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Tão perto e tão longe:

sobre [i]mobilidades na sociedade de consumidores


LUCIANA VELLOSO*

Resumo:
Tendo como escopo teórico as reflexões de autores como Zygmunt Bauman, John
Urry, David Buckingham, dentre outros, buscamos neste texto estabelecer uma
reflexão sobre relações existentes entre a sociedade de consumidores, as diferentes
formas como afeta os atores sociais desde a infância e entender que estas
influências, por mais que tentem criar padrões e modelos de comportamento,
conforme exposto no exemplo do documentário analisado “Criança, a alma do
negócio” (2008), ao mesmo tempo em que ganham adesões, também abrem
espaços para resistências e para a nossa percepção de que a suposta aldeia global
não dá conta de incluir a todos, também excluindo em seu interior, nos termos de
Pierre Bourdieu. Repensar o papel das instituições de ensino diante deste contexto
em que “ser” e “ter” parecem tão indissociáveis é um de nossos grandes
questionamentos.
Palavras-chave: Consumismo; Novas Tecnologias de Informação e Comunicação;
Paradigma das Mobilidades; Publicidade.
Abstract:
In this paper, we consider the reflections of authors such as Zygmunt Bauman,
John Urry, David Buckingham, among others, to reflect on existing relationships
between consumer society, the different ways it affects social actors and to
understand that these influences, However much they try to create patterns and
models of behavior, as shown in the example of the documentary analyzed "Child,
the soul of the business" (2008), while gaining accessions, also open spaces for
resistance and our perception that The supposed global village does not take
account of including everyone, also excluding in its interior, under the terms of
Pierre Bourdieu. Rethinking the role of educational institutions in this context in
which "being" and "having" seem so inseparable is one of our great questions.
Key words: Consumerism; New Information and Communication Technologies;
Paradigm of the Mobility; Advertising.

*
LUCIANA VELLOSO é Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.
“O fazedor de amanhecer” – Manoel de Barros

Foto da autora

Introdução nomes nos soem curiosos. Afinal, como


seria um “fazedor de amanhecer” ou
Inicio este texto com trecho dos escritos
do poeta brasileiro Manoel de Barros uma “manivela para pegar no sono”? O
que ainda não fora inventado,
(1916-2014), que em suas observações
aparentemente implausível, ganha vida
nos coloca diante de sua relutância a
nos escritos e na imaginação do poeta.
lidar com máquinas, tendo produzido
Sua poesia, com uma gramática
apenas três em sua vida, embora seus

