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Coleção Stylus
Dirigida por J. G uinsburg
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Equipe de realização - Coordenação e Organização:


Affonso Ávila; Revisão: Alice Kyoko Miyashiro; Projeto ..
gráfico: Lúcio Gomes Machado.
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Esta obra é publicada em
1 co-ediçã() com a Secretaria
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da Cultura, Ciência e Tecnologia
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MODERNISMO
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reúne os trabalhOs apresentados 111111 11

no curso CIO VI Festival oe inverno


dedicado ao Modernismo, realizado sob· o
patroclnio da Umversldade Federal de
Minas Gerais.
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Cf.AC,
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O Modernismo

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© Editora Perspectiva S.A.
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Direitos exclusivos reservados à 1111 f'll1t1
EDITORA PERSPECTIVA S.A.
1\ 1 1llh li " "
Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025
Telefone: 288·8388
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01401 São Paulo Brasil
1975

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I SUMARIO

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9 Este Livro
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\- I. CARACTERIZAÇÃO DO l\t[ODERi"IISlvfO
13 Modernismo: Uma Reverificação da Inteligência Na-
.-•' cional - Francisco l glésias.
II. A LITERATURA NO MODERNISMO
29 Do Barroco ao Modernismo: O Desenvolvimento
Cíclico do Projeto Literário Brasileiro - Affonso ·
Ávila.
39 Estética e Corren~s do ~fodernismo - Benedito
Nunes.
55 Modernismo: As Poéticas do Centra111ento e do Des-
centramento
. - Affonso Romano de Sant'Anna.
69 .F icção: As Linguagens do Modernismo - Luiz
Costa Lima.
87 · 1'endências Regionalistas no lv1odernisn10 - Bernar-
do Jllis.
103 A Crítica no Modernismo - Eliane Zagury.
"" lJ 1 Van.guarda: Um Conceito e Possivelmente urn Mé-
todo - Silviano Santiago.
I II. OUTRAS MANIFESTAÇÕES DO MODE RNISMO llTI LIV

fr 121 As Artes Plásticas ( 19 17-1930) - Aracy Amaral.
127 A Música - Gilberto Mendes.

f 139 O T eatr o - D écio de Almeida Prado.


153 O Cinen1a - José T avares de Barros.
APBNDICE: O MODERNISMO EM MINAS
GERAIS
.' 165 Gênese e Expressão Grupal do Modernismo em Mi-
nas - Fernando Correia D ias.
179 A Poesia M odernista .de Minas - Laís Corrêa de ,
Araújo. ,
193 A Ficção Modernista de Minas - Ruí Mourão.
203 Guimarães Rosa e a Tendência Regionalista. -:-- Nelly
Novaes Coelho.
213 Jnvenção: Os Novos e a Lição do Modernismo
Ângelo Oswaldo de Ara(1jo Santos.
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221 Colaboram Neste Volume
'
1 225 fndice de Ass untos e Referências
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r. ~ omemoração dos cinqüenta anos da Semana de


Arte Moderna, em meio às muitas e diversificadas
promoções alusivas, veio ensejar novos retrospectos
e balanços críticos do já longo percurso artístico e
literário que se conta entre a arrancada pioneira de
1922 e a atualidade criativa brasileira. Buscou-se em
conseqüência, através 'de exposições, conferências e
publicações as mais várias, fixar não só a imagem
histórica do acontecimento que assinalou nosso salto
para a modernidade estética, mas tan1bém os rumos
que daquele instante se projetaram tanto para o fu-
turo de nossa arte e de nossa literatura, quanto pâra
a conscientização mais ampla do que se pode cha-
mar a inteligência nacional.
Dentre essas promoções, destacou-se, pela sua di-
m.ensão crítica e universitária, a realização em Ouro
( I
Preto, durante o 6.° Festival de Inverno, de um curso
especial sobre o modernismo promovido pela Uni-
versidade Federal de Minas Gerais. Desde a singula-
ridade do local escolhido - a cidade barroca na
su a ambiência ainda ren1arcada pelos valores inaugu-
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rais de nossa cultura - , até a estrutura do progrruna
e seu alto nível docente, tudo concorreu para que a
iniciativa se convertesse num dos fatos de maior des-

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taque dentre as celebrações do cinqüentenárlo da Se-· dos volumes iniciais da 11ova coleção Stylus, a Edi-
n1ana. tora Perspectiva tem a certeza de estar tornando
Este vol.ume reúne os textos básicos das aulas pro- acessível ao leitor brasileiro, nota damente ao pro-
feridas cm Ouro Preto. A natureza intensiva do curso fessor e ao estudante universitário, subsídio daqui
impôs aos professores convidados certo rigor de sín- por diante imprescindível ao conhecimento e estudo
tese nas respectivas exposições, mas a abrangente do modernismo.
organização do currículo, alcançando os diferentes ...." 1
campos de manifestação do modernismo, possibilitou

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que dele se erguesse ao final uma totalizadora visão
crítica. Entregue cada aspecto ou setor .de ·abordagem
do fenômeno modernista a um especialista realmente
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categorizado, quer p ela atividade crítico-criativa, quer •,
pela atuação universitária, logrou-se com isso um en-
foque bastante dinã1nico e atualizado de toda a pro-
ble1nática· artística e literária emergente do movi-
1nento de 22. Esse di11a1nis1no e essa atualização po-
de1n ser aquilatados pela instru1nentação crítica e di-
dática 1nobilizada nos vários textos, onde os métodos
e técnicas vão do approach histor icista à análise es-
truturalista, dos quadros gerais às considerações mais
particularizadas. Se alguns dos ensaístas aqui reunidos
buscaran1 levantar do processo modernista um con-
junto n1ajor e sirnultâneo de significados e perspec-
tivas, outros preferiram centrar sua atenção em de-
terminados autores e determinadas obras, neles sur-
preendendo a caracterização mais expressiva dos ele-
mentos de consciência e linguagem acionados a par-
tir de 1922. Entretanto, harmonizando .tendências e
pontos de vista, há no núcleo de todo o volume uma
igual e mesma vontade crítica, que é a de demarcar
- sem concessões ao jí1bilo da efeméride - o ver-
dadeiro terri tório de formas e realidades co1n que,
nesle meio século, o modernismo ampliou o espaço
cultural brasileiro.
A inclusão, ein ap êndice, dos textos relativos ao
modernismo en1 Minas Gerais decorre nãô de uma
enfatização da iinportância do 1novünento numa de
~uas grandes projeções regionais, mas d& própria es-
trutura do curso de Ouro Preto. Promovido pela
Vniversidade Federal de Minas Gerais, não poderia
fugir - e1n razão de u in natural vínculo institucio-
nal ao contexto en1 que ela atua e cuja cultura inte-
!
gra e superiormente exprime - ao enfoque cio fato
modernista também en1 Slla vertente mineira. Essa
parte final, de que o volume se acresce e enriquece,
se. justificaria ainda pela contribuição fortemente ori-
ginal que os escritores e poetas de Minas trouxeram
ao moden1ismo na sua etapa de consolidação.
1•
P ublicando a presente coletânea em co-edição com
a Universid.ade Federal de Minas Gerais e con10 um
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Praça principal de Ouro Preto, nun1a aquarela do último quartel do século XVIII, vendo-se em destaque o antigo
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Palácio dos Governad'ores. Nesse mesmo edifício realizou-se, em julho de 1972, o curso con1emorativo do cinqüentenário
...,. . . da• Semana de Arte Mode rna, promovido pela Universidade Federal de M inas Gerais (original pertencente à biblioteca
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1 do lnstitnto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo). n111u ttJ••r,tt
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• MODERNISMO: UMA REVERIFICAÇAO DA
INTELIG@NCIA NACIONAL .-
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Francisco lglésias

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1- Tentativa de caracterização


O modernismo é o maior movimento que já se
verificou no Brasil no sentido de dar balanço do que
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é a sua realidade, com orientação eminentemente
crítica, de modo a substituir o falso e o superado
pelo autêntico e atual. Não é nosso propósito neste
breve ensaio defini-lo e caracterizá-lo pelo que fez,
mas tão-só dizer o que foi, na tentativa de explicar
por que se verificou: não é uma sociologia do co-
•1111 0111 111 .11. Umoquortel do século XVllJ, vendo-se em destaque o antigo nhecimento que se pretende, mas o esboço da si-
llt t~.I•! •• .. 11 , .., ... 1 t m Julho de 1'>72. o cu~so co.n~emorativo do cinqüe~t~nário tuação histórica em que se desenvolveu. ~ difícil
~1 ., ·l •1111 •·1.. 1o1>1 l'ed tlll do M !nus Gerais (original pertencente à b1bhoteca fixar marcos. Se é comum datá-lo da Semana de
"' ""'''"' ,,,. ,, Paulo) , Arte Moderna, de fevereiro de 22, não é possível
dizer quando termina - se é que já terminou. Em
sentido estrito, vai de 22 a 30; dando-lhe mais ex·
f tensão, pode-se falar de 22 a 45; com mais amplitude
ainda, de 22 a nossos dias. Não vamos optar por
' nenhum
. . desses
. .critérios, embora nossa
. análise se res·
tnn1a ao pn.me1ro momento, ou seJa, de 22 a 30. A
) data de 22 lembra-nos a Semana de Arte Moderna.
Se o conceito básico da História é a temporalidade,
a tarefa essencial do historiador é a periodizadora.
Periodizar é estabelecer marcos, que têm função so·

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exibe agora é forte demais para o convencionalismo
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bretudo didática, uma vez que o processo histórico 11lt1111 •
é fluido, per1nanente, contínuo, justificando-se os reinante, transformando-se a exposição em escânda·
cortes quase sempre por finalidade de facilitar o lo. Que cresce de proporções com o artigo de Mon- 1 lf\•-h•14 llt
1•111t4h11l•tlll1
estudo. E1n certos instantes, porém, assiste-se a algo
que é novo ou parece novo, quando se fixa o marco
teiro Lobato - "Paranóia ou mistificação?" - , que
faz do simples acontecimento u1n divisor de opiniões. '111 li......
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de mudança, que pode ser superficial ou profunda.
Se o processo é cadeia contínua, o certo é que há
Oswald defendeu-a, a artista passou a ser referência
e viu-se envolvida em campanha que não pôde en"' ,ll lJlll l11'.'111H 1', 1111
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rupturas. Como gosta de lembrar Bertrand Russell, frentar. Daí o juízo de Lourival Gomes M achado de 11

"o universo é todo feito de pontos e saltos", o que que ela foi "a . protomártir de nossa renovação plás- ;..:.'~':f"ª°TS' 11ll 1ll\1l11 d 11 1111 ''" .1 .. 1110
é transposto para a História por G. Barraclough, ao tica". Em 1919 é a vinda de Brecheret, com a ex- •1111 h·Hltttltt
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" afirmar que "a continuidade não é, de modo algum, . periência de inovações européias. Oswald em 21 l111tlllt1ht ,.
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a característica mais saliente da História; ( ... ) em anuncia o grupo modernista, cm artigo que provoca
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todos os grandes momentos decisivos do passado de- sensação: "O meu poeta futurista", sobre Mário e l • ••

paramos subitamente com o fortuito e o imprev~to, Paulicéia Desvairada, com citação de versos que cau- I', ,, .., 11°11111
o novo, o dinâmico e o revolucionário"!. sam espanto. Outros fatos ainda poderiam ser cita- 1 li 111011111 •h· 1 1111
1111
Parece-nos razoável o conceito, embora, a nosso dos. Di Cavalcanti expõe na Livraria Jacinto Silva. Hll "'"' ... I'
ver, ele não se aplique com rigor ao 1nodernismo no D ele teria partido, segundo depoimentos, a idéia da 1t1111, 1111 '"'
Brasil, que foi longamente preparado. Tanto que seus Semana de Arte Moderna, como exposição maior e •IH• 1!•111!#11
estudiosos apresentam antecedentes, alguns ·até dis- debates na mesma :livraria2. 1 ljlh •t l•tlll
cutíveis, como 1902, data de Canaã, de Graça Ara- Chega-se a 1922. A idéia cresce, levada que foi a 11lu1 li• tt'
nha, e Os Sertões, de Euclides da Cunha. Também Paulo Prado, figura representativa da intelectuali- '"'" ... •it•
é pouco razoável lembrar o discurso de posse de João
do Rio na Academia de Letras, em 1909, quando
dade e da alta burguesia paulista. O grupo de jo-
vens encontra receptividade e amparo dos círculos '
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fala na necessidade de renovação, por vago demais. dominantes de São ·P aulo, misturando a. intelligentsia,
Já digno de referência é o ano de 1912, com a che- os altos círculos sociais, a plutocracia. De conversas • ,, • ..1.i.111
·gada de Oswald de Andrade, con1 a novidade do no Automóvel Clube, pensa-se em uma Semana no ·d· ..... " lllt
futurismo. No ano seguinte há a. primeira exposição Teatro Municipal, com exposições de artes plásticas, ' ' l ti 1
de Lasar Segall, negação da pintura acadêmica; em
1914 é a vez de Anita Malfatti, que exibe o expres-
recitais poéticos, concertos, conferências. A comis-
são encarregada é o que São Paulo tem de mais tra-
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sionisrno que aprendeu na Ale1na11ha, sem reper- dicional: além de Paulo Prado - alta expressão de ili• lt •111•1 •I
cussão; c1n 1915 Oswald funda o jornal O Pirralho, historiador - , Antônio Prado Jónior, Armando .pen- 11111<1 1 011111'
que se bate por uma pintura nacional. Mais digno teado, José Carlos de Macedo Soares, Numa de Oli· .. 11 1.. 11111, , • •
de ·nota é 1917, em que se dá a estréia de Mário de veira, Edgar Conceição, Alfredo Pujol, Oscar ·Ro- , " •11111l111H
Andrade, corn o nome de Mário Sobral, em Há Uma drigues Alves, D. Olívia Guedes Penteado (a res- 1
• t l'11~lll t l•I
Gota de Sangue e1n Cada Poerna, que, sem ser pro-
priamente moderno, ainda marcado pela -poética vi-
sonância dos nomes é expressiva), alguns outros. A
direção é do acadêmico René Tbiollier. Há aí uma
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gente, tem elementos novos; o mesmo se pode dizer soma de equívocos generosos: de fato, nada têm a , ....... ,... flt
de Manuel Bandeira - A Cinza das Horas - e Gui- ver com a sensibilidade realmente 1nodema de Má- l 111111(tolll1t1 1
Jhern1e de Almeida - Nó_s. Menotti Dei Picchia ob- rio e Oswald, Di e Villa-Lobos, Br'echeret e Anita I· tttr•l li llW-11
tém consagração com Juca Mulato. Também publi- Malfatti, os nomes da comissão, figuras representa- h•llltlll~·· ''"'
cam livros, com sinais mais antigos que modernos, tivas do velho e pretensamente aristocrático São · - 1111\ltl• lllllllY
Cassiano Ricardo e Murilo Araújo. Oswald conhece Paulo, ainda inuito familista, ciânico. De 11 a 17 · -·· 11 nu •11 I'
Mário e Di Cavalcanti. O fato mais notável, no en-
tanto, e que vai fazer de 1917 um vrecursor signi-
de fevereiro realizou-se a Se1nana, ante aplausos e
vaias. Dela participaram muitos nomes que depois
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ficativo, é a exposição de Anita Malfatti, que traz, ganhariam realce, como Oswald e Mário, Menotti, ~1111At11·ltt 1·111
alem do expressionismo que aprendera na Alema- Ronald de Carvalho, Guilherme de Almeida, Villa- 11 M111l111 i
nha e já exibira antes, sua experiência nos Estados ·Lobos, Guiomar Novais, artistas plásticos (alguns l)llh·lt ' ..
lt·f ~IAt 111 1t
Unidos, sem falar na originalidade própria. O que só com suas obras, mas ausentes). Assinale-se a im-
.. ,.,,.,' •• l•·l1•1ll~
( 1) B•RRACLOUGll. G. Introdução d Hlst6ria ContenzportJ- (2) MÁJ\tO DA SILVA Bttrro, A Revo/llçao Modeml•ta, pp. 431- u1114'1111,, ,,,.,. 11h11111111
nea. p. 13. -48. Com mais pormenores, ilist6rla do Modernismo Brasileiro.
14 Mllf
r. j

.....,.. exibo agora é forte demais para o convencionalismo


portância da participação de Graça Aranha, já con-
sagrado como escritor e diplomata, da Academia
de seus problemas, que aparecia ein um otin1ismo
róseo - o porquemeufanismo que tem a expressão
lf h-11111111 ~1· .., r ·inanto, transformando-se a exposição em escânda- Brasileira de Letras, que apresenta em sua confe- clássica no livro de Afonso Celso, de 1901, ou no
,,.. 1111 1111111 lo. Que c resce de proporções com o artigo de M on- rencia, como espírito moderno, estranha combina-
•l~h· ••• li 111)11 ' teiro Lobato - "Paranóia ou m istificação?" - , que pessimismo negro e muitas vezes tolo dos negadores
U•n 11 111111 1'. CltZ do sin1ples acontecimento um divisor de opiniões. ção de elementos filosóficos e literários, em lingua- de tudo, que viviam em termos de comparação com
1111 111111 1110 t Oswnld defendeu-a, a artista passou a ser referência gen\ que nada tinha de moderna. Sua presença foi a Europa, que captavam ma1 a realidade (a única
in1portante, por dar atenção ao grupo jovem e, as-
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1fl 1u11I 1 1111•1•L 1
o viu-se envolvida em campanha que não pôde en~
frentar. Daí o juízo de Lourival Gomes M ach ado de sim, atrair as atenções convencionais dos bem-pen-
expressão alta dessa corrente aparecerá em 1928 com
o livro de Paulo Prado Retrato do Brasil, lúcido, ape-
•11ti.1~"... 1r1 quo ()la foi "a protomártir de nossa renovação plás- s~n tes, como se daria depois com a atuação do mi- ar de muitos equívocos). A contar da explosão de-
!111 111 ·lllltllh~ tica". Em 1919 é a vinda de Brech eret, com a ex- nistro Gustavo Capanema, que convocou artistas sarticulada do Modernisn10, supera-se a consciência.
t 11111 111 n'h( porlGncin de inovações européias. Oswald em 21 1nodernos para obras públicas, dando-lhes consagra- ingênua pela consciência crítica, que procura ver o
'li• t ) ~1:°' o.nuncia o grupo modernista, em a rtigo que provoca ção oficial. O certo, porém, olhando-se com a pers-
peet.iva da distância - cinqüenta anos depois - é
que é, sem deformações, como se assinalará mais
111 1 1111t~ 111 lo sensação: "O m eu poeta futurista", sobre Mário e adiante.
li ht1j•ll . f'aulicéla Desvairada, com c itação de 11ersos q ue cau- qu~ foi um. equívoco 1al presença na reunião pla- A rew1ião teve efeitos duradouros, pois quanto se
'1 Blltn espanto. Outros fatos ainda poderiam ser cita- nejada. e. fe1ta. O acontecimento sacudia a morna faz de criação no Brasil provém do que aí confusa-
1h11111, li 1,1..,1'-"' dos. Dl Cavalcanti expõe na L ivraria Jacinto Silva. fisionomia proviucia.na de São J>aulo, chamava a 1ne nt.e se pregou. Se teve aspecto iconoclasta, de des-
1111111· I li 1~ 1~ l Dele teria partido, segundo depoin1entos, a idéia d a .Atenção. F icou o marco inicial, en1bora, é claro não LrLlição de falsos valores, o certo é que se 'impõe pelo
l 1111lu 11111 . .Se1nana de Arte M oderna, como exposição m aior e fosse ind~spensável: ~en1 ela a 1nesma renovação se que realizou. De fato, os 111odernistas sentia1n o Brasil
1111111. ll1fl '.; dobnles na mesma livraria2. processaria, que 1:01 apenas acontecitnento retum- e querian1 renová-lo, repondo-o no verdadeiro cami-
li•tl10~1 ·· C hega-se a 1922. A idéia cresce, levada que foi a bante. Seu 1nérito foi sacudir o an1bie11te. E conse- nho, Jivre das ilnportações de gosto duvidoso e que
1111111 ~~~'Ll,{,Jl~ Paul.o Prado, figura representativa da intelect uali- guiu resultado por ter São Paulo como cenário: foSS< não se ajustavan1 à sua realidade. !Não importa a
1..~ ... 11 . dade e da alta burguesia paulista. O grupo de jo· no Ri.o e não teria n1aior repercussão. Os equívocos Jernbrança de que os expoentes modernistas eram
1111•1 '
1
vens encontra receptividade e amparo dos círculos que aí apnrecem, na união de pessoas de tendências europeizados, sofriam influências estrangeiras, tra-
uo1J1inantcs de São ·P aulo, misturando a intelligentsia, tão díspares, evideneian1 que -não se percebia ben1 zendo novidades por outros fabricadas - o que até
ois altos círculos sociais, a plutocracia. De conversas ' o que se passava. Era utna onda à qual se aderia, eles sabia1n. O que conta é que desejavam dar novo
no Automóvel Clube, pensa-se em uma Semana no cm parte pelo gosto de pioneirismo que leva o paulis- alento a u1na cultura que lhes parecia esclerosada -
'f onlro Municipal, com exposições de artes plásticas, ta a encampar o que lhe parece ou desconfia ser im- e e ra - , pondo o país a par do que se passava de
recitais poéticos, concertos, confe rências. A comis- portante, ainda que sem convicção. É o caso dos ele- novo no mundo. Se traziam fórmulas in1portadas
são encarregada é o que São Paulo tem de mais tra- rnentos organizadores da Semana, que a aceitaram para combater fórtnulas importadas, tinhan1 o mérito
dicional: além de P aulo P rado - alta expressão de pelo, f~to de que ~ dirigida por eles, no gosto de de trazer algo diferente e que era eficaz. A idéia de
historiador-, Antônio Prado Júnior, Arm ando -P en- dom1n10 em que <ú1~n1am sua suposta superioridade, un1a cultura autóctone, nativa, é sem base. l O Clas-
teado, José Carlos de Macedo Soares, Numa de Oli- como protetores de JOVens que _fazem su a festa, exi- sicismo, o Ron1antismo, o Realismo, o P arnasianismo
volrn, Edgar Conceição, Alfredo P ujo!, Oscar Ro- bem. talento e não afetan1 em nada a orden1 estabe- e o Simbolismo, como o Tomismo, o Evolucionismo,
lecida. o Positivis1no, o Liberalisn10 e outras fórmulas -
dduucs Alves, D. Olívia G uedes Penteado (a res-
•t•lll Ili 1 ft 1 801\fineia dos nomes é expressiva), alguns outros. A Séria ou piada, coerência ou amontoado de idéias artísticas, filosóficas e políticas - , adotadas aqni,
..111 jlll~·lh 1 direção é do acadêmico René T hiollier. H á aí um a e ír1tenções inorgânicas, o certo é que ela teve in1- sempre tiveran1 sua razão de ser. Seus aurores e ex-
Ili• Ili H 11• 1 fl'>"
I --.
, 801lHl de equívocos generosos : de fato, nada têm a portância e deve ser vista como marco na vida do poentes brasileiros não devem ser acusados de es-
''''º.. ( , ..• h . ver com a sensibilidade realmente moderna de M á· .Bras il_. O fato coloca ante nós problema que já se
examinou no campo da ciência social, qual seja -
trangeiros ou alienados, uma vez que os anin1ava a
l1<f ' ·llh·I 41!.1 i l 1 .rio e Oswnld, D i e Villa-Lobos, Brecheret e Anita construção de um Brasil em dia com o mundo, na
Hlllhillll l ~~rl Mnlfatt.i, os nomes da comissão, f iguras representa- o da "eficácia histórica". Há acontecime11tos que pa- tentativa de superar quadro antigo e esgotado. São
jllt• ll llll h 'l 1111 ti\'fls de) velho e pretensamente a ristocrático São recem fundamentais, retumbantes e Jogo ficam es- novas palavras que têm eficácia, se ajustadas ao real,
llW11lt l 1 111'1111 11 Pnufo, 11i11da 1nuito familista, clânico. De 11 a 17 quecidos, sern deixar sinal, enquanto outros, que não se não se perdem en1 simples jogos. Daí a importân.-
t11IA \'1 11, IH• 1•1 ' d fl'.lverciro realizou-se a Semana, ante aplausos e são percebidos o u parecem simples episódio · i ncon- cia dos expoentes de todas essas escolas, que deram
1t11 ·111 ~111 ~ l1tt.rl valas. J)ola participaram muitos nomes que depois seqüente - devia ser o caso da Semana na época contribuições a que se construísse um Brasil em con-
f11lll, •1111• 1111/ . 1}l'lídH,1rian1 realce, como Oswald e Mário, Menotti, - deixam vinco_ profundo. Tal é o episódio alegre sonância com a êpoca e ao que substancialmente era.
ltl 1111 /\ li•11111 Rooo.kf de Carvalho, G uilherme de Almeida, Villa- ~te fevereiro de 22. Vai marcar o Brasil, no campo O Modernismo foi mais cpnstrutor que destnlidor
IH 111111 l'•tl1nfn •Lobos, Guiom ar Novais, artistas plásticos ( alguns intelectual e com projeções no político. O que pa- - única ressalva que fazemos ao balanço que dele
111111111 11 ll·lli ~6 con 1 11\ll\S obras, mas ausentes) . Assinale-se a im- recia divertissement ou provocação era a prova de fez Mário de ~.ndrade em 1942, em conferência que
que o país estava farto de fórmulas gastas e preci- se refe~rrá adiante. De fato, seus seguidores é que
(:1) M ~~10 St~VA Barro, A Revolução Mc<krnlsla, pp. 431-
nA sava redescobrir-se. Superar a consciência ingênua
8, Corn n1nls 1>0rmcnorC11, História do },{odernismo Brasileiro. descobr1ran1 o passado artístico do país. O barroco
MODERNISMO: UMA REVERIFICAÇÃO. . . 15

1
1 1
1

mineiro, por exemplo, até então era desconsiderado, conheceram, pois, o que era válido no passado, e, '"t$11t 11 1 11) ... ,....,,, 14
como o Barroco no mundo (o reconhecimento de
suas realizações é recente). Os modernistas é que
através de investigações e poder criador, realizaram
trabalho admirável em todas as artes. Daí - para
,.~11111111 1 ...
......,,,,,....,
v"~-11 1tlt

11~111• li . ,
v.isitaram Mínas, cotno se viu com Mário antes de ficar apen as no plano literário - a força criadora "t ,,., ... •1
~m~1nt!l • 111114 ,....., .
1920 e depois, em 24, com a caravana de escritores, de um Oswald e de um Mário, que incorporam à
história, o índio, o negro, o ünigrante, como se vê
........ ,,..1
como foram à Amazônia, a-0 Nordeste, ao Sul. Eles p•l•fl l1•lt1• • '"
em seus poemas e romances. Lembre-se apenas, co- '11Últf .. tjlll· 1·111 •jll• "'""l"w
- Mário sobretudo - é que perceberam a riqueza l•th•lhl111l11
artística do que se fizera no fim do século XVIII n10 incorporação do que há de mais rico e signifi- .... 111111 ....
cativo no universo popular brasileiro, a rapsódia Ma- • 1•11• '" 1111
e fora visto como aberração ou excentricidade ao diz cob
.. longo do século XIX; Bilac, que viveu forçado al-
gum tempo em Ouro Preto, nada percebeu, passan-
cunmma, de Mário, de 1928, que só poderia ser es-
crita por quem conhecesse e tivesse assimilado quan-
f 1TllÍll h• 1\ 11
oloul"' 11 111

,...,...,...
to se fizera no Brasil. Não fosse ele o folclorista de
do indiferente ante igrejas e estátuas que não tinham
... ....,..,,,"
.. 11111 1•111
tantos estudos que estão entre o que há de melhor t ' " \1 .. 11 1t11t.
a forma clássica. ]}. M ário dl<YG.~Sc-CLpcimeiro estudo.. . \TJ1f1t •••
- se não o n1elhor - do que se fez n<i gênero entre
crítico d_L_valoLsobre o AleijadiJ;1ho, con1 a pul9li~ u11tlo 111111'•

ca_ç_~º __de_.11rtigos desde 1929 • . Eles <lé.sê06i·irãiü - o - nós. En1 conclusão : não era o gosto de destruir por Y:a • 1 • ''t' 1111<111•1- , ...
destruir, mas a necessidade de limpar terreno para 1111 ,,~ ti
Nordeste, a Amazônia, o Sul, em viagens que foran1
nascer o autêntico e novo é que aniinou os artistas l 111111
algo n1ais que turismo. Valorizaram a modinha tra- "" 1
verdadeirarnente criadores e modernos que se im- ln'~ o cnttdo "n!Udllmcatt · .
dicional: também ai distingue-se Mário, estudioso de
inúsica. Pode-se imaginar o que sentir ia ante a des-
põein a contar do 22. ,to, oa anttS : '"' " 'I''"
.t.. 1• 11111 ti ,,
I • Na tentativa de conceituar o Mode1nismo, por cer- ~t111h·1hl•tll
coberta do passado rico de compositores eruditos
ll~ t fu~1 º~~ 5:~16~1i i:i~::
to nada se escreveu superior à conferência .de Mário 1.. •••.••••• 1
mineiros do século XVIII, por Francisco Curt Lan- de Andrade - O Movim·ento Modernista-, há pou- 111•1 111111
ge : n1ostra-sc ai que o barrqco_mine_iro __é _re~Im.ente _
co citada, feita en1 1942 na Casa do Estudante do .,.,,~.. .,, ,,,
o primeiro grande 1no1ncnto de criatiyidade artística o •1Bnlf1oado elo qu
Brasil. Trata-se não s6 de admirável análise crítica
no BraiiÇ a música figurando en1 posição de relevo con10 de extraordinário docun1ento hun1ano, uma vez .
~··· 'Jllit •••.•
ao lado d-a literatúra e das artes plásticas, que já se
conheciam, de n1odo a revelar uma consciência artís- qu~ o _autor evoca o que se fez e qual foi sua par- li '
~1,, •. '"' ••·Ili •p•
tica completa e que é dos instantes decisivos da cria-
ção no Brasil, talvez o mais equilibrado e rico, em
ttc1paçao, em exame do que se verificou e do que
se obteve. 1:: estudo objetivo com algo de memórias. ' ... 1111• •Ili"
.. 1 1111·•1111••
tu

área distante e en1 processo de decadência. Além da


Parecem-nos corretas as posições que assume, ex- 1',.,,1.,1'''".,.,,. ,,.,,
ceto o acento que confere ao elemento destruidor,
arquitetura colonial, os modernistas foram os pri-
n1eiros a valorizar o que se fez no século XIX - o
embora, como escreveu, •·•·Ili
1
chamado estilo l mpério. Tiveram o culto do folclore.
Voltaram-se, pois, para as raízes da nacionalidade,
esta destruição não apenas continha todos os germes da
atualidade, como era uma convulsão profundíssima da
1 ,,
,,,.,, ,.,...
11 11111• ' 1

, 11111·1•ttlH1I
identificando-as com justeza, descobrindo-as freqüen- realidade brasileira.
temente. A revelação desse passado, que não se co-
nhecia ou não se compreendia, compensa os ataques Assinale-se a síntese, que é essencial: .,
,., ..,...,,.., ..
11111\ ll!ll•llh•

1•1•1 lftlltl li ,
que fizeram aos monstros sagrados da época, nota-
li 11~·1111 1111
.damente do Parnasianismo e de um pretenso Clas- o que. caracteriza esta realidade que o movimento rno-
s~cismo, cujos expoen.tes eran1 Rui Barbosa e Coelho <le~11llla in1pôs é él fusão de três princípios fundame.ntais: 11•\'l•ltu ri '
1' f .\ h•I l1t1 V hlH
Neto. Se riram dos monu1ncntos e estátuas, dos es- o Uireito pern1anentc à pesquisa estética; a atualização
da inteligência artístici~ brasileira; e a estabilização de 1lo1 1111111 ..
tilos italianados comuns, com obras importadas pron-
urna ce>osciênci;l críticn nacionaJ3. ~11111·11111 li
tas ou feitas por artistas de segunda orde1n que eran.1
contratados, soubera111 reconhecer quanto se fizera "'' 111111 ,,
antes e tinha autenticidade, no ajustamento ela obra E1n passagens anteriores - .princípio da confe- 1h·•l'lll 11111•11'
• •
renc1a: ,...... t 11111
à p aisagem, ao 1nesmo tempo que pesquisavam para • t ªª' ltt.' •••1• ••4• I, 1 111 h•tll
1111· li ..,,., 1
realizações, 111uitas das quais impuseram como valo-
res definitivos. Aos processos n1usicais europeiza-
manüestado especialmente .pela arte, mas n1anchando 1 ·ti "'i,,r,. •r, rl ,'f'f,il rr•t•'"'' ,,,, ··'· ,,.,, .., , , 11 llh·Uh Ili ~I·
Ili.....
:\ tU•W'-' I•• • j ••
também com violência os costumes sociais e políticos, t••·I·•
dos, então comuns e bem recebidos, substituíram as o movimento rn.odernista foi o prenunciador, o ~-
11'
1 ,, ,, ...,. ,,,, 1\ t .• ' 1, t .1. •• '1 1 fu 1, •• •
,,, t, ~•ll•r.c 1: 4' ."
novas formas que resultam de pesquisas que incor-
poram o folclore, como se vê em Villa-Lobos. Re- (3} ANDR~D.e, Mário de. O Movimento Modernisra. p'. 242.
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Ho 1111
ltlt•tt<•
1 Ili

16
•-•til'"'l1 ) • ., , •• ,, t OODb coram, pois, o que era válido no passado, e, rador e por muitas partes o criador· de um estado de pos mais próximos, da pesquisa desinteressada, da reno-
lt ••• , ••••• •• 4tt Dtr véa de investigações e poder criador, realizaram 'bspíffiõnacional. vação filosófica, do livre exame das questões de caráter
"'"''". ,,,..
. , •• 1)4il1 t ,,,
trDbnlho admirável em todas as artes. Daí - para
tlonr npenns no plano literário - a força criadora Mais adiante:
sociológico. Fugindo, porém, à minúcia, marquemos so-
mente o efeito maior do Modernismo na história da cul-
de u1n Oswald e de um Mário, que incorporam à tura brasileira que foi, indubitavelmente, a eliminação
••• 1 'il tlf•••' ~j dos arrepelamentos azedos e do abatimento sorumbátíco,
''" '•1•1 1 ll
hlst6rio, o fndio, o negro, o imigrante, como se vê foi uma ruptura, foi um abandono de p-rincípios e de que revelavam um como-que-incurável complexo de in-
,.,. l ,,,,,,. 1,, om l!CU& poc1nas e romances. Lembre-se apenas, co- técnicas conseqüentes, foi uma revolta contra Q...~ era ferioridade secularmente embricado na personalidade inte_
mo Incorporação do que há de mais rico e signifi- ;\. inteligência naeional4. · Jectual do Brasil, e sua substituição por uma calma cons-
(111111 '\li
oatlvo no universo popular brasileiro, a rapsódia Ma- ' ciência de nossas verdadeiras e curabilíssimas inferiori-
llt 11
1
,,1 ••• 1.
l••lt.·ltl11
1l• !

c11na11na, de MáTio, de 1928, que só poderia ser es- :e justo o que diz sobre São Paulo, cenário da dades. O que - parece - é bem saudável7.
t
or!ta por quem conhecesse e tivesse assimilado quan- Sen1ana:
.J lt ,. t 1•(•1 •·t••
to QC fizera no Brasil. Não fosse ele o folclorista de Depois, n1uito aconteceu e sobretudo muito se es·
11 Ih 1 li t tfi>11 V
tontos estudos que estão entre o que há de melhor urn;t cidade grande mas provincian!t; ( .. . ) o Rio era
IHl•I! 11 1 ·1J1nll 1nuito mais internacional, como norma de vida ex- creveu sobre o movin1ento, notadamente agora que
1111-t !I ~1111 •
- ec não o 1nclhor - do que se fez n11 gênero entre terior. ( . .. ) São Paulo era espiritualtnente muito n1ais se celebra a Sen1ana. Centenas de a11igos e depoi-
·'lolf t11.,, •..• ,.....1... nda. Em conclusão: não era o gosto de destruir por rnoderna porém, fruto necessário da econornia do ca(é mentos permitem ver melhor o significado do que
... • ,,., t11 ••
delltruir, 1nas a necessidade de limpar terreno para e do industrialismo conseqüentes. foi. Há muito de passional em quanto se disse, a
•••• ,.1, •• 111• . n11ocor o autêntico e novo é que animou os artistas favor ou contra. Do que lemos, preferimos incorpo-
vorduúoinunelltc criadores e modernos que se im- Lembra o -sentido "nitidan1ente aristocrático" do rar o que é inforn1ação, enriquecimento do quadro.
põem a contar de 22. rnovimento, os salões: deixando de lado os aspectos valorativos. Não foi o
I• N11 tcutativa de conceituar o Modernismo, por cer- Moder.nismo que fez o Brasil, que ele ve1n sendo fei-
to nadu se escreveu superior à conferência .de Mário e vivemos uns oito anos, até perto de 1930, na maior to desde o século XVI, uotadamente a contar de
do Andrade -- O Movimento M odernista-, há pou- orgia intelectual que a história artística do país registra. 1822. Não foi tambén1 uma página em branco, epi-
co citudn, feita en1 1942 na Casa do Estudante do sódio sen1 significação, sin1ples barulho de jovens
Uruall. 1'rnta-sc não só de admirável análise crítica Não exagera o significado do que houve: irrequietos ou festas de salões da burguesia paulista,
oomo de extraordinário documento hun1ano, un1a vez com ecos no Rio e bem menos em outros pontos,
•f .,... .... . .. . . . .
quo o autor evoca o que se fez e qual foi sua par- o movimento ele inteligência que representamos, na sua ou sem qualquer eco, como pretendem analistas aze-
' l4'ttt ,,, ,, f ,
llolpação, en1 exame do que se verificou e do que fase verdadeiramente modernista, não foi o fator das
mudanças político-sociais posteriores a ele no Brasil. Foi dos que tudo negam ou outros que reivindicam para
obteve. 1?. estudo objetivo com algo de memórias. essencialmente um preparador; o criador de um estado si mesmos ou suas Províncias as glórias renovadoras.
1 f ct
Pnrcccm nos corretas as posições que assume, ex- de espírito revolucionário e de um sentin1ento de arre- O fato é que a Semana foi excessivamente comemo-
1t1•••1 fl
octo o ocento que confere ao elemento destruidor, bentação6 rada na imprensa - o que não deixou de ser um
lt+ '• i \
omborn, como escreveu, bem - , com depoimentos, apologias e detratações.
, .I;• l1•I A perspectiva de Mário en1 42 parece-nos válida Ficamos com os depoimentos e deixamos o valora-
Gil~ dcslruiçiío não apenas continha todos os germes da e exata, em linhas gerais. tivo. E les nos fortalecem no que pensávamos e fora
Aluulldnde, con10 era uma convulsão profundíssima da Gostaríamos de acrescentar a esse juízo, expresso convenientemente escrito por Mário de Andrade. O
r nlldndc brasileira. por um expoente do episódio, o de um crítico lú- n1ovimento foi importante, sem ele não se pode com-
tf l(t; ,,.!,,, ••. A1uinale-sc a síntese, que é essencial:
cido que soube entender o que houve ·e escreveu um preender o Brasil de hoje. A perspectiva histórica já
f'J••ll 1. llttlt
livro que é "retrato da arte nloderna ·do Brasil" - permitê a justa avaliação. Foi um momento de cons·
ootadamente das artes plásticas (deveria ter sido re- trução do Brasil, crítico e criador. Contribuiu para
l•·l?.~.. '.';'ff ' ,,,,.,
o quo. ctuacteri7a esta realidade que o movimento mo- editado n as comemorações do cinqüentenário, que revelar a verdadeira fisiono1nia nacional. Podia não
••11·~· •. ' ••t-4lt1 d9n11Wh inlpôs 6 a fusão de três príncípios fundamentais:
está entre o que de melhor se escreveu sobre o te- ter havido a Semana e a transformação se verifica-
., •••••. 1111•1 t ', o Ulrelto põt•n1ancntc à. pesquisa estética; a atualização
' ' ft6)lrt11 1•+ • ti , da Inteligência artística brasileira; e a estabilização de ma) . Diz Lourival Gomes Machado, em 1945: ria. Houve, e teve eficácia. O que conta é o mo·
umn consclencia crítica nacional3. vitnento, não a reunião festiva. Pena a crítica que
1·111 ''"' ' 1 •111 Tudo adquiriu nova feição na nova era e mesmo fez não fosse 1nais profunda, orgâ1úca e coerente,
1111 "' ''" ,.
Bn1 pussngens anteriores - .p rincípio da confe- fatos tão longínquos a ponto de parecerem independentes, desencadeando verdadeira mudança qualitativa do
, •• , •• , tl11 11ft11
deven1 sempre alguma c-0isa à renovação, o que parece
·~·•·t• ~ttl' ,, .•• ,.: _ rOnola.: acontecer em particnlar con1 o encarecin1ento, em tem- país. Não havia amadurecimento ainda, mas cabe-
1 1 ••+t111 \ ,f,, ·lhc o mérito de ter dado o sinal. O n1ovimento frag-
manlfOttnclo especiiiln1ente pela rote, mas manchando (4) ANOltADE, Mário de. O A-fovi1nen/o Motler11ista. pp. 230 e rnentou-se en1 correntes até opostas, às vezes foi da·
li• 1 111 "I" 1.. 1 .~ Ulmbdm com violência os costu1nes sociais e políticos, l-JS.
i:.1111111 ,,,,, ' noso, pela falsa colocação social e política. O que
o mcvfmonto 1l\odernisla foi o prenunciador, o pr~-
..

+1
~ ....

lt+I"'''
,, •• 1 .,

llo (a) ANO~AD~, Mtlclo de.


--'
O Mov/n1ento Modernista. p'. 242.
(S) ANDRADE, Mário de. O .\1.uvitnento Modernista. pp. 235 ~
236.
(6) ANDRADE, M ãrio de. O Mo••imento Modernista. pp. 236, 238
e 241 •
(7) GOMl!S MACHADO, Lourival.
o,a.rll. p . 91.
Retrato da Arte Mod•,na do

MODERNISMO: UMA REVERIFICAÇÃO . . . 17
l,v f,f ·,
. • (+

••111111 ..11111 11 1111111 111• u,ofdwt••'IJ 1\1~1·"· 1••111 1111v4"1 1111 ··lttllt 11111 •
aconteceu depois, direta ou indiretamente, está vin- - 1889-94. O grupo tradicional conhece certo aba• 1111 111 '' • 11111 lhu ui líll•11iiul1t1 111•1l1 1·11u11•1111 h11 •111111t 1(11 111111111 ••
culado à revolta de 22. F., razoável, pois, que se tente lo, com o domínio dos militares e uma política eco- 1Hltl111 11f h'I iro il 1111011•11jH 1\111~1 ll 1'1 JIJ1Htc"t11 Nll11 ,, llltll
traçar o quadro que levou à contestação e o rumo nômico-financeira ousada, no Ministério da Fazenda l 'l'\.•lllh u ' ' 1•11114•1"1111 {I 1u•1
•• 1( 1·111;1\11 lt<111HíhJ1J •1ncU1 f 11111111111
que teve o protesto. O que se. pode COQseguir com de Rui Barbosa, com o conhecido episódio do En- 1111li111l11 • 11111 "" , 111 11.. li\"JOl'l111 ~ 1 111• tlll11·n1111111 n • 11111 jlltlhUlll' 1
cilhamento. O segundo vai de 1894 a 1922 e é fase 111111h11 11 ' 1rl1111c ht' 11 11p11~'1,íll t •tllt" t IYI~ 1• 11111111111•11, lllh·h• llltl
o esboço da ambiência histórica dos anos que an-
tecedem e sucedem 1922. de muito interesse. Eleito o primeiro p residente civil, 111111 llt t h• 11 1111p111 h lltl•• ~· 1 , i lí'tdo 1lt' lltlt lfllll'" , .. llt u 11111
inicia-se o domínio dos grandes Estados - São Paulo 1h• pu l •'Hh"t 1t1i·11l 1 1 1 "'''' ...a•lii•~11·1tllo11111 f\U 1 '\n'\ h
li - Quadro histórico 111111 1111111.pi• Jttv1•111t ui 11 n 1ur1l111t•11 11111 11,1 lt111•-
e Minas Gerais. São Paulo dá os três primeiros che-
fes civis, alternando-se depois paulistas e mineiros · ••1t• v1•lho~ 1 lu•Ji·• 111 1 vllrd11 1111 1111• 11101
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por crises sucessórias - 1909/10 e 1919. F., o pe-
A história da República tem recebido importantes ríodo que se convencionou chamar de retomada do 1111• 1lllt <•11•
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contribuições, em data recente. Até há pouco ~ra poder pelas oligarquias, que conhecem esplendor nun-
mal conhecida, pelo engano con1u1n em historiaao~ ca atingido antes. O fcdcralis1no distorcido explica . 1'•1111..1111' li
res de que só se deve1n preocupar com períodos re- o fato. Sua projeção é a "política dos governadores" , .... ... 1" "'...' ,....,, 111.. 11h1 hui~
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cuados. Os estudos de sociólogos, economistas, cien- ou "dos Estados", inaugurada ;por Campos Salles e ·
tistas políticos e outros, ben1 como a verda- que representa a real negação dos ideais republicanos · 'tlh 1 1•1111111
deira obsessão dos estrangeiros - sobretudo norte- e ó co1npleto desvio do sistema federal. Em conse- 111111 ~ .. li 1·
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·an:tericanos - con1 a República, em perspectiva his- qüência da troca de favores que se institucion aliza ·
tórica que nos parece muito exata - o desejo de - os poderes dos Estados e da República se com.'. Ili<\ 1 11111 1•
aprofundamento ela realidade atual - ' levam a ra- 1 11111 •11(1"1 t
. pletam em suas pequenas e grandes ambições, com . , llllt ,, 11•••• 1
zoável ciência do período. É claro que falta muito o desconhecimento do povo - , fortalecem-se de vez
ainda a ser visto, n1as o que há já permite certo
exame do que vai de J 889 a 1930 e mesmo depois.
as oligarquias. Aos poucos vai ganhando mais corpo
a política viciada, no que se via co1no a negação da I,.,, ,.,
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Sabe-se que o sistema não alterou profundamente a prática correta - os famosos vícios da República 1'1·11111• ....

ordem que vinha d a monarquia. Movin1ento feito por


grupo militar com o auxílio de políticos descontentes
velha, oligárquica e fundada em falsificações de todo
tipo, em que o povo não conta. Ao lado desse as-
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con1 o trono - às vezes por motivo pouco nobre pecto, verificam-se lutas, como a história melan- 11111..111 11111
1111• ~111 li t •
de desagrado con1 a abolição do trabalho escravo cólica de Canudos - que não conseguiu despertar 1 " ' , ... 1111.1

- , teve pequena participação popular, tal como se


verificara com a Independência. O resultado é que
se organizou o novo Estado em função dos interes-
as atenções oficiais, a não ser a repressiva, para a
tragédia dos sertões - e outros protestos, coroo a
luta contra a vacina, a revolta dos marinheiros e
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ses dos grupos ativos que derrubaram o regime. O outras, que sempre houve a contestação, ainda que ,_,,,.,,~[IJ • u. l1tl'\ t Ili 1•1,111,
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importante, no entanto, é que já não existe o es- frágil e logo abafada. Verifica-se também .certo bri- 'i• 1 ' 1 ·~11~1·lm1 1111' • 11111 11 l'I ~•lltilll "
cravo, impõe-se o trabalho livre. Crescem em ex.- lho epidérmico no que se chamou de belle époque 1111 111 1 0~1\1• .1 "\/ 11 . o 1 1.~M. 1•t•11t•ilt; 110 tjllt• 1• 1111
i--pressão os grupos médios, surge o proletariado, mas brasileira, sobretudo no início dó século, com ·as lllllh•••• L'll l l1!thí!1 • 1Jl ll 1 . 11111111/ Íll ,,, ... ll11llJ11111t11, ttlllA ll11111ltf
• !" cresce ta1nbém o poder do grupo dominante, que é grandes obras de e1nbelezamento e saneamento do •1111· 1llh1 1111Y1• l ll1f •t11•111111 1 tollr.I•"•,
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.::·:"' ·o, da grande lavoura para a exportação - a burgue- Rio, o prestígio social dos salões, as propaladas afir- 'Oh • l '1111f11 t ltht l ~ll·11 l1 Wll'l lf t !lll Mlll 1 1n1~11) t''t cf1, YI 11111·1'-·ll h
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sia agrário-exportadora, com base no café, mantida mações de Rui Barbosa no estrangeiro ou o invento 1111, •1111• IP\11111~ 11 IUlllJO,;l 11, 1 1 ~ 11··· ·~ il'ltUll h•t l1i1 h 1yl11 )111 li 11111
a característica econômica de produzir para o exte- de Santos Dumont, além de um grande momento •lluph·•. 1tt11~ q111 ~ n1.q1111l111lh ' · • 11111 ~,, 1111 1111111•, 1111 l l'l, l•llllltt
rior, origem• dos recursos financeiros e de todas as literário, cujo expoente é Machado de Assis . O café . 1 11111 1111 111 111 111!11•1 11· h 11fl l ~n•i.
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dificuldades cambiais e orçamentárias. Instaura-se a atinge a superprodução, que requer política inter- · 1 h ltt't, orlilJ 1 l11•1 1,f'I V1'l 'Ili> " Ul'll lJ)l1ll111l1~ llllll • 1Hl• Ili 1 1•1 l 11" ...111.. 1111 •
federação, para atender às reivindicações regionais, lhll~lljAl•ll~ 1 ttlH 1'111111 f'll'•Tl'~l~ll 111111>1 .\<IV.I, t t1IHt1 f. 11 •11111•11 ,...
vencionista do Estado. A guerra de 14 desenvolve ·
que vinham de longe e são das causas mais sensíveis o impulso industrial que vinh a de antes, impondo-se 1 11•11 1h• ,'i11l NJ,~ l\<v111th1u 11•u l11'1 11\1 1 11111 1 11~!111 1111h 11t
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da qued a da monarquia. Como escapa a nosso pro- o modelo chamado de "substituição de importações". .
pósito o estudo com minúcias, vamos apenas lem- Os erros políticos e o n1cnosprezo do social são de- ...11 ~11, 1•11111 11111h 111' 11 t1· 1·111 ,'ti111 1'01rl~• < 1 1111l1t 111-.11 ~ 1•• ti 1111l11 1111h1 t
brar a periodização que já se convencionou e tem nunciados por vozes isoladas, que não ecoam, como 1 111v11<1 •• •111111•1111\1 111 1111 1·•1111111)11'1111•1, 11 11111• 111111 •I' 1lt· 111111 li•
alguma funcionalidade. 1h11•11 1!1111 •1 1 11111 1t li 1 t111h111.l 11 1' 1•11 1111• 11<11 IUtHI .11: \li •· Hiii ,._ 1411
se vê na solidão dos que clamam pelo melhor enca-
• 1, Reconhecem-se então, de 1889 a 1930, três mo- minhamento do problema do tral>albador. O presi-. 1ln, lt•lll 111 l•11t 1f•1 '111 H 1111·111.!1111,_:111• •11•1 1nl, •1ir1• 11111111• tl11• ... 011
mentos: o primeiro é marcado pela presença militar dente Epitácio Pessoa, que surge de impasse provo,
18
cado com a morte de Rodrigues Alves, tem governo ciam cm seus países - sobretudo o Anarquismo - ,
llit, •~I ~ VIII - 1889·94. O grupo tradicional conhece certo aba· forte e com fim acidentado, pela campanha suces- de rnodo que vão dar forma às tímidas lutas de 1890
''"'' ... ll'llh• lo1 co111 o domínio dos m ilitares e uma política eco- sória crítica, na disputa entre Artur Bernardes e N ilo a 1930.
li .. 41 1111111• !lOJDlco·fln nnceira ousada, no M inistério da Fazenda Peçanha - a Reação Republicana. O processo é per- Quando se instaura a República, o Rio é mais im-
Oll"jillll •••Ili de Rui Barbosa, com o conhecido episódio do En- turbado com as cartas falsas que dificultam a cam- portante que São Paulo, área cujo progresso tem
lllh .,.... •li• ollbnmento. O segundo vai de 1894 a 1922 e é fase panha. Explora-se a oposição entre civis e m ilitares, início em 1870, com o café, depois a indústria. Ve-
d multo interesse. E leito o primeiro presidente cívil, com êxito. O importante é o surgimento de um grupo ja-se o movimento populacional: em 1900 o Rio tem
fQiala~e o domínio dos grandes Estados - São Paulo de patentes médias no Ex:ército - o Tenentismo - , 691 565 habitantes, São Paulo 239 820 (em 1890 ti-
Mluns Gorais. São Paulo dá os três ·primeiros ch e- que agrupa jovens oficiais com p adrões superiores 'nha 65 000); em 1910, os números são 905 013 e
f clvls, alternando-se depois paulistas e mineiros aos velhos chefes, pelo estudo com a vinda da mis- 375 439; etn 1920, 1157 873 e 587 072; em 1930,
ll presidência, com eventuais exceções provocadas são francesa. Têm preparo técnico a mais entendi- 1 505 59 5 e 887 81 O. Como se vê, o índice paulista
por or!Stlll sucessórias - 1909/10 e 1919. S o pe- mento da realidade: julgam-se com tarefa regenera- é mais alto q~1e o da Capital, o que vai fazer que
1 1111111111111 1h•' rtodo que se convencionou chamar de retomada do dora, com algo de m essiânico, que apreende o país nos decênios seguintes São Paulo se avantaje, como
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li l•I 1 fJõclcr pulas oligarquias, que C?nhece~ iyp~endor ni:n-
on ntlngldo antes. o federahstno distorcido expltca
corno um todo. F. algo. de novo que surge, a denun-
ciar os erros da política. O grupo não é pacífico e
cidade relativamente ao Rio e como Estado relati-
van1ente a Minas. Outro dado de relevo é o cresci-
,... , ,,,.i.... li . O to.to. Suu projeção é a "p olítica dos governadores" parte para a luta. O pri111eiro n101nento é a revolta mento industrial: no .censo de 1907 o R io te1n 1/3
11111•1,. •• 1 h•1 OU 11dos Estados", inaugurada por Campos Salles e do F orte de Copacabana, em julho de 22. Surge da p rodução, São Paulo 16,5%, enquanto e1n 1920
qu11 r6pre11onta a real negação dos ideais republicanos no cenário un1a .força que vai pesar n1uito e dar ou- São Paulo te1n 31,5% e o Rio 20,8%. São Paulo tor-
o ó con1pleto desvio do sistema federal. Em conse- tros r umos à política. Daí 22 encerrar a primeira fase. nou-se o centro industrial mais notável do país, em
qU~ncl n. drl troca de favores que se institucionaliza Assinale-se ainda que o país mudou bastante ab surto que vem desde o começo do século e se acen-
- oa poderes dos Estados e da República se com- longo dos trinta primeiros ;mos da República. Se a tua com a guerra de 14. Riqueza básica é o café,
pl tum ern suas pequenas e grandes ambições, com substituição da n1011arquia não teve significado pro- c uja superprodução preocupa os responsáveis pela po-
O doaconhecilnenfo do povo - , fortalecem-se de vez fundo, pesou o estabelecimento do trabalho livre. Eni lítica desde 1890. A exportação e os preços varian1,
OllE)11Tq1.tias. Aos poucos vai ganhando mais corpo decorrência, a estrutura social, vai aos poucos sendo provocando <JUOlentos de estoques que geram pro-

• ··~ lflt" ·'······ a poUtlca viciada, no que se via como a negação da .1 n1odificada, como se assinalou e deve ser repetido, blemas. Daí as necessidades de intervenção dos go-
!llll IH11tw11lo pràtlco correta - os famosos vícios da República com o surgimento do proletariado e oportunidades vernos no n1ercado, como se vê sobretudo com as
11111 "'"" 1111 V lhn, oligárquica e fundada em falsificaçóes de todo cada vez maiores para os gru.POS médios, ao m.esn10 políticas de valorização, a primeira das quais é a de
.1..., ...... 1111· tl.po, 0 0-1 que o povo não conta. Ao lado desse as- tempo que a burguesia agrário-exportadora se 1906. O mercado instável é ameaça :permanente à
fllltl• •• 11111111 pecto, verificam-se lutas, como a história melan- fortalece e vai ganhando consistência uma bur- ordem nacional, que depende dele. A preponderân-
1tll1t 1 1 ~-· l •• \"4. o611on do C:inudos - que não conseguiu despertar gu esia comercial e industrial. O Brasil de 22 cia paulista no plano brasileiro está Jigada ~ essa cul-
lt1f • llHll• "' !la Ol.et1ÇÕes oficiais, a não ser a repressiva, para a não é o mesmo de 891 evidentemente, ·que tura, cada ve-1, 1nais crescente. São 'Paulo dá, no sé-
1l11ul11 e qro tr g dln dos sertões - e outros protestos, como a aos poucos se impôs mudança qualitativa, além da culo XX, até os anos 40, cerca .de 70% da pro-
1huo 111!1 l 1 ~ lut contra a vacina, a revolta dos marinheiros e quantitativa. Se a população nacional era 14 333 915 dução, cultninando em 17/18, qua.rido atinge 78%.
•• 11·jll111· • Ql.l.t1' 9, que sen1pre houve a contestação, ainda que em 90, é 17 3 18 556 em 1900, 30 636 605 em 1920, O café é que explica a distribuição populacional, o
... 1111 .. 1•• tt •••
. fll\(ltl o logo abafada. Verifica-se também .certo bri- 37 625 436 em 1930. Cresce notavelmente com ·a prestígio e o declínio de cidades, em curioso roteiro
1•1"111 ••Ili ··~ '' lho pldér1nico no que fte chamou de belle époque imigração - 2 575 3?8 de 1891 a 1920, ~eríodo de que já foi objeto de muito estudo. Â rede ferroviária
l111hul11, 11111 ·~. br llolrn, sobretudo no início do século, com as maiores entradas - , com a primazia dos italianos, está ligada a ele. Outro aspecto a ser lembrado é
'
º"~~'"1 •jll•· (. ' n.ndos Ollt'os de embelezamento e saneamento do '1 que dão nova fisionomia às cidades, notadamente que a renda gerada pelo produto é que dá base ao
• ,•; llh .. Ili· o, o prostfgio social dos salões, as propaladas afir- São Paulo e Rio. Eles trazem outros padrões de vi- p.roçcsso industrial - tese em que se tem insistido .
14111, 111111111i1 .. mn.Qõet do Rui Barbosa no estrangeiro ou o invento da, que levam à imitação; trazerr1 tuna tecnologia Daí a ·mesma área apresentar realce nos dois seto-
,,,.,,, .. ··· ···
,,.. ,, ,,,,,., li.,, . :
' d Snntos Du1nont, alé1n de um grande momento
llt rdrlo, cnjo expoente é Machado de Assis. O café
sin1plcs, 1nas que é importante e logo se difunde, no
fabrico de artigos de todo tipo, como alitnentos, te-
res, corno é den1onstrado em muito livro de Histó-
ria, Sociologia e Economia. O impérialismo está p re-
~·· t1.tlna1 n Sllj)erprodução, que requer política inter· cidos, objetos diversos, máquinas, marcando certas sente no Brasil .r epublicano, con10 fora no rr1onár-
'...
""''"'' '' li
, ..1111111111•. Uolonlstu do Estado. A guerra de 14 desenvolve paisagens con1 un1a presença 1nais viva, como é o quico. Se então era predominantemente inglês, com
tlil• •llll•l \11•1~ O lmvul&o l11dusti·ial que vinha de antes, impondo-se caso cio Sul. Nos levantamentos da produção indus- e1npréstimos e investin1entos de todo tipo, com a
li 111111~11 l 1111 ·mad !f;) oha1u0do de "substituição de importações". trial feitos em 1901, 1907 e 20, é sensível essa pre-
sença, principalmente em São P aulo. O país sem ·es-
República começa a ser diversificado. A té 1930, é
1111.-111111 1•111 · l)Olíticos e o n1enosprezo do social são de- ainda sobretudo inglês, mas se acentuam as entradas
1!1111111 1- 1••111 do po1· vozes isoladas, que não ecoam, como cravos e saneado atrai estrangeiros, o que não se de Olltros capitais europeus - franceses, alemães -
D oUdtto dos que clamam pelo melhor enca- dava antes. Com a tecnologia e outras normas de vi- e norte-americanos. Com o ten1po; os Estados Uni-
li 1, li fl• 11111 cnto do problema do trabalhador. o presi- da, t~azern também a reivindicação social, que conhc- dos se sobrepõem a todos. os outros. É no período
ltHlfll 1111111+11 1Jltdolo P essoa, que surge de impasse provo-
MODERNISMO: UMA REVERIFICAÇ.!.0 . . . 19
1
• ·F.
que. se verifica a ma!s interessante disputa entre o Ocorre-nos citar estudo de Ortega y Gasset sobre oligarquias em vigor e um grupo dirigente mui " " 111\1)•1•
nacional e o estrangeiro, con1 as tentativas de Far- o pro~len1~: quand~ fala na ··sensibilidade vital de reduzido. Daí o movimento dos tenentes, que de~ , h• nh 1 ti•
quhar para a exportação de minério de ferro. Co- cada epoca e exan11na as gerações objeto de muita dia posição nacionalista e contra os regionallSm.Q!!r:· •11111 ....111
meça em 1909 e só terá solução no fim da década an~lise s~ci~Lógica. Considera que geração "é o con- a favor de forte governo central, que federalh ' " 1..11111111•
de. 30. De todos os prob.te1nas con1 o itnperialismo ceito mais importante da história" e que há muito u justiça e as polícias estaduais - golp e nas o'ij..-. •• u•volu~
foi o que m ais deu que falar. de co111un1 entre seus membros cheoando a afirmar garquias. Os tenentes não chegaram a formu1ax prQ• )1< IOY1• ....
, Como se no~a po r esses dados simples, o Brasil que "o reacionário e o rcvoluci~nári; do século XIX gn~ma. corpo orgânico de idéias. Suas causas, quo , ,, f 11111 111~
e cada vez mais complexo, não pode continuar es- são n1uito mais afins entre eles que qualquer deles
tagnado como antes, na ordem patriarcal das fazen- .co1n qual~uer un1 de nós" - observações que pre-
' ' hoje parecen1 banais, tinham razão de ser: não atln, • •1 11ll11ltl Mt
,, · ·-t ll l llt
gi:un plano profundo de reivindicações, ficavanl nG ·
das e no convencionalisn10 das Academias• un1a vez ferimos n~o enca111pa~. O autor reconhece gerações 1 111" e '1u 1
l ' . •
que se~ ~resc1mento º·coloca, ainda que em posição e111 que ha ho1nogcnc1dadc entre o que se recebe e
nível das aspirações da classe média, pequena bur-
guesia, de simples reformas, mas tiveram função v11 h•l11 1 11
secundaria e con1 lc nt1dão e hiatos, no ritmo do sé- o gue se tem _de espontâneo - são as épocas cun1u- alto sentido. Realizad<is que foram e1n grande parte , ' l i 111 ll\'111111
c ulo XX. S.ituação que ncni sen1pre é percebida pelo lat1vas; geraçoes con1 profunda heterogeneidade en- - sobretudo no governo Vai-gas - , não ecoam maia d1111•t·llt\t1I
g rupo do1n1na11te - seja o político, que se apeg'} a tre o que se ten1 de específico e o que se recebe ~ojtJ, quando as reivindicações são bem mais pro• 1•11·11-•lt·- 1
se us esquen1as clássicos, corno se nada houvesse acon- con10 herança. :--- gerações cli111inatórias, polêmicas tun~l as . .Deve-se ao g r upo, no entanto, a sua apresen-
11111 l 1t, .. 1
tecido, seja o responsável ·pela economia, que não ~ de con1bate. 1 en1pos de velhos e t.e1npos de jovens, 1111 h •l l~l h·
taçao e a luta por elas. Em 22, no Forte; em 23
que r sair da rotina, seja o intelectual, q ue se man- epocas de s~n~ctud~ e épocas de juventudeª . Desen - no llio Grande Sul; en1 24, em São Paulo e, em me! t ., ,.... "· 1
tém de l~tdo,, con10 se não fosse parte do processo, volvendo a 1ele1a, a1 e c1u ou tros estudos, di z Ortega
em 1narg1nalldade que é 1nais insuficiência que ati- 11o r escala em outros Estados; depois, alguns reVo • ''"'"' •1111•
que se aqu~l as têm relativa tranqüilidade e é então lucionários de São Paulo se unen1 aos do Rio G raudo ' ' '"'' 1~1 1111
tude. 1n1p unha-se o recxa1nc de tudo, com a to1nada que se ':'..erifi~atn os "séculos de ouro", quando um:\ 1 11111 11 11111
1 1 c formam a Coluna Prestes, que percorre o sertão
de novas posições. onentaçao atinge a sua p lenitude, as segundas são ,, l111t1h
1 1 do Brasil, do Sul ao Norte, ao Nordeste e ao Cen·
efervescentes, pictóricas, vivas e críticas. Embora nos
12. Geração heterodoxa, 1922/30 p~rcça haver certa arbitrariedade no esquema - não
tro-Oeste, ele 25 a 27, levando a palavra de crítica.
e protesto ao povo dos sertões, esquecido pela poU- l
f' "''"
~ t., •• i~· 1 lttt

, .Como ~e , v_ê, há c~i~cidência entre o evento po-


1Jt1co - 1n1c10 da at1v1dade tenentista - e o lite-
ha. a o~den1 p~rfeita, todas as épocas viven1 de in-
qu1etaça? t: c rises - , não se pode deixar ele ver aí
tica das Metrópoles. O Tcnentismo ecoou profunda·
mente, seus chefes chegaran1 à categoria de 1lenda.
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a.lgum fundan1cnto e certa funcionalidade explica- A eles é que apelam os poJíticos descontentes, quan• ·111h1 111•lhl1
rá rio - a Sen1ana de Arte Moderna esta e1n feve- tiva. •... • .. 1\1\ .. 1114
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reiro, aquele en1 julho. Se um prega ' a renovação do da sucessão de Washington L\lís: da aliança de ,
Na história do Brasil, a geração de 22 - de con- tenentes e políticos que os hostilizaram é que resultou 1(111111 11·~ 1
dos ,co~tumes políticos, na superação dos erros da tornos d.ifici~1i:iente delimitados - é exemplo de gru- 1'.l 111 l1·11h1
Republica, a outra prega a renovação artística na o êxito da Aliança Liberal, que se realiza na cha-
po elun1n a~or10 e d<: combate. O f ilósofo espanhol, 11t t' • l ll
superação .d~ fórmulas gastas. É curioso que o~ fa- niada Revolução de 1930. Ainda que não fosse re-
tos se verificassem em 22, no centenário da Inde-
pendência. Haveria aí algo mais que simples acaso,
ao caracterizar geraçoes, di z que elas têm de comum·
1) c?incidêocia dos anos de nascimento; 2) homo~
vol ução no sentido sociológico, foi virada na vida
do Brasil. De f ato, ela é n1arco divisor, encerrando
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v1 olt1 t 1u
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ge.ne1dade de formação; 3) fato histórico capaz de a llepública Velha e inaugurando novo período. Os I" ·, N1•l11
um~ vez qu~ as grandes datas impõem balanços e criar .estado ele consciência e 4) inspiração con1um. 111111 111·11-
pro1etos. Assrn1 na vida dos indivíduos como na dos tenentes atingem o poder de 30 a 32, depois sito
Se tres não são be1n determináveis, u1na é nítida - afastados: Vargas, porém, herda-lhes a bandeira, e ,, 11•v11ll11
pov~s e sociedades. Nem todos os dias ou anos são a Independência é fato histórico capaz de criar es-
iguais : no plano pessoal, o aniversário, a data da tad~ de ~o_nsciência. Cem anos depois da e manci-
vai realizar, sobretudo depois de 37, as reivindicações • ' '" '" Ili•
tcnentistas. Esvaziou o 1novin1ento, cumprindo-lhe o 1'111 ) J li
m orte de alguém, o Natal, o íllti1no dia de dezen1- paçao pohtica, o homem brasileiro podia perguotar
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<bro; n~ ?~s povos, ui:n fato 1narcante, revolução que
tçnha 1n1c1ado um ciclo, a Jndependência. Para os
~e de fato o país se tornara livre, se não lhe pesavan1
al~u1nas tutelas. Perguntar, sobretudo, o que h avia
programa. Estão eles, pois, entre os grandes artífices ..
do Brasil novo, de u1na nação que busca moderoi• .· / 1111 ll1t11
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franceses e russos, por exe1nplo, os anos 89 e 17 z<~í·-sc, supel!ando a estrutnra arcaica. Estão na base Vlltlil •• li
feito ~o longo de cem anos, no sentido de realizar do p rocesso político de hoje, coni as vicissitudes que '' (1p11• -•\ li
se1npre h~o de significar. muito (111es1no para o n1un-
do.' q u? a1 os fatos adqu1reni. caráter universal ) . Para
a naçao, explorando suas potencialidades e incorpo- n1arcan1 trajetória de avanços e recuos, como se v~ · ... ,., , ,1,111/
rando t?~ª a população cm uma sociedade abe rta e rifica em 37, 45, 54, 61 e 64, no acidentado processo ,; ')Ili• Ili• I••
o Brasil, os anos 22., 88, ~9, por _exemplo, ou alguns democrat1ca. Co1no a resposta não era animadora da política brasileira, que não cabe apreciar. · pt1hlh·li ..
o utros, de cunho 1na1s regional, hao de provocar se1n- cabia i~entificar os focos responsáveis pelo subde~ Outro elemento a ser Ien1brado, nessa tentativa de l /1111;.. ,. 1#
p:e, o exan1e ~e. co~sciência, º. balanço de realiza- s~nyolvunento e pela exclusão de amplos setores,- que
çoes con1 a venf1caçao dos desvios, do que se deixou ambiência da década dos vinte, é que a política acl- 1 11•nh• " ..

de fazer e o conseqüente levantamento de projetos.
vrv~am em co;11pleta n1arginalidade. O ponto de mais
fácil apreensao era a política dominante, con1 as
q uire outra conotação, que é a ideológica. Fora at6 .i.,/\11111
Os fatos .provocam um estado de consciência cole- ai simples disputa. de poder, quando surge o debate .1111111 Ili•
tiva! configurando todo o comportamento de u1na ge- (8) ÜRTfCA Y GASSET, José. F:I Tema de Nuestro Tícmpo. de. idéias com vinco mais profundo. Aparecem a di· ,, 1111111-. ·111
raçao. 146-9. pp. re1ta. e a esquerda: a direita, com a criação, em 192'1 1 1111 v1•11 111

