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1- CIÊNCIA POLÍTICA E DIREITO
“Quem só sabe Direito, não sabe (d)Direito”. Mesmo tendo sido proferida por quem a
proferiu, esta frase não deixa de ser uma provocação. Mas, o provocador, ninguém mais ninguém
menos que o célebre jurista Pontes de Miranda, não parou por aí. Em tom de apelo, esse
humanista que, além de ter sido matemático, diplomata, filósofo, professor, advogado e ensaísta,
também foi e continua sendo um dos maiores juristas brasileiros de todos os tempos, mesmo
passados mais de 30 anos de sua morte, disse que “não deve transpor as portas de uma faculdade
de Direito aquele que não for um sociólogo”.
Ante o impacto dessas declarações, resta legítimo ao noviço universitário de Direito
questionar se as impiedosas impressões de Pontes de Miranda são mesmo dotadas de
racionalidade, e se não são injustas perante o pragmático interesse daquele que deseja, acima de
tudo, obter seu diploma na área jurídica. Assim considerando, o perplexo estudante calouro se
depararia com uma questão a ser resolvida: “O que quer dizer o Jurista com ser ‘sociólogo’? Será
que ele acreditava de verdade que devo concluir um curso de Sociologia e só então estar apto a
ingressar na faculdade de Direito?”. Com a devida vênia, não parece ser possível que o
entendimento de Pontes de Miranda fosse tão rigoroso assim, pois a problemática por ele
abordada não é de ordem formal, mas sim material, ou seja, de conteúdo. Explicando melhor: a
essência de sua preocupação tinha origem na frágil bagagem intelectual que muitos estudantes
portavam naqueles tempos, comprometendo irremediavelmente a qualidade da justiça no Brasil
que, sabidamente, inundava o “mercado” com profissionais de capacidade tão duvidosa que, ao
invés dos ilustres juristas com que a sociedade merecia ser agraciada, na verdade aqueles
profissionais do Direito não passavam de genuínos “rábulas” que infestavam os tribunais e os
escritórios de advocacia, a distorcer a real concepção que comporta o sentimento de justiça,
construído pelo homem contemporâneo. Infelizmente, a realidade do tempo de Pontes de Miranda
não faz parte do passado apenas. Pelo contrário, não só não desapareceu como vem
transformando o cenário do setor educacional brasileiro num quadro um tanto bizarro, porquanto
a proliferação das faculdades de Direito mais se assemelha a um complexo organizacional cujo
objetivo principal parece ser o de fabricar diplomas em escala industrial.
Então, alheio a preocupações que no primeiro momento se apresentam um tanto
abstratas, os estudantes calouros, especialmente os mais jovens, ao iniciarem suas atividades
acadêmicas no curso de Direito, se põem a questionar acerca do porquê de estudar certas
disciplinas, como exemplo a Ciência Política, e do porquê de esta matéria ser obrigatória no
Curso.
Como se sabe, em função da redemocratização brasileira, uma certa preocupação com o
aparelhamento do poder judiciário vem ocorrendo gradativamente, em razão de crescente
demanda pela prestação jurisdicional do Estado. Esta demanda por justiça acontece
fundamentalmente porque a recente aquisição de um novo tipo de cidadania tem encorajado os
novos cidadãos a peticionar perante o judiciário. Consequentemente, o “mercado”, lembrando o
velho e imortal Adam Smith, com sua teoria da “mão invisível”, naturalmente buscará regular a
fricção entre oferta e procura. Contudo, até que haja o esperado equilíbrio entre a bendita “lei”
da oferta e da procura, a proliferação das faculdades de Direito no Brasil já podem ter lesado
irreparavelmente o conjunto da sociedade.
De todo modo, é fato inegável que a formação jurídica vem se transformando em uma
carreira cada vez mais promissora, acenando com portas abertas para o mercado de trabalho
com mais facilidade aos seus profissionais do que a maioria das outras formações acadêmicas.
Então, o estudante de Direito, recém-ingressado na faculdade, ali se encontra a fim de preparar-
se para ser advogado, delegado, analista judiciário, juiz, procurador, defensor público,
eventualmente ministro de tribunal, ou mesmo para seu deleite pessoal ou, ainda, quem sabe,
prestar contas à sociedade, porque hoje em dia, em quase todas as “tribos”, das mais variadas
classes sociais, quase todos se encontram matriculados em um curso de nível superior. Mas...