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singular, nos remete à tentativa de uma entranhados na pós-modernidade são
superação de dicotomias entre homens e movidos pela falsa sensação de
natureza. Ele não se interessa por coisas liberdade e do direito à felicidade,
“prestáveis”, o objetivo é inventar. Na contanto que aceitem a lei do mercado,
aparente simplicidade se revela sua do capital.
complexidade e profundidade das "Consumidores" e "objetos de
reflexões, que nos instigam a romper consumo" são pólos conceituais de
com ideias de interpretações simplórias. um continuum ao longo do qual
todos os membros da sociedade de
E no que afinal, Manoel de Barros consumidores se situam e se
(2013) poderia ajudar a pensar a movem, de um lado para outro
sociedade de consumidores que diariamente. Alguns podem ser
vivemos na contemporaneidade, ou para colocados, por mais tempo, bem
já nos apropriarmos de termos de perto do pólo das mercadorias.
Bauman, da suposta “modernidade Nenhum consumidor, no entanto,
líquida”? Bauman (2001) nos indica que pode estar plena e verdadeiramente
a modernidade, já desde seus começos, seguro de que não cairá perto,
foi se configurando como um processo desconfortavelmente perto, de suas
de “fluidez” gradativa e de liquefação cercanias. Só como mercadorias, só
se forem capazes de demonstrar seu
de conceitos que até então se acreditava
próprio valor de uso, é que os
muito fixos (p8-9). E Manoel de Barros consumidores podem ter acesso à
parece fazer uma crítica justamente a vida de consumo. Na vida líquida, a
este império das necessidades, dos distinção entre consumidores e
objetivos sólidos e concretos, ao afirmar objetos de consumo é, com muita
logo de início ser “leso em tratagens frequência, momentânea e efêmera,
com máquinas”. Justamente o que nos é e sempre condicional. Podemos
cobrado com cada vez mais intensidade, dizer que a regra aqui é a reversão
sobretudo após a Revolução Industrial, de papéis, embora até mesmo essa
quando seres humanos e máquinas se afirmação distorça a realidade da
aproximam e se vinculam cada vez vida líquida, na qual os dois papéis
se interligam, se misturam e se
mais, e com isto, os vínculos com a
fundem (BAUMAN, 2007, p.18).
natureza que Barros tanto valorizava,
vão se esvanecendo. Pensando no que Bauman (2008)
sugeriu ao denominar nossa sociedade
Para se referir as incertezas que contemporânea como “sociedade de
envolvem ao momento em que vivemos, consumidores”, na qual nossos corpos
Bauman (2007), nos diz que estamos tornam-se cada vez mais mercadorias
inseridos no que ele denomina como influenciadas pelos fluxos de símbolos,
“sociedade líquida”, na qual as relações signos e marcas que parecem nos
não têm forma, a qualquer momento atribuir maior valor quando impressas
escorre e acaba. Para ele, o ser humano em nossas vestimentas e acessórios, é
está perdendo a capacidade de se de se pressupor que este pertencimento
relacionar com o outro, seu semelhante, e este consumo atrelado à concepção de
de maneira plena, compreendendo as cidadania não se dê da mesma forma
subjetividades e singularidades alheias. para todos e todas.
Segundo Bauman (2007), a vida líquida Observando nossa sociedade, pode-se
é precária, vivida em condições de perceber que somos induzidos a
incertezas constantes. Os ocidentais consumir a todo o momento, a obtenção

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de bens materiais cria uma falsa ideia de também uma forma de afirmação e
felicidade. Circula uma lógica que estruturação no meio social inserido. O
envolve a ideia de que para ser feliz é que o indivíduo pode ter, o coloca
preciso obter bens e para obter é preciso dentro de determinado grupo social e
ter dinheiro, conseguido através do faz com que as relações interpessoais se
trabalho, que vai ocupando a maior desenvolvam a partir de determinadas
parte do dia. O processo produz um semelhanças materiais.
círculo vicioso que usualmente redunda
em um imenso vazio existencial, pois A despeito de todo o incentivo ao
estamos o tento todo tentando preencher consumo e à ideia de que o
algo que nos falta, sem sequer ter a pertencimento e uso de recursos
certeza do que é. O consumir torna-se tecnológicos se traduziria em uma
mais do que um verbo, torna-se uma maior inclusão social e,
praticamente um imperativo (consuma!) consequentemente, a uma ideia de
neste contexto de exclusões e inclusões cidadania mais plena, trazemos para
que estão imbricadas no processo. debate estas associações, de modo a
refletir até que ponto esta sociedade de
O consumo trás consigo o perfil de ser consumidores conectados e vinculados a
humano que sempre quer ter e ser mais um contexto global mais amplo
para suprir-se emocionalmente e exibir procedem. Discutimos ainda as formas
para os outros. Desta forma, através das quais desde muito cedo
dizer "sociedade de consumidores"
nossas crianças e jovens vão se
é dizer mais, muito mais, do que inserindo nesta cultura, aprendendo que
apenas verbalizar a observação a equação “ter = ser” parece ser a única
trivial de que, tendo considerado alternativa para que se sintam de fato
agradável o consumo, seus integrantes do meio em que vivem.
membros gastam a maior parte de
seu tempo e de esforços tentando Entre meios e mediações:
ampliar tais prazeres. É dizer, além [i]mobilidades?
disso, que a percepção e o
tratamento de praticamente todas as Ao pensarmos o mundo através das
partes do ambiente social e das lentes da mobilidade, podemos
ações que evocam e estruturam identificar uma série de sistemas lógicos
tendem a ser orientados pela que capacitam a circulação cada dia
"síndrome consumista" de mais intensa de pessoas, informação e
predisposições cognitivas e
mercadorias, o que faz com que as
avaliativas. A "política de vida",
que contém a Política com "P" relações sociais na contemporaneidade
maiúsculo, assim como a natureza possam ser pensadas a partir das
das relações interpessoais, tende a capacidades de mobilidade e das
ser remodelada à semelhança dos possibilidades de imobilidade dos
meios e objetos de consumo e indivíduos. Essa capacidade de
segundo as linhas sugeridas pela experimentar a mobilidade ou a
síndrome consumista (BAUMAN, imobilidade reorganiza a vida social e
2007, p. 109). define a sociedade contemporânea como
uma sociedade que está
No trecho supracitado, Bauman (2007)
permanentemente em movimento, e por
afirma que o meio social orienta o
isso deve ser analisada a partir do ponto
consumo, o prazer do consumo não é só
de vista da experiência da circulação.
a obtenção concreta de um bem, é