20
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,.. ,.,. Ocorre-nos citar estudo de Ortega y Gasset sobre
ollgarquins em vigor e um grupo dirigente muito da revista A Ordem, orientada pelo radical~smo vio-
1' ' o problema, quando fala na "sensibilidade vital de
ft 11,,,. cnua época" e cxarnina as gerações, objeto de muita reduzido. Daí o movimento dos tenentes, que defen- lento de Jackson de F igueiredo, com pletada no
11n~lise sociológica. Considera que geração "é o con-
dia. posição nacionalista e contra os regionalismos, ano seguinte com a fundação do Centro Dom Vital;
coilo n1ais itnportunte da h istória" e que há nluito n favor de forte governo central, que federalizasse a esquerda com o grupo Cl<1rté, em 1921, para apoio
de co1nun1 entre seus 111e1nbros, chegando a afirmar a justiça e as polícias estaduais -- golpe nas oli- à revolução bolchevista de 191 7, a exemplo do que
•l o que "o reacionário e o revolucionário do século XIX garquias. Os tenentes não chegaram a formular pro- houve cm outros países, completada em 1922 com
• • •tlf lltf) ' silo muito mais afins entre eles que qualquer deles grama, corpo orgânico de idéias. Suas causas. que a fundação do Partido Comunista. Foi mais sensível
coi!l qual~uer llm de nós" - observações que pre- hoje parecen1 banais, tinham razão de ser: não atin- • a atividade da direita que da esquerda, que faltou
f crtn1os nao encampar. O autor reconhece gerações giam plano profundo de reivindicações, ficavam no a esta um chefe que a projetasse - a conversão d e
c1n que há ho1nogeneidadc e11trc o que se recebe e nive~ das aspirações ~a classe média, pequena bur- Luís Carlos Prestes, figura mítica da década, o " Ca-
o que se te1n de espontâneo - são as épocas cun1u- guesia, de simples retonnas, mas tiveram função e valeiro ela Esperança", só se dá em 30 - , além das
lt1 tivas; gerações com profunda heterogeneidade en- alto sentido. Realizadas que foram em grande parte condições naturais da sociedade e do pequeno ama-
tre o que se tcrn de específico e o 9.ue se recebe - . sobretudo no governo Vargas - , não ecoam mais durecio1ento das classes trabalhadoras, vítimas de re-
•' 1 1 •
corno herança - gerações eli1ninatór1as polên1icas ~OJe, quando as reivindicações são bem mais pro- pressões de um poder que não as compreendia. De-
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ti 0 '1 11 '
,,.
:ft(O e de co1nbate. 'f empos de velhos e tempo~ de jovens, tun~as. Deve-se ao grupo, no entanto, a sua apresen- mais, o mundo conhece então a maré direitista, ca-
,.,. ,... ,. épocas de senect·udc e épocas de juventude8. Desen-
volvendo a idéia, aí e en1 outros estudos, diz Ortega
taçao. e a luta por elas. E111 22, no Forte; cm 23,
no l~10 Grande Sul; cm 24, em São Paulo e, cm n1e-·
t'acterística do decênio posterior à Primeira G rande
Guerra, como a esquerdista vai caracterizar o pe-
que se aquelas têm relativa tranqüilidade e é então ' nor escala cn1 outros Estados; depois, alguns revo- ríodo que se segue à Segunda Grande G uerra. ~ o
que se verificarn os "séculos de ouro", quando u1na lucionários de São Paulo se unem aos do Rio Grande fascismo na Itália, o salazarismo em Portugal, bem
orientação atinge a sua plenitude, as segundas são e fom1am a Coluna Prestes, que percorre o sertão co1no outros rnovimentos vitoriosos em vários p aíses
clcrvcscentes, pictóricas, vivas e críticas. Embora nos do Brasil, do Sul ao Norte, ao Nordeste e ao Cen- e a formação de milícias em muitas partes.
pnrcça haver certa arbitrariedade no esque1na - não tro-Oeste. <le 25 a 27, lcv<1ndo a palavra de crítica O Modernismo e o ·renentismo surgem da insatis-
há u orde1n perfeita, todas as épocas vivcn1 de in- e_ protesto ao ,povo dos sertões! esquecido pela polí- fação dorninante. Um, ante a estag11ação ou mesmo
q ulelação e crises - , não se pode deixar de ver aí tica das Metropoles. O Tenentismo ecoou profunda- a realidade retrógrada, que vive de academismos,
.,, 11.lgun1 funclan1ento e certa funcionalidade explica-
ltvu.
1nente, seus chefes chegaran1 à categoria de lenda.
A eles é que apelam os políticos descontentes,' quan-
de culto da gramática e de regras, literatura e artes
submetidas a padrões europeus, sem criatividade: daí
Na história do Brasil, a geração de 22 - de con- do da sucessão de Washington Luís: da aliança de a revolta contra o pretenso falar bem. Demais, os
torno~ d.ifici}n~cnte delimitados - é exemplo de gru- tenentes e políticos que os hostilizaram é que resultou grandes nomes da literatura haviam desaparecido:
po c lin11na~ono e ele con1batc. O filósofo cspal1hol, o êxito da Aliança Liberal, que se realiza na cha- Machado de Assis (1908), Euclides (1909) . N abu-
110 caracterizar gerações, diz que elas têm de co1num : ~·• 1n ada f{evolução de 1930. Ainda que não fosse re- co ( 191O), Raimundo Correia ( 1911 ) , Aluísio Aze-
1) c?incidência dos anos de nascimento; 2) homo-
ac.nc1dade de formação; 3) fato histórico capaz de
"' volução no sentido sociol6gico, foi virada na vida
do Brasil. De fato, ela é n1arco divisor, encerrando
vedo ( 19 i 3), Silvio Ron1ero e Augusto dos Anjos
(1914), José Veríssimo, Afonso Arinos e Simões Lo·
cr1 ur estado de consciência e 4) inspiração comum. a República Velha e inaugurando novo período. Os pes Neto (1916), Bilac (1918), Alphonsus de G ui-
.,,j .• ,,,, So três não são bem determináveis, uma é nítida - tenentes atingem o poder de 30 a 32, depois são n1araens (1921), Lima Barreto morre em 1922. D aí
a Independência é fato histórico capaz de criar cs- afastados: Vargas, porém, herda-lhes a bandeira, e a revolta artística pretendida, que consegue êxito,
• •• •1•• t.
llu.lo de consciência. Cem anos depois da en1anci- vai realizar, sobretudo depois de 37, as reivindicações co1no se vê em grandes realizações: Oswalcl publica
111 ,,, "' ,,
. .. pação política, o homem brasileiro podia perguntar tenentistas. Esvaziou o n1ovimento, cun1prindo-lhe o em 22 o primeiro volume da Trilogia do Exílio, em
1. ,.,, ••••••
_,,,...- programa. Estão eles, pois, entre os grandes art'i.fices 24 M en16rias Sentimentais de João Miramar, em 25
1, • •' 1• 1 BC de fato o país se tornara livre, se não Jhe pesavam
,,'•.. li'' n l~umas tutelas. Perguntar, sobretudo, o que havia do Brasil novo, de uma nação que busca modemi- Pau-Brasil, em 28 o Manifesto A ntropófago e a re-
, •. ,,11 •• ,. feito ao longo de cem anos, no sentido de realizar zat-se, supel!ando a estrutura arcaica. Estão na base vista Antropofagia, escreve Serafitn Ponte Grande
n noção, explorando suas potencialidades e incorpo- do processo político de hoje, con1 as vicissitudes que (qne só edita na década seguinte). Do Pau-Brasil à
" ' ... .i 1 ~· marcam trajetória de avanços e recuos, como se ve-
rando toda a população em uma sociedade aberta e Antropofagia há duas correntes de grande vitalidade,
democrática.. Como a resposta não era anin1adora rifica em 37, 45, 54, 61 e 64, no acidentado processo que se completam. Antônio de Alcântara Machado
cabia identificar os focos responsáveis pelo subde: da política brasileira, que não cabe apreciar. pubJica ein 25 Pathé-Baby, em 27 Brás, Bexiga e
fllt ... ·li ,, • 1cnvolvimento e pela exclusão de amplos setores, que Outro elemento a ser letnbrado, nessa tentativa de Barra Funda, em 28 Laran.ja da China. Outra cor-
,,, 1•11 lf1 ••• viviam cm con1pleta marginalidade. O ponto de mais ambiência d a década dos vinte, é que a política ad- rente é a verde-amarela, de 26, depois a do grupo
ldoll apreensão era a política don1inante, com as quire outra conotação, que é a ideológica. Fora até da Anta. Teve figuras atuantes, como Menotti, Cas-
• aí simples disputa de poder, quando surge o debate siano Ricardo, Plínio Salgado, todos com muitas
14 ~nJ, OR'rso~ V O~ssrrr, José. El Tema de Nuestro T'ie1111,o. pp . de idéias co1n vinco mais profundo. Aparecem a di-
reita e a esquerda: a direita, com a criação, em 1921,
obras, que não deixariam 1narcas. Menotti nunca foi
na verdade autor moderno, apesar do tanto que fez
MODERNISMO: UMA REVERIFICAÇÃO . . . 21
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pelo movimento. Plínio produziu bastante, em fonna in Brazil iri the Middle of the 19th Century, início .Alisinalen1os, porém, que esse e1npréstimo se reveste'·1 ,. 'llllll •I~
confusa que não chegou a adquirir um estilo novo, de vasta produção de Sociologia e Antropologia e, caráter bastante .diverso dos anteriores. "" p11~1t. 1
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impulsionado por nacionalismo equívoco e vocação notadamentc, de História Social, que terá desenvol- 1
1
11111 ..1..
Lembra que as ligações do Brasil ,con1 o Oeidc ilo Yltlll"
1\ messiânica, que o "levou à chefia da política direi· vimento e repercussão; en1 28 Paulo Prado edita Re- europeu são mais íntimas agora que antes; o o •
., tista, na qual teve grande atividade e prestígio, por trato do Brasil; Sérgio Buarque de. Hollanda, parti~ j& lltll ltllUtn
da velocjdade e mecanização, que anima aquelas V ,
algum tempo. Só Cassiano Ricardo manteve intensa cipante do movimento, amadurece idéias que apa- ·11t11t1••
guardas, pode ecoar p~Jo recente surto indust,rial br ~·.
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produção literária, por vezes mesclando-a com a po- recem em livros publicados depois. f: a consciência .~t• t hWtthl
sileiro, pela urbanização crescente, pelas re1vludla'1' ·
lítica, atingindo a plenitude da forma artística vários crítica, que logo se aprofunda com a contribuição ' , p111 1ll•l11 1
ções operárias. Mais: , ~
anos depois. De 27 é a corrente chamada Festa, de mais ordenada e científica das Universidades seuse /• . 11111• ulhttv
cunho espiritualista e que nada produziu de expres- cursos de Ciências Sociais, tão representativos de um nüo se ignora o papel que a arte primitiva, o fololol' ,· ·' ~"'""' .. t
sivo, então. Mário de Andrade em 22 aparece com a etnografia tiveram na definição das estéticas n1odêrt!JI 1 l ~ l1l1thl 1)1
Brasil novo.
Pau/icéia D esvairada, em 25 com A Escrava que não 1nuito atentas aos elementos arcaicos e populares co,m, '1 11p11h. 1
Manifestam-se aí, em obras literárias - como de prinlidos pelo academis1no. Ora, no Brasil as cultUl'!\S
é Isaura, em 26 com Primeiro Andar e Losango Cá- outras artes em geral - e de estudo, influências eu- 111111111t lltl ..
qui, em .27 con1 Amar, Verbo Intransitivo e Clã tlo vrln1itivas se misturam à vida cotidiana ou são remi.ili~· l 11111lh1tll I
ropéias, quando se publicam em diversos grandes cências ainda vivas de um passado recente. As torr!ve
Jabuti, e, sobretudo, em 1928, com Macunaima, tal-
vez a obra mais importante e acabada do Modernis-
centros, sobretudo da Itália, França, Alemanha e Suí-
ça manifestos que pretendem a formação de esco-
ousudias de um Picasso, um ·Brancusi, um Max J!\Qíib1
i 11n Tri.stan 'r zara, eram, no fundo, mais coerentes co,m
,
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' 11111-.
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mo em sua fase de combate, ao mesn10 tempo que ia;, con1 rumos remodeladores, como os vários ma- 11 nossa herança cultural do qL1e com a deles. O hábito , 11111111 11111
publica livros eruditos de folclore e história da mú- nifestos futuristas de Marinetti, o Expressionismo 0111 que estávan1os do fetichisrno negro, dos caltu1grui1 1 11111 1 111 11
sica. Assinale-se ainda que em 28 José Américo de alemão ' o Cubismo e o Dadaísmo, o Surrealismo, co· , dos ex-votos, da poesia folclórica, nos predispunha a 11cçt.· 11 1111111, Ili
Almeida lança A Bagaceira, iniciando o ciclo nor- "
tar e assimilar processos artísticos que na Europa toprc- " 111• 11111u11h
,
'I

,
destino, que tanto se desenvolve na década seguinte,
1no, no campo das ciências sociais, de várias linhas
interpretativas, como as da Antropologia e Sociolo-
scntavam ruptura profunda com o meio social e as trCI• ·: ,,,. 1 l' h •\111
~lições espirituais?.
marcando-a, como a dos vinte foi marcada pelos gia norte-americanas, mais recentes. São influências 11 11h 1 11•111
paulistas. Haveria muito mais a lembrar, como a comuns, algumas profundas, a maior parte bem epi- ,, ~ Se Modernismo e T eneutismo surgem e se dcscn• jlllll lll Y.. 11
continuação da obra de Manuel Bandeira, a estréia dérmicas - notadamente no caso da criação artís- volvem paralelamente, não houve contato maior cn,.. l 11h•111 •• 11110
de Augusto Frederico Scbmidt (Canto do Brasileiro, tica em que os modelos externos, de manifestos ou trc eles. Sabe-se que os elementos não se combl.nnii 1111 lll~l1•IH 1

1928) e as publicações em jornais e revistas de au- de ~bras, exercem efeitos quase se1npre ligeiros, com ran1. Querer apresentar uns - os tenentes - como ' • ••11111 t I•
tores como Carlos Drummond de A ndrade, Emílio citações ou imitações que apenas captam os cacoe- expressão da classe média, 1nais Jigados ao povo, Cll• 1 11h1 !Ili 1
Moura e Murilo Mendes, que só aparecem em livro IA 1•111li111 lili 1
tes, sem penetrar no sentido profundo. A acusação quanto os 1nodernistas eram expressões ou joguetClS ,
em 1930. Sem falar em outros, atuantes então, como
Jorge de J~ima, que sai do simbolismo e neoparna-
sianismo dos primeiros versos para os temas regio-
de que faltou autenticidade a muito do que se fez,
portanto, não tem procedência, que sempre há a nota
de originalidade, de contribuição nativa. ~ o que se
t,
, " da plutocracia paulista, desenvolvendo-se em sal51.\S
e festas, é pegar apenas o superficial dos movit1l~U.·
t:os. P-. certo que os artistas - sobretudo os de Sue
fvl /11111
.l1•li•• -111•11
~Il i 11111l h1 1
-1

nalistas e as ousadias de Poemas (1927 ), Essa Nega dá com o exemplo mais referido - o de Oswald í Paulo, os mais significativos da década - foram li• 1 111•1111 li lll
"
Fulô (1928) , Novos Poemas (1929) . Ou Augusto de Andrade com o Pau-Brasil e depois com a Antro· gados ao que havia de don1inante na sociedadé, r 1 111111111101•

't"'
Meyer, que se apresenta com A Ilusão Querida
"o

velando mesmo incompreensão para o que se pM• "• 1111111•• .,....


pofagia, vistos como descobrimentos do Brasil feitos
(1923), Coração Verde (1926), Giraluz e Duas
Orações (1928), Poemas de Bilu e Sorrisô Interior
em Paris, de Montaigne a Picabia e Blaise Cendrars.
Só a má vontade pode negar o que existe de nativo
sava. ~ o que se vê, por exemplo, com o episódio
que lembra Oswald e Blaise Cendrars "atônitos" COJ)l
l'"""""t
11l ia1111• ' li 1
( 1929). Tratar de todos, lembrando outros nom"es, ' l'tt l l'l'tl ,,
e original na obra do poeta e. ficciqnista brasileiro. os eventos de 24 em São Paulo. Se o francês po<Il!ii .
'; . ., !linda que com simples referência, alongaria o texto. Os próprios artistas reconheceram a filiação a esc~­ não entender, é injustificável a falta de comprêCll.' ~ 111 11lth111t" 1
"• · · Pôder-se-ia lembrar ainda que é então que começa o las estrangeiras, como se poderia ilustrar com depo1~ são do brasileiro. Demais, ligavam-se aos govern® , ·' 11•1111, 1•11111
sur to de estudos de temas brasileiros, em nível de - em São P aulo e Minas, pelo menos - , ex1>rla • l h1l 11• 1•11111
mentos de escritores e pintores. Assim havia sido
· profundidade que não se conhecia antes. :e. certo que antes como será depois, no Brasil e em todo o mun· 1niam-se em jornais oficiais. Os p aulistas ficaratn COUl. : 1h•rl111th11 t
importantes obras já haviam sido escritas, mesmo no do. O i1nportante é consignar a esc~lha q~e se f~z o Partido Republicano P aulista, expressão máxi~IJ,,,'.:; \16•11111 UI+ I!
século anterior, como se poderia ilustrar com exem- do grupo poderoso e responsável pelos diesvios da. il"O',,- .'.! 111111111 ltllllt·
<lo modelo, no intuito de colocar o pais na linha mais
1 1 plos. Agora há continuidade na produção. Tal é o avançada e do que pode ser mais rico e fecundo. Jítica, ou com o Partido D emocrático, que fez 09 .:: 11' 1 1111U11"1
sentido da estréia de Oliveira Viana, em 1920, com No estudo do problema, Antônio Cândido colocou-o sição sem maior profundidade. Ignoraram as 011\19 -i~ 111111111111114•
Populações Meridionais do Brasil, começo de inter- populares. Vê-los como conservadores ou da diteit 1tY, · 11111111\lll • 1
muito bem: t1l1U•tlljltl
pretação de nossa realid ade em livros que subsistem, 1
.como tem feito "Certa crítica, enquanto rotula de · i

apesar de equívocos e dogmas do autor (o sociólogo \, pulistas e esquerdistas os tenentes, é forçar a not ~ •' ' " "• 1111111•~
no campo da pesquisa formal os modernistas vão ins-
nunca teve nada a ver com o Modernismo) ; em 22 11•1 1 l 1'111111111~
pirar-se em parte, de maneira algo desordenada, nas cor-
Gilbertp Freyre apresenta, em Baltimore, Social Life rentes literárias de vanguarda na França e na Itália. (9) A,NTÔNJO Cll<r>IOO. Literat11ra e Sociedade. p p. 144•5, 11111 lllth" 1

22 M1
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... 11111 1111 110 lri Brat.il in the Middle of the J 9th Century, início AS:Sioalcrnos, porém, que esse empréstimo se reveste de ,ê, certo que os militares rebeldes estavam mais perto
.. ,.11.. llll 1 ~ de vasta produção de Sociologia e Antropologia e, coráler bastante diverso dos anteriores. do povo, mas não se pode djzer que se confundissem
1 ., V t .. 11\ ootadrunentc, de História Social, que terá desenvol- com ele. Se não e ram de salões e amigos dos "donos
illl h li 1lli 1· vin1ento e repercussão; em 28 P aulo Prado edita Re- l cJnbra que as ligações do Brasil com o Ocidente
da. vida" - expressão que Mário usaria muito al-
....1111111. , •• trato do Brasil; Sérgio Buarque de. Hollanda, parti- europeu são m ais íntimas agora que antes; o culto
gum tempo depois - , negaram-se a aceitar o apoio
º" ~·· l11h.f
•1.... olpnntc do movimento, amadurece idéias que apa- da velocidade e mecanização, que anima aquelas van-
guardas, pode ecoar pçlo recente surto industrial bra- das camadas mais simples, ou nunca as cortejar am .
recem em livros publicados depois. É a consciência Se Oswald viu "atônito" 1924, os ·chefes da rebeldia
__,1
sileiro, pela urbanização crescente, pelas reivindica- •
crítica, que Jogo se aprofunda com a contribuição paulista recusaram a colaboração do proletariado,
111 f-,. tlll •.~• .. ções operárias. Mais:
mais ordenada e científica das Universidades e seus que olhavam com a mesma suspeita dos donos dos
1 ,,,. ''' "'" cursos de Ciências Sociais, tão representativos de um não se ignora o pa.pel que a arte prinútiva, o folclore, salões e fazendas festivas (lembre-se o episódio de
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Brasil novo. a etnografia tiverarn na definição das estéticas modernas, Isidoro Dias Lopes e Miguel Costa, que não querem
lf• lt 1/111' ' 1nuito atentas aos elementos arcaicos e populares com-
Mnnifestitm-se ai, em obras literárias - como de o apoio que lhes é oferecido pelos trabalhadores,
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' outras artes em geral - e de estudo, influ·ências eu- prin1idos pelo academisn10. Ora, no Brasil as culturas
1>rio1itivas se n1isturan1 à'. vida cotidiana ou são reminis-
temerosos de suas causas, com as quais não se con-
ropéias, guando se publica1n em div<frsos grandes cências ainda vivas de um passado recente. As terríveis fundiàm). Depois, quando da Aliança Liberal, mis-
cent.ros, sobretudo da Itália, França, Alemanha e Sui- ousadias de un\ Picasso, unt -Brancusi, um Max Jacob, turam-se em grande parte com os politicos tradicio-
ça, 1nanifestos que pretendem a formação de esco- un1 ·rristan T1..ara, era1n, no fundo, mais coerentes com nais, que combateram e pelos quais foram comba-
1 h •ll 11''
las, con1 rumos rernodeladores, como os vários ma- a nossa herança cultural do que com a deles. O hábito tidos. Poucos fugiram à colaboração·: negou-se a ela
1I ri li t 1\ ilJ,9
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nifestos futuristas de Marinetti, o Expressionismo e1n que est(l.vamos do fetichismo negro, dos calungas, Luís Carlos Prestes, que denuncia como espúrio o
·" 111!11 r. 1 ' ulornão, o Cubismo e o Dadaísmo, o Surrealismo, co- dos ex-votos, da poesia folclórica, nos predispunha a acei- acordo, mas a maior parte aceitou o movimento, e
• • lo 1.. ' tar e assimilar processos artísticos que .na Europa repre-
mo, no campo das ciências sociais, de várias linhas sentavam · n1ptura profunda com o n1eio social e as tra-
de maneira decisiva, vindo mesmo alguns a postos
lntorprctativas, como as da Antropologia e Sociolo- de relevo. Demais, se do Modernismo sai uma cor-
..~dições cspirituais9.
1,1ln norte-americanas, mais recentes. São influências rente reacionária que vai ser a própria direita - o
con1.uns, algumas profundas, a maior parte bem epi- \ Se Modernismo e Tenentismo surgem e se desen- grupo verde-a1narelo, da Anta, que dá os chefes do
dórmicas - notadamente no caso da criação artís- volvem paralelamente, não houve contato maior en- Integralismo - , saem sobretudo liberais ajustados
tica, cm que os modelos externos, de manifestos ou tre eles. Sabe-se que os elementos não se combina- ao sistema, ou nlentalidades de tipo anarquista -
de obras, exercem efeitos quase sempre ligeiros, com ram. Querer apresentar uns - os tenentes - como como Oswald (é sem expressão seu episódico vín-
citações ou imitações que apenas captam os cacoe- expressão da classe média, mais ligados ao povo, en- culo ao Partido Comunista) - ou outros que ca-
'
les, sem penetrar no sentido profundo. A acusação
de que faltou autenticidade a m uito do que se fez,
! ,
~
quanto os modernistas eram expressões ou joguetes .
da plutocracia paulista, desenvolvendo-se em salões
1ninharam para a esquerda, anos depois - como
'M ário. O mesmo se poderia diz.er dos tenentes: se
deles saem um P1=estes e outras figuras d a esquerda,
portll11to, não tem procedência, que sempre há a nota e festas, é pegar apenas o superficial dos movimen-
de originalidade, de contribuição nativa. É o que se tos. :e. certo que os artistas - sobretudo os de São sai muita figura perfeitamente ajustada ao jogo, que
dá com o exemplo mais referido - o de Oswald P aulo, os m ais signüicativos da década - foram li- chega a ministro e interventor, a outros cargos mais
de Andrade com o Pau-Brasil e depois com a Antro· gados ao que havia de dominante na sociedade, re- comprometedores depois e saem vários chefes mi-
po/agia, vistos como descobrimentos do Brasil feitos velando ntes1no incompreensão para o que se pas- litares que não se distinguem por centrismo ou po-
om J>nris, de Montaigne a Picabia e Blaise Cendrars. sava. :e o que se vê, por exe1nplo, com o episódio pulismo, antes pela direita, que recruta entre eles
Só a 1ná vontade pode negar o que existe de nativo que lembra O swald e Blaise Cendrars "atônitos" con1 alguns de seus elementos de relevo, como se sabe.
origioal na obra do poeta e. ficcionista brasileiro. os eventos de 24 e1n São Paulo. Se o francês podia P arece-nos que não vem a propósito colocar o
Os l'róprios artistas reconheceram a "filiação a esco- não entender, é injustificável a falta de compreen- proble1na em termos de ideologia de esquerda e di-
lns estrRngciras, como se poderia ilustrar com depoi~ são do brasileiro. Demais, ligavam-se aos governos reita, catalogando pessoas. O certo é que tanto ar-
ment.os de escritores e pintores. Assi,m havia sido - em São Paulo e Minas, pelo menos - , expri- tistas como tenentes não tinham orientação segura,
OJ\les con10 será depois, no Brasil e em todo o mun- 111iam-se cm jornais oficiais. Os paulistas ficaram com definida, reagindo antes pelo efeito da última con-
1 1111 1 ~111• Ili versa ou leitura ou das circunstâncias. O Brasil era
do. O itnportante é consignar a escolha que se faz ·O Partido Republicano Paulista, expressão máxima
1·11111 , . " '"
li l 111 ,.
elo ll'lodolo, no intuito de colocar o país na linha mais do grupo poderoso e responsável pelos desvios da po- ainda n1uito pouco maduro na década dos vinte. Que-
avançada e do que pode ser mais rico e fecundo. J~ti~a, ou com. o Partido _Democrático, que fez opo- rer aplicar àqueles anos rótulos de agora ou buscar
111 ' " · 1 1111 No estudo do problema, Antônio Cândido colocou-o s1çao se.m 1na1or profundidade. Ignoraram as causas programas que só se sedimentariam em décadas se-
li 111· lllh•1 . multo ben1 : guintes é trabalho pobre. Parece-nos que a razoável
~1111 .. 1.. i. -11 .
populares. Vê-los como conservadores ou da direita,
.como tc111 feito certa crítica, enquanto rotula de po- colocação do problema está em dizer que os mem-
" ~·li 1t1h 1111 tlO CIUnpo da pesquisa formal os modernistas vão ins· bros atuantes de então - artistas ou militares -
•••• ••• , !
pulistas e esquerdistas os tenentes, é forçar a nota .
I!
pJror•SO ern parte, de maneira algo desordenada, nas cor- representavam, ainda que inconscientemente, a mes-
'111 1<1/ I li• · r n tCD llterArins de vanguarda na França e na Itália. (9) ANTÔNIO CÂNDIDO. Literatura e Sociedade. pp. 144-5. Jna linh a de aspirações, que era a de renovar o país,
MODERNISMO: UMA REVERl.FICAÇÃO. .. 23
..

• '
~

todos con1 a 1nesn1a "sensibilidade vi tal" de que fa- que se desenvolverá depois, na década de 30 e nas riadores, sociólogos, economistas, cientistas políticos, n nhHI 1
que c-0mpletem suas visões de diferentes abordagens • l'Ollll 11111,_
lava Ortega. A associação entre o protesto artístico e seguintes. O q ue de melhor se prod uz no país está
em um tpdo. ~ trabal ho q ue se justü ica, que a época 1•lt1 111111 11
o político é f reqüente. Aparece, sem convicção, em ligado di reta ou indirctan1ente às experiências do pe-
~
•I
Mário de Andrade, mas, com muita ênfase, em Os- ríodo que se estudou aqui. Foi ponder ável, pois, o é das mais criativas da vida do Brasil. Realizando-o,
os que se emp enham nele estão sendo fiéis à prega- '
"""'"11111114
111 lll l'lllU•,
li wald, em Plínio Salgado e até em discurso de 1950
de Getúlio Va rgas, cm depoimentos que não são
Legado que se deixa e outros desenvolvem - muitos
dos quais são os mesmos que, jovens ainda, se agi- ção dos renovadores de 22, que pre tenderam exa- 11111 11- l jll lo
•1111- 111 .1.
• 1
tamente, como afirmou Mário de Andrade, em pas-

'
l
citados para · não alongar o ensaio. T em alguma ló- tavan1 naqueles anos. 111 L• l IUI t 1-1~
gica a ap roximação, em termos de "sensibilidade vi- Tentativa de quadro an:iplo, é claro que nosso es- , sagem citada, "o direito permanente à pesq uisa es•
tal". Não importa que diferissen1 no p onto de par- t udo se ressente de ligeirt·za e tom evocativo e des- tética; a atualização da inteligência artística brasi• t'Y4'lllll ll l

''
tida ou ele c hegada, ou no comportamen to, m as sim
que atuavam 1novidos por um desejo que tinha muito
critivo. Síntese de decênio f1.:cu11do, só se fez refe-
rência a alguns aspectos, deixando-se outros inteira-
leira; e a estabilização de uma consciência crítica n a-
cional". P retensão que foi alcançada, uma vez que ""''" ''"'
11 Ih 111111 •
o Brasil te1n hoje visão crítica de sua realidade, su- llllll 11 , .. ,
de con1un1 e que resultava da sensibilidade da ge- n1ente de lado. Faltou o estudo das revistas e ma-
ração. Querer que tenentes e artistas tivessen1 rntti.- nifestações regionais, que nlongarüun a exposição . perando as interpretações ingênuas de otimismo ê ' """'· 1•1111111
pessimismo . O atnadurecún ento de grandes realiza· . uno -11 11111
tos laços co1nu ns é utópico, uma vez que 1nesn10 en- O q ue se p retcnde11 foi. sobretudo, realçar a influên- ·, 111111111 ... ,
tre eles havia diferentes linhas - do radicalismo c ia de q uanto se lançou . Daí a len1bra:n.ça do con- ções artísticas
/ . - na
. poesia, na ficção, na
. pintura,
1
de uns a certo acon1odamento de outros, do van- ceito de "eficácia histórica", fundamental e f ugidio. na musica, n a arq uitetura, no teatro, no cmema - , ,' ' ' " 1 111111 ,.
ª.° lado do gosto perm anente de p esquisa e do expe· ', 1) 1Hllllhtll1
guardisn10 de uns à conciliaçã.o o u até ao reacio- Há n1uito engano con1etido pelos q ue viven1 certo ' l111tio1111l11•
narismo de o utros. O certo, con10 le1nbrou o 111esmo 1n o1ncnto: o que lhes parece digno de nott1 pode '.1 n n1entalismo, q ue conduz a tanta realização rica e '
"
que virá ainda a desdobra r-se, como se vê em todas r:

'1

Ortega, é .que o~ hon1ens da mesma geração se pa-
recem n1u1to mais q ue co1n os de gerações diferentes.
A í é q ue se deve colocar o interesse, não na busca
não deixar qualquer 1narca, perdendo-se logo, en-
quan to nluito do q ue parece desti tuído de in1portân-
cia é que se p rojeta depois. Assiln foi a Se1n ana de
li
as direções. A vitalidade do estudo da interpretação
nacional, em historiadores, sociólogos, economistas,
outros ainda, q ue aplicam os diferentes modelos que
"' de verdades o u ró tulos, q ue não cabem à década Arte Moderna, ai;si rn foran1 as experiências dos anos
dos vinte no Brasi 1, ainda inorgânica, mais inquieta, seguintes, cujo sentido pode ter escapado até a seus 1• recebem ou criam os mais adequados à nossa pe• '
·: contestadora e polê1nica do que proprian1ente segura autores. O certo é que de 11on1es de então, que se culiaridade, de modo que a ciência social está hoje,
1
e de idéias e progra1nas claros. entregavam às pesquisas - n1al conhecidos ou ob- e m gra11cle parte, a par do que se passa no mundo,
jeto de ridículo - é que sai o que influirá, impri- sem aquele hiato de dez a trinta anos que se veri•
Ili - Legado mindo linhas à vida iotelectual e política do país. ficava antes. E consciente de que é sempre preciso
Houve 1nuitos equívocos, seja nas afirmações ou nas adaptar o que recebe à realidade. O Brasil entra
Não foi nosso intento estudar o Modern ismo em negações. Rele1nbrc-se, por exernplo, o que foi a Se- no ritmo de aceleração histórica que se verüica nos
s ua estética ou realizações, mas traçar o quadro em n1ana de fevere iro de 22, patrocinada pela alta so- 1
./ grandes centros, dos quais era simples reflexo, quan-
q ue se desenvolveu nos anos vinte, quando surgiu ciedade ou pela plutocracia de São Paulo, que nem do agora, ainda seja cm pa rte reflexo, já produz. •
em cena e realizou trabal ho de choque. Estudo que sequer desconfiava do alcance do que fazia ou do bem m ais o que é seu, dando-lhe a nota essencial
é pa~te .de um curso, se~s diferen tes aspectos, de que se fazia. A participação de Graça Aranha, o de seu estilo.
s.ubstanc1a ou de obras, f1can1 a cargo de especia- engano de supor 1noderno o que já era velho, como Se as instituições oficiais - serviços públicos, as
ltstas. I nteressados en1 História, só tivemos em vista se nota em vários artistas, inclusive participantes do Academias e outros organismos do gênero, as Uni~
traçar a ambiência em que ele surgiu e· se desen- episódio da Scn1ana. Tanto é assim que a perspec- versidades - nem sempre apresentam o melhor, en•
volveu, con1 acentos agressivos e a té de piadas ou tiva já pennitc julgan1ento deles en1 outras direções, rijecidas em privilégios e na in compreensão que tão
. apa~en tes brincade i r<~s, para contestar o sistern a que rnuitos dos quais são vistos con10 conservadores ou n1al as recom enda - é claro que com as fatais e11'..•
s·e tin ha como respeitável e consagrado. Era contes- a té reacionários. E não é que tenhan1 adq uirido esse ceções (ainda exceções) - , há hoje uma criativi• ~·
t~ção qu~ se fazia indispensável, de modo a den un- tom depois: já o tinham, só festejando o moderno dade dispersa e que se apresenta em pontos ines~ ·
ciar equ1vocos, no preparo do te rreno para coisas por engano . . A.lg uns encontraria m o canlinho exato perados, de modo q ue o país exp lode em realizações. '"
1
m ais sólidas e represen.tativas. D aí a aparência de te1npos a pós, superada a agitação. Sem falar nos de- O desco1npasso entre o n ovo e o oficial, seja o da ·:;
' inteligência seja o d a vida d a sociedade e da polí•
1 '
destruição, q ue de ve ter assustado os ho n1ens con- sencontros entre as soluções a rtísticas e politicas: o
e O :

ve ncionais, q ue não percebiam o sentido profundo ace rto e tn uma preocupação e o equívoco em outra. tica, n ão chega a abafar uma forç a que está. além
do que se operava. Consigne-se a inda que muito Enfim, o estudo em profundidade do Modernis1no de qualquer tipo de com pressão, embora esta .1 us
artista se perdeu nesse cli1na, enfraquecendo a obra pode ser a melhor ilustração das dificuldades que vezes a violente. E foi o Modernismo que deflagr® "
que poderia realizar, en1penhado em des1n istificar o cada época tc1n de harmonizar suas forças, que se o surto inovador, na recusa de p adrões estabelecido ;·~·
i estabelecido. B o que se cha1naria de "modernismo manifestam em todas as linhas, às vezes até em opo- e na busca a firmadora d a criação. Se os aspeCt08" '1-
' 1

.1 de guerra", que vai de 22 a 30 e foi vivido sobre- sição. É material rico para análise, que requer a sociais e políticos não foram aprofundados - eram 1
1 t udo en1 São Paulo. L ançam-se então as linhas do cola boração 11ão só de críticos de artes, m as histo- mesmo debilidades da geração d e 20, como se a.sai• '

24 M



11.. qll• que se desenvolverá depois, na década de 30 o nas
•111 11flhlh'
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'º 1esufntes. O gue de inelhor se produz no país está
ligado ~Jircla ou indiretan1ente às experiências do pe·
riadores, sociólogos, economistas, ci.entistas políticos,
que completem suas visões de diferentes abordagens
cm um tpdo. É trabalho que se justifica, que a época
nalou - , se há. avanços e .recuos, é nesse jogo de
contradições que se realiza a vida nacional no que
ela tem de expressivo. O mais é acomodamento ou
tio•" , 111 < 1 rfodo qllc se estudou aqui. Foi ponderável, pois, o é das mais criativas da vida do Brasil. Realizando-o, contemplação, existência vegetativa que se es~ota em
111~11 ,,, l'•'Y logo.do que se deixa e outros desenvolvem - n1uitos os que se empenba1n nele estão sendo fiéis à prega· si rnesn1a, sem qualquer eco. Aos grupos contesta-
tjll• "''" 'ti dos quais são os mesn1os que, jovens ainda, se agi- ção dos renovadores de 22, que pretenderam exa- dores que se lançaram em 22 é que se deve a con-
,, ·· 11.11111111 " • tavam nuqueles anos. tamente, como afirmou Mário de Andrade, em pas- quista da inquietação permanente e do desejo de
111U11lhl11d1 ' ~rent.ativa de quadro arnplo, é claro que nosso es- sa~em citada, "o direito permanente à pesquisa es· ' acertar, como traço constante de gnipo, não como
tu(!o se ressente de ligeireza e ton1 evocativo e des- téüca; a atualização da inteligência artística brasi- bventual procedimento de indivíduo. Daí o signifi-
c ritivo. Síntese de decê n.io fecu ndo, só se fez reJ'e- leira; e a estabjlização de un1a consciência crítica na· cado das realizações de 22 a 30, que redescobrem
rêncio. u alguns aspectos, deixando-se outros inteira· cional". Pretensão que foi alcançada, uma vez que o Brasil e traçam para ele o caminho que deve se-
monte de lado. Faltou o estudo das revistas e n1a- o Brasil tem hoje visão crí:tica de sua realidade su- guir. E segue e continuará, com obstinação e cora·
nlícstuções regionais, que alongariam a exposição. perando as interpretações ingênuas de otimis~o e gem, como fez o grupo que iniciou o movimento que
O que se pretendeu foi. sobretudo, reaiçar a influên- pessimismo. O amadurecimento de grandes realiza- não se detém, pela força própria e sup erior que o
.. ,.. , ,,.. '
cia de quanto se lançou. Daí a Jen1brança do con-
ceito d ~ "eficácia histórica'', flu1dan1ental e fugidio .
ções ~r~ísticas - n.a poesia, na ficção, na pintura,
na n1us1ca, na arquitetura, 110 teatro, no cinema - ,
anima e que está além das contingências eventuais
de certo instante. Assim procedendo é que se é fiel
1,·: il• i t t~·~~ liá. 1.nu1to engano cornetido pelos que vivem certo ª? lado .do gosto permanente de pesquisa e do ex:pe· à mentalidade polêmica e criadora daquela geração
n1on1en~o: o que lhes parece digno de nota pode nn1entahsmo, que conduz a tanta realização rica e heterodoxa que tinha niuito o que dizer.
nfto deixar qualquer marca, perdendo-se logo, en- que virá ainda a desdobrar-se, con10 se vê em todas
quo1110 n1uito do que parece destituído de importân- as direções. A vitalidade do estudo da interpretação
cia 6 que se projeta depois. Assim foi a Scmnoa de nacional, en1 historiadores, sociólogos, economistas,
1 1t ri Arto Moderna, assim foran1 as experiências dos a nos outros ainda, que aplicam os diferentes modelos que
1' .• 1
80BUin tcs, cujo sentido pode ter escapado até a seus rec~b~m ou criam os mais adequados à nossa pe-
nutorcs. O certo é que de non1es de então, que se cultandade, de modo que a ciência social está hoje,
cntreg11vu1n às pesquisas - inal conhecidos ou ob- etn grande parte, a par do que se passa no mundo,
jeto de ridículo - é que sai o que influirá, iinpri- s~m aquele hiato de dez a trinta anos que se veri-
mlndo linhas à vida intelectual e política do país. ficava antes. E consciente de que é sempre preciso
1-fouvo rnuitos equivocos, seja nas afirn1ações ot1 nas adaptar o que recebe à realidade. O Brasil entra
nenuções. R.cleLnbre-se, por exetnplo, o que foi a Se-
n1ona de feverei ro de 22, patrocinada pela alta SO· -. '
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no ritmo de aceleração histórica que se verifica nos
grandes centros, dos quais era simples reflexo, quan·
olodttdc o u pela plutocracia de São Paulo, que ne1n do agora, ainda seja cm parte reflexo, já produz
a quor dt:sconfiava do alcance do que fazia ou do bem mais o que é seu, dando-lhe a nota essencial
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que se fazia. A participação de Graça Aranha, o de seu estilo.
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1 Oll!}nno dti supor moderno o que já era velho, como Se as instituições oficiais - serviços públicos, as
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por engano. Alguns encontrariam o caminho exato perados, de modo que o p aís explode em realizações .
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1 •Ili•· 11111!11 llnfltn, o estudo en1 profundidade do lvfodernismo de qualquer tipo de compressão, e1nbora esta às
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o. materjal rico para análise, que requer a sociais e políticos não foram aprofundados - eram
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MODERNISMO: UMA REVERIFICAÇÃO., . 26
Referências bibllográflcas
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28
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• A LITERATURA NO MODERNISMO

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DO BARROCO AO MODERNISMO:

O DESENVOLVIMENTO CICLICO DO
PROJETO LITERARIO BRASILEIRO

Affonso Avila

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~ouve momento em que se pretendeu considerar
o Modernismo como um fato literário autônomo,
desvinculado das linhas gerais de desenvolvimento
" . do processo de nossa literatura. Deu-se ênfase, com
isso, ao aspecto de ruptura que o movimento real-
mente assumiu na sua-·radicalidade, omitindo, porém,
uma tal atitude, a evidência crítica e histórica de
que todo passo criativo do homem não ocorre à mar-
gem da fata lidade de transformação inerente ao or-
"
;. ganismo vivo da cultura. Ainda que se rotulem de
antiarte ou contracultura uma dada proposta esté-
tica ou um dado comportamento crítico, o campo
de material, linguagem ou significados onde a insa-
tisfaç'ão se opera é por si mesmo um acrescentamento
de território, que a inteligência apõe, contestando-os
ou reavaliando-os, aos li1nites conhecidos do espaço
cultural. Este espaço, conquanto infinitivo em sua
potencialidade, expõe-se, ciclicamente, ao risco das
\\\ crises de perempção ou esclerose que acometem o
organisnio da cultura. Constatada a saturação, ati-
vam-se em contrapartida os elementos de núcleo do
que se pode chamar essencialidade ou tradição, os
quais, violentados ou simplesmente questionados, ge·
ram por metabolismo crítico os elementos de uma
nova estrutura. f:. certo que um fenômeno dessa projeto literário brasileiro, teremos infalivelmente
or_de~ não se dá ~ão-somente em razão de . um a quí- contra nós o argumento de que uma tal · esquemati- ratura colonial vieram desencobrir material vaató e 11m11 1&11itl
mica interna adstrita, por exemplo, à arte ou à litera- <.ação levará ao risco de simplificarmos de modo de suma significação para um estudo dessa naturo~. M fllllUr•
tura de dete}minado país, mas em decorrência tam- absoluto o conceito de período na· história de nossa São os levantamentos de textos relativos às manifôs• 11011111111111
bém de fatores m enos do1nésticos, t ais con10 as ten- literatura, com a. m inin1ização de manifestações cro- lações l.iterárias do s~cu.1~ X':'II e primeira me(~ 1111 ,.,,.,,"""
dências generalizadoras das formas artísticas e as nológica e estilisticam ente autônonu1s como deverian1 do XVI li - o bras 1nd1v1dua1s de poetas, . cronJsh 111111 UUllt
pressões de conjuntura histórica. Esses estímulos ser ·o Arcadismo ou o Neoclassicis1no, o Realisn10 ~ sermonistas ou exercícios coletivos das, chamad · hnl 1uu11 1 o
atuam ern simbiose com os elem entos em transfor- ou o P arnasianismo, o Naturalismo ou o Simbolis- cicade1nias - , material cujo con junto comprova iér, lll!ll • 11t
mação do processo, a ele aportando maior sentido m~. É aqui, precisamente, que nosso esquema con- sido maior ,e m ais caractetizadora a atividade que ~ 1twt11 1tu tt•
e dime~sã? de atualidade e universalidade. Rompen- solida sua f11ndamentação crítica, pois o que pro· espécie então se desenvolveu. Aind a que t-enhamó"t~ 1•l~·11ll11u ln
do os limites que demarcavatn o espaço até ali de- cura1nos corn ele é elucidar os andamentos cíclicos de aceitar, p al a entendimento didático, o barroq~1lit~~ 111111 •• •tt
,.:;' senvoJvido
. . por nosso processo literário ' o M oder- das forn1as e os corresponden tes saltos da consciência mo literário brasileirô como um apêndice da: litet(\; · ',t 1111114 111tl•1
n1srno viveu a sua situação de emergência consciente criadora nacional - e não a 1nera subordinação tura seiscento-setecentista portuguesa, o quadrQ or{;r '"' 1t1111111t11111••
do estado de crise deflagrado - e por isso o viveu do projeto literário brasileiro a subdivisões 1ninuden- tico que se esboça a partir da localização de unt' ·~' 1t1nll1l11lf '
revolucionariamente - , porém não teve de imediato, tes e pouco esclarecedoras. Porque as 1nencionadas novo e vasto material de estudo já autoriza uma CO• l•11111/,l1tf '
por excessiva proximidade de foco, alcance suficiente particularizações se circunscrevem na verdade a locação menos tímida e acomoda.dora da questUo, 11111111 ... 11
para então perceber o seu vínculo de novo passo .
eventuahdad~s '
de transição, de moda, de escola ' - A avaliação ao m esmo tempo estatística e Iiterárll\ ~. 1!1•11111 •0 th
cíclico cm relação· ao devir da literatuta. brasileira. como prefen.a a velha 1netodologia. da h istória da de manuscritos ou edições da época nos abre agoti\ (' 11~ph 110 I'•
Nos cinqüenta anos que nos separam da Se1nana de l ite~atura - e não a t~ansformações no corpo do campo bastante para situarmos os elementos de os• 1111•u-a11 tt
22, to.rnou-se cada vez mais nítida essa integração pro1eto con10 o Ron1ant1smo ou o Modernismo. f:., t1utura que remarcam, tambén1 na esfera da !itera• h1l1 11 tltt
evolutiva do modernisn10, que hoje, sem equívoco, p~r~anto, dentro de um raio m aior de abrangência tura, a experiência barroca brasileira. E é curioso 111\1111 1ltt
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podemos divisar, cm seqüência ao Barroco e ao Ro- cnt1ca que devemos enquadrar os rótulos episódicos verificar que a mesma volúpia formativa .qu e e1n • .,,. 1141111 111111
·n1antismo, con10 outra etapa maior e ciclicamente ou transitórios, que serão no projeto nada mais que polga o nosso primeiro barroco plástico - o do faus· , . tt111h11• 11-1
definida. pontos de saturação . ou · cstrangulan1cnto. Algumas to decorativo das igrejas baianas e, em geral, do Nor• , 1111 0 11•1111 111
, A image1n
. crítica do Modernisn10 s6 se desenha- ~bras características da peripécia evolutiva de nossa. deste - , empolga igualmente a prosa OU O VOtSÔ ; HIUI" 1/11,.fl
ra, ass1n1, a nosso ver, corretan1entc se buscarmos, literatura poderão indicar, em síntese, co1no vere- de nossos primeiros autores, que então, numa opc- · 1,..111 111 1l111
ao apreendê-la, abarcar também a totalidade do pro- n1os, os, el.ementos constitutivos do processo de cada raço de mimese idêntica à dos escultores ou enta.. 111dn 1•11 11t
jeto chamado literatura brasileira. Nesse quadro, o eta~a. c1cl1ca e os pontos de saturação respectivos, lhadores, se apropriam dos modelos vigentes no ba~ " 1·01111111, ••
n1ovimento desencadeado en1 1922 passa a. inserir-se auxiliando-nos a erguer do Modernismo uma ima- roquismo ibérico. A busca da au(onomia criativa teí\• •:' 111111111lttl •
não apenas pelo caráter de originalid<tde de que se gen1 que nos parece n1ais válida e acertada. derá, no entanto, a fazer-se acentuar na medida en\ ·' 1h• 111111 1•
revestiu a sua proposta estética, mas igllaln1ente pela que as ·formas se aclimatam e a sedimentação de ·" 11lh•11t1• it
maneira através da qual repropôs certos elementos Barroco: um processo de apropriação um a nova consciência cósmica propicia a eclosão de , p1 111t11h•11
1 de núcleo de nosso ,Processo litetári:l e assilnilou ele- uma concepção artística ou literária de alguma ori~ ', 111 1111 lllMI
' mentos tomados às correntes do pensamento criador Embora a consideração crítica. e histórica do Bar- ginalidade. As formas a princípio francamente ba.I"' tol l11•A11 l'I
l' rocas caminharão, ao fim d.o século X VIII, sob nÇ)• 1 1111111 1111 1
. da época, ou seja, às vanguardas européias. O Mo- roco no Brasil, especialn~cnte do barroco literário, já
,, dernismo, a exe1n plo do que se dera a. seu tempo tenha su.perado as barre!fas da incompreensão e do vas pressões, p ara as soluções formais de desinênoin."" "' 11111111 1111•11~
co1n o Barroco e o Ro1nantis1110, responderia a duas preconceito que obstavatn a sua exata avaliação, a b~rroquista - par~ a complementação caracterlzn.t. 'i 1111011• 1•11.i t
'I dora de um ciclo formal maior a que podemos 9b~ · d11 1111111111
sortes principais de proposições : a de uma linguagern abordagent objetiva desse .primeiro passo cíclico de
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...,
... . ~
,en1 curso criativo e a de un1a realidade contextual nosso processo criador ainda requer a cautela d as mar o grande barroco - e, concomitantemente' ,
isso, para a inserção definitiva no incipiente pi:ojetn·
1111 M11ht•,
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inseparável de nossa peculiar exp eriência de expres- comprovações estatísticas, do cotejo estilístico entre
são. No âmbito dessas respostas, o que antes repre- as obras realmente representativas da instância for- literário brasileiro dos substratos de permanência ((Ut> · 111111 llltf • u
sentara. no Barroco e no Romantismo os estágios, rnal barroca e aquelas que, rotuladas especüicam ente nos ficariam da experiência inaugural. Porqué I(~ ti! , 1111 1111t
respectivamente, de apropríação d a reali.dade e de sob o utras conceituações de estilo, se inscrevem ape- funden,i, nas origens de nossa literatura, o impuJB(Íf.., 1111 h•111n~
posse da realidade, evolui no Modernis1no para. u m sar disso, por suas fontes ou correlações de estrutura, ~orrn ativo da herança b:arroca e o <D?odo intuidot q f .1 1hhuh• lltl
estágio de l'eflexão sobre a realidade, valendo para no grande parâmetro -ou paideuma barroquista. N ão l\().uela altura começaria a denunciar u ma voo.ta • 11hJ t ht hUI
o fenômeno d a linguagem um análogo esquem a de de fantasia própria: t11d1t ltllllljt
é este o momento de nos esten dermos n a fixação
três fases, isto é: apropriação da linguagem, n o Bar- de um quadro amp lo de projeções tipológicas e ideo- A obra poética de G regório de Matos represet\ú1 cs1111t11Jil11111
r~co, posse da. linguagem, no Romantismo, e refle~ ló_gicas de desinência_ ~arroquizante, mas aqui s~ im- ben1, por sua qualidade, extensão e tipicidade; aqililo 1f1l1tll••U •
xao sobre a l1n,guagen1, no Modernismo. Ao deli- que poderíamos ch amar a obra-p rotótipo do batt o b111"t t1t•n lo
po~ acentuar, par~ .efeito. de nosso esquema interpre-
.1n itar, entretanto, esses três grandes segmentos do tativo, que pesquisas mais recentes n a área da lite- literário no Brasil. Através da riqueza e coinplo ' ll-1111 t1IMf
d ade de que se reveste, ela põe em evidência ""4 , 1nl11 1111 111-
30
projeto literário brasileiro, teren1os infalivelmente
contra nós o argume11to de que un1a tal:· esquemati- ratura colonial vieram desencobrir material vasto e uma análise formal, lingüística e ideológica de sua
zação levará ao risco de simplificarmos de modo de súma significação para um estudo dessa natureza. estrutura - os elementos de processo do que de-
absoluto o conceito de período na· história de nossa sno os levantamentos de textos relativos às manifes- nominanios apropriação da linguagem e apropriação
literatura, com a minimização de 1nanifestações cro- tações literárias do _sécµlo XVII e primeira metade da 1·ealidade. Assumindo, como nenhum outrd autor
nológica e estilistica1nente autônomas como deverian1 do XVIII - obras individuais de poetas, cronistas seu contemporâneo, a totalidade de nossa instância
ser ·o Arcadismo ou o Neoclassicismo, o Realismo ~ sermonistas ou exercícios coletivos das chamadas barroca, o poeta ba.iano, a par de uma atitude esté-
ou o Parnasianis1uo, o N aturalisn10 ou o Sirnbolis- acadetnias - , material cujo conjunto comprova ter tica e existencial consonante com a visão seiscen-
rno: .~ aqui, precisamente, que nosso esque1na con- Gldo n1aior e mais caracterizadora a atividade que na tista do mundo, é já também o homem europeu tro-
solida sua fundam,entaç~o crítica, pois o que pro- espécie então . se desenvolveu. Ainda que tenhamos picalizado e reagindo a<;> instrumento lingüístico de
c ura.tnos com ele e elucidar os andamentos cíclicos de aceitar, pal-a entendimento didático, o barroquis- que se apropria, é .o artista que, sob o ~impacto de
das fo rn1as e os correspondentes saltos da. consciência 1110 literário brasileiro como um apêndice da litera- uma ordem· original de fatores - de intuição, de
criadora nacional - e não a mera subordinação tura seiscento-setecentista portuguesa, o quadro crí- imaginação, de concepção· - decorrentes de .uma
do projeto literário brasileiro a subdivisões 1niuuden- tJco que se esboça a partir da localização de um realid~de nova, viabiliza pela .Primeira vez uma saída
tes e pouco esclarecedoras. Porque As inencionadas 11ovo e vasto material de estudo já autoriza uma co- brasileira na expressão literária de língua portuguesa.
particularizações se circunscrevem, na verdade, a locução menos tímida e acomodadora da questão. Pode-se mesmo dizer que aquela ruptura que, no
eventualidades de transição, de 1noda de escola - A avaliação ao mesmo tempo estatística e literária decurso do século XVIII, se operará na unidade · do
c.01110 preferia a velha n1etodologia. da história da de manuscritos ou edições da época nos abre agora espírito português, com o surgimento de uma di-
l tte~atura - e não a transformações no corpo do campo bastante para situarmos os elementos de es- 1nensão francamente americana na maneira de in-
projeto co1110 o Ron1antis1no ou o Modernis1no. É , trutura que remarcam, também na esfera da litera- tµir e ele formar; já se· prenuncia na obra de Gre-
p~1:~anto, dentro de u1n raio n1aior de abrangência
.,' tura, a experiência barroca brasileira. E é curioso gório de Matos. Com efeito, não será difícil cons-
c nttca q~~ ?evemos enquadrar os rótulos episódicos verificar que a mesma volúpia formativa que em- tatar que o discurso poético gregoriano difere em
ou trans1tonos, que serão no projeto nada mais que polga o nóssó primeiro barroco plástico - o do faus- muitos aspect<>s do discurso-.p adrão da poesia lusa
pontos de saturação .ou estrangulamento. Algumas to decorativo das igrejas baianas e, em geral, do Nor- do mesmo período, quer pela temperatura semântica,
ha.· ~bras características da peripécia evolutiva de nossa deste - , empolga igualmente a prosa ou o verso mais quente em sua referencialidade imediata,' quer
literatura poderão indicar, e1n síntése, como vere- de nossos primeiros autores, que então, numa ope- pela própria índole da dicção, menos solene e afe-
n1os, os ele111entos constitutivos do processo de cada raço de mimes.e idêntica à dos escultores ou .e nta.- tada. Para o acaloramento semântico do verso con-
etap~ cíclica e os pontos de saturação respectivos, lhadores, se ap ropriam dos modelos vigentes no bar- correm, sem dúvida, o àproveitamento de um novo
nux.1hando-11os a erguer do Modernismo uma in1a- roquismo ibérico. A busca da autonomia criativ.a ten- material signüicante, retirado ao vivo de uma fala
gen1 que nos parece n1ais válida e acertada. derá, no entanto, a fazer-se acentuar na medida em de nítida feição popular ou nativa, e o recurso fre-
que as formas se aclimatam e a sedimentação de qüente a um repertório temático de predominância
Barroco: um processo de apropriação un1a nova consciência cósmica propicia· a eclosão de prosaica. Por seu turno, a rigidez da dicção provém
( 1
un1a concepção artística ou literária de alguma ori- aí da maior desenvoltura sintática da frase, da sua
E n1bo.ra a consideração crítica. e histórica do Bar- ginalidade'. As formas a princípio francamente bar- inflexão coloquial, da formulação mais livre e auda-
J'OCO no Brasil, especialmente do barroco literário, já
rocas caminharão, ao fim do século XVIII, sob no- ciosa da idéia, o que redunda - à exceção de al-
tenha su.perado as barreiras d~ incornpreensão e do vas pressões, para as soluções formais de desinência guns poemas de contextura buscadamente cultista ;_
preconceito que obstava1n a sua exata avaliação a barroquista - pari:l a complementação caracteriza- numa ,clarif.Lcação geral do discurso pçético. Através
nbordagem objetiva desse .p rimeiro passo cíclico 'de dora de um ciclo formal maior a que podemos cha- da leitura digan1os · lingüística da poesia de Gregório
n1ar o grande l;>arroco - e, concomitantemente a de Matos, o especialista poderá rastrear o fenômeno
nosso processo criador ainda requer a cautela das
comprovações estatísticas, do cotejo estilístico entre isso, para a inserção definitiva no incipiente projeto emergente de uma entonação brasileira da língua, que
literário brasileiro <tos substratos de permanência que não será outro senão um mo~o já específico de sen-
ns obras realmente representativas da instância for-
nos ficariam da experiência inaugural. Porque se tir, de mentar e exprimir o choque -entre as · formas
1 11 ~ •' 'f11l 11uw1 n1al barroca e aquelas que, rotuladas especüicamente fundem, nas origens de nossa literatura, o impulso de herança e os estímulos e sugestões da peculia-
1•11lllf11tl1 sob ~utras conceituações de estilo, se inscrevem ape- formativo da herança b~roca e o ,modo intuidor que ridade tropical do país. Assim, a sua obra p9ética,
sar disso, por suas fontes ou correlações de estrutura,
àquela altura começaria a denunciar uma vontade aberta tanto estética quanto semanticamente e vol-
no grande parâmetro ou paideuma barroquista. Não de fantasia própria; ' tada sempre para a urgência comunicativa, traduz
é este o nlomento de nos estendermos na fixação A obra poética . de Gregório de Matos representa exemplarmente um . processo de apropriaçãp da lin-
de un1 quadro amplo de projeções tipológicas e ideo- ~ be1n, por sua qualidade, extensão e tipicidade, aquilo guagem e .da realidade, que é o próprio processo do
•~1111 1 , •.. , , ' lógicas de desinência ~arroquizante, mas aqui sy im-
'

que poderíamos chamar a obra-protótipo do barroco barroco brasileiro.


