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GÊNEROS DISCURSIVOS NO
ENSINO DE LÍNGUA
CONTEXTUALIZANDO
Os estudos sobre Bakhtin têm ganhado cada vez mais força. São
pesquisadores, professores, professores-pesquisadores e documentos oficiais
que o trazem como constructo teórico, porém, vale trazer a visão do professor
José Luiz Fiorin: “Bakhtin é um autor que está moda”, mas veremos o que mais o
autor tem a dizer sobre isso.
Fiorin, no seu livro Introdução ao pensamento de Bakhtin (2016), diz que
existem duas vertentes de estudiosos: os que têm a teoria como única verdade,
algo quase como religioso, e aqueles que a simplificam excessivamente. Então, o
que devemos seguir? Nas palavras do professor Fiorin:
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a) a primeira é a daqueles que respeitam as autorias das edições
originais e, por consequência, só reconhecem como autoria do
próprio Bakhtin os textos publicados sob seu nome ou encontrado
nos seus arquivos.
b) A segunda direção é a daqueles que atribuem a Bakhtin todos os
textos disputados.
c) Há, por fim, uma solução de compromisso que inclui dois nomes na
autoria. Assim, Freudismo e Marxismo e filosofia da linguagem são
atribuídos a Bakhtin/Voloshinov; e O método formal nos estudos
literários, a Bakhtin/Medvedev. (Faraco, 2009, p. 12. Grifo do autor)
TEMA 2 – ENUNCIADO
E ainda:
Enunciado é o elo essencial da cadeia de comunicação, e é dotado de
uma tridimensionalidade comunicativa histórica e cultural que reúne
passado (o antecedente), presente (o continuum) e futuro (o
consequente) do processo de comunicação como um fenômeno da
cultura perene em sua substancialidade e aberto como forma de
existência e comunicação entre os homens no devir histórico e na
unidade aberta de cultura e história. (Bezerra, 2016 citado por Bakhtin,
p. 153)
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O primeiro destaque que se faz é do termo enunciação, que foi substituído
por enunciado na última tradução de Paulo Bezerra para o texto Os gêneros do
discurso (2016).
Considerando as duas citações trazidas no início deste tópico deve-se
entender que as atitudes responsivas estão atreladas às fronteiras do enunciado.
Para Bakhtin (2011), trata-se de um começo absoluto e um fim absoluto. Essa
afirmação evidencia a alternância de falantes, já que um emissor tem seu
enunciado precedido de enunciados de outros e, ao finalizar, terá uma atitude
responsiva, mesmo que não seja proferida. Para exemplificar tal conceito, traz-se
a analogia estabelecida por Bakhtin entre o enunciado e o eco. Segundo o autor,
os enunciados estão repletos de “ecos e ressonâncias de outros enunciados com
os quais está ligado pela identidade da esfera da comunicação discursiva”
(Bakhtin, 2011, p. 297).
Dessa forma, aquilo que dizemos, que mencionamos, é resultado dos
campos das atividades pelos quais circulamos, das vozes que ouvimos e que
fazem parte da nossa constituição enquanto sujeitos. Então, quando nos referimos
aos campos da atividade humana, estamos nos referindo também “à orientação
cultural e identitária de uma sociedade, em que cada enunciado é uma resposta
a outros enunciados” (Silva, 2017, p. 34).
Quando Bakhtin afirma que o enunciado tem um início e um fim, deve-se
ter em mente que as fronteiras entre os enunciados dos sujeitos de um discurso
são apresentadas por meio do diálogo, que, segundo Bakhtin (2011, p. 279), é “a
forma mais simples e clássica da comunicação discursiva”.
A compreensão do conceito de enunciado ficará mais clara ao discutirmos
discurso e dialogismo, e principalmente os gêneros do discurso. Sendo assim,
passemos para o nosso próximo tema: discurso e dialogismo.
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assim dizer, bombeia energia de uma situação
da vidada para o discurso do verbal, ela dá a
qualquer coisa linguisticamente estável o seu
momento histórico vivo, o seu caráter único.
Finalmente, o enunciado reflete a interação
social do falante, do ouvinte e do herói como o
produto e a fixação, no material verbal, em um
ato de comunicação viva entre eles.
Volóchinov/Bakhtin
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o falante não é um Adão bíblico, só relacionado com objetos virgens
ainda não nomeados, aos quais dá o nome pela primeira vez. As
concepções simplificadas sobre comunicação como fundamento lógico-
psicológico da oração lembram obrigatoriamente esse Adão mítico.
(Bakhtin, 2011, p. 300)
Pelo que vimos até agora, você deve estar pensando: “Em que os gêneros
do discurso, o diálogo e o discurso impactam na vida desses falantes? Há
diferentes formas de impacto em diferentes falantes?”.
Para iniciarmos a discussão sobre os sujeitos é necessário relembrar que
os enunciados e gêneros do discurso são meio de interação social. Precisamos
pensar nos sujeitos como falantes oriundos de culturas diferentes, as quais se
cruzam e entram em interação. Ao se pensar em diferentes culturas, também se
pensa em diversidade de vozes que se encontram, gerando discursos em
variados campos e tempos.