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Durante algumas décadas não regras de convívio e negócios
consideradas relevantes pelas ciências dentro e fora da rede. A atual
sociais, as ideias de Simmel sobre o expansão das coisas da internet é
movimento e seus impactos na vida planetária. É o que chamamos de
cotidiana foram retomadas por John cibercultura. Mesmo os que
resistem, sofrem com a exigência
Urry (2000, 207, 2010) e seu Paradigma
da conexão. Todas as ações das
da Mobilidade. É exatamente essa coisas da internet afetam as coisas
mobilidade paradigmática que serve aos fora dela, produzindo uma rede
autores como ponto de partida para híbrida global, com grandes
propor aos pesquisadores que reflitam consequências sociais, culturais,
sobre as mudanças nas dinâmicas educacionais e econômicas. Elas
sociais e na forma como diferentes produzem (e são) valor, em uma
cenários afetam as interações com o economia cada vez mais
ambiente em que se vive. Ao mudarem dependente de dados e informações.
os cenários, mudam-se as maneiras com (p. 61).
as quais as pessoas se relacionam com o Surgem novas maneiras de conceber
tempo e com o espaço, com o ambiente viagens e movimentos, estes vistos
em que circulam, com seus objetos e como mais rizomáticos e descentrados,
com seus grupos de referências que, a rebeldes e fugidios, para nos
partir do movimento, são apropriamos dos termos de Deleuze e
ressignificados e reutilizados na Guattari (2011). Os meios de
construção de uma “vida móvel”, na comunicação cada vez mais se tornam
qual novos modos de presença são veículos destes movimentos, de modo
redefinidos a partir das relações a que se tenha acesso a uma ampla gama
distância, mediadas pela tecnologia. de informações sem que se necessite de
um deslocamento físico a estes
A denominada sociedade em rede ou associados.
cibercultura se estrutura em torno de
espaços e tempos que na visão de Scott Bauman (1999), ao analisar questões da
Lash e Jonh Urry (1994) são esvaziados mobilidade contemporânea, também
se tomarmos em vista as relações que se destaca a relação entre uma crescente
apresentam em relação às experiências mobilidade por um lado e, por outro, o
tradicionais. Múltiplos tempos e que ele chama de uma “localidade
múltiplos espaços num mesmo espaço amarrada”, no sentido de que, para o
físico são possíveis pela crescente “mundo dos globalmente móveis”
interatividade. Este momento histórico (Primeiro Mundo) o espaço pode ser
em que vivemos, seria muito virtualmente transposto (no real e no
caracterizado pelo que indica Lemos virtual), mas para os do segundo
(2013), ao indicar que mundo, “localidade amarrada”, seu
“espaço real está se fechando
é praticamente impossível viver rapidamente”, não podem se mover e
sem criar mais coisas digitais. Elas estão “fadados a suportar passivamente
transformam a cultura, ampliam as qualquer mudança que afete a
formas de comunicação humana, localidade onde estão presos” (p.96).
liberando a emissão, a conexão e o
consumo planetário de informação. Questões dessa natureza, segundo
Elas perturbam a estabilidade das Bauman (1999), configuram uma forma
mídias e da cultura de massa, de estratificação que se particulariza na
alteram hábitos, comportamentos, “sociedade pós-moderna de consumo”