1111• põ~ acentuar, par~. -efeito de nosso esquen1a interpre- literário n.o Brasil. Através da riqueza e complexi-
, .. 111111 ·li lo. . Essa etapa cíclica de apropriação, tal como se cons-
tativo, que pesquisas mais recentes na área da lite- dade de que se reveste, ela põe em evidência - a tata na obra-protótipo de Gregório de Matos ou,
.DO BARROCO AO MODERNISMO. . . 31
,,
'.
.,
sern a mesn1a precisão tipológica, em manifestações será o do animismo romântico. D as cinzas do Bar- ·~

n1enores ou subsidiárias, introduz, no nascente pro- roco - para lembrarmos uma imagem a este muito norosa enquanto demarcação de uma realidade Ca.n!i , 11111111u1hl11
jeto da literatura em formação, uma primeira série cara: a da Fénix Renascida - , a literatura brasi· ti nte de sugestões que se pretendia o espaço dii , '" li~ llll•llftft
de elementos de estrutura que, de maneira constante leira reton1a e repropõe o seu projeto, agora mais rcncindor de uma experiência nova, amesquinba>i$lt . 11111111 1111~

l

ou intermitente, virão a atuar em todo o seu pro- autonomamente. onqunnto proposição de linguagem, pois os recurs ; - 11•11111111111 J
cesso de evolução. Os referidos elementos, apropria- de construção sobre que esta se sustenta estão mi ·, ...•li 1111'-...
dos mediante importação, i~to é, assimilados de um Romantismo: um processo de posse nodos pela ausência de ímpeto criativo. A instânOl:l :· ,,, 111111..11..
elenco de modelos externos e pela via preferencial do posse a que corresponde o ciclo do Romantismo .~ 111111..,11\'RI
da herança portuguesa, ou apropriados mediante uma O Romantismo, etapa cíclica que preenche, com rosulta, portanto, num fato de maior peso no pla.uO .!; 111•1 11~14 11
i;ln realidade do que no da linguagem e quando, em
1
condição original de apartação, ou seja, instaurados seu corolário ideativo e seu elenco formal, o desdo- 111111111111111•
;

dentro de uma perspectiva criadora já brasileira, se bramento do projeto literário brasileiro ao longo sua vigência, se constata um fenômeno de radioal l: 1·1 1111 li li•
condensariam, em resumo, no seguinte esquema: de quase todo o século XIX, não ten1 tido, nos anos Implicação inventiva, como o da poesia de Sousfln~ ;, jll ll 11111111'•~
1) linguagem de postura aberta; 2) reação ao i1n- mais recentes, a mesma fortuna crítica de que hoje tlrude, isso leva os historiadores de nossas letras a ·) <'tllll l i "ºJ
pacto tropical; 3) busca de uma fantasia autôn"ma; desfruta o Barroco em sua reavaliaÇão qualitativa. nlljá-lo para uma l'aix.a de ex.ceção. '[lll' ,., .. ·~
4) concepção contradit6ria do real; 5) tensão de Razões de vária ordem detern1i11am, setn dúvida, essa A to1nar-se o Romantismo como uma etapa CÍ• Mh1j i1[11 1'..
1
dilaceramento existencial. Se acompanhar1nos a trans- espécie de retração a que se vê levado o Roman· cfíca, ele coordenadas formais e filosóficas bem trans~ j,lllllll, "''
formação que, a partir das alturas de' 1750, começa tismo, razões que podem estar fundadas tanto remo· pnrentes e já sistematica111ente delimitadas, a sul.\. A 111-IA ~
a verificar-se na forn1a literária de .índole brasileira, tamente na própria inerência do organismo român· obra-protótipo não poderá ser, de modo evidente, f\, lltllll 11111
notaremos
. . - que os elementos
. ,.. .
liberados pelo
. Barroco
. se 1ns1nuarao, como 1nerenc1as estruturais, em meio
. tico - na essência idealista de sua filosofia, pouco
afinada com o espírito objetivista de nosso tempo ~.
que extrapola, pelo insólito teor criativo, essas coor•
dcnndas generalizadoras, mas a que assume, a con~ 1th11• "' t
às soluções de franca propensão arcádico-rococó, quanto niodernamente numa atitude crítica e estética 1r11gosto de nossa exigência crítica, a verdadeira re. . 11\11h• 1

quando não mesmo de feição neoclássica. Pode-se, que tende a subestimar a obra destituída de maior prcsentatividade ro1ná'11tica no conjunto de seus acera '11li1d11 ....
portanto, falar - como antes sugerimos - nun1a intenção inventiva. Nesse ponto, a criação românti· tos e de seus fracassos. Sob tal ângulo, o painel aleri• .... - 111111
prolongada vigência do parâmetro ou paideuma caria110 - como denominaremos aqui o bloco do 1·~~11 •.•• ,.
ca, impregnada de uma grande carga afetiva, mas
barroquista, ou num grande barroco, que só virá a revestida forn1almente por uma capa retórica quase ron1ances de José de Alencar - parece-nos reun.ir1 111 1111·111 li
conhecer seu termo de saturação quando o projeto sempre ingênua e impressionista, não poderia mesmo na sua abrangência, todos os elen1entos de tipifica• • lll\'11111 1111•
se encaminha declaradamente para uma nova ins- corresponder, em nível crítico, a um gosto e uma ção do nosso Romantismo. O painel ambiciona, na , p1 l11H1 1111
tância cíclica. Até aí, não se desfaz o paradoxal amál- sensibilidade condicionados por formas e materiais diversidade de focos, abarcar em amplitude um pi:e- , Y1•11 f111lt11!1
gama barroco, pois convivem ainda, na obra da se- penetrados cada vez mais pela tecnologia. Mas não lcxto de realidade entendida como nossa, mas não •, nt1 11111lt111
gunda metade do século XVIII, certas contradições há de ser uma tal diacronia que retirará ao Roman· o fa rá a partir de uma visão centrada, objetiva e "" • jlll• li
de âmbito filosófico e estético deflagradas, à distân- tismo a legitimidade de sua contribuição própria, de direta desSé pretexto, antes usàrá do artifício da am• 1(- l 1 uttf ··h

cia de um século, na poesia de Gregório de Matos. seu desempenho fásico no andamento de nosso pro- plificação ·retórica para conforn1á-Jo em um nível de " 1 111111• •
A gradativa perempção da atitude existencial e cria- jeto literário, da função que, bem ou mal, exerceu idealização e afetividade condizente com a proposta tii\111111 1111
tiva própria do Barroco virá a culminar no surgi- como movimento catalisador de influências ou mo- rornântica. Há, todavia, por detrás da atitude Hte- 11·11lp11 -•'
mento de uma obra-limite, assim conceituada porque vimento de expansão de forças liberadoras de uma rária de Alencar, uma impulsão motivadora mais for- .. • 1111~11 1 .. 1~,
leva ao máximo de depuração os elementos consti- expressão nacional. A rea1idade e a linguagem de te que é o propósito de fundar, simultaneamente a 11tlo 111111
tutivos da primeira etapa do projeto. O Uraguai, que o grande barroco, no seu todo, buscou apro· un1 ron1ance que seja a réplica brasileira do romance ; 11•'4)1h·ll 1
escolhido aqui dentre outras obras pela sua mais har- priar-se con10 instância de aclimatação a um mundo de seu tempo, uma fantasia autônoma, capaz de plas• " ~ h 11, 11 •li
mônica integração dos estratos nativista, ideológico culturalmente ainda não definido, de adaptação à 111ar a imagen1 singularizadora da ~ascente nacion11• du1h• 1lt1
e formal, .exercerá a nosso ver esse papel de obra- vontade de exprimir de uma experiência ainda não !idade. A falta de un1a tradição individualizadora do 1·111v11h1111;
.1 -limite, de ponto-referência a partir do qual, olhando caracterizada, só no segundo passo ·cíclico virão a horncrn americano, o escritor p rocuraria compensá-la. 1111p4'1 lu hl
1 para trás, reconstituiremos o percurso barroco, e, constituir categorias efetivas, das quais procurará co111 a ed ificação de u1na 1nitologia que de algum '\ 111;1)1 ·111 "
1
fixando a vista no futuro imediato, divisaremos as apossar-se mais concretamente o que então já se po- 1nodo nos remarcasse e distinguisse, mas para Jssq . '.' v11111 1111111
linhas denunciadoras do Romantismo. Sua língua~ derá chan1ar uma consciência literária brasileira. Au· recorrendo - con10 o fazia desde os épicos colo• .'.. 1 ll\'111111111, 1

ge111, contrapondo à insolência semântica da lingua- tonomizando-se paralelamente à instauração do es- niais a poesia - à heroicização, em 1noldes cavalQlT .; 1111•111 .. [lltt
gen1 gregoriana un1 grau 1nais refinado de referen- tado político nacional, o projeto de nossa literatura rosos, do componente étnico que àquela altura já lll.~ , 11111111111111
clnlidadc e à retórica sensorial de nossos primeiros sofre aí os mesmo percalços de conjuntura, oscilan· nos contava no processo estruturador do novo paítlf :, 111• 111111111
poetas, un1a espécie de 1netáfora mais lírica do que do entre a euforia telúrica e a ingenuidade idealista, o índio. O painel queria, porém, alcançar univer&Cf .:; 111.111111• tlt
dcoorallv&, encerra u1n ciclo típico de ·apropriação os modelos ambiciosos da concepção e as frustra- 1nais totalizador e ca1ni11har, da fundação do rnltó ~ .., 1 1111•111
o so encaminho purn u1n ciclo típico de posse, qual ções da realização objetiva. A obra rotnântica, ge· autóctone, para a saga do colonizador e para a hi.S! .':. 1•l~· 1111>11h11
t6ria de sua fixação, até atingir a própria contem~ ~·· tl11 111..1111
~a . ) ..
';,
.<
será o do au imismo romântico. Das cinzas do Bar-
roco - para lembrarmos un1a imagem a este muito ,; { à enquanto dem arcação de uma realidade can- poraneidade vivenciada pelo romancista. Alternando
oara: a da Fênix Renascida - , a literatura brasi- .r.. r;Bta de sugestões que se pretendia o espaço dife- as incursões que iam da lenda poética e telúrica ao
leira reton1a e repropõe o seu projeto, agora mais .. RUolador de 111na experiência nova, amesquinha--se idílio rural, dos costumes urbanos à caracterologia
nutono1na1nente. '.·~ GfIUMto proposição de linguage1n, pois os recursos regional, Alencar na verdade con1pôs como pôde · o
!< lilii constr ução sobre que esta se sustenta estão 1ni- seu ·m osaico, com ele erguendo não tanto a imagem
Aon1antismo: um processo de posse ·,, ruido.il pela ausência de ímpeto criativo. A instância brasileira que almejava, mas antes a image1n de uma
li 1•11·11 .... ' .: do posse a que corresponde o ciclo do llomantismo concepção ron1ântica do inundo, ainda que na pers-
hll·• 11·11111• O Roma11tis1no, etapa cíclica que preenche, com ft3Ultn, portanto, nurn fato de maior p eso no plano pectiva de un1a impressão brasileira. E não obstante
seu corolário ideativo e seu elenco formal, o desdo- da rc;nlidnde do que no da linguagem e quando, em propugnasse romper o vínculo entre nossa língua es-
bramen to do projeto literário brasileiro ao longo SUA vl2ência , se constata um fenômeno de radical crita e as matrizes normativas da ]1egada. língua escrita
de quase todo o século XIX, não tem tido, nos anos Implicação inventiva, como o da poesia de Sousân- portuguesa, o intento alenca.riano pouco teve a ver
mais recentes, a nlesma fortuna crítica de que hoje drado, isso leva os historiadores de nossas letras a cotn o enriquecimento da linguagem literária em si,
desfruta o Barroco em sua reavalia~o qualitativa. alt)~·lo para uma faixa· de exceção. que e1n seu painel restou irremediavelmente compro-
R.l1Zões de vária ordern determinam, sem dúvida essa A tOll'Hlr-se o Ro1nantismo como u.ma etapa cí- metida
.
pela falência criativa e ingenuidade da ima-
espécie de r~tração a que se vê levado o Ro'1nan- oflan, de coordenadas formais e filosóficas be1n tra ns- ~

g1naçao.
tlsmo, razões que podem estar f undadas tanto remo- pnrentes e já sistematicarnente delimitadas, a sua A instância de posse que, 110 curso do projeto lite-
ta111ente na própria inerência do organismo român· obrn•J)rotótipo não poderá ser, de modo evidente, a rário brasileiro, o Ro1nantismo Jepresentou para o
tlco - na essência idealista de sua filosofia, pouco quo e_xtrapola, pelo insólito teor criativo, essas coor- nosso escritor J1a manipulação das estruturas básicas
afinada com o espírito objetivista de nosso ten11p o - , donudas generalizadoras, mas a que assume, a con- sobre as quajs trabalharia - a Jinguage1n e a reali-
qunnto modernamente numa atitude crítica e estética tr112osto de nossa exigência crítica, ·a verdadeira re- dade - , pode-se dize r que foi u1na etapa desen-
que tende a s ubestimar a obra destituída de maior presentatividade ro111â11tica no conjunto de seus acer- rolada dentro de uma esfera de experiência talvez
t 11 lo\I
inte~ção inventiva. Nesse ponto, a criação românti- tos e de seus fracassos. Sob tal ângulo, o painel alen- próxima da experiência sensível da posse no pro·
f1~j
ca, 1r~1pregnada de uma grande carga afetiva, mas ct1ria110 - cotno denominaremos aqui o bloco de cesso erótico . As mesmas categorias da encantação,
li"' rovest1d~ f<_?rmalm~nte po~ urna capa retórica quase ron1ances de José de Alencar - parece-nos reunir, da alegria sensorial, da quebra da inocência ali es-
t 1 lt ' aempre 1ngenua e 1mpress1onista, não poderia mesmo n11, sua abrangência, todos os elernentos de tipifica- tavam presentes, tnovendo· então uma vontade de cx-
Ili lt corr~sp?nder, em .n~vel crítico, a um gosto e uma çlio do nosso Romantismo. O painel ambiciona, na prin1ir que tinha no impacto afetivo o seu único e
aons1b1hdade cond1c1onados por formas e n1ateriais l.liversidade de focos, abarcar em a1nplitude um pre- verdadeiro grau de tensão. Entretanto, o espaço des-
penetrados cada vez. mais. pela tecn_?lo~ia. Mas não texto de realidade entendida como nossa, mas não sa prolongada fantasit1 era conjunturalmente maior
hd de ser utna tal diacron1a que retirara ao Roman· o fa rá a partir de uma visão centrada, objetiva e do que o de u1n 1nero estado de espírito literário e
tismo u Jegitin1ida~e. de sua contribuição própria, de direta desse pretexto, antes usará do artifício da a1n- as frontei ras de sua inerência ingênua alcançava· todo
Geu d~se~I?enho fas1co no andamento de nosso pro· plificação 'retórica para conformá··lo exn um nível de o corpo do próprio estado político. O discurso in-
Jeto l1terano, da função que, bem ou mal, exerceu l idealização e afetividade condizente com a proposta gênuo de,,, que. o painel alencariano constituía um pro-
' ,. . . ,. . .
como niovimento catalisador de influências ou mo- romântica. Há, todavia, por detrás da atitude Jite· tottpo so seria assim prototlp1co enquanto dado de
vlmento de expansão de forças liberadoras de uma rária de A lencar, un1a impulsão motivadora mais for- consideração de ordem literária, porque - em sen-
... ,.. . . . • 1111'
o.tprossão nacional. A realidade e a linguagem de te que é o propósito de f undar, simultanean1ente a tido lato - não passava de utn simulacro de nossa
,, '''•'l!Jb quo o grande barroco, no seu todo, buscou apro· t1m romance que seja a réplica brasileira do romance retórica institucional: a do estado político roJl?.ân-
~1111 111111~ ~i'J prinr-sc eo1n o instância de aclimatação a um mundo ele seu tempo, uma fantasia autônoma, capaz de plas- tico, a do estado político ingênuo. Para uma socie-
ln .'..:ft.. 1111\uh • O!Jlturalme11te ainda não definido, de adaptação à ll'l.ar a i1nagem singularizadora da .11ascente naciona- dade de esteamento rural, apoiada na prática da es-
1110· 1 .i•. 1 i l.11 ·.
vontade de exprimir de uma experiência ainda não lidade. À falta de u111a tradição individualizadora do cravatura, elegían1os paradoxaln1ente o modelo do

....,.......
1111111. 11li1111

I«l••tl 1·1111 lij


·~
Ol\racterizada, só no segundo passo cíclico virão a
constituir cat?gorias efetivas, das quais procurará
apossar-se 1na1s concretamente o que então já se po·
hoinem an1ericano, o escritor procuraria compensá-la
co1n a edificação de tuna 1nitologia que de algum
n1odo nos remarcasse e d istinguisse, mas para isso
império liberal, procurando con1por com os barões do
açúcar e do café nossa metáfora tropical da corte
vitoriana. Isso de modo idêntico ao n1odelo que bus-
. ''"'' lhljl fll dcrá ohrunar uma consciência literária brasileira. Au- recorrendo - con10 o fazia desde os épicos colo- cávamos, cspecularmente, para .a literatura, notada-
,.,, 1 J.1 1111111 0
tenomlzMdo-se paralelamente à instauração do es- niais a poesia - à heroicização, em moldes cavalei- mente para a poesia, repassando-a ele afetação victor-
1 1l t- "'' ""'I tado político nacional, o projeto de nossa literatura rosos, do componente étnico que àquela altura já n1e- hugoana ou byroniana, O Rotnantismo, encarnado
-.1- 1•1IH1•ltot ·. GCho ní os mesmo percalços de conjuntura, oscilan- nos contava no processo estruturador do novo p aís : de nlodo ·totalizante na praxis e na expressão defi·
1111 ... 111> .,, .. . rlo entre a euforia telúrica e a ingenuidade idealista o lndio. O painel queria, porém, alcançar universo nidoras do oitocentos. brasileiro, faria pois com que
.,,1, 1~,., ''~i. ,,, ;
~ modelos ambiciosos da concepção e as frustra~ mais totalizador e ca111inhar , da fundação do mito se consolidasse en1 sua vigência um novo feixe de
li /hllll· 'I'"' WlS~ do reGilização objetiva. A obra romântica, ge· autóctone, para a saga do colonizador e para a his- elementos característicos, alguns dos quais, no caso
tót ia de sua fixação, até atingir a própria contem- da literatura, acabariam por aderir - positiva ou
DO BARROCO AO MODERNISMO . . . 33

..,,
C.l /isses de J ames Joyce. Assim, a propósito de 01', 011 •h• 111111 1
negativamente - ao nucleamento em curso do pro- o escritor voítado de início para a inerência lingüís· 001110 M enu)rias Sentimentais de João · .Mir{lf) 1111 Huttt•
jeto. Reformulação de elementos projetados do ciclo tica imediata - a palavra, a frase, o sintagma - , ( 1924), de Oswald de Andrade, e Macunal 1 111111 1111tlll
anterior, .ou seja, do grande barroco, ou mera' adição daí .evoluindo para operações mais complexas que ( 1928), de Mário de Andrade, podeme>s falar ft A./11r•11111ff1
de elementos de importação, esse feixe assim se sin- abarcam toda a problemática estrutural de seu texto. cn1nente em romances-textos e não mais em rOM 1IA 1•UIUl~t
tetizaria: 1) ·concepção idealizada do real; 2) ex- Entretanto, o que passa a ser questionado e refle- ces tout court como os que nos vinham da tradiQu 1
1111~111 ttt
tasia tropical; 3) mítica telúrica; 4) fantasia ingê- xionado não é ,tão-só uma linguagem literária bra- roinfintico-realista. Nesse ponto, o par Miramar..M hl11h10• U
nua; 5) linguagem de prevalência sensorial. Na sua sileira que se precisa rever e reformular, mas a pró- c11n<1Íma - que adotamos como obras-protótipo 4 11•111 11•1•1
i. simbiose, tais elementos - que igualmente poderão pria modernidade da escritura naquilo que as cor- especificidade modernista - prende-se, quan~o tn'Q 11111111•1•1

i.. 1
vir a repercutir mais tarde até mesmo no espaço
modernista - desbordam dos quadros do Roman-
tismo propriamente dito e empolgam sem subterfú-
gios a linguagem parnasiana e simbolista (ora direis
rentes internacionais do momento impõem então co- ·
mo foi:ça renovadora do pensamento criador. O Mo-
dernismo quer também utilizar-se da lição das cul-
turas mais amadurecidas, assimilando técnicas e, se
to, dentro do projeto literário brasileiro, aos fio~ bMi ,
tontc tênues de uma linha de prosa fragmentária CJ\l
prosa-montagem esboçada ainda .pa ancestralidnd9
barroca com o Peregrino da Arnérica, de N uno Müft!
1•11111111 attt
v111I•• ...,
-n111•oltt
l'lllt •ttl•t•
ouvir estrelas/ hão de chorar por ela os cinamomos), possível, reduzindo-as a uma necessidade nossa de ques Pereira, ou as Reflexões Sobre a Vaidade <lô~ ( 1U'l" l •
ao mesn10 tempo que invadem de conotações ibgê- expressão, de atualidade de expressão. ~ aqui que flo1ne11s, de Matias Aires, linha interrompida até ~Ull cituluit 11 11
nuas ou afetivas a chamada prosa realista. Nesta, ire- o processo da reflexão modernista, como um grande nrande e solitária retomada com o romance de Mri• 111111101 Yh
rnos muito justamente localiZ!ll' en1 Dorn Casmurro a leque de arejamento crítico, prüneiro se abre ao -so- chudo de Assis. Mira1nar, 1nais próximo da técnleu, ,, '11111 lllllff'
obra-limite da demorada postura oitocentista, pon- pro novo da viração universal, para depois fechar-se de frag1nentaçãof-m achadiana, traz, no entanto, un1, , t· lo ilu 1t1nj
to-referência de uma saturação que, estendendo em- sobre nossa própria perplexidade e repensá-l.à já nãe> ol"incnto de extraordinária novidade para a nosSfi 1'h111lll11111
bora, com a fragmentação sintagmática e a impos- ·apenas em termos de linguagem, mas sobretudo de linguagem ficciona.1, qual seja a de um diferente dJ• ' 1111 t 111111•1
tação irônica, uma ponte para o discurso modernista, realidade. O pêndulo linguagem I realidade, experi- 1nc11sionamento da frase, que, ! man~irLd.a tom.!!âJ.\ Ih lt·n 1111
também faz exaurir a metáfora de nossa persona ro- me11tação/ construção ritmará o desenvolvimento do cinematográfica em cortes rápidos e si~ultâneos ou_ 1 l"1l1uh• 11
mântica: dos lábios de mel de Iracema aos olhos de projeto literário brasileiro ao longo de uma vigência Qn in1agem partida em superfícies cúbiêàs! resjJ}(A 1A111•l1t 1111
1
ressaca de Capitu. cíclica em que viremos, afinal, a conhecer a nossa nun1 estilo . marcado pela smtese e concreçao.. _.!.!• r- 11r111&1 Afh·1
opção maior de originalidade. cu11aíma, buscando antes uma tipificação da l.Úl~ '"''" •ltt
Modernismo: um processo de reflexão e, no âmbito pois das criações mais fortemente do que uma invenção de linguagem, pode-se dtzor 0111111r. .111
originais, seja pela nova atitude diante de> proble1na uunbém que reflui ao modelo barroco do Peregrit10 -1 11 11111 Ml1
O grande vetor da terceira etapa cíclica do pro- da linguagem, seja pelo pressuposto de um inferente qua"do abole tempo e espaço narrativos. e faz de , >11h11, 1111111
jeto literário brasileiro pode, a nosso ver, encontrar repensamento crítico da realidade, que devemos ir sou herói um outro ho1no ambulator, onipresente O 111-11111 t·
u1na dupla radicação propositiva, um elo originário procurar a obra ou as obras-protótipo instauradoras r~vcrsível. Enquanto Mirarnar, prosa cubista, abre-se ,: M41 lu 1111
que alcança simultaneamente a primitiva apropria- do inteiro espaço modernista~ão obstante a ·m aior h Ullgulação nletonímica, Macunaíma, prosa estrutll• IA111111 Jlltf
ção barroca e a experiência aposseadora do Roman- violência do salto qualitãtivd ocorrido na área da ral, prefere ater-se ao domínio da metáfora, emboro f 1111111 t11ylo1
tismo. ,. Fazendo reverter criticamente ao curso do poesia, relativamente ao padrão do produto poético nlnrgando-a à proporção do mito. · 1h•111l•11111
1 projeto a noção de liberdade formal e a conscienti- de fases anteriores, será na prosa de ficção que sur- Ganhando a categoria de texto criativo por forçl\ ''"'''"'''',.
1 .'

1 l zação diante de nossa realidade, o Modernismo aca-


bou por distinguir, ino cômputo daquilo. que a his-
preenderemos os exemplos do maior arrojo criativo
dos anos de implantação do Modernismo. Território
de uma radical reflexão sobre a linguagem, o par Mi·
r<11nar-Macunaíma ostenta, não obstante isso, .um. •
Jii1 •t11tfl1'••
,,, ,,,,,,,.,~
tória da literatura nos documentava como possíveis de estabilidade formal mais duradoura e definida, a grau muito intenso de referencialidade, através do ~ . , lo ltl~il.t
virtualidades;'<> que aí consistiria num -fulcro implí- fratura operada na estrutura do n osso romance pa- qual Oswald e Mário fazem .Pe.rmear em sua e~pr~--·~r lllllMI 1 !Jtl\
..."', ,-..... !=ito de intuição própria e o que até então tinha sido, rece-nos, por isso mesmo, à distância de meio século, alio literária aquela. potenc1ahdade . de consc1enc;))41·~·: 11 tlMdnl•t
ao contrário, mero impressionismo temático ou re- um impacto de extrema conseqüência para a forma- contextual inerente à ideologia crítica do Mqdc •"' 1116 t lllHttt
) petição ingênua de modelos importados. Assim, o que tividade modernista. ~ a mudança da .linguagem n:ismo. Há no substrato referencial de ambas. as o\it .
o Barroco trouxera remotamente como abertura cria- poética ocorria realmenfe-··i[ partir· qa_rQ:~º!_~ção r.a- u111a insinuadora gama de significados ,que rem~t.ê ·
1111 11h1. li
ora sob a forma despistadora da paródia, ora so~~: 1011111 111111
tiva ao primeiro esboço de uma expressão brasileira .cJical do verso livre, mas dentro da nall!r..~.r§P.!ia
- elemento de tradição que a etapa romântica su- de foêlá' a p oesia qµe é a movência ,plásJ.i«a assumida fol'lna mais agressiva do humor, ao núcleo de,'um!.\ 111111111101~1
focaria sob a camada da sua superficialidade formal pela p~~xn j;_o mo__mãiel'..!.!!.l de:_expres.s.ã.o......dô]iõêta, ru11lidade que a ·visão n1oderoista se propunha JÍ:' ''"y" o •••
•11 htl•h•
..
~ -
- é retomado e revigorado pelo movimento de 1922,
. .
que, no entanto, Jª nao o conceitua mais como ar-
a mudançª- :ru:.o.po.sta na esfera da ficção rom~a os
parân1étros naturai~-dõ - &ênero - o tempo- e e;)- es-
pensar, de maneira mais científica e abr angente1 tatnJ '
bém com os instrumentos novos da Sociologia, 1lt1111l•U1tl1
, ·--- _ . - ·- - - -.-.-
Etnografia, da Antropologia ou da História reverlf} 111111111• Jntt
tifício de ornamento da linguagem, porém como pes- paço na~r11t_i:-_os - , par!.lfilp_Of um~ noç~_J!OY.~E.~fª I
quisa de linguagem, categoria inseparável da moder- a espécie: a noÇao~áe texto. E isso acont~~~- em cada. Aqui o nosso escritor voltou, para erguer ta.11 MIHIHW• '
na criatividade estética. Esse princípio valorizador da nossa plena sincronia de modernidade com· a ficção significados, à necessidade de construí-los a parti lll•1•1tbtflH '
li ~Jerimentação exerce-se em nível de reflexão, com de língua inglesa ou-francesa, a contar mesmo do
- .., ........ - -
J 34
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f


. fJ l/SJf'S de James Joyce. Assim, a pi;opósito de obras de uma tradição, ainda que essa tradição fosse, como
111 111 1!11 1•111 o escri tor voltado de início para a inerência Iiogüís· oon10 Menwrias Sentimentais de João Miramar no Romantismo, articulada sobre valores étnicos de
11110- 1111 ' t1 tlca irnediata - a palavra, a frase, o sintagma - , ( 1924), de Oswald de Andrade, e Macunaíma que procuraríamos agora uma transposição filosófica .
111.. 111 n1lh;n daí evoluindo p ara operações mais complexas que Macunaí1na, somando estrafus míticos e etnográficos
( 1928) , de Mário de Andrade, podemos falar fran-
11••1111 ... 11{11 abarcam toda a problemática estrutural de seu texto. da cultura arcaica indígena a vicissitudes de uma
onmcnte en1 romances-textos e não mais em roman-
....,, ' J 1 ,. En tretanto, o que passa a ser questionado e refie· ces 10111 court com.o os que nos vinham da tradição nação cm incipiente processo indmtrializador, ai:n-
f+llll1llfol li/ xlonado não é 'tão-só uma linguagem literária bra- ro1n fintico-realista. Nesse ponto, o par Miramar-Ma· biciona não tanto compor, ém torno de seu herói
" '''' N~I JI{
..1111• p111h•1
sileira que se precisa rever e reformular, mas a pró·
prin modernidade da escritura n aquilo que as cor-
c1111aí n1a - que adotamos como obras-protótipo da ' sem caráter, uma fantasia de fundo meramente in-
rsp~cl ficid ade modernista - prende-se, quando mui- a ianista, mas a própria imagem do ser político n~­
li 1111 l'lfl'1 rentes internacionais do momento impõem então co- · to, dentro do projeto literário brasileiro, aos fios bas- cional em amálgama. Miramar, sátira urbana, já pul·
111.1 U11 n 1.,,1,..,.. 1no força renovadora do pensamento criador. O Mo- tonte tênues de uma linha de prosa fragmentária ou veriza contudo, na sua fragment.a ção frásica, o pen·
del'nismo quer também utilizar-se da lição das cul- prosn-n1ontagen1 esboçada ainda ..pa ancestralidade sarnento modernista, incisivo e anti-retórico, que se
turas mais amadurecidas, assimilando técnicas e, se barroca com o Peregrino da América, de Nuno Mar- extremará ideologicamente nos manifestos Pau-Brasil
possível, reduzindo-as a uma necessidade nossa de quos Pereira, ou as R éflexões Sobre a Vaidade dos (1924) e Antrop6fago (1928) , O texto oswaldiano,
' 11'"'
11~1\1·-
'" ' "'" 1 ' expressão, de atualidade de expressãcf. g aqui que T/01ne11s, de Matias Aires, linha interrompida até sua embora de maior radicalidade inventiva, nós o po-
" l·l1•1tl 11 , o processo da reflexão modernista, como un1 grande t;runde e solitária reton1ada com o romance de Ma- demos vincular, de n1aneira mais procedente dQ que
f 1 '1111 lfll~ leque de arejamento crítico, primeiro se abre ao ·so- Macunaíma, a lances de tradição no desenvplvimen~
+ 111111111, 11!,C;._
ch11do de Assis. Miramar, mais próximo da técnica
p ro novo da viração universal, para depois fechar-se de frug1nentação'f'm achadiana, tràz, no entanto, um to do projeto literário brasileiro, seja ao mQi;le\o ma-
..... i..11111 sobre nossa própria perplexidade e repensá-Ià já não ole1ncnto de extraordinária novidade para a nossa chadiano mais recente de humor e prosa elíptica, seja
apenas em tertnos de linguagem, mas sobretudo de linguagem ficcional, qual seja a de um diferente di- no recuado nascedouro seiscentista àquela · visão sa-
realidade. O pêndulo linguagem/ realidade, experi· nicnsionamento da frase, que, à mªn~ira. da . ~omada tírica de Gregório de Matos diante da mesma so-
1ne11taçãol construção ritmará o desenvolvimento do ch1en1atográfica em cortes rápidos e simultâneos ou ciedade de raízes rurais e monocultoras que, na dii;-
projeto literário brasileiro ao longo de uma vigência ~l n imagem partida em superfícies cúbicas, resulta tãncia de trezentos anos, apenas deslocara o seu eixo
cíclica em que viremos, afinal, a conhecer a nossa uu 1n . estilo . marcado pela síntese e concreção. Ma- geográfico e trocara o fulcro econômico do açúcar
opção maior de originalidade. c1u1aíma, buscando antes uma tipificação da língua pelo do café. Reflexão de uma consciência crítica
e no âmbito pois d as criações mais fortemente do que uma invenção de linguagem, pode-se dizer manifestada nos planos da linguagem e da realidade,
originais, seja pela nova atitude diante do proble1na também que reflui ao modelo ·b arroco do Peregrino o par Miramar-Macunaíma condensa e enfatiza, as-
da linguagem, seja pelo pressuposto de um inferente quando abole tempo e espaço narrativos e faz de sim, toda a proposta estética e ideológica do Moder-
repensamento crítico da realidade, que devemos ir seu herói um outro ho1no atnbulator, onipresente e nismo. Confluei:n e atuam nos textos de Oswald e
procurar a obra ou as obras:J?.rotótipo instauradoras reversível. Enquanto Mirarnar, prosa cubista, abre-se Mário aqueles elementos que, atravÇs de um simul-
do inteiro espaç0 modernistaf '.Não obstante a m aior à angulação metonímica, Macunaíma, prosa estrutu- tâneo processo de importação, de projeção ~u de
violência do salto qualitãtivo ocorrido n a área da ral, p refere ater-se ao domínio da metáfora, embora aportação, definem a redutora originalidade do" Mo-
poesia, relativamente ao padrão do produto poético olargando-a à proporção do mito. dernismo dentro do nosso projeto literário: 1) ex-
de fases anteriores, será na prosa de ficção que sur- Ganhand.o a categoria de texto criativo por força peri1nentação formal; 2 ) linguagem de prevalincia
preenderemos os exemplos do maior arrojo criativo de u1na radical reflexão sobre a linguagem, o par Mi- inve11tiva; 3 ) concepção crítica do real; 4) fantczyia
dos anos de implantação do Modernismo. Território r<unar-Macunaíma ostenta, não obstante isso, um de autenticidade nacional; 5) substrato de consciên·
de estabilidade formal mais duradoura e definida, a grau muito intenso de referencialidade, através do eia ideológica. Elementos que viriam a ·confluir e
fl'a tura operada n a estrutura do nosso romance pa- qual Oswald e Mário fazem permear em sua expres- atuar, em coesão ou alternância dialética, em todo
rece-nos, por isso mesmo, à distância de meio século, s5o literária aquela, potencialidade . de consciência ·o desdobramento do discurso reflexivo modernista,
ntn itnpacto de extrema conseqüência para a forma- contextual inerente à ideologia crítica do Moder-
tlvidudc modernista. Se a mudança_ da.Jinguagem até encontrar sua saturação criativa na obra-ápice,
n isn10. Há 110 substrato referencial de ambas as ob'tas
po6tlcn ocorria realmente'T. partir. .iIJL.t«;.~o~ção ra· 11n1a insinuadora ga1na de significados que remete, na obra-limite que é Grande Sertão : Veredas. E na
-~! do verso jivre, mas denti:o da_nature..zJLpl'.Qm:ia ora sob a forma despistadora da paródia, ora sob. a saga rosea11a, com a liberação .çle um inconsc;iente
d.e. toêla a po~i!l_q4e_ é -~--~~yª-n~j_ª_pl;is.ti~~ a~su_!!!!da forma n1ais agressiva do' humor, ao núcleo de . uma antropológico que em nossa experiência tropical sol-
po'l a p·it~~vra_como ..mat.e.c1aj de~pr.e..ssã,o_do_!Weta, realidade que a visão modernista se propunha .re- dava o sertão e o medievo, liberava-se também a nos-
fl,.)l'lllclunçl\_.BJO.POSta na esfÇ,!<}; ...9a _f icçãp roll!Qia os pensar, de maneira mais científica e abrangente, tam- ·sa inteira vontade de expressão preconizada pelo Mp-
partlljíctros n ~u§_i_DJ.Q:. gênero - o"tem~ 'e "Q- es- bém com os instrumentos novos da Sociologia, da dcrnismo, concretiz<1ndo em linguagem de ficção
10 1-1111111 1"'
. ·-- -- .....
pf\!fO n t~;ra11vos - , pa~wp.oi: =úm_~ l)()_Ç~ }}.OY!..F_~!'ª Etnografia, da Antropologia ou da História reverifi- aquela imagem mirífica divisada trinta anos antes por
.. , 1111 .... .. 1••, . a QSpéc1c: a n-oção~.textp. E isso aconteçiª em, cada. Aqui o n osso escritor voltou, para erguer tais Miran1ar: "E o sertão para lâ eldoradava sempres ~
11h11l1111hu 1 n~ssa plena sirrc1'on 1a de moderniôã.de éom a ficção significados, à necessidade de construí-los a partir liberdades".
, , ,... ""· '1111 éle Ungua inglesa ou francesa, a contar mesmo do
.' -·-·- O'O BARROCO AO MODERNISMO . • . 35


Estrangulamento ou reciclagem do projeto que, transmi~do como a grande h erança de 22, fez
há pouco artistas da geração moça reescrever criati-
Referências bibliográficas
Estaria irreversivelmente concluído o ciclo moder- vam ente, na linguagem vanguardista do teatro e do
••
nista ou é ai nda sob a sua vigência estética, crítica cinema, o texto oswaldiano do Rei da Vela e o Ma-
e ideológica que temos de compreender o .produto cunaíma, de Mário.
· literário pós-roseano, especialn1ente o trabalho das
novas gerações? Esta questão, que vem sendo pro-
posta com certa insistência principalmente em decor·
rência da Icnivação cinqüentenária da Semana de 22, ..•
ten1 encontrado respostas divergentes, contraditórias,
•I ' • mas todas elas respostas de alcance sem dúvida pro-
visório. Os que se atêm à velha noção de literatura
como um compartimento estanque e u1na atividade

estável, ainda que fracionada por eventuais saltoi de
transformação da linguagem, estes não admitem re-
servas e são pere1nptórios e1n afirmar a prevalência f~ '
:·;
cíclica do Modernismo, embora tel')ham do Moder- (
" .." ,,
nismo uma idéia aco1nodadora e cristalizada, mais ..
'
1 próxin1a talvez da idéia de um pós-modernismo tão
ao gosto da crítica oficial. Ao contrário, aqueles que
aceitam o desafio da grande fratura sofrida pela lin-
guagem das artes nos últin1os vinte anos, com reper-
:1 cussões na própria especificidade do discurso literá- .
'.
rio, dão como fato tranqüilo o encerramento do ciclo
modernista. A verdade é que a poesia concreta e as
proposições satélites, quebrando o tabu da estrutura
discursiva e introduzindo no aparato da linguagem ·"j
poética materiais e signos não-verbais, precipitaram I

1 a abertura de um fosso bem mais prof1111do do que


A Literatura 110 Brasil. Direção de Afrânio Coutinho. 2,
• o de transições intercíclicas anteriores experimenta- "' " ~ A
, il d as pelo projeto literário brasileiro. Vivemos atual-
m.ente uma conjuntura de estrangulamento que tanto
cd. Rio de Janeiro, Editorial Sul Americana, 1968/
1971. 6 V. •
,,,,,, ... 1

h•\ ""
ALl!NCAR, José de. Roniances. Edição consultada: vols. 11111111 " '
pode indiciar um fenômeno cabal de esgotamento, diversos - São P aulo, Edições Melhoramentos, s/d, 1, • I
quanto um fenômeno premonitório de reciclagem. E AMA<RAL, Aracy. As Artes Plásticas na Sema11a <le JJ, ) ~··
a crítica que pretender nesta altura intuir o futuro Siío Paulo, Editora Perspectiva, 1970. Coleção De• '' 1º"~
desdobra1nento do projeto de nossa litêratura terá bates, 27. ,•• 1 .\ M 111111,
que levar em conta não só a aderência de novos ma- ANDRADE, Mário de. 1\1acu11aí1na. 2. ed. Rio de Janeiro, ..
1111 . . ..
,! ..... o.!
. ~eriais de expressão, mas igualmente as novas reali- Livraria José Oly1npio Editora, 1937 . 1.. ~ .... ~
•1"11-. • ,,
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.dades postas e1n giro pela comunicação de massa, a e Ail ll•l 11
ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasilotrat
exe1nplo de fonnas ou técnicas que constituem uma
reformulação a seu 1nodo da antiga inve.ntividade do
São Paulo, Livraria Martins Editora, s/d. ·
~~
,,,l 'º'' 1
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ANDRADE, Oswald de. Me1nórias Se11ti111entais de l of!4.' Ili.MA , h
texto. A fusão e a interação das artes são também M ira111<11'. São Paulo, Difusão Européia do LIV.teJ!'· hlh ,,_.,..
. fatalidades a que terá de submeter·se o discurso li- 1964. ' l\ IA111-, 6
terário em incógnita, processo a que já assistimos ANTÔNIO C~NOIDO. For1naçiío da L iteraturc1 Brasl/ofti
..1
J
agora no â1nbito da poesia, através da franca per-
mutação de sua linguagem com a linguagem da mú-
São Paulo, Livraria Martins Editora, 1959.
Assis, Machado de. Don1 Cas1n11rro. Rio de Janoir01 • !
. ,.. .........
J1 1ll~n11
~
11111111111
.,
1 sica ou da criação plástica. Da lição modernista há M. Jackson Editores, 1947. ·. 111111 lt
de prevalecer, todavia, a radicalidade prospectiva, Á VILA, .Affonso. O Poeta e a Co11sciê11cia Crítico. Pe ,/,·111/111
aquele ver con1 olhos novos, ver com olhos livres
'''~--·
polis, Editora Vozes, 1969. Coleção Nosso Ten1po1
l
36
,..,....

que, transmitido como a grande herança de 22, fez


h á. pouco artistas da geração moça reescrever criati-
Referências bibliográficas
,,,, '" 111•11 vamente, na linguagem vanguardista do teatro e do
cinema, o texto oswaldiano do Rei da V ela e o Ma-
'"'""· 11t cunaí n1a, de Mário.
1 H I'""
•1 '"'"'
nh ''' · 11•1\ ~
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, n•t~I• .
11tl11 , •• '

l"t1,tt11•
,, t1l1•

,,,,,1 . .
A literatura 110 Brasil. Direção de Afrân io Coutinho. 2. Avn.A, Affonso. O Lúdico e as Projeções do Mundo
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l1• 11111 •
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lllt• '"" Atl!NCAR, José de. R on1ances. Edição consultada: vols. BRJTO, Mário da Silva. História do Modernis1110 Brasilei-
t •JjHl •llw,.y ro: f - A11tecede11tes da Sen1a11a de Arte Moderna.
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2. ecl. Rio de Janeiro, Editora Civilização B rasileira,
'"'"'''li'
l ll!t li
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1 1•/11111 ll polis, Editora Vozes, 1969. Coleção Nosso Tempo, 7. Coleção Vozes do Mundo Moderno, 6.
DO BARROCO AO MODERNISMO . • . 37
EST.~TICA E CORRENTES DO MODERNISMO
"
Benedito Nunes


'

,

'

l

Empregamos aquí a palavra estética num sentido


que oscila entre a acepção estrita do termo, conto
indagação acerca das condições da sensibilidade ar-
tística, e a acepção ampla, como jtúzo de valor acer-
ca da natureza e da função da arte, inclusive sob o
aspecto íiarticular de procedimentos e técnicas. Em
nosso modernismo, foi a poesia sensu stricto que con-
centrou e mobilizou aquela indagação. Foi em torno
da poesia que se precisou o conflito entre o novo e
o velho, o antigo e o moderno; passou· por ela a
principal linha divisória entre as exigências de re-
novação - a primeira das quais a .maior liberdade
no uso literário da língua-- e o status quo parna-
siano e naturalista para a literatura e acadêmico para
f,,
as artes plásticas. Até 1925, salvo a exceção de Me-
" 111órias Sentimentais de João Miraniar, de Oswa]d de
Andrade, o maior impacto do Modernismo veio do
campo da poesia, tema predileto de debates, e ter-
• mômetro das aspirações literárias e artísticas do mo-

vimento.
A rigor, portanto, deveríamos falar numa poética
do Modernismo : poética no sentido amplo, de cria·
J
em lírica, que os versos de Paulisé_ia Desvairadcf~ llllllUt tfJ

·1
ção literária. É verdade porén1 que, nesse movimento,
a criação literária catalisou toda 1111Ht revisão de prin-
mesmo direito, os Epigra1nas Irônicos e SentÍlnen-
tais ( 1922), de Ronald de Carvalho, e Losango Cá-
f 1922) então exen1plific~vam, a estet~ca,_ ~ermo Vil-"...
zlo 1, 0 rque se problematizara o seu s1~1f1cado tra:: .
ll fl l ll+illlll
jllll h• th
cípios estéticos na qual tívcrant influência preocupa- qui ( 1924), de Mário de Andrade, Raça ( 1925), de dlcional, uão era. apenas un1 f latus voeis. ..... .1
l
1111•11111,
ções específicas com a rnúsica, a pir1tura e a esc:~l­ Guilherme de Almeida, e J>au-Brasí/ ( 1925), de Os- 111•111 llHt
Através do constante emprego dessa palavra
tura. Mas somente tratarernos destas artes em funçao wald de A.ndrade. Nesse período que investigamos,
tcrnava-se uma inquietação que pe_rdurou durante Q. ·.: • ,, 1 "'" 1111
do relaciona1nento da poesia coin as formas plásticas fértil em proclamações doutrinárias, a palavra e~té­ fnsc crítica do Modernisrr10, que fo1 realn1ent~, como. · ll)llt-1.,à11
e n1usicais, que o nosso 1nodernis.1no considerou es- tic(l aparece como um passe-partout conceptu~l,_ im-
pccial1ncnte. buída de un1 prestígio quase mágico, para leg1t1mar disse Mário de Andrade, \Hna fase. de pesqu1s.a e d.e. . " 1•lt••
j.
Lin1itamo-nos a estudar o período entre 1922 e
l 930, durante o qual o Moclernisn10, como aquele
as novas cartas de princípios surgidas e1n 1922 e lo-
go após. ~ um termo que se esvazia e que suporta
experiência de tentativas e de pro1etos. Essa lnqulf.l.'l 1•
tude de q~e se acham imbuídos o "Prefácio In~c.o ''" l'l'\t
,,' 41111 "''
"estado de espírito dominante e criador" de que Má- ress~ntíssimo" de Paulicéia Desvairada e a _nota .10.•
as mais distintas conotações, significando desde a " " li 11114
trodutória de Me1nórias Sentirnentais. de loao Mtra•
rio de Andrade falou, abriu un1a "fase de ordem crí- simples reação ao passa?o à manif~tação_ d~ ~iber­ inar ( J 924) - essa inquietude. estética, como podOo '
111111 ....

! tica, que foi de pesquisa e experiência"•, e conser- dadc criadora, desde a hvre express.ao da 1nd1v1dua-
rcn1os chamar à intenção teor1za?~r~ que tr~spa-
,, 11111 1111

,,:1
vou a força das duas negações, u1na ruptura • un1a
revolta, que condicionaran1 a sua orige1n e o seu cur-
lidadc - o "livre e fecundo subjetivismo" a que se
reportou Graça Aranha'.l - à sensibilidade dilnen-
rccc nos projetos progra1nas e def1n1çoes do ~er1odo,
revela-nos o ele~1ento ~e busca !n.~electual merento
''"""''"·
11h 11111 1°
so enquanto movünento de Ull'HI geração. s ionada pela ciência e pela técnica do século XX. d li 1111111 I
no processo do 1nodern1smo bras1le1ro, no, planó da '',, ,, llllJl'llh
No seu discurso da noite de 17 de fevereiro, den-
.:1 () n1.oclernisn10 no Bra~il, convén1 lcrnbrá-Jo, foi urna tro do tríduo da Semana de Arte Moderna, Menotti hi11lória das idéias etn que pod_c1no~ coloca-lo. 1 {
l t11 tl 11111
rupt11r:1, un1 abandono de princ(píos. foi unia revolta 'Não é por acaso que a tal. 1nqu1etude se assoclUJ Jll 1'111\'lh
dei Picchia falava nu1na estética de reação, combativa
.1

contra o que era a Inteligência naciona12. e até guerreira, oposta aos convencionalismos en1 vi- muitas vezes, como nos ensaios de Gra~a Aranbo, '"· 1111•~11 li
gor, e gabava, ao n1esmo tempo, o "individualismo e~­ no Manifesto Pau-Brasil e na~ proclama~oes do vc~·
dcarnarelisn1o, 0 esforço de 1nterpretaçao da reall• '"' 11111•1
li tético" dos novos artistas e poctas4 . Ao ler-se hoJe lolllh llfl•
dnde sócio-histórica do país. En1 revolta contrn t\
Adn1i tindo-se essa conceituação preliminar, onde
encontrarmos a estética do Modc1nis1no, no pcríouo
esse discurso, vazado naquele estilo pomposo, tão ao
gosto do decoro verbal e gramatical da época, ~em-se
Inteligência nacional, e nisso sec~nd_ada po~ Orni;a
Aranha, que se considerou um autentico ~1sc1pu10 d
.,,,,,,.,, ,,,,....
•• t//1 ••


a in1pressão de que o movi1nento de 22 nascia sob
que tiven1os o cuidado de precisar? Tobias Barretos, a geração de 22 desv~;uiava~s 1 .. 11 11111111,
o signo do sincretis1no literário e artístico. T udo era
Entre J922 e 1930, do festival da Se111ana à re- abandonando os princípios de um.a t~a~1çao enrJJIJt ·· d11 1li~•·
permitido segw1do o pacto Iibe~tário que a Se~ana cid~I das formas de pensamento fJ!O~OÍlCO que COtll ,'. ,_
volução política, de un1 a outro desses marcos hete- instituía, transformando a estética nu1na Abadia de ··~I'''' 1111
rogêneos, o n1ovimento, con10 nos n1ostran1 os fatos eles' se relacionavan1 ou tinhatn afinidades. O ~Ollf.. ;f·
Thélême das letn1s . . . Fais ce qu'on voudra. ' tivísino e o Evolucionisn10, mas sobretudo a atttud , ·
1\ l 1\t lt
,,' da história literária, subdividiu-se cn1 grupos e con1- E 1n K laxon ( 1922), a primeira publica~ão ~11?­ ~··11 11t....
portou diferentes correntes, cujo deno1ninador co- cientificista neles inspirada, que ainda 1nar~ara1n, jull• ··:1
11~~11111111.
"
.1 mun1 fo i a óptica da re.novação: o esteticismo metafí-
d e rnista esse voluotarisrno passa do tom 11bertar10
ao liber;llizante; a estética já é a linha da renovaçlio
tamente com um esteticism~ vago e ~clético6, a po• "
1111111111111
sico de Graça Aranha, o paubrasil, o verdeamarelo, sição ideológica estável da int~lectuahdade ante,s cJ ,
orientada no sentido da atualidade, sob o foco do ti Ull~~I
I'
o grupo espiritualista de Festa e a antropofagia. In- guerra de 14, nada mais ~od1am ~eprese:ita~ pum ~
' cinematógrafo e da psicologia expe~imental: U~la essa geração que já se movia cm c1rcunstanc1as O.t' fJ\1 Ili "'
•i dependcnten1ente da diferença de pontos ·de vista, so1na de vi vências da época, uma articulação. de in- J ' Ulll
esses grupos contribuíram, at r avés das distintas pers- ciais e políticas diferentes,_ quando co1neço~ a totfij .
dícios ou de pistas para a reforma do enten?.1mento conhecimento do pragmatismo, do neotom1~mo 11 tl1
'111111 .1..
pectivas que os caracterizaram, para a quebra dos artístico, levada a cabo pelas correntes _europe1a_s, ,c?- Bergson, ao n1esmo ten1po q uc, en1bora iá tnrtl l •
J •t ll l"it/\1
velhos moldes. Mas se respeitarmos a diversidade e mo o Futurismo, que larga repercussao doutnnari_a llJll 1111••
fi:tcrn1os dela um critério de avaliação, a estética tivera em nossos meios intelectuais, e do qual a ori- lllCnte, das transforn1açÕeS guc se operaVanl l)Q. ~ I' 1111111111~
do Modernisn10 será um an1álgama de idéias, de va- entação de Klaxon procurava se distanciar. Servindo sia e na arte européias, desde o começo do s4Q: , '
lores e de procedimentos díspares e até contraditó- de isca na pescaria das idéias difundidas por estas Era un1a geração nein perdida nem ~bste11c1o 1 , t \' t

n1as perplexa diante de 11111 conjunto d: nJud , . l •IJJ•i•H 1


rios, res ultante da junção de todas essas perspectivas. correntes, que se entrançavam à obra. dos modernos 1H1 1'
Por direito de vinculação his tórica corn o movi- poetas franceses, italianos e a le1nães que os re~elues inte rnas e externas, dentro e fora do pais, que, " ...,,,,.1••1, •,
'
1! rncnto, seria1n tão 1nodernistas as idéias de A Esté"ti- da Semana liam; servindo também como meio de tundo tanto a maneira de sentir como a form.~: • ,......,.,,
tf•H ' lt• O•
\ ~

ca da Vida de Graça Aranha quanto as do Mani- aproximação aos conceitos latentes à nova lingua- pensar, compro1netian1 a antiga posição 1doo~ ~ .l'i1 1 f•i11••1••4
fcs:to Pau-Brasil, e modernistas tan1bém seriam, pelo estável da intelectualidade, sem que lhe ptO,PO ''"' l•11 •11••r•tt•
'" t ...
(3) AlCANlfA, Graça. "O Espírito Moderno"_. ln: . A Emoção t1tt1t1>t~ I•
( 1) J\NDRAJ>e,
Pa~rar/11/io. São
Mário de . "Modernismo". ln: O En1pa/hador de
Paulo, Livraria Martins Edi\ora, 1940. p. 16).
Estiti<'a '"' Arte }Joderna. 2. ed. São Paulo, Cia. Editora Nac10- (5) AfA!SRA, Graça. O me1< Pr6prio 11.omanct. SiiO
Cift. Editora Nacional, 1931. pp. I Sl.-1~6. . . •"•
,,,,,,, •• "'
f f

,.,.. ,., ....


(2) J\NDRAoe, Mário de. "O Movimento Modernista". ln: As-
nal, p . 17. .. o e ·a
(4) P1ccH•A, Menotlí dei. "Arte Moderna . 1n: . "'"P". (6) CRUZ COSTA, João. C'?lllTlb•!lfllO à Jl1st6rra 4111 lllttflt• • ••

pecto.r da Literatura Brasileira. São Paulo. Liv1aria h1artins Edi- r o Carão. (Mcootti dei Picchia. Plinio Salgado, Cassiano Ri- no Bra.ril. Livraria José Olym1llO Editora, 1956. p. 364.
IOrR, p. 235. cardo.) São Paulo, Editorial Helios Ltda., 1927. p. 20.
40
m~smo direito, os Epigramas Irônicos e Senti1nen- úm lfrica, que os versos de Paulicéia Desvairada uasse de imediato condições para um novo situacio-
ta1.~ ( 1922), de Ronald de Carvalho, e Losango Cá- { .L 922) então ex:en1plificavam, a estética, tern10 va- namento. Entre 1922 e 1930 ocorre a fixação, por
q111. (1924), de Mário de Andrade, Raça (1925), de rio porque se problematizara o seu significado tra- parte do grupo de São Paulo, promotor do movi-
Gullhern1e de Altneida, e Pau-Brasil (1925), de Os- dJolonal, não era apenas um flatus voeis. mento, de un1a atitude de rebeldia. que o colocava,
\~al~ de Andrade. Nesse período que investigamos Através do constante emprego dessa palavra ex- pela natureza mesma do seu fazer literário, antes
f~rtil en1 proclamações doutrinárias, a palavra esté~ t1m 11va-se uma inquietação que perdurou durante a do engaja1nento político, já no fin1 da década, e1n
t1c? aparece con10, U;°l passe-partout conceptual, im- rnoc crítica do Modernismo, que foi realmente, con10 oposição à .con1unidade7.
butda de un1 presllg10 quase mágico, para legitimar dlasc Mário de Andrade, uma fase de pesquisa e de A elaboração de sínteses da cultura, da sociedade
1oa2 e as novas c:rtas de princípios surgidas en1 1922 e Jo- 1xperié11cia, de tentativas e de projetos. Essa inquie- e da história brasileiras, quando não de verdadeiras
1(1\IC[C go ap~s. E'. ~111 termo que se esvazia e que suporta tude, de que se acham imbuídos o "Prefácio Inte- concepções-do-mundo, principalmente após 1924, in-
D Mfl- a~ mais d1s~ntas conotações, significando desde a ressantíssimo" de Paulicéia Desvairada e a nota in- dica-nos o can1inho que esse grupo trilhou. Para si-
orf- sunples. reaçao ao passado à manifestação da liber- trodutória de Memórias Senti1nentais de João Mira- tuar-se em sua própria realidade, compreendendo-a
• ' n1cr- c~ade criadora,. desde a livre expressão da 1ndividua· " lnar ( 1924) - essa inquietude estética, como pode- e con1prccndendo-se a partir dela, teve que produzir
umn l1clade - o "livre e fecundo subjetivi«n10" a que se remos chamar à intenÇão teorizadora que transpa- tan1bén1, e1n face das mudanças que esvaziaram o
• U U l:UI'• r~portou Graça Aranha3 - à sensibilidade dimen- rece nos projetos, programas e definições do período, alcance dos métodos científicos e das doutrinas tra-
s1onacla peh~ ciência e pela técnica elo século XX. revela-nos o elen1ento de busca intelectual inerente dicionais, os conceitos de que necessitava como ins-
No seu discurso da noite de 17 de fevereiro den- no processo do 1nodernismo brasileiro, no planó da trurr1entos. J)aí ter sido aventurosa a busca intelec-
fel 11n111 tro d? tr~du? da Se111ana de Arte Moderna, Menotti história das idéias en1 que pode1nos colocá-lo. . tual que a inquietude estética e o esforço de inter-
rtvolt11 dei ~1cch1a ~ulava nu111a estética de reação, combativa Não é por acaso que a tal inquietude se associa, pretação sócio-histórica, interligados no processo do
e ate guerreira, oposta aos convencionalismos en1 vi- 1nuitas vezes, cotno nos ensaios de. Graça Aranha, nosso rnoclcrnis1no, nos revelaxn: aventurosa porque
gor, ~.gabava, ao mesn10 tempo, o "individualisn10 es- 110 Manifesto Pau-Brasil e nas proclamações do vcr-
foi uma de111anda das idéias, unia exploração do pen-
t~t1co . dos novos artistas e poet.as4. Ao ler-se hoje <lcan1arelisn10, o esforço de interpretação da reali- sa111e11to, ci que não faltou uni certo enipenho filo-
esse discurso, vazado naquele estilo pomposo, tão ao dndc sócio-histórica do país. Em revolta contra a sófico, e que transcorreu pari passu con1 os percal-
nr. onde go~to do ~ccoro verbal e gramatical da época, te1n-se Inteligência nacional, e nisso secundada por Graça
ços da criação arústica. Experiência teórica e prá-
ptrfodo a 1~nprcssao .de que o 1novin1ento de 22 nascia sob Aranha, que se considerou uln autêntico discípulo de
tica, ora a praxis de criação artística suscitando as
o s1g~1 ? do s1ncretis1no literário e artístico. Tudo era Tobias Barretos, a geração de 22 desvinculava-se,
à re- idéias, ora estas conduzindo àquela, o pensamento
per':1'11~1do segundo o pacto libertário que a Semana abandonando os princípios de uma tradição enrije·
da fase decisiva do Modernisn10 constitui nlenos u1na
i hc!e· 1ns~1t,u 1 a, transformando a estética numa Abad ia de cida, das formas de pensamento filosófico que co1n
especulação do que um "trabalho pragmatista"&.
•· .•., DI fulos Thelemc das letras. . . Fais ce qu'on voudra. • eles se relacionavam ou tinham afinidades. O Posi-
1 "~'" 9 COOl· tivisn10 e o Evolucionismo, mas sobretudo a atitude Mário de Andrade já exprimia, antes de 1922, o
E'!l Klaxo11 ( 1922), a primeira publicação mo- seu desgosto pelo diletantismo filosófico que naua
' 111 1«• tlot CO· der~1sta, .esse voluntarismo passa do ton1 libertário cientificista neles inspirada, que ainda marcaram , jun-
assimila, e que disfarça com princípios de ocasião,
m1tnn- ªº. hberahzante; a estética já é a linha da renovação trunente com um esteticismo vago e eclético6, a po-
11rclo, sição ideológica estável da intelectualidade antes da apadrinhados por este ou por aquele grande nome,
o_ncntad~ no sentido da atualidade, sob o foco do a ausência de um verdadeiro pensamento. Todos
,.. ,... ln. ln· c1 nen1 atogr~f_? ~ da p~icologia experimental: un1a guerra de 14, nada n1ais podiam representar para
vlct11, essa geração que já se movia em circunstâncias so- lêem Kant, William James, Schopenhauer, dizia ele
s~1i:ia de v1ven~1as da epoca, u1na artic ulação de i11- - ''mas só um ou outro, raríssin10, folheou um tra-
por!l· d1c,10~ ou de pistas para a reforma do entendimento ciais e políticas diferentes, quando con1eçou a tomar
~dos conheciinento do pragmatismo, do neotomismo e de tado de I.ógica, leu un1a súmula de Psicologia ou
art1st1co, levi.1da a cabo pelas corren tes européias, co- prolegômenos de Metafísica"9. Nossos letrados de
lldo e ~10 o F utL1ns1no, que larga repercussão dou trinária Bergson, ao n1esmo tempo que, embora j á tardia-
ti16tlcci t11n niodo geral e não apenas os poetas seriam "ven-
tivera~ cm nossos meios intelectuais, e do qual a ori- 1nente, das transformações que se operavan1 na poe-
111, 1, p, "do· vu· toinhas de princípios ocasionais. "fêm por estética a
entaçao de K laxon procurava se distanciar. Servindo sia e na arte européias, desde o começo do século.
lldlló· de isca na pescaria das idéias difundidas por estas Era t1n1a geração ne1n perdida nem abstencionista, (7) V er AN1'ÔN 10 CÃN0100, Literatura e Sociedade, Siío Paulo,
I" 1"I Otlvnii. correntes, que se en trançavam à ob ra dos modernos n1as perplexa diante de un1 conjunto de 111udanças Editorn Naci<urnl, p. 192.
(8) "Porc1uc, c onscicntemeo1e o u não (em muitos consci<.:n-
1
"'"
•,,
• movi·
'l1t~·11.
poetas franceses, italianos e alen1ães que os rebeldes internas e externas, dentro e fora elo país, que, afe- tc mcnto corno flci1rá irrcspond ivelntente provado q1rnndo se divlll-
da Semana lian1; servindo tantbém cotno 1neio de tando tanto a maneira de sentir con10 a forn1a de gorcm a s c(lrrcspondências de algumas figuxas princip11is cio mo·
H • .1, 'l\cfnnl· aproximação aos conceitos latentes à nova lingua- pensar, con1pro1netian1 a antiga posição ideológica
virnen to) , o Modernismo foi um tr<tbalho pragma/l.ffa, preparador
o p.rol'ocador de um espírito inexistente então, de caráter revo·
.. , • "' i' pelo estável da intelectualidade, sem que lhe proporcio- l ucion~rio e libertário." - ANl>RAt>E, Mário de. "Modernismo" .
.t ln : O f. mpalhad<Jr de Passf/rinlto. São Partlo I..ivrarin :Martins
(3) Alt•NflA, Graça. "O Espíríto Moden10". ln: A Emoção Editorn, p. 161. '
E.·rér1ct1 "" Arte Mo<ltr11a. 2. ed. São Paulo Cia. Editora Nacío-
1
(5) ARANHA, <ltaça. O '"e11 Próprio Romance. São Paulo , (9) A NDR~DE, l\f:1rio de. " Mestres do Passado'', llf.: Rnl-
nttJ, Jl. 17. '
Cla. E dit ora Nacional, 1931. pp. 151-156. mondo Co rreia. ln: SlLV,\ BRITO, Mário da. História do l>foder-
•• 1 ' •
(4) P~CCHtA, l\fen.ottí deL "Arte ~f<?derna" . ln: O Cur11p/ra
'' . 1•
t o CartlO. (l'\1cno1ti dei P1ccl11a, PJm10 Salgado Cassiano Ri-
cardo.) S5o Paulo, Editorial Helios Ltda.. 1927. 'p. 20.
(6) CRUZ COS'rA, Jo ão. Co11trib11ição à História das ftUi(lj
no Brasil. Livraria José Olympio Editora, 1956. p, 364.
11 /.11111> Brasileiro, A11tcccdcntes da Semana de ArÍe '/lfoàerna. Ci·
viliz. )Iras .. p, 269.

. ESTÉTICA E CORRENTES DO MODERNISMO 41
"
'I .,

orientação do último poeta decorado ou 'a filosofia


do último Bergson que não digeriram' "10. Além da
as duas dimensões - a ruptura e a ascensão da van· ínoderna, onde encontrou uma nova t6pica - a V . M11• 1lt•11
guarda - que condicionariam, à semelhança de um
censura aos diletantes, percebe-se nas observações de a priori histórico, a experiência literária e artística locidade, as máquinas, as fábricas - do que o vaw ltlllUI
tl\1111
Mário aquela desconfiança, se n ão resistência' sadia- moderna. que emprestou aos elem entos materiais em est41lo (01111 • Ih~
.
m~nt~ pragmatista, à_ e~pecul ação imoderada, que o Se, abandonando os padrões sediços, as alas em bruto, aps signos rudimentares e à descontinuid111ni- 111•11•lun1t&I
guian a na busca das ideias estéticas. Ao mesmo te111- que o nosso movimento modernista se repartia .t i- lógica: os ruídos na música, os gestos no teatro,-.' .
palavra "solta e fecundante" produzindo efeito pelQ·
. 111111 1111 jtl~
flllll 11111 w
po que estudando a Psicologia de Mercier descon- nham a renovação p or denominador comum nem to-
f iava do lirismo fi losófico de Farias Britoi1 Mário das porém orientaram a busca intelectual e:n que se suas associações e analogias, o rompimento da ,- hl,lu nt..~
., " . '
Jª se torn ara ass1duo leitor dos poetas e teóricos Es- empe~hayam n a direção das vanguardas atuantes tnxe, o realce dos nomes e dos verbos em proveit -, tio 1llMlhll
da "imaginação sem fios"JS, que caminha de imag,_,·.,.,,, 1......
l' t , , , ..
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4•
t~an_geiros mais prestigiosos do momento, como Apol-
hna1re, Cendrars, P aul Dermée, H ans Becher, Au-
no pr11~e1ro qua~o. d~te séc~lº; . Na 1nedida em que
se r ealizou. a ass1f!11laçao das ideias, dos procedimen- n imagem, numa ordem intuitiva e aconceptual. M:i3'., 11111111,11 1

.' tos e técnicas veiculadas por estas vangliardas foi no F uturismo o poeta ainda era um chantre. Cel~ /" C'11hl•OUt
""ti gust Stra mmer, Carrá, Palazeschi, Baudouin, 1'zara,
b~·av~, e,m~:riagado, o ritual da vida moderna que h~..,'
e tantos outros citados em A Escrava que não é /sau- que ~e definiu, no movimento de 22, uma perspe~tiva ,.,. 1111 ...
estética central, de que se afastaram· ou" se aproxi- via 1nstttu ido para escamotear a Cultura, transfof.íi " 111huu1111n
r~ . ?swald de Andrade, que chegou a exprimir <:on-
m~r~m, no p:río.do de ordem crítica, ao sabor de 111nndo-a em N atureza. 11D11 11111011
~-icçoe~ de u1n neotomista rígido, e tomou lições de
filosofia coin Charles Sentrou}l.2, irá colher, entre mult1plas tendenc1as ein jogo, refletidas numa poesia A afirmação nietzsch.iana da vida, que pode ®1'. :: 0; , tlli • 1
e numa. prosa ne?l .sempre modernas, as pistintas encontrada nos pintores expressionistas, já não tranii•:: .. 1111111 u l'
1922 e 1925, cn1 Paris, __;_ onde conhece Satie, Coc- 111vAo, • IM
p~rspectivas que individualizaram as correntes do pi·ra essa forma de otilnismo. Para o Expressionismo/ ;"
teau, Superviclle, Uger, Lhote, Gleizes, Stravinsky, nosso nlodernismo. cuja poesia de interrupção16, também alcançou, dru~ ",1 111111111, l•ll•
Va léry-Larbaud 13 e l'ublica Pau-Brasil (1925) no ·~ 11ht
; Re~ta-nos' fazer uina última observação antes de do força a verbos e substantivos ou suprimindo· · '\1111111
Sans Pareil - as sugestões literárias. e .plásticas de pontuação, um efeitó de choque, as máquinas e ' ll A ,f,~t
uma at':11osfera turbulenta, agitada pela polêmica en- ª!?rec1armos aqu.elas idéias vanguardistas. Na propor-
çao em que r~tira~am de tal lastro a matéria-prima velocidade, como reflexqs da época, agravavam o con~ 111 111111• 1 1
tre cubistas e dadaístas. Tanto Mário como Oswald traste entre o homem e as coisas. Exprimir-se sorllí ' 1111 11 11, ., .
o~ientararn o trabalho prago1atista do modernismo na de . seus conceitos 1n ~truo1enta is, as sínteses interpre-
tativas <:lo pafs, surgidas no curso do movimento de ver interiormente, por meio de inexatidões, de de• 111 111 1•• 1
. d1rerão das correntes européias que melhor refletiam
~2, pudera~ fornecer uma visão acentuadamente crí- fonnações e de contrastes, aquilo que exis'te GX.lPi 1•111 1·141'111'
il· e ativavam as transformações da arte e da literatura
posteriores ao Impressíonisn10 e ao Simbolismo. Ora, t1~a da ~?czed ade brasilei~a. Di r-s~-ia que o ponto de riormente. Aqui também tende-se a exaltar o. cle>o h11l11 " •t
vista critico e a perspectiva estética especificamente n1entar: as estridências na música, as interrupçõe$i ,1 1\ 1l1J•l111•1
'lí essas correntes, que representavam o "estado de es-
· moderna se correlacionam e se completam. os cortes sintáticos na poesia, que tem a su a ordein ! , ou t•11l111h
pírito universal", de que os nossos modernistas co- verbal própria, não-discursiva, fragmentária e de&• ~ l'l 111111 1'1111
~' meçaram a se aproximar ainda antes de 22 não eram
- Ili contínua. A continuidade que se conhece é a cOD• · · \fttl !Mlll tJ
apenas a expressao de um renovamento, 'no rodízio tinuidade da emoção p ermeando uma linguagem l~9 ':·
~i das tendências _que se sucedem. Exprimiram também
IA .-1 111111
Recapitul~ndo os tão famos?s ismos do primeiro espasmódica quanto a realidade, em que latejá ô ~­ 11111111 1•IA
uma ruptura, a partir da ·qual se instaurou o sentido gnto, o U rschrei11. ,. h11hl11 , ....
•! da. moden1idade. como situação problemática da pró- qua~to do secul~ XX - Futurismo, Expressionismo,
li ~ub1smo, D ada1~mo .e Surre~lis?lo - que influen- Abandonando a perspectiva renascentista, o CUbÚ~ · .... 11•rl• lh
pna arte" e assinalavam, concomitantemente a es- n10 p roduziu um efeito liberador sobre as outras ~ .... 11111,
. ' j!
t~bjli~ação de u ma ati~ude de " heterodoxia e de opo- c1ara!11, de mane1r~ dl!'eta ou md1reta, pelos seus pro- ljllll
nunciamentos teóricos e pelas obras de seus repre- tcs, devido ao alcance revolucionário dessa rejeiç~Ot· ':- l11111h• 111
s!çao 14 quAe caracteriza, como parte dâquele sen- c1ue atingia um modo de r epresentar e de con~ . °''
:r sentantes, os nossos modernistas, interessa-nos esta- _ 1u111•lYJI•
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tido, o fenomeno do vang uardisnió próprio à nossa
' époc~. 1'."l'º estado desse. e~pírito universal, sob cuja.. .belecer. as confluências ~essas correntes que se ligam Q mundo. Na poesia levou, primeiramente corn Apõ1 ,,....... 1.. l
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l~· ~1fluenc1 a o nosso modenusmo nasceu, associaram-se
entre s1, do ponto de vista de uma só problemática, linaire e seus continuadores, à teorização do esn
1101.1veau, nome que passou à revista L'Esprit N
e, 1111t1~
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,,,, no proaesso comum de transformação da arte. Cada llAO • tUt~
veau, uma das princip ais fontes de que se va1cu
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(10) ANORADll, Mário de. l dtnl, qual deixa perceber, por determinado ângulo, a rup-
ri:: (11) " Compreendo e me comove n âns!a terrível dos que t~ra da tradição artística e literária a que nos refe- rio ele Andrade. Não há dúvida dê, que a "crist11l · 11011t1111•hli
'' ''
procuram a wrd adc e explodem na filosofia verdadeiramente Hri-
ca de um Faria~ B rito .. . " ANDRAon, Mário de. "Mestres do Pas. rimos. ção de um mesmo objeto tomado sob ângulos d tul1111 1•111 "
sado". Idem . 1 · O Futurismo, que esteve associado, de maneira rentes"•S foi uma das maiores invenções do Cubis~
(1~) Cf. nosso artigo Ho1nem de multa (é. SL de O Estado
ostensiva, publicitária e polêmica ao movimento de
. .~...;
tle Silo Paulo, 10-10·1971.
(13). _FrcqUcntavam o atelier de T arsila do Amaral. Cf . ..sf:r- ' 22, despertando nos.. seguidores deste as mais dese11- ( 15) MARINETTI. "Manifesto Técnico da Lite~atura F llt\IXJifn
glo Mill1et, Diário Crítico, São Paulo, Liv Martins Editora v ln:, MENDONÇA Tl!LBS, Ollbcrto. Vant11arda Européia e MotJf-qi .,
IX pp, 365-366. • . ' . . contradas _reaçõe~, foi, sobretudo, independentemente mo llrasllelro. Ed. Vozes, 1972, p , 73 . • ··
( i 4) SHATI'UCK, Rog<:r. 1'/ie Banquet Y~ars (The Origins of dll g.ang~ 1deol6~1~a de que o revestiu a pregação de ( 16~ .. ' ' ' poesi a dc ile intoerruzlonl, poesia quasl aestll•lb· ..
thc ~vant gardo ln France 188S to world war l - Alfred Jarry, lmpaz1cnza . . . " MlTTNllR, L adislao. L'Esf?t'es.lionlsm o . E dJt(j . · .11
H~nrt Rousseau, Erlk Sntle, Guillaumc Apollinaire) Ncw York Mannett1, um hr1smo catártico, de choque. O que terzn, 1965, p . 42. ·
V1ntage Boole, p. 24. · · •' nele . importa considerar é menos a exaltação da vida ( 17) MrT'rNllR, Ladlslao. Idem, pp, 29 e 49.
(18) GOLDING, John. Le Cublsme. Paris, L e L ivre dó
42 I>. 84. '
••,
111 11 r1111~111 os duas dimensões - a ruptura e a ascensão da van-
"Ili t\ li\111 1 guarda - que condicionariam, à semelhança de um : Qderna, onde encontrou umà nova t6pica - a ve- Mas desarticulada e suprimida a perspectiva clássica,
"-" 1 Vli\ 1\1• ~ a priori histórico, a experiência literária e artística Oidade, as máquinas, as fábricas - do que o valor que autorizava a 1nanter na superfície da tela, sob
•• 111111, 111111 ~ n1oderna. •·~u emprestou aos elementos materiais em estado forma ilusionista, a representação do espaço tridi-
flll tt1l11, tjl H' Se, abandonando os padrões sediços, as alas e1n r· Jf!JtÇ, U9S si9nos ruditner,itares e à descontinuidade
c;p,!ca: os ru1dos na música, os gestos no teatro, a
mensional, o que mudou in1ediatamente, p reludiando
outras profundas transformações que se sucederam
que o nosso movimento modernista se repartia .ti·
oha1n a renovação por denominador comum nem to· :' p ilnvra "solta e fecundante" produzindo efeito p elas com 'r apidez, foi não só a idéia de pintura como a
das porém orientaram a busca intelectual e:n que se 8U!.1.!i associações e analogias, o rompimento da sin- idéia mesm a da obra de arte, que passou à categoria
empe~ha:ram na direção das vanguardas atuantes tnx0, o realce dos nomes e dos verbos e m proveito de realidade autônoma, condicionada .pela m(1tua
oo primeiro quarto deste século. Na medida em que ti ui1naginação sem fios" lS, que caminha de imagem correlação de seus próprios elementos materiais e
se reali~u. a assi~ilação das idéias, dos procedimen- i.nlagem, numa ordem intuitiva e aconceptual. Mas formais. Por um ]ado, desenvolveu-se através do
tos e tecn1cas veiculadas por estas vanguardas foi no Futurismo o poeta ainda era um chantre. C ele- Cubismo a linha de uma estética depuradora, que
que ~e definiu, no movimento de 22, uma perspe~tiva brava, embriagado, o ritual da vida moderna que ha- fez da pureza a primeira virtude plástica - predo-
estética central, de que se afastaram pu se aproxi- Vill. in stituído para escamotear a Cultura, transfor- minantemente sintética e dinâmica, substituindo a vi-
1naram, no período de ordem crítica ao sabor de mando-a em Natureza. são aproximada e local pela inclusiva e simultaneísti-
rnúltiplas tendências em jogo, refletida~ numa poesia A afirmação nietzschiana da vida, que pode ser ca - e também criacionista, pois que, como salien-
e numa. prosa nem sempre modernas, as distintas encontrada nos pintores expressionistas, já não trans- taria o poeta Pierre Reverdy, filiado a essa orien-
p~rspectrvas 9ue individualizaram as correntes do pira essa forma de otimismo. Para o Expressionismo, tação, ela pôde criar, não copiando nada e nada iJni-
nbsso n1odern1smo. ouja poesia de interrupção16, também alcançou, dan- tando, com a ajuda de seus elementos e meios novos,
; R.e~ta-nos' fazer uma última observação antes de do força a verbos e substantivos ou suprimindo a "uma obra de arte por si mesma"19.
ap rec1arn1os aqu.elas idéias vanguardistas. Na propor- pontuação, um efeito de choque, as máquinas e a A despeito de que fosse, como nos quadros de
ção em que r~hra~am de tal lastro a matéria-prima velocidade, como reflexos da época, agravavam o con- Braque, um método de pintar, uma pintura da pin-
do. seus con~1tos 1n~trumentais, as sínteses interpre- traste entre o homem e as coisas. Exprimir-se seria tura2o, que continha expressa referência à sua pró-
la tivas do pais, surgidas no c urso do movimento de ver interiormente, por meio de inexatidões, de de- pria realidade a rtística, a autonomia da obra cubista
22, puderam fornecer uma visão acentuadamente crí- formações e de contrastes, aquilo que existe exte- era capaz de tornar-se uma qualificação extensiva a
ito IH••t 111u
111111111111 1 1 tica da ~<;>ciedade brasilei~a. Dir-se-ia que o ponto de . riormente. Aqui também tende-se a exaltar o ele- todo e qualquer objeto. No quadro que absorvera
li hll l11 1l 1•1.·t;.!I" vista cnt~co e a perspectiva estética especificamente n1entar: as estridências na música, as interrupções, e destacava os m ateriais adventícios a ele agregados
· moderna se correlacionam e se completam. os cortes sintáticos na poesia, que tem a sua ordem ou colados, já se poderia entrever, depois da colage1n,
11111111 Nltl
'J, ul1t1 íl' verbal própria, não-discursiva, fragmentária e des- como última conseqi.iência da autonomia da correla-
Ili contínua. A continuidade que se conhece é a con- ção entre matéria e forma, que as coisds mesmas,
1, Ili• 1111
l lilll l 1111J 1
tinuidade da en1oção permeando uma linguagem tão já existentes ou fabricadas, pudessem oferecer um
Recapitulando os tão famosos ismos do primeiro espasmódica quanto a realidade, em que lateja o meio plástico em potencial. Além de haver contri-
qua~to do sécul~ XX - Futur.ismo, Expressionismo, grilo, o Urschrei17. buído para a criação de um estilo cinemático21, que
.......... li l
C ubismo, D ada1smo e Surreahsmo - que influen- Abandonando a perspectiva ren ascentista, o Cubis- se refletiu na literatura, a revolução visual do C ubis-
Ili I• 1!1• l tjll olnr8!11, de manei,r~ direta ou indireta, pelos ·seus pro- n10 produziu um efeito liberador sobre as outras ar- 1no, que levou aos ready-1nade, aos obiets trouvés,
'"'1111•l1t ...., uunc1nmentos teor1cos e p elas obras de seus repre- tes, devido ao alcance revolucionário dessa rejeição, também provocou, paradoxalmente, nos dadaístas,
tt 111 A 1111~11 sentantes, os nossos modernistas, interessa-nos esta- que atingia um modo de representar e de conceber sensíveis à superfluidade e superfetação cultural, o
111,. ~1111 1•11 jn belecer. as confluências ~essas correntes que se ligam o mundo. Na poesia levou , primeiramente com Apol- desgosto pela obra de a rte.
''
llll!t;llll 11 111 eotre s1, do ponto de vista de uma só problemá tica, Jinaire e seus continuadores, à teorização do esprit O Dadaísmo, que se definiu negativamente - dada
no proc.esso comum de transformação da arte. Cada nouveau, nome que passou à revista L'Esprit Nou- não é nada e não significa nada - foi a capciosa
qual denc.a p~r~eber,, p~r det~imip~do ângulo, a rup· veau, uma das principais fontes de que se valeu Má- busca, no avesso da tradição cultural, de uma es-
1 h•I ''"' •1
1 •lt •lh•u h· U1
tura da tradiçao art1st1ca e hterar1a a que nos refe- rio de Andrade. Não há dúvida. de'·que a "cristaliza- pontaneidade originária impossíve122. Nenhum dos t{·
••li•~ .,..
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rimos. ção de um 1nesmo objeto tomado sob ângulos dife- tulos corrosivos, como antiarte, antiliteratura e an-
1 ,,, ,, t. ,,,..,, . ' O .Futurismo, que esteve associado, de maneira rentes"18 foi uma das maiores invenções do Cubismo.
1 OSIOJlSiva, publi<'.itária e polêmica ao movimento de (19) .llEVER'DY, Pierre. Essa! d'Eslhétique Littéra!re. Nord-Sttd,
•1 1 1 "'Ir "...
, 11•1
hu 11111 .. 111 1 .22, despertando nos . seguidores deste as mais desen- (IS) MAIUNl!'ITI. " Manifesto Técnico da Literatu ra Futurista".
ln: MENDONÇA Tl!us, Gilberto. V a11g11arda Europ41a e Modert1fs-
n .. 4 e S, 1917.
(20) SvrHER, Wyllc. Rococo t o Cubism (Transformations ln
, oontradas reações, foi, sobretudo, independentemente mo' Brasileiro. Ed. Vozes, 1972, p. 73. · Stylo, in art and llteraturc from the 18'h to the 20•h c~nluty) .
•tt• l'•'r111· .,, ' ~~ ganga. ideológica de que O· revestiu a pregação de (16) " ... poesia delle lnterruzioni, poesia quasi gcstuale deli'·
impazienza . .. " MJTTNU, Ladlslao. L'&pressionlsmo. Edito ri La-
New 'York, Vintage Boo:k, p . 269.
. (21 ) TACLIABUE, Guido M:trpurgo. Socialità . delle Avanguar-
Hfl• ·~"1~.
'1""'" V111
•Y.10rl~etti, um lir~smo catártico, de choque. O que tcrza, 1965, p. 42. die. Ri•'ista dl Estellca, Turim, Ano X, fase. Il, 1965.
n ele .importa considerar é menos a exaltação da vida (17) MrrrnB.11, Ladlslao. ld.im, p p. 29 e 49. (22) "Ce que nous voulons maintcnant c'est la sponlan~iti.
( 18) Gou>JNG, John. Le Cubim1e. Paris, Le Livre de Poche, Tristan Tzara. ConfErcn ce sur Dada" . Jn : PAUVE!lT, Jean.Jacques.
p, 84. Se pt Ma·n ifestes Dada. 1922, p. 139.

