quase sessenta definições de personalidade psicopática e mais de trinta
comportamentos indicativos do comportamento delinquente. Predomina, presentemente, a terminologia
empregada pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, da Associação Americana de
Psiquiatria, para descrever o indivíduo com deficits de socialização, cujos padrões de conduta os levem a
contínuos conflitos com a sociedade. As pesquisas em torno da personalidade psicopática orientam-se
pela busca de duas respostas fundamentais: 1) ela possui alguma correlação orgânica ou fisiológica? 2)
qual a relevância criminológica dessas correlações, se existem?
SOCIOLOGIA
O enfoque das ciências jurídicas e criminais na concepção, manutenção e operacionalização do sistema
penitenciário é essencialmente positivista, ainda que o cotidiano submeta-se mais às determinantes
políticas do que legais. Em um país como o Brasil, em que a questões fundiária, habitacional,
educacional, de estrutura familiar e de emprego são indissociáveis da problemática social, as principais
linhas teóricas que buscam explicações para o fato criminoso, para a delinquência juvenil e para o
tratamento do delinquente, não podem ignorar uma interpretação sociológica, mas nem a Lei de Execução
Penal nem a administração penitenciária prevêem a presença da Sociologia ou a atuação do sociólogo no
âmbito do sistema penitenciário.
142
143
Teorias do conflito (TAFT & SELLIN, WHITE & COHEN): dividem-se em teorias marxistas e não-
marxistas. Seu pressuposto básico credita ao conflito – e não ao consenso – a manutenção e evolução do
sistema. O crime é a expressão dos conflitos de grupos e subgrupos que coabitam dentro da mesma
sociedade, não sendo necessariamente nocivo. As três idéias básicas deste modelo são: comportamento
discriminatório da justiça penal, sua concepção, manutenção e evolução segundo os interesses da classe
dominante, e o processo de criminalização das classes sociais exploradas.
143
144
6.1 Teoria da Aprendizagem Social (social learning) segundo essa linha de pensamento, o crime
não é anormal nem resultante de uma personalidade imatura, mas o comportamento socialmente
aprendido, possuindo ela múltiplas abordagens:
6.1.1 Teoria da Associação Diferencial: para SUTHERLAND, o crime não é hereditário, imitado ou
inventado; é aprendido, no sentido sociológico da palavra. Ele e CRESSEY investigaram os níveis de
inteligência de criminosos do colarinho branco. Associação Diferencial significa, no entender dos autores
citados, que no seio da comunidade existem diversas associações estruturadas em torno de interesses e
metas. O livre compartilhamento – pela interação e pela comunicação - desses interesses e metas entre o
indivíduo e os subgrupos compõe o substrato psicológico que os define. Alguns desses subgrupos adotam
e subscrevem condutas delitivas; outros adotam e sinalizam posições de neutralidade e outros enfrentam
ativamente os valores dos subgrupos que adotam as condutas delitivas, reforçando os valores
majoritários.
6.1.2. Teoria da Ocasião Diferencial: CLOWARD e OHLIN ampliaram o conceito acima, afirmando
que tal aprendizagem não se dá de forma homogênea dentro da sociedade, mas sim segundo ocasiões e
oportunidades que se apresentam ao indivíduo. Conflict subculture (migrantes e imigrantes), retreatist
subculture (usuários de substâncias químicas lícitas e ilícitas); e criminal subculture (comunidade de
delinquentes e não-delinquentes que convivem em uma relação orgânica favorecedora da recepção e
aprendizagem das condutas delitivas).
144
145
6.1.3. Teoria da Identificação Diferencial: GLASER discorda ser a conduta delitiva aprendida pela via
da interação e da comunicação, propondo ser ela aprendida pela identificação com pessoas reais ou
fictícias, seja por uma reação positiva com o papel desempenhado pelo delinquente, seja como reação
negativa contra as forças que combatem a criminalidade, ambos sobejamente realimentados pelos meios
de comunicação de massa. Na definição da conduta delitiva, portanto, segundo o autor, o grupo de
referência fornece uma pauta de condutas e o indivíduo usa seus mecanismos de racionalização para
justificar sua decisão.
6.1.5. Teoria do Reforço Diferencial: JEFFREY incorpora em sua análise elementos da biologia e da
bioquímica, sustentando que o crime é sim um comportamento aprendido, mas que seu mecanismo
ajusta-se por meio das próprias consequências que trás ao indivíduo.
