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Ora, dessa excessiva separação entre estudo e oração, seguem-se muitos defeitos:
os sacrifícios e as dificuldades que não raro se encontram nos estudos, não são
mais considerados como uma penitência salutar, nem são adequadamente
ordenados a Deus; assim, por vezes sobrevêm fadigas e fastio, sem que delas se
tire nenhum fruto religioso.
Por outro lado, por vezes se encontra no estudo o deleitamento natural, que
poderia ser ordenado a Deus, em espírito de fé viva, mas que não raro permanece
puramente natural, sem qualquer fruto para a alma religiosa.
Santo Tomás fala desses dois desvios na IIa IIae, q. 166, onde trata da virtude da
estudiosidade ou da aplicação aos estudos, que deve ser governada pela caridade,
contra a curiosidade desordenada e contra a preguiça, a fim de que se estude o que
convém, como convém, quando e onde convém e, sobretudo, para que se estude
com o espírito e o fim mais apropriado para melhor conhecer o próprio Deus e para
a salvação das almas.
Ao contrário, nossa vida interior deve estar fundada na verdade divina. Isto, de
certo, já ocorre pela própria fé infusa, fundada na autoridade de Deus que a revela.
Mas o estudo bem ordenado em muito ajuda à bem conhecer em que propriamente
consistem as verdades da fé, independentemente de nossas disposição subjetivas.
O estudo ajuda sobretudo a formar uma reta noção sobre as perfeições de Deus,
sobre Sua bondade, misericórdia, amor, justiça e ainda sobre as virtudes infusas,
sobre a verdadeira humildade, religião e caridade, não permitindo a mistura de
emoções não fundadas na verdade. Por essa razão, Santa Teresa, como a própria
afirma em seu Livro da Vida, capítulo 13, muito recebeu das conferências dos bons
teólogos, para que não se desviasse da senda da verdade nas enormes
dificuldades.
Nosso estudo bem orientado liberta nossa vida interior, não apenas do
subjetivismo, mas também do particularismo, que provém do influxo excessivo de
certas idéias, particulares de algum tempo ou região, que após uns trinta anos já
se mostrarão obsoletas. Em tempos passados, prevaleceram certas idéias ou
filosofias que hoje já não agradam; assim ocorre a cada geração; surgem
sucessivas opiniões e admirações que passam com a figura do mundo, enquanto
permanece a palavra de Deus, da qual o justo deve viver.
A vida interior, portanto, é pelo estudo preservada de muitos desvios, para que
permaneça objetiva, e verdadeiramente fundada na doutrina que sempre e em
toda parte se transmitiu. Mas há, por outro lado, um influxo da vida interior no
estudo da Sacra Teologia.
Não raro este estudo fica sem vida, quer na parte positiva, quer na especulativa e
abstrata. Muitas vezes falta nele o espírito alto e o influxo das virtudes teologais e
dos dons da inteligência e da sabedoria. Por conseqüência, o saber teológico
muitas vezes não é aquela "ciência saboreada" da qual fala Santo Tomás na
primeira questão da Suma Teológica.
Não raro nossa mente estaciona nas próprias fórmulas dogmáticas, na sua análise
conceitual, nas conclusões deduzidas, e não costuma, por essas fórmulas,
penetrar no mistério da fé, para saboreá-lo espiritualmente e para dele viver.
Convém dizer isto porque muitos santos que não puderam fazer tantos estudos
como nós, penetraram muito mais profundamente nestes mistérios da fé. Assim,
São Francisco de Assis, Santa Catarina de Sena, São Bento-José Labré e muitos
outros que certamente não fizeram de modo abstrato e especulativo a análise
conceitual dos dogmas da Encarnação, da Redenção, da Eucaristia, nem deduziram
as conclusões teológicas que conhecemos e que, no entanto, mais profundamente
e com santo realismo tiraram destes mistérios vida abundante.
Pelas fórmulas, atingiram a própria realidade divina vitalmente nas sombras da fé.
Como diz Santo Tomás (IIa IIae, q. 1, a. 2 ad 2m): "O Ato do que crê não se termina no
enunciável, mas na coisa", no mistério revelado.
Mesmo sem a grande graça da contemplação, muitos ótimos cristãos, pela via da
humildade e da abnegação, penetram, à seu modo, na profundidade destes
mistérios.
E se isto se verifica nestes ótimos fiéis, por mais forte razão deve se verificar nos
religiosos e sacerdotes que verdadeiramente compreenderam a grandeza de sua
vocação. A cada dia, os sacerdotes devem celebrar o santo sacrifício com fé mais
firme, esperança mais viva e caridade mais ardente, para que sua comunhão
eucarística seja, quase todo dia, mais substancialmente fervente, e para que sua
caridade não apenas se conserve, mas cresça cada vez mais.
Muito a propósito, diz Santo Tomás no seu Comentário a Epístola aos Hebreus, X,
25: "O movimento natural, quando mais se aproxima do fim, mais se acelera. É o
contrário do movimento violento (p. ex., uma pedra lançada para o alto). Ora, a
graça nos inclina como uma segunda natureza. Portanto (assim como a velocidade
da pedra que cai é crescente) aqueles que estão na graça, quanto mais se
aproximam do fim, tanto mais devem crescer", pois quanto mais se aproximam de
Deus, mais são por Ele movidos ou atraídos, assim como a pedra que cai é atraída
pelo centro da terra.