ESTtTICA E CORRENTES DO MODERNISMO 43


tifilosofia, que essa corrente estadeou e com os quais eles de dicção, várias modalidades de linguagem O"-, ,.,,,,,,, ,,,,,
separando-o da imaginação, e co cen· estilo. Em ambos verifica-se o esboroamento da in· , ~111 111" li ,.
se costuma defini-la, pcr1nite conhecer-lhe as inten- .sura, a~ poss1 1 1 a e~ e ambos que ,s e e!'ternaram
ções reais. Dada significou a extrema lucidez traves- tegridade e da unidade clássicas, em proveito do frag~ 1·11 11111111 li
nas ·oc1edades rimitivas. Assim contribuiria o Suê='
'Jl
tida de bufoneria, de loucura e de não-senso, diante r::Jismo, a seu mo o, 2ara qualific!lr antro,P;'iõgi:
mentário, correspondendo à fixação de um instantc11 ,..
de um momento vivido, e em proveito da composi~
'º"'"' ljllt>
111d1141
llllll
da dupla face da ruptura que se processava: a au- c~pente a rullll!r-ª de g ue a arte se tornara causa e
tonomia da obra era uma conquista que tambén1
0
çilo sintética, que se vale de contrastes e de passa• ' 11111·-111, tllt
"'1 efeito: deslocava-se o imàginár io, ·de onde a ativi-
punha e1n evidência o isolamento da arte na socie- dade artística PtOYéJxi,_d,a .Órbits ~SLCivl'lizâÇãõ' Õcf.::
gcns bruscas, sobrepondo o sin1ultâneo ao sucessivo, ~·· ~tllt ..
dade, e acentuava o seu contraste, que Hegel ante- dentaLpa.i:a a órbita da c!!Jtura subjacente à História.
como no realismo lírico de Apollinaire, transmitido. 1111111 1 '''-'ª"
~"'
vira, con1 a civilização técnico-industrial. Dessa for- n lllaise Cendrars. ( ) '11111t1l11
A.s contribuições das correntes que sintetizai'n;s 1t111h·\, IA
n1a, a atitude do Dadaísn10 não poderia deixar de As palavras en1 liberdade, a desarticulação da sin• ,.,
conl l~e1n, dentro do processo de transformação que lnx.e c as imagens-choque, patrimônio comum da& 1'1-lf, 11·1111
'' ser atnbígua. Seu tcrroris1no artístico, para nos va- • • '
lennos da conhecida expressão de Paulhan, desen-
agenc1aran1, em torno dos aspectos diferenciais da va nguardas das prilneiras décadas do século, part1• .(; 1 f,, ft OIL-1 H
estética n1oder.na25 . Para 1nelhor distingui-los toma- culanncnte utilizado pela geração que se conven- l'I ln~/111 Ih
cadeava a vi?lência cont,ra as deforn1aç~es da, lín-
ren1os por base três planos, do n1ais abstrato ao mais cionou chamar itnpropriamente a do "cubismo lite·
r1 guage•?· e visava destruir a cultura art1stica para
c~ncreto: o plano dos valores estéticos propriamente
• -~
depura-la dos c1nblcn1as e insígnias que a. mitifica- rário" (1917-1920), acham-se interligados rlo pro• :i r 111111 11
• d1t~s, o plano da, obra de arte con10 tal e o dos pro- ccdin1ento característico n1ais geral da arte modernl!I:
van123. Seja pela agressividade ou .p ela ingenuidade 11· 1•.111/1,
ced1111entos ou tecnicas. u técnica de justaposição ou 1no11tagem, en1 que se .
Il•1·i que se n1isturar~1n1 11a sua linguage1u, subrnetida a , ..,l 11111~ •••
urri regin1e de associações e de gagas verbais que de- No prin1eiro sobressai o que deno1ninaremos de correlaciona1n elc1ncntos heterogêneos, sem ligações 1111 '" 1111 .. 1
I!' su~pensão do belo, co1no princípio e ideal reguladqr. diretas entre si. Na poesia, que é o principal foco;.\
.lf sagregarn os sign ificados correntes, o poeta fazia l/,!lt ,,, •·Ili
questão de acentuar a distância que já o separava da J?1z ,A.rnol~ ~nuscr que a arte n1oderua, antiimpres- e.lestas observações, podemos encontrá-lo em diversos 111 1111• 1111
comunidade. Dada nascera "d'un besoin d'indépen~ s10111sttca, e fundan1entaltncnte uma arte "feia"26. Na gra us, aplicado c111 diferentes contextos verbais, tanto >li .... 111111•1
dance, de 1néfiancc cnvers la con1munauté"24. Assu- poesia são as in1agcn1l-choquc que preponderam lado nos poemas de Apollinaire quanto nos de Cendi:are. 111•1 1..... 1..

'.~ misse o papel de 11111 diretor de circo ou de clo•vn,


usasse con10 arma ~L biague ou a visão infantil e in-
conseqüente, o dadaísta deu à atitude de oposiçao
a lado com as dissonâncias e as cacofonias. Outros
valores - o côrnico e o grotesco - antes confi-
nados a determinados gêneros, tornam-se essenciais.
Convergindo pois cm torno destes aspectos difO'<
rcnciais, que nos deixam perceber a ruptura que ex-
pressam e cm que tiveran1 origem, o Futurismo, o
1111111.!11 I'
.tl111l1 f\ Ili
.... 111111111111

~ e de heterodoxia da vanguarda o sentido de insulto O humor como método de abordagem, oposto em 'Expressionisn10, o Cubis1no, o Dadaísmo e o Surrea- • •111 I ,. 111
e de agressão social, ruidosos e espetaculares na eta- princípio ao tratamento sério, litúrgico, metafísico, lismo, também veicularam a exigência de renovaçilo \
111 11 11·~ 11111

~ pa final desse n1ovin1cnto, entre 1920 e 1923. do Sinibo\isrno e muitas vezes associado ao ingênuo, Ja linguagem, a desconfiança à realidade de fachada 1
1 No lismo a r cusa dadaísta muda-se num ao culto da infância ·e da si1nplicidadc de espírito, a absorção pela obra do estado de conflito que liga 1u•1 l11 •·•1•
• '1\llt'• '1•1• •
~tado de rcbe 1ao s1stc111á~ica, na n1edida em çwe aparece condicionando a própria visão do arlista27. o artista à sociedade, o índice sociocrítie-0 da forma t '/ ,,,,,,
desligada da 1 tadiçãQ, a. 12.1:.Ópria ~rte rep_reseptariâ Quanto à obra de arte, ela ganha em autonomia
e a reflexão da literatura sobre si mesma, que rea\.
um est ruptura, que se destinava a . · r ça1n, con10 partes integrantes de uma situação, a. '" hll"'' '''
o que perde em transcendência. Pela sua forrr1a e ''" .. ~111111'
pela as ia ão- o son o as otências · ~ pela sua função contrária ao deleite esteticista, quan-
problemática da arte moderna. Os n1odemistas taro•·
1
' conscientes da vida ima inária. . sa atua 1za ão a bém <lepararam con1 esses problemas enraizados ao , .. 11lt1111 Ili
to mais se despe dos ilusionismos que a relacionavam sentido da modernidade, nas correntes estrangeiras· ;~ l i 1· l-111 Ili
n1cs1no ten1po q11c 1 erassc o_ P.e.nsams:Ato e suas
,, con1 a natureza exterior, quanto 1nais se acentua o onde foram buscar as idéias estéticas. 1•111 li 1111111
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ª111ãrras 1ó]iêo·<:.ô•JCCRtuais. estendec-s.e..-ia,-J,lara alén:i.
seu afastamento crítico das aparências, mais adquire . ' .• 1• : .
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1
• da arte e por ela 1nediada, con10 u1na for ·a d • ;tJt.r'-11 11111 ... "'

.que. a serv ·(.uonaçao e a v1 a, a sociedade a. presença de un1a 1·ealidade fatual, próxin1a, des- IV nt· f\111~11~11
·11.1-~tpt., A éti~a_da rcl.J.ç!i.ão _pennanente "incorRQrii,da pida da aura que a divinizava e que ainda permitira ·?f; . 1111111 1111111
a Mallanné fazer de Un Co up de Dés um poetna ór- .... ~,.'.
à estétic · · calista é n1enos significativa pelo im- Devido sobretudo ao trabalho pragmatista de M«t. '.
11ll o·\l 111l11
12açli_) ri:vol uci<,>n . ~io . gu~ pudesse ""ii~vêi=---o.c•1~íWll\ao fico. A poesia e o rornance co1nbina1n várias espé-
rio ~ de Oswald de Andrade, a elaboração . da p~tftt'
•f, . 1 111+1~1
ue elo contraste ue inan teve e intensificou, pecttva central do Modcrn1s1no operou-se entre 19a- jlt•l 111111111 1
(25) P<1rn " cnrnc1.:r l1.açíio dn cstétiC!I cl:I literatura moderna
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1
eu.tre il a 1v1C ') ,t< <.1,rt1s.IJ,Cf\, ~ iw; · · · a ade-ci- nesse ~cnlido e vb:ln<lõ <lctcnnl11nr a ide11Hdade estilística do c J 925, nu1n t rajeto prático e te6rico, que vai . , · I '"' ln- .. ~.
I' vi.!j~ada. Aqu~la. s.<.: produziria !.?ª~ª su~,eel!,per ,o~ n1e- nossv 111<)der11i~1110, veja-se 1) Jmportnnle artígo
de JOSÉ Gu11..HJ::RME
'
CJ1n1s1nos rac1q!:!a1s que QJ:gl)n1zara1n . o pens.mnento-

. Ç~~) "Guctrn Dcchiradn i1s ln>Í&ni:.<. ~os Disfarce,;, aos Áli-


~fJ.!RQUIOlt, Em Busca ele unta Definição para
SL de O Esltu/Q de Silo Po11/11, 14-5-1972.
o Estilo Modernista

(26) HAllSER, i\rnolcl. T/le Social Histor)' o/ Ar/. Routledge,


4, p. 218.
' (28) "A vcrdndc ~ que, com Graça Aranha ou som elíl ·
Modernismo se dcsenvo lV'<lri~ no Brasil, como inf!uêncla. do : 111
..
~ -:~

esta(lo tle espírito u11lvcrsnl. E at(o C-O nl algt1n1 atraso:. pe,-1("'-' o·


·~ suas manifeatoçõcs mAis clan1orosns, <:uoosn10 e Ful'!nq '11;.
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bis . ln: RrnuMON'f.{)f!S!IAICN1'S, G. Dé}tl jadi.t 011 d11 mnuvement (27) O culto <la inf4ncfa, o humor con10 tnétodo e estilo deram ~cu.s prlmciro~ vngidos europeus POr 1909." ANDJA'DIJ, • •
.. ,
,,. • • •• 11111+
Dad11 à l' e.vpaci• abs1rait. J11llinr<1, p. 17. o so11ho e a nmblgüiclad~ c:on~lilt1c111 , purn Roger Sha11uck as'. rio de . "ModerníjllJO". Jn: O Empal/uulor dt Passarln/11>,, ,
(24) TZAl\A, Tristan. "Monile.~lc Onda"_ ln: Sept !14mii/t.<t•"
Dt1tl11. 1918, pp. 22·23.
pcctos distintivos da orle modcrua. Ver TJre 1Janq11et Yeors: op.
cit., p, 31 ç ss.
Paulo, Livr~rin Martins Editora, pp. 159· 160. 111+ '••·•••1tt11
44
eles de dicção, várias modalidades de linguagem e Pau/icéia Desvairada e seu "Prefácio Interessantís-
• ltlt~ 11•1 1 se nrando-o da imaginação e co cen- estilo. Em ambos verifica-se o esboroamento da in- simo" a Pau-Brasil e seu Manifesto precursor. Muito
11urn1 as posst 1 1 a es e ambos. que se externaram embora não tenham recorrido sempre às mesn1as
..., , , .... ·ijj~ soci~dadcs prin1itivas. Assim contribuiria 9 Sur: togridadc e da unidade clássicas, em proveito do frag-
mentário, correspondendo à fixação de um instante, fontes nem aos mesmos critérios de avaliação, sepa-
rcalisrno, a §Cu modo, E.ara qualific!1r antropologi- de um mon1ento vivido, e em proveito da composi- rados que estavam por uma diferente vivência da
Caf!!eotc a rup1u.ra d~. gue a arte se .tomara causa e çl'lo sintética, que se vale de contrastes e de passa- poesia, os resultados desse trabalho complementan1-
•f 1 ' eléito: dCSIC1Cl!Ya-sc o imaginário, de OJ?9~.-~_a~yj7 ~cns bruscas, sobrepondo o simultâneo ao sucessivo, -se sob o prisma da estética moderna e da proble-
Jfüfc artística pJ:QY.ém, da órbitã.. da_civiJizas:ão oci· corno no realismo lírico de Apollinaire, transmitido matização da arte ocorrida no começo do século.
®;1t!!Lp;u·a a órbita da cultuG subjacente à l-Iis't"óna.
As contribuições das correntes que sintetizamos - n Blaisc Ccndrars.
As palavras em liberdade, a desarticulação da sin-
O contato dos nossos nlodernistas com as novas cor·
rentes, já tardio, con10 acentuou Mário de Andra-
conl lucn1, dentro do processo de transformação que taxe e as in1agens-choque, patrimônio comum ~as de28, realizou-se numa etapa avançada do processo
nge11ciaran1, em torno dos aspectos diferenciais da vanguardas das primeiras décadas do século, parti- de transforn1ação histórica das artes, às vésperas da
cstéticn rnoderna2s. Para melhor distingui-los to1na- c uh1rn1ente utilizado pela geração que se conven- eclosão do Surrealismo muito depois do Manifesto-
rcn1os por base três planos, do n1ais ab~trato ao mais cionou cha1nar irnpropr.ia1nente a do "cubismo lite· -Síntese, A Antitradição Futurista ( J913).
,, concreto: o plano dos valores estéticos propriamente
ditos, o plano da obra de arte como tal e o dos pro-
r6rio" (1917-1920), acham-se interligados no pro- Nu1n ton1 de biague e de justificativa dos poen1as
cedirnento característico tnais geral da arte moderna: de Paulicéia Desvairada, que foran1 impetuosamente
cc<lin1cntos ou técnicas. u técnica ele justaposição OLl tnontagem, em que se escritos en1 pouco m,ais de un1a sernana29, o "Pre-
No pri1neiro sobressai o que deno1ninaren1os de correlacionam elementos heterogêneos, sem ligações fácio Interessantíssin10'', continuado, atnpliado e cor-
.1'uJ·pcnsão do belo, co1no princípi.o e ideal regulador. <li retas entre si. Na poesia, que é o principal foco rigido em A Escrava que não é Isaura (1924), mos-
Diz Arnold 1:-Iauser que a arte moderna, antiimpres- destas observações, pode1nos encontrá-lo em diversos tra..nos uma sedin1entação das idéias futuristas e ex-
Nionística, é fundamentalmente uma arte "feia"26. Na gra us, aplicado en1 diferentes contextos verbais, tanto pressionistas em Mário de Andrade, sob a influêl'.cia
poesia síio as i1nagens-choque que prepondera1n lado nos poernas de Apollinaire quanto nos de Cendrars. das teorias do grupo de L'Esprit Nouveau, a revista
11 lado con1 as dissonâncias e as cacofonias. Outros Convergindo pois en1 torno destes aspectos dife- dirigida por Ozcnfant e l.e Corbusier. De fato, já
valores o côrnico e o grotesco - antes confi- renciais, que nos deixan1 perceber a ruptura que ex- alude ~fário de Andrade no "Prefácio'' à fórmula

f, •
nodos a determinados gêneros, tornam-se essenciais.
O humor como método de abordagem, oposto em
pressam e em que tiveram orige1n, o Futurismo, o
Expressionismo, o Cubismo, o Dadaísmo e o Surrea-
somatória de Paul Dermée Girismo +
Arte = poe·
1 1 sia) e já igualmente cita Jean Epstein, dois impor-
···ti• princípio ao trata1nento sério, litúrgico, metafísico, lismo, também veicularam a exigência de renovação tantes nomes ligados àquele grupo. Aliás, o próprio
t t 1 • l do Simbolisrno e n1uitas vezes associado ao ingênuo, da linguagen1, a desconfiança à realidade de fachada,
poeta expressan1ente declara nesse mesmo texto as
•r...lUUl:! QO culto da infância e da simplicidade de espírito, a absorção pela obra do estado de conflito que liga
1111.! · • suas vinculações doutrinárias com a orientação de
lrlt uparecc condicionando a própria visão do ru:tista27, o artista à sociedade, o índice &ociocritico da forma
•tt•
e a reflexão da literatura sobre si mesma, que real· L'Esprit Nouveau. Sintetizando as contribuições das
Quanto à obra de arte, ela ganha em autonomia '
çam, con10 partes integrantes de uma situação, a prin1ciras vanguardas em torno de uma das linhas
o que perde em transcendência. Pela sua forma e problemática da arte n1oderna. Os n1odernistas tam- da estética do Cubismo, precisamente a que se em-
, ...1f'11· '" poln sua função contrária ao deleite esteti.cista, quan- penhou nun1a depuração das formas, o programa da
l••ttl' ,. ·~···r..~ bém depararan1 con1 esses problemas enraizados ao
to mais se despe dos ilusionisrnos que a relacionavam revista tinha por fim estabelecer as bases teóricas
11li 1 .1, . com a natureza exterior, quanto mais se acentua o
sentido da modernidade, nas correntes estrangeiras
para uma arte' de rigor, de clareza e de equilíbrio,
onde foram buscar as idéias estéticas.
11au ufusttuncnto crítico das aparências, mais adquire que se ajustasse à experiência cultural da época:10.
"''·''•• d,
i,~ .,. " ••• n.
u presença de u111a realidade fatual, próxima, des- Mas os conceitos hauridos em tal fonte, que era1n. já
, IV
,,,. 1•11111,. pid11 dn aura que a divinizava e que ainda permitira u1na interpretação das teudências que se haviam ma-
u l\.fnllnrmé fazer de Un Coup de Dés 1lm poema ór- nifestado no início do século, inc1usive a depuradora
h ·• I" t.. Devido sobretudo ao trabalho pragmatista de Má-
flco. A po<:sia e o rornance con1binam várias espé- do Cubis1no, que deu orige1n. à Section d'Or, vão
' li• IF·l 111 ' f' rio e de Oswald de Andrade, a elaboração da pers-
genninar num espírito fa1niliarizado com a leitura de
"
IHll •• d•·• (:IS) l'nrn fl C>Wf1Cl<'rir.:1çíío da estét ica da literatura moderna pectiva central do Modernis1no operou-se entre 1922
·~··· ,, .1,,.t, . .
'
nuu o !ICOlltlo e visando determin~c n !dentida<le esliiís1ica do e 1925, nu1n trajeto prático e teórico, que vai de p()et.as expressionistas e futuristas.
no110 modcroi8n10, vcj~-~c o jmportante artigo de Josi\ GUJtllt;RMF.
1·11d1 t • " '"' MaAQUIOl, Em Btt~ca de umn Definição para o Estilo Modernista, (29) J\NDRAl>I!, Mflrio de. "O tvtovlniento Moden1ista". ln:
(28) "A verdade (; que, co111 Graça Aranha ou sen1 ele, o
IL llo O !i:.·trulo de Súo Pa1ilo, 14-5-1972. Modernis mo se dcse11volverin no Brasil, como inlluência de um A.111ectos lia Literar11ra Drasi/eir11. São l'aulo, Livra~ia t.fartins
(2G) l!A.V8Elt, Arnold. Th~ St>cial Histnry o/ Art. Routlcdge, cs tn<lo de esp írito universnl. B até com alguo1 atrnso. POÍS que Editora, p. 234.
•• 1
"'· p. 21ti. ns suas m:mifest 11çõcs m;1is clan1orosas, •Cubismo e Futurismo, (30) Ver acerca de L'Esprlt No11veau e d~ sua io1fJuêncln so-
1 • • (17 ) O cuit(> da lnfâncin, o humor como método e estilo, deram >cu.s primeiros vagidos europeus por 1909." ANDRADE. MA· b1 e Mário de Andra<le, a monografia de ~1ana Helena Gremtxc-
o 10nho o o ornbigiiidndc constituem, para Roger ShnttucJc, as- rio de. ":Modernismo". Jn: O Empalhador de Passarl11ho. São ki, .'41frio d~ A,.drade e L'Esprir Noul'eau, São Paulo, PubliC11çfto
' 1 •l•·tl·-••• Jltalos 1ll1tln1lvo~ da arte moderna. Ver The Ba11q11et Yeors, op. Paulo, Lívr~ria Martins Editora, pp. 159-160. do lnstítuto de Estudo.ç 8rasilciros, 1969.
til,. p JI ç bS.
E;STÉTICA E CORRENTES DO MODERNISMO 45
1,

Precisan1os não esquecer também que as idéias se defrontou, entre liris1no e poesia, um rumo mais arnbos uma rememoração dos sentimentos o . • ~ ~t) VII#, t+)
vanguardistas interessarão a um pensamento com- reflexivo, que não interessa aqui exa minar32. atos, que os apreciaria intelectualmente ~p ara to~ 11 •~111111111
prometido, no qual a teoria e o fazer poético se com- Esses traços essenciais, que serão incorporados à -los mais expressivos ou m ais agradáveis. Essa a11t1· IJll\I 111 lt1 , ,

penetravàm. Pela sua natureza p ragmatista, a teori- perspectiva estética central do Modernismo, conden- ciação intelect ual, tam bé m chamada de crítica, 11 .. 'til
sam-se em torno daq uela antítese que marcou a evo- menta a distâ ncia e ntre o resultado do processo, 1 1 111 .. llt '•
zação de Mário de And rade avançou experimental e
taticamente, muitas vezes empregando de maneira lução do pensamento de Mário, e c ujos primeiros c riação artística e a sua origem subconsciel'it~ 1
polêmica os conceitos que utilizava. Assim o desvai- indícios podemos encontrar na suspensão do belo em Concomitanteme nte, a poesia distancia-se do liris 1' 1 li Il i••111111
.:1· ris1no, rubrica p ara a "grita do inconsciente" em
que implicava a idéia de arte exposta no artigo sobre puro pela, introdução de dois intennediários - .
UJl•ltlllll tllf
.' Vicente de Carvalho, da série "Os Mestres do P as- crítica e a pala vra - que corrigem a definição d
li' 111 1111~, H
Paulicéia Desvairada, é apenas o nome instigador, a sado". Como sugeria esse artigo, a arte decorre de 11111 111
1 Paul D ennéc, segundo nova fórmula (lirismo pnt ; 111•111111111111
'.
'
cobertura verbal polêmica da atitude de rompimento
com os valores t radicionais, que levava o poeta, atra-
uma necessidade psicológica ante rior ao senso de
beleza: a dinâmica do subconsciente, que constitui
+ crítica + palavra = poesia ). A ação crítica d 1hul11 11
inteligência e a ação da palavra se conjugam p~ ' 11111....111-1
vés de um debate, tanto íntimo co mo público, e que o lirismo. Qualificando-o ora de impulso, ora de es- condensar o estado lírico que as susci tou. M as 68to' , ,.1t1h•11111I
o "Prefácio" reflete, a estabelecer a primeija lin- tado, nosso autor quase fez do lirismo uma instância continua a ser, para o realis1no psicológico da COfi• ' <tlll l 11 filt
guagem da n1oderna poesia brasileira. motora da criação artística. Comentando, depois, no '
A poética de Mário, que come.çava reinterpretan- "Prefácio", a fórmula de Paul D ermée (Arte li- + cepção do nosso poeta, o fenômeno originário.
"O m ovimento lírico nasce do Eu profundo." UJ,l.') ,
A t11111
do as palavras en1 liberdade - a gra nde contribui- rismo = poesia), que voltaria· a apa recer e m A Es- " 1 111111411111 ht
crava, diz Mário que, na poesia, a arte "não consiste rnáxilno de expressão obtido co1n un1 1náxi1no de li~.
ção de Marinetti31 :....... nasceu so b o signo da afetação rismo e u 1n n1áxüno de crítica ainda é devollltiV " 1u 1i.n11 '
de loucura, da grita do inconsciente, espécie de Urs- em prejudicar a doida carreira do estado lírico para llll•t lhl , 11
avisá-lo das pedras e cercas de arame do caminho". desse moviinento, como n ecessidade primária que fQ ',. 11•l11t11•1tlll
chrei expressionista co ntrabalançado p elo quinor a r- u arte surgir. Quanto menos interferem as convcn•
A criação artística ainda é p ara ele, nesse momento, 1k I ' / . t/'
'
lequinaJ : misto de arrogância e de simplicidade, de
provocação e de pa lhaçada, de desafio e de auto-
a mimese rudimentar, que se legitima por uma rela-
ção de máxima proximidade com o n1ovimento do
ções intelectuais a serviço do prazer na con temp la•
ção do belo, mais se aproxima a criação artístlo~
llit111,Jh1
~ ,..... tJ ,, 1 l tt
.t.
-irrisão. Adota ndo a pose desinibida dum Arlequim, subconsciente, das flutuações da vida anímica. D e dessa necessidade que representa um potencial psi• .111i1 ... 1i.
q ue não tin ha 1nais a candura do poeta romântico, pouco ou nada valerá n a poesia, que é idealização cológico per1nanente. E insistindo numa idéia j á OX-
posta em "Os Mestres do Passado", Mário afirn\a: li'• 1111 '" '''
e que p erdera o decoro verbal do pa rnas iano, o autor livre, subjetiva e musical, a interferência do belo da "li ~h·1 11 Il i .
>

"A beleza é uma conseqüência. N enhu ma das grru1~


., ,.,,,.,
\
assumia a atitude do dissidente, "que se parte por Natureza. , A t 11111 1 1 11~
essa selva selvagem da cidade de alaúde em punho" des obras do passado teve realmente como f im ll
A Escrava consigna quatro fatores - expressão, beleza". Desde os tempos primitivos, elas despont n•
- para enfrentar, entre os intelectuais conservado· comunicação, ação e prazer - concorrentes da cria- ': lt' • 1111 •llltl
ram de um mesmo potencial p sicológico, qu~ sempre
·r•' res, os burgueses senis e os proletários indife rentes
da maravilhosa ó pera buf a de "As Enfibraturas do
ção artística e cada qual relacionado com uma ne- se manifestou de acordo com as co ndições p ró prias J'•''" ... ,,,
cessidade. Só o primeiro é fundamental como fe- .. 1•111! ft "'
lpiranga", fecho de Paulicéia D esvairada, o destino nômeno originário, que tende . a exteriori7..ar-se. O
de uma época ou de um determinado m eio. . ,,.1.... ,,..
social conflitivo que a .rupt ura co1n a tradição lhe terceiro, espécie de necessidade lúdica, mal se dis- . Abandonando o belo natural e a convenção cor• ;. 1·~pp1 lf lt li
impunha. D a linguagem gestual, exclamativa, que relata dos assuntos poéticos, o poeta m odernista, qu ..
tingue do quarto que se relaciona com a beleza: va- ' .J'
.

estendeu, nesse livro, até no uso de verbos e ad- gamente caracterizados pelo ensaísta, comportan1 visa ao n1áxiln o de expressão, somente obedece às 1 11111 li '"
~ t 111 11J t1tl 11
..l"i vérbios subs tantivados, a lição futurista, Mário pas- motivações que provocam o movimento lírico, isto 1 lp h 1~, t·I
'l saria, com as anotações líricas de Losango Cáqui (32) Em 1922, Mário confessava a Manuel Bandeira estar é, a din âmica do subconsciente. tvfas ao proceder as• 1 ll1t1t l11
·'
" "perdido em pesquisas e pesquis35 de expressão. Meus poe mas 1 s im ele restabelece o fenômeno artístico em sua or~·
( 1924), ao caminho de uma depuração progressiva atuais, de 1922 para diante, sã o verd adeiros ensaios, exercicios, 1111'111 li 11
.. ~.
~
de sua experiência, que se acha indicado em A Es- estudos". Em 29 de dezembro de 1924, mostrando-se preocupado gem, e satisfazendo a necessidade prin1ária de C}ll~ I" 1t•l 11 11111
em realizar uma poesia artística, declara que não é mais mo- o mesmo surgiu, satisfaz igualmente às exigências J
crava, ensaio onde sondou e f ixou, com as hesitações, dernista e vê A Escrava com um certo d istanciamento q ue as 1 Ili Ili h•l I•

os avanços e os recuos de uma busca intelectual notas acrescentadas a esse texto já revelam ( MÁlllO DE ANDRADE, época, q ue condicionan1 a sua experiência afetiva · '1111•1 1111
aventurosa, alguns traços essenciais da .estética mo-
Cartas a Manuel Bandeira, Rio, Organiza ção Simões Edít.ora,
19S8, pp. 1645-46) . Quase 20 anos de pois falaria, de9enca11·
intelectual do inundo. Consegue, portanto, de urn \'li 111111., 11
•1
tado, num desabafo, para o qual a situação política do xnomcnto u 111;111 ,, 1
derna. Sua obra poética já os absorvera, antes de contribuiu, no snc rlflcio necessário de sua ger ação às experi- (33) M ário qu nlif.ica de inconsciente a puni necessldQdO (!'at..;
tomar, ainda' dentro da fase de orde m crítica do ~10 - mentações poétJca., e no pragmatismo ("Elegia de AbrJI". fn : expressão. O subconsckntc cquiva lla pnrn e le à consciônoln n • 1111 1 11111•111
• Aspectos da Litera111ra JJraslleira. ed. cit., pp. 191·192) . A con- -rcflexin l e no pcnsrunc nto associativo . 'to.tas o -emprego deJ~ • 1111 1 1Jt1fl1IU
demismo, .'m as sempre refletindo a antítese. com que termos - in consciente e subconsciente - n ão é bem dollml~Q •
"' .
ferência ~ de O Movimento Modernista, menos desencantada, é
mais compree nsiva desse pr agmatismo e de sua fu nção, dentro O autor cita William James, Freud, e com mais frcq\l6nOfh t11l tl 1l .. li
(31) " M arinetti foi grande quan do re<kscobrlu o poder su- de u ma visão global do Mo dern ismo , que ap reende o seu sentido Ribot . Pelas noções q ue deste último aproveitou, sobretudo ~ '.1 l1~t l •llhl 1
gestivo, associativo, si mb61ico, universal, musica! da palavra em estéti co, polhico e social nas próp rias contradições que o movi- que d i:t respeito à imngincção. e ~uns relaç(>cs com o inCQJl
liberdade'". ANDJlU)E, Mário de. "Pref4clo Interessan tíssimo". ln:
me nto comportou. Ver, a respeito, de ALFREDO Bos1: " 0 M ovi- ciente, par•ce ter ,ido o psicólogo que 1nai~ contribuiu pari •.'l.·1""
mento Modernista" de Mário de A ridralle, comun icação apre· investigaçõc.• uc Mário. Veja-se de Nrres T11ERl!Z1NHA Fu.lit, l..! A' • ' ' 1 t
Pa.,/icéia Den·a/rada. "Poesias Completas", São Paulo, Livraria sentada à . quarta seção de literatura do programa c<>memorativo 111ras c1n F ra11cí!s de i11ário d e A11tlrade, seleções e co 111entarJO • 11·111fC'U• ti•.,
Martins Edito ra, p. 22. do 50.0 · aniversário da Semana de Arte Moderna de São Paulo. cmn fnndamc1110 nn mnrninália, São Pa1Jlo, 1969. f\ l 1• ~ ~ ,,..ti•f
46
.
se defrontou, entre lirism o e poesia, um rumo m ais nn1bos uma rememoração dos sentimentos e dos só vez, ajustar-se ao subconsciente, o q ue lhe permite
t• lllllPIU t reflexivo, que não interessa aqui examinar32_ ntos, que os apreciaria intelectualmente p ara tomá- revigorar a ima ginação - pois a "sacra fúria" re·
Ess es traços essenciais, que serão incorporados à Jos mais expressivos ou ma is agradáveis. Essa apre- novada de que Mário fal a não pode ser o utra coisa
persp ectiva estética central do Modernismo, conden· ciação intelectual, tambétn chamada de crítica, au- - e reintegrar-se à vida de seu tempo. Em con·
sam-se em torno daquela antítese que marcou a evo- menta a distância entre o resultado do processo, a clusão,
lução do pensamento de Mário, e cujos primeiros criação artística e a sua origem subconsciente33.
indícios podemos encontrar n a suspensão do belo em Concomitantemente, a poesia distancia-se do lirismo a niodcmizante concepção de Poesia, que, aliás, é a
que implicava a idéia de arte exposta no artigo sobre ' mesma de Adão e de Aristóteles e existiu em todos os
em Vicente de Carvalho, da série "Os Mestres do Pas-
puro pela in trodução de dois intermediários - a té1npos, mais ou n1enos aceita, levou-nos a dois resultados
r, a sado". Como sugeria esse artigo, a arte decor re de
rrftica. e a palavra - q ue corrigem a definição de - um novo, originado dos progressos da Psicologia Ex-
Pnul Dermée, segundo nova fórmula (lirisn10 puro perimental; outro antigo, originado da inevitável reali-
wito
atrn·
uma necessidade psicológica anterior ao senso de
beleza: a dinâmica do subconsciente, que constitui
+ crítica +palavra = poesia) . A ação crítica da dade: J .0 : respeito à liberdade do subconsciente. Como
Inteligência e a ação da palavra se conjugam para conseqiiência: destnlição do assunto poético. 2.0 : o poeta
o lirismo. Qualificando-o ora de impulso, ora de es· condensar o estado lírico que as suscito u. Mas este reintegrado na vida do seu tempo. Por isso: renovação da
li tado, nosso autor quase fez do lirismp uma instância continua a ser, para o reali.w no psicológico da con- sacra fúria34,
motora da criação artística. Comentando, depois, no cepção do nosso poeta, o fenô1neno o riginá rio .
"Prefácio", a fórmula de Paul Dern1ée (Arte -1- ·li- A. mode rnidade literária e a rtística tornar-se-ia, por
rismo = poesia), que voltaria· a aparecer em A Es- "O lnovimcnto lírico nasce do ·E u p rofundo." Um
t11áxi1no de expressão obtido com um n1áxi1no d e li· conseguinte, inseparável do reavivamento da ítnagi-
crava, diz Mário que, na poesia, a arte "não consiste nação. Essa conseqüência irnplicava 'O reconheci-
l'i.1·1110 e urn 1náxi1no d e c rítica ainda é devolutivo
em prejudicar a doida carreira do estado lírico para 1nento, que defi niu a p osição de Mário de A ndrade
avisá-lo das pedras e cercas de arame do caminho". desse n1ovhn ento, como necessidade primária que f ez
ti arte su rgir. Q uanto menos interferem as conven-
relativamente às idé ias de vangua rda em geral e às
A criação artística ainda é para ele, nesse momento, de L'Esprit N ouveau em particular, de que a atua-
a mimese rudimentar, que se legitima por uma rela- ções intelectuais a serviço do prazer na contempla-
çüo do belo, n1ais se aproxima a criação artística lização da arte às condições de vida moderna se pro-
ção de m áxima proximidade com o movimento d() cessaria como recuperação de/ ou retorno a possi-
subconsciente, das flutuações da vida anímica. D e dessa necessidade que representa utn potencial psi-
cológico permanente. E insistindo numa idéia já ex- bilidades constantes do espírito humano, desviadas e
pouco ou nada valerá na poesia, qu e é ideaJização recalcadas pelo primado da ordem i ntelectual que
livre, subjetiva e musical, a interferência do belo da posta em "Os Mestres do Passado", Mário afirma:
sustentara a convenção do belo da natureza e o de-
Natureza. "A beleza é uma conseqüência. Nenhuma das gran·
dcs obras do passado teve realmente como fim a coro dos temas poéticos.
A Escrava consigna quatro fatores - expressão, beleza". Desde os tempos primitivos, elas desponta- O verso livre, a rima livre e a vitória do dicionário,
comunicação, ação e prazer - concorrentes d a cria- ran1 de um mesmo potencial psicológico, q ue sempre tecnicamente, e a substituição da ordem intelectu al
ção artística e cada qual relacionado com uma ne- pela Ol'de1ri do subconsciente, a rapidez, a síntese e
se 1nanifestou de acordo com as condições próprias
cessidade. Só o primeiro é f undamental como f e- o polifo11isn10, esteticamente, articul ariam, como prin-
de uma época ou de um determinado n1eio.
nôme no originário, que tende a exteriorizar-se. O cípios de uma nova poética, o efeito das condições
terceiro, espécie de necessidade lúdica, m al se dis- Abandonando o belo natural e a convenção cor· específicas da época atual, contrário àquele primado,
tingue do quarto que se relaciona com a beleza: va- relata dos assuntos poéticos, o poeta modernista, que com o potencial psicológico do espírito hu111ano. Pa-
gamente caracterizados pelo ensaísta, comportan1 visa ao niáximo de expressão, somente obedece às ra co11statar essa articulação, examinemos tais prin-
111otivações que provocam o m ovimento lírico, isto cípios, começando pelos dois últimos.
(32) Bm 1922, Mário confessava a Manuel Bandeira estar é, a dinâmica do subconsciente. Mas ao proceder as- Ligndas entre si, a rapidez e a síntese, que resu·
"perdido cm pesquisas e pesquisas de expressão. Meus poe mas sirn ele restabelece o fenômeno artístico em sua ori-
atuais, d e 1922 para diante, são verdadeiros ensaios, exercícios, men1 a qualidade das operações mais f reqüentes do
estudos". Em 29 de dezembro de 1924, mostrando-se preoCUJ?ad o gem, e satisfazendo a necessida de pri mária de que
cm realizar uma poesia artística, declara que não é mais mo-
dernlstu e vil A Escrava com um certo distanciamento que as
j I,
o mesmo su rgi u, satisfaz igualn1ente às exigências da
poeta 1noderno, cxplicanJ, alé111 dos aspectos forn1ais
característicos da poesia nova, a vigência do poema
notas acrescentadas a esse texto já revelam (MÁRIO DE ANDRAl>.E, época, q ue condic io nam a sua experiência afetiva e c urto ou 1nín irno na lite ratura conten1porânea. A bre-
Carta;- a M an11e/ Bandeira, Rio, Organização Simões Editora, intelectu al do 111undo. Consegue, portanto, de uma
19S8, pp. 16-45-46) . Quase 20 anos depois (alaria, desencnn· vidade, a condensação, a f eição elíptica q ue distin-
lado, num desabafo, para o qual a situação política do n1omento g L1crn a forma da ling uagetn poética, dependem do
contribuiu , no sncrlficlo necessário de sua geração às experl· (33) Már.io q ualifica de inconsciente a pura necessidade do
mcntações poética~ e ao pragmatismo ("Elegia de Abril", ln: cxprcssiío. O s11bcl>ns1;icnte equ ivali a p ara ele à consciê ncin náo- mecanismo associativo das imagens e das idéias. Esse
Aspecto.r tia Literatura Brasileira. ed. cit., pp. 191-192). A con- .... cfl <:xlvt1 o A\) tle11sn1ne11to associa tivo . Mas o e 1t1prego desses n1ecanisn10, exacerbado pela p rópria época, consti-
ferê ncia 1 de O Movimento Modernista, n1enos dcsencan1adn, é lermos - inconscie nte e subconsciente - nlío é bc.m delit:nitado.
mais compreensiva desse pragmatismo e de sua função, dcnl(o O nt1tor cita W i11 iitrn J a nics, F r-t:LLcJ, e co1n mais frcqiiê11 cia tu iria, em parte, o resu ltado de uma adaptação da
de um a visão global do Modernismo, que apreende o seu sentido Ribol. T:'chls noções que deste. último aproveitou, sobretudo no sensibilidade e da inteligência aos novos dados da
estético, político e social nas próprias contradições que o n1ovi- <1t1<1 d iz rcspcito ~ imngir1~1ção, e su as relações con1 o incons-
mento comportou. Ver, a respeito , de ALFRllllO Bos1: "O M ovi· cicato. i>ar-:~cc 1er sido o nsicóiogo que mais contribuiu para :.s
mento M odern ista"" de Mário de Andrade, comunicação apre· ltwc•li gações de Má rio. Veja-se de NITES Tl-lF.R.EZJNHA Fa~~s. f.el· (34) A Escrm·a q11e não é lsal(ra (O;scurso sobre rugumus
sentada à qu arta seçllo de Jlter atura do programa comemorativo ''''""' e''' Frn1it·f..t tle iYf<írio de At1<lrt1<le, seleçõ~s e co111entúl·io~ tcndêncín.~ da pocMa modernista). l n: Obra Imatura. Livr:irl3
do S0.0 aniversário da Semana de Arte Moderna de São Paulo. com fundamente> na mar11inália, São Paulo, 1969. Mart ins .Edílora, p. 224.
ESTÉTICA E CORRENTES DO MODERNISMO 47
"' oposição ao pensa.m ento discu rsivo, cujas l' ~1 e~ Al,1t1
ambiência da civilização industrial, como a veloci- país da infância em que antigamente a criança ainda niío 10 liga1n mediante elos explícitos, sem interl'U ·d 'M, 1t'(1jt\1t• lt
dade, a rapidez dos deslocan1entos no espaço e a ficara pasn1ada sequer ante a glória da natureza. Uin
menjno de 15 anos neste maio de 1922 já 6 um cansado
Ulu pressupõe a vitória do dicionário, que é a S ~11ln h•, 1111 .u
aceleração do tempo. Dos princípios estéticos apon- mnrioand radina para as palavras e1n liberdade, lOll 1111111hl"1
intelectuaP7.
tados por M ário, a rapidez e a síntese são, portanto, xnndo a sintaxe e precipitando a substitui~ão 1i rir · 11111 .... ,
os que nlais de perto se ligam às condições especí- dcm intelectual pela ordem do subconsciente. X\11 11lv11• •Ili
ficas da vida moderna. O cansaço, no jogo teorizante de Mário, torna-se a fu nção liberadora dos princípios da poética .1N·
Jean Epstein, utn dos colaboradores de L'Esprit uma espécie de saturação dos quadros lógicos do pen- dor.na. Devolutiva de uma primeira concepçUO• 1\ 11 ''"-' " ''
''" li ••••
Nouveau, se pronunc iara acerca da adaptação m en- samento pela quantidade e pela qualidade das infor- nrtc para ·a qual se voltava "o grit~ Jite~ário, e o. t!I u "º'' n......
tal do homem à vida moderna com uma tese de ps i- m ações que os sentidos recebem e que a inteligência prenhe de erros do insultado futun smo 40, a c t1{1qlu1 t r111 111
cologia coletiva, adotada e reinterpretada por Mário necessita assimilar. Como novo tipo de me nsagem, or tistica, regida por estes princípios, acompanha, J:l ir " 1111 ..., ,
de Andrade. Segundo o cineasta francês, a pressão essas informações modelariam, para o homem mo- tic ularmentc na poesia, nm movimento de dc,p1 · . li ltll lt . ..
dos estítnulos, de vasta a1nplitude e de alta intensi- derno, um novo tipo de meio psicológico. çllo, de desnuda~ento. do go~to, que tende. a nlvo , 1 l 111Ilitt11•
dade, devida aos novos n1eios de comunicação e de n sinceridade ps1col6g1ca (o ideal de Mário do M 11111~•11
informação, conduzira o homem moderno a uti es- "O raciocínio", observa Mário a título de explicação, drade nessa fase) da "imaginação sem fios" i\ s.......1-' 1111•0 111 Jll
tado de fadiga intelectual, c ujo sinto1na era a pre- ccridade, realçada pelo Cubismo na pintura ~ ~n • ..
ponderância do pensamento associativo da literatu-
"agora que desde a meninice nos empanturram de ve-
racidades catalogadas, cansa-nos e CANSA-NOS. Em cultura das formas simples, eficazes, congen 1h\,l~ ü~ i .. ' "''"'º
li
111
-h1l!1•1t
ra3S, Mas a tese de Epstein, que formulava um diag- questão de meia hora de jornal passa-nos pelo espírito clti1nentos sensíveis e matérias artisticamente trl\~.. ,,;: 1lllt1t•11lu
nóstico, padecia de incô1noda ambigüidade. Admi- quantidade enornle de notícias científicas, filosóficas, es- ]hndas. ' ..... 1.., ...
tindo-se que a fadiga se produzia por um decréscimo portivas, políticas, artísticas, mancheias de verdades, er- Se a liberação que franqueou o recuo à ncce 111'1 tlYll•
das faculdades atencionais, em prejuízo do poder de rores, hip6teses''38. dndc primitiva e permane nte de que a arte der_lV 1
.-
1• ... ,,li 1
apreciação e de raciocínio lógico, ela duraria en- u graças à qual se renova, é naturalmente destrUidõ• •• ,, \•111 .,
1\
1
quanto durasse o período traumatizador a que deu Por força desse novo n1eio psicológico, a cadeia rn, produzindo uma r upt ura com o passado, a dop\\lt •
' ......, t•tt••
1
' . origetn a brusca 1nodificação do an1biente humano. da discursividade lógica se encurta, tnas sem que isso rnção das .formas poéticas, q ue se efetiva através de . •1. . ...... ...
~
' Assim, a té que sobreviesse o equilíbrio n at ural entre red unde em prejuízo do raciocínio, p rovido de ma ior um 01áxjmo de crítica do impulso lírico, que aill '• p hl 11j 1t'*I
o ritmo dos estím ulos exteriores e o ritmo interio r número de circ uitos, que aceleram e multiplicam o não é poesia, visa à construção de u ma lingungc ~ n11 11'111
do pensamento, até que se pudesse elaborar um novo poder de síntese da inteligência. Há 41m t reino co- q ue contenha o máximo de poss ibilidades expre..qslVlllJ.t
'"'· 11111•
estilo de vida intelectual, o poeta seria um inadap- tidiano que compensa a fadiga n1ental: Mos novamente se verifica nesse plano que o rc;ny!S -11111•1, ....
tado, e a sua poesia o produto transitório de uma vo1nento do imaginário e a inodernidade são ins 1•11111111111,
sensibilidade sob a "influência persistente do meio"36. O homem moderno, em parte pelo treino cotidiano, em pnráveis. P ois é a arte m ais nova e mais reprcsen~ 011 11.....
Uma vez que o pensamento associativo era o efe ito parte pelo cansaço parcial intelectual, tem uma rapidez tnciva das condições materiais da época, a cinol.ll .. · 1'111 ~·
da fadiga das faculdades atencionais, as i1nagens, as de raciocínio muito 1naior que a do homem de 183039, tografia, que já nasceu dentro do ciclo da comllni- ~,, 1h 11111111111
associações de palavras e o afrouxamento da "ronda c uçlio e da informação técnicas por ela mesma de& ·~:. h •ll V li 1111
sintática", não poderia1n ser considerados como ver- Por outro lado, os aspectos de brevidade da forma oldo e consolidado - é a cinematografia a grmu'l :; . l '111 1111 ..
dadeiros índices da linguagem poética. e de síntese da linguagem não derivam exclus iva- depuradora da percepção estética nas outras atl.ç · ».., 11 11•11'111 I
1

Mário de Andrade retirou do conceito duvidoso mente das condições m ater iais da vida medema. Na Percebe-se, com o seu advento, ·• 1h• -1111 1
do cansaço intelectual, utilizado em séu ensaio, a sintaxe dos modernistas, que se beneficiou com a ttl•lllll li
conotação negativa, patológica, que Eps tein não dei- divulgação dos gêneros poéticos orientais (tankas, qnc a pintura podia e devia ser' unic·amente p~t 111111111•11
xou de en1prestar-lhe. cquilibrio de cores, línhas, volumes numa superflc1Qj t' h1 11111 , ..
hai-kai, ghazel) , influiriam as "formas elípticas ar- formação sintética, interpretativa, es\ili~dora e nllo .~,, 1 11111 11 11
O homem instruído, moderno, e afirmo que o poeta pe rojadas" e visuais dos anúncios em estilo tel egrá· n1entário imperfeito e quase sempre unicamente epld~ · 111111 li 1
hoje é instruído, lida con1 letras e raciocínio desde um fico . Os anúncios, as notícias de jornal, também in· 1nico da vida. Só então é que se pôde comprcend~ Nlh• 111111
tegran1 o novo meio psicológico que, mensurado pela escultura como dinaniismo da luz no volume, o eur~1
nrquitetural e monumental de sua interpretação. .Só 1 1111111, 111
(:;S) "L;1 líltérature cn est anivéc aujourd'h ul à reproduirc síntese e pela rapidez qualificadora das operações •ln 1t..
la pens6~ associatio11 commc la forme essenticll t de la vie in-
111entais f reqüentes do poe ta, corresponde à escala t no é que se percebeu que a descrição literária nil() í I''\
tellectuclle". EPsTEI N, .1 ean. La P"l!s/e A 11io11rd' /1111, 1111 'N o1n·e1 creve ::oisa nenhuma e que cada leitor cria pela Jni IV' , ,. 111'11141
état d'1'11elligt11ce. P aris, Editions de La S irêne, 1921, p. 103. da sensibilidade 1noderna a que se referiria Oswald
(36 ) Expressão usada por Fernando P essoa no ~" J\1anl/esto
U/t/m a111111 ( 1919), qu~ fo caliza o mesmo problem:1 da~ relações
da sensibilidade com o 1neio ambic~te da civihl •Ção técnica. V"le
de Andrade no seu M anifesto Pau-Brasil. Mas tal
como Mário a concebeu, a síntese está, nessa escala,
nativa uma paisagem sua, apenas servindo-se dos lll! h 1'l
cupitais que o escritor não esqueceu4t, ~· ,.,, "
..• ~-1t• •t11

....
regi_strílr n coir1cidê r1c in. Para o •' OCl n J>l'lrtuguês, ~ s.-ensLti.iJjcladc 'ltllttl 111 111
teria q ue adaptar-se nrtlflcialtncnte aos cstína il()s do prog1esso (40 ) " Me.stres do Passado" , Vl: Vicct1le de Cnrvo,hl'.h·· • 1 • 1 "' l111tlc
c ientífico e político. Oní • in ter.:ssan tíssima Lei d e Malthus da (37) A Esc rtlVD. ln : Obra Jmn111ra. p. '.251. S 11..vA BKJTO, Mário da. H ist6rla.r do J\fodtr111smo 1Jr111l t/f 111111 • •Ili ..
(38) ~.,."

..'
sensíbilidad~. que levaria, inclu sive, à aboliçã o do dogma da Tdem , p. 251 . ( 41) A. Escrava. ldtm, pp. 258-259.
individualidade ar1ística. (39) Idem, p. 253.

48
.
•: ..


oposição ao pensatnento, ~iscursivo, .cujas PªEles Além disso, a cinematografia, capaz de realizar "as
1111111 li país da infância em que antigamente a criança ainda não ligam mediante elos exphc1tos, sem 1nter1upçoes. feições imediatas da vida", condensou exe1nplarmen-
fica ra pasmada sequer ante a glória da natureza. Um J p ressupõe a vitória do dicionário, que é a súmula te, no dinamismo das imagens, o princípio da sin1ul-
n1enino de 15 anos neste maio de 1922 já é um cansado ! 1 ronndradina para as palavras em lib~r~a~e, afrou- taneidade, antecedido pelo estilo cinemático do Cubis-
intelectual37. mo e ativador do máxinlo de possibilidades expres-
l!Jlt!O a sintaxe e precipitando a subst1tu1çao da or-
m Intelectual pela ordem do subconsciente. Daí sivas que a linguagen1 da poesia deverá visar p ara
O cansaço, no jogo teorizante de Mário, torna-se tu nçlío liberadora dos princípios da poética mo- transforn1ar-se, tal como já conseguira a música des-
uma espécie de saturação dos quadros lógicos do pen- d rnn. Devolutiva de un1a primeira concepção de de o século XVIII, nun1a "n1áquina de produzir co-
• "''
l·•t•l 111 1!D mf)ffl
O• samento pela quantidade e pela qualidade das infor- .,.
ru'tO pn ra a qual se voltava "o grito literário, embora moções"42.
111 """ de psi· mações que os sentidos recebem e que a inteligência pr nho de erros do insultado futurisn10"40, a criação Em p lena convergência mental com as vanguardas,
u l11 I" M~rlo necessita assimilar. Como no:vo tipo de m ensagem, rlfsllcn, regida por estes princípios, acompanha, par- é na estética da música que Mário de Andrade abona
r<Ni~Go essas informações modelariam, para o homem mo- tlculn rn1cnte na poesia, um movimento de dcpura- a sua teoria da simultaneidade ou do polifonismo,
l nsl· derno, um novo tipo de meio psicológico. Go de desnudamento do gosto, q ue tende a nivelar cha1nada de harmonismo no ''Prefácio" . Como "teo-
de
Uli\ cs-
, ai'nceridade psicológiéa (o ideal de Mário de An- rização de certos processos empregados cotidiana-
"O raciocínio", observa Mário a título de explicação, du1do nessa fase) da "in1aginação se1n fios" à sin- n1ente por alguns poetas modernistas", o polifonismo,
pre- "agora que desde a lneninice nos empanturram de ve- o rJdude, realçada pelo Cubismo na pintura ~ ~a es- abóbada da poética de Mário de Andrade, em que
lUernt.u- racidades catalogadas, cansa-nos e CANSA-NOS. Em oulturn, das formas simples, eficazes, . congen1ta1s aos a síntese e a rapidez se reúnem, consiste no proce-
um clln.g- questão de n1eia hora de jornal passa-nos pelo espírito oi rnc ntos sensíveis e matérias artisticamente traba- dimento característico da poesia moderna a que já
' Admi- quantidade enorn1e de notícias científicas, filosóficas, es- lhodos. nos referimos : a justaposição de palavras, sem co-
111• gr4oclmo portivas, políticas, artísticas, mancheías de verdades, er- So 11 liberação que franqueou o recuo à ncce_ssi- nectivos ou com um mínimo deles. Quem comparar
, .11 poder de rores, hipóteses"38. dude primitiva e p erman ente de que a arte der.1va, o texto do "Prefácio" com o da Escrava, poderá ob-
li 1 ur
aln cn- groças à qual se renova, é naturalmente destruido- servar que a formulação pessoal que Mário deu a
... li quo deu Por força desse novo n1eio psicológico, a cadeia ra, produzindo uma ruptura com o p assado, a depu- esse procedimento varia de um para outro. ~ mais
1. •l hurnnno. da discursividade lógica se encurta, mas sem que isso raçno das formas poéticas, que se efetiva através de de conteúdo estético no primeiro, que trata de uma
r l ontre redunde cm prejuízo do raciocínio, provido de maior um máximo de c rítica do impulso lírico, que ainda justaposição de palavras ou de frases soltas, sexn liga-
lntodor número de circuitos, que aceleram e multiplicam o nlio é poesia, visa à construção de u1na linguagem ção lógica, e n1ais de conteúdo psicológico 110 segun-
yn1 n ovo poder de síntese da inteligência. H:á ._.m treino CO· que contenha o máximo de possibilidades expressivas. do, que se limita a conside rar o procedimento co1no
lo• lnnd np· tidíano que compensa a fadiga mental: M O!í novamente se verifica nesse plano que o reavi- superposição de idéias e de imagens, focalizando-o,
Jo urna vnolcnto do imaginário e a modernidade são inse- portanto, do ponto de vista de sua causa no poeta
mclo"36. O homem moderno, em parte pelo treino cotidiano, em pnrúvcis. Pois é a arte mais nova e mais represen- ou de seu efeito sobre o leitor.
o i>fcito parte pelo cansaço parcial intelectual, tem uma rapidez 1n1iva das condições materiais da época, a cinem a- Em Mário de Andrade o realismo psicológico p re-
.... ~~ IJOOS, as de raciocínio muito maior que a do homem de 183039, tografia, que já nasceu dentro do ciclo da comun~­ dominou dentro do espírito pragmatista que o nor-
11111 • ''i o nda onçrío e da informação técnicas por ela nlesma defi- teava no trabalho intelectual de assimilação das idéias.
'' '" _egmo ve r- Por o utro lado, os aspectos de brevidade da forma nido e consolidado - é a cinematografia a grande Foi no entanto a música que lhe forneceu o eixo de
e de síntese da linguagem não derivam exclusiva- dopuradora da percepção estética nas outras artes. referência para coordenar os, conceitos instrumentais
•·U• d \lvlcloso mente das condições 1nateriais· da vida m oderna. Na Pe rcebe-se, com o seu advento, de sua poética. E ncontrou ele na teoria do polifo-
••·t tnllnlo, a sintaxe dos modernistas, que se beneficiou com a nismo ou do h a1monismo uma p rim eira solução à
·~•· J
.nllo dei- divulgação dos gêneros poéticos orientais (tankas,
hai-kai, ghazel), influiriam as "formas elípticas ar-
que a pintura podia e devia ser unicamente P!ntura,
oquilíbrio de cores, linhas, volumes numa superfície; de-
antítese entre o impulso lírico, espontâneo e capri-
choso, e a f orma da linguagem, que depende, pela
formação sintética, interpretativa, esiilizadora e não co- crítica das palavr as, da própria ação da inteligência
rojadas" e visuais dos an(1ncios em estilo telegrá· mentário imperfeito e quase sempre unicamente epidér-
poctn de que a ordem do subconsciente deveria substituir.
dt~tle urn fico. Os anúncios, as notícias de jornal, também in- mico da vida. Só então é que se pôde con1preender a Não importa que Mário tenha dado, depois de A Es-
tegra111 o novo meio psicol6gico que, mensurado pela e!K:ullura como dinamismo da luz no volume, o caráter
urquitetural e monumental de sua interpretação. .Só en· crava, outros run1os, 1ncnos tnodernis tas, à sua poe-
•, , 1
síntese e pela rapidez qualificadora das operações sia. De seu realismo psicológico, que surpreendeu
'fI• t~o é que se percebeu que a descrição literária :não des·
1nentais freqüentes do poeta, corresponde à escala os veios inconscientes da imaginação, saíram as ima-
çrevc coisa nenhuma e que cada leitor cria pela imagi-
da sensibilidade moderna a que se referi ria Oswald n11tlvn uma paisagem sua, apenas servindo-se dos dados
de Andrade no seu Manifesto Pau-Brasil. Mas tal cnpitais que o escritor não esqueceu41. (4 2) Essa definição que, comQ diz Mário, está completa para
como Mário a concebeu, a síntese está, nessa escala, os leitores de L'Esprit Nou>''ª"• pode ser rebcionada com o
conceito do poen1a - "n1achine à émouvoir" - lnspir•do em
( 40) " Mestres do Passado" , VI: Vicente de Carvalho . ln: Le Corb usier e portanto n n fonte de que se valtu Mário, que
(37) A Escravo. In: Obra lmn111r11. p. 251. 8 11..vA BRITO, .Mário da. Htst6rias do Modernismo Brnstle/ro. figur a cm epígrafe no livro de João Cabral de Melo Neto, O En-
(38) Idem, p. 251. ( 41) A Escrava. Idem, PI'· 2S8·259. gen/ltiro.
(39) 11/c?m, p. 253.
.. ESTÉTICA E CORRENTES DO MODERNISMO 49
... .
1

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td6las de vanguarda. Independentcn1ente das suge~ ·. 'lt 111111111111


1 gens-choque, a sintaxe interruptiva e a dissonância ta de sua realidade preliminar de fatos da cultura. tõcs cubistas e dadaístas que possa haver recolhlt1tf • 11111 1111111
do verso, que passaran1 a integrar, juntamente com Essa realidade já constituía o índice de uma carga, nn Europa, durante os seus sucessivos estágios pari• . ''""li
o humor e a atitude agressiva do poeta rebelde, a d e um potencial poético a ser extraído d a forma e 1lenses, que se cncadearan1 por longo período desíl ·
perspectiva estética central do Modernisn\o. dos rnateriais, quando se integrassem, segundo uma os fins de 1922, Oswald reelaborou a mensagem tcÓ• 1\
1111hli11ll' ''º'
Partindo de un1 outro ponto de vista, que ampliou, perspectiva determinada, na estrutura do poema, e rica do esprit nouveau na sua versão original, con~ 1!111111•111111
diversificou e modificou esses tópicos, a abordagen1 fossem aí trasladados do estado bruto de fato ou forme a doutrina exposta por Apollinaire en1 s1•1i: I ,. , l'l'fll
exploratória de Oswald de Andrade, con1plementar de aconteciinento ao nível de signo significativo. conferência L'Esprit Nouveau et les Poetes, anterior t, llt1 1l1• li
à de Mário, no t rajeto prático e teórico por a1nbos "A poesia existe nos fatos", declara o Manifesto. no progran1a da revista predileta de Mário, que to; .·
percorrido, co1neça con1 as Me1n6rias Sentintentais
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11111 ~1 11
Enumerando forn1as e materiais lado a lado, diz-nos moo aquele no1ne. ·r- 1
de João Miran1ar (1924). Mário escrevia então a o nlesmo documento programático que esses fatos Afirn1ava Apollinaire na sua fan1osa conferêooin ··~• 111 11 1 11
propósito desse romance: são acontecimentos pictóricos, folclóricos, históricos que o esprit nouveau, herdeiro dos clássicos e do ~•'llfll\1111
e étnicos, econôn1icos, culinários e lingüísticos (os românticos, era guiado pelo amor à verdade na pos• ""'!"''~
Com as Me1nórias Se11ti111e11tais de João MiraJnar Oswald casebres de açafrão e de ocre nas favelas, o carnaval, quisn da forn1a, relativamente à qual a _con.quista do 1
• •1• 1lllht h
de Andrade se incorporon praücarnente ao g:rup6 dos as crônicas de descoberta e de colonização do Brasil, verso livre representava apenas unia pnmeira etapo. 1111111 ..,_
n1odernistas brasileiros. Afinal Os Co11de11ados eram mais a etnia, a riqueza vegetal, o minério, a cozinha, a Os artifícios tipográficos, co1no nos caligramas, e O 11111111•11 H
urna contemporização. No fundo obra realista. Na for- língua sem arcaísn1os 1 sem erudição, enriquecida pe- c inema, que vieram depois, abria1n caminho pat'fl

1111 n 11n11
1na o discurso corJia lento, arreado de bugigangas so- .7

noras. Assim a prosa não podia correr. Quanta campai-


nha. ( ... ) Com i•S Me1nórias dentro da roupa o corpo
los seus próprios cJros e neologis1nos) de que se cOtJi-
põe a "originalidade nativa", con10 matéria-prin1a
uma arte nova que punha à disposição dos poetas
o mundo inteiro. Não poderia o poeta deixar de ga•
..i. 1t1 1 ~l111 ·11
11'1 ,,, h11