6.1.6. Teoria da Neutralização: SYKES e MATZA pregam que o indivíduo com conduta delinquente –
pela experiência - aprende a desenvolver mecanismos de neutralização, com os quais lida com os
sentimentos de inferioridade e de culpa e com os quais autojustifica e legitima sua conduta. Tais
mecanismos, segundo os autores, podem ser a abstração da própria personalidade, negação da ilicitude e
nocividade do fato e do comportamento, desqualificação das pessoas que combatem o crime, negação da
existência de vítimas e invocação de forças e motivações extrapsíquicas.
6.2 Teorias do Controle: essas teorias possuem uma variante centrada no indivíduo e outra na
sociedade, com uma terceira centrada na interação entre indivíduo e sociedade. Diferentemente das
teorias sócioculturais, as Teorias do Controle não limitam a análise da criminalidade às classes sociais
mais baixas. Esse conjunto de modelos busca explicar porque o indivíduo se abstém de delinquir, quais
são os mecanismos que atuam em um e outro sentido e quais são os vínculos sociais que isolam e
protegem positivamente o indivíduo frente aos modelos delitivos. Admite que todos os indivíduos
possuem potencial criminológico, entretanto, alguns não o desenvolvem porque o cometimento do delito
lhe trás mais desvantagens do que vantagens e porque ele tem interesse em manter e corresponder às
expectativas da sociedade.
6.2.1. Teoria do Enraizamento Social: HIRSCHI entende que é o esgarçamento dos laços significativos
para o jovem que o leva a delinquir. Necessidade de reconhecimento pelo outro, identificação e
compromisso com os valores convencionais, participação nas atividades sociais e sentimento de
pertencimento são os atributos que impedem que jovens de qualquer classe social caiam na delinquência.
145
146
6.2.2. Teoria da Conformidade Diferencial: BRIAR e PILIAVIN ensinam que existe um grau variável
de compromisso e de aceitação dos valores convencionais e que, em situações equivalentes, as pessoas
com elevado grau de compromisso ou de conformação social têm menos probabilidade de comportar-se
delitivamente, e vice-versa.
6.2.3. Teoria da Contenção: para RECKLESS, a sociedade possui diversos mecanismos de contenção
que impedem a conduta delitiva: código moral consistente, reforço dos valores, normas e objetivos
convencionais, supervisão efetiva e disciplina, papéis sociais plenos de sentido, etc., sendo que o
indivíduo conta também com mecanismos internos e externos que o contêm. A conduta delitiva seria
então resultado da correlação de forças entre os mecanismos internos e externos da sociedade e os
mecanismos internos e externos do indivíduo.
6.2.4. Teoria do Controle Interior: REISS prefere explicar a conduta delitiva como resultado do
desmoronamento dos controles ou conflitos entre as regras e técnicas sociais. Recorrendo à psicanálise e
à cibernética, o autor aponta o frágil funcionamento dos controles sociais e individuais como causa da
criminalidade.
6.2.5. Teoria da Antecipação Diferencial: GLASER entende que o crime é resultado de um julgamento
antecipado do indivíduo quanto às vantagens e desvantagens de comete-lo e que essa avaliação é marcada
pelo maior ou menor contato com modelos delitivos.
6.2.6. Teoria do Etiquetamento (labelling approach) essa linha de interpretação busca superar o
paradigma etiológico, deslocando a análise do indivíduo para o contexto social que define e seleciona
seus delinquentes, especialmente os mecanismos de controle social. (GARFINKEL, GOFFMAN,
ERICKSON, CICOUREL, BECKER, SHUR, SACK). Seus principais postulados são:
6.2.6.1. Interacionismo Simbólico e Construtivismo Social: sendo a realidade social construída a partir
de interações sociais que lhe dão significados, é preciso levar em conta o resultado que essa mediação
simbólica produz no indivíduo.
6.2.6.2. Introspecção Simpatizante: que procura compreender o significado que o indivíduo atribui a sua
conduta.
6.2.6.3. Natureza Definitorial do Delito: nem o delito nem o delinquente existem por si próprios; o
caráter delitivo de uma conduta e de seu autor depende de certos processos sociais de definição e de
seleção, que rotulam o autor como delinquente.
6.2.6.4. Caráter Constitutivo do Controle Social: as instâncias sociais de controle, ao etiquetar e rotular
condutas e pessoas, produzem o delito e o delinquente.