“política - dirá o leitor-acadêmico - não é a minha praia, pois não gosto de política, não gosto
dos políticos e, mais que isso, não pretendo me envolver com política e, menos ainda, ser
político”. Enfim, a partir da exposição desses argumentos preliminares, e admitindo uma
possível divergência de campos de atuação da Ciência Política em relação ao Direito, cabe
perguntar mais uma vez: deveria a Ciência Política realmente ser matéria obrigatória para o
curso de Direito?
Esse questionamento faz parte de uma série de outros tantos, no vasto cabide de dúvidas
que abalam a estrutura de valores acadêmicos de um estudante calouro. No que diz respeito à
Ciência Política em particular, algumas considerações acerca de sua finalidade e posição da
matéria no curso de Direito merecem ser aqui destacadas.
Em primeiro lugar, deve ser resgatada a abordagem inicial acerca do conceito de
“sociólogo”, cuja definição, não por coincidência, opera uma ligação da Ciência Política com o
próprio Direito, haja vista que ambos os cursos, em sua essência e em sua mais profunda
camada reflexiva, estão profundamente ligados aos fenômenos sociológicos, à sociologia,
3
enfim. Portanto, em sentido amplo, o “sociólogo” em referência muito se assemelha ao que
Aristóteles classificou como sendo o zoom politikós, o homem político e social por excelência,
cuja sensibilidade deve ser capaz de lançar um olhar crítico sobre a comunidade em que vive
com o intuito de interpretar e de ser elemento cooperativo na resolução dos sucessivos
problemas afetos à dinâmica das sociedades contemporâneas, pois entre os objetivos gerais de
um curso de Direito destaca-se o de “formar bacharéis aptos ao exercício ético das diversas
profissões jurídicas, atuantes na construção da cidadania, implementação da democracia e
proteção do Estado Democrático de Direito”.1
Neste contexto, a Sociologia e a Ciência Política se vêem conceitualmente associadas,
podendo ser definidas, tanto uma quanto a outra, em poucas palavras, como uma ciência geral
das sociedades, cujos objetos de estudo se deparam com os mais variados fenômenos
sociopolíticos, portanto disciplinas constituídas de vasto interesse do conhecimento acadêmico,
além de marcante natureza dinâmica quanto à duração de seus paradigmas científicos. Os
fenômenos sociopolíticos são movimentos que muitas vezes ocorrem de forma conflituosa, e
esses conflitos geralmente objetivam transformações, mas também produzem profundas marcas
nas estruturas do Estado, podendo levá-lo a um estágio de debilidade, até mesmo ao colapso,
repercutindo decisivamente no papel estatal de operar como árbitro capaz de assegurar a
estabilidade, independente de qual seja a ordem ideológica dominante. Por essa razão, a
evolução dos conhecimentos da política como arte e como ciência, legou ao Estado, por meio da
evolução de suas instituições, o papel de sujeito legitimado a monopolizar os instrumentos de
coerção, a fim de assegurar a ordem e pacificar a sociedade, em que pese todos os seus
antagonismos – legítimos ou não -, por meio do Direito.
Na sequência dessa ordem de ideias, o Direito legislado viria a ser uma decorrência da
imposição do poder, que é o poder político. E o poder político, ao longo do processo
civilizatório, vem se tornando cada vez mais sofisticado, sendo que o suporte para sua evolução
se realiza por meio da sabedoria dos estudiosos da área, quando avança do estágio de mera arte
para o estágio filosófico e deste para o científico, que surpreendentemente só se realiza na área
de humanidades quando surge a Sociologia, a primeira das ciências sociais. Então, a política
enquanto ciência, com a sua inexorável capacidade para explicar, possui também instrumentos
que possibilitam contribuir para apontar os meios mais eficazes e eficientes de atingir o
consenso, a conciliação pela promoção da paz, da segurança e do desenvolvimento social.
Como se pode perceber, as advertências de Pontes de Miranda tinham como fundamento
uma problemática que não se limitava ao seu tempo. Pelo contrário, parece não restar dúvida de
1
In: Proposta Pedagógica do Curso de Direito: Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, p. 4.