é já moderno. ( ... ) O livro saiu a n1ais alegre das des- exportável, de natureza histórica e social, que Oswald nhnr, acompanhando a sua época, uma Iiberda~e ln• • 1 1 hl~ 1\11
truições. Quase dadá. Pretendeu a "volta f\O material". de Andrade verteu em poemas breves, ágeis e câ11- tclectual enciclopédica, semelhante à de um iorna1 11l1j1 '"" 1
Isso indicava respeitar o material e trabalhá-lo. Ou pelo didos, graças a uma perspectiva determinada, senti- cotidiano. Eis a rnedida do novo realismo da poesln, ' >1tt11. l'1u 1
n1enos a apresentação do 1naterial literário puro, em toda mental e intelectual, irônica e ingênua ao mesmo que valoriza o grotesco e o ~idículo sem. transformá• Ili l1•tllh
a sua infante virgindade. tempo, como a dos quadros de Tarsila do An1aral · lo nu1n tipo de beleza horr1vel ou trágico. E coJnO ·' •r11!\ •
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d essa fase43. o esprit nouveau preza a verdade, nada ocultando OU
O n1aterial a que pretendeu voltar o romancista e Somente publicados en1 livro no ano de 1925, os tll11farçando, o seu principal recurso está na inanolra .. • li .. 11111 1

q ue nos apresenta e1n suas Men16rias, era tanto a poemas Pau-Brasil substituen1 a descrição pelo ins- diferente, abrupta ou chocante, de combinar os n1ól• 1i.. 1
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n1até ria lingiiística recalcada pelo decoro gra1natical tantâneo, a re1nemoração subjetiva pelo lembrete ane- tlplos fatos da experiência co1num. Por isso, a orlgl• "" 11111 '
co1n o que ele ro1npia, quanto a matéria-prima das dótico e a efusão lírica pela paródia. Por mais di- nnlidade e a novidade residem na surpresa.
palavras em libe rdade. Era, mais ainda, o material 1•.1111 .
versos que sejam, obedecem a uma estrutura comum,
específico das várias pautas do discurso, caricatu- < '"t.•1111 ••
resultante da aplicação dosada dos princípios esté- L'esprit nouveau est également dans la surprise, C'csl ,, 11111111111
rados e parodiados nesse rornance, e concorrendo ticos que o Manifesto invocou: a síntese, o equiúbrio CG qu'il y a en lui de plus vivant, de plus neuf. La 5Ur•
para fazer dele "un1 dicionário satírico de imbecili- ,..; VI llfl ~Ítlt
geômetra e o acaban1e11to técnico, a invenção e a prise est le grand ressort nouveau. C'est par la surprho1
dade e de ig11orância". As Me1n6rias realizavam, nu- surpresa. Muito e mbora se possa ver no priineiro pnr ln place importante qu'il fait à la surprise que _1'esprlt
n1a prosa de "estilo telegráfico" e numa fonna ele novveau se distingue de tous .les mouvements a rt1$tlqUíll ·.' ''""
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deles uma outra versão do sin1ultaneísrno de Mário, ' 1111• ,,,
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narração sincopada, por justaposição de episódios, ol lit!é raires qui l'ont précédé44. 1 ,,
a síntese Pau-Brasil já se vincula ao ponto de vista
como fragmentos de u1na realidade soê:iolingi.iística original que a condicionou, e que é a realidade pre-
reduzida a instantâneos que se sucedem em ritmo Mas não há surpresa sem invenção. •1111• 11l1A1tt
liminar das formas e dos materiais como fatos da 111!1111•111
cinemático, a rapidez, a síntese e a simultaneidade cultura. A poética de Oswa1d de Andrade, que as-
verbais que Mário h avia precisado para a poesia sen- sentou nas artes plásticas o eixo referencial dos seus c·est que poésie el création ne sont qu'une même cho l \ nn
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su stricto. Mas a tríade da poética n1arioandradina conceitos instrun1entais - e na qllal., portanto, as on ne doit appeler poete que celuê qui invente, colui qU
já aparecia no romance de Oswald, à luz de um ou- artes p lásticas desen1penhan1 função análoga à da crée, dans la mesurei ou l'homme pcut créer4~. , 1111f.,1C'1u
tro ponto de vista, que antecipava a estrutura e a l ll~lrl
1núsica na poética de Mário n1ove-se no âmbito de
perspectiva da poesia Pau-Brasil que o :rvfanifesto ho- un1 realismü que se pode classificar de fat ual ou
O nexo íntimo que Apollinaire estabeleceu entro ~ •" l 11~•11•111 l t
môni1no e prec11rsor delineou teoricamente. Invenção e a surpresa reaparece no Manifesto PnUie .. Jll' 11 t' llt
en1pírico por oposição ao rea lismo psicológico de
O Manifesto Pau-Brasil ratificou a volta ao n1a- ·Brasil. O acabarnent.o técnico e o equilíbrio S ff 1'H!ilriltr l1t 1
Paulicéia Desvairada e de Losango Cáqui, e que nos metra, os dois outros princípios apregoados nes~,ili .• , 1111 ..., 1
terial, possibilitada pela escala da sensibilidade mo- n1ostra o acesso a certas fontes preferenciais das
derna. Tambén1 p ara Oswald as condições d a época (44) APPOLUNAllUl. L'Esprit No11vea11 et l•s Poet~I. JAOQ\!I' t-1~1 ~~
operavam de nlodo a favorecer uma depuração da (43) ~ a perspectiva de trabalhos como Paisagem <:On• Touro HDumont, Paris, 1946, p. 17. As cirnções anteriores em J)Ofh,f . '",>''lt'" -
arte. Seria uma volta ao sentido puro das formas
e dos n1ateriais, considerados porén1 do ponto de vis-
(1925) e Vendeilor de. Frutas (1925). Ver de ARACY AMARAL,
Tar$i/a - 50 a110.r de Pintiira. Catálogo de Exposição, Tarsila
1918-1968. Muscn de A rtc Moderna do ~io de Janeiro.
s118s seguen1 essa edição.
(45) APOLLINAIRP., idem, p. 19. .
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ltldlon de vanguarda. lndependenten1ente das suges- documento, tan1bém procede!'! ~Joftllm!irt, ~ts
ta de sua realidade preliminar de fatos da cultura. teu cubistas e dadaístas que possa haver recolhido por uma vertente anterior à doutrina do esprit nn11-
Essa realidade já constituía o índice de uma carga, fl D Europa, durante os seus sucessivos estágios pari- veau: a teoria do cubismo.
de um potencial poético a ser extraído da forma e 11 naes, que se encadearam por longo período desde A pureza, que constitui, ao lado da verdade e da
dos rnateriais, quando se integrassem, segundo uma Ot tios de J 922, Oswald reelaborou a mensagem teó- unidade, a prín1cira das três virtudes plásticas fun-
perspectiva determinada. na estrutura do poema, e ' lon do esprit nouveau na sua versão original, con- dan1entais preconizadas pelo poeta de Zone em seu
fosse1n aí t rasladados do estado bruto de fato ou forme a doutrina exposta por Apollinaire e m sua Les Peintres Cubistes, pode ser interpretada na acep-
de acontecin1ento ao nível de signo significativo. oonferência L'Esprit Nouveau et les Poetes, anterior ção de pureza da matéria e de pureza da forma, am-
"A poesia existe nos fatos'', declara o Manifesto. ao })rograma da revista predileta de Mário, que to- bas correlativas ao grau de auto-suficiência da arte
Enun1erando forn1as e n1ateriais lado a lado, diz-nos mou aquele nome. cubista - que não é uma arte de imitação - o qual
'
o mesn10 docun1ento programático que esses fatos Afinnava Apollinaire na sua famosa conferência assinala o afastamento da obra do modo de repre-
são acontecimentos pictóricos, folclóricos, históricos qua o i:sprit nouveau, herdeiro dos clássicos e dos sentação artística vinculada às ilusões de óptica e às
e étnicos, econômicos, culinários e lingüísticos (os ro rnAn ticos, era guiado pelo an1or à verdade na pes- proporções locais46. Desse ponto de vista, tanto o
''" 1 r Os,vald casebres de açafrão e de ocre nas favelas, o carnaval, quloo dn forn1a, relativámente à qual a conquista do equilíbrio geômetra quanto o acabamento técnico se-
Jtll f)O cios as crônicas de descoberta e de coloniz~ção do Brasil, verso livre representava apenas urna prin1eira etapa. riani essenciais à autonomia do poema e de certa
Gr111n mais
, :t.J 11 for-
a etnia, a riqueza vegetal, o minério, a cozinha, a Os nrtifícios tipográficos, como nos caligramas, e o maneira equivalentes entre s i.. O acaban1ento téc-
língua sem arcaísn1os, se1n erudição, enriquecida pe- clnerna, que viera1n depois, abriam ca1ninho para nico não é a simples perfeição fonuaL Trata--se, como
1J11naus so- los seus próprios erros e neologisn1os) de que se co~n­
I11 cumpai- un1n ttrte nova que punh a à disposição dos poetas destaca o Man ifesto, de un1 acabamento de carros··
Cl o corpo põe a "ori ginalidade nativa", con10 nlatéria-prima o rnundo inteiro. Não poderia o poeta deixar de ga- serie, havendo pois identidade entre a operatória de
ro UllU c.les- exportável, de natureza histórica e social, que Oswald J1hur, acon1panhando a sua época, uma liberdade in- criação artística e a operatória da fabricação dos
mnlcri;1l". de Andrade verteu cm poeinas breves, ágeis e cân- tolcclual enciclopédica, semelhante à de um jornal objetos í1teis, especiahnente das 1náquinas. A propó-
o, Ou pelo didos, graças a uma perspectiva determinada, senti- cotidiano. Eis a medida do novo realismo da poesia, s ito, Paul Dern1ée observa en1 1917, num artigo do
ro. cn1 1oda mental e intelectual, irônica e ingênua ao mesmo que valoriza o grotesco e o ridículo sem transformá- n1ensárío N ord-Sud, onde colaborava ao lado de Re-
tempo, como a dos quadros de Tarsila do Amaral .. 10 num tipo de beleza horrível ou trágico. E con10 verdy e Braque, que
dessa fasc43. o t.vprit 11ouveau preza a verdade, nada oculta.n do ou
anclsta e Somente publicados en1 livro no ano de 1925, os dlsfn rçando, o seu principal recurso está na n1aneira a obra de arte deve ser concebida como o operário
• • t nnto a poemas Pau-Brasil substituem a descrição pelo ins- dife rente, abrupta ou chocante, de combinar os múl- concebe um objeto de sua fabricação, seja um cachin1bo
"• ·rAmatical tantâneo, a rememoração subjetiva pelo lembrete ane- l lplos fatos da experiência comum. Por isso, a origi- ou um chapéu . . . 47
rimo dns dótico e a efusão lírica pela paródia. Por n1ais di- nalidade e a novidade residem na surpresa.
·• O mntcrial versos que sejam, obedecen1 a uma estr utura comum, Para Apollinairc, que avançou muito inais ao con-
•• .. 1 Obrlcatu- resultante da aplicação dosada dos princípios esté- siderar as duas operatórias, a da arte e a da indústria,
, noorre11do l)csprit nouveau est également dans la surprise. C'est a imaginação poética não deveria ficar aquénl. da in·
ticos que o Manifesto invocou: a síntese, o equilíbrio i:o qu'il y a en lui de plus vivant, de plus neuf. La sur-
• • lmbccili- geômetra e o acaba111e11to técnico, a invenção e a prl~e est le grand ressort nouveau. C'est par la surprisc,
ventividade daqueles operários que contribuem para
.11 v111n, nu- surpresa. Muito embora se possa ver no pri1neiro pn r la place importante qu'il fait à la surprise que l'espdt aperfeiçoar as máquinas com que trabalham. Pode-
"'' tormn de deles uma outra versão do sin1ultaneís1no de Mário, nouvcau se distingue de lous Ies n1ouvements artísliques ria finalmente "1nachi11er la poésie comme ori a ma-
oh plaódios, a síntese Pau-Brasil já se vincl1la ao ponto de vista et littéraires qui l'ont précédé44. chi11é le n1011de". Essa possibilidade de mecanização
•" ,, UnsUlstica original que a condicionou, e que é a realidade pre- da poesia relacionada co1n a generosa expectativa,
·11 r ritn10 lin1inar das formas e dos materiais como fatos da Mas não há surpresa sem invenção. que alentou o esprit nouveau, confirmando a semente
e.Idade cultura. A poética de Oswald de Andrade, que as- futurista de onde provinha, de uma íntima colabora-
ln. 'se11-
, sentou nas artes plásticas o eixo referencial dos seus C'est que poési.e et créa1ion ne sont qu'une n1ême chose; ção dos engenheiros e elos poetas, foi a utopia tec-
drndina conceitos instrumentais -- e na qual, portanto, as on nc do it appeler poete que celui qui invente, celui qui nicista a que aludiu Blaise Cendrars numa das suas
um ou- artes plásticas desc1npe11ham função análoga à da crée, dans la 1n.esure. ou J'ho mme· peut créer45. conferências de São Paulo.
:urn e a 1núsicil na poética de Mário move-se no âmbito de Dizia ele en tão que as .P ala vras, quaisquer que
· OlllO ho- Lun realisn10 que se pode classificar de fatual ou O nexo íntimo que Apollinaire estabeleceu entre a fosscrn os meios de reprodução mecânica das ima-
empírico por oposição ao realisn10 psicológico de J11vc.nção e a surpresa reaparece no Manifesto Pau- gens, os recursos tipográficos e os artifícios de pro-
ao rna- Paulicéio Desvairada e de Losango Cáqui, e que nos
-Drasil. O acabamento técnico e o equilíbrio geô- paganda, podia1n servir aos poetas que queriam criar
dG n10- n1ostra o acesso a certas fontes preferenciais das 1netra, os dois outros princípios apregoados nesse ''um estilo novo em colaboração com os engenhei-
4poc~1
( 44 ) APPOl.LIN,\IRE. L'Esprit Nouveau et les Poetes. Jacques (46) Al'OLl.tNAIRE. Le.1 Peintres Cubistes - Méditatlons Er·
lo dn (43) ~ n perspectiva de trabalhos como Paisagen1 con• Touro Hnumont, P at·ls, t 946, p. l 7. As citações a11tedores em portu- thétiqtus. Gcnêve, Pierce Cailler, Editeur, 1950, p. 20.
ormns (192S) e Vendedor de Frutas (1925). Ver de A1tACY AMARAL
Tarsl/a - 50 u110.r de· Pl11111ra. Caiálogo de Exp0sição, Tarsil~
11uês scgucn1 essa edição.
( 45) A•<>u. rNAIRE, lden1, p. 19.
(47) DeRMl!f., Paul. Quand !e symbolis1ne fut mort. ;Vorcl-
.S11<l, n. 1, 15-3, 1917.
d vis· 1918-1968. Museu de Arte Moderna do JUo de Janeiro.
ESTÉTICA E CORRENTES DO MODERNISMO 51
esse carãter primitivista de nossa época artística. So op 1t1-ll~
ros"48. Quando o Manifesto Pau-Brasil propunha .a riais em estado bruto. Assim, .à semelhança da pin- nu realidade uns primitivos. E co1no todos os primiú lt1tll1111
substituição dos jurisconsultos pelos engenheiros de tura, o poema admite a colagetn dos próprios fatos, roa listas e estilizadores. piif1111 111
Blaise Cendrars ("contra o gabinetis1110, a prática como material poético virgem. An.tcs de Docu1ne11- ,, t 1t1h'IUlu11
c ulta da vida. Engen heiros e111 vez de jurisconsultos, taires, que ap roveita, nwna ve rdadeira montagem, fra- As correntes de vanguarda, inclusive a f uturl 1, 11.. 1111•11~
perdidos na genealogia das idéias"), não se lin1itava ses dos livros de G ustave Le R ouge, Cendrars uti- dcran1 ao primitivismo o alcance de uma idéia. p ,4 ,,,,,
apenas a refletir a euforia lírica, o bucolis1no indus- lizara diversos 1nateriais adventícios, publicitários, li- lêmica, utilizando-a p ara acentuar e mante r a 1'U 111l 111•11
trial do poeta f rancês. Oswald invocava um aspecto terários e históricos49. Oswald, que fabricou nos poe- tura com as tradições e convenções do p assado. lilll \ltl 11
da praxis da sociedade industrial - a prática culta
da vida, como ele a chamou - e o contrapunha ao
mas de "H istória do Brasil", primeira pa.rte de Pau-
-Brasil, decupando trechos de crônicas históricas (de
palavra tornou-se um signo de discordância com. '.r1
nrtc, de crítica dos emblen1as da cultura inteloot il . ' .' "
.,,,,,,.,.,
"lado doutor", bacharelesco, de nossa inteligência, Pero V az de Caminha, Gandavo, Claude d'Abeville, e de oposição à sociedade. Mas o primitivismo l i\ u 1•1111111 ti
utilizando no sentido de uma c rítica da cu1tura a Frei Vicente do Salvador e Frei M anoel Calado) , bém foi uma metáfora irredutível, significa ndo, n~ 11•111t•11•I
consta tação o tin1ista do esprit nouveau. verdadeiros ready-n1ade verbaisso, sem repetir o em- 1na s ucessão de acontecimentos em cadeia a que rcm . 1111v11~lu
D e ver-se-ia a tal prática o processo 1nais amplo pirisn.10 documenta.rista de Ccndrars .e sem reeditar- tio, como a difusão da arte dos primitivos desdê . . 1111 1'111•
de n1udança, na escala da sensibil idade n10<.!ema, -lhe o amável exotismo, transformou numa concep- fins do século XIX pela pesquisa e tnográfica, a rcln•;: .......11111
que desarticulou, depois da "democratização estética ção da originalidade nativa a 1nensagem do esprit tivização dos valores da civilização ocidental pe1Q·: ltl lllth ·li
nas cinco partes sábias do rnundo", correspondente 11ouveau, de q ue o seu compilnheiro e am igo foi o desenvolvimento da Antropologia e o conhechncntn; li 1111.,iri'
à ascensão do N atu ralismo, as antigas formas da ex-
periência e do p ensamento. ll o "esto uro dos apr en-
dilnentos", atingindo as elites intelectuais, inclusive
en1issário entre nós.
A volta ao n1aterial como volta ao "sentido puro"
na poesia pau-brasil, dentro da perspectiva sentimen-
do inconsciente pela 'Psicanálise, a descoberta, Clil .
ll(lSSa época, do "pensamento Selvagem", que é S~l~ .....
vagem ou primitivo na medida em gue as estrutur • ·,
.• /:
.f11ni111 1

·1 1 " " 1•111


a nossa. P ropunha-se o Manifesto Pau-Brasil a efe- tal e intelectual, irônica e ingênua que se adotara, n1itopoéticas que o integram desautoriza m a valido.d ·· ti "t111111
tuar, partindo das possibilidades lingüísticas reais do acon1panhou contudo esteticamente, até pela in ocên- absoluta dos padrões artísticos, éticos, sociais e pO• 1 11111111 ~
português falado no Brasil ("A língua sem arcaís- cia construtiva que o Manifesto considerou uma ten- líticos do pensamento civiJizados2. • " ··~11111
n1os, sem erudição. Natural e neológica. A contri- dência da sensibilidade moderna, a simplicidade for- Associando-se ao conceito polêmico e à metáforu1 1(11111111 '
buição milionária de todos os erros. Como falamos. n1al que fizera do Cubismo um primitivis1no da for- o primitivismo de Mário e de Oswald de Androoo .... h• hl
Como somos"), uma reconstrução do gosto e da in- ma externas• . Simetricamente, o realismo psicológi- - o nosso primitivismo nativo, único achado d w .1.. 1, .. 1
teligência, uma correção da totalidade da cultura, co de Mário de Andrade, insistindo na idéia de um geração de 22, a juízo do segundoS3 - que COll• t,IJ 1111 111111 li
que passaria, co1no a arte, por urna " volta ao sentido potencial psicológico que se descarrega na expres- dcnsou, independenteme nte d as diferenças que scpn• ..i ~1 1111 f h•1t
puro". Acompa nhando essa volta, que permitia "ver são lírica, ligou-se, pela busca da en1oção e do sen- rl\n1 as poéticas desses dois a utores, a visão 'purn do "1: 111 1111.. ,
corn olhos livres", a poesia pau-brasil, conseqüê ncia tirncnto espontâneos, à tônica primitivista do Expres- Cubismo, a "imaginação sen1 fios" do Futurisrno 1 !\- . l·l~l ll,

1 :r da prática c ulta da vida, pude ra captar a originali- sionismo e do Dadaísmo. ugressividade dadaísta e a tensão surrealista e11tr ~~ H lll>t VI• "
dade n ativa. o consciente e o inconsciente - sintetizava o con• ~ ~lh•lt ... t'
A poesia Pau-Brasil de. Oswald de Andrade filtrou "Somos na realidade os primitivos de um a nova /u11 to das idéias e dos processos que constitu fratn a. 11•ve11!11 f
o en1pirismo documenta rista de Blaise Cendrars. Para era'', .exclan1ava o poeta de Paulicéia Desvairada, no verspectiva estética central do Modernismo. Longe .' 1• 1111, ...
este també111, que concebeu Documentaires ou Ko- " Prefácio", acrescentando que fora "buscar entre as de terem mobilizado,· como pensava Blaise CendrnflfJ
dak ( 1923) como um a série de fotografias ver-
bais, a poesia existe nos fatos, de ondê o poeta a
hipóteses feitas .por psicólogos, naturalistas e críticos
sobre os primitivos das e ras passadas, expressão mais
quando visitou o Brasil e1n 1924, apenas o interes ~
Iódico de uma "estreita vanguarda de este tas''S4,
~~
"h
~
1
1 A'I 11
....
recolhe media nte registros sucessivos que a documen- hu111ana e livre de arte". O sentimento de esponta- aqueles ismos foram decisivos para o destino do n 1•
ta m . Mas a fotografia verbal da in1pressão viva, ins-
.' tantânea, de que se retira o halo evocativo para dar-
neidade e de liberdade. que se associou ao ímpeto
destrutivo da revol ução artística, comportava a vivên-
vimento e não de todo alheios à realidade cm q '
o·s rebeldes de 22 vivia m. Sob o aspecto do µ,rim'·
·lf•lli- :iw·...
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1 '"

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~·~ 1111li 111~
li
· lhe o caráter de anotação dire ta. e circunstancial, cia .de um reco1neço, de um recuo batism al às or igens tivismo, que representava o conjunto das tendêD.Q ·
.
apanha, ao 1nesmo tempo, con1 a objeti vidade da câ-
mara guc o poeta 1novilnenta, as coisas e os mate-
prirneiras ou a fontes a nteriores à concepção renas-
centista do mundo. "Ainda não vi sublinhado com
extremas de tais corrente_s, a modern!da~e, que O
wald fora buscar e1n Pa n s, onde sentiu a sugest:.1.' 1
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'f bastan te descara1nento e s inceridade'' - observava o



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(48) CllNO!tARS, Bla isc . Les Po~tes Mcder11es 1/a11s l'Ensemble
de la YJe Co11 1emvoral11e . Oeuvre Comple te, Quatriên1e Vollune, mes n10 M ário de Andrade numa Nota de A Escrava: (S2) ". . . cette 'pensée snuvage• qui n 'csl pns pour llOUS 1
11011sc!e d es sauv ages, n i cell'e d'\lnc humanlté pr;millve ilU ' ""li• t'
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Dcnocl, l960. Sobre Blaisc Ccndrnrs e cm relação com o n10-
dcrnismo brasileiro, ver de AltACY AMARAL, Bla/se Cendrars "º
tlulYque, mais' ta pensée à l'élat snuvaae, d istin cte do 111 j!lli1'41•
cuttivEe ou domesliquEe en vuc d'obtenir un rendcment" . Cl· "' ' ' '"f/11, '11
.1 Brasil e o:r Modernistas, L ivraria Martin s Editora; de ALEXl>NDRE
(49) CENDRARS, Blaise. Document, Documentaires. Poésies
Compl~tes tle B/aise Cendrars, Paris, Dcnocl, 1944. Ll!V r-STRAUSS , La Pensée Sau vage, Paris, Plon, 1962, p. 7 .1· "º 1• "~
.1~ "'''" 1 1
EULÁLIO, L'avt nlttre brlsilittme d e 1Jlai.re Centlrars, /;tudos Por-
tugaiscs et Brésilíenncs, V, Travaux de I:\ Facult<! de Loures et
Scien~es l:l. umaines de L 'Université de Rennes, p. 32, :Renn es.
(50) CAMPOS, Haroldo de, " Uma Po~tica da R adicalidade".
pp . 2S-26. l n: Poesias Re1111idas tlt U.•wold dt Andrade. São
Paulo, Difusão Européia d o Li• co, 1966.
(S3J ANDRADll, Oswald d e. "0 Ca minho Percorrido' , tu
Ponta de Lança. Rio, Civllizaçlio Brasileira, 1971 , p . 90.
(S4 ) "l'rop c'est trop". ln : La Voix du Sang. D.en~l 1 • •11
"•....."" . t!l:l'
1 , .. ~1~r'1.

••,
1969; de \VILSON MARTT1'1s, Ce nd rars e o Bro.~il. Rt\'ista do Livro, (S I) GOU>WALTER, Robert. Prim/livlsm ln Modern Art. Ne~ ISS·1S6. .... 4 - 1
l n. 18, Ano V, 1960. York, Vlntagc Book, 1967. p. 225.
'l 52
"i·'
1
98e caráter primitivista de nossa época artística. Somos aproximação do tam boJ do negro e do canto d o
riais em estado bruto. Assim, à semelhança da pin- flll real idade uns primitivos. E con10 todos os prin1itivos, índio"SS, podia ser encontrada e.n tre nós, passando
tura, o poe1na admite a colagern dos próprios fatos, 1 nlistas e estilizadores. pelos e lementos popul ares e étnicos d a cultura, re-
como rn ateria l poético virgem. Antes de Docu111en- calcados pela intelectualid ade contra a qual o Mo-
1aires, que aprovei ta, numa verdadeira montagem, fra- As correntes d e vanguard a, inclusive a futurista, dern ismo se rebel ara.
ses dos l ivros de Gustave Le Rouge, Cendrars u ti- deram ao p rimitivismo o alcance d e uma idéia po- A perspectiva estética central do Modernisrno, que
lizara diversos m ateriais a dventícios, publicitários, li- I001ica, utilizando-a para acentuar e manter a rup- no Pau-Brasil é inseparável de um esquema interpre-
terários e históricos49. Os\vald, que fabricou nos poe- tura com as tradições e convenções do passado. ./\ tativo da cultura brasileira, constituiu um elemento
m as de " História do Brasil", primeira parte de Pau- palavra tornou-se um signo de discordância com a •de di/erenciação das diversas tendências do movi-
-Brasil, decupando t rechos de crônicas históricas (de orle, de crítica dos emblemas da cultura intelectual rnento, algumas reativadoras de veios remanescentes,
Pero Vaz de Caminha, Gandavo, Claude d'Abeville, e J e oposlção à sociedade. Mas o primitivismo ta1n- como o nacionalisn10 românt ico, o simbolismo e o
Frei Vicente do Salvador e F rei M anoel Calado), bén1 foi uma metáfora irredutível, significando, nu- regionalisn10, e que confluíram, por força da re-
verdadeiros reacfy-made verbaisSO, sem repetir o em- rrin s ucessão d e acontecimentos em cadeia a que ren1e- novação artística e literária deslocando o status quo,
mplo piris1no docun1cntarista ele Cendrars e sen1 reeditar- tlu, como a difusão da arte dos primitivos d esde os no c urso do período militante do movimento, que se
t1orn11, - lhe o amável exotismo, transformou ~uma concep- fins do século XIX pela pesqnisa etnográfica, a rela- encerrou em 1930. Com a exceção do esteticisn10 me-
, •li, li• t6tlc:11 ção da originalidade nativa a mensagem do esprit tivização dos valores da civilização ocidental pelo tafísico de G raça Aranha, cujas idéias principais -
111 • , ~
,,, · d nte nouveau, d e que o seu companheiro e amigo foi o desenvolvimento da Antropologia e o conhec ime nto a integração ao universo pela en1oção estética e o
1111 ~1 dn CX· c1nissúrio entre nós. do inconsciente pela Psicanálise, a descoberta, em do1nínio sobre a natureza bárbara pela inteligência
,.. ' ciprcn· A volta ao n1aterial con10 volta ao "sentido puro" nossa épo ca, do "pensa1nento selvagem", que é sel- - A Estética da Vida ( 1921) já definira, as demais
"''" . oru11lvc na poesia pau-brasil, dentro da perspectiva sentimen- vage1n ou prin1ilivo na medida em que as estruturas correntes, o verdean1arelismo (1926) - voltada para
11, , 1 n Bfc· tal e intelectua l, irôn ica e ingênua que se adotara, 1nltopoéticas que o integram desautorizam a validade a "íntin1a co1nunhão das almas" como substrato na-
ronh1 do acompanhou contudo esteticamente, até pela inocên- nbsoluta dos padrões artísticos, éticos, sociais e po- cional e o grupo de Festa ( 1972) - voltado para
- - 11rcnfs- c ia construtiva que o Manifesto considerou uma ten- Hticos do pensamento civilizad o52. a espiritua lização da arte e da sociedade - confi-
con1ri- dência da sensibilidade moderna, a simplicid ade for- Associando-se ao conceito polê1nico e à metáfora, g uran1-se reagindo contra a estética e a interpretação
t11lamoR. mal que fizera d o C ubisn10 un1 prin1itivismo da for- o primitivismo de Mário e de Oswald de Andrade sócio-histórica de Pau-BrasiZ56. Teve início, a partir
da in- 1na externas •. Simetric amente, o realismo psicológi- - o nosso primitivismo nativo, único achado da daí, o processo de diferenciação ideológica do nosso
aulturn. co de Mário de Andrade, insistindo na idéia de um geração de 22, a juízo do segundo53 - que con- modern ismo de que a Antropofagia participou. O
a1nl ldo potenc ial psicológico que se descarrega n a expres- de nsou, independentemente d as diferenças que sepa- Manifesto Antropófago ( 1928), de Oswald de An-
llíl " ver são lírica, ligou-se, pela busca d a emoção e do sen- ram as poéticas desses dois autores, a visão pura do d rade, que retomou o impulso da rebeldia surrea-
O• l'lcia timen to espontâneos, à tônica p r imitivista do Expres- C ubis1no, a "imaginação sen1 fios" do Futurismo, a lista, aguçou o .prin1itivism o anterior, elaborando
r atnol i- sionismo e do Dadaísnio. agressivid a de dadaísta e a tensão surreal ista entre uma visão eminentemente crítica da sociedade b ra-
o consciente e o inconsciente - sintetizava o con- sileira, dent ro da qual a arte constitui o veículo d a
"Somos na realidade os p rim1t1vos de uma nova / 111110 das idéias e dos processos que constit11írarn a revolta individua] a serviço da transformação da vida
era'', exclamava o poeta de Paulicéia D esvairada, no {Jerspectiva estética central do Modernismo . . Longe e dos seus valores morais e políticos.
" Prefácio", acrescentando que fora "buscar entre as de terem mobilizado; como pensava Blaise Cendrars,
(55) "Ccs forces ethniqucs sont en -pleine modemité". OsWALD
hipóteses feitas por psicólogos, .naturalistas e críticos quando visitou o Brasil em 1924, apenas o interesse DE Al'IDRAoe, L'effort intellectuel du Brésil Contemporain dnns
sobre os primitivos das eras passadas, expressão mais lúdico de uma "estreita vanguarda de estetas"S 4, J 'Am~rlque L atlne, Rtv rte de J'Amlrique Latlne, 1923, pp. 197-207.
(56) Ao contrário de Estética (1924). revista de Prudente
humana e l ivre de arte". O sentimento de esponta- uqucles ismos foram d ecisivos para o destino do rno- de Morais Neto e Sérgio Buarque de Hollanda, que manteve o
neidade e de liberdade que se associou ao ín1peto vi1nento e não de todo alheios à realidade em que 10111 libcralizaote de Klaxon, n revista Festa ( 1927) exprime a
posição definida de um grupo. Consulte-se Festa (Contribuição
d estr utivo da re volução artística, comportava a vivên- os rebeldes de 22 viviam. Sob o aspecto do primi- para 0 espírito do modernismo) , de Neusa Pinsard Caccese --
c ia .de un1 recomeço, de um recuo batismal às origens 1ivis1no, que representava o conjunto das tendências Institulo de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo,
1971. Quanto às dcfinJções do vertleamarelo, o melhor repositó-
prim.e iras ou a fontes anteriores à concepção renas- cxt rcn1as d e tais correntes, a modernidade, que Os· rio ain<.la 6 O Curupira e o Carão (Editorial Helios L tda., Siío
centista do mundo. "Ainda não vi sublinhado com wald fora buscar em Paris, onde sentiu "a sugestiva Paulo, 1927 ) , rcuniodo ariigos e conferências de Menotti dei
Picchin , PHnío Salgado e Cassiano Ricardo. Acresccnt,:-se a este
bastante d escaramento e sinceridade" - observava o livro coletivo A A nta e o Curupira (Considerações sobre a Lite-
rnesmo Mário de Andrade numa Nota de A Escrava: (52) ". . . cctte 'pensée sauvage' qui n'est pas pour nous ln ra111ro Moderna), confer ência de P línio Salgado, em 1926, sô·
11onRée des sauvagcs, ni ccUe d'une humanité primitive ou ar· 1nu la do ideário verdeamarclo, e, já em confronto com a A?tra-
. chniquc, mais la pcnsée à l'état sauvage, dlstíncte de la pensée pofa1tl11, Nhe11gaç11 V erdea1narelo . (Manifesto do verde-amarehsmo
( 49) CENDRARS, Blaise. Pocumenc, Oocumcntaires. Polsies cultlvée ou donlestiquée en vue d'obtenir un rendement". CLAUDE ou da Escola da Anta), publicado no Correio Paulistano de 17
Comp/lte.< de Biaisc C~ndrars, Paris, Denoel, 1944. L({v1~'>TRAUSS, La Ptn.1·ée Suuvage, Paris, Plon, 1962, p . 789. de maio de 1929. Era justamente a segunda fase da Revista de An-
(50) C AMPOS, H aroldo de. "Uma Poética da Radicalidade". (5J) ANDRAD8, Oswald de. "O Caminho Percorrido" . ln : tropofagia (março a agosto de 1929), com Oswald do Andrade,
pp. 25-26. ln: l'ocs1as Re1t11idas de Oswald de An<lrade . São /'óntn de l,ança. Rio, Civilização Brasileira, 1971, p . 96. Geraldo Ferraz, J ayme Adour da Cân1ara e Raul Bopp, ague.r-
Paulo, Difus5o :Européia do Livro, 1966. (54) "T rop c'est trop". ln: La Voi.t du Sang. D.cnoel, pp. rida como não foi a primeira fase, sob a direção de An1õ1110
(S l ) GOU>WALTER, Robert. Primltivism /11 Moder11 Art. Nelf ISS-156. de Alcânt ara Machado ~maio de 1928 a fevereiro de 1929).
York, Vintage Book, 1967. p. 225.
. EST~TI CA E CORRENTES DO MODERNISMO 53
'
MODERNISMO: AS PO.~TICAS DO
CENTRAMENTO E DO DESCENTRAMENTOL

Affonso Romano de Sant' Anna


'

'
"A cstus questões, é ve1·dade que n~o scl rcspon·
der nem , nestas alternativas, qu<1l -termo convlrla
escolher. Não ndivinho sequer se poderei respon·
der jamnis a elas, ou se um dia 1crel razões para
me determinur a tal. Todavia, sei agora a raz3o
por que, oomo toda a gente, posso formular a mim
próprio essas questões - e que não posso dciX•lr
de as formular."
MICREL FOUCA.UI.T - As Pa/a1·ra,. e a.• Coisas.

Introdução
••
Os estudos sobre o Modemisn10 têm privilegiado
...... uma série de enfoques que oscilatn entre o hist6-
.rico-docu1nental e as monografias baseadas em es-
tudos estilísticos dos autores & obras.
Partimos do princípio de que se pode tentar um
outro enfoque - o estudo da Linguagem ou das
Linguagens que se cruzaram no Modernismo e que
escapam à classificação até agora mantida de co nce-
ber aquele movimento como uma simples sucessão

• • de revistas, grupos e gerações fechados em seus re-
gionalismos. O Modernismo como movimento homo-
., gêneo é uma ilusão histórica. Funcionou como um
.. '
toque de reunir que acabou congregando arrivistas
..'
t 1 ( 1) Este trabalho to1":1·se mais pertinente quando vinc ulado
a dois outros ·estudos que já publicamos. O pfimeiro: Escrita e
"

Ideologia (Cadernos rlt Jornalismo e Com1111icação, Edições Jor-
nal d() Brasil, n. 35, março/abril 1972) pressupõe a existência
de três tjpos de escrita: a escrita-sujeito (rnltica), a escr(ta-ob·
jeto (id eológica) e umn -esc rita 1erceira que ultrapassa o slstemo
d o alfabeto. No segundo estudo : A Narrativa de E strutura Sim·
pies e de Est nitura Complexa (ReYista Vozes, Ed. Vozes, n. 4,
ano 66, maio 1972), o simples define as obras mlticas e ldco·
lógicas e o complexo inverte o sentido daqueles termos para
tomar a escrita como próprio referente.

.,
1 •,
'
e revistas. N a verdade, não existe sequer um "estilo poética do centramento e a poética do
'
.I!
descentra-' preender os primeiros anos de nosso Modernismo Otl '
"

modernista"2 mas autores aglutinados em torno de


certas datas fa lando idiomas Jiterarian1ente divergen-
mento. as linguagens que aí começaram a se ~o:m~lar.
l 1111 '"
11\l'llllll
1' h 1n11111111t1
•li•
4. O estudo da n atureza daquelas três linguagens O que é relevante nesse texto de Mar1? e seu oao~ 1
tes. criador. E a volta para o problema d~ ~1teratura en• · 11111110 lt ...
e dessas duas poéticas só se efetiva qúando se con-
O que se pretende aqui é analisar o solo lingüís- sulta a natureza mesma do Modernismo como um quanto escrita. Es,tabelece neste p~efac10 uma rela: 110 A Mtt
tico em que se estabeleceu o Modernismo nos seus evento ideológico de que a arte faz parte. Isolar a _ çúo intertextos operando uma fusao de seu pensa 1111111 1111
primeiros dez anos de vida. Localizadas as lingua- mento com pensamentos alheios, utilizando-se nii,Q YlllU,llht
série social e a série artística é o primeiro passo para
gens formadoras deste solo con1um, talvez se possa uma compreensão possível do todo heterogêneo em · exatamente do processo de apropriação, ma~ da e!,.. ' ln YI\ no•
partir para a compreensão dos prolongamentos do que se transformou o movimento de 1922. tação direta e da bibliografia, que T. S. Ehot utlll• '.~ 1h1i. .._ ...
movimento e chegar às obras mais recentes tanto de zoria também em seu The Waste Land em 1922. A · VoJ 11Vl1t~

"
I· un1 Guimarães Rosa quanto à poesia que passando
por João Cabral de Melo Neto se entreabriu numa Desenvolvimento crítica que ele faz de um soneto seu transcreven·
do-o, a transcrição de versos de Shakespeare ou. H o
. l llVll htttll
1111\lllt•I••
série de manifestações de vanguarda a exe{llplo do
Concretis1no. , 1. A de1nanda da linguagem mero, uma teorização que faz com que se. refira ' .ª llllVetl 110
11111A 111u ,
i vários outros autores nacionais e estrangeiro~, ev1·
1
1 Este estudo é apenas um embrião, uma possibili- dencia o dilaceramento da demanda de uma hngua· 111111111 ••••
dade de rumo. Os critérios históricos, estilísticos e Problen1átiea presente em todos os primeiros tex-
'' tos produzidos pelo Modernismo é a demanda de gem nova. Po5 is~o ele d~:nvo~~e a teoria. ~e que 1ui\1ll11 1lt
espácio-temporais de interpretação do Modernismo 1 h1 Ili •li 1 1
un1a nova linguagem, que fosse taticamente a rup-
loda construçao e destru1çao ( toda perfe1çao cm.
são aqui tomados secundariamente. Procuramos abrir nrte significa destruição"). . . . ' 1'111111•"• ~
espaço para un1a análise do Modernismo como fe- tura com a linguagem interna sin1bolista-parnasiana :B nessa mesn1a linha que vai o resto de Paullcé1t1 • 4n11- 111 t I
nômeno que só pode ser entendido quando subme- e a reversão das experiências vanguardistas européias Desvairada ( 1922) . A linguagem que aí se desen• '., JIC'l llll HYlt
tido a um enfoque epistemológico que indaga sobre em termos de uma linguagem autônoma & nacional. volve é artificial e rebuscada, muito próxima. ~o f rn· U-i•ltlll H•
o próprio fenômeno da linguagem . A obra de Mário de Andrade, e especialmente casso enquanto realização poética, mas prop1c1adora lfllll•
. Como tal, este trabalho terá que ser repensado por o "Prefácio Interessantíssimo" (1922) mostra o di- de caminhos a serem ou não seguidos por outros Alr111111
mais de un1a pessoa. Não é uma formulação teórica laceramento em que se empenhou o poeta. Esse tex- \l-f •li 11111111
.J
poetas. :e, nesse esforço de destruição e dilaceran1ento
acabada, n1as apenas tuna proposta de pesquisa, que
se pecar por generalizações não pecará certamente
to, procurando a saída pelo lúdico e pela ironia reve-
la a ausência de llln solo estável onde a poesia mo-
que se deve con1preender "As Enfibraturas do Ipl- . 1 ti ''"
" llM llllttl-
h••
ranga", u1n fracasso poético proposital. '.
. por reduplicar o que se vem dizendo monotona- derna pudesse se desenvolver. Tudo aí é proposição. Considere1nos outros textos e autores. Klaxon lhlj&llllpU
1
.! n1ente ao longo desses 50 longos anos. A própria maneira de fundir poesia e prosa, zon1- ( J 922) primeiro grupo a se organizar f~la insistente• . ·011111111111

bando de uma e outra, incorporando o soneto den- n1ente em "construção" e marca uma atitude voltada . th• 1111111 1
Proposição tro dessa prosa apresentada em forma de versos, para o futuro: "Klaxon procura: achará. Bate: n
porta se abrirá''.; Pau-B_ra_sil ( 1924) i_nsiste: "a p~i·
1
tudo aí revela uma procura e insatisfação. Fundando •
Este tr abalho pretende desenvolver os seguintes urna escola - "o desvairismo", que teve a duração
pontos básicos: meira construçao bras1le1ra no movimento de t O•
da leitura do prefácio, Mário opta por uma ativi- construção geral. Poesia Pau-Brasil". Essa busca de ( l 1 'Mlt
1. O Modernismo como linguagem é a tentativa dade inquietante que revela antes a busca do que un1 rnodus próprio de expressão se conf~nde com . ll\11 1111 li
de preenchimento de um vazio, procurando estabe- o encontro. n necessidade de criação de um novo púbhco e los• tll'll• 11 111•
lecer entre duas ordens de linguagem .- a interna Esse texto não faz questão de abolir seus parado- tnuração de outra realidade histórica e socia_l. À Rc• •· 11'1 11111'1 A
e a externa - o seu 1n'odus próprio. xos, porque é a part ir daí que se pensa em estabe- vista (1925) assinala: "falta-nos desde a ttpogratlr' • 1l.--.011v11I
2. Esse preenchimento resultou num aglomerado lecer um solo novo. Lança-se num exercício cons- alé 0 leitor" e reserva dois terços de seu manifesto 11•hu•l111111
11 1 a •
heterogêneo e o que seria apenas uma linguagen1 se ciente-inconsciente da escrita utilizando recursos fu- a falar não de literatura, n1as de política., propo11cJO
fraciona em pelo 1nenos três tipos de linguagem que turistas, dadaistas e falando repetidamente numa lin- uma reforma que atinge até a Constituição do paf~ . ,.,.., ,111 nr.
constituirão o solo inicial do movimento: a lingua- guagem freudiana que prenuncia o Surrealismo de Al ia-se assim claramente a idéia de que a pt~• . htl•h• 11t•I
Hllt'lll • •
'J
gem da mimese, a paráfrase e a paródia. Bretoo em 1924. Não se quer um futurista ("Não posta de linguagem que se estava faz~ndo ~r~ g1obr11 . f •"1 '1 l•t"''
sou futurista de Marinetti. Disse e repito-o"), mas 0 tinha vinculações mais amplas e 1deol?g1~as. A: · :~! :111 :1 /:~: 'l!t
·I 3. Essas três linguagens se desdobram em novas estranhamente se confessa ligado à tradição ("Sou questão entre o Modemisn10 e o Parn,as1_an1smo j_~ ' ••t1~,1 f'JI'~
articulações que possibilitam o conhecimento de duas passadista, confesso. Ninguém pode se libertar duma era a revolução de 1930 versus a Repubhca Vclb1 • ~ \\111 ~~ ~r11~
poéticas centralizadoras da produção modernista: a
(2) JOSÉ GUJLHl:RMI! MERQUJ<lf., Em Busca de uma Definição
só vez das teorias-avós que bebeu; e o autor deste
livro seria hipócrita se pretendesse representar orien-
E o interesse nas linguagens européias era um
. dº•
de atualização que se manifestou contra ~.or1ame~ . ,
dose' ' ",,. .
•~• JIK•
••~IH
1 ~l 1i..,;t.,,
para o Estilo Modernista, O Estado de Suo Pa11/o, 14-5-1972, t ação moderna que ainda não compreende bem "). quando se concluiu que o que se atu~ltzava era , ,.,.,,,., ""
trabalha esse problcrn:t sem conseguir romper con1 os limites .da
própria estilística, presa sempre ao nível mfnlmo da frase e sem
A confissão de que ainda não absorveu a "orienta- tipo de governo forte 9ue Vargas ~mb1guamentc CS• · ;r,~: 11:~::1 ~111
penetrar o discurso que o texto guarda. ção moderna" é fundamental (e rara) para se com- tatuiu à sombra das ditaduras fascistas. , :· l111111n-•• "I
' ' 56
• 1

1 ,
111<1 1111 • tllo poética do centramento e a poética do descentra~· ptecnder os primeiros anos de nosso Modernismo ou Um enfoque histórico e sociológico poderia facil-
1o111 Ili 0 d mento. ns linguagens q ue aí começaram a se formular. mente situar em 1922 as linguagens que se entre·
11·1111· " rg n· 4. O estudo da. natureza daquelas três linguagens O que é relevante nesse texto de Mário é seu caos chocaram dez anos depois no regime Vargas. Cas-
e dessas duas poéticas só se efetiva quando se con- Gri ndor. E a volta para o problema da literatura en- siano Ricardo de Martin1 Cererê . (1928) é o mesmo
sulta a natureza mesma do Modernismo como um e1ua nto escrita. Estabelece nest.e prefácio uma rela- de A Marcha Para o Oeste, que já se tinha exerci-
ev~nto i?eológico de que a arte faz parte. Isolar a 960 intertextos op'erando uma fusão de seu pensa- tado no gove rno Campos Salles e organizaria o mo-
série social e a ~érie artfstica é o primeiro passo para me nto com pensamentos alheios, utilizando-se não vimento "Bandeira" em 19363. O comunismo já es-
uma compreensao poss1vel do todo heterogêneo em ,'(atamente do processo de apropriação, mas da ci- tava nos manif estos de Oswald de Andrade com to-
que se transformou o movimento de 1922. tnç üo direta e da bibliografia, que T. S. Eliot utili- dos os seus dilaceramentos entre a boêmia e a re-
ioria tambén1 em seu The Waste Land em 1922. A volução4. O Integralismo de Plínio Salgado já es-
Desenvolvimento critica que ele faz de um soneto seu transcreven· ta va inquieto no grupo Anta. O udenismo em suas
J o-o, a transcrição de versos de Shakespeare ou Ho múltiplas manifestações, n1as sempre a favor de um
incro, uma teorização que faz com que se refira a governo forte, de um nacionalismo convencional já
l. A dernanda da linguagem , v6rios outros autores nacionais e estrangeiros, evi- está em A Revista, uma versão moderna do despo-
~!lllibJJI. dencia o dilaceramento da demanda de uma lingua- tis1no esclarecido do século XVIII. Talvez o grande
Problem~tica presente em todos os primeiros tex-
~U, cos e getn nova. Por isto ele desenvolve a teoria de que mérito do Modernismo tenha sido o de ser câmara
~1111'11lsmo tos produzidos pelo Modernismo é a demanda de
l:oda construção é destruição ("toda perfeição em de eco dos "18 .do forte" da Coluna Prestes e dos
11 111 t!05 nbrlr un1a nova lin.guagem, q.ue fosse taticamente a rup- ca1nisas verdes. O que se prenuncia aí não é só 1930,
nrtc significa destruição").
1•1111 emo fe- tura com a linguagem interna simbolista-parnasiana
e nessa nlesma linha que vai o resto de Paulicéia 1nas 1932, 1935, 1937, 1945, 1954, 1964. O que se
111•1 ~ ubrne· e a reversão das exp~riências vanguardistas européias ' preparava transcendia aos preparadores. No Moder- ,
em termos de uma linguagem autônoma & nacional. Desvairada (1922). A linguagem que aí se desen-
.. ~"' D sobre volve é artificial e rebuscada, 1nuito próxima do fra- nis1no as contradições que nos assolaram nestes 50
~ obra. de Mário ~e Andrade, e especialmente anos.
Cnsso enquanto realização poética, mas propiciadora
ntlo por o Prefácio Interessant1ssimo" (1922) mostra o di·
<lc caminhos a seren1 ou não seguidos por outros Abrindo mão desse enfoque histórico-sociológico e
........ tcdrlcn
laceramcnto em que se empenhou o poeta. Esse tex-
~.
a, que to, proc urando a saída pelo lúdico e pela ironia reve-
poetas.:e. nesse esforço de destruição e dilaceramento voltando ao f enômeno do Modernismo enquanto bus-
ca de linguagen1 procuremos definir os termos com
q ue se deve compreender "As Enfibrat uras do Jpi·
rtamcnte la a ausência de um solo estável onde a poesia mo- ronga", um fracasso poético proposital. os quais trabalharemos neste artigo. Consideremos a
_,,,_onotonn- derna p~desse se. desenvolver. Tudo aí é proposição. Consideremos outros textos e autores. Klaxo11 linguagem da mimese, da paráfrase e da paródia, que
A p rópria maneira de fundir poesia e prosa, zom- ( J922) primeiro grupo a se organizar fala insistente- compuseram o solo inicial do movimento através
bando de uma e outra, incorporando o soneto den- tne nte em "construção" e marca uma atitude voltada de uma parábola inicial que remonta aos gregos.
tro dessa prosa apresentada em forma de versos • • pora o futuro: "Klaxon procura: achará. Bate: a
tudo aí revela uma procura e insatisfação. Fundand~ porta se abrirá". Pau-Brasil ( 1924) insiste: "a pri- 2. A "República" e a li11guagem
1 sulntes uma ~cola - "o desvairismo'', que teve a duração n1eira construção brasileira no movimento de re-
da leitura do prefácio, Mário opta por uma ativi- construção geral. Poesia P au-Brasil". Essa busca de O Cap . X de A República de Platão trata da ques-
t ntcuiva dade inquietante que revela antes a busca do que urn 1nod11s próprio de expressão se confunde com tão da mimes e e poderia ser intitulado: razões por
Cl!tabe- o encontro. n necessidade de criação de um novo público e ins- que o poeta deve ser expulso da comunidade e como
i Interna Esse texto não faz questão <le abolir seus parado- tauração de outra realidade histórica e social. A R e- recuperá-lo diante da lei. A maneira como o filósofo
xos, porque é a partir daí que se pensa em estabe- vista ( 1925) assinala: "falta-nos desde a t ipografia desenvolve o problen1a serve aqui para introduzir o
fl\orndo lecer un1 solo novo. Lança-se num exercício cons- nté o leitor", e reserva dois terços de seu manifesto relacionamento Arte & Ideologia, fundamental para
geni se ciente-inconsciente da escrita utilizando recursos fu- li fal ar não de literatura, n1as de política, propondo (3) e. importante ler nas
memórias de CASSIANO R!CAR.OO,
Ili q ue turistas, dadaístas e falando repetidamente numa lin- urna reforma que atinge até a Constituição do país. Vlago111 no Tenrpo e no Espaç<>, Rio, José Olympio, 1970, o sen-
11111 il lln3lla- guagem freudiana que prenuncia o Surrealisn10 de Alia-se assim claramente a idéia de que a pro- tido polhJco do movimento "Bandei ra", cujo decálogo respira e
Breton em 1924. Não se quer um futurista ("Não transpira a ideologia d;~ ditadura de Vargas. t; Cassiano quem diz
1\1I & • posta de linguagem que se estava fazendo era global ai: "Depois, cnJretanto, quando as coisas começaram a tomar
sou futurista de Marinetti. .D isse e repito-o") , mas e tinha vinculações mais amplas e ideológicas. A um rumo lnaceilávcl, o Est ado Novo (sem o sat>er), adotou o
111~1 novas estran~amente se confessa ligado à tradição ("Sou caminho previsto pela 'Bandeira' que estava certa, originalm<:ntc
1111·1 d duns questão entre o Modernisn10 e o Parnasianismo já certa, optando por unia democracia brasileira, típica, baseada
passadista, confesso. Ninguém pode se libertar duma e ra a revolução de 193() versus a República Velha. na Justiça social. Não é , outra a diretriz seguida, ho}e, no Bra~il.
~· · lsla: a só vez das teorias-avós que bebeu; e o autor deste Ela se funda no principio da autoridade, como garantia para
E <l interesse nas linguagens européias era um desejo o exercício da liberdade. Nada mais presente, nos nossos dias,
livr51 seria hipócrita se pretendesse representar orien- de atualização que se manifestou contraditoriamente, do que o programa da 'Bandeira'". ·
taçao ~oderna que ainda não compreende bem"). (4) Luiz Cost a Lima no seu estudo aproveitado no volume
q uando se concluiu que o que se atualizava era o Potras do Mocler11J.1mo 1 v. 1, MEC/INL, 1972, retoma <> dila·
A confissão de que ainda não absorveu a "orienta- ttpo de governo forte que Vargas ambiguamente es- ceramento do Oswald de Andraôe disposto entre a visão român-
ção moderna" é fundamental (e rara) para se com- tico em uma revolução comunista e seu refestelar-se na boemia
tatui u à sombra das ditaduras fascistas. burguesa do princípio do s~culo.
MODERNISMO: AS POÉTICAS. . . 57
a discrin1inação das linguagens consti tutivas do Mo- tegradoras d a poesia que, se estimulada e liberada, 111edida em que operacionalizarmos os conceitos de Hu 111111 ll•tn
1 dernismo. dará lugar "ao prazer e à do r ent lugar d a lei e da ecntra1nento e descentran1ento do discurso artístico 1•li•1111•11t1111
I· ~ "
Platão parte de anotações sobre o sentido especular razao .
.
j

da linguage1n. Ele que en1 outros diálogos já havia


c1n relação à ideologia. 1111\'ll
" e) Desprestigiado e definido con10 e le1ne11to pe- 1 . Mbnese. C onsiderareJnos miinese no seu sen- 1111,1111 '
considerado a possibilidade de a língua ter se desen- rigoso, o poeta só pod~ ser aceito na República se tido primeiro: uma função espe~ular. L i?guage1n 11•11111- l ,.,
volvido a partir de cópia de sons da natureza, numa produzir uma poesia útil e consagradora dos ideais que reproduz a realidade de n1ane~ra s1métr1ca. V~J­
reprodução onomatopaica, aqui, considerando a ati- dessa instituição. ~ a isto que se dedica o filósofo ' /\ l 1" " ' " , , ,
" tada para os referentes ?'ternos e um~ _construç~o ··11111' 1111111
vidade ·especular da linguagem, diz: "Basta tomar um a ·demonstrar no terceiro lance de sua exposição. A q ue busca• na onon1atope1a e na repetiçao dos nt-
espelho e dar-lhe voltas para todos os lados : num poesia não deve ser apenas agraclâvel, "mas útil para p1 n ln 111•1
• n1os e sons, e na fabulação dos n~i tos a s.ua. ~e~li­ ; p1 1'1~ 1111111
instante farás o sol e tudo que há no céu, a T erra os regilnes políticos e à vida hu1nana. Pois muito 'l,ação. Ela se define como uma atitude prinut1v1sta
1.. e a ti mesmo, os animais, as p lan tas, os móveis e teríamos a ganhar se fosse, alén1 de deleitável, pro- e oscila entre o exercício da oralidade e a sua vo- tl11 '"' '''H
'
tudo o que dissemos"5. D esenvolvendo a idéia d a veitosa"'· O resto do escrito é p ara enfatizar que cação para se converter em oráculo de forças inte- ""'º' 1Ili.
1
'I
mimese, Platão introduz a sua tese que é despresti-
gia r o poeta in1itador para depois recuperá-lo ~ seu
"os hinos aos deuses e os e ncômios aos heróis são
o único gênero de poesia ad1nissível na cidade"ª·
riores. É a escrita da oralidade. "" '"I
11\11..11111
11111
Aqui nos referiremos não só a essa nlimese ex-
n1odo. Seu raciocínio pode ser decomposto em três P la tão coloca em cena três questões diferentes a '
1 lcrior e consciente, mas a uina outra n1imese - a 1•11111 li
1 lances : partir da problen1ática da n1i1nese: '•
1 1' interior e inconsciente. A pri1neira, P.latão se re- lt·~ l11 ...11
a) O poeta imitador deve ser expulso da Repí1- 1. A poesia imitativa pura e sin1ples não tem .'
.'l blica porque não é capaz de produzir objetos úteis. valor.
" feriu e a desprezou. A segunda foi condenada: o
poeta não pode expor as in1agens que feriu e a des·
~ 1111 111111111
~p11i'I h 11' 1
1
Con10 um pintor ele apenas reproduz a aparência 2. O poeta torna-se perigoso quando começa a . .1i prezou. A segunda foi condenada: o po~ta não .pode
d as coisas. Não é sequer um artesão, que concretiza dar vazão à sua linguage1n interior, fazendo falar o expor as in1agens que ele traz de seu inconsciente, •1 l " '"'
1 llllllh·•
un1a idéia inicialmente projetada por Deus. Numa reprin1ido inconsciente. porque essa desrepressão colide com a repressão pelo
repúblíca voltada para as coisas "úteis" e para o "lu- consciente e a lei. Consideraremos, portanto, uma lí l,1111· •. 1
3. A única chance d e aproveitamento do poeta
cro" , o poeta não tem função. Por isto deve-se pedir é ideológica. A República não admite a ociosidade cnin1ese consciente descritiva do real, e uma mimese 11111111111·
contas a Homero por nunca ter feito uma invenção d a a rte q ue apenas copia o exterior, não permite a inconsciente que ultrapassa o real compond o-se sur- l 1 1 li1. 11.. •
como Tales de lv1ileto, não ter s ido mestre de edu- transgressão com a liberação do inconsciente e re- realisticamente. ·D uas mimeses c omo duas ordens de lll·l l11r111
'' cação, não ter conduzido nenhu1na guerra, nem ter •' 1•11v11lvhl11
('
cornenda o can to aos heróis e às instituições. rcnlidade que se opõem.
1nelhorado cidade a lguma. A cresce que a poesia é E n1 Platão, portanto, a min1cse assume c aráter de 2. Paráfrase. É uma linguagem que toma con10 li 1111111 , .. 1
"1 de ta l sorte arte n1enor, que se tirarn1os das narra- con1plexidade, porque não é exatamente da 1nin1ese niodelo uma linguage1n ante rior escrita. Enquanto a V•' l'llll•
ções dos poetas as cores que lhe empresta a mlisica, que e le fala. Ele parte daí para colocar outros pon- 1t1in1ese baseia-se nas fontes ora is e mobiliza os orá· 111-~cl11l11 "
a poesia se converte em prosa sin1ples e sem valor. tos. Condena toda mi1nese que não seja uma m i111e- colos inconscientes., buscando os mitos e lendas, de· 11 1 , .,,,,,
b) Desprestigiado o poeta, o fi lósofo ven1 agora se de segundo grau - a cópia da história e a re- scnvolvendo-se mítica e 1nagican1ente, a paráfrase 111•111 111/1111
mostrar que alé1n do n1ais a poesia pode ser danosa produção dos 1nitos nacionais. 'foda a problemática volta-se para os textos anteriormente escritos para 1
ao espírito. A arte imitat iva não é apenas "a união parle de uma questão exterior à arte. Ou seja: a estabelecer u1na continuidade. Seu referente é a es~ 1 111• '""
u i (t 1li1111
de elementos inferiores" produzindo "frutos bastar- arte s6 é reconhecida con10 tal quando se centra na e rita anterior que busca reproduzir com pequenas
dos e vis", m as "o poeta imitativo imp!anta um re- ideologia da comunidade. a lterações de superfície, a tualizando o lé~c~, mas 1llt,.R11 1•-.
gime perverso na alma de cad a uni, condescendendo
con1 o elemento irracio na l que nela existe ( . .. )
Os problemas entrevistos a partir do projeto da
república platônica renascem nas repúblicas de todas
~cm ocultar sua vinculação corn uma semant1ca an•
Liq uada e o exercício de urna sintaxe que é a sintaxe
"'""".. ..
I ' 111 lt•l 111
criando aparências inteiramente desl igadas da ver- da ideologia e do poder. Seu desempenho é eSt.r\l• lh1l 111 lll
as épocas inclusive a brasileira. O problema da mi- '
.' dade ( .. . ) . Portanto, muito acertado andrunos e1n 1nese escamoteia outras questões. O que Platão que- 1uralmente especular. 11°111111 1 1111

não admiti-lo numa cidade que devia reger-se por ria era a vigência de uma só Jinguagen1, que se co- 3. Paródia. P rocura u1n corte com os n1odelo9 , l11•R1• .. ,
" boas leis, já que ele desperta, nutre e fortalece o ele- dificaria con10 a linguagem da insti tuição. N ossa nnteriores. É u1na ruptura ao nível da consciência, ·
..
n1ento deso rdenado en1 prejuízo da razão, con10 fa- tarefa daqui para frente será n1ostrar as diversas lin- urna não-reprodução insconsc!ente, primitiva e . inaO• !'. 1111 \'•I
1 ttlfl At•I t
•li
• ria que1n atraiçoasse a cidade dando o poder a uns g uagens ocultas sob o disfarce de un1 s6 non1e - nua de uma realidade estatu1da. Opera. uma 111\IQl'• ·: •l•lllh• "'l'''"
miseráveis e votando ao ostracismo os cidadãos mais tvfodernismo. Para efeito d e 1na ior cl areza introduzi- são e uni deslocan1ento. RetcHna a linguagem antlgii, "" "'"I~"
"I'•11111 'I'
prudentes"6. O raciocínio do fi lósofo encaminha-se n1ns de maneira assimétrica e invertida, denunclant'IO. .·· ..
.,,.,,,,., t"I
11•
mos a definição sun1ária d aqueles três tipos de lin-
para uma atitude repressiva, pois as páginas seguin- n ideologia aí subjacente. U tiliza-se das técnicas dn "
.. tes são um·a exortação à resistência, às forças des in-
g uagem e no resto do trabalho mostra remos como
elas se articulam dentro e fora da série social na npropriação e considera o poenia como ~111 obJ! .
t Ili 1 11
.,,,,.1,.. ••4••
• t•J•t•• ,,,, ••••
lingüístico. Não é um endosso, é uma crítica dn lfJl• t tt\ l1>ffll11•
(S)
(6)
PLATÃ<>. A Rep1íblfca. Rio, Edições de Ouro, 1970, p . 381.
Idem. Op. cit. p. 394.
(7)
(8)
ltlem, Op. cit. p. 397.
Idem. Op. cil. p, 396.
g uagem antiga. Por sua n atureza irônica mostra fn 1~
dupla e sua vinculação-desvin culação tática com 1
····1·
' ~~ ....11•t " ...
' . tll a.tCtt ith.

58
legradoras da poesia que, se estimulada e liberada,
dará lugar "ao prazer e à dor em lugar da lei e da medida em que operacionalizarn1os os conceitos de linguagem antiga. Linguagem fracionante, é um dos
11111... '11'• Jlll1ir razão". ccntramento e descentramento do discurso artístico ele.mentos da fração . Está no lin1iar da linguagen1
111111 ... ~tl;i l em relação à ideologia. nova.
. e) Desprestigiado e definido co1no ele111ento pe- l. Mi1nese. C onsideraremos n1iinese no seu sen-
lt·I •11 f\ • tin• rigoso, o poeta só pod ~ ser aceito na República se Essas três linguagens (e seus desdobra1nentos in-
1111111 ,,. j
produzir un1a poesia útil e consagradora dos ideais Lldo prin1ciro: uma fttnção especular. Linguage1n ternos) constitue1n o solo primeiro do Modernis1no.
ti• que rep roduz a realidade de maneira simétrica. Vol-
l11"1"ll 1 , . dessa instituição. ~ a isto que se dedica o fi lósofo Através delas procurou se aterrar o vazio descoberto
,.,., '"•tri . ·un1 a ·de!non3trar no terceiro lance de sua exposição. A t11da para os referentes ex.ternos é uma construção entre as duas ordens de linguagem - a interna, com-
que busca na ono1natopéia e na repetição dos rit-
..... .Murn poesia .nao dev~ ~cr apenas agradável, "n1as útil para p~sta pela tradição e que tinha como representantes
mos e sons, e na fabulação dos mitos a sua reali-
ra os regimes pohticos e à vida hu1nana. Pois m uito
zação. Ela se define como un1a atitude prin1itivista próximos os parnasianos e simbolistas rema nescentes
ler:íam~~ a ganhar se fosse, além d.e deleitável, pro- e oscila ent re o exercício da oralidade e a sua vo- do século X IX, e a outra, a externa, representada
veitosa 7 . O resto do escrito é para enfatizar que pelas correntes de vanguarda européia do p rincípio
cução para se converter em oráculo de forças inte-
''os hinos aos deuses e os encô.mios aos heróis são do século onde sobressaíam o Futurismo e o D a·
riores. S a escrita da oralidade.
o único gênero de poesia admissível na cidade"8. daísmo.
Aqui nos referiremos não só a essa min1ese .ex-
Platão coloca e1n cena três questões diferentes a
parlir da problemática da min1ese: lerior e consciente, mas a un1a outra mimese - a Para un1a n1elhor distribuição formal e didática
lutcrior e inconsciente . A pri111eira, Platão se re- deste estudo reagcnciare1nos aquelas linguagens lo-
1. A poesia imitativa pura e sin1ples não tem feriu e a desprezou. A segunda foi condenada: o
valor. calizando a convergência delas para dois tipos de
poeta não pode expor as inJagens que feriu e a des- poéticas que se estruturam no Modernis1no:
2. O poeta torna-se perigoso quando começa a prezou. A segunda fo i condenada: o poeta não pode
dar vazão à sua linguagc111 interior, fazendo fa lar o expor as imagens que ele traz de seu inconsciente, a) Poéticas do cen.tra1nento. São constituídas pe-
reprimido inconsciente. porque essa desrepressão colide con1 a repressão pelo la milnese consciente voltada para a cópia da rea-
3. A única chance de aproveitan1ento do poeta consciente e a lei. Consideraremos, portanto, uma lidade e pela paráfrase. Nessas poéticas o sobredeter-
é ideológica. A Rep ública não admite a ociosidade numese consciente descritiva do real, e uma mimese n1inante é o referente ex.temo, tanto a oralidade da
do arte que apenas copia o exterior, não permite a inconsciente que ultrapassa o real compondo-se sur- tradição quanto a tradição dos escritos. As duas se
transgressão com a liberação do inconsciente e re- realisticamente. Duas mimeses como duas ordens de definem como uma transcrição do real e achan1-se
con1enda o canto aos heróis e às instituições. realidade que se opõem. envolvidas com a ideologia, na qual se centram e
Em Platão, portanto, a 1ni1nese assu111e caráter de 2. Paráfrase. 1:. un1a Jinguagern que ton1a como a qual procura111 repr9duzir especularmente num uni-
con1plexidade, porque não é ex.atamente da mimese 111odelo u1na linguage1n anterior escrita. Enquanto a verso de infinitude-fechada. A linguagem que aí se
que ele fala. Ele parte daí para colocar outros pon- mi111ese baseia-se nas fontes orais .e 111obilizit os orá- desdobra é a linguagen1 do Mesmo9.
to~. Condena toda 1nhnese que não seja uma 1nime- culos inconscientes, buscando os nlitos e lendas, de-
se de segundo grau - a cópia da história e a re- b) Poéticas do desccntran1ento. Ilepresentadas
senvolvendo-se mítica e 1nagicainente, a paráfrase
produção dos 1nitos nacionais. ·roda a problen1ática volta-se para os textos anteriormente escritos para pela mi1ne.1·e inconsciente ou interior e .pela paródia.
parte de u1na questão exterior à arte. Ou seja: a estabelecer un1a continuidade. Seu referente é a es- Elas são um corte co1n o real. O referente externo
arte só é reconhecida con10 tal quando se centra na crita anterior que busca reproduzir com pequenas aí é domado. São u1na antiideologia. T oman1 a tra-
ideologia da con1unidade. . alterações de superfície, atualizando o léxico, mas dição escrita e dela se afastam procurando uma nova
~s proble~as. entrevistas a partir do projeto da sem ocultar s ua vinculação com uma semântica an- sintaxe e ordenando de m odo diferente a realidade.
republica ~laton1ca renascen1 n as repúblicas de todas tiquada e o exercício de un1a sintaxe que é a sintaxe Em tern1os gerais a linguagem aí presente é a do
os épocas inclusive a brasileira. O problema da mi- da ideologia e do poder. Seu desempenho é estru- Outroio, "daquilo que para uma cultura é a ug:i
n.1ese esca~o~eia. outras qu es~ões. O que Platão que- turalmente especular. tempo interior e estranho". b uma Jinguagen1 de ex-
n.a. era. a v1genc1a de uma so .linguagen1, que se co- 3. Paródia. Procura tnn corte com os modelos clusão e de excluídos.
d1(1cana como a linguagen1 da instituição. Nossa anteriores. ~ uma ruptura no nível da consciência,
turefa daqui para frente será mostrar as diversas lin· u1na não-reprodução insconsciente, primitiva e ingê- (9) Ver principnhnen le: A .r J'(l/a111•as e as Cois<M de MICHEL
i.J uage11s ocultas sob o disfa rce de um só no1ne - nua de l1n1a realidade cstatuída. Opera uma inver- FouCAULT, Portugália Editora, 1966. Aí define o Me'""º como
sendo aquilo que pa rn n cullura é algo a unt te mpo disperso e
Modernismo. Para efeito de n1aior clareza introduzi· são e un1 deslocao1ento. Retorna a li.n guagem antiga, aparentado, portnnto a distlnguii· por marcas e a recolher cm
ll.los a definição sumária daqueles três tipos de lin- n1as de maneira assimétrica e invertida, denu11ciando identidades. O caráter especular do .\lesmo aproxima-o d o l111a-
gi11ário de Jacques Lacan .
(lUD(;ern e no resto do trabalho 111ostraremos como a ideologia aí subjacente. Utiliza-se das técnicas de (10) O 0111ro par:i Foucault é o excluído pel a socicdad~,
olos se articulam dentro e fora da série social na apropriação e considera o poema como um objeto aquilo que o código social rcfuga. O Outro é sempre o lo uco,
como moslra o mc~mo Fou cault en1 sua flist6ria da Loucura.
• • ..... t
lingüístico. Não é um endosso, é uma crítica da lin· Em termos de poesia, o 0111ro é o Vate. que no sentido original
(7) Idem. Op. clt. p. 397. guagem antiga. Por sua natureza irônic!l mostra face significa - o po55csso. Con10 lembra lfuitinga cm seu H omo
(~) Idem. Op. cit . J>. 396. L11dens. os solistas txpulsaran1 os poetas do poder opondo um
dupla e sua vinculação-desvinculação tática com a conceito ideológico d: razão li poesia.

MODERNISMO: AS POÉ:TICAS ... 59


..
.t·
'1~1

1 n~.1111011 11111
Poéticas do centramento mobiliza para reagenciar certos ingredientes consa- · on1pre revelando uma crítica 13, mas apenas prese:·
l
, 1 . Mimese consciente. Um dos processos uti-
lizados para o preenchimento do vazio descoberto
bidamcnte brasileiros, reafirmando dadas marcas e
recolhendo idehtidades numa reafim1ação do Mesmo
nacional. f: uma operação de reconhecin1ento.
vnndo um descritivismo, como em "Ascenso de Re1-
111do" "Bumba meu Boi" e "A Cavalhada". Mais do
que ~m cost11mbrisn10 ~es~ont~ aí a repx'Qdução da
· wln 111tt1a11tl
t h.;o :

f entre a vanguarda européia e a tradição brasileira Melhor exemplo talvez, porque menos sofisticado • lh1-of111,
pnisagem dentro da propr1a hnguagem:
1 foi o reencontro com os mitos nacionais através da e realmente mais primitivo, pode-se desentranhar da e '111tl11 '
reconstrução do que seria nossa vida primitiva. O -if produção poética de Ascenso Ferreira através de Ca- Fitas e fitas
1>h1h11 lt1
e·,111h1, ..
poeta pôs-se a recontar lendas e a transcrever a tra- tilnbó ( 1927). Aí os ritmos poéticos nacionais, a Fitas e fitas . . .
dição oral para a escrita. A ssim surgiu uma solução 1nusicalidade da língua popular, a inclusão de pa- Fitas e fitas .. .
tanto no plano forma l da língua, quanto no plano lavras provenientes do africano e da cultura indí- Roxas,
' do conteúdo. Adotou-se o português falado com to- gena ajudan1 a co1npor a linguagem mimética. O Verdes,
Brancas, l'rl11
1111
dos os seus desvios de norn1a e incorporou-se à te- poema reproduz un1a atmosfera mágica, a oralidade -. UI~ tlllllllfl
mática da literatura todo um arsenal temático mal é expressa claramente no exa1ne da camada sonora Azuis ...