146
147
6.2.6.6. Efeitos Criminógenos da Pena: a reação social, longe de fazer justiça, de prevenir a
criminalidade e de reinserir o indivíduo na sociedade, potencializa e perpetua a conduta delitiva, gerando
os estereótipos e as etiologias que pretende evitar.
O senso comum contenta-se em atribuir o fracasso da pena de privação da liberdade aos fatores mais
visíveis, como a intransigência do próprio preso em submeter-se às regras de convivência social, à falta
de atividades dentro da prisão e à superlotação das prisões, não atentando para o fato de que o preso
apenas responde às determinantes que o sistema lhe coloca.
147
148
Por socialização completa podemos entender como o percurso traçado pelo indivíduo, desde o seu nascimento
até o estágio em que se da a integração dentro do sistema de garantias de direitos, em tratando-se de uma
sociedade democrática.
Podemos delinear esse percurso como a passagem do indivíduo, sucessiva e concomitantemente, pela família,
pela escola, pelo grupo social, pelo trabalho, pela comunidade, e finalmente, pela sociedade, através do
exercício dos direitos básicos de cidadania, que consiste, pelo menos, em estar incluso no sistema de garantias
de direitos individuais e sociais, poder votar e ser votado.
É importante notar que a inclusão no sistema de garantias de direitos individuais e sociais, para nós, no Brasil,
se dá com a inserção do indivíduo ou do provedor da família, no mercado formal de trabalho.
A legislação social brasileira só existe enquanto subordinada ao sistema de garantia dos direitos trabalhistas.
Eventuais concessões feitas fora da legislação trabalhista, como políticas de renda mínima, bolsa escola e
ajuda de custo para idosos e deficientes, caracterizam-se como políticas compensatórias, exatamente pelo fato
de estas pessoas estarem à margem do sistema de garantia de direitos sociais derivados do registro em carteira
e das contribuições previdenciárias.
Para as classes populares, compensação dos dependentes pela invalidez ou morte do provedor da família,
seguro desemprego, licença maternidade, salário educação, salário família, ressarcimento dos gastos com
educação e saúde e remuneração regular, inclusive pelas férias, finais de semana e feriados, dentre outras
garantias, só existe e concretiza-se a partir do ingresso no mercado formal de trabalho.
Por outro lado, a categoria “família”, onde, via de regra ocorre a socialização primária do indivíduo, pode
assumir a configuração de família nuclear, de família recomposta, de família extensiva, ou ainda, de família
monoparental.
O grupo social, onde, via de regra, se dá a socialização secundária, pode ser composto pelas relações de
vizinhança, amigos de escola, ambiente de trabalho ou no exercício da vida social.
Da mesma forma, por comunidade subentende-se o grupo mais amplo, marcado pelas relações pessoais e de
vizinhanças, que articula-se em torno de afinidades comuns, como questões locais do bairro, uma crença
religiosa ou um tema sócio-cultural ou político.
Mesmo tendo percorrido toda esta trajetória, como é de se supor no caso de jovens e adultos, o nível de coesão
e a natureza das relações que se estabelecem na família, no grupo, na comunidade e na sociedade podem variar
de um extremo a outro, sendo certo, entretanto, que sempre haverá um “corpo de conhecimentos”, composto
por códigos, símbolos e valores que definem os “esquemas interpretativos” do indivíduo, estejam eles de
acordo ou não com as convenções socialmente estabelecidas.
148
149
Esta digressão preliminar se justifica, pois, uma vez traçado o perfil dos subgrupos componentes da amostra,
bem como o perfil de seus respectivos quadros sócio-familiares, impõe-se-nos as tarefas de interpretar e
propor explicações para avançarmos no entendimento de porque a prisão e a pena de privação da liberdade
mostram-se tão ineficazes para cumprir junto a estes subgrupos - clientela preferencial do sistema
penitenciário - as suas finalidades objetivas de punição, reeducação e ressocialização.
A título de conclusões detes trabalho, nosso referencial teórico para desenvolvermos essa reflexão será dado
unicamente por Peter Berger, especialmente pelos conceitos de "conhecimento", "realidade", "instituição" e
"socialização primária e secundária", enunciados na obra "A Construção Social da Realidade", que entendo
como suficientes para o nosso propósito.
Mesmo sem a pretensão de discutir a questão do ponto de vista da sociologia psicológica, não nos passa
desapercebido que o grau de vulnerabilidade social dos grupos estudados compõe uma limitação significativa
à maior eficácia na aplicação da pena de privação da liberdade, assim como constituíram limitações para que
pudessem ser bem sucedidas na escola, no emprego e em outras esferas da vida social.