4
que ainda continua sendo uma equação a ser resolvida, que transcende aos nossos dias como
comprova o contínuo aconselhamento de autoridades preparadas e de prestígio no assunto
relacionado aos estudantes, futuros profissionais do Direito. Os diagnósticos não surpreendem
quando se detecta em parte considerável dos acadêmicos, profunda deficiência da necessária
capacidade de abstração dos fatos. E essa deficiência intelectual se mostra muito evidente
quando operadores do Direito são indiscretamente flagrados confessando suas paixões
obsessivas por quaisquer dogmas jurídicos, tomando partido por causas em questão sem o
devido exame das consequências, não raro danosas para si e para todo o corpo social. Paixão
cega semelhante àquela que foi “denunciada” pelo compositor, em determinada canção, em que
um tal pescador, insensível, parecia mais encantado com a sua rede de pesca do que com o
próprio mar. Ou seja, aquele pescador, envolvido no cotidiano de seu trabalho, devotava mais
atenção à engenhosa ferramenta de trabalho e sobrevivência, do que ao esperado
comportamento de contemplação da exuberância e imensidão do mar, que estava à sua frente,
todos os dias, imutável e eterno. A ferramenta, como um dogma, que não carecia de reflexão,
fazia com que o pescador ignorasse que o mar era a fonte de seu sustento, assim como o rábula
enxerga o exercício da profissão jurídica como um meio em si mesmo, ignorando a essência da
justiça.
A reflexão imprescindível da teleologia do Direito (correlação entre meios e fins: e.g. a
lei posta e seus objetivos) que é uma dos princípios da Ciência Jurídica, encontrou em Rui
Barbosa um devoto incansável. Apelava ao estudante das letras jurídicas, e por extensão ao
operador do Direito, a fim de que todos se engajassem como “soldados” na luta pelo direito.
Porém, com a ressalva de que quando o direito conflitasse com a justiça, o “soldado-cidadão”,
guardião do direito, deveria lutar pela supremacia da justiça.
As palavras do eminente jurista baiano repercutiram intensamente no mundo do Direito,
em que pese os poucos que a elas aderiram, pois não se ignora que raros foram aqueles que
compreenderam tão bem quanto ele que o Direito, por sua própria natureza, sempre esteve
elevado à categoria de disciplina dogmática, e, enquanto tal, tem exercido atração irresistível
sobre muitos de seus militantes, atração que conduz a efeitos colaterais degenerados quando
recai sobre bacharéis mal-formados, deficientes do discernimento necessário para se comportar
de outro modo que não um “rábula”, aquele temerário “aplicador autômato da lei que se
posiciona acriticamente em relação às soluções jurídicas criadas pelo Estado”. 2 Por isso, o
estudante de Direito deve estar sempre compromissado com a responsabilidade social; dotado
2
ALMEIDA FILHO, Agassiz. In: Por que estudar Ciência Política e Teoria Geral do Estado? In:
www.forense.com.br. [?], p. 27.
5
de capacidade de investigação dos fenômenos que ocorrem na sociedade, de espírito analítico e
capacidade de ordenação metódica.
Ao contrário do dogmatismo característico do Direito, a Ciência Política, como uma
ciência dinâmica, existe para explicar os fenômenos e não apenas para descrevê-los e, além da
explicação, a Ciência Política procura estabelecer com rigor e racionalidade a previsão de fatos,
pois a previsão é a principal finalidade prática da ciência.3 Nesse sentido, o Direito não retém a
capacidade de estudar os fenômenos de forma isenta, científica, com a necessária suspensão de
juízos de valor, pois “a cultura política não pode ser estudada pelo Direito. Também foge à sua
esfera de abrangência a dinâmica dos partidos políticos, o funcionamento dos sistemas
eleitorais, a maior ou menor representatividade do Poder Legislativo ou a própria relação
quotidiana entre as instituições. Essas questões devem ser tratadas como realidades concretas
que muitas vezes não seguem os padrões normativos previamente determinados pelo
ordenamento jurídico (...) a Ciência Política faz parte da formação do estudante de Direito em
virtude da sua aptidão analítica para enfrentar esse tipo de problema. Ela aproxima da realidade
com o fim de estudar aquilo que realmente acontece no âmbito das relações e das instituições
políticas. Seu objeto é o sistema político concebido de forma dinâmica”.4
Como uma ciência de síntese, a Ciência Política está constantemente presente para
explicar, e também prever, a ocorrência dos fenômenos sociais. Por extensão, tal ocorrência
pode ser confirmada nas relações da Ciência Política com o Direito, desenvolvidas
principalmente por meio do Direito Constitucional que, como afirmara Paulo Bonavides,5 fora o
Direito Constitucional no passado uma das ciências políticas, ainda antes de a Ciência Política
se transformar em ciência autônoma.