1
versado nos escassos livros de folclore e costlil.!nes.
Todo um léxico antes mantido apenas em capacidade
dos versos : ·
l
("A Cavalhada". l n: Catimb6)
''• 111 r•
( lln1111h•
1 ociosa foi reempregado e os modelos sintáticos fo- Zabumbas de bo1nbos O poeta coloca os sentidos a serv~ço da ai;>reen são 1>li 111·••
ram trazidos da realidade cotidiana e não m ais dos estouros de bonibas "'' do realidade exterior para reproduzir sensor1almente 1 ll'flll\'11
,j. livros. Deu-se urn reencontro com as fontes o rais batuques de ingonos
"
t\ sua cultura. Aí o próprio folclore é reescrito como •11111 Ili
if'· da cultura nacional. cantigas de banzo '
'
ern "Os Sinos" de Manuel Bandeira : 1h Pll\'11
rangir de ganzás ... 11 llnltÁ
Exemplo bem acabado dessa linguagem talvez seja
Cobra Norato ( 1931), que articula os mitos da gê- Loanda, Loanda, aonde estás?
' Sino de Belém, Ih •'11\'ll
nesis da nacionalidade revelando uma preocupação Loanda, Loanda, aonde estás? Sino da Paíxão ...
tan1bém com as imagens arquetípicas do indivíduolt. 1
Alén1 de Othon Moacyr Gaxcia, Alfredo Bosi insiste ("Maracatu". In: Catimbó) Sino de Belém,
nesta mesn1a linha: Sino da Paixão . . . •
" llltj&tl
Tome-se o poema intitulado " Catimbó" e que abre 11r 11t 11111h1
o citado livro. Aí a linguagem mítica da comunidade Sino do Bonfim,
diálogos do protagonista com os seres espantados da Sino do Bonfim itllll , , .. , , ••
floresta e do rio forniam o coro cósmico desse poema em sua versão mágica e popular: utilização de ex- . . . . . . . .. . . .. . . . . . )li h 1 ' ,,
original e ainda vivo como documento li1nite do primi- pressões típicas da macumba, alusão a signos caba- 1111li1 1 11111
tivisn10 entre nós. O telúrico interiori.z.ado e sentido como • ' ("Os Sinos". l n: Ritmo Dissoluto)
lísticos (três m arias, três reis magos, sete-estrelo, sig- r ,, U11111111 1
libido e instinto de n1orte: essa, a significação da voga no de salomão), elementos naturais tratados mitica- Ullltl!I lllltl
africanizante da Paris anterior à: · I Guerra (art negre); n1ente (fogo, água, ar) , introdução do personagem En1 Jorge de Lima tem largo emprego atraves-
no Brasil, o reencontro com as realidades arcaicas e pri- ~ li 11111111
ordenador do ritual ("Mestre Carlos rei dos mes- sondo três de seus livros - Poe1nas ( 1927), Novos
mordiais fazia-se, isto é, pretendia-se '.fazer sem inter- Jtt1ilt111 .... 1
tres/ aprendeu se1n se ensinar ... ) e a utilização do Poernas (1929) e Poen1as Negros (1947). O e~p~­
mediários. Ilusão de óptica: o primitivismo afirmou-se nho é aliciar a voz da natureza e da cultura pr1m1- i1lr11l1111h1
ritmo próximo das cantigas cncantatórias enfatizado ti
. CjllP .... Ili~
via Freud, via Frazer, via Lévy-Bruhl. Nen1 poderia ser tlva, numa recriação que tr ansparece intencionalmen-
i pela utilização de anáforas e repetições sonoras.
1'

de outro 1nodo: era a faixa mais ocidentatizada da cul-
tura nacional que se voltava para o desfrute estético dos Essa mimese voltada para o que há de mais .pri-
mitivo na vida da comunidade desloca-se da área
te a imagem original: ,."' ) ,,,.,
ten1as e da linguagem indígena e negra. De qualquer
\~!... , rnodo, houve enriquecimento tanto na esfera dos "mo- de influência africana para a indígena con10 em Mar- Num sujo mocambo dos "Quatro Recantos" ( 1'11111 "1111111
' '
" . 11111•1•1 v1u11I
11 tivos" como na da própria,. oamada sonora da poesia12. tiln Cererê ( 1926) de Cassiano Ricardo: quibundos, cafuzos, cabindas mazombos
niandigan1 xangô '; tl '1111 ·11111111 h
'l
ij ' Oxum! Oxalá! ô!~! ~ p1114r 11u1.a
Con10 poética do centramento, a mimese exterior Upain, uirá etá
,1 11l1h• -1111 t
"
,1
opera de' tal forma que o inconsciente individ ual é u ricó puranga acauiú
iuaiaué u cucui i pepó
("Xangô". ln: Poe111as) "' ~1 11'-ll 1.. llU
'
" posto a serviço do inconsciente nacional. O mito se
etá. Nl11Ull111·K lo
( ll) O'rHON MOACYR OA11CIA, em Cobra Nora/o - O poema e ("O Carão". In: Mar1i1n Cererê) Descreve-se nesse livro as figuras míticas de "Pai .,J l!l lit jll'lll ....
o Mito, Rio, Liv. Sfio José, 1962, vincula o poema ao conhe- João", são relacionados os nomes de alimentos utl· $'. l 1111h• .,
cimento da Psicni1álisc por pnrte de Rau l :Bopp. Aliás, também Do africano ao indígena buscando o prhn itivo em-
•'(;
,1,, 11111Ah111
O<wald em seus manifestos e Mário de Andrade no "Prefácio '
( 13 )O oposto a islo silo os poemas de Carlos Dru!"'mon!l de .
(nteressantissjrno" (1921) se referem várias vezes a F reud e brenha-se pelo regionalismo como um desdobramento J\ndrndc en1 Algu11111 Pocs/ll, qnando se dâ ao exerclc10 dlJ. G
d• V I' 11111111 1>11.
usam sua tertninologJn como endosso. do ingênuo e original. Daí uma série de reproduções \lçn da brasilidade através daquilo que Mário de Andrade Cll&• ··
( 12) .l!os1, Alfredo. Hi.ft6rit1 Concisa do Li1t rat11ro Brasileiro. jllll illlll•lllll
i rnou: "seqüestro dn vi<la besta". Bsludamos este aspecto em
.' Siio Pauto, C ultri x, 197 J. p. 416. fotográficas de aspectos da vida interiorana, nem Dri1mmo11d; o Ga11c/u no Tempo, Rjo, Lia Editora, 197:2. 11111111 h11l11
60
l
n1obiliza para reagenciar certos ingredientes consa- 8 1npre revelando uma críticat3, roas apenas preser· Jizados em rituais sagrados "Comidas" e descreve-se
bidamente brasileiros, reafirmando dadas marcas e vn ndo um descritivismo, como em "Ascenso de R ei- pela simples seqüenciação do léxico o ritual d o fei-
recolhendo identidades numa reafirmação do Mesmo aodo", " Bumba meu Boi" e " A C avalhada". Mais d o tiço:
nacional. .é uma operação de reconhecin1ento. <iue um costumbrismo desponta aí a reprodução d a
Melhor exemplo talvez, porque menos sofisticado paisagem dentro da própria linguagem : E nxofre, botija, galinha preta!
e realmente m ais prim itivo, pode-se desentranhar da Credo em cru:z., capeta, pé-de-pato!
,/! produção poética de Ascenso F erreira através de Ca- Diabo brasileiro, dente de ouro, botija, onde está?
Fitas e fitas Credo, capeta, pé-de-pato
ti111bó ( t 927). Aí os ritmos poéticos nacionais a Fitas e fitas .. .
1nusicalidade ~a língua popular, a inclusão de pa· Fitas e fitas .. . •
("Diabo Brasileiro". ln: Novos Poern<tS)
lavras provenientes do africano e da cultura indí- Roxas,
gena ajudam a con1por a linguagem mimética. O Verdes, Pelo arranjo de frases extraídas dos cultos africa-
poema reproduz urna at111osfera mágica, a o ralidade Brancas,
Azuis ... nos tematiza o ritual do batismo:
é expressa claramente no exame da camada sonora
dos versos: •
("A Cavalhada". ln: Cati1nb6) Pela fé de Zambi te digo:
' Oba1nbá é batizado, confirn1ado, cruzado e coroado.
Zabumbas de bo1nbos O poeta c!oloca os sentidos a serviço da apreensão Dá licença n1eu pai?
estouros de bo111bas tln realidade exterior para reproduzir sensorialrnente L icença venha
buluques de ingonos n sua cultura. Aí o próprio folclore é reescrito como para os alufás de babalaú
cantigas de banzo Licença tern
rangir de ganzás ... oni "Os Sinos" de Manuel Bandeira: o Babá de Olubá
V ojn licença tem
dn sê- Loanda, Loanda, aonde estás? Sino de Belém, .. . . . .. . . . . .. .
upn9 o Lonnda, Loanda, aonde estás? Sino da Paixão .. .
\!fauoi r. Sino de Belén1,
("Obambá é Batizado". In: Poemas Negros)
l Insiste ("Maracatu". ln : Catimbó) .
S1no d a J> a1xao
• ~ ...
A linguagem voltada para a mimese exterior ali-
•• Tome-se o poema intitulado "Catimbó" e que abre
i. "' Sino do Bonfim, n1entando-se de un1 léxico mítico transcorre numa
...,.... ttdo' du o citado livro. Aí a linguagem mítica da comunidade Sino do Bonfim zona perigosa, porque compartilha com a ideologia.
, ,r. poon1n em sua versão n1ágica e popular: utilização d e ex- ..... ..... .. .. .... D ifícil é determinar onde termina o mito e a ideo·
111Lh tio pr/1111- pressões t ípicas da n1acumba, alusão a signos caba- logi a começa. Onde a descrição mais objetiva da
~ ... ti! D como lísticos ( t rês ma rias, três reis magos, sete-estrelo, sig- • ("Os Sinos". l n: Ritrno Dissoluto) realid ade não contribui para sustentar a realidade
dn vos11 no d e salo1não), elementos naturais tratados mitica- numa sustentação especular do Mesmo. Bem tênue
ol ê"r.:>1 nlgre); n1ente (fogo, água, ar) , introdução do personagem E n1 J o rge de Lima tem largo em p rego atraves- é a linha que separa a realidade d a ideologia. Os
.... li ru • pri- ordenador do ritual ("Mestre Carlos rei dos mes- sando t rês d e seus livros - Poemas ( 1927), Novos mitos se desenvolvem largan1ente nos c anteir os da
.... Inter· t res/ aprendeu sem se ensinar ... ) e a utilização do Poen1as (1929) e Poen1as N egros (1947). O en1pe-
!lrmou·se ideologia. Aliás, é a partir d a mitologia pervertida
uu • ., ritn10 próximo das cantigas encantatórias enfatizado nho é aliciar a voz d a n atureza e da cultura primi- que se instauram a ideologia e a República.
1o11• I" d rio. ser pela utilização de anáforas e repetições sonoras. tiva, numa recriação que transparece intencionalmen·
,, 11 ,..1 dn c:ut- Essa 1nimese voltada para o que há de mais pri- te a image111 original:
th· ,.,, ~tloo dos 2. Pará/ rase. O dicionário nos diz que o p re·
1!• Ufil~uer
mitivo na vida da comunidade desloca-se da área fixo " para" no grego indica: ao lado de, perto de,
r.., ., oà t n10- de influência africana p ara a indígena como em Mar- Num sujo mocambo d'os "Quatro Recantos" preservando sempre a idéia de identidade ou reco-
r. . oln'12, titn Cererê (1926) de Cassiano Ricardo: qu ibundos, cafuzos, cabindas mazombos
111 ,
mandigan1 xangô nhecimento. Pode-se dizer que a incapacidade d a

ÔXl.lm! Oxalá! ô!B! paráfrase en1 estabelecer uma descontinuidade de-
11111 ••11 oxtcr!or Upain, uirá etá cide sua organização especular. Assim como a rni-
• 1111 é!dual u ricó puranga acauiú ("Xangô". ln: Poe1nas) 1nese reproduz basicamente un1a linguagem natural,
·ui 1 •.mito se
iuaiuué 11 cucui i pepó
etá. simétrica e pritnitiva, a paráfrase reproduz uma lin·
("O Carão". Jn: Martin1 Cererê) , .D escreve-se nesse livro as figuras míticas de "Pai guagen1 escrita e ideológica.
João", são relacionados os nomes de alimentos uti- Pode-se num desdobramento falar de dois tipos
Do africano ao indígena buscando o primitivo em- de paráfrase: tun cuja do1ninante é a série literária
( 13) O oposto ;1 isto são os poema~ d~ Carlos Drummond de
; ..... brenha-se pelo regionalisn10 como um desdobramento Andrade em Alguma Poesia, quando se dfi. ao exercício da crí- e outro c uja dominante é a série socia1. N a paráfrase
do ingê~uo e original. Daí uma série de reproduções tl~a da brasilidade ntravés dnqnilo que Mário de And rade cha- .purarr1entc literária a relação dá-se intertextos, um
mou: "seqllcstro da vida besta". Estudamos e_ste aspecto em autor hoje continua a linguagem e/ ou estilo de um
fotográficas de aspectos da vida interiorana, nem Drummond; o (}a11c/1e no Tempo, Rio, Lia Editora, 1972.
MODERNISMO: AS PO~TICAS. . . 61


autor ou de unia época. J á na paráfrase voltada para Bate o sol no tambor de anil do céu redondo. Convertida toda a conquis ta do Brasil por Pot't1 • 111111 Oll ri•
O dia general que amanheceu con1 o punho azul cheio lugal em uma "declaração de an1or" e num caso,. l11, 111lu 111
1

a série social faz-se um acoplamento entre a lingua- [de estrelas ntento da Uiara com o português, outros quadros' '. tlt11 " ti

:i•I
gem antiga e os elen1entos de sustentação da ideo-
logia. e.neste segundo tipo que se dá a passagem
com dragonas de sol e gin1ss6is
comanda os cafe.eiros paralelos
dn História do Brasil são contados liri~am~nte. At~,j 1 1•111 lc 1I •••o
o "Navio Negreiro" converte-se num 'navio eocíl!\,l!- '..,, 11 ~·01111u ' '
1: da 1nimese consciente para a ideologia e onde o de f arda verde e botões r ubros e a1na relos. tndo/ que ia e vinha / pela estrada cor de anil'',. · . llll'llh• li
1 poeta se empenha e.tn alongar tuna linguagem velha Soa nos n1orros o clarim vernielho d11 manhã Dentro desse clima imitatório c hega a ser dúbia f1 •• h 11tn 1111
1
dentro de moldes míticos condicionados pelas leis da Soldados verdes! rataplã.
hnagem do papagaio irnitador, uma vez que a par6• , '" ~111•111;
con1unidade. dia converteu-se em paráfrase ("A Missa e o P o· 1l11ttl 1lr1 1
(Soldados Verdes". l n: Va1nos Caçar Papagaios)
~
1
Neste tipo de paráfrase a estória é reagenciada pagaio") . 1111 ~· 11

pela H istória. O poeta cede à lei e à ordem e co- Essa linguagem marcial que prenuncia o Brasil do Em sua epopéia lírica a estória das Entradas e lu• 1111,
meça a reelaborar uma mitologia que sirva aos inte- Estado Novo ren1ete ideologican1ente à República Bandeiras é contada através dos Gigantes de Botas o 1hl11- 1'111
resses da nação. O poeta imitador encontra, enfim, seu caráter mítico sublinhado pela aproximação con'\ , ,,, htl
Vel ha enquanto enunciado literário. A retórica aí é
o seu emprego. Centra-se na ideologia e produz "os de onten1 e pretende-se falar do amanh ã. Os elen1en- a conquista do Tosão de Ouro por Jasão. O poe ta lt•11 11 li u
hinos aos deuses e os encômios dos heróis"f como tos estilísticos assim como e1n "Matinal" mostram J está aliciando os mitos . susteutadores e justificado• · ~1'111111 llU
·,
queria Platão. O poeta aderiu à República. não o corte e a instauração de un1a linguagem dífe- res da ideologia desde a Antiguidade, acasalando elo.- 11RH 11- 111
A paráfrase como desdobramento de uma Jingua-
gcn1 antiga e junção com o mito exemplifica-se em
renciada, mas a a1nbigi.iidacle que é a atualização do
1nito à modernidade. Por isto, constrói unta "lua
1nentos de fácil interpenetração (ver ·poema "Con·
jugo Vobis"), porque a ideologia sempre necessitou
.
'I Ili
..
llllU 1•1U 1
li
princípio em Vamos Caçar Papagaios (1926) de Cas- futurista" com imagens do passado: " dedos de ve- desesperadamente do mito para procriar. Apresens "' ·111111111-1 ~
•. 1111111111·-
siano Ricardo, dedicado a Plínio Salgado e Menotti ludo", "flores canoras", "notas de lllz de teu piano", lo-se, então, uma versão t ropical do mito dos SU•
del Picchia e se confirma esplendidamente em Mar- "gorjeio de flores", "gaivotas cotidianas", etc. per-homens sempre cultivado pelos Estados fortes o . Ili! 111· , ..
tirn Cererê (1928) . Não se decidindo como um livro que Hitler levou ao exagero. Ouve-se aí o tropel dos 1 jl h111 111
Em Martini Cererê o poeta desinibiu-se de vez. O
de poem a-piada, nem atingindo a paródia como pre- rnito indígena do Saci P ererê converte-se numa ima- G igantes, que são os Bandeirantes paulistas. São sete l'nt l~ ''
tendia sua epígrafet4, Vatnos Caçar Papagaios, con- gem do Brasil-menino. O mito centra-se na ideologia. gigantes expressivos da campanha de conquistas, de- t"'º'" 1111
trariando as intenções do autor, inicia uma sistemá- Cassiano, numa atualização da cruzada civilista de ~cnvolvendo a idéia de que "A Esperança mora a l 111•h• • "'
tica louvação aos mitos ideológicos da brasilidade. Oeste", prenunciando já a elaboração de A ,\ 1archn 111..11)1li11•
Bi lac, esquece de colocar a epígrafe - "An1a con1
O cafezal, que deveria aparecer con10 enriquecimen- Pnra o Oeste (1943). . 1·11111 111111'1
fé e o rgulho a terra em que nasceste", mas faz a
to temático ("A Florada"), é descrito numa lingua- transposição dos mitos para a pauta da ditadura de O poema "Metamorfose" explica bem a metamor- 11 1)11 11111'
gem inc.~cisamen te edênica onde a figura do Javra· Vargas. Reescreve a História da con1t1nidade. É texto fose da história em poesia, na medida em que a his• 1'1111'111 li
dor é comparada à de un1 noivo diante de uma prin- paradidático, uma m uito bem sucedida adaptação lória é mitificada: ' •·I' 111111 l111t
cesa - a natureza. Faz-se un1 reen1prego do tópico pedagógica da paráfrase 1nítica e ideológica. : 11111111111, •
da 'fada, castelos, sonhos lindos e aí tudo surge "na- Meu avô foi buscar prata : ~ 111•11i.111lt1
cionaln1ente pintadinho de a1narelo". A. nacionaliza- Retoma-se o sentido 1nítico-psicanalítico da terra mas a prata virou índio.
ção do tópico não disfarça sua estrutura mítica e como ele1nento fernin ino e primord ial na figura da
seu reforço ideológico. U iara - a mãe d'água, que un1 dia se casa com um Meu avô foi buscar índio
marinheiro (português), depois do "achamento" do n1as o índio virou ouro.
Iniciando unia sentimentalização do.s mitos n acio- -6: 1 tt .. ,
nais, chega o poeta à figura do imigrante, que, ape- Jeito nupcial. A carta de Pero Vaz Can1inha, que
Oswald e outros tratam como paródia, aqui é tra- Meu avô foi buscar ouro o l4'•t11 h
sar de pertencer como ten1a à . modernidade, tem n1as o ouro virou terra.
um tratamento mítico e anacrônico. No poema
"Exortação" ele é uma espécie de príncipe encan-
tado - "ó n1eu irmão louro", e inicia-se a louvação
tada como paráfrase: "A terra é tam fermosa/ de
tanto arvoredo/ tamanho e tão basto/ que o homen1
não dá conta". Passando da paráfrase n1ítica à pará-
Meu avô foi buscar terra
n1as a terra virou f ronteira.
1
'
....
Nii hA

111111
do expansionis mo econômico tambén1 mitificado: frase literária, o autor cita Os Lusíadas e exercita-se CI lit li\''"t
" foi onde o paulista, que nunca descansa/ fundou o nun1a espécie de oitava rima can1oniana inseri11do Meu avô ainda intrigado
foi rnodelar a fronteira:
país da Esperança". N este quadro "o cafezal é a versos do português : Mnti111t
soldadesca verde" que se encontra com "un1 grande E o Brasil tomou forma de harpa. l 11111lt111t1t111
exércíto colorido de itnigrantcs": Eu vim do mar! sou filho d'e outra raça. ,,,,,,,,.. 1111 1
Para servir meu rei andei à caça ("Metamorfose". In: M artin1 Cererê) 10 111 ,,.....
( 14) Cassiano transcreve trecho d• s Re/lexõe.< do Marechal de n1undos nunca vistos nem sonhados. 1•111 11111lht1
Aro11clle em epígrafe, a propósito da prega de papagaios numa _ por n1ares nunca de outrem navegados. A possível critica ao sistema de expansão colonial v111j111tlto~ t
dns Capitanias. Sua intenção E c riticar o vício da i mitação cul-
1ural por parte do brasileiro. No e nt an to, a linguagem usada
pelo autor trai suas intenções. ("Declaração de Amor". ln: Marti1n Cererê) 'ucumbe não só inserindo-se esse poema entre os .. 1\11 1l••-11•
62 ...

••• Bate o sol no tambor de anil do céu redondo.
O dia general que amanheceu com o punho azul cheio
Conver tida toda a conquista do Brasil por Por-
tugul em uma "declaração de amor" e n um casa-
outros do livro, m as por causa do último verso co-
locado em destaque e que justifica a melodia ante-
..11 111 • ''Wlrll
11•11,lhr 1
[de estrelas men to da U iara com o português, outros quadros rior. "E o B rasil tomou forma de harpa" - é o
com d ragonas de sol e girassóis dn História do Brasil são contados líricamente. Até endosso da Históri a, uma justificativa român tica para
comanda os cafeeiros paralelos O "Navio Negreiro" converte-se num " navio encan- a conquista econô mica. Consciente ou inconsciente-
de farda verde e botões rubros e an1arelos. tndo/ que ia e vinha / pela estrada cor de anil". men te o poeta adota essa ancestralidade do avô e
Soa nos nlorros o clarim vermelho da n1anhã
Soldados verdes! rataplã. Dentro desse clima imitatório chega a ser dúbia a tudo são acordes, tudo são flores. Este é o sen tido
hn11gem do papagaio in1itador, uma vez que a paró- presente tambén1 no poema "Brasil-Menino" o úl-
(Soldados Verdes". ln: Van1os Caçar Papagaios) dlu converteu-se em paráfrase (" A M issa e o P a- timo do livro onde o menino recebe no Natal os sa-
pngnio"). patões de ouro, esnieralda e diamante que seu pai
Essa linguagem marcial q ue prenuncia o Brasil do En1 sua epopéia lírica a estória das Entrad as e lhe traz. As botas dos gigantes/bandeirantes conver-
Estado Novo re1nete ideologicamente à República Bandeiras é contada através dos G~antes de Botas e tidas em baú p ara o menino/ paulista.
Velha enquanto e nunc iado literário. A retórica aí é seu caráte r mitico sublinhado .pela aproximação con1 De tal modo o poeta se identifica com os gigan-
de ont~~1 ~ preten?e-se falar do amap~ã. Os elen1en- fl conquista do Tosão de Ouro por Jasão. O poeta tes e o n1enioo herdeiro, que toda a história não é
tos estil1st1cos assun cotno e1n "1"Iat1nal" mostram l}Slá aliciando os mitos sustentadores e justificado- senão uma epopéia lírica, e as armas da conquista
não o corte e a instauração de un1a linguagem dife- res da id eologia desde a Antiguidade, acasalando ele- são as arn1as da poesia: "Com os seus trabucos, que
renciada, 1nas a a tnbigiiidade que é a atualização do . 1nentos de fácil .interpenetração (ver ·poema "Con- iam carregados/ muito 1nais de poesia que de chum-
rnito à n1odernidade. Por isto, const rói un1a "lua jugo Vobis"), porque a ideologia sempre necessitou bo" ..__ assim caminha1n os poetas da expansão e d a
futurista" con1 in1agens do passado: "dedos de ve- dcscsperad arnente do mito para procriar. Apresen- conquista. .E o poeta localiza sua linhagem naqueles
ludo", "flores canoras", "notas de luz de teu piano", tfl-sc, então, uma versão tropical d~ mito dos su- gigantes e converte os Bandeirantes en1 poetas: "tro-
"gorje ío de flores", "gaivotas cotidianas", etc. per-homens semp re cultivado pelos Estados fortes e pa de poetas, entre os quais seguiu algum Orfeu
Em Marti1n Cererê o poeta desinibiu-se de vez. O que H itler levou ao exagero. Ouve-se aí o tropel dos caboclo, lira e1n punho". ·
1nito indígena do Saci Pererê converte-se nun1a üna- G igantes, que são os Bandeirantes paulistas. São sete Pode-se proceder a uni estudo da paráfrase ado-
gem do Brasil-1nenino. O mito centra-se na ideologia. gigantes expressivos da campanha de conquistas, de- tando uma análise estilística enriquecida pelo con-
Cnssiano, nurna atualização da cruzada civilista de senvolvendo a idéia de que "A Esperança mora a traste corn a paródia. Na paráfrase os documentos
Bilac, esquece de colocar a epígrafe - "Aina con1 Oeste", prenunciando já a elaboração d e A lv.larcha históricos são transcri tos, na paródia são revertidos
fé e orgulho a terra ern que nasceste", mas faz a Para o Oeste ( 1943). critican1ente. A técnica d a paráfrase é a do endosso
transposição dos m itos para a pauta da d itadura de O poem a " M etainorfose" explica bem a metam or- e da adesão; a da paró dia é a da apropriação com
Vargas. Reescreve a História da con1unidade. ~ texto fose da história em poesia, na medida em que a his- sentido modificado. Na paráfrase o poeta é que é
paradidático, uma muito bem sucedida adaptação tó ria é mitificada: aprop riado pela ideologia, ele p ensa ser um emissor
pedagógica da paráfrase mítica e ideológica. quando, na verd ade, é apenas um transn1issor. Ele
Retoma-se o sentido mítico-psicanalítico da terra Meu avô foi buscar prata é pensado por uma linguagem que o ult rapassa.
nlas a prata virou índio.
como elemento ferninino e primordial na figura da
Uiara - a n1ãc d'água, que un1 dia se casa com um Meu avô foi buscar índio Poéticas do descentramento
111arinheiro (português), depois do "achamento" do n1as o índio virou ouro.
leito nupcial. A carta de Pêro Vaz Caminha, que J. Paródia. Em Mc+rtim Cererê o autor endossa
Oswald e outros tratam coroo paródia, aqui é tra- Meu avô foi buscar ouro o texto histórico:
i.ada como paráfrase: "A terra é ta1n fermosa/ de mas o ouro virou terra.
tanto arvoredo/ ta1nanho e tão basto/ que o homem Se há prata no Peru
Meu avô foi buscar terra e se a terra é toda huma.
não dá conta". Passando da paráfrase n1ítica à pará- mas a terra virou fronteira
.., .
frase literária, o autor cita Os Lusíadas e exercita-se '
tem que haver J?rat<i no Brasil
e boii rezaão de filosofia.
nun1a espécíe de oitava r ilna camoniana inserindo Meu avô ainda intrigado
• li versos do português: foi rnodelar a fronteira:
Mas na paró dia o texto histórico deslocado soa es-
011
E o Brasil tomou forn1a de harpa. tranhamente. E é exatan1ente o efeito de estranha-
Eu vim do mar! sou filho dle outra. raça. 1nento que se consegue fazen9o a palavra aparecer
Para servir meu rei andei à caça
de niundos nunca vistos nem sonhados, ("Metamorfose". ln: Marti1n Cererê) fora de seu lugar natural. Oswald de .Andrade mon-
por n1ares nunca de outrem navegados. tou muitos de seus poenias com frases extraídas dos
A possível crítica ao sistema de expansão colonial viajantes e descobridorests. A seleção e a con1bina-
("Declaração de Amor". ln: 1'vfarri1n Cererê) iucumbe não só inserindo -se esse poema entre os ção dessas sentenças é que resultam no efeito poé-
MODE RNISMO: AS POtTICAS... 63
,

1 tico. A paródia faz-se presente p rincipalmente em ultrapassa aquele solo mínimo instituído nos p rin1ei·
1· Oswald e Mário de Andrade. P ara se compreender ros a nos do Mo dernismo. Estas aves cantam ilu, 1111111
melhor a distância entre ela e a pa ráfrase faça-se Murilo Mendes repercute a influência de Oswald un1 outro canto. t• 11ltlllMtllh
um confronto entre Martim Cererê, co1no linguagem em seus primeiros poemas q ue constituíram a Hist6- ("Nova Canção do Exílio". ln: A R osa do Povo) tl11• 111111 a
da continuidade mítico-ideológica, e Macunaima. No ria do Brasil, que é uma reinvenção anedótica da llt!llPlll• Ili
primeiro, retrata-se um Brasil-menino, didático para República. ·Drummond utiliza-se da paródia de uma· A crí!ica da linguagen1 que aí está atinge tanto 1 ·h li 'l"•tl•
a conversão cívica; no segundo apresenta-se o he- maneira ma is sofisticada criticando certos aspectos;. t! sé rie social q uanto a sétic literária, porque toda . ii1·-' ti /\ •
rói mítico-brasile iro definido como "o herói sen1 ne- de nosso cotidiano - "Eu Também já f ui Brasileiro" linguagem reflete aquilo que até bem pouco tempõ · l hll111111 li
nhum cará ter". Nu1n o endosso, no outro a auto- - e em "Hino Nacional" onde coloca e m xeque s gostava• de chan1ar de W eltanschauung. A llJt• .. /li', ,t llll ll' • !
crítica. verde-arnarelismo e o ufanismo ingênuo que alimen-·. gungem antiga é reescrita de cabeça para baixo, f1i~ l'1ul11 1111 ~
•• De uma m aneira geral, os poetas modernistas co- tou o mito da nacionalidade no princípio do século. zondo-se u1n jogo de espelhos e ntre o ontem e O f. 1111vhl11
nheceram a paródia. No entanto, muitos retornaram Um estudo m ais preciso da utilização da paródia hoje. A paródia se
apropria da linguagem velha sem o rl!t lnhh
po de ser feito, no entanto, através da crítica d a lin- 10 deixar ser sua prisioneira, como na paráfrase. ,. 111• j&Hllll11
à paráfrase p rocurando abrigo n uma tradição alon-
gada. Oswald de Andrade é o exemplo do auto r, qua-
se que exclusivan1ente parodístico. Seus do.is livros de
guagem não só no plano literário quanto ideológico, .
vendo-se a apropriação feita p elos 1nodernistas da ·
2. Mimese inco11scie11t e. T a mbém poderia se
cha1nar mimese interior. Ela já está em Platão, apé•
11
..~r..111h
•li••
poesia - Pau-Brasil ( J925) e Primeiro Caderno do "Canção do Exílio" d e Gonçalves Dias. Ela está em nas ele não se interessa por defini-la. Aquele espelho • Ili ll•M
Aluno de Poesia Oswald de Andrade ( 1927) restrin- 11urilo Mendes: que ele utiliza para copiar a paisagem exterior no ,,, lt11t•
gem-se à repetição de u111 1nesmo processo de com- verdade tem dupla face. A face que reflete o incon~· 1 11n11 1111
,, ~Jtl111
.' f

posição presente tan1bén1 no prin1eiro Murilo Men- Minha terra tem mac1e1ras da Califórnia ciente do poeta é a que ameaça a República, por isto
onde cantam gaturamos de Venez.a. h•, 11
des e no primeiro Carlos Drummond de Andrade: o o filósofo assumindo a função de legislador e guat•
poema curto, ht11norístico, seco, descritivo de u n1 dlão da cidade recomenda só a ou tra face voltada NA•I 1
("Canção do Exílio". ln : Poe1nas)
dado contexto, paisagem ou situação, explorando um para a realidade cotidiana e h istórica que compõe a NR11 lto
cubo-futurisn10 que reverteu estética e ideologica- Ideologia.
1nente em termos do que chamou "antropofagia". Está em Oswald de Andrade: .. t\•~111111'
1, Esses dois lados do espelho podem ser percebi· '
Essa é exata1nente u1na das lin1itações de Oswald. dos em dois poemas de títulos congeminados, mas ltll•ll 1111 1
Minha terra ten1 .Paln1ares 111ltl " li. li
Trabalhou pratica1nente un1a única linguagem, ape- onde gorjeia o n1ar de sentido diverso: o "Bumba meu Boi" ( 1927) d<>
nas uma das que se rviran1 de solo para o l\1oder- os passarinhos daqui Ascenso Fe rrei ra e o "Bumba meu ·P oeta" (1930) 11111111 .... 1
nis1no sem se l ançar num projeto transfigurador des- não cantam con10 os de lá. de Murilo Mendes. Enquanto Ascenso, na 1nes1nâ li ' ' "
sa pré-história. 11111 1~'Hl' I
llnha de "Maracatu", ''Cavalhada" e " Reisado", faz
Em Pau-Brasil recorta frases d e Can1inha, G an- ("Canto de Regresso à Pátria". ln : Pau-B rasil) pequenos flashes reprodutivos d a linguagem prilniti vn, } "·~ hl 1111
1 1•1111• 11111
davo, Frei Vicente e outros narradores estrangei- enfatizando o costurnbrismo, em Mu rilo a dramatiei-
Está em Cassiano R icardo: 1t11hlh ,, li
ros, retratando num português a rcaico e en1 francês dnde do suplício do boi foi substituída pela exclusüo
Ut\111 ·!11 1l1t
o que seria a história sucinta d a forn1ação do Brasil. do poeta da c omunidade. O autor retira do rltua1
Na verdade, esses poemas são un1a espécie de viagen-1, Esta saudade que fere fo lclórico o seu sentido não-aparente : a coletividadGl 1•1111 411111-
mais do que as o utras quiçá. 1>11•1•t1ll
u111a outra viage1n sentimental d e João Miramar, p re- Sem exílio, ne1n palmeira vi timando o indivíduo que lhe é estranho. O boi te1n. f
111~ 1111 ~li
sentificando alguns flashes típicos das n1emórias de onde cante um sabiá, . . un·1 sentido duplo no ritual do bumba meu boi: ó
a nilnal fundamental à coletividade q ue, no éJ1tant0 1 • nt ·1 114 111
1
Serafiln Ponte Grande, den1onstrando que os dois
...
• 1., livros de poesia e aqueles dois romances fo rma m
un1 mesmo complexo Jingilistico.
("Ainda Irei a l'ortugal". ln: Uni dia D epois do Outro) d morto. D epois de suplicia do é ressuscitado por um. { lllU\'11 1111
dos f eiticeiros. ~ f igura totêm ica, e como 'tàl se CO• l ll h 14
Das ling uagens do Modernismo a paródia tem sido En1 Drummond el a aparece duas vezes: loca ambiguamente entre a veneração e o sacrifíold, 11111, h
a única clarame nte referida pela c rítica até hoje. O poeta, na composição de Murilo, também vai nó 11•••1•
Falta agora re.lacioná-Ja não apenas co1n as outras Meus olhos brasileiros se fec.ha1n saudosos onc rifício, mas se recusa a se transformar em toteill 1111' li 11
Minha boc:i1 procura a "Canção do Exílio". no recusar a estátua em praça pública. ,'
linguagens, mas destacar que ela não é específica Como era mesmo a "Canção do Exílio"?
1111 111111
de um ou outro autor. Ela é antes un1 solo con1un1 Eu tão esquecido de n1inha terra ... Como poema típico do descentramento, essa pc9 :J. • 1 ,,,...
a todos. Ela foi o n1áximo a que Oswald aspirou e Ai terra que tem paln1eiras 111ostra a sua singularidade já na armação dos p4f,t :
l h tt lll 111111
chegou. Mas foi dela que partira1n Murilo Mendes onde canta o sabiá! 1onagens. O narrad~r fi~ura u~a situação en~ q1~ ·
o poeta é acuado nao so por figuras conve11c1011 11l:~ t\ hnll1111t
e Carlos Dru1nmond para construir urna o bra que
("Europa, F rança e Bahia". l n: Alg11111a Poesia ) dn sociedade (doutor, professor, deputado, etc.) , m!t ,t
(15 ) Luíz Costa Lima, no estudo j:í cilado sobre Oswalcl de
Andrade, reproduz ínlegr nlmente os textos de onde o poeta re1i- Um sabiá por entidades s urrealisticamente apresentadas
forma de alegorias: o submarino, a rima, São F ,
,, ,., t •• .,.
.0.-1 1111• ri
' ''" r.··
rou as frases p ora os set1S pocn1as. na palmeira, longe. • •• 1- ,.,~,••
oisco de Assis, íazz-band, mãe d'água, mulher dí\. .v., ·;, 11~11• hl • li
64
~
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ultrapassa aquele solo mínil)lo instituído nos prin1ei-
ros anos do Modernismo. Estas aves cantam da, anjo da guarda e o coro - sempre esp elhando
Murilo Mendes repercute a influência de Oswald urn outro canto. e glosando as direções do drama. A heterogeneidade
c1n seus primeiros poemas que constituíram a Histó- ("Nova Canção do Exílio". ln: A Rosa do Povo) das figuras pertencentes a naturezas diversas lembra
ria do Brasil, que é uma reinvenção anedótica da aquelas conside rações de Foucault a respeito da en-
Repú blica. 'Drum1n ond utiliza-se da paródia de uma A crítica da . linguagem que aí está atinge tanto ciclopédia chinesa inventariada por Jorge Luis Bor-
n1aneira mais sofisticada criticando certos asp ectos 11 série social quanto a série literária, porqu.e toda ges16. A ordem estabelecida não é a ordem do co-
de nosso cotidiano - "Eu T ambém já f ui Brasileiro" Hnguagen1 reflete aquilo que até bem pouco tempo tidiano. Há aí uma taxinomia insólita. A rima é uma
-- e em "H ino Nacional" onde coloca em xeque G gostava de chamar de W elta11scha11ung. A lin- persona, o submarino também fala, o mito é convo-
vcrde-amarelismo e o ufanismo ingênuo que alimen- gu11gc1n antiga é reescrita de cabeça para baixo, fa- cado na figura da 1nãe d'água, o agitador também
tou o mito da nacionalidade no ;princípio do século. zendo-se um jogo de espelhos entre o onte1n e o é ouvido e nisto tudo a figu ra do poeta situa-se como
Un1 estudo mais preciso da utilização da paródia hoje. A paródia se apropria da linguagem velha sen1 o excluído-1nor, aquele que o Doutor, tuna espécie
pode ser feito, no entanto, através da crítica da lin- se deixar ser sua prisioneira, como na paráfrase. de guardião da República, condena por sandice:
guagem não só no plano literário quarf<> ideológico, 2. Milnese inconsci'ente. Também poderia se O diagnóstico sibilino
vendo-se a apropriação feita pelos modernistas da chamar mimese interior. Ela já está em Platão, ape- esferoidal, apocalíptico
"Canção do Exílio" de Gonçalves Dias. Ela está em nus ele não se interessa por defini-la. Aquele espelho acusa sintomas graves
1 1 ""' •
'I 1 / ~ . Murilo M endes : que ele utiliza para copiar a paisagen1 exterior na de loucura neste poeta.
verdade tem dupla face. A face que reflete o incons-
Minha terra tem 1nacieiras da Califórnia ciente do poeta é a que ameaça a República, por isto E não tarda que o coro, espelhando a voz da comu-
onde cantam gaturamos de Veneza. o fi lósofo assumindo a função de legislador e guar- nidade, deite a sentença:
("Canção do Exílio". ln: Poe111as) dião da cidade recon1enda só a outra face voltada Não tem lugar pro poeta!
para a realidade cotidiana ·e histórica que compõe a Não tem l ugnr pro poeta!
13stá e1n Oswald de Andrade: Ideologia.
Esses dois lados do espelho podem ser percebi- Assume o poeta o seu não-lugar, em oposição ao
Minha terra tem palmares dos em dois poemas de títulos congeminados, mas lugar da co1nunidade. Expulso uma vez 1nais da Re-
onde gorjeia o mar ele sentido diverso: o "Bumba meu Boi" ( 1927) de pública, assinala sua posição de ex-cêntrico, confes*
os pass?.rinhos daqui Ascenso Ferreira e o "Bu1nba m eu P oeta" (1930) sando-se um puro às avessas, porque sua pureza não
não cantan1 como os de lá. de Murilo Mendes. Enquanto Ascenso, na mesma é a dos santos, mas a dos excluídos que não se dei·
linha de "Mara.catu", "Cavalhada" e "Reisado", faz xam contan1inar pela repousante lógica da lei Íln-
("Canto de Regresso à Pátria''. ln: Pau-Brasil) pequenos flashes reprodutivos da linguagen1 primitiva, posta como verdade. O que a comunidade estatui
enfatjzando o costu1nbris1no, e1n Murilo a dramatici- como loucura é que é a verdade do poeta. A. Re-
Está em C assiano Ricardo: dade do suplício do boi foi substituída pela exclusão pública não tem no poeta o seu espelho, mas a de-
do poeta da com unidade. O autor retira do ritual núncia das inversões que a ideologia opera corn os
Esta saudade que fere íolclórico o seu sentido não-aparente: a coletividade conceitos de normalidade.
n1ais do que as outras quiçá. Descentrando-se a todo instante, o poeta zomba
Scn1 exílio, nem palmeira vitimando o indivíduo que lhe é estranho. O boi tem
.. um sentido duplo no ritual do bumba meu boi: é até de sua in1agem, se um dia a comunidade quiser
onde cante un1 sabiá ... aceitá-lo postun1a1nente construindo-lhe urn busto em
nnimal fund amental à coletividade que, no e'ntanto,
("Ainda Irei a Portugal". l n: Uni dia Depois do Outro) é 1norto. Depois de supliciado é ressuscitado por un1 praça pública. Recusa-se a ser uma entidade totê-
dos feiticeiros. e figura totêmica, e como 'tal se co- n11ca:
E rn D rummond ela aparece duas vezes: loca ambiguamente entre a veneração e o sacrifício. Pois bem, apurem os ouvidos:
I• " O poeta, na composição de Murilo, ta mbém vai ao desde já estou vaiando
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos sacrifício, mas se recusa a se transformar em totem nleu busto que se erguerá
11111 '"'~:!~' Minha boc:a procura a "Canção do Exílio". no recusar a estátua em praça pública. na posteridade remota.
Con10 era rnesmo a "Canção do Exílio"?
Eu tão esquecido de minha terra . .. Como poema típico do descentra1nento, essa peça
rnostra a sua singularidade já na armação dos per- O desajusta1nento desse disp laced person se con-
Ai terra que ten1 palmeiras firn1a diante de todos os modelos que tenta justapor.
onde canta o sabiá! sonagens. O narrador figura uma situação em que
o poeta é acuado não só por figuras convencionais A imitação n ão é o seu forte:
("Europa, França e Bahia''. l n : A lgun1a Poesia) d a sociedade (doutor, professor, deputado, etc.), mas ( 16) Ver a introdução àe Michel Foucault para As Palavras
Um sabiá por entidades surrealisticamente apresentadas em e as Coisas. Ai cxprJme seu fasclnio por Borges, chegando a
na palmeira, longe. forma de alegorias: o submarino, a rima, São Fran· dizer que seu livro nasceu de \1111 texto de Borges sobre uma
certa enciclopédia chinesa que arrola uma série de animais em
cisco de Assis, jazz-band, mãe d'água; mulher da vi- itens totalmente insólitos e aparentemente absurdos.
MODERNISMO: AS POl!TICAS. . . 65
"
_rocu rando se elo refor o antitético ca. 111• 1h1 111
Quero às vezes imitar mente o livro que Jorge e Murilo compuseram jun- gia_na exata m.e tda•.eD1 tin i 1111•
o utro poeta neste mundo tos - T enipo e Eternidade (1934) - n1ostra o cru- pu1•1111111 1
escolho então São Francisco: zan1ento com a linguagem bíblica através do verso '
• a partir o estu o das diversas linguagens quê '· 11111 m•11I
mas não consigo imitar, longo especular mente reproduzindo os mitos e as o cruzao1 cm Invenção de Orfeu que se pode dcs-
nem de longe, tal poeta. 111 l11l11MI ll
in1agens d e nossa civilização cristã. Murilo confes- bnstar o caminho para a sua possível penetração.
Meu consolo é que não imito 11111 -- 1111
sa : " Poeta para toda a eternidade segu ndo a ordem T a l taref a transcende esta proposta de estudo que
afinal, poeta algum. ~ t•J11111••11•11
De qualquer forma pareço d e J esus Cristo" e Jorge de Lima di z: "Senhor Jesus, oqui fazemos. Mas se deveria indagar sobre a ten1á• 111111h1111l11
J com São Francisco, senhores: o século está podre. Onde é que vou buscar poe- tlca da ilha e oscilação entre o centramento e o de:;•
,1 sia?", arremata ndo em outro poema : "sou para me pntu •11
não há dúvida que sou, centramei:ito. De que 1na ncira o poeta dispõe essn ~
. ' t•111l11 11111•
aí, São Francisco às avessas. salvar sobre as tábuas da lei". ilha misteriosa com subsolos e supersolos? É ela umn ( •• 111..
Murilo depois mostra uma singularidade no tra- tnetáfora ideológica do centrismo?IS f..q,r_.QlJ.tJ;o Jago, ·, 1411• -1•1111
Como poema, "Bumba n1cu Poeta" não é uma tamento do pensame nto e da linguagem bíblica e p.prece hayer 'u.!J.19 .canfh!Çncia dagy i!o .QYC se. challll\ .:. Jl11ttl1111,t••
peça marcante pela invenção fonnal, mas reafirma o converte seus poemas cada vez 1nais numa arte da de surrcalisn10, mais a .I?arlirase Y.oltada }2ata_ a_.s.é,, . , " fltVU tllA 1
descentramento presente nas paródias do prfmeiro escrita, aproximando-se de uma renovação formal rle lité rá ria'" e õ1ífica na ,p rQduçãq de obras, prigin.~ls,... 111• 1'1111111
livro de M·urilo (Poen1as - 1925-1929) e no sur- que revela a escrita do autor centrada e1n si mesn1a. ·. 'Se ria unia questão ·ver e_ lar.:ge-de Limà_p~.r.t<mce i 11 nl11v11 •"'
realismo já inaugurado aí mesmo antes de abrir-se Confessando-se se1npre um lrnpenitente, Exilado, ex- ô u111a 'Iíiilrá s'eiiié ante à de T . iut,.. pata-queo1 ·1111111111,
em O Visionário (1930-1933). To1ne-se no primeiro posto à Danação, reconhece-se expulso do céu: "H~i . Êl- f!!_re'fãC o poe a re12_riar CÇ!}~tªn~emente a tr<;lg\1 ;. UH·~n 111. 1
.
11vro o poema - "Mapa.. : de me comu1ücar enfim com os outros/ :na coleti-
vidade do inferno" ("A Condenação'') - e confessa
·~rio, "'fazendó ,:;oi!l g~1e c_a_d_a nova . <>4ª·ao , ?.}t;Sn.lP ' M'fl•J4•lll1111
~en1p<>_~se quer um. .m;glonga1nent.Q e .tamb~m ~mu . ,. lllh•l 11
Alrnas desesperadas cu vos amo. Almas insatisfeitas, que "O demônio tem mais poder que D;us". A idéi.a ~aocrw~a das obras anteriorest9. ·~ nessa hn a 111\19110
[ardente~. do centramento e do descentramento e tratada d1- que ele constí-01 111 Waste Lan l 22). nao se• ' '"'' J,, 111 1
Detesto os que se tapeiam, reta1nentc: "Não se trata de ilusão, queixa ou la- rln talvez pertinente atrair Invenção de Orfeu para
os que brincam de cabra-cega com a vida, os ho- N 1111 I·
,,;pra
. 't'rcos" ... n1ento/ trata-se de substituir o lado pelo centro ( ... ) n mesma área de produção artística onde se inscreve 1·11 1111 •1·
[ mens
Não se trata d e ser ou não ser/ Trata-se de ser e t Ffn11ega11s W ake ( 1939) , de Jan1es Joyce, rec1iaçlio
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes soi- Ili q1 ll
[cidas, não ser". O perj.férico faz de sua ex-centricidade o de 1ni tos cristãos e pagãos, epopéia da queda do h°" 11111 11 ln u
e os soldados que perderam a batalha, as mães bem próprio centro e descobre que a fração do ser ou tuen1 diante do verbo, que o poeta procura ludica• 1 ~1 1•111 N11
[mães, não-ser é equivocada, pois trata-se de ser e não ser n1cn te restaurar? • 1\ 111111111
as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos. continuadamente, num descentramento lúdico na Mas ao falar de Invenção de Orfeu já estamos es- ~111 111111111
Vivam os transfigu rados, ou porque eram perfeitos p reservação contínua do não-l ugar do poeta, excluí- capando ao plano inicial desta proposta e deixando 1111•1th• ...
[ou porque jejuavam muito ... do que sempre se exclui. de falar exclusiva1nente do solo inicial onde se cru- 1 101111 11
viva eu, que inauguro no n1undo o estado de ba- Jorge de Lima, depois de ter-se identificado co111 znrn as linguagens conformadoras do Modernismo.
[gunça tr.anscendente. 1111•111111111
a paráfrase bíblica, 1'única lnconsútil (1938) e h11111t.1 ...
"Anunciação e Encontro de Mira-Celi" (1950), en-
D ai para f rente, assinalando que "tudo é ritmo no contra o lugar de sua máxima espansão e maturida-
Conclusão . "''"''''º ..
.: p111p1l11 I·
cérebro do poeta'', diz categórico: "Não me inscrevo de em Invenção de Orfeu (1952), onde aparecem as
en1 nenhuma teoria,/ estou no ar" e acentua que não Literatura co1no centra1nento na escrita. T endo A 1•1111
duas componentes nítidas de sua poesia: a nc,cc,ssi- co ns iderado que nenhuma linguagem se inscreve no Mntlhr I•

..
. ..,

está nem. d e um lado nem do outro, mas é um. ele-
n1ento "se1npre em transformação".
-
- -
dade de desenvolver
.. - ---
um!Llin~uagem des~entrada (o
surrealismo) e o a ego ao centramento 1deo LCO
. , . vnzio, e que a n1imese, a paráfrase e a paródia fO•
r n1n os ele1nentos constitut ivos do solo lingüístico do

.

i ~1·11 11111111
d1·111111111t1
"" Como poeta do descentramento, Murilo desenvol-
ve nesses p r i1neiros livros a imagem do excluído,
ãi:rayés_ ª·ª mani.J2u aÇao_. Çle toda unia sirnbolM.i,a . bí- Modernisn10, resta considerar que rumo tomo11 ~ ,,., •lh•l111 -
blica e literária. Monta un1j_Ç,So de . ~s12elhos co~~ poesia brasile ira depois dos dez primeiros anos da .':~ 11111• ,. 1111
muito próxi1na da i1nagem gauche em Drummond17. tentativa de ultrapassai:. os !Imites do es~cular. lle-" dcn1a11da d a linguagem original.
1 ,, u
1 JJ
O poeta se1npre posto ao lado dos párias e ex-cên- escreve a epopéia ,,~en t!'E d a ·<?E.~PJia, <2...Jl'l.J!Q.. 4entro
tricos que o filósofo refuga e1n seu projeto de R·e- Pode-se dize r que a n1imese, paráfrase e parÇd iQ. '""' •li111
do nfi!o1 a .!fiigü~geqi]!!!U!LO::Jljl;'.J1ng~\~~~ 1 proç.!!r.~ fonun as três primeiras propostas de linguagen1 aoei" ' 111~111
1h1•
pública, Murito, inais tarde, como Jorge de Lima, "ãC? ' ti:abªl har o · tn!).iLp...Qs.slYP.L c-0m os...r.efer.erut:.s_.10:
vai conhecer a paráfrase. 1 'ome-se os poe1nas vin-
culadores d a fé cristã e católica à poesia. Principal-
ti n1os ,da co1nt?9siç.ãQ. Ne~s.~ntid.Q.. o. poe.~l! b~c..a-~ ( 18) P1ERR1l MAc Hl!Rl!Y, Para Uma Teoria da Pro1Juçl'lo Lllh .'. ,., . ,......
1h1 "'"'''l
uma vincula ão básic co a série literária e_ru:e.;;:,, rilrln, Lisboa, Edltotial Estampa, 1971, estuda na obra de JtllJO J: l 1l1111n11111
Vcrnc o mito da ilh a, localizando aí unia reduplicação icJeol.ólllG!I« •
(17) Em nosso livro Dr1unmo11tl; o Cauche 110 Tempo, estu-
ten e-se uma continuidade da tradi ão. S -.Q e ( l9) Ver Tratli1lo11 t111tl Indivltlrtal Tal~nt, de T .S. Eliot, Ofilltl · 1 11111111• '
damos o caráter g1111<'l1e, ex·cêntrico e dlsplaced da versona poé- cai <l râ rase a consc1encia crítica do J?••oe!ª"··..,. 14 cnl 1919 o poela introdu7. algumas ídéias inovadoras sObfO O T lnt , i\ 11111
couccito ele his16ría da literatura, ultrapassando o historio i.lj\~ •
tica definida como unl es1'an/Jo no sentido heicleggcriano; aquel~
que s-e al~stou do que lhe é íntimo, onseiro e habituar e foi jo-
que se ve num..dila.ce.ta~to criador. · bate-se den- · do séc. XIX. ·· 1 lnl" \11111
gado num mundo que lhe é hostil. t ro da Jiôg uage_m d a, tradiçã9 1 , OJ!.c!~. caiu ..Rrisio.neiro,
66
rocurando se libertar elo refor o antitético ca- tas de uma m an eira geral pelos poetas. :e a partir
1nente o livro que Jorge e Murilo compuseram jun- 1 111 an o cQJJ.tra a ideologia ní,\..e~ata me i @ cn1 daí que se explica a semelhança entre os primeiros
tos - Tempo e Eternidade ( 1934) - mostra o cru- e desarticula e reagencia a sua denota - . poemas de Mur ilo, Drummond, Oswald e, em n1e-
zan1ento com a linguagem bíblica através do verso 1 n partir o estu o das diversas linguagens que nor escala, Bandeira e M ário. Mas a partir da marca
longo esp ecularmente reproduzindo os mitos e as ac cruzarn en1 In venção de Orfeu que se pode dcs- original eles tom aram run10 diverso. P elo menos cada
imagens de nossa civilização cristã. Murilo confes- bnstar o caminho para a sua possível penetração. um se internou mais e mais em busca de sua própria
sa: "Poeta para toda a eternidade segundo a ordem 'foi larefa transcende esta proposta de estudo que expressão. A pouco e pouco se observa que a poesia
• de Jesus C risto" e Jorge de Lima d iz: "Senhor Jesus, nqui fazemos. Mas se deveria ind agar sobre a ten1á- 111odernista tende a se afastar daquelas propostas,
o século está podre. Onde é que vou buscar poe- ticn da ilha e oscilação entre o centramento e o des-
sia'!'', arrematando em outro poema: "sou para me para se desenvolver segundo as potencialidades de
ceutramei;ito. D e que maneira o poeta dispõe essa cada poeta.
snlvnr sobre as tábuas da lei" . ilha n1isteriosa com subsolos e supersolos? É ela uma Os 1nelhores poetas deixaram de fazer poesia ape-
Murilo depois mostra un1a singularidade no tra- 1netáfora ideológica do centrismo?JS ~I...QLttJ;o.. l\Wo, nas sistematicamente para se entregarem a uma or-
ta1ncnto do pensamento e da linguagem bíblica e J'IJ!!'CCe hi!Yer .:UJna..ç~nfluênci~. dagqilo ..Q!l~ SÇ, eh~ ganização sistêmica da própria obra. Já ~ão se tra-
converte seus poemas cada vez mais nu1na arte da de surrealismo, mais a ..,Ba.ráfrase voltada R.ara....a. ..se..- tava de ouvir a voz de con1ando dos manifestos nem
escrita, aproximando-se de uma ren~vaçã? formal rTc li terária" e mífica_ !1ª. 2rodu_s:ão de o,Pras prigiJW.s- de pautar a obra pela obra do companheiro, n1as
que revela a escrita do autor centrada em s1 mesn1a. ·seria uma quesfaõ ver se..J,oxge...de-Lima._~ce tratava-se de desentranhar de cada poema o poen1a
Confessando-se sempre um Impenitente, Exilado, ex- 1ÍÜ1na iTnlrli' S'emelfiante à de T. io1,_pata-quem seguinte, fazendo com que a obra se ren1etesse a si
posto à Danação, reconhece-se expulso do céu: "H~i • • •
. 11•1 n are a o poe a recriar constantemente a tra 1- 111esma, to1nando-se a si mesma como referente. Os
de n1e comunicar enfim co1n os outros/ na coleti- ...lio;-razcnao com ue cada nova o ·a ao mesn10 referen tes, portanto, saíram da realidade exterior e
vidade do inferno" ("A Condenação") - e confessa crnpo ue se quer um ngameuto ,é.,W.i:.nbem unl,íl se intcrnalizaram en1 cada obra. Era dentro de sua
•1• que "O detnônio tern mais poder que Deus". A idéia iiltcra-ão cn 1ca as obras anteriorest9. É nessa"' !inha própria escrita que o poeta se buscav<i, escavando
do centramento e do descentramento é tratada di- que ele cons tro1 1e W as te Lan 1 22). nao se- onde já havia firmados os primeiros alicerces.
retamente: "Não se trata de ilusão, queixa ou la- ria talvez pertinente atrair Invenção de Orfeu para Não estranha, p ortanto, que a poesia mode.rnista
n1cnto/ trata-se de substituir o lado pelo centro ( . .. ) ~1 n n1esma área de produção artística onde se inscreve tenha se convertido nu1n fenômeno da escrita. To-
Não se trata de ser ou não ser/ T rata-se de ser e fi1111ega11.1· Wake ( 1939), de James Joyce, recriação n1e-se o que hoje é considerado como sua desce~­
não ser". O periférico faz de sua ex-centricidade o de mitos cristãos e pagãos, epopéia da queda do ho- dência m ais legítima: a poesia de João Cabral de
próprio centro e descobre que a fração do ser ou 1ncm diante do verbo, que o poeta procura ludica- Melo Neto c os movimentos de vanguarda surgidos
não-ser é equivocada, pois trata-se de ser e não ser rr1ente restaurar? à altura do Concretismo em 1956. Ocorreu na poe-
continuadamente, num descentramento lúdico na Mas ao falar de Invenção de O rfeu já estamos es- sia brasileira um espes:;amento da escrita, historica-
preservação contínua do não-lugar do poeta, excluí- capando ao plano inicial desta proposta e deixando mente proveniente de Mallarmé. O texto começou
do que sempre se exclui. de falar exclusiva1nente do solo inicial onde se cru- a falar de si mesmo , e não da realidade exterior. A
Jorge de L ima, depois de ter-se identificado con1 zn1n as linguagens conformadoras do Modernismo. literatu ra se assumiu eon10 assunto de si mesma, cen-
11 paráfrase bíblica, Túnica I nconsútil ( 1938) e trando-se na escrita con10 objeto autônomo. Nesse
" Anunciação e Encontro de Mira-Celi" (1950), en- sentido ela não fala do que ocorre lá fora, mas se
111 f. 1ftu1 no contra o lugar de sua máxima espansão e maturida-
Conclusão
propõe con~o um discurso sistêmic?.
de eJn Invenção de O rfeu (1952), onde aparecem as Literatura co1no centra111ento na escrita. T endo A conflue ncia das obras de Cassiano, D rummond,
duas co1nponentes nítidas de sua poesia: '!... n1<cessi- considerado que nenhuma linguagem se inscreve no Murilo com a formalização em torno de 1945 e o
dnde de .desenvolver um.a. Iin,gyagem des~~da (o vazio, e que a mimese, a paráfrase e a par6dia fo- seu pare ntesco com as vanguardas _em torno d~ 1956
surrealismo) e o~go ao centra1nento ideó , ico ram os elementos constitutivos do solo lingüístico do demonstra1n isto. O que te1n ocorndo na poesia bra-
1111°1 l h ·'>I
nti·uvê§ .daJnanii;iiili_ ã t da tuna simbo o . ,_ Modernis mo, resta considerar que rumo ton10µ a sileira é uma ênfase na literatura enqua1ito escrita,
''" ··~ f b
1t 1llflli.lll'
bJTcn' e literária. Monta u1n ·o o e . esgelhos como. poesia brasileira depois dos dez priJneiros anos da que é onde o que de melhor se pro~u~iu em ton10
tentativa de ultri\Rl!$~a.r. Rt _11nite~.; do e.~E.CS!:!.lar . ..R~ demanda d a linguagem original. de 1922 se encontra com o que c!,e ,mais JOVen1 e forte
1 ltlli 1· 1 ~'~IU es'c rovê a' ~popéia dentro. ,d a ~p~pe~IL~._n,}i!2.•dentro te1n se produzido atualmente. Nesse sentido to1ne..se,
l lljl·IH 1h ' Pode-se dizer que a mi·1nese, paráfrase e paródia
do, mito a ling~•!l&e~j!Ç,n~~o , <tl!..l1ng~~~, QrQ<;:J!i:i.~U:... f'oran1 as três primeiras propostas de linguagem acei- alé1n dos concretistas, a poesia do movimento Praxis,
1111· 1h• 1 êio tríiFÍiI6iii :o 1na1~ .R.,Q~~1v~J..coni ..os refere.Qt~s_.lJl: da revista Tendência e do movimento de Poema-
11111111111•1 w.i;nos da compo§iÇ.ãQ•. .Ne~.se. .s.en.tid,2 . o _Qoem~ bµ,lis;a. _ ( 18) PlllRRE MACHERl!Y, Para Uma Teoria da Protl11çiío Llte- Processo. H aroldo e Augusto de Can1pos mais Décio
ilhl !•li UI urna vi ncula ão básic m a série literária e_nr.t;:•. l'ilríaLtsbon, E d itorial Estampa, 1971, estuda na obra de Júlio Pignatari falatn da poesia "ideogramática", Mário
Vcrne o mlio da ilh a, localizando aí uni a r eduplicação idco!ógica,
100< e-se u1na continuidade da tradi ão. S a- <Js: (19) Ver Trad//ío11 a11d lntllvíd11a1 Tale111, de T.S. Eliot, onde Chamie propõe o "textor" como texto autoconstru-
'. ' co 1 ara rase a consc1encia crítica do gQ.çta.... 1
Jh cm 1919 o poeta Introd uz algumas idéías inovadoras sobre o tor Affonso Ávila desenvolve uma " poesia referen-
conceito de hi stó ria da literalura, ultrapassando o historicismo
ue se vc nu d" acetamen.to ç~1a or,. ; ate-se den- , do séc. XIX. ciai" voltada para dentro da escrita, e os poetas do
a 1.!!SL~agem da tradiçªQ ... Ç>n~e . caiu .In.:isioneiro, MODERNISMO: AS POÉTICAS... 67
,

poema-processo levaram o signo ,à extremidade me!- l'IOOA


ma da escrita ao adotarem urna linguagem abstrata
inscrita já nos domínios da semiótica. r
' ' A mais nítida corrente da poesia contemporânea AI LI
no Brasil elabora uma poesia cada vez menos his- t.
j LUll 0
tórica, menos romance, menos drarna, menos n1ú- ••
sica. Poesia a mais? ,i
• •
Num p aís de praticamente pen.hun1a tradição lite- !
rária oral, ao contrário do que se dá nos Estados
Unidos e Rússia, isto pode significar um vício ou en-
i' .
tão a exaustão de 111na tendência que tem sua encru- 1
·!
zilhada histórica em M allarmé. Os pensadores atuais
surgidos na esteira do Estruturalismo parecem muito ·•
interessados no projeto mallarmaico e a exem1*> de
F oucault vêem urna persistente vocação na litera-
tura deste século ern se converter em signo autô- "1
nomo, corno objeto diferenciado da realidade e da
natureza. Defcndc1n a opacidade do discurso lite-
rário, sinal de desenvolvimento da literatura, que '
encontra cada vez 1nais aqllilo que os formalistas
chamava1n de literariedade do texto. Esse n1esmo Es- ''
truturalismo que redescobriu Borges teria enorme '

' 1 campo de aplicação se to,m asse a atual poesia que se .'


faz no Brasil. A poesia enquanto escrita parece ter '
cavado entre nós um veio profundo. A oralidade per- .'
rnanece cada vez n1ais rejeitada pela cr ítica, prin-
1•
cipalmente agora que uma bibliografia estrangeira
veio em apoio <.la escritura.
Pode ser, no entanto, que a crítica estrutural es-
·"º"
,.......
YAI hl' 1

teja a segregar a poesia da própria poesia ao cair "11111411111


no avesso do logocentrismo e relegar a voz e a phoné " ... l 111111 ....
como faz a crítica proveniente da influência de Jac- P-llllVll
ques D errida. Pode ser que para o nosso espanto
a poesia recupere sua oralidade vigorosa como ao
tempo dos poetas-filósofos pré-socráticos, e que um
"-~n11'""'""'"
1111111 Ili
dia se confirme que o Estruturalismo se equivocou ~1110 ( .,
com sua parafernália burocratizante fundadora de l i ••
uma nova retórica neoplatônica e repressiva. T alvez 1t1111lh•ll
: a poesia tenha regressado à música, compondo corn li 1 •111111
ela um só todo corno ao tempo dos rapsodos antigos 11111 .....
e que o que se insiste ainda en1 converter em escrita li í1111111 ~,
nada tnais seja do que um manei ris1n o que leva ao 11 h 11 •hl
extren10 o frac~1sso de Mallanné. Do ponto em que tlP l i ~ ·
estamos é impossível realizar o f uturo. M as não n os .1.. 1111111•
devemos ad1nirar se a voz e a phoné forem um dia
recuperadas de uma maneira espantosa e original e
se, alén1 da linguagem que ouvimos, outras talvez
existirem tão audíveis e necessárias apesar de nunca
' \\\ ____ ,
........... . ' ...."...).
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sensibilizarem nosso parco ouvido e nossa mente, Ul ,lfll ltlH
perdida em mil e uma acrobacias racionalizantes.
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68
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FICÇAO: 11 ! Q YliiíiJI
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AS LINGUAGENS DO MODERNISMO

Luiz Costa Lima

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tll1u 111 ~·

a Affonso Romano " Sllvia.no Santia~o

Sob a expressão "prosa modernista" englobam-se


várias linguagens, à semelhança do que sucede com
'
• a poesia, conforme a proposição sustentada, neste
mesmo Festival, por Affonso Romano de Sant'Anna.
Também aqui se observa um espaço mimético, um
espaço ·parodístico e, com menor importância, um
espaço da paráfrase. Mas as correspondências não
1Ul t Hllit
> são exatas, pois, ao lado daqueles, ainda aponta um
·~' ,.
1
r ·~·tlliíl
...... , .. 1~.
11 t.1 quarto espaço, a que chamaremos espaço do sub-
solo. Consideremos cada espécie.
1111•l111h111 " O espaço mimético se caracteriza pela afirmação
~-t.' 1 11 1IÍ '
implícita que o susten ta : o da continuidade que liga
1t11;i1111l11 1t J
a realidade e a expressão do r eal. Não h averemos,
-111h1,_ nul " 1 por certo, ,de confundir este pressuposto com a jus-
. tificativa da cópia e da imitação, embora assim t e-
'
t,

nha sido feito con1 freqüência, pois a obra ímpar
de E. Auerbach já nos n1ostrou que o conceito grego
' de 1nhnese não se oonfunde com o de .decalque, sub-
\\\ missão às configurações efetivas da realidade. O imi-
tativo é o bandido no far west da m imese. As fron-
teiras que os separam são contudo bastante tênues .
•.<\. continuidade imitativa antes opera por efeito de
1111••·• 114~
lltl

1111111111111 • - - superposição, a realidade fornecendo a .forma de cuja


aplicação deriva a ob ra. O mesmo desenho não se
primeiro - o texto, a pessoa ou a linguagem d~ ui:n~ ' vhh11l11 1 •
aplica à continuidade mimética, distinta porque pres-
supõe um intercâmbio entre percepta e memória se-
letiva, que atuam a partir da diferencialidade indi-
Macu11aíma entretanto trazia dentro de si uma o
tra linguagem , que melhor captamos desde a leitur
cinematográfica de Joaquim Pedro de Andrade: a liIJ·
' Biluação social - , do qual, mantendo-se o s1gnif_1·
onote, se modifica o significado. Assim, na paródia
o waldiana o significânte reconhecível é o lastro do
1ll"thl11 ''"
,., 1\1111111•,
11111 li li ltt
vidual. Não nos espante introduzi r-se a gasta noção guagem da paródia, da popular gozação. P ois a tal
de indivíduo, pois, na verdade, a categoria da mi- astablishm~nt, ao passo que o significado adquirido ' 1•N li' l li 11\f
m ese é isocrônica à separação pré-científica do In-
divíduo face à Sociedade•.
No caso da prosa modernista, o n1imético tinha
ponto Mário de Andrade aprofundava a visão da
raízes, que um resultado inesperado transparecia·
a veia cínica vinha corroer a empostação doutoral;
'
1
l
revela o seu esgar, o sen tido que se ocult~va ? ºs
odetnanes do significado u sual. Podemos ~1s d1~er
que a revolução de Oswald é un1a revoluçao. da lt_?-
,.h1~11,
.1,. •' '"''
1h• 1•111h1 t
....
a ironia arrebentava o sentirnentalismo, a crítica sem
como m atéria a coloquialidade, seja em reação à meta, o ufanismo. O mimético se desloca para a pa- ·
suugen1, desde que º!?
1nais pense~os 3: af1rn1aç~o 1'1111111- 11
segundo a 6ptica estet1ca, onde equ1valer1a a desv10 h11l11-1111
I~
·' ignorância purista dos gramaticóides, seja em opo- ródia e, assitn, Macunaíma transitá, sem o aval de do congelado, à afirmação da rebel~ia, a t~anstorno l't'\ l'll·-.
tll
1 sição aos que helenizavam as discrepâncias tropicais. seu criador, para o terceiro espaço literário, o da \1 t1hl, tlt•Y
•I
Do realce do coloquial resultava a continuida.de es- dos hábitos de estilo. Ela é revoluçao da hnguage1n 1

"
1 linguagem parodística. nn exata proporção en1 que . é do sistema onde. se
tabelecida entre expressão literária e modos de ,vida Sintomaticamente, ela pem1anec~u· enterrada, os JlllN, "''"
Instaura a Jit'lguagem. A partJr de sua obra - JUS· 1Uih11t11 A
e de fala populares. Atesta-o a obra..d.e Alcântara livros ele seu 111aior e talvez único representante, li 11111111111
.' Machado, que ainda espera seu analista, e a de Aní- tan1ente da parcela que ele próprio viria a conde·
. 1
Oswald de Andrade, desprezados e, mesmo hoje, de· . oar - a literatura já não satisfaz os propósitos ca- l\114h 11, ...
1

' bal Machado. pois de sua notável redescoberta por Haroldo ~e . tártico;, a sensação de se ler a realidade a que un1a 1111 I1 llf1111
il O nlimetismo, difundido pelos propósitos ideoló- Campos, as reedições não parecem conhece~ u~1 pu· · s<:nsibilidade "nobre" depurou, etc. Como mostra 1h1, ~11 1111
gicos do Modernis1110, veio a confluir com estrato blico que anhne os editores. Como se explicaria es- ' rlaroldo de Campos ( 1971), é a própria ~oção de •I t'l l11, 1111
. f!'I mais antigo, de proveniência romântico-realista, ta marginalidade? Há, sem dúvida, u1na razão e?(· «.l 11t 11111•" t
!
Jlvro que se estilhaça neste rompimento radical com
abrindo lugar para o m imetismo de ambiência re- traliterária, de ordem política. 'fanto as Memórias a noção de literatura ( == mimese gratificante) . O 11•11111- li
gional, onde se destacam Graciliano Ramos e, en1 Sentirnentais de João Miramar, quanto o Serafim. Pon- cotidiano se instala no instrumento destinado a nos .. 1111111~1· 1 1~
menor escala, José L ins do Rêgo. te Grm1de, o seu teatro e a sua poesia, incomodam co1npensar do cotidiano e o riso ferino substitui a ! ~ 11PI li 1li llt

A obra de Jorge A n1ado, com exceção talvez do as testas sérias e quebram a expectativa de leituras lágrin1a generosa. A montag~'.11 de fragmentos, para . l'í•lh11U111
fluentes e agradáveis. En1bora verdadeiro, o 1notivo ainda falar com Haroldo de Campos, explode o doce 11141t ..-
Terras do sem-firn, efetua a passagem ão espaço mi-
entretanto não é o determinante. Do contrário não
..·. mético para o da paráfrase, onde melhor se instala se explicaria a circulação de G raciliano Ramos, d e
equilíbrio da linearidade. 1111h ti t·l'I
t\p1<J l111 l11l1\
a reduplicação ideológica, além do mais equívoca, Ao lado do espaço parodístico surge entretanto um
João Cabral de Melo Neto e mesmo de Machado quarto. Seus representantes não sofrem as resistê~­ l o•t 11114' 111'11
pois, pretendendo-se revolucionária, na verdade en- de Assis. O "fracasso" de Oswald resulta da com-
dossa a visão lírica e mistificante do marginal2. cias encontradas por Oswald. M as seu reconheci· "" 111111•111
binação daquele fator com um segundo, estritamente mcnto não é menos equívoco. Trata-se do espaço do \1(._, , , ' " '
literário : a paródia que pratica, a linguagem que subsolo, grosseiramente correspondente ao que tem
O Macunaíma de Mário de Andrade representa a atualiza. Sua irreverência não é a da pura sátira, sido chamado rornancc psicológico e/ ou da angústia 'A 11nuu1
obra m ais ambiciosa desta linha, ao mesmo tempo, ainda condizente com as p renoções do espaço lite-
a que se coloca do outro lado da fronteira. É con- religiosa. Separado~ da exp~ess~o. majo_:itária ~ ~ aí 111nb•t
rário tradicional, m as põe em xeque a própria noção
siderando a caracterização acima apresentada do es-
paço m imético que entendemos a agudeza com que
Benedito N unes se referiu ao romance de 1928:
de literatura, como espaço verbal que se liga à ma-
téria do mun do p ara segregá-la através de seu refi-
reticentes quanto as lutas hterar1as, nao se d1stln •
guem menos porém da raziia. causada p;I~ g~hofa
oswaldiana. Por outro lado, a quarta espec1e nao se
1 ,,,'"
namento3. A sátira não a fere por conta de sua confunde con1 a literatura considerada de expressão
1
peculiaridade. Ela supõe a existência de um "refe- 11111 ' "
t..., ~ , O espaço em que Macunaín1a se n1ove é o espaço mi- religiosa, pois nela Jorge de Lima não cabe (anto..ci ht' l•lll ltllll
'"" .
·1 •
!ificado das diversas regiões do Brasil; n1as o tempo da
rente" - a pessoa ou situação satirizada - , ao qual entraria no espaço mim~tíco), nem pare~e .s~ con~ 111•1tl 111IJJ
.' corresponde um signo radicalmente distinto - o sig- f undir corn a prosa, pois uma parcela s1gnü1cntiva uJ\lh 1 l 1t111
aventura do mítico personagem, iinperad.or da Amazônia, no constitutivo d a sátira. Pode-se alegar contra o
.1 é o tempo estratificado do inconsciente coletivo - re- de Drumn1ond e Murilo Mendes aí inergulha. ,.. 1•1111 llhHth
serva dos arquéüpos psicológicos do povo ( ... ) (Nu- argumento que a sátira é sempre icônica, ressaltando Por espaço do subsolo entendemos ~ que comporw ·,'' 1·~ l11h1•l1"I•
nes: 1969, p. 119; no mesmo sentido: ·Proença: 1955 a parte do "referente" que se assinala para o riso ta, em relação não exaustiva, Corn~ho Pena, ~UI• ,,. tliu 111 11•1"
e Riedel: 1970) . do. leitor. Essa proxin1idade, contudo, é tãO'-só apa- 1uarães Rosa, Monteiro Lobato, Ciro dos All)081 ph·- 111111 •
rente. No nariz descomunal da caricatura de De Li'.1cio Cardoso e que, atualn1ente, se prolonga em :· l l 111111111 tlll'
(1) Ver a respeito o nosso Estnlf11ralismt> e Teoria da Lilo?· Gaulle já não está De Gaulle, mas sim a sátira do
ratllra, Petrópolis, Vozes, 1973. certo Autran Dourado. Deveríamos mostrar as tratts" . ~li lll Y•
(2) VeT o n05so "Jorge Amado". em A Literatura na Br«$i/, governante. A paródia, ao invés, supõe un1 signo formações que os ligan1 e singulari zam entre si, tll!l8, .t 1l111h • lnh••
v. V, tlJ r. de A. Couti1Jbo, R io, Editorial Sul América, 1970.
Não oferecemos 11n1 trntamento teóríco da paráfrase apenas por· nem este trabalho está feito, nem muito menos Oti.. · 1 t\1 ln llht
(3) Cf. Barthcs: "U1n território confo11ável, mas vigiado, é
que, n a PIOSa modernista, ela não apresenta l111p0rtância. Note-se conceditlo à líleratur:i, sob a condição de que este território beria na disposição de um ensaio. Por outro. lado, · ''" ' 11111111
.1 contudo que a paráfrase, nns miíos de Borges ou do último

Cabral, não te1n semelh anças com o uso feito por J. Amado .
seja isolado, oposto hierarquicamente a outros domínios (Bar-
thes: 1971, p. 45) . considerando o propósito segundo o qual fui eon ~ . lllll'lttt'"
'I
i•
70
J...