As vozes que são encontradas são as mais diversas possíveis. Tais vozes
são retratos das experiências vividas, dos campos pelos quais os sujeitos do
processo circularam. Essas vozes se juntam a outros discursos que o falante já
carrega e formam, novamente, um outro discurso, permeado de vozes de
diferentes falantes.
Nesse momento é válido retomarmos o conceito de atitude responsiva, pois
um sujeito pode, por exemplo, ler um livro hoje e daqui a dez anos elaborar um
discurso que traga a voz desse texto. Nesse processo, houve uma interação entre
os interlocutores, ainda que tardia.
Quando falamos em sujeito, precisamos também considerar que todo
enunciado é escrito para um sujeito, ainda que não seja um sujeito único e
definido. Nesse caso, teríamos o representante médio de um grupo social, eleito
a partir da ideia que se tem do grupo que ele representa.
A fala de um sujeito pode, ainda, ter como interlocutor um
superdestinatário. Isso ocorre quando temos um sujeito elaborando seus
enunciados para uma pessoa que não é exatamente o seu interlocutor – seria uma
terceira pessoa para quem ele fala.
De acordo com Emerson e Morson (2008, p. 151),
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Talvez você esteja pensando que são muitas informações e não consegue
colocá-las em um plano que faça sentido na realidade. Pensemos então em uma
situação prática, em um campo da atividade humana e em sujeitos que
conhecemos.
No nosso exemplo, o campo da atividade humana será a escola e os
sujeitos serão os que compõem a comunidade escolar, alunos, professores e pais,
principalmente. Na escola temos o sujeito aluno, que traz as vozes da sua família,
da sua religião, da comunidade em que vive, dos programas televisivos a que
assiste etc.; o professor, por sua vez, também traz suas vozes que também são
oriundas dos diferentes campos da atividade humana pelos quais ele circulou e
circula.
Pensemos em uma proposta de atividade na aula de língua portuguesa: O
professor solicita aos alunos que escrevam um texto que fale sobre amor. O aluno
Pedro escolhe o gênero discursivo poesia e fala sobre o abandono da família. O
aluno do nosso exemplo é filho adotivo e foi deixado pelos pais biológicos em um
abrigo, sem que ele soubesse o motivo.
Nesse caso, Pedro traz para o seu discurso a voz dos abrigos, lares de
apoio, voz de outras crianças e adolescentes que foram abandonados. Ele
escolhe o gênero discursivo poesia porque sabe que esse gênero permite a
expressão de sentimentos. Como interlocutor do seu texto temos o professor,
pois foi ele quem solicitou o texto e será ele quem o lerá. Temos ainda o
superdestinatário que, nesse caso, podem ser os pais biológicos de Pedro, pois
ainda que os pais sejam ouvintes não presentes, a mensagem do discurso da
poesia foi direcionada para eles.
Ao longo da disciplina veremos outros conceitos e teremos outros exemplos
que permitirão a ampla compreensão sobre o tema, mas, para exemplificar os
conceitos até então discutidos, observe a imagem a seguir:
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Figura 1 – Conceitos discutidos na aula
Relações
dialógicas
Campos da
atividade
humana
Família
Discursos/vozes
Escola
Sujeito
Sujeito e
Discurso;
Enunciados
Estado
Igreja
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TEMA 4 – O QUE SÃO OS GÊNEROS DO DISCURSO?
Como já foi dito no início desta aula, Fiorin afirmou que Bakhtin é um "autor
da moda". Vale ressaltar que a fala do professor Fiorin não tem, de forma alguma,
o intuito de menosprezar os estudos bakhtinianos, e sim levar à compreensão
correta das propostas apresentadas pelo autor russo.
Diz-se um autor da moda pois, no Brasil, a partir de 1998 (quando foram
publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais, em que há a indicação do
ensino a partir dos gêneros discursivos), muitos livros e professores passaram a
seguir os PNC como regra, quando, na verdade, os estudos do Círculo de Bakhtin
levam a uma proposta de entendimento como processo, não como mero produto.
Para compreendermos o que são os gêneros discursivos recorremos ao
próprio Bakhtin (2016, p. 11-12):
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temático do nosso discurso e assim por diante. Devido a este esse fato – a
comunicação por meio dos gêneros do discurso – é que se trabalha o ensino de
línguas a partir dos gêneros.
Segundo Bakhtin (2011, p. 282),
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na modificação de gêneros existentes e até mesmo em gêneros que caem em
desuso de acordo com a necessidade imposta pela sociedade.
Sendo assim, destaca-se que os enunciados se organizam em tipos
relativamente estáveis, logo, isso não significa em estrutura fixa e estanque, e sim
estrutura reconhecida, mas que passa por mudanças.
Dentro dos estudos sobre gêneros do discurso, há a divisão proposta por
Bakhtin, que separou os gêneros em primários e secundários. Essa divisão é o
que veremos a seguir.
FINALIZANDO
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REFERÊNCIAS
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