Assim como a sociologia, a Ciência Política concebida como uma teoria sociológica,
como não poderia ser de maneira diferente, está intimamente envolvida com todas as outras
ciências sociais, que, como objetos de especulação da Ciência Política, são classificados como
seus subsistemas. Na posição de ciência de síntese, atrai para seu campo de pesquisa as mais
variadas áreas de humanidades como a História, Filosofia, Economia, Psicologia,
Administração, Sociologia, Antropologia, Relações Internacionais e, claro, o Direito. Sendo
uma disciplina dinâmica e de síntese, como foi definida anteriormente, não pode prescindir das
outras ciências sociais para se desenvolver. Mais que isso, as outras disciplinas já mencionadas
emprestam à Ciência Política um vasto “banco de dados” para que esta possa progredir. Como
3
BOBBIO, Norberto. In: Dicionário de Ciência Política. Verbete: Ciência Política, p. 164-169.
4
ALMEIDA FILHO, Agassiz, op. cit., p. 27.
5
In: Ciência Política. A Ciência Política e as demais Ciências Sociais, cap. 2, p. 46-53.
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fruto dessa associação ou fusão da Ciência Política com as outras ciências sociais, a Ciência
Política constituiu subsistemas essenciais para a sua evolução. Por exemplo, associando-se à
área de seu interesse dentro da Filosofia, originou-se a Filosofia Política; com relação à
Economia surgiu a Economia Política; uma das áreas da Psicologia correlata à Ciência Política é
a Psicologia Social; da Administração, a Administração Pública; e da Sociologia a Sociologia
Política. Enfim, essas sub-áreas das ciências humanas estão relacionadas aos fenômenos
políticos e do poder, sendo, consequentemente, campo de interesse teórico para a Ciência
Política.
Quanto ao Direito, suas relações com a Ciência Política são estreitas, e a disciplina de
maior proximidade é o Direito Constitucional, que simboliza o elo do Direito com a Ciência
Política. Miguel Reale denomina de Política do Direito o ponto de interseção entre Política e
Direito. Este ponto, explica, “situado realisticamente, é de importância prática fundamental,
inclusive porque implica o problema da legitimidade do poder”.6
Em que pese o Direito Constitucional aparecer como um ramo do curso de Direito, na
verdade sua ligação provém do mesmo tronco que a Ciência Política, e as raízes deste tronco
retiram sua seiva na fonte inesgotável da filosofia, fonte inesgotável de ideias, cujo fruto mais
concreto foi o contemporâneo Estado de direito, hoje de Direito e ao mesmo tempo
Democrático. Paradoxalmente, o Direito Constitucional não é uma criação germinal do curso de
Direito, como por exemplo são o Direito Civil e o Direito Penal, pois esses dois ramos do
Direito foram criações impositivas do próprio Estado, ainda nos seus primórdios, para que
aquelas sociedades subjugadas e órfãs de direitos obedecessem às leis como pressuposto
inquestionável de manutenção da ordem social e, consequentemente, meio de perpetuação do
domínio político de modo inescapável.
Na contramão do Direito Civil e Penal, a teoria constitucionalista, responsável
diretamente pela criação da disciplina Direito Constitucional, enveredou por caminhos
contrastantes aos do status quo ante, combatendo a imposição da velha ordem arbitrária,
afirmando-se como instrumento das ideias revolucionárias e de auxílio para o aniquilamento do
absolutismo. Esse tripé formado pela Filosofia, Ciência Política e Direito Constitucional
configurou-se como alicerce de ação para o surgimento e consolidação de uma nova era. Nova
era composta por uma nova geração de filósofos e teóricos do Estado, da fase do Iluminismo,
que reescreveram a história ao fomentar as rebeliões contra a opressão dos autocratas europeus,
culminando com o processo revolucionário disseminado por todo aquele continente e pelo norte
da América. De modo que o Direito Constitucional surgiu como uma disciplina do curso de
6
In: Lições Preliminares de Direito, p. 331.
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Direito como fator de adequação da nova realidade: uma nova ordem social, o liberalismo
(Estado de direito), instituído por meio do constitucionalismo; constitucionalismo esse que foi a
base filosófica para as modernas constituições que limitariam os poderes do Estado e dos
governantes obrigando-os a se sujeitarem aos primados do “império da lei” e, ao mesmo tempo,
garantindo direitos aos governados, direitos desde muito filosoficamente consagrados como
inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis.