Macu11aí1na entretanto traz.ia dentro de si uma ou_-1 · primeiro - o texto, a pessoa ou a linguagem d~ ur_n~ vidado, seria desejável que passasse ao ex.ame mais
trn linguagem, que melhor captamos desde a leitura: situação social - , do qual, mantendo-se o s1gn1f1- detido de cada espaço enumerado. Apesar dos es-
clnen1atográfica de Joaquim Pedro de Andrade: a lin- cante, se modifica o significado. Assim, na paródia crúpulos, pareceu-me que, se .os atendesse, . impug-
•'
guagem da paródia, da popular gozação. Pois a tal oswaldiana, o significante reconhecível é o lastro do naria a n1inha própria tarefa, tornando-a previamente
cstablishment, ao passo que o significado adquirido estéril ou, quando nada, de mais difícil realização.
ponto Mário de Andrade aprofundava a visão das
revela o seu esgar, o sentido que se ocultava nos Isso, pois a comprovação efetiva destas lingull:gens
rnízes, que um resultado inesperado transparecia: e de sua exauslibilidade exigiria análises minuciosas
nde1nanes do significado usual. Podemos pois dizer
a veia cínica vinha corroer a empostação doutoral, que a revolução de Oswald é unia revolução da lin- de cada obra, de cada autor, a verifjcação de seus
11it11t11 llu n ironia arrebentava o sentimentalismo, a crítica sem •
guagem, desde que não mais pensemos a afirmaç~o pontos de cruzamento, a determinação das linhas de
Ili 11 ;111, 1\1 nteta, o ufanismo. O mimético se desloca para a pa- segundo a 6ptica estética, onde equivaleria a desvio inflex.ão e de rejeição. Ora, com raríssimas ex-
111 ~·UI • ~ • ródia e, assim, Macunaíma transita, sem o aval de do congelado, à afirmação da rebeldia, a transtorno ceções, entre as quais avulta a da abordagem de Os-
li.- l 1tljrh 1 1 seu c riador, para o terceiro espaço literário, o da cios hábitos de estilo. Ela é revolução da linguage1n wald, devida a Antônio Cândido e Haroldo de Cam-
h1111~l11il1· llnguagen1 parodística. pos, essa apreciação ainda inexiste. Declarando-me
1 111~
..
......
ili;
Altll11
~ Sintomaticamente, ela permanec~u ~nterrad a, os
livros de seu maior e talvez único representante,
na exata proporção en1. que é do sistema onde se
instaura a linguagem. A partir de sua obra - jus- filiado à lição lévi-straussiana, segundo a qual toda
tamente da parcela que ele próprio viria a conde- a antropologia supõe os estágios etnográfico e etno·
Oswald de Andrade, desprezados e, mesmo hoje, de- nar - , a literatura já não satisfaz os propósitos ca- lógico, seria absurdo desde já pretender o exame
pois de sua notável redescoberta por Haroldo de tárticos, a se nsação de se ler a realidade a que uma "antropológico" do l\!Ioclernismo. Praticar o contrá-
'nrnpos, as reedições não parecem conhecer un1 pú- ) sensibilidade "nobre" depurou, etc. Como mostra rio, seria não ouvir a prudente advertên<:ia: "Com
blico que anime os editores. Como se explicaria es- li.aro Ido de Campos ( J 971), é a própria noção de efeito, as ruínas não fazem boa companhia co1n as
h~ marginalidade? Há, sem dúvida, uma razão ex· forinas" (Masotta: 1970, p. 38). O que então ofere-
livro que se estilhaça neste ro1npin1ento radical com
trnliterária, de ordem política. "fanto as Memórias a noção de literatura ( = mimese gratificante). O cen1os a seguir é a sin1ples versão introdutória à
Se111ilne11tais de João Miramar, quanto o Serafbn. Pon- cotidiano se i nstala no instrumento destinado a nos análise de uma das obras decisivas para o início de
'. te Gr(JJ1de, o seu teatro e a sua poesia, incomodam
4· compensar do cotidiano e o riso ferino substitui a detenninação do espaço do subsolo. Só visamos pois
,, •·il\•1 do as testas sérias e quebram a expectativa de leituras lágrima generosa. A montagem de fragmentos, para delimitar os contornos de um dos estratos "arqueo-
Clucnlcs e agradáveis. Embora verdadeiro, o motivo ainda f alar com Haroldo de Campos, explode o doce lógicos" da prosa modernista. Neste moll_l~nto'... a
• t· •1 l•tl.'
entretanto não é o determinante. Do contrário não equilíbrio da linearidade. (rnica certeza concerne à recusa das classif1caçoes
se explicaria a circulação de Graciliano Ramos, de Ao lado do espaço parodístico surge entretanto um periodológicas, que, sob sigla una, englobam o he-
Joi'ío Cabral de Melo Neto e mesino de Machado quarto. Seus representantes não sofrem as resistên- terogêneo, fazendo-nos acreditar que obras cronolo-
de Assis. O "fracasso" de Oswald resulta da com- gicamente contíguas também o sejam do ponto de
cias encontradas por Oswald. f\.1as seu reconheci-
blnnção daquele fator com um segundo, estritamente mento n ão é m enos equívoco. Trata-se do espaço do vista da estruturalidade.
literário: a paródia que pratica, a linguagem que subsolo, grosseiramente correspondente ao que tem
alunlíza. Sua irreverência não é a da pura sátira, sido chamado romance psicológico e/ ou da angústia A linguagem do subsolo:
nlnda condizente com as prenoções do espaço lite- religiosa. Separados da expressão majoritária e daí o simbólico do real em Cornélio Pena
rário tradicional, mas põe em xeque a própria noção reticentes quanto às lutas literárias, não se distin-
de lite ratura, como espaço verbal que se liga à ma- gue1n menos porém da razzia causada pela galhofa J. Introdução
'" t''""
t.. IJ J ll
~rn téria do mundo para segregá-la ·através de se\1 refi-
n iunento3. A sátira não a fere por conta de sua
oswaldiana. Por outro lado, a quarta espécie não se
confunde com a literatura considerada de expressão Um dos raros intérpretes de Cornélio Pena já

peculiaridade. Ela supõe a existência de um "refe- religiosa, pois nela Jorge de Lin1a não cabe (antes acentuou o caráter de sua produção: "A homoge-
li '"'fill\1 ronto" - a pessoa ou situação satirizada - , ao qual entraria no espaço mimético), nem parece se con- neidade é a grande característica da obra de C-0r·
•• 11~1111··~ \' 001:responde um signo radicalmente distinto - o sig- fundir com a prosa, pois uma parcela significativa nélio Pena" (Adonias Filho: 1958, p. XIII). Caberia
'" ~111111111 no conslilutivo da sátira. Pode-se alegar contra o de Drum1no11d e M.urilo Mendes aí mergulha. entretanto indagar qual o tipo de homogeneidade que
'""'li
1 1
nrgurnento que a sátira é sempre icônica, ressaltando
a }Jflrtc do "referente" que se assinala para o riso
Por espaço do subsolo entendemos o que compor- estabelece, pois devemos distinguir uma bomoge~ei­
11.. "' ,, ta, c1n relação não exaustiva, Cornélio Pena, Gui- dade .n egativa, tipificada pela repetição pura e sim-
d.o leitor. Essa proximidade, contudo, é tão-só apa- n1arães Rosa, Monteiro Lobato, Ciro dos Anjos, ples dos contornos ficcionais, doutra positiva, a que
rento. No nariz descomunal da caricatura de De Lúcio Cardoso e que, atualmente, se prolonga em cha1naremos de tipo integrativo.
Oaullc já não está De Gaulle, mas sim a sátira do certo Autran Dourado. Deveríamos mostrar as trans- Ao invés do que se poderá supor, a homogenei-
ftW-:f t••• fflc1t
governante. A paródia, ao invés, supõe un1 signo formações que os liga1n e singularizam entre si, mas dade integrativa é pouco freqüente, na expressão. lite·
Áli1#1l101 llll/J
'l ltt•rflt~"I th• (3) Cf. Dnrthcs: "Um território conf<>rtável, mas vigiado, é , nem este trabalho está feito, nem muito menos ca- rária. Ela singulariza determinadas obras que giram
I "'I~ l '111· cionoot.llt.lo li llleratura, sob a condição de que este território beria na disposição de um ensaio. Por outro lado, en1 torno de um mesmo núcleo, convertendo a sua
,,,. .,,~ tilttJt 1CJI\ lsolndo, 01>os10 hic rarquicarnente a outros domínios (Bar· considerando o propósito segundo o qual fui con- inteireza numa espécie de obsessão f iccional. Este
1ho~ : 1971, p. 4.5).
•••• 1 "'···--····
FICÇÃO: AS LINGUAGENS DO MODERNISMO 71

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1 i' delineamento, e mbora imperfeito, peimite que logo . . . ' . - figuras de irrazão, os segundos, equações, cuja fn.1111i.
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dn h111111t
preciso, reconstituiras 1ns1nuaçoes, comparar as p
fom1ulemos suas propriedades, as quais substitue111
a caracterização que as gerara: a) de tal modo, ante
sagens, insuflar a própria ficção de historicidade. 6i
então o ponto assinalado se confirma. Noutras ~a
cógnita é passivei de descoberta.
Isso ainda não se dá em Fronteira, pois, e mbotn :
"·" .

se ressaltem as fronteiras da razão, não se atina co~ll ·


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1 o exame estrutural, os livros de certo autor ou grupo lavras, as informações históricas incontroversas, i.ç.1
de autores se correspondem entre si, que for1uam as fornecidas pelo contexto externo à ficção, só nos a motivação interna da loucura. Por isso tanto cl1l 11111111•, '~
um verdadeiro conjunto de variantes; b) entre estas, serão fecundas se aprendermos a descobri-las entfe quanto a desconfiança e a infelicidade são dados, ( ltlllWll-.i •
' 1
' algumas são mais inclusivas que ·outras, devendo pois os meandros da escritura. T omen1os pois z;·ronteifCJ. fatos que têm presente e não explicação. Da obt0:1 lt•lt1l'h ti,

1
a análise partir daquelas para a definição destas;
e) a aplicação do critério pern1itirá a retificação
como ocasião para a pr.i meira travessia. J á nele se
encontra o cliin a de profunda estranheza que pe
.. por conseguinte, desprende-se apenas sua n1otivaçí10
t>sicológicâ. e não literária. : ·'
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do entendimento das variantes particulares, as quais,
indagadas em isolado, parecem foca r o real de modo
c uliariza o autor. Mas, se van1os além das mera
constantes temáticas, descobrimos un1 traço de dife
Sob este prisma, não há avanço - i.e., não bl1 ,
recuo histórico - no livro seguinte. Mas, se ado• .
I'. 1111 Y
l'1111h• ....
radicalmente distinto, sem possibilidade de se atinar rença: a estranheza é aí um dado, que não se explica tamos outro ângulo, salienta-se um elemento. En· ,,,, 1>111ln
.1 com o sentido, apreensível apenas se entendemos o quanto Fronteira apresentava uma pequena burguc·
ou motiva internamente. Assim, a seu leitor, a des• 1111 ,,......
seu desenho homogêneo integrativo. , crição de Maria Santa - "Olhou-me primeiro com . sia habitante de vila do interior, Dois R omances apre· 1ll lltt111,/ll t
Na prin1eira parte deste ensaio, procuraremos de- a natural desconfiança das mulheres do sertão, para senta pequena burguesia afazendada. Considerando 111lft1u•l11,
monstrar que a obra de Cornélio P ena é o protótipo co.m as pessoas estranhas que interrogan1" (p. 13) · \ a linha que será, a partir daqui traçada, podemos ·' ~ 1111 1 i..,,.
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da espécie, realizando uma ficção f ingida, na acep-
ção do poema de Ferna ndo Pessoa, apenas à n1e-
- se associa ao misticis1110 da pcrsoll agem, assÍ!n,;
como a observaçiio posterior feita ainda por ela e1n .
deduzir que esta implica, senão do ponto de vlstn
da realidade, ao n1enos sünbolica1nente, um recuo
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1h1 0111 ..
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dida q ue formula uma ficção confessada; confissão âmbito mais geral: " . . . a gente daqui ( . .. ) não na história. Utna verificação p aralela corrobora a :; h11•11-111,

de um pesadelo a que, progressivamente, passa a con1precnde co1110 se pode ser in feliz sem que nada hipótese. E la não deixa de apresentar um problen1fl ." HOll 111111
lin1po e des-vela. Já a segunda parte do ensaio con- tenha acontecido en1 sua própria vida" ( p . 47). O interessante, no q ual tocaremos de passagem, o paA ' , h •11 111' ,,
centrar-se-á em Menina Morta, com a f inalidade de romance não permite ao leitor saber a razão destas pel do duplo. Já Mário de Andrade compreendera
il mostrar ser a variante inclusiva por excelência ou,
utilizando a metáfora do pesadelo, aquele cm que
in1pressões. Se só contarmos com sua narrativa de- ·
vemos dizer que a desconfiança é do se1tanejo, a in·
a importância da f igura dos gêmeos, Nico e P edro,
par:a o desenvolvimento do que o romancista tinha .
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· fo •11jtl1111H
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1111•1nl111l1
a mesma atinge sua expressão cabal. felicidade, urn dado ontológico. Aqui atinamos com e dizer. Seu verdadeiro sentido, contudo, outra. ve«. '· 1111
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uni problema interessante, de c uja colocação é res· esperava pela red undância que só seria oferecida pQo.
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Para que se evitem equívocos não se confunda ,; 1•1t
'' a idéia analítica que desenvolvemos com a difundida ponsável a acui.dade de 1vtário de Anc.lrade. Comen· la Menina M orta. No romance de 1936, os gê111eO'S ~. p1•l11 lllV
"·li opinião que considera o último livro de um autor tando Dois Ron1ances, Mário protestava contra a re- são atores da alternativa fuga/ loucura, a prin1olrn IAll, lllU
q ualquer como a súmula de sua obra. Basta pensar- petição dos "truques de mistério'', precisando: realizada por Nico Horta, da segunda sendo víthnn , h11u1, 1111
,, 1•11•-••ll
I! mos em M ário de Andrade ou em Oswald para des-
menti-la. A "Meditação Sobre o Tietê" não é mais Em Fronteira aparecia uma Viajante, ser misterioso
Pedro. O dilema repete-se na M enina Morta: o CO•
mendador foge, a loucura acomete a senho ra. (A •
1 ln 1111111
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inclusiva que a Pau/icéia Desvairada, assim como ir,.~xplicável, que aparece e desaparece, espécie de sím- própria m udança de sexo no caso das vítin1as dn
Miramar não é variante d'A R evolução M elancólica. bolo intangível que o romancista fez questão em não , loucura não é acidental, como mostraremos adiante.) '
/ 1•111ltt •••

1. Comecemos nosso exame "etnográfico" pela apre- nos explicar quem era. O pior é que na realidade essa ' Assim à fazenda, sujeita ao movimento de fuga de " vh1llu
' ensão dos mecanismos integrativos dos quatro ro- v.iajante não aumentava nada ao dran1a intrínseco do J .s eus proprietários, corresponde a introdução de Ul11n
:1 mances, que nos permitirá, a seguir, a :inálise "et no- hvro. Da mesma forma, neste romance novo, surge a · cláusula formal, o duo - ali, os gêmeos de 111esQ\O t hn 11(
:' lógica" da 1\1enina Morta. horas tantas un1:1 Ela que aparece e desaparece, e não .sexo, aqui, o casal de senhores - , que será um dó Ili IH li 1111
' tern por onde se lhe pegue (Andrade: 1940, p. 174). recursos formais decisivos para que o romancista coa- ,,; 1•111 11111111

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2. Integração das variantes siga verbalizar o fundo de sua obsessão. In1edint t J(, , • ..
Para nós, que dispomos dos dois romances seguin- mente, contudo, faremos como se não o soubéss • •
.1 O tempo novelesco de Comélio Pena é o da con- tes, torna-se possível já não apenas endossar a cen- 1 mos, procurando apenas ver a presença do contoxt ( '11111•1.
quista da memória. Assim a sua obra inicial, Fron- sura de M ário de Andrade, quanto entender sua ra- ·· no romance seguinte. • .J 1111 1111 Ili
teira (1935), te1natiza a faixa temporal mais recen- zão psicológica. O u seja, é n1es1110 porque o ambiente Em Repouso. con1 efeito, o contexto de noVõ ',
te. O recuo já se delineia em Dois Ro1nances de Nico de estranho sobressalto não se explica aos olhos do desloca. Em Fronteira, a faz.enda pertencia ll
mória distante, sem acesso à ficção; em Dois
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Horta (1939), para se acentuar en1 R epouso (1949) próprio autor que este é levado a reforçar sua irra· I' -11 '4 1
e encontrar seu eixo orientador na plena vida da zão pelo acréscimo do fantástico desnecessário. ·Ele, 11iances, ingressara sob a forma de decadência, ~.Z-:~.·1~j:i 1
J. fazenda autárquica, onde se desenrola a Menina Mor- ao contrário, se tornará inútil q uando o ficcionista transitória e retorno . No livro de 1949, ela sur l ' 1uul
··-·1nh1 "
t~ ( 1954 ): ~sta inferência contudo não é apreen· conseguir precisar o que sucede desde Repouso, o como ponto de p artida. É n a fazenda que en<l >n lllllli , ...
s1vel por 1nd1cadores externos absolutos (tais como território motivador das alucinações. Os fantasmas tramos Oodote ( cf. Cap. III) . Em Repouso, p, d111, lu~t
datas, referências a personagens históricas, etc.). ti ceder ão o posto aos enigmas. Se os primeiros são tanto, guardando-se as mes1nas válvulas da fugi: · l::Q h111 A111• M

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preciso, reconstituir as insinuações, comparar as pa~J,


sagens, insuflar a própria ficção de historicidade. S9f
figuras de irrazão, os segundos, equações, cuja in-
cógnita é passível de descoberta.
da loucura, o contexto recua, nesta andada de re·
torno que vimos se iniciar desde a pequena vila de
então o ponto assinalado se confirma. Noutras pa Isso ainda não se dá em Fronteira, pois, embora Fronteira. Ao mesmo tempo que o terceiro romance
lavras, as 'inforn1ações históricas incontroversas, i.e. i;e ressaltem as fronteiras da razão, não se atina con1 se afasta do segundo, vemo-lo aproximar-se do se-
Hs fornecidas pelo contexto externo à ficção, só n~) a motivação interna da loucura. Por isso tanto ela guinte, de M enina Morta . Como se alguém que dis~
serão fecundas se aprendennos a descobri-Jas entr quanto a desconfiança e a infelicidade são dados, pusesse para seu jogo de mínilnas peças, tanto no
os n1eaudros da escritura. Tomemos pois Z.' ronteir fatos que têm presente e não explicação. Da obra, terceiro, quanto no quarto romance, fazenda e ci-
con10 ocasião para a primeira travessia. Já nele se por conseguinte, desprende-se apenas sua motivação dade porfiam como lugares para suas personagens.
encontra o clima de profllnda estranheza que pe psicológica e não literária. Mas a ordem de importância das duas peças _difere
culi.ariza o autor. Mas, se vainos além das meras Sob este prisma, não há avanço - i.e., não há e, na verdade, 6C inverte. Em Repouso, a vila da
constantes teniáticas, descobrimos ·un1 traço de dife· . recuo histórico - no Iivro seguinte. Mas, se ado- Ponte está em prin1eiro plano, correspondendo à vida
rença: a estranheza é aí i1m dado, que não se explica :.· tamos outro ângulo, salienta-se um elen1ento. En- de Dodote, seu casamento com Urbano, sua. viuvez,
ou motiva internamente. Assim, a seu leitor, a des- quanto Fronteira apresentava uma pequena burgue· ao passo que a fazenda é pano de fundo, local de
crição de Maria Santa - "Olhou-n1e#primeiro com sia habitante de vila do interior, Dois Ro1nances apre- ameaça de que se fugira, lugar de refúgio, quer na
a natural desconfiança das mulheres do sertão, para senta pequena burguesia afazendada. Considerando infância, quando Dodote ao retomo se obrigava por
con1 as pessoas estranhas que interrogam" (p. 13) a linha que será, a p artir daqui traçada, podemos sua dependência, quer na 1neia-idade, quando a falta
- se associa ao 1nisti.cisn1.o da personagem, assim deduzir que esta implica, senão do ponto de vista de meios Jhe in1põe o mesmo trajeto. Em Menina
con-to a observação posterior feita ainda por ela em ~ da realidade, ao 1n enos si1nbolicamente, um recuo M orla, ao contrário, é a fazenda que altan1ente so-
,
â1nbito n1ais geral : " . . . a gente daqui ( ... ) não ' na história. Uma verificação paralela corrobora a bressai, nu1na seqüência sucessiva de primeiros pla-
con1preende cotno se pode ser infeliz sem que nada hipótese. Ela não deixa de apresentar um problen1a nos fixos, sendo a nutriz do medo, da violência, do
"" Lenha acontecido em sua própr ia vida" (p. 47). O interessante, no qual tocaremos de passagem, o pa- terror, da fuga e da loucura, ao passo que a cidade
ron1ance não permite ao leitor saber a razão destas pel do duplo. Já M ário de Andrade compreendera longínqua, agora a do centro da corte, surge como
impressões. Se só contarrnos corn sua narrativa de- a importância da figura dos gêmeos, Nico e Pedro, vaga alusão e porto distante, a que se dirigem o Co-
vcrnos dizer que a desconfiança é do sertanejo, a in- para o desenvolvimento do que o ron1ancista tinha rnendador, seu filho, de onde regressa Carlota, em
felicidade, urn dado ontológico. Aqui atinamos com · a dizer. Seu verdadeiro sentido, contudo, outra vez cuja proximidade se escondera a loucura de Maria-
um problema interessante, de cuja colocação é res· esperava p ela redundância que só seria oferecida pe- na. O caráter cronológico dos ron1ances bem se acusa
ponsável a acuidade de 1'f ário de Andrade. Comen- , la Menina Morta. No romance de 1936, os gêmeos pela inversão notada: ao realce da fazenda do Gro-
tnndo Dois Rotnances, Mário protestava contra a re- são atores da alternativa fuga/ loucura, a primeira tão, em Menina Morta, corresponde a presença do
pclição dos "truques de mistério", precisando: realizada por Nico Horta, da segunda sendo vítima luxo, sustentado pela exportação de suas colheitas,
Pedro. O dilema repete-se na Menina Morta: o co- a presença de governanta estrangeira, do alto status
En1 Fronteira aparecia u1na Viajante, ser misterioso mendador foge, a loucura acomete a senhora. (A da família, dos inumeráveis compadres, apanigua-
tn~xplicável, que aparece e desaparece, espécie de sím- própria mudança de sexo no caso das vítitnas da dos, feitores e escravos. Ao invés, à, posição da fa-
bolo intangível que o romancista fez questão em não loucura não é acidental, como mostraremos adiante.) zenda como palco de fuga e regresso corresponde
nos explicar quem era. O pior é que na realidade essa Assim à fazenda, sujeita ao movimento de fuga de a visão de sua decadência, que Doqote nos revela:
" vinjante não au1ne11tava nadii ao drama intrínseco do .seus proprietários, corresponde a introdução de uma
livro. Da mes1na forn1a, neste ron1ance novo, surge a cláusula fonnal, o duo - ali, os gên1eos de tnesmo Un1 dia, depois que viera para a fi\Z~pda, e se inte-
horas tantas 111na Ela que aparece e desaparece, e não .sexo, aqui, o casal de senhores - , que será um dos grara naquele 11equeno mundo fechado; todo envolvido
tem por onde se lhe pegue (Andrade: 1940, p. 174). · .recursos formais decisivos para que o romancista con- en1 dores longas e irremediáveis decadências ( . .. ) ( Cap.
siga verbalizar o fundo de sua obsessão. Imediata- IX, p. 410).
.
~n·
Para nós, que dispomos dos dois romances seguin-
tes, toma-se possível já não apenas endossar a cen-
mente, contudo, faremos como se não o soubésse-
mos, procurando apenas ver a presença do contexto Concordantemente, diz-se de seu irmão José, quan·
tnh h1I, 1 11• sura de Máriu de Andrade, quanto entender sua r a- no romance seguinte. do de sua morte, que seu único amigo era um "um
1 llltll~ 1'" . • zllo psicológica. Ou seja, é 1nesmo porque o ambiente Em R epouso, com efeito, o contexto de novo se criado negro e velho" (grifo meu, Cap. X, p. 413),
flh •• ,/, do estranho sobressalto não se explica aos olhos do desloca. Em Fronteira, a fazenda pertencia à me- " filho de escravos, seu pajem de menino" (iden1,
"""' 11 •1, próprio autor que este é levado a reforçar sua irra- mória distante, sem acesso à ficção; em Dois Ro- p. 414). Aden1ais, dentro da órbita dos dois roman-
1..1111 1 " 111 i zlio pelo acréscimo do fantástico desnecessário. ·Ele, n1ances, ingressara sob a forma de decadência, meta ces, a natureza apresenta-se isomórfica à inversão
oo contrário, se tornará inútil quando o ficcionista transitória e retorn o. No livro de 1949, ela surge notada. Ao tempo da fazenda florescente se ajusta
il11 1'· "I'" • conseguir precisar o que sucede desde Repouso, o como ponto de partida. :S na fazenda que encon- un1a paisagem domada, não à semelhança de jar·
• t 1111•1 '"º lcrrit6rio 1notivador das alucinações. Os fantasmas tramos Dodote ( cf. Cap. III) . Em Repouso, por- clins ingleses, mas sitn de tapeçaria barroca, cuja exu-
cederão o posto aos enigmas. Se os primeiros são tanto, guardando-se as n1esmas válvulas da fuga e berância trançada contrasta co1n a hierática rigidez
" li• 1 " 1
FICÇÃO: AS LINGUAGENS DO MODERNISMO 73
do humano. Mesmo quando, em função das horas posterior, acentue-se que as personagens citadas, a '
e da disposição subjetiva de quem a encara, a natu- menina morta, Mariana, o Comendador, tornam-se dentre elas, uma se singulariza, Menina M orta, o que 111h1ln 1111•
reza assume a sisudez, esta não é a da severidade os agentes que exprimem as três "soluções" possíveis corrobora o destaque que lhe dan1os. V111,1111 t
contra o interdito formado pelas paredes da equação Em resumo, da análise anterior resulta a seguinte .... 11._.ll
hierática, n1as a do contido da violência:
"família senhorial - fazenda autárquica". A saber: reconstituição histórica, que inverte a ordem cro- l·nnll n1llh
. ·, E ntretanto seus olhos se fixaram na janela, e através a 1norte, solução radical, a loucura e a fuga, forn1as nológica de publicação dos romances:
C )t1~111l11
dela viu o quadro severo e hostil que sempre encontrava metafóricas da n1orte. Elas não deixam de se repetir
. r 111 ~lltl li
todos os dias ao despertar. E ra a colina pesada, robusta, em toda a obra do romancista. Economizamos, con- 1935 1939 1949 195:4
1111111 t
a erQuer-se dificilmente do chão, com o dorso carre- tudo, sua fácil den1onstração, para ressaltar apenas ' • > > Tempo hlst6rlco ·'
gado de cafezais, separados ao meio por vala profunda, a diferença que o uso da liteira contrai em Repouso.
Temrio histórico
mas reconte
> > mais recuado
l11h1' .,tll
1•!1•1 1111, , ••
' en1 risco aberto na terra vermelha quase cor de sangue, peq. burg. fazenda fazenda
' ( ' Enquanto na Menina Morta, a liteira é vista pelo Pequena burir.
decadente autárquica
1• 1'11 1IH••
em longa cicatriz (Cap. LVI, p. 218). narrador, com o ofício que já conhecemos, em Re· citadina afazendada "

pouso, ela é relen1brada por Dodote, como objeto . . .


Temos portanto a pnn1c1ra comprovaçao emp1nca
~ ;
A 111111
.- 1(111111 ...
Este quadro de sub1nissão, de fartura ou de vio- que se 1novia a seu lado, conduzindo o avô, em di-
lência contida se modifica e1n R epouso. A decifdên- reção à cidade ( Cap. IX). Já aí a liteira não é con- da hipótese inicial - homogeneidade integrativa dos '' 11'111 li 1111• 1
cia d a fazenda corresponde uma natureza liberada, dutora de morto, 1nuito n1enos de louco. Sua carga rotnances cornelianos, caráter mais inclusivo da Me· ' " rc•11I, •
. ;' o que, etn Cornélio P ena, equivale a dizer aberta- é niista, pois se tra ta de tnn velho enfermo - ín- nina Morta. Em virtude do segundo aspecto, quanto p1 h l11 N
.' mente hostil*, senão mesmo de declarada agressi- dice de 1norte próxima - , em viagem, que é u111a inais a tra1na se distancia da variante decisiva, tanto '" 11111Ah11tn1
i'" vidade**. Na verdade, a mudança já se mostra no fuga enfraquecida, embora també1n un1a fuga do 111enos sua matriz estrutural é passível de auto-ex• 111111 lct, ..
;
1 fim de a Menina Morta, onde a libertação dos es- 111esmo lugar, a fazenda. O que vale dizer, a liteira plicação. A situação-li1nite é expressa por Fronteii·a1 1·1111 1 " •·ll
1• cr11vos provoca o caos no mw1do humano e o re- aí contrai un1 traço. que não a marca na Menina atenua-se e1n Dois Rornances, quase se anula em Re- 11111 1111 li 1

!
'
torno da floresta a seu papel de invasor mudo e tenaz.
A apreciação .feita en1 termos niacroestruturais é
Morta, sub1netendo-se a iuna combinação estritamen-
te proibida no ro1nance seguinte (n1orte próxi-
pouso. Mas o exame apresentado, embora assin1 frl.l•
tuoso, é in1perfeito, porque não precisa a diferença .,..,, ... ,,
11•1 l li 1111

• • confirmada por um destaque microestrutural. Refi-


ro-me ao episódio da liteira, comum aos dois ro-
.ma + fuga enfraquecida, em vez de transportadora relativa da obra de 1949, subordinando-a grosseira·
mente à variante de 1954. Procuren1os corrigir o de·
ljU l l!ICl#tU

de morte efetiva/lollcura também declarada). A que- Nh 11


mances. Na Menína Morta, a liteira tem dois em- bra aludida da diferença é correlata a uma outra: feito por duas ton1adas sucessivas. Estas reforçarão 11

pregos: serve, na abertura da narrativa, para o trans- a fuga do avô é mc11os marcada que a do Comen- a auto-explicabilidade progressiva das variantes e li ' flll 1111

porte das senhoras, que acompapham o féretro d a dador, pois é um velho doente e não um ativo se- fundamentarão a in1portância da discrepância de Ra 8
~·· f 1111 "ºli
ld111 ~ , ..
• menina morta e, adiante, para a retirada de Ma- nhor, assin1 como menos marcada é a morte, no pouso, não visualizada pelo esquema acima, que li- 111111111 li •
riana enlouquecida. Ela é pois instn1mento decla- caso de Repouso, apenas esperável e, pelo estado neariza os quatro romances (de Fron teira a M eni11a
1
rador da morte e da loucura. J á o Comendador, da personagem, não causadora de choque e surp resa. Morta teríamos apenas o mesmo resgate do mesmo .... 111111
quando se desloca p ara a capital, realizando um mo- A correlação segui nte apenas corrobora o que temos pesadelo). l l'th• 11 ,,
vimento de fuga irremediável, segue a cavalo. Ora, dito: a liteira se faz transitável pelas três soluções t1JllV11, li
o ato do fazendeiro parece tão inexplicável quanto - fuga, loucura, morte - no momento em que 3. Auto-explicabilidade progressiva das variantt:s • 1 •11•~lhlll1 I
a razão da morte da menina-mito, assim como o atinge a decadência sócio-econômica da família. Es- A 111t1•
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' mistério que cerca Mariana. Essa inexplicabilidade, ta, por conseguinte, menos se refere por indicações En1 todos os romances de Cornélio Pena, ao nível • 111111111111,
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1
cont.udo, só se mantén1 se enxergarmos apenas o
que nos dá a trama, i.e., se não sairmos da dimensão
diretas, sintagmáticas e realistas, que por sua inda-
an1orosa, estável e satisfatória. Etn Fronteir<1, o Ob~• t-
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da tratna, trata-se da impossibilidade de uma rela9ii(} . 11111 tt1l1111h<1
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,sintagmática. Se descermos pela análise e descerrar-
gação no plano simb6lico4, através de método estru-
tâculo é repr;sei:itado por tia B:miliana, a qual dlfl~ " •11l11~·Rt1
.d!<\ • tural. A liteira já niio "e'scolhe" as alternativas a que
1 .mos a onipresença da din1ensão visível, sintagmática, se presta: é instrumento adequado a qualquer das culta, mas nao unpede o relacionamento sexual dí ,, "••1111 •.•
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notaren1os que o absurdo daqueles fatos se transfor- soluções possíveis. Estas não se modificam, o que Maria Santa con1 o' Narrador. Sob a imagen1 elo Pli" : 1h1nl, 1•1111
1· ma en1 moti.vação dos n1esn1os. Adiantando exame reforça o caráter de variantes das narrativas, mas, cado, da negação da carne, esta aproximação nu.n~(I. / 1'1•11111 1111
deixa de ser fortuita e transitória. A morte encerro. ··~ • 111111 " '
( •) "Há 111ullos imos, cm um!Í fazenda que se perdia entre (4) To1namos "simbólico" ou "registro do simbólico" na exata insatisfação do desejo. No romance seguinte, o Clla' '; 1h1ltJ'/ l ln~
grandes pedras negras e árvores hostis, que abr.iam os galhos acepção de J. Lacnn. Se, como diz M. Safouan, "a Lei não se
famélicos, rodeada de montanhas austeras, con1 grandes chaga~ inscreve noutro lugar salvo no desejo" (1%8., p. 286); se, por trançado das vidas é mais complexo. A figntl.I.1 - }' 11 hll IUH t·
rasgadas en1 seus tlnncos possantes, de onde escorria minério outro lado, o desejo encontra no objeto primeiro de satisfação Narrador é substituída pela presença dos gêm.ii f Y1•lt1t!O• H
podre, cm ondas de lama sornbrla, houve um casarnento triste" possível, a mri.c, n marca da interdição, o desejo então não pode
(Repo11:;0, Cap. IJ, p. 390). . deixar de se tornar ~lmbóllco, t.e., interiorizado e, d aí, regulado Nico que foge, Pedro, que enlouquece e mo.rr , .' " 1 1fl 11 IJUlll

';' ( • •) "0 abrigo que n r~cebcr a, o refcígio, que o for a de sob a figura da Lei, de que o Pai é o rcprcse.n tante. Por outro fuga de Nico Horta relaciona-se com se\1 dllaê . 111111111111111,
tantos homens e mull1eres de seu sangue parecia desfazer-se, amea· lado, observe-se que a Lei i1ão se confunde com a norma, rcgu-
çava desabar... e Dodote, aterrorizada, desatou a correr de uma lamentnção positiva <laquéla, sendo antes o lugar da Lei que 1nento amoroso, perdido que está na encruzUl\ tllllll 11111

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sala pan1 outra, como so quisesse fugir da enorme nm~aça que sua instítuJção posi1iv:1, pari iculnr e variável. O mesmo se deverá de duas identidades, Vitória e Rosário. Ne.scn · 111111- 1·11•1•
sentía sobre suit cabeça" (Idem, Cap. LXI, p. 654). dh:er em relação ao Pal.
'I mais intrincada, Nico Horta dá um passo IHilllr.o li '"' lllllllf Ili
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11 1111•
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ltolt posterior, acentue-se que as personagens citadas, a
n1enina morta, M ari11na, o Comendador, tornam-se dentre elas, uma se singulariza, Menina Morta, o que raleio aos do Narrador: casa-se com a antiga noiva,
li •11·\' i'll• os agentes que expritne1n as três "soluções" possíveis corrobora o destaque que lhe dan1os. Vitória. O capítulo referente ao encontro dos recém-
H contra o interdito formado pelas paredes da equação · Em resu1no, da análise anterior resulta a seguinte -esposos parece conter uma expectativa de aurora,
"fnn1ília senhorial - .(azenda autárquica". A saber: reconstituição histórica, que inverte a orde1n cro- contraditória quanto à própria tran1a:
a mo rte, solução radical, a loucura e a fuga, forn1as nológica de publicação dos romances:
rnetafóricas da n1orte. E las não deixam de se repetir Quando Nico Horta se aproximou de Maria Vitória,
e1n toda a ol:)ra do romancista. Economiza1nos, con- em seu quarto, ela compreendeu que enfim o encon·
1935 1939 1949 1954
tudo, sua fácil den1onstração, para ressaltar apenas trara ( ... ) A verdadeira con1unhão surgia plena, abso-
' Tempo bist6rlco > > > > Tempo hlst6rlco luta, sem :ibalos, sem choques, sem surpresas, e seria
a diferença que o uso da liteira contrai em R epouso. mais recente mais recuado eterna, perdurando acima de tudo, mesmo da separação
11 t ' ~)
Enquanto na M enina M orta, a liteira é vista pelo Pequena burg. peq. burg. fazenda fazenda e da ausência (Cap. XCII, p. 366).
citadina afazendada decadente autárquica
narrador, com o ofício que já conh ecemos, en1 Re-
pouso, ela é relembrada por Dodote, como objeto A imagem do júbilo repeti r-se-á nas narrativas se-
que se movia a seu lado, conduzindo 'l avô, em di- Te1nos portanto a primeira comprovação empírica guintes. N ão nos enganemos porém. A felicidade é
~l,lµ.'• reção à cidade (Cap. IX). Já aí a liteira não é con- da hipótese inicial - homogeneidade integrativa dos un1a meta utópica, que, sem correspondência com
•l •I l'lltn dutora de 1norto, 1nuito menos de louco. Sua carga romances cornelianos, caráter mais inclusivo da M c- o real, se transforma no gesto de um rito incu1U·
li••·• q é mista, pois se trata ele u1n velho enfern10 - ín- nina l.forta. Em virtude do segundo aspecto, quanto prido. Nico, o esposo, é menos un1a unidade que
dice de morte próxima - , em viagem, que é un1a rnais a tra1na se dista11cia da variante decisiva, tanto amálgama ele sua figura com a do duplo, Pedro o
fuga enfraquecida, e1nbora tan1bé1n uma fuga do nienos sua n1atriz estrutural é passível de auto-ex- morto, e Vitória, que pareceria ter ganho identidade
1nesmo lugar, a fazenda. O que vale dizer, a liteira plicação. A situação-Ji1nile é expressa por Fronteira, co1n a eliminação de Rosa, a rival, não passa de ca-
•llll • • aí contrai um traço. que não a marca na M enina atenua-se em Dois Romances, quase se anula enl Re- ricatura de esposa. O capítulo seguinte completa seu
111d11 1'"'.i1,......... Morta, submetendo-se a un1a combinação estritamen- pouso. M as o exa1ne apresentado, embora assin1 f ru- perfil: as palavras radiosas pretendem uma verdade
te proibida no romance seguinte (morte próxi- tuoso, é in1perfeito, porque não precisa a diferença que os esposos não atingem, pois seu encooti:o é es-
.m a + fuga enfraquecida, em vez de transportadora relativa da obra de 1949, subordinando-a grosseira- tign1atizado p elo suicídio do outro feminino :
de morte efetiva/loucura também declarada) . A que- mente à variante de J 954. Procuremos corrigir o de-
bra aludida da diferença é correlata a uma outra: fe ito por duas tomadas sucessivas. Estas reforçarão Nico Horta, no dia seguinte, quando o sol deixava jã
a fuga do avô é 1nenos marcada que a do Comen- a auto-explicabilidade progressiva das variantes e o céu nu e pálido, voltando do enterro de Rosa, que
fundamentarão a in1portãncia da discrepância de I<e- se matara naquela manhã, foi para o seu quarto de sol-
dador, pois é u1n velho doente e não um ativo se- teiro e fechou a porta cautelosamente· à chave, barri-
nhor, assün como menos marcada é a morte, no fJOUso, não visualizada pelo esquenta acima, que li-
cando-a con1 pesada canastra (Cap. XCIII, p. 368).
caso de Repouso, apenas esperável e, pelo estado neariza os quatro ro111ances (de Fronteira a M enina
da personagem, :não -causadora <Ie choque e surpresa. Morta teríamos apenas o nleSmo resgate do mesmo À iinpossibilidade de união, agora declarada, su-
A correlação seguinte apenas corrobora o que te1nos pesadelo). cede o ato de desenlace. Antes da imobilidade defi-
1·111• 11(1 dito: a liteira se faz transitável pelas três soluções nitiva, a boca de Nico pronuncia a palavra da im-
~ ~•·I •1,.1.,_ - f uga, loucura, n1orte - no momento em que 3. Auto-explicabilidade progressiva das variantes possibilidade: viver.
11 11 1 11 11 1 atinge a decadência sócio-econômica da família. Es- A mesma matriz recorre em Repouso, adquirindo,
cll• •1l•llh,..h,.,., ta, por conseguinte, menos se refere por indicações Em todos os rom ances de Cornélio Pena, ao nível contudo, um número tamanho de alternativas, que,
dir etas, sintagmáticas e realistas, que por sua inda- da tra1na, trata-se da impossibilidade de uma relação excedentes até das verificáveis em M enina Morta,
gação no plano simbólico4, através de método estr u- amorosa, estável e satisfatória. Em Fronteira, o obs- indica o esforço do imaginário em encontrar uma
tural. A liteira já não "escolhe" as alternativas a que táculo é representado por tia Emiliana, a qual difi- solução existencial já não obstruída pela realidade.
se presta: é instrumento adequado a qualquer das culta, mas não impede o relacionamento sexual de Assim como Nico Horta se acompanhara de seu
soluções possíveis. Estas não se modificam, o que Maria Santa com o Narrador. Sob a i1nagem do p e- dual, Pedro, assin1 tam bém Dodote é irmã de José.
refo rça o caráter de variantes das narrativas, mas, cado, da negação da carne, esta aproximação nunca Pedro enlouquecera, José está morto. A estrada não
deixa de ser fortuita e transitória. A morte encerra a estaria mais limpa para a auto-identificação de Do·
( 4) Toinamos "simbólico " o u "registro do simbólico" na cx~ta insatisfação do desejo. No romance segllinte, o e11- dote? Engano. O n1orto permanece em Dodote, sob
nccpçfio de J. Lacan. Se, como diz M. Safouan, "a Lei nãe> se
l!lJlcrevo noutro lui;ar salvo no deseje>" (1968, p. 286); se, por trançado das vidas é mais complexo. A figura do a forma de llosário, sua viúva, pesando sobre as duas
OIJ IJ'O lado, o deseJo encontra no objeto primeiro de satisfação Narrador é substituída pela presença dos gêmeos, veladas alusões de lesbianis1no. O imaginário pro-
"ossfvel, a mãe, a niarca da int erdição, o desejo então não pode
deixar de se tornar. simbólico, l.t., interiorizado e, daf, regulado Nico que foge, Pedro, que enlouquece e morre. A cura que Dodote rompa com o fantasma e a anor-
sob " figura da Lei, de que o Pai é o representante. Por outro fuga de Nico Horta relaciona-se com seu dilacera- malidade, introduzindo Urbano. Este, contudo, traz .
Indo, obs_erve-se. ~ue a Lei não se confunde com a norma, regu-
Jo1ncn1açao pos1t1va daquela, sendo antes o lugar da Lei que mento amoroso, perdido que está na encruzilhada uma p roblemática idêntica, tanto carrega morte em
sua Instituição positiva, par1icular e variável. O mesmo se deverá de duas identidades, V itória e Rosário. N est a teia suas costas, sendo viúvo de Maria do Carmo, quanto
dlter cm relação ao Pai.
mais intrincada, Nico Horta dá um passo sem pa- a acusaç ão de homossexualismo com o Professor. A
FICÇÃO: AS LINGUAGENS DO MODERNI SMO 76
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dra ma. O processo encontra sua culminância no pa- '• l111iv11' l 111
narrativa evita, no entanto, falar con1 claras palavras.
Os primeiros dizeres do Professor, testemunha não-
progressívos, que ditam o in1pedimento completo.
Entretanto, como alguérn q ue não se submetesse à
ra lelismo que estabelece entre os destinos do pai e -
111111 \lll 1•1f\
J da criança. Urbano morre, solução rotineira em Cor·
-convida da das núpcias de Urbano, ainda soam dú- lei do l abi rinto, o romance tenta outra via. Fazen~'o nélio Pena, para se liberar da opressão do interdito, V1ol•
1 bias : as p ersonagens pr incip aís avançar pela marca da es- ( a criança nasce como nlor ta. A morte já não é o ' 1111111.-,1'411
'•~ Tinha que voltar agora para a cidade de onde viera,
terilidade, não conseguindo Dodote dar a Rosária
explicações satisfatórias sobre a razão de seu casa• J
lermo em que a vida deságua, ela agora se inaugura
con1 a vida:
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p1·l11 r•1•11n
para os estudos e para junto dos que tambén1 não viam, mento (Cap. XLIV), Urbano em decadência físic
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e deixar ben1 longe, ali naquele sertão, o amigo que 1 Naquela Qlesma tarde nascia um menino, que parecia
"
suspeitara existir en1 Urbano, e que agora se afastava
para sempre de seu can1inho ( . .. ) (Cap. XXXIX, p.
e psíquica, o esperável seria a dissolução final, pe(á
recorrência a um dos conhecidos canais da estrututk
corneliana, a loucura, a fuga ou a 1norte. Ao invéj
1r1orto, e levou muito tempo par.a chorar (Cap. LXXIV,
p. 715).
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'' 539).
disso, o trajeto se crispa e o analista se pergunta co~ O paralelisn10 não se encerra co1n o falecimento A1·1•1111111
A continuação i1nediata poré1n define a direção de
espanto como interpretar o pressentimento de gra _'· de Urbano. , 111111.111 11•
r
videz de Dodote. Trava-se então a luta entre a mãe, Realçando um aspecto da própria escritura cor· ;, 1111111111\1
li
seu desamparo: quase 1noribu11da, e o filho que espera. Mas a lei·'. '
l· neliana, a tra111a, ass im como a condução estilí~tica .1 vl1l11 M 1111
' '
Sua vida tinha que ser como unia mãe morta com os
tura atenta nos faz notar que o interesse do conflitõ/· da frase, reitera e reduplica a obsessão do contraste: ' "" l11v1111I•
seios túrgidos de leite ( ... ) Ali estava ele de braços não se encerra ante as exigências sintagmáticas (coe~ '. é a avó que morre quase sincronicamente ao parto ·, N1•~h• tlilll
cruzados, e sentia o odioso ridículo de sua atitude des- rência na exposição do dra1na, na irninência do clí- , de Dodote (Cap. LXXIV). Como se na procura de • 111 111111111\1
respeitosa e desafiadora, n1as c.om o espírito vazio, corn 1nax, n ecessidade pois d e verossiinilhança). Mais snir comprovasse não haver saída, como se a quebra 1>1 h11l11i\1Htt
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a cabeça oca (p, 540). que isso, o co1nportan1ento de 'Dodote . atualiza dois · do leito esperável do drama apenas mostrasse novas
A união, portanto, já nasce assinalada, ·como n1ero
traços de s ua estrutura: está à beira da morte e à ·'
beira da fuga:
f'nces do 1nes1no, a narrativa reserva ao analista tun
últin10 lance: o recérn-nascido é o ícone da conti-
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1111 11
contrato, sob o estign1a do olhar perdido. A fuga, güidade entre nlorte e vida : jll!' .,•• Ili
que assedia Dodote e Urbano, cada un1 murado en1 Quando tudo cessou, e ficara111 todos em silêncio, de · ' I' 11111111 .. 1
1 suas reflexões, apenas se ad ia, enquanto se mantém ouvido atento ao ruído dos passos do cortejo, Dodote Com cuidados de velho, como se fossem de cristal, ele
t, : 1pt " ' 111111111
1 o encontro-prisão: pôde cnfin1 entregar-se, nbandonar-se ao sonho que a . (o médico) tentou separar as pernas tão frágeis e cio· 1 11111111 1h1
levava para n1uito longe ( Cap. LXXII, p. 701). licadas do menino, e não pôde ( ... ) e verificou como
l (Urbano ) ouviu então u1n gemido, ondulante, persis- se dobravam, endurecidas, em uma posição esquisita . ..
(Cap. LXXIV, p. 717). . li
..\11 1h111
•'••ui 1111
tente, exasperado, que parecia antes o eco prolongado Concordantemente ao que vimos no episódio d_a · •
dos que decerto soltara sem sentir ( ... ) ( Cap. liteira, fuga e n1orte não são, cm Repouso, possibili-
xxxvrr, p . 534 ). dades alternativas . •Eliminam-se as f ronteiras e, de Na busca, por conseguinte, de desnientir o pesa· " i 1·11
excludentes, os tr aços se fazen1 contíguos, como se o , delo no instante mais próximo de sua plena expres•
A expectativa do ato, por parte de Dodote, não é espaço próprio n. cada u m dei xasse de. ter divisórias. são, a narrativa procura criar vida de corpos mar-
cados pela esterilidad e. M as os direitos irrevogáveis
. ( ,_ "''"
men os explícita: ' ''111111• 1111
A fazenda, em Menina M orta, se peculiariza .p or ca-
da coisa ter o seu lugar. A natureza é don1ada e/ou do círculo se reafi rmam no próprio corpo da criança. ' 1111111, - ,,
No encosto da cadeira, ao lado, o pobre vestido de fé rtil, as hierarquias, estreitan1ente respeitadas, tam- Já não é d a vida que se foge, é o ponto de fuga, 1111111111
seda branca, sen1 un1 enfeite, parecendo mais destinado pouco se 1nisturan1 as possibilidades de saída do in- a 1norte, que se instala na abertura da vida. l 1111 ' '"
a unia noviça, para a entrada definitiva en1 religião, es- terdito. Neste sentido, Repouso representa a busca Resun1indo-nos ao que as considerações presentes ''"' 11111111 1
tendia as suas dobras se1n arte (Cap. XX.XVIII, p.
lancinante d e escavar outra via. Assim, do mesn10 nos permite m escrever, dire1uos, pois, acerca das re• ·~ •lll\111 li 1111
535). lações entre o romance de 1946 e o de 1954: sob p "" lhll lil·lllKttt

modo que, na agonia de Dodote, proximidade de
n1orte e iininência de fuga se estreitam, assim tam- signo da esterilidade, em Menina Morta, deparamo- ".' t'UI llPlhlll ll
"f 1
Por isso cada un1 procura na fuga, pelo menos
bém o mundo e o pesadelo deixam de ser separa- - nos com três possibilidades de escape: fuga/ Jo\J• · i· 11111 111111 ,,
n1ental, a conciliação proibida. ·D odote, que peram-
dos: c ura/1norte. Sob o signo da fecundidade, en\ Rd~· ':. 1111•1111111 ...,
bula, Urbano, que reza, buscam no diverso o 1nesmo pouso, as três vias se intercomunican1: fu~a ... ~ IOUl1 .'.~ 111•11!111 li 1•111
que não consegue1n (cf. Caps. XLV e XLVIJI). O ro- Distinguia vozes, qne cochicavam, portas que se abriam cura " "" n1ortc. Ora, considerando que a complex!~: :;; 111•1111hlt1 hlH
1nancista forceja por encontrar solução que evitasse e fechavan1, e tupou a boca com as n1ãos. ·ralvez fosse dade apresentada nestas variantes não atinge as du . ',,· li 111l111•11ylh
1
repetirem-se os fracassos dos outros pares, mas não o longo e espesso pesadelo q ne a sopitara tantos dias e restantes, podemos agora, re tificando o primeiro e" ' •llllll lfl•ll ••• •
consegue senão a n1ultiplicação dos interditos: duas sen1anas que agora se transpunha para a realidade (Cap. q uen1a apresentado, distinguir entre o que cbantll!f
'Í vezes introduz-se impedimento n1ais forte - as rela- LXXIII, p. 713). tnos, com Uvi-Strauss, variantes fortes e varinú · . 111-111 ''"' ..
j UI lllflllll \"
'

11
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ções contra naturatn - , segue-se a união física dos
corpos, que, entretanto, esconde o isolamento dos
esposos, causador da esterilidade e do estranhamento
ft da confluência cer rada de possibilidades antagô-
nicas que a narrativa procura extrair a quebra do
frac as. As primeiras concernern às impossibilida
a bsolutas de vida, as segundas, a in1possibilidades ·
1 li

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76
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drama. O processo encontra sua culminância no pa- !ativas.
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tipo, de sua parte, concebe uma alter-
' progressivos, que ditam o impedimento completo. nativa propna:
l ti• I' ''~""'" ralelismo que estabelece entre os destinos do pai e
11111111111 ~Ili• Butretanto, como alguém que não se submetesse à da criança. Urbano morre, solução rotineira em Cor-
•11 •1i •••••· ' lel do labirinto, o romance tenta outra via. Fazendo nélio Pena, para se liberar da opressão do interdito, Variantes fortes Variantes fracas
a personagens principais avançar pela marca da, e~­ a criança nasce como morta. A n1orte já não é o Impossibilidades absolu- Impossibilidades relativas
tcrilidade, não conseguindo Dodote dar a Rosar10. termo em que a vida deságua, ela agora se inaugura tas de vida de vida
oxplicnções satisfatórias sobre a razão de seu casa• co1n a vida: pela fecund idade: por impedimento externo:
mcnto (Cap. XLIV), Urbano em decadência física Repouso Dois R o1nances
e psíquica, o esperável seria a dissolução final, pela Naquela 1nesn1a tarde nascia um menino, que parecia pela esterilidade: por impedimento interno:
recorrência a um dos conhecidos canais da estrutura n1orto, e levou n1uito tempo par.a chorar (Cap. LXXIV, M enina Morta Fronteira
corneliana, a loucura, a fuga ou a morte. Ao invés p. 715).
disso, o trajeto se crispa e o analista se pergunta com O paralelismo não se encerra com o falecimento Acentue-se em que consiste a discrepância de Re-
.til' 1, lh
":;l!G espanto como interpretar o pressentimento de gra- de Urbano. pouso: não aceitando a inexorabilidade da derrota,
li

videz de Dodote. ~rrava-se então a Juta entre a mãe, l Realçando un1 aspecto da própria escritura cor- a narrativa procura vislumbrar um novo modo de
quase rnoribunda, e o filho que esperA. Mas a lei- t neliana, a tran1a, assim con10 a condução estilística vida. Mas, nas pernas travadas da criança, a morte
turn atenta nos faz notar que o interesse do conflito da frase, reitera e reduplica a obsessão do contraste: se investe sobre o próprio meio material de fuga.
n~o se encerra ante as exigências sintagmáticas (coe- , é a avó que 1norre quase sincronicamente ao parto Neste sentido, Repouso é como o últin10 protesto
rência na exposição do dran1a, na iminência do clí- de Dodote (Cap. LXXIV) . Como se na procura de da mcn16ria, antes de que aceite visualizar o quadro
ll'UlX, necessidade pois de verossimilhança): Ma!s sair comprovasse não haver saída, como se a quebra primigênio de toda a ficção, que se expressará pela
que isso, o con1portan1ento de Dodote atuahza dois do leito esperável do drama apenas n1ostrasse novas Menina Morta. Por outro lado, entretanto, ele abre
traços de sua estrutura: está à beira da n1orte e à faces do mesmo, a narrativa reserva ào analista u1n a possibilidade de tematizar-se.. o pesadelo numa es-
beira da fuga: t'.1ltimo lance: o recém-nascido é o ícone da conti- pécie de diinensão cósmica, de terror pânico. :e.. aqui
güidade entre n1orte e vida: que se concentra a discrepância do romance, a qual
Quanôo tudo cess~u, e ficaram todos e111 ~ilêncio, de se manterá coino um de seus lados ociosos, não
ouvido atento ao ruido dos passos do corteJO, Dodote Com cuidados de velho, como se fossem de cristal, ele aprofundados pela matriz estrutural formada pelas
pôde cnfirn entregar-se, abandonar-se ao sonho que a (o médico) tentou separar as pernas tão frágeis e de- obras do aLttor.
leviiva para muito longe (Cap. LXXII, p. 701). licadas do menino, e não pôde ( ... ) e verificou como As duas trilhas percorridas nos permitem agora
se dobravam, endurecidas, em uma posição esquisita . . .
(Cap. LXXlV, p. 717). acesso ao coração gerador do pesadelo.
Concordanten1ente ao que vimos no episódio da
liteira, fuga e nlorte não são, em Repouso, possibili- A estrutura cíclica de "Menina Mortd'
' <.lad~s alternativas. .Elin1inam-se as fronteiras e, de
Na busca, por conseguinte, de desnientir o pesa-
delo no instante mais próximo de sua plena expres-
4.
excludentes, os traços se fazem contíguos, como se o são, a narrativa procura criar vida de corpos mar- Os resultados anteriores justificam centrarmos o
espaço próprio a cada um deixasse de ter divisórias. cados pela esterilidade. Mas os direitos irrevogáveis exame no romance de 1954. P ara enfrentá-lo, con-
A fazenda, cm Menina Morta, se peculiariza por ca- do círculo se reafirmam no próprio corpo da criança. tudo, é preciso introduzir-se uma última categoria
dn coisa ter o seu lugar. A natureza é domada e/ ou Já não é da vida que se foge, é o ponto de fuga, forn1al.
11· " .J ull fértil, as hierarquias, estreitamente respeitadas, ta1n- a morte, que se instala 11a abertura da vida. Em Du 1niel aux ce11dres, Lévi-Strauss distingue
... , .. ,,, <J h j)011co se 1n.isturan1 as possibilidades de saída do in-
1 it·llJJ l•I• •
Resun1indo-nos ao que as considerações presentes três tipos de sistema mítico: o dual, o cíclico, o tran-
lerdito. Neste sentido, Repouso representa a busca nos per.miten1 escrever, dire1nos, pois, acerca das re- sitivo e ordenado (1966: pp. 148-9). :É o segundo que
llt1'~\'111
.. lancinante de escavar outra via. Assiln, do mcsn10 lações entre o romance de 1946 e o de 1954 : sob o particularmente interessa para a análise da ficção
n'odo que, na agonia de Dodote, proxin1idade de signo da esterilidade, em Menina Morta, deparamo- corneliana. Por sistema cíclico entendemos aquele
morte e i1ninência de fuga se estreitan1, assim tan1-
b<!n1 o inundo .é o pesadelo deixan1 de ser separa-
-nos co1n três possibilidades de escape: fuga/ lou-
cura/morte. Sob o signo da fecu11didade, em Re-
em que perseguidor e perseguido, percorrendo um
... . . .
·1nes1no espaço concefltnco, invertem suas pos1çoes,
-
dos: pouso, as três vias se intercomunicam: fuga ... ""lou- sendo o perseguidor tarnbém um perseguido ·e o per-
J)i~tingu i a
vozes, que cochicavam, portas que se abriam cura oe: !lo. nlorte. Ora, considerando que a complexi- seguido tambén1 um perseguidor. Ora, de acordo com
e fechavnrn e tapou a boca c.om as mãos. 'falvez fosse dade apresentada nestas variantes não atinge as duas a colocação que desenvolvemos, este sistema cíclico
o 'longo e ~spesso pesadelo que a sopitara tantos dias e restantes, podemos agora, retificando o primeiro es- apa rece como a ntaneira conforme a qual o ficcio·
5on1011ns que agora se transpunha pa.ra a realidade (Cap. quema apresentado, distinguir entre o que cbatnarc- nista trata simbolicarnente a estrutura sociológica
LXXIll, p. 713). mos, corn Lévi-Strauss, variantes fortes e variantes forrnada por família senhorial mai~ fazenda autárqui-
fracas. As primeiras concernem às impossibilidades ca. Esta inferência, aparentemente simples, não dei-
l'.l. du confluência cerrada de possibilidades antagô- absolutas de vida, as segundas, a in1possibilidades re- xará porém de ser absurda para muitos dos chama-
nicas que a narrativa procura extrair a quebra do FICÇÃO: AS LINGUAGENS DO MODERNISMO 77



1

dos críticos estruturais, que ma'ntêm, na prática, a depravação - senão para os r epresentantes da elas- · q ue a pesquisadora pôde se nutrir, tão explícitos é cl11l1 • 1n11
11 se senh or ial? Por isso m esmo, ela elimina o que se
anliga afirn1ação segun do a qual o espaço literário abu ndantes. A primeira diferença do discurso lite- li 1111111•1111
6 o espaço da segregação. D entro desta controvérsia, reconhecerá truísmo: Não há escravidão sem vio- rário face ao do cien tista social aparece aqui. O so• 111111 , ... , ..
n1antemo-nos fiéis à lição de Lévi-Strauss: a his- lência e, en tre os d iversos efeitos daí oriundos, na - c iólogo, assin1 como o historiador e o antropólogo, ; 111111 (Ili 11
tó r ia representa par a a nar rativa literária o mesmo
papel que o contexto etnográfico desempenha para
fr ente sexual, t anto gera depravação, quanto repres-
são. A formulação, se bem que óbvia, tem o pro- i n ão pode oferecer como fonte de pesquisa a ma;
lf\llt ' " ' "
'"''""'~""·
téria do simbólico, m esmo q uando tenha participado
a análise dos mitos. Uma estrutura não se confunde pósito de assinalar as duas inforn1ações q ue são su b- de seu circuito. O d iscurso da literatura, ao contrá• -~ O•llll 11111 li
con1 uma forma, já porque não opera por subtração traídas pela violência e repressão. Pois o ton1 lírico rio, vive dç.st a fonte. !! assim que Comélio Pena, e '1111111111111
do "conteúdo'', i.e., da cantada semânt ica, já porque do. autor te1n o papel de esconder e adoçar o que descendente por ran10 materno e paterno de famílias 1111•1111n11• ...
é contextualmente sensibilizada. Assin1 entendida a retira. Mesmo por esta colagen1 ideológica, seu dis- senhoriais, nos revela que, no interior destes "con~ ~· r u11111 11f11lt
análise do discurso literário não se quer afast~da curso. nada tem a , ver. con1 o de Cornélia Pena. E ra trotes 'tradicionais' ", a n1esma violência se obser•
preciso, ao contrano, que sua interpretação fosse "" tllt•ll
da historiografia social, sen1 que, por isso, se tome vava, tanto em sentidc· externo, contra o outro, quan· ,, '"'" 1111 1111
a arte como 1ne ro e pifenômeno das relações sociais. tomada como científica, pa ra que se reconduzisse a to em sentido interno,. contra si mesmo. A vio lência ' 1111 , 11 1111..
A abordagem da ficção corneliana é a respeito exem- ficção ele Corné lia ao posto tradicionaln1ente asse- adquire dupla face, é física, violência no sentido .,' ' li 1h•t111111h
plar. Abrin1os pois utn parêntese tnetodológico' para gurado à literatura: discurso d a subjetividade cria· estrito, e psíquica, recebendo então o nom e especial · ' lt 111!1111111 o
acentuá-lo. dora. Assin1 se distribuía1n os papéis e todos eran1 de repressão. Daí se compreender por q ue aqui so 11n11 111111111
reconhecidos . O escritor não interferia no reconhe- recusa o posto de segregação, explícita ou implicl• · \· ... fll 111ltillllt
Entre os estudos sobre a fonnação social brasi- citnento do c ientis ta social e este não vi.a naq uele tamente conferido ao discurso literário. E le não 1nais '· 11h111h\jth·11•
é que efeito difundido pela estética burguesa é in~ ·.~ 1111111111·111111
leira, destaca m-se duas obras de Gilberto Freyre, um_ contendor en1 potencial. Que a alud ida sepa-
Casa-Grande & Senzala e Sobrados e Mocanibos. raçao nada te1n a ver c om as modalidades do dis- ~11111 11\lh ·ll
ficazm ente combatido pelas estéticas red ucionistas.
Muitos dos equívocos sobre a óptica estruturan~e do curso - o da ciência social, o da literatu ra - üos 't
H111 fh 1\11 h
famoso sociólogo teriam sido ·e vitados se os seus A literatura não lida com outro espaço, o da subje--
será esclarecida pela alusão à obra de Maria Sylvia tiv id a de, incap az de alcançar recorte científico, mas ·, M'lltt llllj HI
leitores tivessem estado mais atentos ao uso da m·e- de Carvalho Franco, Ho1nens Livres na Ordem Es- '• ·.1111111111
sim trata o 1nesmo espaço noutro registro, o regisil'Q
táfora em seus livros· Em Casa-Grande a pretexto cravocrata. . •. 11•111 t·i.,
do simbólico. Este desenvolvimento, de sua parte
de elogio ao negro escravo, comenta: ' Examinando a rnes1na formação social brasileira,
a historiadora paulista n1ostra o papel ftmdamental
"reage" contra a primeira diferença que tínhamos hli .,,,,., 111111 ,,,