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associada diretamente ao grau de É nesse contexto que autores como Urry
mobilidade das diferentes classes, o que e Elliot (2010) nos auxiliam a pensar
implica em “sua liberdade de escolher sociologicamente como os novos
onde estar”. Assim, uma “imobilidade avanços tecnológicos têm imbricado
forçada” torna-se algo desprezível, novas maneiras de constituir e organizar
resultando em sentimentos de identidades, através de vários espaços e
incapacidade e dor. O autor indica que é tempos. Em “Mobile Lives”, os autores
o grau de mobilidade, ou seja, é a discutem o conceito de “capital de
liberdade para escolher onde estar, que rede”, que para além dos capitais
estratifica seus membros (BAUMAN, econômico, cultural, social e simbólico,
1999, p. 94). Isso equivale a afirmar que envolve a capacidade de movimento em
apesar da evolução tecnológica – seja diversos ambientes, incluindo a
no âmbito do transporte ou da habilidade, competência e interesse em
informação –, a mobilidade física reflete usar telefones celulares, SMS, e-mail,
e reforça as desigualdades sociais. internet, Skype etc.; acesso amplo a
informações e contatos; equipamentos
Utilizando da metáfora, identificada por
de comunicação, dentre outros.
ele pela relação entre o que chama de
“turistas e vagabundos”, Bauman (1998, Com a evolução dos meios de transporte
1999) considera essa relação como dois e de comunicação tornou possível a
pólos de um contínuo, onde conexão com qualquer parte do mundo,
expectativas estão depositadas. Ele fazendo com que as transformações na
afirma que não é preciso se mover para velocidade e no alcance desses meios
ser um vagabundo, pois, mesmo se engendrassem impactos sociais
ficando no mesmo lugar, o lugar já não significativos. No entanto, o uso das
é mais o mesmo. Na análise de Bauman, diferentes tecnologias apresenta limites
as possibilidades de mobilidade na medida em que ao mesmo tempo em
(deslocamento físico) são uma questão- que ela viabiliza a interação de pessoas
chave da experiência moderna, e, dessa instaladas nos mais diversos lugares do
forma, na natureza do turismo está a mundo, ela compromete os
mobilidade, por isso também o turismo relacionamentos locais; ao mesmo
e o turista são metáforas adequadas para tempo em que é possível ter contato
a compreensão dessa realidade. com um número maior de pessoas,
Relativizando estes processos de menos tempo é direcionado a cada uma
deslocamentos, Hannam, Sheller e Urry (ADAMS, 2011), favorecendo a
(2006) entendem que novos lugares e quantidade em detrimento da qualidade
tecnologias ao mesmo tempo em que dos relacionamentos, favorecendo a
aumentam a mobilidade de algumas frequência em detrimento da
pessoas e lugares, também aumentam a profundidade.
imobilidade de outras (exemplos das
Crescendo na cultura do consumo
pessoas que buscam cruzar fronteiras),
implicando em estruturas de poder e Podemos entender que a despeito dos
posição de raça, gênero, classe etc. diferentes níveis de mobilidade que
Nesse sentido, a globalização tem possamos possuir, a publicidade tem
reflexos consideráveis sobre a buscado influenciar de modo incisivo na
subjetividade contemporânea, atual sociedade de consumidores.
interferindo sobre nós de modos Busca-se construir a homogeneidade na
bastante diversos. heterogeneidade, a padronização em