Berger sustenta que "o indivíduo não nasce membro da sociedade. Nasce com a predisposição para a
sociabilidade e para tornar-se membro da sociedade. Por conseguinte, na vida de cada indivíduo existe uma
seqüência temporal, no curso da qual é induzido a tomar parte na dialética da sociedade" (1978, p. 174).89
O ponto inicial desse processo que resulta na integração social é, ainda segundo Berger, a interiorização, a
apreensão ou interpretação imediata dos acontecimentos objetivos como dotados de sentido. Somente depois
de ter realizado este grau de interiorização é que o indivíduo torna-se membro da sociedade.
A formação do eu - mesmo no criminoso - deve ser compreendida em sua relação contínua com o
desenvolvimento orgânico e com o processo social, em consideração à enorme plasticidade do organismo
humano e às influências sociais.
Berger ensina que a consciência é sempre intencional; sempre "tende para" ou é dirigida para objetos. Nunca
podemos apreender um suposto substrato de consciência enquanto tal, mas somente a consciência de tal ou
qual coisa. Essa circunstância faz com que a realidade do cotidiano seja a realidade por excelência
Lacan reforça esse entendimento, afirmando que a ordem na qual se impõem os estudos psico-clínicos da
personalidade deveriam estar sob o domínio de uma "gênese social da personalidade, enfatizando que esta se
concretiza sob a tripla forma de um desenvolvimento biográfico, de um encadeamento típico de reações que
dão unidade evolutiva à integração dos acontecimentos dominantes da vida do sujeito, vividos por ele de um
89
BERGER, Peter L. A Construção social da realidade, 4ª ed. São Paulo, Vozes, 1978.
149
150
modo que lhe é próprio, ou seja, de sua posição e suas reações com relação ao seu meio ambiente, que ele vive
sob a forma do valor representativo pelo qual se sente afetado em relação a outrem.
Berger ensina que mesmo concebendo o mundo como dotado de múltiplas realidades, a consciência é capaz de
transitar pelas diferentes realidades - cognitiva, afetiva, espitirual, etc - mas é a realidade do cotidiano que se
impõe de maneira mais contundente, exigindo do indivíduo as respostas atitudinais e comportamentais
adequadas ao meio onde está inserido.
Sendo a realidade cotidiana estruturada espacial e temporalmente, facetas de diferentes realidades interagem
entre si, criando o que Berger chama "zona de manipulação", onde os dados da realidade de um interage com
os dados da realidade do outro.
Para Berger, a realidade social é aprendida em um contínuo de tipificações, que vão se tornando
progressivamente anônimas à medida que se distanciam do "aqui e agora" da situação face a face.
Sendo a vida cotidiana a realidade por excelência, nenhuma outra forma de relacionamento social pode
reproduzir a plenitude de sintomas da subjetividade presentes na situação face a face, mas que a realidade da
vida cotidiana contém esquemas tipificadores em termos dos quais os outros são apreendidos, sendo
estabelecidos os modos como lidamos com eles nos encontros face a face (1978, p. 48).
Berger intitula "controle social" a soma de todos esses mecanismos derivados da institucionalização, inerentes
à própria instituição e presentes em todas elas, qualquer que seja o seu nível de complexidade.
150
151
Talves essa explicação possa ajudar-nos a entender porque, preferencialmente, os mecanismos de controle
social mais rígidos e mais suscetíveis de serem usados arbitrariamente e de ensejarem injustiças - como a lei
penal, a polícia e a prisão - são direcionados para as chamadas classes pobres.
O perfil dos grupos sociais a quem se atribui comportamentos desviantes - prostitutas, viciados e traficantes
em drogas, alcoolismo, delinquência infanto-juvenil e criminalidade sempre aponta para a desestruturação
familiar como elemento intrínseco ao desvio social
As relações sociais são, por sua vez, e sobretudo relações entre instituições. É o fato de as instituições
possuírem "zonas de manipulação" comuns que possibilita que seus esquemas interpretativos básicos
amparem o indivíduo quando ele precisa transitar por diferentes instituições, sem grandes choques.
Por socialização primária, Berger entende a socialização efetivada no seio familiar durante a primeira infância.