Dessas relações entre Ciência Política e Direito Constitucional, são seus objetos de
interesse o conhecimento e compreensão das instituições do Estado, do poder legislado e
estabelecido. Enquanto o Direito Constitucional é definido como uma disciplina estática que
objetiva informar a sistematização das constituições, descrever e esclarecer ao acadêmico as
funções e atribuições dos poderes do Estado, a Ciência Política é classificada como uma
disciplina dinâmica, que fornece ao Direito Constitucional dados sobre os reflexos e
investigação das práticas e da luta pelo poder político. Dentro da Ciência Política, a análise
política é um de seus instrumentos mais fundamentais, é o que faz o debate sobre política deixar
de ser meramente “crônica política” e tornar-se “ciência política”. Na descrição de Manuel
Gonçalves Ferreira Filho, enquanto a Ciência Política é a ciência do poder, o Direito
constitucional é a disciplina que informa a organização jurídica do poder.7
Com base na correlação de ligações tão íntimas, deduz-se que a Ciência Política é um
Direito Constitucional em constante movimento, pois ela não apenas descreve como também
investiga e analisa os fenômenos e as consequências do exercício do poder. Além de descrever e
analisar, também lança mão de outros métodos das ciências sociais explicando as contradições
entre o que propõe uma constituição e a realidade existente no meio social. Assim, a Ciência
Política se habilita a propor meios de solucionar problemas sociopolíticos, o que não ocorre
com o Direito em si, pois o pragmatismo do positivismo jurídico não tem preocupação
investigativa e explicativa. Enfim, como observou o jurista R. Friede, corrente expressiva em
amplitude sustenta “ser o direito, em essência, um subsistema da Ciência Política, e não
propriamente uma verdadeira ciência autônoma (...) o direito (e a denominada ciência jurídica)
nada mais seria que um instrumento para a consecução dos objetivos primordiais da Ciência
Política, ou seja, a convivência harmônica em sociedade, ou, em outras palavras, a manutenção
da paz social (através da permanente ratificação da ordem estabelecida).8
Da política em si, é prudente lembrar que ela não cria, necessariamente, vínculos diretos
com a política partidária, o mesmo podendo ser dito da própria Ciência Política, pois o
7
In: Curso de Direito Constitucional, p. 17.
8
In: Curso de Ciência Política e Teoria Geral do Estado, p. 6.
8
substantivo política, difundido por Aristóteles, em essência se refere a tudo o que está ligado à
polis, isto é, a tudo o que é civil, que for positivo para a cidade, porque para este pensador grego
o homem é, por natureza, um animal social, um animal político. Então, a luta pelo poder e a
disputa entre facções e partidos até que pode ser um dos meios, mas nunca o único meio de
promoção do bem-comum. Por consequência, legítimo é deduzir que a própria condição de
aluno em uma faculdade até sua participação em encontros com finalidades lúdicas, de
divertimento, como em um festival de música, na balada do fim de semana, no churrasquinho da
turma, enfim, essa constelação toda de eventos que fazem parte das relações sociais do homem-
cidadão são fatos que podem ser classificados como atos políticos. O que dizer então do
frenético e revolucionário movimento das "redes sociais", tal como o Facebook, Orkut e Twitter
que está fazendo a cabeça de todas as "tribos" e "guetos", de todas as idades, notadamente os
jovens, que mais do que nunca - talvez ainda desconhecendo suas reais dimensões - têm a seu
alcance uma ferramenta com poder ainda imensurável, possível de produzir mudanças
“copernicanas” no rígido e conservador mundo do Direito, e também no escandaloso mundo dos
corrompidos costumes políticos, causando estupor o comportamento de autoridades que ainda
resistem no poder, ainda que por meio de costumes e hábitos insolentes e arcaicos. Essas redes
virtuais têm se transformado em ferramenta para mobilizações on-line, sem a tutela de
instituições tradicionais como partidos ou sindicatos e sem lideranças hierárquicas formais,
arregimentando legitimidade e capazes de paralisar cidades europeias e de tirar o sono e até
derrubar ditadores no, até então inabalável, mundo árabe.
Resumindo, não custa lembrar o sugestivo slogan dos estudantes rebeldes daquele
"utópico", agitado e não muito distante ano de 1968, cujos movimentos de protesto mobilizaram
grande parte do planeta contra o conservadorismo da ordem legal vigente, abalando as
estruturas do poder nas democracias ocidentais, do qual simbolicamente se podia interpretar que
aquelas mensagens conduziam à idéia de que “tudo é política e que a política é tudo!”.