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meio a diferenças e a constituição de próximo produto a adquirir. Movemo-
uma lógica que preconiza aparências, a nos neste caldo cultural vendável e
despersonalização, o imediatismo e a embarcamos cada vez mais cedo no
descartabilidade. processo.
O bombardeio imagético e sonoro São impactantes as cenas que
advindo de diversas mídias afeta a todos apresentam a educadora indagando um
nós de diversos modos, iniciando na grupo de jovens crianças se preferiam
infância e se estendendo ao longo de “brincar” ou “comprar”. Praticamente
nossas vidas. Com as plataformas unânime a opção pelo “comprar”. Algo
digitais estas informações chegam com que até mesmo espanta uma das
mais velocidade e a grupos mais crianças que indaga: “Ninguém
amplos. escolheu brincar?”. Brincar não
Produzido em 2008, o documentário de depende de objetos, pois enquanto ação,
Estela Renner “Criança, a alma do implica muito mais uma atitude diante
negócio”, apresenta uma discussão da vida. Já o comprar se vincula à
sobre publicidade, seus impactos sobre posse, ao ter e mesmo que sejam
crianças e, consequentemente, sobre brinquedos (comprar para brincar),
seus pais e mães, docentes e antecipa uma ordem que pode anular
profissionais da área médica. Ao apelar outras como a criatividade, a
diretamente ao público infantil, o imaginação, a leveza e o desapego a
universo mercadológico tem se bens tangíveis.
constituído em uma verdadeira zona de A infância enquanto fase da vida que
conflito, uma vez que instauram vai sendo associada a um projeto que a
modelos e ideais de consumidores que estimula precocemente a se ajustar aos
criam frustrações para aos que neles não padrões mercadológicos, a amadurecer
se enquadram. mais cedo e projetar seu futuro, tem este
Apesar de direcionado para nos fazer projeto frequentemente endossado pelas
pensar a reação infantil diante da instituições escolares. As ligações
publicidade, o vídeo nos faz pensar o parecem cada vez mais frouxas e os
quanto nós, independente da idade, não compromissos revogáveis como
nos vemos quase cedendo às preceitos que orientam tudo o que se
interpelações por adquirir o “mais novo engajam e apegam. Assim como nós, as
produto”, “o alimento mais delicioso”, gerações mais jovens não escapam de
“o veículo que trará mais status” e uma lógica que tenta subsumir os
tantos outros slogans fartamente relacionamentos em termos de mercado.
mencionados. Dentro desta perspectiva numa lógica
Por exibirem crianças, chamam nossa operada pela sociedade de
atenção os momentos em que crianças consumidores, que incentiva de forma a
exibem objetos que mal conseguem “administrar espíritos” desde a infância
quantificar, enquanto outras sofrem por e ao longo da vida, Bauman (2008)
não receberem os mesmos de seus pais, entende que
que sofrem igualmente por não terem tão logo aprendem a ler, ou talvez
recursos financeiros para arcar com esta bem antes, a “dependência das
maquinaria. O paradoxo está instaurado. compras” se estabelece nas
Ter, adquirir, aproveitar de modo fugaz crianças. Não há estratégias de
e logo descartar para já pensar no treinamento distintas para meninos