A socialização primária é muito mais do que aprendizado cognitivo e não é unilateral nem se dá de forma
mecanicista. Ela implica em uma seqüência de aprendizado que é socialmente definida, começando com a
apropriação do universo simbólico do pai, da mãe e dos irmãos mais velhos. Somente graves choques no curso
de uma biografia individual poderiam desintegrar a realidade apreendida durante a primeira infância, visto ela
impregnar a emotividade, o significado e a capacidade de elaboração da criança.
A socialização secundária, também ensina Berger, se dá sobre o pressuposto de que a socialização primária a
precede, pois abrange dimensões de uma personalidade já delineada e de um mundo já interiorizado. A
realidade enunciada na socialização secundária não surge do nada, e muitas de suas dificuldades consistem
exatamente na descoberta de dimensões de outros mundos que não correspondem necessariamente - e por
vezes se contrapõem - ao mundo interiorizado a partir das ações socializadoras do pai, da mãe e dos irmãos
mais velhos.
Os esquemas tipificadores atribuídos individualmente na relação face a face do sujeito com a polícia, com o
promotor, com o juiz, com o agente penitenciário, com o diretor da prisão e com o outro condenado são plenos
de significados para um e outro individualmente, mas a coletivização destes esquemas a todos os que habitam
a mesma "zona de manipulação" atribui as mesmas características a todos indistintamente, da mesma forma
como falamos em "espírito brasileiro", "modo de vida americano" ou "estilo inglês".
151
152
Berger conclui que uma estrutura social é a soma das tipificações e dos padrões recorrentes de interação
estabelecidos por meio delas e que a estrutura social é um elemento essencial da vida cotidiana.
Explanando como se dá a interiorização da realidade do cotidiano de acordo com a estrutura social onde se
está inserido, Berger afirma que a socialização pode ser melhor sucedida em núcleos com divisões
simplificadas e onde a distribuição do conhecimento seja mínima, para concluir, por outro lado, que a
socialização mal sucedida acontece como resultado de acidentes biográficos, biológicos ou sociais.
O que se ressalta nesta amostra pesquisada são os acidentes sócio-familiares decorrentes da ausência do pai,
do abandono da mãe, de mudanças de cidades, de prisão de um dos genitores, que por sua vez, são entendidos
como fenômenos corriqueiros dentro da realidade social brasileira.
Sob essa perspectiva, analisados os dados referentes à vivência dos subgrupos nas faixas dos 0 aos 7 anos de
idade e dos 7 aos 14 e dos 14 aos 18 anos de idade, eles apontam para uma "socialização incompleta",
corroborando diversas outras pesquisas que identificam os comportamentos delitivas como predominantes em
pessoas oriundas de famílias chamadas desestruturadas.
Nossos dados indicam que dos 240 sujeitos da amostra 165 vivenciaram a fase dos 0 aos 7 anos com a família
composta por pai e mãe. Deste mesmo subgrupo 144 estavam com pai e mãe na fase dos 7 aos 16 anos, 104
continuaram na fase dos 14 aos 18 anos e apenas 69 ainda moravam com pai e mãe no momento em que foram
presos pela primeira vez.
Com o mesmo raciocínio, 39 da amostra de 240 viveram a fase dos 0 aos 7 anos apenas com a mãe. Na fase
dos 7 aos 16 anos, 48 estavam apenas com a mãe, e dos 14 aos 18 anos 37 deles, sendo que no momento da
primeira prisão 30 deles ainda moravam com a mãe, indicando que a mãe, para este subgrupo, foi um
referencial permanente e constante, e por vezes, até um recurso ao qual recorrer, como indica o repentino
aumento na faixa dos 14 aos 18 anos.
Curiosamente, é na fase dos 14 aos 18 anos que a rua constituiu a referência básica para 22 destes indivíduos.
Dos 0 aos 7 anos apenas 3 estavam na rua; dos 7 aos 16 anos o número se eleva para 11, chegando ao ápice na
fase inicialmente citada e depois decrescendo para 19 ainda na rua no momento de sua primeira prisão.
Também é a partir dos 16 anos que um(a) companheiro(a) torna-se a principal referência para 15 destes
indivíduos, subindo a 59 indivíduos que cohabitvam maritalmente com alguém no m momento da primeira
prisão, indicando que a partir dos 16 anos estes adolescentes começaram a procurar soluções e
encaminhamentos para suas vidas, restando a rua para aqueles que não conseguiram desenvolver estas
competências.
152
153
Deve-se pelo menos considerar como relevante que 75 dos 240 entrevistados tiveram sua socialização
primária em famílias monoparentais, sendo geralmente a mãe que estava presente e o pai ausente.