Quando um sacerdote tem uma grande e sólida vida interior, sua teologia sempre
se torna mais vívida. E depois que este teólogo tiver descido da fé para estudar
pontos particulares da teologia, desejará retornar à fonte, ou seja, subir da
teologia, estudada em pontos particulares, para o alto cume da fé. O teólogo é
como o homem que nasceu em um monte (Monte Cassino, por exemplo) e depois
desceu para o vale para conhecer com exatidão suas particularidades; por fim,
este homem quis retornar para o seu alto monte para contemplar do alto todo o
vale com um só olhar.
Existem homens que amam mais as planícies, outros, com efeito, mais amam os
montes; "mirabilis Deus in altis suis" [Sl 92, 2]
Deste modo, deve o bom teólogo respirar diariamente o ar dos montes e nutrir a si
mesmo do Símbolo dos Apóstolos e, ao final das missas, do Prólogo do Evangelho
de S. João, que é como uma síntese de toda a revelação cristã. Deve igualmente
viver todo dia, de modo mais elevado, do Pai Nosso, das beatitudes evangélicas e
de todo o Sermão da Montanha, que é como uma síntese de toda a ética cristã em
sua admirável elevação.
Quando a alma do sacerdote é, como convém, uma alma de oração, então ela é
inclinada, desde a sua vida interior, a procurar na teologia, ora dogmática, ora
moral, aquilo que é mais vívido e fecundo. Então, com efeito, sob o influxo dos dons
da inteligência e da sabedoria, a fé se torna mais penetrante e saborosa.
Por exemplo, todas as grandes questões sobre a graça são, pouco a pouco,
reduzidas a estes dois princípios: por um lado, "Deus não manda o impossível, mas
ao mandar, aconselha que faças o que podes e peças o que não podes", como diz S.
Agostinho, citado pelo Concílio Tridentino (Denz. 804) contra os protestantes. Por
outro lado, porém, contra os pelagianos e semipelagianos, "Quem te distingue? E o
que tens que não recebestes." 1 Cor 4, 7, ou, como diz Santo Tomás: Dado que o
amor de Deus é causa da bondade das coisas, nada seria melhor que nada, se não
fosse mais amado por Deus (Ia. q. 20, a. 3).
Igualmente, para dar outro exemplo, com o progresso da vida interior, torna-se
cada vez mais evidente a profundidade do tratado sobre a Encarnação redentora e,
sobretudo, os motivos da Encarnação do Filho de Deus, "O qual, por amor de nós,
os homens, e para nossa salvação, desceu dos Céus".
Do mesmo modo, sob o influxo da vida de oração, torna-se mais vívido o tratado
sobre a Eucaristia e, entre as várias opiniões acerca da essência do sacrifício da
Missa, cada vez mais se sobressai a doutrina do Concílio de Trento (Denz. 940):
"Uma única e a mesma é a vítima, e o que agora se oferece por meio do ministério
dos sacerdotes, é o mesmo que então se ofereceu a si mesmo na cruz, sendo
unicamente distinta a maneira de oferecer-se". Cristo mais e mais aparece como o
sacerdote principal, sempre pronto para interceder por nós, especialmente na
Missa, cujo valor, por isso, é infinito. Assim, pouco a pouco se encontram, nos
Concílios, as mais preciosas pedras adamantinas e, igualmente, na Suma Teológica,
progressivamente se manifestam os princípios capitais ou artigos mais altos, que
são como as montanhas mais elevados pelos quais se conhecem toda a cadeia de
montanhas.
E não podemos chegar a esta plena perfeição da vida cristã sem vivermos
profundamente dos mistérios da Encarnação redentora e da Eucaristia, sem
penetrar neles e sem os saborear pela fé ilustrada pelos dons de inteligência e
sabedoria. Para isto, é de grande ajuda, com efeito, o estudo da teologia, desde que
retamente ordenada, não à nossa satisfação, mas ao maior conhecimento de Deus
e à salvação das almas.
Assim, mais e mais poderão se verificar em nós aquelas belas palavras do Concílio
Vaticano (Denz. 1796), que encerram como que uma definição da Sacra Teologia: "A
razão ilustrada pela fé, quando busca cuidadosa, pia e sobriamente, alcança, por
dom de Deus, alguma inteligência, e muito frutuosa, dos mistérios, ora por
analogia do que naturalmente conhece, ora pela conexão dos mistérios mesmos
entre si e com o fim último do homem... ".
O estudo da sagrada teologia, por vezes difícil, árduo, mas frutuoso, a tal ponto
dispõe nossas mentes à luz da contemplação e da vida, que é como que uma
introdução e um certo começo da vida eterna.
(Extr. de "De Deo Uno", Desclée de Brouwer et Cie, Paris pp. 30-34. Tradução:
PERMANÊNCIA)