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e meninas – o papel de consumidor, do tipo que não se pode, em princípio,
diferentemente do de produtor, não saciar” (2007, p.121).
tem especificidade de gênero.
Numa sociedade de consumidores, Ao discutir a importância das
todo mundo precisa ser, deve ser e brincadeiras, Linn (2006) nos indica que
tem que ser um consumidor por “preservar e nutrir a capacidade das
vocação (ou seja, ver e tratar o crianças de brincar é fundamental para
consumo como vocação). Nessa todos os aspectos de seu
sociedade, o consumo visto e desenvolvimento mental, social e
tratado como vocação é ao mesmo emocional” (p. 89).
tempo um direito e um dever
humano universal que não conhece Como afirmado por Linn (2006), o
exceção (p.73). brincar é fundamental no processo de
desenvolvimento da criança. O brincar
Em seu livro, “Crescer na era das não necessita especificamente de um
mídias eletrônicas”, Buckinghan (2007), brinquedo. Crianças possuem
identifica que os aparelhos, as mídias capacidade de desenvolver brincadeiras
eletrônicas estão ocupando grande sem recorrer a brinquedos, ou de
tempo e importância na vida das desenvolver seus próprios. No entanto,
crianças, e, vai além, ao afirmar que geralmente observamos crianças que
crianças gastam mais tempo com possuem muitos brinquedos e,
eletrônicos, que, se dedicando a demonstram desejo constante em
relações interpessoais com pessoas do adquirir novos. O marketing que se
convívio, cotidiano social. O autor constrói ao redor dos produtos acaba
atenta para o distanciamento das por criar o sentimento de necessidade
crianças de hoje com seus próprios pais, constante. Para Bauman (2007), ir
o que em sua análise, pode acarretar em contra a corrente de tal cultura
movimento que homogeneíza os consumista da sociedade líquida, é mais
interesses infantis, tornando assim, difícil do que o próprio indivíduo pode
crianças de culturas diferentes com mais reconhecer.
afinidade e interesses em comum do que
seus pais, apesar dos mesmos, no geral, Bauman (2008) afirma que “os
estarem fisicamente, ao lado de seus indivíduos que se satisfazem com um
filhos. Em seus dizeres, conjunto finito de necessidades,
guiando-se somente por aquilo que
A infância não é absoluta, nem acreditam necessitar, e nunca procuram
universal, e sim relativa e novas necessidades que poderiam
diversificada. A ideia de infância é
despertar um agradável anseio por
uma construção social, que assume
diferentes formas em diferentes satisfação, são consumidores falhos –
contextos históricos, sociais e ou seja, a variedade de proscritos
culturais. (...) As crianças de hoje específica da sociedade de
podem ter mais em comum com consumidores” (p.128, grifo do autor).
crianças de outras culturas do que
Conforme exibido no Documentário
com seus próprios pais
(BUCKINGHAN, 2007, p.8). “Criança, a alma do negócio” (2008) a
publicidade que focaliza a infância, traz
Bauman, diz que “o consumismo não se mais dificuldades para o relacionamento
refere à satisfação dos desejos, mas à com os pais. Uma televisão ligada vinte
incitação do desejo por outros desejos, e quatro horas por dia e que é mais
sempre renovados – preferencialmente “presente” com suas mensagens do que

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a presença física de pais e mães que (BOURDIEU, 2007) cuja promessa
precisam se ausentar por muito tempo, é redentora foi abrindo margem para um
uma relação complexa. Investe-se na viés conservador e reprodutivista, que
competição, no ter algo como um acabava corroborando com as
elemento de distinção que aproximaria e desigualdades sociais (BOURDIEU e
traria reconhecimentos dentro de um PASSERON, 1970). Ou seja, por mais
grupo. A publicidade acaba por afirmar que se diga que o fruir dos recursos
a própria inscrição dos atores em tecnológicos e desta lógica de consumo
sociedade, garantindo aceitação e mais ampla seja algo generalizado, há
existência social que seria garantida que se ter cautela e observar que esta
pela posse de algo. Nesse sentido, mesma sociedade que inclui a tantos,
Bauman (2008) elucida sua igualmente exclui a muitos e de forma
compreensão destas implicações: nem sempre perceptível.
“Consumir”, portanto, significa Para uma compreensão mais ampliada
investir na afiliação social de si destes caminhos e trajetórias
próprio, o que, numa sociedade de diversificadas, entendemos a
consumidores, traduz-se em importância estudos como os de Jailson
“vendabilidade”: obter qualidades
de Souza e Silva, em sua obra “Por que
para as quais já existe uma
demanda de mercado ou reciclar as
uns e não outros?”. Apropriando-se em
que já se possui, transformando-as grande medida das teorizações de Pierre
em mercadorias para as quais a Bourdieu, Souza e Silva (2003) analisa
demanda pode continuar sendo a trajetória de onze jovens nascidos em
criada” (p.75) um contexto de um grande complexo de
favelas do Rio de Janeiro, o da Maré,
Apesar da aparente naturalização do ato
indagando sobre elementos que possam
de consumir, vale ressaltar que o
ter atuado nas vidas destes indivíduos
consumismo propriamente dito é um
para que seguissem uma trajetória
produto social, e não o veredicto
distinta de suas “posições de destino”,
inegociável da evolução biológica,
pois rompem com todo um esquema
conforme nos assevera Bauman (2011).
familiar de baixas expectativas em
O autor complexifica a análise
relação à escolaridade e conseguem
indicando que não basta consumir para
concluir o curso superior. Isto se deve
continuarmos vivos, já que o
em grande medida à possibilidade de
consumismo implica uma série de
terem acesso a um maior consumo e
regras que vão muito além do que o
fruição de bens culturais, como livros,
simples consumo para necessidades de
cinemas, peças de teatro e museus.
fato. Sendo assim, “é um fenômeno
polivalente e multifuncional, uma Entendendo estes mecanismos
espécie de chave mestra que abre todas utilizados pelos veículos
as fechaduras, um dispositivo comunicacionais, podemos buscar
verdadeiramente universal” (p.54). contribuição de autores como
Buckingham (2007), que operam com
Considerações finais
uma posição que vai para além do “ou
Temos discutido as formas através das isto” “ou aquilo”, mas pensam as
quais tanto escolas quanto audiências como ativas e produtoras,
Universidades têm se democratizado, para além de passivas e meramente
mas ainda sendo espaços de consumidoras, conforme asseverou
resistências, de excluídos do interior Martín-Barbero (2003), que desloca seu