Para a socialização secundária - subentendendo-se dos 7 aos 16 anos - os mesmos 75 indicado acima, e mais
um, tiveram como referência apenas o pai ou a mãe para se contrapor aos efeitos das outras instâncias
socializadoras como a escola, o grupo social e as relações de vizinhança, devendo-se levar em consideração a
própria vulnerabilidade social deste pai ou da mãe, provavelmente de menor escolaridade que os próprios
filhos.
Quando se compara o motivo para o primeiro delito e constata-se que 46 do total de indivíduos reincidiram e
82 multireincidiram, fica reforçada a percepção de que, para estes, a primeira finalidade objetiva da pena -
intimidação pela punição - não surtiu o seu desejado efeito, nem eventuais reprimendas familiares foram
suficientemente contundentes para dissuadi-los das práticas delitivas ou que efetivamente não tinham uma
estrutura sócio-familiar ou comunitária de apoio para não reincidir.
Conclui-se que a finalidade objetiva da pena também não foi suficientemente eficaz para a reeducação no seu
aspecto formal. De 60 adolescentes, 20 conseguiram acrescentar um ou mais anos de escolarização à sua
formação escolar. Dentre as 60 mulheres, apenas 2; em Bragança Paulista 47 dentre os 60 e em Franco da
Rocha, 7 dos 60 presos enriqueceram sua biografia com acréscimo de escolaridade.
Franco da Rocha é o contraponto para Bragança Paulista. Na primeira unidade prisional 32 dos 60 presos estão
cumprindo entre 10 e 20 anos de sentença e 28 estão reclusos há mais de 20 anos, sendo que em apenas 7
houve alteração na formação quando se compara a escolaridade inicial e a escolaridade final e 10 tenham
declarado que adquiriram na prisão o gosto pelos estudos. Já em Bragança Paulista, apenas 12 dos 60 presos
estão reclusos há mais de 5 anos, constatando-se que 47 melhorou sua formação, também comparando-se
escolaridade inicial e final e a declaração de que apenas 18 adquiriram na prisão o gosto pelos estudos.
Dentre as mulheres nenhuma está presa há mais de 20 anos, sendo que 34 estão presas há menos de 5 anos e
26 reclusas entre 5 e 20 anos e apenas 2 delas tiveram acréscimo de escolaridade, indicando uma postura
contrária à da sociedade em geral, onde não somente é maior a escolaridade feminina como elas compõem a
maioria nos bancos escolares.
153
154
Ainda no âmbito da reeducação formal, a profissionalização, considerada em sua finalidade terapêutica, mas
fundamentalmente em sua função de dotar a pessoa dos meios necessários para seu sustento e de sua família
de modo lícito, revela-se insuficiente para cumprir a finalidade objetiva estabelecida para a pena de privação
da liberdade, se considerarmos, não o número de certificados profissionais expedidos, mas sim a remuneração
efetivamente paga, a reparação dos danos à vítima efetivamente realizadas, o custeio da própria manutenção, o
auxílio efetivamente prestado à família e a poupança realizada com o trabalho durante o período de
aprisionamento.
No momento da atual aprionamento, 38 dos 180 adultos estavam trabalhando com remuneração, mas nenhum
deles destinou qualquer percentual de sua remuneração para reparação de danos às suas vítimas nem
apresentava saldo de pecúlio acima de R$ 1,00 no momento da entrevista, mas todas contribuíram com
percentual fixo retido pela administração penitenciária para o custeio de sua própria manutenção na prisão,
sendo de R$ 38,00 o desconto em Franco da Rocha e de R$ 35,00 no Butantã.
Tanto entre as mulheres quanto entre os homens, apenas alguns raros eleitos contavam com a possibilidade de
contratação pela empresa onde prestavam serviços após a concessão da Liberdade Condicional, com 191 deles
contando com promessas de emprego ao sair, mas 105 dos adultos admitindo que sairiam da prisão sem nada,
ainda que 199 deles afirmem contar com residência ao sair.
Em termos de apoio sócio-comunitário e familiar, 195 deles afirmam poder contar com o apoio da família e 46
com apoio de alguma entidade, ainda que nenhum destes últimos tenha tido qualquer participação em
atividades comunitárias ou associativas quando em liberdade.
O benefício mais visível do trabalho efetuado enquanto presidiários(as) refere-se à terapia carcerária
propriamente dita - remição de pena - com a ressalva de que o trabalho fora oferecido apenas quando
progrediram do regime fechado para o regime semi-aberto.