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estudo dos meios para as mediações e que não pode ainda se permitir a isto e
Silverstone (2005), que esmiúça o só consegue consumir para viver.
conceito de mediação, tentando
entender a produção de significados e a Talvez estejamos de fato auxiliando a
intervenção humana sobre os recursos romper com esta lógica da sociedade de
tecnológicos que lhes são expostos. consumidores quando assumirmos
nosso papel enquanto educadores,
Buckingham (2007) reconhece que entendendo estes processos desde a
apesar da retórica da mudança completa produção destas máquinas de “criar
e irreversível que a comunicação global desejos”, entendendo como são
tem subentendido, vale atentarmos para produzidas e como as utilizamos.
o fato de que existem continuidades Reconhecendo que este caminho do
geracionais que valem ser trazidas para acesso às redes informacionais é um
o debate tanto para os que apelam para caminho que não há como retroceder, o
um suposto “desaparecimento da que nos cabe talvez seja ampliar nosso
infância”, comumente associado ao olhar, ou nossa “imaginação
trabalho de Neil Postman (1999), sociológica”, nos termos de Mills
quanto para os que se ufanam de uma (1969), de modo a ir além das
suposta revolução das comunicações aparências do que os meios nos
que traria maior possibilidade de transmitem, defendendo um acesso
adquirir capital de rede e mobilidade igualitário aos recursos midiáticos e
(nos termos de Urry), trazendo mais uma maior participação dos atores
poder e liberdade a crianças e jovens. sociais nesta produção, que de fato
contemple suas demandas e não as
O autor sustenta a necessidade de invente.
cautela analítica, indicando o forte viés E retomando o começo do texto, esta
de conservadorismo moral em obras mesma cultura de consumidores, que ao
como a de Postman (1999), já que a mesmo tempo tenta tornar os diferentes
tentativa de “proteger” crianças e jovens em tão iguais, criando uma artificial
do acesso a mídias tenderia ao fracasso. sensação de pertencimento e
Nem alienígenas, nem adultos vinculação, acaba por nos afastar muitas
prematuros, mas grupos que afetam e vezes dos que mais nos estão próximos.
são afetados de formas diversas. Pois “a Tão longe e tão perto. Mas
infância está sendo mais paradoxalmente, tão perto e tão longe...
comercializada, mas ao mesmo tempo ainda aguardando pela criação de um
crescem as desigualdades de capital “fazedor de amanhecer”, de
material e cultural que tornam mais amanheceres mais prósperos para o
difícil falar em infância em termos mundo que queremos.
gerais” (BUCKINGHAM, 2007, p.
276).
Referências:
Não são regras, mas ainda exceções de
uma sociedade que nivela por cima e ADAMS, J. Hypermobility. Prospect, Londres,
parte de premissas como se o ato de mars 2000. Versão em francês disponível em:
www.worldcarfree.net/.../Hypermobility.rtf
consumir fosse algo homogêneo para (consulta em fev.2013).
diferentes segmentos sociais. Uma
grande maioria vive para consumir, mas BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida.
Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
igualmente há também um grande grupo

69
______. Globalização: as conseqüências HANNAM, Kevin, SHELLER, Mimi, URRY,
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