A condição "especial" em que é oferecido emprego ao preso não o contempla com nenhum dos benefícios da
legislação trabalhista, limitando-se o empregador a fornecer uma carta de referência, quando solicitada,
atestando o "bom comportamento" do preso trabalhador.
O saldo do aprendizado efetivado intramuros foi descrito por 198 entrevistados como "mais experiência de
vida", qualquer que seja o sentido desta experiência, se contrapondo, entretanto com os 112 que indicaram ter
perdido tudo em função do aprisionamento, dos 90 que se viciaram em drogas dentro da prisão e dos 36 que
adquiriram alguma doença grave ou infecto-contagiosa.
Os dados referentes ao nível de envolvimento de membros da mesma família nas atividades delitivas do
sujeito preso, ainda que em outra faixa etária - também corroboram essa acertiva, apontando para um fato mais
154
155
grave, que é a relação de cumplicidade tácita que se estabelece no seio familiar em relação à essas práticas e
que preferimos denominar como "solidariedade orgânica", nos termos em que Durkhein a define.
Dada a presunção legal que o desconhecimento da lei não exime o indivíduo de suas responsabilidades, suscita
preocupações constatar que as famílias de 117 presos sabiam, bem ou mal, de suas atividades delituosas, que
56 dos cônjuges participaram diretamente ou indiretamente do crime e que 216 (90%) tem ou teve filho,
cônjuge ou algum parente preso.
A configuração da amostra permite que falemos também da "socialização terciária", que Berger não trata
diretamente, mas permite subentender e relembrar Goffman (1985)90 quando refere-se à força coercitiva da
realidade objetiva do programa institucional que atua uniformemente sobre todos os indivíduos, dando os
contornos da identidade institucional.
Com este entendimento, a socialização terciária pode circunscrever o processo de socialização a que foi
submetido o indivíduo durante o período de aprisionamento, enquanto submetido à pena de privação da
liberdade.
O micromundo das prisões possui um corpo de conhecimentos que é do domínio de todos os seus membros,
apreendido como verdade objetiva durante o curso da socialização e interiorizado como realidade objetiva.
No universo prisional, onde os esquemas tipificadores - historicamente construídos - são partes constituintes e
inseparáveis da realidade cotidiana, a contracultura carcerária subssume os esquemas tipificadores atribuídos
por outras instâncias socializadoras, como família, escola, igreja e trabalho, passando a ditar o teor das
respostas objetivas com que o indivíduo responde aos imperativos do dia-a-dia na prisão.
Neste contexto de supremacia dos esquemas tipificadores impostos pela contra cultura carcerária que
redundam em fracasso nos esforços pela erradicação dos comportamentos delitivos, é irrelevante suscitarmos
os conflitos de identidades, na medida em que as respostas à realidade do cotidiano carcerário regem-se pelo
papel efetivamente atribuído ao indivíduo e pelo que a massa carcerária pensa ele ser e não pela imagem que
ele subjetivamente faz de si mesmo.
Esse corpo de conhecimentos, que insisto em chamar de pedagogia do crime, deixa de ser aquisição individual
e passa a ser patrimônio coletivo, compartilhado por ascendentes, descendentes e colaterais.
A objetivação desse conhecimento ocorre quando é transmitido de geração a geração ou por meio do
recrutamento e do aliciamento de novos indivíduos nos círculos ampliados das relações sociais.
90
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana, Petrópolis, Vozes, 1985; Manicômios, prisões e conventos,
4ª ed., São Paulo, Perspectiva, 1961; Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, 4ª ed., Rio de Janeiro,
Guanabara/Koogan, 1988.
155
156
A configuração da nossa amostra indica que os elementos básicos da cultura prisional de seu correlato - o
submundo do crime - efetivaram a transmissão interpessoal e intergeracional, assegurando que para cada
indivíduo "reabilitado", incapacitado ou morto na prisão, outros o sucederão.
Mesmo diante da contundência dos dados acima retratados, resisto ainda em admitir o conceito de "família
criminosa" ou trabalhar sob a perspectiva da "genealogia de delinquentes", mas já temos o instrumental
teórico-metodológico que permita mapear o desenvolvimento da pedagogia do crime na esfera sócio-familiar,
assim como procedi ao mapeamento dessa "pedagogia" dentro das instituições totais.91
É forçoso insistirmos nesta linha de argumentação porque partimos do pressuposto de que, no contexto da
realidade brasileira e para a maioria dos presos no Brasil, o comportamento delitivo não decorre de
anormalidades individuais nem de patologias hereditárias, e sim das deficiências ocorridas na socialização
primária e secundária, sendo a introjeção da identidade criminosa uma especificidade da socialização terciária,
subordinada toda ela à pedagogia do crime reinante no sistema penitenciário.
No Brasil, o crescimento vertiginoso dos índices de criminalidade juvenil, feminina e adulta, particularmente
em relação às drogas, furtos e roubos, não respondem ao aumento do estress pessoal, do esgotamento das
potencialidades individuais ou da incapacidade das pessoas em lidarem com situações conflituosas, e sim às
condições de vida familiar, da escolarização, do acesso ao mercado de trabalho e à carência de infra-estrutura
urbana e comunitária que permita minimizar as tensões e os conflitos sociais.
Se no mestrado tratamos do processo de criminalização de crianças órfãs e abandonadas pela ação direta do
Estado enquanto seu tutor, agora estamos sinalizando para um amplo processo de criminalização de amplos
segmentos da população que têm a pobreza e a miséria como principal referencial para sua socialização.
Em termos de política penitenciária, nenhuma terapia carcerária daria conta de intimidar, reeducar e
ressocializar indivíduos com tão grandes deficiências de socialização enquanto pessoas livres. A apontada
ineficácia da pena de privação da liberdade soa como sucedâneo da ineficácia das políticas industrial,
fundiária, habitacional, educacional e social, sendo o sistema penitenciário a última instância pela qual tenta-se
corrigir estas deficiências estruturais.
Analisados os dados referentes a uma amostra, em que as informações foram objetivamente colhidas no
sentido de avaliar mudanças qualitativas em função do aprisionamento, a conclusão é pela ineficácia da pena
de privação da liberdade enquanto remédio preferencial para a prevenção, controle ou repressão à
criminalidade, com a agravante do envolvimento do circulo familiar no circuito da cultura criminológica.
91
SILVA, Roberto. Os filhos do governo: a formação da identidade criminosa em crianças órfãs e abandonadas, 2ª ed., São Paulo,
Ática, 1998.
156
157
Esse entretanto, é um diagnóstico que se aplica apenas a segmentos com o elevado grau de vulnerabilidade
social que aqui constatamos? Uma amostra que se revelasse menos vulnerável, com mais escolaridade, com
maior capacidade de inserção profissional no mercado de trabalho, com maior aparato conceitual para resistir
aos imperativos da prisionização e da institucionalização, enfim, com maior capacidade de barganha e de
mobilidade no universo prisional, teria reagido de maneira diferente à pena de privação da liberdade?92
Minha percepção é de que não é a pena em si ou o sistema penitenciário que são ineficientes apenas. Essa
ineficiência é potencializada quando o alvo preferencial da aplicação da pena e a clientela preferencial das
prisões são exatamente os segmentos mais pobres e mais vulneráveis da população.
Este estudo me permite afirmar que a punição, a reeducação e a ressocialização, nos termos propostos pela
legislação, como finalidades objetivas para a pena de privação de liberdade não podem ser alcançadas em
qualquer sistema penitenciário que tenha como clientela preferencial segmentos tão vulnerabilizados nos
insumos básicos e necessários para a vida em sociedade, sobretudo em grandes centros urbanos altamente
industrializados.
Sabemos que são poucas as perspectivas de que a perversidade desta lógica seja modificada, portanto,
enquanto a prisão for o lugar predestinado e preferencial para o pobre ter acesso e direito a algumas garantias
constitucionais e humanitárias, devemos insistir para que a unidade prisional seja efetivamente transformada
em unidade de reeducação, de ressocialização e de reinserção do cidadão na sociedade livre, pois punição por
punição, a população pobre já a recebe na escola e no hospital públicos, no transporte coletivo, em casa e nas
urnas.
92
Costumo afirmar que mudanças rápidas e radicais na prisão podem ocorrer se a população preferencial deixar de ser o pobre e passar
a ser o rico. A mudança de clientela inevitavelmente impõe relações de outra natureza da observada hoje. Se significativa ou
majoritária essa clientela, ela introduz códigos, símbolos e valores distintos dos usuais no universo prisional que, ancorados na maior
capacidade econômica e na maior capacidade de barganha e de argumentação, muda a cultura prisional.
157
158
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