O Brasil não se lin1itou a recolher da África a Iam.a pouco apontado a respeito do discurso da literaturn e 1111111
de gente preta que lhe fecundou os canaviais e os ca- desempenhado por um dos índices subtraídos pelo e do cientist a social E la era imperfeita, pois davn , • 111111 1111 11
fezais; que lhe amaciou a ten·a seca. Vieram-lhe da Áfri- "sociólogo": a violência. A con1par ação não deixa a en tender que o escritor tem um lugar assegurado Vi11Jjl111 Ili
ca "donas de casa" para seus colonos sem mulher bran- de ser válida pelo fato de Gilberto Freyre tratar d a 1 111111111
apenas porque o cientista social n ão consegue dispor
ca; técnicos para as minas; artífices en1 ferro ( . .. ) Por casa-grande e da empresa açucareira, enquanto a de todos os docum entos n ecessários par a a recom• e 1 1 u11111
outro lado a proximidade da Bahia e de Pernambuco historiadora considera as relações comunitárias cons- posição d a sociedade, en1 todos os seus níveis o eS• ln t\11 Ili
da Costa d'África a luou no sentido de dar às relações tituídas pelo estrato ba ixo do interior p aulista'. pois,
entre o Brasil e o continente negro un1 carãter todo calas. A in suficiência porém é ultrapassada ao de- ...... 111111 11111111
sendo partes do m esmo sistema social, a regra in1- senvolvermos o que r esulta do trabalho cumpr:i~ \ lt•ll l Ili .,..
especial de intitnidade. Uma intimidade n1ais fraternal pera para os dois lados. O que sim poderá ser dito
que com as colônias inglesas ( l 936, p. 221). pelo artista ao nível do registro do simbólico. Co ,1~ 1111tv11 •t1
é que, pelo papel de don1inância desen1penbado pela
família patriarcal, a violência não era, dent ro dela, · esse efeito, record en1os que se enunciara, no ~f~ t 1111, .1...11
Todas as metáforas já se inspira.m e, ao mesm o deste parágrafo, a obra de Cornélia P ena rea ' .· ·. Y l~'llill, 14Jjl
de incidência tão in1cdiat.a, freqüen te e exte1nporâ-
ten1po, reforçam a prenoção donünant.e: no Brasil, uma estrutura de tipo cíclico, cuja primeira mo 1 1•111t11111111111
nea, conforme se dava nos setores populares. A di-
da confraternização das raças aprendeu-se o valor da era a violência e a repressão. Ora, o ensaio da Pr~R 11111111, 11111
transigência, interiorizou-se o gosto do compromisso ferença não passou despe rcebida à própria autora: A l111111t1yl1
Maria Sylvia demonstra a efetiva in1portância da. V.
hábitos contrários ao espírito de radicalização e vio~ Jência no 1ne io o.nde se enraíza a matéria da floQ 1li1 111111111
Nas pequenas fa 1nílias, em que predo1ninaram os vín-
lência. Ora, o sentido classista de todo este arra-
culos pessoais dissociados de considerações de interes- corneliana. Entret a nto, 11enhun1a insinuaçãó apre{! ' 11 111n111111u
zoado, bem s~ detnonstra pela comparação da pas- ses, os controles "tradicionais" existentes foram ro1n- ta que confirn1asse a sua presença em uma estru.t . p1 l11 1111111
1

sageo1 tr anscnta com trecho leve1nente posterior : pidos con1 f<icilidade, pondo a descoberto uma contra- clclica. Indagado por este prisma, Homens Livres. 1 l 1111\11 ti H
.N ão há escravidão sem depravação sexual (ide111 p. partida de antagonismo, ao sentimento de identificação Ordern Escravocrata antes revela uma estrutura ~itii li 11111111 ''\'•
230). ' que está na base do laço conH1nitário (1969, p. 44) . n1étrica, de tipo dual: de um lado, os senhôJ"'!í.Bf b1 t[lh• l lll l ti M
outro, os estratos inferiores. A divergência nllQ·~ a · li "~· •• 11 VII
A fr ase se opunh a ao juízo dos brancos moralizan- Por ·efeito desta diversa resistência dos instr1101en- llUlta de as duas interpretações seren1 contl'adit~ f'I, li t' lh •llllll.
tes. E la en tretanto não rotnpe co.m a mesma óptica tos de controle, para n revelação da violência, entre Na verdade, elas nem sequer podem ser co1np~ ~. 1 111~ 111111·111
tl que esta pertence. Com efeito, para quem a ques- os _e stratos superiores, o material de pesquisa já não pois partem de duas ópticas diversas, assumidas · ~· · 1l\l•tAlll ttt•ll•
1
• tiio se colocava - o negro é ou não un1 agente de seria o mesmo, ne1n os documentos jurídicos, c1n 11"1 ao real comum. Para a primeira, do cientilltfi :í•' 1 11'11\ 11111111•
'
'1$ t'111'JA•
!ln 1•11llh 1 depravação - senão para os representanies da cl as-
1hll, li !11f C' I l se senhorial? Por isso mes1no, ela elimina o que se que a pesquisadora pôde se nutrir, tão explícitos e cial, a lnatéria para análise são as instituições e, daí,
reconhecerá truísmo: Não há escravidão sem vio- abundantes. A prin1eira diferença do discurso lite- a maneira c o1no elas lida m .com os conjuntos huma-
lê nc ia e, e ntre os diversos efe itos daí oriu ndos, na r ário face ao do cientista social aparece aqu i. O so- nos. Para a segunda, própria ao discurso da litera-
fren te sexual, tanto gera depravação, quanto rep res- c iólogo, assim con10 o historiador e o antropólogo, tura (é d a arte), a matéria são as re-prese11tações
são. A for1nulação, se bem que óbvia, tem o pro- não pode oferecer como fonte de pesquisa a ma- que os hon1ens se f azen1 a partir do contato com as
pósito ele assinalar as duas informações que são sub- téria do simbólico, mesmo quando tenha participado instituições. Não se pense que "re-presentação" seja
traídas pela violência e repressão. Pois o ton1 lírico de seu circuito. O d iscurso da literatura, ao contrá- aqui un1 mero nome diverso para "efeito ideológico".
111, Ili p; •I do autor te1n o papel d e esconder e adoçar o q ue rio, vive desta fonte. ~ assim que Cornélio P ena, C,pnfundir a literatura , co1no todas as outras ex-
l•llli 111lh 1 retira. Mesmo por esta colagen1 ideológica, seu dis- descendente por ran10 m a terno e paterno de famílias pressões culturais, com ideologia era um erro crasso,
c urso nada tem a ver con1 o de Corné lio Pena. Era senhoriais, nos revela que, no interior destes "con- cujos efeitos desastrosos ainda se faze m sentir.
·1111•1 1d" troles 'tradicionais' ", a n1esn1a violência se obser-
ft"ª'• 'li ~.~
. .... preciso, ao contrário, que sua interpretação fosse Ao focar as instituições, o cient ista social trabal ha
to mad a como científica, para que se reconduzisse a vava, tanto em sen tido externo, contra o outro, quan- dent ro do p rincípio de realidade, procurando desco-
ficção d e Comélio ao posto tradicionalmente :isse- to em sent ido interno, contra si mesmo. A violência lar, o que se toma con10 realidade, da estrutura que
g urado à literatura: discurso da subj~tividade cria- adquire dupla face, é física, violência no sentido a determina. Ao focar as re-presentações, o escritor
dora. Assim se distribuíam os papéis e todos eram estrito, e psíquica, recebendo então o norne especial trabalha na orden1 do simbólico. A seu an alista cabe
reconhecidos. O escritor não interferia no reconhc- de .repressão. D aí se compreender por que aqui se não adotar nem uma perspectiva reducionista - as
""' 1111 l· c in1ento do cientista social e este não via naquele recusa o posto d e segregação, explícita o u implici- re-presentações são 1neras representações (efeitos
ro,
ln•1l11
1
ft 111111Ul
' fJI,
,..,,.,,,
do
uo1 contendor em potencia l. Que a a lud ida sepa-
ração nada tem a ver com as modalidades do dis- ,
c urso - o da ciência social, o da literatu ra - , nos
tan1cntc conferido ao discurso literário. E le não mais
é que efeito difundido pela estética burguesa e ine-
ficazmente con1batido pelas estéticas reduc ionistas.
ideológicos) da matriz infra-estrutural - netn a se-
gregacionista, mas sim mostrar que a construção do
sin1bólico é autônoma e, simultanean1ente, relacio-
llUS será esclarecida pela alusão à obra de Maria Sylvia A literatura não lida con1 out ro espaço, o da su bje- nad a à s instit uições existentes. No caso presente,
11

/,
••• ) J
mt- de C arvalho Franco, H ornens Livres na Ordem Es- tividade, incapaz de alca nçar recor te científico, mas
s im trata o mesmo espaço noutro registro, o registro
seria im possível ao discurso sociológico revelar uma
to cravocrata. _ estrutura cíclica, figura inexistente no registro do
E xa1ninando a m esma fo rmaç ão social b rasileira, do si1nbólico. Este d esenvolvimento, de sua parte, real. E la, com efeito, só se configura quando abri-
u historiadora paulista mostra o papel fund a1ne11tal " reage" contra a primeira diferença que tínhamos há mos os olhos para o outro registro, o do simbólico.
desc1npcnhado po r um dos índices subtraídos pelo pouco apontado a respeito do discurso da literatura Con10 e ntretanto Menina Morta nos permite vi-
"sociólogo": a violência. A co1nparação não deixa e do cientista social. Ela era imperfeita, pois d a va sualizar a estrutura cíclica movida pela máquina da
de ser válida pelo fato de G ilberto Freyre tratar da a entender que o escritor tem um lugar assegurado violência e da repressão? Esquematizan1os a sua
c asa-grande e da empresa açucareira, enquanto a a penas porque o cientista social não consegue d ispor trama.
1 de todos os documentos necessários para a recom- O ro n1ance começa sob a irnagem d a menina 1nor-
hJsto riadora considera as relações comunitá r ias, cons- l
tituídas pelo estrato baixo do interio r paulista, pois, posição da sociedad e, em todos os seus níveis e es- ta. As mulheres agregadas à família preparam-se
1 ca las. A insuficiência porén1 é ultrapassada ao de- para amortalhá-la e acompanhar seu discreto enterro.
sendo partes do n1esmo sisten1a social, a regra jn1- 1 senvolvermos o que resulta do trabalho cun1prido Dentro de um ritmo de água quase parada, a nar-
pera para os dois lados. O que s ün poderá ser d ito
6 q ue, pelo papel de dominância desetnpenhado pela pelo artista ao nível do registro do sin1bólico. Com rativa se a rrasta e1n seguir as reações do corpo so-
r11111fl ia patriarcal, a violência ,não era, dentro dela, · esse efeito, recordemos que se en unciara, no início cial, desde os escravos do e ito, passando pelos ser·
de inc idência tão imediat,a , freqüen te e extemporâ- deste parágrafo, a obra de Cornélio Pena realizar viçais, até •às parentas da morta. Sobre os senhores,
neo, conforme se dava nos setores populares. A di- uma estrutura de tipo cíclico, cuja primeira mola entretanto, se implanta o círc ulo do cal ar. D. Ma-
forença não passou despercebida à p rópria autora : e ra a violência e a repressão. Ora, o ensaio d a Prof.ª riana, trancada no quarto, o Comen dador, entregue
Maria Syl via demonstra a efet iva importância da vio- à inspeção da colheita e a com andar as cerimônias
Nus pequenas famílias, en1 que predominararn os vín- lência no meio onde se enraíza a matéria da ficção de mesa e capela. O único sobressalto, que rompe
Ç\J! Os pessoais dissociados de considerações de intercs- corneliana. Entretanto, nenhu1na insinuação a presen- o 1narasmo, é a tentativa de assassinato do senhor,
10&1 os controles "tradicionais" existentes foram ron1- ta q ue confirn1asse a sua presença em uma estrutura pelo qual se incrin1ina e castiga Florêncio. O ato
pldos C(Hll facilidade, pondo a descoberto uma cont'ra- cíclica. Indagado por este prisma, Homens Livres 1.1a falho e a presteza discreta dos meios de d efesa d a
porHdn de antagonismo, ao sen timento de identificaçlio Orde1n Escravocrata antes revela uma estrutura assi- orde1n apenas ressaltam a opressão vaga e sombria
quo está na base do laço con1unítário (1969, p. 44). niétrica, de tipo dual: de um lado, os senhores, de que poreja das frases e vive em cada lugar. No pátio,
o ut ro, os estratos inferiores. A divergência não re- o escravo aí alocado tem d ireitos de violência sobre
'Por e feito desta diversa resistência dos instrumen-
.,... ,,, ...,.,,
sulta de as duas interpretações serem contraditórias. o encarregado da estrebaria ( Cap. XXIII), na sala
lllt·*tll•; "J'I , to! de cont role, para a revelação da violência, entre Na ve rdade, elas nem sequer podem ser comparadas,
O est ratos superiores , o 1na terial de pesquisa já não
d as mucam as , a n1estra, igualmente uma escrava,
pois p artem de duas óptic as diversas, assumidas qua n- des empenha papel semelhante ao do feitor, fora da
11111 OUI Ili; ' t f1 e rln o rnesmo, ne m os docun1entos jurídicos, e1n t(1 ao real comum. Para a primeira, do ·c ientis ta ser- casa-grande. Entre as parentas, já no círculo dos se-
FICÇÃO: AS LINGUAGENS DO MODERNISMO 79
nhores, a regra é a mesma. Mesmo as lágrimas n ão o aviso do Comendador de que a prima Virgínia fer~a, na face do marido "t ranspareceu o de& h" 111111 111
têm l iberdade. Um fantasn1a as observa (Cap. XXI). deverá, em pequena comitiva, buscar a filha na Cor- n~tido de um pássaro de rapi na''. N ote-se ago 11 hH Ili..
D o f antasma, pelo menos, não sabemos se partilhava
de alguma ordem hierárquica, enquanto os vivos da
te, o inexplicável abandono da fazenda por D . l\'1a-
riana. Os acontecimentos deixam atônitos os agre-
d1fe.rença .com que se descreve sua expressão ao• · 1u i -
duz1r a _filha; Ele é então o protetor, em seu - 1irk' "'"'"11h•...
1lt1

1
F azenda do Grotão não podem dispensá-la. O grau
de parentesco com o senhor é o seu critério p rinci-
gados, mas nenhum se move, nem deixa de c umprir
o ritual da impotência. Como entenderiam o que se
nobre nao ~a ~ugar para um rosto de violência. · ~1u
v~z de rap1ne1ro, é, . n_o má~mo, cúmplice na 1
" ~·'~
pal : passa se a con1unicação está sempre proibida? D aí pma. Perde-s_e a pos1çao un1voca que o deíln.i ,. i\ h
a motivação para os enigmas, que, como dissemos, n1enos _um simples repressor que agente-vítim(ll· 111 11\1111111
Dona Inacinha e a. irmã cran1 primas do Comendador, substituen1 as aparições, não textualmente justifica- repress<10. 1 1111111111
mas Dona Virgínia o era cm grau n1ais próxin10, e as
.
' dominava de alto ( . .. ) (Cap. LXVIII, p. 255) .
das, dos dois prin1eiros ro1nances. O enigma do de-
saparecimento das n1cdalhas, da "carta roubada" de . _A ~arti r desse i~stante, os índices de desagt"~ff(l.~ 111
.1.te ha P?uco contidos - o desap arecimento das í 1
111111 "'"
Ili 1u
, ,., 11111
1-Iariana, que deverão, não ainda neste ensaio; re-
Em dimensão Jnais vasta, ao critério de sangue se ligas v1sltantes. da fazenda, a saída do cápelã ,, ,
1 1 ceber tratan1énto porn1enorizado. lilll tl Ili
acrescenta, subordinado, o critério de proximidade ino r te da menu1a, a loucura de l'vlariana - sG li · 1h• 1....
Carlota é então -esperada como a 'q ue viria subs-
1 física do senhor : os serviçais da casa têm regalias
ti tuir a irn1ã ausente. Nova r uptura, entre tanto, se ~~1ta1n nun1a pressa de precipíc io. P ara atendc.f '. · 1111 l 11
sobre os mesmos escravos que serve1n no pátio, que
antecipa à s ua chegada: sem razões, o senhor não [~lho doent:, na C?rte, o Comendador p ar te do a· ,. 1111ll1h 1,
têm regalias sobre os da colheita do café. A ima- tao~ :para nao mais volta r, Rola e I nacinha :rcceb ··
espera sua volta e só a reencontra dias depois da 1111l1 l11
ginação do ro mancista ainda colabora n.este bjeratis- 1~ot1c1a que as permite afas tarem-se "daquela f .. ·.!\
sua chegada. As cxp'Jicaçõcs que pai e filha então I'1111111111
mo oriental e a velha liberta, separada da casa-gran- lia un1eaçada de desapa recer", apresta-se o é:\Sam .
se. trocam, no espaço r itual izado da capela parecen1, 111111111111,
de, se nte mais o pressão que o puro escravo:
a princípio, apenas confirmar o privilégio' da opres- to e:~ Carlota, sem a presença de seus pais, os 1 u lt11l11t
te11 c.1n1en~~s c?rrendo ent~e a própria noi va e a fu1
Era também escrava mas seus senhores, numerosos e são de um só, o pai. Carlota recal ca as perguntas 111- 11111
tura sogr,\, o senhor autoriza o saque de importAJlclo.
ímplacáveís, a acompanhavam até no sono. Nunca po-
deria enganá-los como os negros o fazian1 a seus donos
que gostaria de lhe dirigir e, 1nesmo sufocadas, as
palavras lhe deixa111 um gosto de sacrilégio. Mas a V.l~ltos.a; ca:Iota ron1pe .º.compromisso. Desarticulam• l"'"' 111
-s~, o~ hábitos do ,coh?iano (cf. Cap. CXl). 'l o
111 11~ ti ~
em sua alegre malícia (Cap. XXJX, p. 125). resistência que adota é insuficiente e o calar pala- 'h•
vras abre can1inho ao calar mais forte do desmaio. pi opno centro au tarqu1co, que, em giro endomOlli:i 1 UI!

11~1 ado, expul~a seus governantes, quebra-lhe 11. 1" •·-•A11


(N ão se deixe de lembrar a correspondência deste No gesto do pai, que vem ampará-la, percebe-se a
pinha, desarticula a rotina. A linha da queda. lll fhl li
quadro com o que Oswald de Andrade apresentava falha de julgarmo-lo invulnerável à repressão:
nos " Poemas da colonização".) a~~enta a velocidade dos corpos q ue caen1. O imo• · llftll li

~1li~~o da faz~nda transmuda-se n a p recipitação 4 11•11lhl111


S6 o Comendador e D. M ariana parecem livres Ergueu-a sem esforço, con1 infinito cuidado, e levou-a
legitim ando-se neles a violência expressa/velada. f\.Ia~ para o quarto de onde tinhan1 vindo, sem ninguém os 1ugit1vos. Mariana "adotara" a loucura o Collü!ll ...
é engano. Na rara oportunidade em que a senhora ter visto passar. Ele, muito erero, de cabeça alta, man- dador, .fugindo de si n1esmo, "adotara" a 'morte, ftQlt -.
aparece, se mostra q ue tampouco está isenta. Após tinha suspensa no braços a filha, cujos cabelos se de- e ln~~1nha, o . res~uardo de outra casa, Carlota, -..:,_...,.
a morte de F lorêncio, o ex-capelão da fazenda vem satara1n e balançavam agora, lentan1ente, no rit1no de ~ster1.hd~'!_e, Cel~~ttna, no jogo de equivalênolM
de visita, sendo recebido por estranha e imposta frie- seus passos. Quando a pôs n1uito de niansinho sobre o su?s!1tu1çoes _frequente no romance, o casamento e: 11, ...
za. Cabe a M ariana tentar quebrá-la: leito, ficou algun1 te111po a conternplá-la, sem querer !ned1~0 da vila, sendo a única que se libera da ·"'.l'Mt "" 111111
decidir, sen1 querer dar por tenninada aquela cena, que
- Senhor padre Estevão, quero pedir-lhe faça a en- não viera dar fin1 a nada . .. ) ( Cap. LXI, p. 234). c~1lar1dadc corrosiv~. A última decisão de CIU'!O
t1 a.nsform ada, dep?1s da n1orte do p ai, em h.crd ~~ 1 ""''" ...
111 11 11 ~11
co1nenda do corpo de um de nossos escravos, fa lecido 11n1v:rsal da propriedade, culmina o processo de... 111111 l•tUI
onten1 (Cap. XLITI, p. 182). A i1npossibilidade de expressão, resultado da hie-
rarquia, que iinpedia quen1 quer que fosse de dirigir
persao: da~do .alfo~ria aos escravos, combib.n,,; fn
ponto de. vis ta do s1sten1a, f uga e loucura às m. "'"•t ~,
~1111 11c l111
E a n arrativa cornenta : a palavra ao único capaz de explicar a razão das
decisões, apresenta o seu reverso : o ú nico que tem
se. co1n b111a a esterilidade, já declarada desde . w 1111111 ..
O senhor tornou-se mais pálido e em sua fisi onomia dei xar~ d,e. responder às cartas da ex-f utu.ra 8.0 .· 11111111•..
direito à palavra plena, tan1pouco co nsegue se co·
transpareceu o desenho nítido de um. pássaro de rapi-
municar. A repressão atinge o próprio repressor. N?.,_pr1nc.1p,10 da .narrativa, à "roda travada" da, 1 ~t u111
na (ide111). 111 '. h~ co1.res.pond1a uma natu reza luxurütn.to g .. ·. • , 1 11111, -..
Cornprovação indireta é fornecida pelo cotejo desta
,, r~1~td~t. No_ ~1nnl, à d!!rro7ad~ da fa1nília, floras · " Hl'l•llll llle
.De qualque r maneira, entre tanto, a disposição cí- passagen1 corn a tra11scrita há pouco. Ao ouvir o 11111111• ~
' ~,~s ~ espezinhadas. A pnn1e1ra situação co1T~Sl} . f) 1
clica de q ue trata mos ainda não se completa, pois rogo da esposa ao padre Eugênio, a reação fisio-
do senhor não poden1os ainda d izer que algo ou al-
guém o oprhna.
nômica do senhor visualtncnte figurava sua a usê.n cia
de paridade com a mulher: enquanto o pedido de
,11nda o gesto parco, as seqüênc ias 11ierá ticaB1 ·.
gund<l, o corpo livre: ' """'._ " ....,..
1h11111, ••

, •• , 1tl\111•
,~

A segunda agitação das águas estagnadas é pro- Mariana pelo escravo morto a dispunha metafori·
movida por dois acontecimeutos quase simultâneos : camente ao lado da senzala, a favor da qual in ter·
... à n1cdida que se ~proximavam do Grotiio
~en tia aun1entar a alegrra de seu corpo ( . . , )
"ºlt•-l4fllll
1
•·•••14•
80
o aviso do Comendador de que a prima Virgínia for!n, na face do marido " transpareceu o desenho com triste prazer o caminho áspero e cheio de flores mor-
deverá, em pequena comitiva, buscar a filha na Cor- nítido de um pássaro de rapina''. Note-se agora a tas que se engol~ava sob os seus pés e eram por eles
te, o inexplicável abandono da f azenda por D . ~1a­ dlfc! cnça _com que ~e descreve sua expressão ao con· esmagadas, e senha bem que elas eram o sinal bem certo
J•illi ~·IYtt'> • riona. Os acontecimen tos deixam atônitos os agre- d uz1r a !ilha; Ele e então o protetor, em seu porte do abandono em que tudo caíra ( . . . ) (Cap. CXXIIT,
gados, 1nas nenhum se move, nem deixa de cumprir p. 452).
lt1 t 1 fl nobre nao ha lugar para um rosto de violência. Em
o ritual da impotência. Como entenderi.an1 o que se v~z de rap ineiro, é, no n1áximo, cún1plice na ra-
• A harmonia dos tempos áureos fundamenta as me-
passa se a con1 unicação está sempre proibida? Daí • pina. Pcrde-s_e a posição unívoca que o definia ; -é
a n1otivação para os cnig111as, que, como dissen1os, .táfor~s nostálgicas dos "sociólogos", que vêem as
n1cnos _um sunples repressor que agente-vítüna da
substituem as apa rições, não textualmente justifica- rcprcssao. c haminés d~s indústrias "sujando de fuligem o verde
das, dos dois pri111e iros ron1ances. O enigma do de· das mangueiras e das jaqueiras líricas do sítio" (Frey-
supa rcciinento das n1cdalhas, da "carta roubada" de ,A ~arlir desse i~stante, os índices de desagregação re: 1968, Ca~. l , p. 17). A sua destruição correspon-
u_tc ha !??uco contidos - o desaparecimento das an- de e1n Cornélto a sensação d e vida, de uma vida po-
ivJoriana, que deverão, não ainda neste ensaio; re· l '.gas v1s1tantes_ da fazenda, a saída do capelão, a
ccber trata1nento pormenorizado. ré1n marcada pela nlorte (as pernas presas do filho
ruorte da n1en1na, a loucura de Mariana - se de-
11111 li ~
Carlota é então esperada como a q~ viria subs- ~~ta1n nu1na pressa de precipício. }>ara atender o
de Dodote, as f lores machucadas pelos pés de Carlo-
tlt.uír a irmã ausente. Nova r L1ptura, e11tretanto, se ta): Toda a , o?ra de Cornélio Pena tem, por conse-
1 llfll!11 .. l·~lho doentc:, na c?rte, o Coanendador parte do G ro-
nntccipa à sua chegada: sem razões, o senhor não guinte, un1 uo1co alvo: o de, ·sob o alimento da me-
nlt <\ tao~ ~ara nao mais voltar, Rola e Inacinba recebem
,~::0.i espera sua volta e só a reeucontra dias depois da mória fiun ilia l, conceber a simbólica q ue expresse o
1~ot1c1a q ue as permite afastarem-se "daq uela famí-
sua chegada. As explicações que pai e filha então espaço ocupado pela form ação social brasileira Este
0

l1n ameaçada ele desaparecer", apresta-se o casamen-


se trocan1, no espaço ritualizado da capela, parecen1, to d~ Carlota, sen1 a presença de ~eus pais, os en-
espaç_o, já -o sabemos, tem p or matriz um tipo parti-
a princípio, apenas confirn1ar o privilégio da opres- culariza~o de. es.trutura, a estrutura cíclica, que, pe-
tcnduncntos correndo entre a própria noiva e a fu-
são de um só, o pai. Carlota recalca as perguntas tura sogra; o senhor autoriza o saqne de jmportância l~s n1~ti:os Já 1~vo,c~dos, não P?deria ser captado
que gostaria de lhe dirígir e, n1esmo sufocadas, as P vlo discurso. soc1olog1co. Este pois, co1no priocipia-
vultosa; Ca:lota ron1pe o co1npron1isso. Desarticulam-
palavras lhe deixam un1 gosto de sacrilégio. 1'-1as a
-s~, o~ hábitos do ,coti?iano (cf. Cap. CXI). :e, 0
1nos a operac1onabnente compreender, não se confun-
, 1
resistência que adota é insuficiente e o calar pala- pr opr10 centro at1tarql.l1co, que, em giro endernoni- de com o discurso científico sobre o social. A ex-
vras abre c a1ninho ao calar n1ais forte do desrnaio. pr~ssão Jiterár~a não é ci~ncia, mesmo para que per-
No gesto cio p ai, que vem ampará-la, percebe-se a n!1ndo, expul~a seus governantes, quebra-lhe a es-
~tta a certo trpo de analista captar o que outro tipo
pinha, desarticula a rotina. A linha da queda só
fa lha de julgarmo-lo invulnerável à repressão: nao o pode, por efeito da óptica com que encara a
a~~nenta a velocidade dos corpos que caem. O imo-
~tlr~"!'º da fazenda transmuda-se na precipitação dos
realidade.
Ergueu-a sem esforço, con1 infinito cuidado, · e· levou-a
para o quarto de onde tinham vindo, sem ninguém os 1ug1l1vos. Mariana "adotara" a loucura o Comen-
ter vislo passar. Ele, muito ereto, de cabeça alta, man· da dor, .fugindo de si n1esmo, "adotara" a 'morte, Rola 5. Ele1nentos para a análise 1nicroestrut11ral
tinha suspensa no braços a filha, cujos cabelos se de- e In~~mha, o . res~uardo d~ outra casa, Carlota, a de "M enina Morta"
•\11 IStf:i sn1nra1n e balançavam agora, lentan1ente, no ritn10 de estcn_lid~~e, Celestina, no Jogo de equivalências e
seus passos. Quando a pôs n1uito de niansinho sobre o su?s~1tu1çoes .freqüente no romance, o casamento com Os esclarecimentos anteriores apenas delimitaram
""l'".'" . leito, ficou algun1 tempo a conten1plá-la, sen1 querer ~ned1~0 da vila, sendo a única que se libera da cir- a~ dimensões de uma indagação macroestrutural. Co-
decidir, sem querer dar por ter111inada aquela cena, que c ularidade corrosiva. A últitna decisão de Carlota g1to~1-se então de verificar a homogeneidade inte-
nffo viera dar fim a nada ... ) (Ca·p. LXI, p. 234). lra_n sformada, depois d a morte do pai, ern herdeir~ grattva da ~bra do romancista petropolitano, o que
91\LV~rsal da propriedade, culmina o processo de dis· nos conduziu a precisões preliminares acerca da J.-fe-
A in1possibilidade de expressão, resultado da hie- persao: da~do alforria a.os escravos, combina, do nina Morta. T rata-se agora, em ante.cipação aos re-
r1.1rquia, que in1pedia quen1 quer que fosse de dirigir ponto de. vista do sistc1na, fuga e loucura às q uais sultados de ~ma pe~quisa ern anda1nento, de apontar
n pulavra ao í1nico capaz de explicar a razão das ::;e . co1nb1na a esterilidade, já decl arada desde que para o estágio seguinte, de exan1e m inucioso do ro-
decisões, apresenta o seu reverso: o {1nico que tem clcnc.ar~ ~e. responder às cartas da ex-futura sogra. n1ance de 1954.
direito à palavra plena, tan1pouco consegue se co- N~>. pnnc1p10 da _narrativa, à " rod a t ravada" da f a- Mostramos que a ficção corneliana forma um cír-
rnunic11r. A repressão atinge o próprio repressor. n11lra correspondia urna natureza luxuriante e do- culo, s ujeito a u1u movimento gir atório, q ue, ao se
Con1provnção indireta é fornec ida pelo cotejo desta 111ada. No .final, à derrocada da família, flores 1nor- acentuar, expulsa seus integrantes. Se forem encon-
l•p1 '"I~ Ih l)i\8StLgcnl co1n a transcrita há pouco. Ao ouvir o 1~~s e espezinhadas. A primeira situação correspondia trados vivos, estarão ou l oucos - liter almente M a-
1111il1·lo1, p• rogo da esposa ao padre Eugênio, a reação fisio- ainda o gesto parco, as seqüências hieráticas, à se-· riana, 1nctaforicamente, Carlota - ou desarvo;ados
11lâ111 1111 n 61nlc11 do senhor visuahnente figurava sua ausência gunda, o corpo livre: à espera da reconstituição da antiga uni dade - o~
elo paridade co111 a mulher: e nquanto o pedido de escravos, após a alforria, as parentas, que esperam
111.111•1 •· p)' Mnrlan ft pelo escravo morto a dispunha metafori- à 1nedida que se aproximavam do Grotão Carlol:i na casa ~o out ro parente recu perar a tranqüilidade
-111111111\ttl .. carncntc ao lado da senzala, a favor da qual inter- 1 ~en1ii1 aumentar a alegria de sett corpo ( . .. ) Olhava desaparecida do Grotão. Celestina é a única sobre-
FICÇÃO: AS LINGUAGENS DO MODERNISMO 81
vivente que escapa do círculo. Ora, várias vezes iden- tirar-lhes os sapatos brutais, cni contraste com os pés
tificada com a prima Carlota, Celestina é a que leva tão brancos, bons para sererr1 acarinhados, disfarçada-
metade sua para fora do círculo da loucura. Outra mente como grandes flores, ( .. . ) tirar-lhes as meias,
vez, eotretanto. nos dep aramos com um lado ocioso o mais lentamente possível, prolongando o receio deli-
dentro da codificação corneliana, pois a passagem cioso de um pontapé atirado distraidamente a seu velho
aludida não recebe desenvolvín1ento. Este persona- ventre estéril ( .. . ) (Cap. XXVII, •p. 227) .
gem assim secundário torna-se, contudo, fundamen- i
tal ao analisá-lo em relação -às obras de Ciro dos O m edo é, de fato, tão fa1niliar quanto a loucura, ,:1

Anjos ou Lúcio Cardoso, por ser o originador de estando ·natural mente articulado à repressão e à vio-
• .
.,

uma nova situação, a do intelectual urbano, de ex- lência. A repressão, entre os três elementos desta-
tração pequeno-burguesa. Não é decisivo pois ,saber cados, é a figura don1inante, determinadora tanto do
se estes ficcionistas ou outros quaisquer tenham re- n1edo, quanto do calar. O medo, de su1t parte, é
cebido a efetiva influência de Cornélia P ena, isso
desde logo porque as obras mencionadas foram i>u- tanto de ser tocado, quanto de tocar:· "Era sempre
blicada antes da M enina Morta, mas sim de, co- a m esma sensação de sacrilégio que fazia seus dedos
n hecida a m atéria social que sensibiliza a estrutu- se encolherem, suas mãos e,stendidas para um cari-
ração das narrativas, reconstituir a sua crono-l6gica. nho caírem desanimadas, e ,sua boca. sequiosa. de un1
O nosso interesse do momento, contudo, não é de- contato quente fechar-se, apertados os lábios até [i-
linear estas passagens, mas sim, conscientes do es- carem lívidos", -como, na M enina Morta, se diz de
tágio anterior onde ainda nos colocamos, de preci- C arlota (Cap. LXXIV, p. 274) . Com o que a re-
sar melhor os dados, com vista à interpretação bem
n1ais an1pla, apenas vislumbrada. pressão assum e a forn1a de nledo da própria libido.
Assim con10 a fuga, a loucura e a morte são os P·or outro lado, a repressão atinge a fala e a voz
modos ficcionalmeote estabelecidos de escapar-se do chega a transparecer <:orno sitnb6lica da própria vio-
pesadelo circular, assi m também são três as atitudes lência:
que caracterizam os habitantes da circularidade : o
medo, a repressão, o calar. Isso .p or certo não se res- . . . ainda não tinhun1 visto quen1 as chamara,· pois a
tringe à Menina M orta. Para que assinale o peso voz que as fizera suster o pé erguido, o coq>o lançado
do medo e o seu espaço curvo, aproximo duas pas- para a frente, ainda não se realizara em figura humana.
sagen s do romance de 1939. Vinha do ar, da escuridão, das sombras dos troncos e
No Capítulo Llll, diz-se da caseira de Nico I-i orta galhos entrelaçados ( ... ) ( Cap. XVI, p. 64).
que
No p lano do real, a voz é o instru.m ento da con-
vivia entre o medo que tinha de seu marido e o ver- tratualidade, ou seja, da .p roliferação mantenedora
dadeiro terror que lhe ispirava D .ª Ana (P.. 281 ). do interdito. É ainda então repres,são da Jibido, exer-
cida pelo contrato do casamento. Dos primeiros en-
Ora, quanto a Ana, 1nulher da personagem, o tre-
., . eho anterior já dizia que
...
, "" tenditnentos entre o Comendador e a Condessa, con1
vistas ao casamento de seus filhos, referia a Meni/1.(1
Morta :
no seu corpo estava sempre presente, caminhando, a
dor das pancadas de seus irmãos, que a obrigavam a
fugir para junto da mãe, agarrando-se às suas saias, Eram mais adversários a medire1n suas forças dian·
n1uito trêmula, de olhos parados (Cap. II, p. 181 ) . te de atento auditório, do que dois pais a decidiren1 o .,..
futu ro de seus filhos (Cap. T~XXIX, p:p. 289-290 ). "
_.-~

A caseira é aterrorizada pela ex-menina, que fora '


introduzida no círculo pelos irmãos. Mas o medo t da expulsão do contato inter-humano que Se.'
..,
profundo não causa apenas repulsão, pois, em efeito n1otivam os enigmas e a simbólica freqüente dos fan-
contrário, gera a afetividade masoquista. Assim, a tasmas sem rosto. Sem descern1os por seu exame, pre-
antiga ama-seca de Nico e Pedro, ao ver os "meni- ferim os apresentar a articulação simples dos ele~
nos-deuses" passarem, tinh a o desejo imenso de meotos já estudados:
82
~ l• ""' •• , , • t llrnr-lhes os sapatos brutais, em contraste com os pés
li •llh li Ulo brancos, bons para serem acarinhados, disfarçada-
11111 • u~ rnonte coroo grandes flores, ( ... ) tirar-lhes as n1eias,
o 1.1i.tis lentamente possível, prolongando o receio deli-
cioso de um pontapé atirado distraidamente a seu velho
vontro estéril ( .. . ) ( Cap. XXVII, •p. 227) .

O 1nedo é, de fato, tão familiar quanto a loucura, •


estando naturalrnente articulado à repressão e à vio-
lência. A repressão, entre os três elementos desta-
cndos, é a figura don1ioante, determinadora tanto do
n1edo, quanto do calar. O medo, de sua parte, é
1111 011 1
!unto de ser tocado, quanto de tocar: ';Era sempre
1111 .i. .· n. 1nes1na sensação de sacrilégio que fazia seus dedos
se encolhere1n, suas mãos estendidas para um cari- '
nho caíre1n desaniinad:i'i.;, ·e sua boca sequiosa. de urn
.,,,, 1 •
contato quente fechar-se, apertados os lábios até ifi-
'" ., oll . cnren1 lívidos", como, na Menina Morta, se diz de
Cnrlota (Cap. LXXIV, p. 274). Com o que a re-
pressão assume a forma de n1edo da .p rópria libido.
Por o utro lado, a repressão atinge a fala e a voz
ch.ega a transparecer como simbólica da própria vio-
lência: .. . '

. . . ainda não tinham visto quem as chamara, pois a


voz que as f izera suster o pé erguido, o corpo lançado
pura a frente, ainda não se realizara e1n figura hurn:ina.
Vinha do ar, da escuridão, das sombras dos troncos e
1111" ua lhos entrelaçados ( ... ) (Cap. XVI, p. 64).

No plano do real, a voz é o ínstru1nento da con- ;

ltalua.lidade, ou seja, da proliferação mantenedora •


'
do interdito. É a inda e ntão repressão da libido, exer-
cida pelo contrato do casamento. Dos primeiros en-
teodimentos entre o Comendador e a Condessa, com
vi ~ tas ao casamento de seus filhos, referia a M e11i1u1

l11l11h•1H•
Morta:
11••• ·~·· . !ll;J..,
,. Eram 1na.is adversários a n1edire111 suas forças dian -
."
te de atento auditório, do que dois pais a decidiren1 o
J'ult11'0 de seus filhos (Cap. LXXIX, pJ>. 289-290). •
ltl
~ da. expulsão do contato inter-humano que se
n1otivam os enign1as e a simbólica freqüente dos fan -
1 losmas sem rosto. Sem descermos por seu exame, pre-
ferimos apresentar a articulação sin1p]es dos ele-
m ntos já estudados:

'..
'

nhecia, nem sempre conseguindo dissimulá-la. l 1111~11· li


Ora, enquan to sequidão e rigidez marcam o mun- contudo de nos caodida ta rn1os a mostrá-lo, necessi- • 11111uh11I
do humano, a vertente da natu reza mostra uma abun- tamos forçar ao máximo o conhecimento da consti- real, e1n suma, é expresso em função de engodo;
dância e fartura contrastantes. M as o seriam de fato? negra serviçal ten1. a tarefa de acalmar o sonho d " ~o 11
tuição circular. Com. este propósito, ensaia-se a pe-
Ante exame mais aprofundado, a resposta p arece netração no aspecto talvez mais difícil da obra con- sinhazinha, assin1 como, insinua a continuação 1
• M 1•1 I
ser negativa. A natureza e os objetos s ão campos siderada. Refiro-me ao problema das identificações. passagem, já acalmara (= engodara) a sua milo
111111 \ll\I
domados, constitutivos da abundância da não-fala. Ele se entronca à freqüência dos duplos nos l ivros Joviana pertence pois à mesma comunidade da V 1'1
lt l- .. 1l
A repressão disciplina a área da fala, tornando-a ca- lha D adade. Ao contrário, a preta Libânia (cf. Cap. !
anteriores. Fixo-me apenas no âmbito onde elas 1h· 111111
lada e sujeita à á rea da não-fala, tornando-a sub- C) sabe que "algum mal está para acontecer'' (J.11"'
acrescem: a M enina Morta. C arlota é aí a que m ais ~ 1· 11111111
missa. Assin1, de in1ediato, se observa quanto a certo 367). M as o que pode dizer se não é este o seu pi\• ,
aglutina tais identificações, confundindo-se com a ir- 1111111111111
tipo de objeto - os trajos. Eles desempenham dupla pel, con10 logo ven1 lembrar a interve.n ção de Jo:o ;
1nã n1orta, seja por outro - cf. Cap. XCIV, p. 347 1h1 ~l~h·
função: usados, os trajos s ão esconderijo, recalcam via na? A repressão n1anifesta sua presença pelo CI\• ·
- , seja por el~ mesn1a - cf. Cap. CXXV, p. 458, la r e cria o enigma. Somente Carlota, por sua pt'Ó• ..
Jj l 'lll 1111
o corpo; guardados, são índices de luxo. O luxo atua- sendo confu11d1da pela preta Dadade com a avó e lhl li
liza o hieratisn10 e, assim, por outra via, confinna a co1n pria "loucura", poderá abeirar-se de seu sentido. Mas, ,
, da prima Celestina. Celestina, de sua parte, atra- rncsmo dentro do sin1bólico, só o conseguirá ao roro• ··;,
J1114-'lol li
dependência deste à repressão oní1noda. ' ves o espelho, se vê con10 se fosse D.ª Mariana 111 •-11111.. ~
( cf..cap. XCV, p . 349), sendo, de sua parte, co n- per com as equivalê ncias que todos fazem entre 011\. :
e a irmã 1norta. Mas qual o papel que esta desetn• ~
Em desenvolvime.nto posterior, mostraren1os o en- 1>111·111111
lace e a s in1ultânea diferença que a re-presentação fundida por Dadacle com Nhanhã Cla ra ( cf. Cap. • ••, ..111111
pe nha? A função de, pela voz dos outros, fantnatnr
da natureza g uarda con1 a obra de Gui1narães Rosa.
Enlace, pois etn Guima rães a 1natéria social é idên-
XXVI, p. 112 ), nu1na fantasia embelezadora do real
o real, seja pelos favores que oferecia aos esc1·avo1.11 '
•111111, \li
(idem, p. 115). O problen1a conté111 tantas variáveis 1111111111 1
tica, diferença, porque a natureza assume uma voz que nen1 sequer a todas nos referiremos. Observa-se, $eja por representar o ins tante de remanso dent:.t•o ,
'
que aqui se lhe proíbe: a voz da libido, pela qual contudo, desde logo, que estas coufusões parecem das arnargas 1nem6rias. Carlota fora trazida para 1.'G- · • :\ 1p1.. 1
o discurso ros iano ten1atiza a quebra dos interditos alon1órficas às alusões à ausência de rosto. Fantas- pctir o seu papel, enquanto se preparava para Clítll.• .,. ••• 1 11 ...
prir o da mãe, depois de se casar e de se fazer SG•
1
1
11
c~~trados na fan1ília. Em Cornélia Pena, a repres-
s1v1dade é absoluta, n1orte, .loucura e f uga, as saídas
1nalmente, as pessoas perdem a face; sob os olhos
despertos, suas faces se confunden1 com outros do- nhora. Que estes dois destinos se cruzava1n sobro ''"""' ,.
. 1ll~ll"ll11

unívocas. Le ndo-o em con1paração a Guimarães Ro- nos. Em ambos os casos, o rosto é uma parte sepa- ela, indica-o o episódio do seu passeio, deiJl'.ando•S
sa verifica1nos que isso provocava um rendime11to rável e não o signo de individualidades indisfarçá- Carlota ficar e1n sítio onde a n1ãe já repousara cm . 1 11 111
também ocioso do código, idéia sobre a qual insis- veis. Por outro lado, as equivalências feitas por D a- c riança e que tan1bé1n já fora predileto da irmã 1nor- ' 1 11 l 11111
tin1os para que o leitor p erceba as brechas sobre dade não se exp lican1 simplesmente por sua velhice ta (ef. Cap. XC, pp. 331-2) . Ora, enquanto se lllrul- li1•l11t•1,
as quais irão se constituir as transformações que li- e quase cegueira. Pois, como declara a resposta da teve ligada às identificações com a morta, Car1ot 11111 '""
gan1 as variantes de Cornélio às 1nais distantes de velha (Cap. LXXXVI, p . 316 ), é proposital. Ade- apresentara um certo alívio contra o círculo d n opr • 111111 111
Ciro dos Anjos, G uin1arães Rosa e outros poucos. n1ais, seus porta-vozes n ão estão situados no mesmo são, servin do de fonte para as fábulas de J oviana. 1111-1111 1
Assinalamos at rás q ue a passagem para o Abdias e plano da m esma óptica, i.e., não intencionalizam o de contraprova i\s suspeitas de Libânia. Ser figur
o Ama1111e11se Bellniro se dava pela "descendência" real da 1ncsrna 111aneira. Dadade, que "confunde" o de alívio significava estar sujeita a uma ação eon• '
de Celestina. Quanto a Guimarães, a abertura é ou- tempo preté rito de Nhanhã Clara com o presente traditória: abrandar a presença da violência, enqunn• ~
tra : é, ª. explosão da libido que torna os opressores de Celestina, é ainda aquela que narra a fábula da to era vítima da própria violência. Estar vivo, .nc ti •
ª':1tagon~cos ao papel que encarnam. A interpretação harmonia mascaradora, ou, nas palavras de Celestina, quadro, e ra suportar as duas vias. A primeira Cl' .
d1ferenc1al parte da conotação diversa concedida ao a "que tudo transforinava em riqueza e alegria" (Cap. reservada a poucos - antes a irmã, ela agora --:!
lodo e à l:una. Em Cornélio, eles são ele1nentos da XXVI, p. 115). Por esse aspecto, Dadade se apro- segunda, entretanto, comun1 a todos os viventes, Jl
. P,Odridã?, do que co11traria a liinpeza hierática ( cf. xi111a de Joviana, que bem se caracteriza pela ten· isso Carlota vai sendo n1orta en1 vida, os vivos ao
A Menina Morta, Cap. V, pp. 21-2). Em Guimarães tativa de eliminar suspeitas sobre os erros dos se- portando-se face a ela co1no o pai já se cotnpol' ·1
Rosa, o buriti é circllndado por terrenos lodosos, en- nhores. Sua conversa ( cf. Cap. CI) co1n C arlota con1 a irmã, que é 1norta, n1es1no depois de m~
tre os quais se procura1n ervas afrodisíacas contra tem un1a itnportância que n1al esboçamos aqui. Ela pela sup ressão de seus retratos ( cf. Caps. LXXU.,
i
a impotê11cia, sendo o próprio buriti grande o cor- trata de acaln1ar a moça, inas não do1nina as pala· LXXVII, pp. 268 e 284). A questão que s~ pG " 1
respondente vegetal do cabeça da comunidade bu- vras que en1prega: Carlota é n1enos a de perder a identificação ao · ·
n1ana, Liodoro, cuja seiva rompe com a loucura bran- irmã - , daí, co1n a 1nãe louca - que tra.nsfo~ : 1
ca do Grotão. Será do intercílmbio entre natureza e Negra velha não sabe dizer as coisas, e Nhanhã está o sentido desta identificação. Por isso seu prlln .'
h~n1anidade que resulta rá a exploração distinta da de calundu, deve don11i r agora, bern sossegada, e não ato é ele quebra con1 a imagem da mistific1191i.0J·
c~rc~Jaridade e o advento de uma linguagen1 que, pensar em ba nzos (Cap. CT, p. 371). --:IJ..
c~1g1da ao mesmo .espaço,. ent retanto, pela explora- E teve ódio da cria nça ligeira de andar d an~ ,1
çao dos aspectos ainda ociosos e1n Comélio, alcan- E o diálogo qu·e de fato s ustentan1 demonstra que brincar de intervir vez por outra, en1 favor dll ·11..
çará u1na dimensão verdadeira1n ente cósmica. Antes a criada procurava esconder a gravidade do que co- corpos que via agora contorcidos pela posição dó ~ ·11•.

84 I' Ili
nhccia, nen1 sempre conseguindo dissin1ulá-la. O braços e pernas, presos no tronco, e cujo odor de feras
1 Jilll li 1111 íl contudo de nos candidatarmos a mostrá-lo, necessi- enjauladas lhe subia estonteante às narinas (Cap. CIX,
li 1111111 111.111 tnmos forçar ao n1áximo o conhecimento da consti- real, em s uma, é expresso em função de engodo; a
negra serviçal ten1 a tarefa de acalmar o sonho da p. 401).
111111 111· l 1rt1 tuição circular. Com este propósito, ensaia-se a pe-
nutraçfio no aspecto talvez mais difícil da obra con- sinhazinha, assi m como, insinua a continuação da Morte e vida tinham sentidos .t rocados. Enquanto
slderadn. Refiro-m e ao problema das identificações. passagem , já acalmara ( = engodara) a sua rn ãe.
fora viva a irmã fora interdita aos carinhos dos pre-
Ele s.c ent ronc~ à freqüência dos d uplos nos livros Joviana pertence pois à mesma comunidade da ve-
tos e dos parentes - ( Cap. XLI , p. 171); depois
nntcrio res. Fixo-me apenas no âmbito onde elas lha D adade. Ao contrário, a preta Libâ nia (cf. Cap.
C) sabe que "algun1 mal está para acontecer" (p. de n1orta, seu culto era preciso para que os vivos
nc rcs~e.n1 :. '.1. ":fe11i~~ M ?rta. Carlota. é aí a que mais se mantivessem iludidos em suas tarefas de agentes,
nglul1 n.\ tais 1dentif1caçoes, confund1ndo·se com a ir- 367). M as o que pode dizer se não é este o seu pa-
aj udantes ou parceiros dà morte, exigida para a vida
rn~ m?rta, seja por outro - cf. Cap. XCIV, p. 347 pel, con10 logo ve1n lembrar a intervenção de Jo-
do sisten1a. Por isso mesn10, ao romper com a iina-
- , SCJU por el'.'- mesn1a - cf. Cap. CXXV, p. 458, viana? A repressão manifesta sua presença pelo ca-
la r e c ria o enigma. So1nente Carlota, por sua pró- gen1 da morta, ao transformar sua fuga em rebeldia
se11do co11(und1da pela preta Dadade com a avó e - na Jinguage111 do sistema, em loucura - , Carlota
corn a prima Celestina. Celestina, de sua parte, atra- pria ".loucura", poderá abeirar-se de seu sentido. Mas,
'11111 111 passa a espalhar morte. Co1no morte e vida estão em
v6s do espelho, se vê con10 se fosse 'I>.ª Mariana mesmo dentro do s i1nbolico, só o conseguirá ao ro1n·
posições trocadas, esta é a única maneira para que
( cr.. .Cap. XCV, p. 349), sendo, de sua parte, con- per co1n as equivalências que todos fazem entre ela
encontre vida. Assin1 fazendo, ela cun1pre o ato ne-
fu nchda por Dadade com l\!hanhã Clara (cf. Cap. e a innã 1norta. Mas qual o papel que esta desen1-
cessário para que recupere a identidade perdida, a
XXVJ, p. J 12), numa fantasui en1belezadora do real penha? A função de, pela voz dos outros, fantasiar qual, por f orça, não será si111étrica à anteriorrnentc
(lde1n, p. 115). O problen1a contém tantas variáveis o real, seja pelos favores que oferecia aos escravos, n1antida:
llt' 11111•1 que ncn1 sequer a todas .nos referiremos. Observa-se seja por representar o instante de ren1anso dentro
li p 1·fl1 .,. •••• Côilludo~ desde logo, que estas conf usões parece~ das arn argas n1emórias. Carlota fora trazida para re- Aquela que morreu e se afastou, arrancando do n1eu
"" 11111 11 rilo môr.f1cas às alusões à ausência de rosto. Fantas- petir o seu pape], enquanto se preparava para curn- ser o seu sangue para desaparecer na noite, não sei n1ais
r11n l1ncnte, as pessoas perdem a face; sob os olhos prir o da mãe, depois de se casar e de se fazer se- que1n é ... e a n1in1 me foi dada a liberdade, con1 a sua
despertos, suas faces se confundetn co111 outros do- nho ra. Que estes dois destinos se cr uzavam sobre angústia, que será a n1inha força! (Cap. CXXV, p. 458).
nos. E1n an1bos os casos, o rosto é uma parte sepa- ela, indica-o o episódio do seu passeio, deixando-se
Carlota ficilr eln sítio onde a mãe já repousara em Torna-se, então a " verdadeira menina morta" , como
rável e não o sig110 de individualidades índisfarçá-
criança e que tan1bém já fora predileto da irmã mor- de f ato esta n1orta para o sistema contra que se re-
vois. Por outro lado, as equivalências feitas por D a- belara, que não tolerava a sua revelação e que hoje,
dndc não se explican1 simplesmente por sua velhice ta (cf. Cap. XC, pp. 331-2). Ora, enquanto se man-
teve ligada às identificações com a morta, Carlota por seus intérpr~tes, inconscientemente a reprime, ao
o quase cegueira. P ois, como declara a resposta da ton1a r Comélio Pena como representante da "an-
vcl~n (Cap. LXXXVI, p. 316), é proposital. Ade- apresentara un1 certo alívio contra o círculo da opres-
são, servi ndo de fonte para as fábulas de Joviana e gústia religiosa".
f' 111. 1 '~Ul.l'I· mcus, seus porta-vozes não estão situados no mesmo
t• 11•• ...,..._ plano da mesma óptica, i.e., não intencionalizam o de contraprova às s uspeitas de Libânia. Ser figura
.. •·th ftl 1 roa! da n1esma 1naneira. Dadade, que "confunde" o de alívio significava estar sujeita a uma ação con-
tempo p~etéri~o ~e Nhanhã Clara com o presente traditória: abrandar a presença da violência, enquan-
"i" l·'fOI 1 do Celestina, e ainda aquela que narr a a fábula da to era vítin1a da própria violência. Estar vivo, neste
l1 ll'l j•H·l 1 1 hnrn1o n ia mascaradora, ou, nas palavras de Celestina quadro, era suporta r as duas vias. A primeira era
111111•1ll1f11 '.. n "que tudo transfonnava em riqúeza e alegria" (Cap'. reservada a poucos - antes a irmã, ela agora - , a
,,. 1111· li t "".\A'~. XXYI, p. 11.5) . Por esse aspecto, Dadade se apro~ segunda, entretanto, comun1 a todos os viventes. Por
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x.1t1u1 de Jo~ 1a!1a, que b~n1 se caracteriza pela ten~
tntlva de cl11n1nar suspeitas sobre os erros dos se-
isso Carlota vai sendo morta em vida, os vivos com-
portando-se face a ela como o pai já se comportara
h .. 1......... 1 t nhO l'O/l. Sua conversa ( cf. Cap. CI) com Carlota co111 a innã, que é n1orta, n1es1no depois de n1orta,
J.11 li• 1 Ili ten\ 111nn iinportância que mal esboça.1nos aqui. Ela pela supressão de seus retratos (cf. Caps. LXXII e
1111111· .. ' 1 trntn de ncaln1ar a n1oça, 1nas não domina as pala- LXXVlI, pp. 268 e 284). A q uestão que se põe a
JI li h 111' h' vr11s q1,1 0 e1nprega: CarJota é menos a de perder a identificação con1 a
innã - , daí, com a 1nãe louca - que transforn1ar
111111111·111 Nenra ve lha. não sabe dizer as coisas, e Nhanhã está o sentido desta identificação. Por isso seu primeiro
1llhll11l 11 • uo Cfl lundu, deve donnir agora, bem sossegada, e não :1to é de quebra com a in1agem da n1istificação:
lf •ljl 1'111 'f) li p~n~n 1 · 01n bnnzos (Cap. CI, p. 371).
.,,,, ~·111111. E teve ódio da criança ligeira de andar dançante a
1flll11 11h 1\"t E o diálogo q ue de fato sustentam den1onstra que brincar de intervir vez por outra, em favor daqu~Jes
'""li \111o 11 orlada procurava esconder a gravidade do que co- co rpos que via agora contorcidos pela posição de seus
FICÇÃO: AS LINGUAGENS DO MODERNISMO 85
Referências bibliográficas TINDI
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'

'li 86
'j,

,.,
TEND.:NCIAS REGIONALISTAS
NO MODERNISMO

Bernardo i~lis

'

D epois de examinados neste curso aspectos gerais


da literatura brasileira do período, vamos tentar ar-
rolar e analisar as tendências regionais que prepon-
deraram na prosa do Modernismo. !Essas tendências
" ... se manifestam através dos seguintes elementos fie-
. .
c1ona1s:

1. Ten1a
•• l 11 Lúv1-S11RAOSS, Claude. Du 1niel aux cendres. Paris, Plon, 2. Nacionalismo
t 11ll111 )966: 3. Oralidade
MA.SOITA, Oscar. lntroducción a la lectura de Jacqur1· 4. Documentário
Lt1ca11. Buenos Aires, Proteo, 1970. 5. Persistência de Estruturas Literárias Tradicio-
NuNns, Benedito. "Aspetti della prosa brasiliana con-
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na1s
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1969. '
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t
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rat11ra 110 Brasil, direção de Afrânio Coutinho, Rio \\\ 1. Tema

1 ,,, Ili• Bdltorial Sul América, 1970. v.V. Frei Vicente do Salvador, na dedicatória de sua
AroU/\N, Moustafa. "De la structure en psychanalyse, História do Brasil, informa que depois de tê-la es-
• crito, incitou "a um amigo que a mesma hist6ria
1 , .1 Ili•• ;ontrlbulion à 11ne théorie du manque" . ln : Qu'est-ce
Qtll /e s1ruc1ur<1/is111e? Paris, Seuil, 1968. compusesse em verso'', isso em fins do p rimeiro sé-

.
d11 1•l11lrlll
culo de nossa colonízação. D ai concl uir Afrânio Cou- Na nossa ficção, contam-se nos dedos de uma só O regionalisn10 nordestino vai ser a fecunda semel\1 .
que frutifica cm toda a geração de romancistas gal'1llt ·. •111111' ~ti#''
t ínho: n1ào as obras que não têm o Br asil co1110 tema, ou 1111 1t lltllt'l'j
contan1-se igualmente assin1 aquelas obras que se r e nizados pela ânsia de conhecerem e de compreenderc®
No que se refere ao conhecímenlo do Brasil, há, en1 fugia 111 na fantasia ou as obras q ue não se prendem os elen1entos determinantes ou condicionadores do 1.11 t lh11 , ' '"'""
novo tipo humano: o llo111e111 relftrico. É devido a ilSS 1 11llt11l1t lt•
toda a nossa história Literária, un1a espécie de con tra- 1niudan1ente à realidade region al.
ponto entre a literatura de idéias e a literatura de ima- Alguns autores procuran1 explicar essa p rof unda objetivo f unda1nental que, nesse momento, o foco d 1 ""ª" ,,.. ••
ginação: os nlesn1os temas, os mesmos pontos de vista, visão literári a vai incidir nas relações que aquele hon10111 1 f '' ,,,,,,.

.. '''"'""'
i111pregnação do real, d o não-imaginário, do do-
as rnesnias preocupações, se refleten1 nas obras dos en- 111anté111 co1n o se1i 111eio geográfico e nas condições S~·
saístas. publicistas, h istoriadores, sábios, ficcionistas e cu1nentário à ten1ática ficcional co1no uma conse-
cio-econôn1icas que plasman1, do que propriamente 11 if
poetas, cada qual cm sua pauta própria (lii. no Bra- qüênc ia da oralidade, entend ida a oralidade como
lc, cm sua essência última. N essa linha estão José Att1~ r 1~ .. ~.,..
constante literária. A imensa e poderosa literatura .
'
'
~ . sil).
oral brasileira sempre se nutriu e até hoje continua
rico de Alrneida, Rachel de Queiroz, José Lins do Rêg0,1 ·
Jorge A1nado e G raciliano Ramos.
., .. li• 1111111
''" h•llll•f''
'
11 Nessas condições, a liter atu r a de idéias ou pura- se nutrindo do quadro da vida brasileira, através do Assim, o inundo brasileiro que se extravasa das !lá• • ho '" • 1111111
~~· 11111#11111
1 n1ente descr ítiva forneceu aos f iccionistas os dados
objetivos de suas obras, na m esn1a proporção e111 que
a lite ratura de in1aginação serviu d e base à interpre-
tação dos ensaístas. Arnbas rcflete1n o n1es1110 esfor-
aprovei tan1ento de fa tos, episódio s, através da celee
bração de personagens impressionaütes, através da
celebração de n1itos, lendas e estórias folclóricas. Até
hoje é importantíssimo o papel social e cultural de-
ginas desses escritores é em geral aquele que ficou c!S•
t11gnado no compasso colonial; c.o mpasso já caduco e 'llll
dissolução; co1npasso que guarda e explica nossas ra(za!l,
!!:, pois, devido a esse rihno vital ultrapassado que nessa
..,..,,,,, ..
•lo•I" 1111

11 IJ4 .. ,...,..
Ili

ht~ Ih!°' t l 01
ço de fide lidade ao r eal, ne111 sen1pre conseguido. sempenhado pelos catirciros, repentistas, trovadores, rnundo, re fletido na literatura regionalista, vibra un1n 11111111111 111'
Para apenas c itar a lguns exemplos, len1bre1nos que cegos de feira, etc. A 1núsica caipira é a que n1ovi· · tônica essencial : o <lra1na coletivo da degradação hu•
.... , •• 111 ~· 0
a Revolta da Armada ele 1893, que levou Rui Bar- rnenta o n1a is in1portan te comércio de discos do pa,ís. 1nana. O dran1a pr<>vocado pelo subdesenvolvin1ento 1
"'" .. 1.. 1111'
bosa a fazer uma ca1npanha lite1:ária pelos Tribunais, É ünpressionante o tem.po que as rádios clifus9ras "agente ob:;tinado da desun1 anização".
inspira Lin1a Barreto ao seu '.t riste Filn de Policarpo dispe nsan1 à irrad iação da nlúsica caipira e mais Nessa fase, o enfoque principal dos escritores, .foi ·~1•••'"'''''"''
''" .~ ,.
1 sobre a n1iséri a hun1ana resultante de condiçães eco•
impressionante ai nd a é a popularidade de un1 "chur· ,. '""""
l 1111• ••''I•
Quares111a e cléÍ a Coelho Neto o núcleo de O 1\,forto. 1
rasco de mãe", 1nalgrado o desagrado talvez de Flá- nônüco-sociais que aviltan1 o corpo e o espirito, 1·evc• , t•
Da observação desse fato c hega Wilson 1v1artins à !ando ao resto do país aspectos ele unia realidade nn• ',,,, 1 • , •• , •••
fo rtnulnção da seguinte regra: vio Cavalcaoti. Por outro lado, a literatur a de cordel
,, cional que este n1esmo desconhecia. r I·• .,.111
é o único n'l.ercado livreiro autõnon10 do país, que
' vive independente dos auxílios e ajudas governa-
' No subconsciente, todo escritor brasileiro o que am- •' Surgirarn os vários ciclos, o da cana-de-açúcar, do ' l h•1tl lt
li biciona é escrever 1101 retrato cio Brasil, o que explica mentais e mesmo ao arrepio deles. \111 ln/11111
cacau, em que f oram abordados os problemas do
,,,,..
a exuberância de nossa literatura regional. P. a oralidade que leva à tem át ica pelo problen1as
:1 locais que agit a e an in1a. engenho e da indústri a moderna do açúcar; o prO•
,,, ...
P or aí já podemos vislun1brar que o grande tem a blema da miséria engendrando o cangaço, a prosll•
No empenho de retratar o Brasil, parece que ne·
tuição moral e f ísica; o tr a umatismo da vid a moder• l 1111~ llot ·"
da ficção nacional tem sido o B rasi l, n as suas mais nhum ficcionista brasileiro ten tou abranger o p ais 111>111" 11• 1
diferentes n1a11ifestações de vida. A obra ficcion al globalmente, num a só obra. A lencar diz que esse na nos grandes centros u rb anos, Rio e São Pa\!lOi llth ttl'tl•
brasileira, no seu afã de retratar o Brasil, dá à nossa teria sido o seu p lano, m as o fez por intermédio de as lutas de fron teir as e a vida estancieira no ruo '' 1'..111'11•1•
literatu ra, n1es1no à da. linha chamada psicológica livros esparsos, abrangendo aspectos nacionais no G rande do Sul; a exploração e o isolamento dos cri11•
ou d e introspecção, o caráter de uma BRASILIANA. espaço e no ten1po. Talvez Mário de Andrade, con1 dor es de gado goianos e m ineir os; a escravidão nas
Se be1n que não falte en1 nossas obras literárias seu Macu11aí1na, ten ha sido o único a empreender 1 fazendas de p rodução de 1natc em Mato Grosso; a
'l
~·.--
o caráter universalista, não é essa universalidade o
que ten1 1narcado funda1nental m ente nossa literatu-
ra. Con1 exclusão das obras ligadas à correntes es-
un1a apreensão global do B ras il.
Todos os de1nais escritores nacionais se contentam
ou se contentaram co1n o "seu" Brasil, com a su a
i problema da posse da terra e da luta pela obten9Uo
e c onservação ante a violência e ~stúei a d e grllel rO'I ::
c axixeiros e aça1nbarcadores. . »/ ' ,
1\ "'". ,,
''" '"'..111
111t11 1h•• •
.,,. 1 11111
te ticistas da fase Simbolista e Modernista (en1 torno região, de 1nodo a ir o leitor, aos poucos, armando ·ctf;
1'l 1<U•fll"
1
d e 1922); co1n exclusão, ainda de a utores ligados o Brasil como nun1 puzzle, para c itar parece que \Vil- j Pela abordagem dos niesmos temas, das m eslfil\S trbi ;;. ,, l•l11l~11· •
1
às corr entes Í!ll~osi:iect iva s que têm co1no tema pro- son M arti ns.e o Rio Grande do Sul, ele Sitnões Lo- lhas e problemas postos em voga nos vários ciclos til* . li• .1~ ... ,.
I' b le1nas de ex1s.tene1a, problemas do ser, alguns pro- pes Neto, Alcides Maia, É rico Veríssimo; o sertão gionaHstas que foran1 surgindo, a certa altura, o i·omoftOQ , ,, "' 11111 •,,,
li ble11J-aS ~etafísicos - com exceção desses, nossa através de Afonso A ri nos, Escragnole Taunay, Do- parecia cristi1lizar-se 11uma repetição estéril, red11zindO.•llil' ·~ l<t H•ll•fl 11

.1...r
á f ixação de certas exterioridades pitorescas, e Já S!)Jll' ·
te1nat1ca e. prefe re1~t~1nente e exclusivamente regio-
nal. O regional def1n1u o modernisn10 brasileiro em··
mingos O lín1pio, Oliveira Paiva ; é assi1n com Xa-
vier M a rques, Rodolfo T eófilo, José Américo de ,'\J- o fogo criador dos pioneiros ,, '... ·~
'l"...' '"'''''
111
1neida, W aldon1iro Silveira, Bernardo Guin1arães, j .,."~
' ., 111111111111
bora para Frítz 1'eixeira de Salles: ' 11hlt1 ,,, 1
Hugo <le Carvalho Ran1os, e tantos outros. - pondera Nelly Novaes Coelho, cuja obra COll'ftt:L
n uamos a c itar. Os a nos posteriores a 1946 vl~l\ilt ~,:, 1 •11111 •
o regionalisn10 só se projete con10 expressão estética Na década de 30, o Nordeste vai ser o grande 1.. 1 .1.
desvendar, en1 nossa ficção, novas perspectivas: motif
·lotll
'' universalizada, quando estribado na ton1ada de cons- f il ão da ten1ática regionalista. Vamos citar .Nelly No- 11lh l1l111lto

1 ciência do autor. vae~ Coelho (O Ensino da Literatura, p. 236 e ss.): rem Graciliano Ramos e Lins do Rêgo; Jorg~ A: ·
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Na nossa ficção, contam-se nos dedos de uma só O regionalismo nordestino vai ser a fecunda sen"1enlc do reinicia nova fase com Gabriela, Cravo e Carie/a,·
111 âo as obras que n.ão têtn o Brasil como tema, ou que frutifica en1 toda a geração de romancistas g:üvi1- surge Sagarana, de Guin1arães Rosa, no mesmo ano
contan1-se igualn1ente assim. aquelas obras que se. re- nizados pela ânsia de conhecerem e de con1preendere.n1 do aparecimento de Servos da Morte, de Adonias Fi-
111 .• .il fugia111 na .fantasia ou as obras que não se prende1n os elementos detenninantes ou condicionadores de uni lho; Herberto Sales refunde seu Cascalho e Antônio
1 ,, 1"
n1iuda1nente à realidade regional. novo tipo humano: o horneni teltíríco. :É devido a esse Callado nos dá Assunção de Salviano, co1n a apl\·
Alguns autores procura1n explicar essa profunda objetivo fundan1ental que, nesse nion1ento, o foco de cação de novas técnicas. De 1956 são Corpo de Baile
i1npregnação cio real, do não-ünaginário, do do- visão literária vai incidir nas relações que aquele ho1ne111 e Grande Sertão: Veredas; de 1964 é O Coronel e
c u1nentário à te1nática ficcional co1no uma conse- 111anté111 co1n o seu 111eio geográfico e nas condições s6-
o Lobiso1ne1n, de José Cândido de Carvalho.
qüência da oralidade, entendida a oralidade con10 ,• cio-econôn1icas que plasmam, do que propriamente ne- •
constante literária. A in1ensa e poderosa literatura le, em sua essê11cia última. Nessa linha estão José A n1é- Nessas obras, se os wmas pern1anecem os mesn~os;
ric-0 de Almeida, Rachel de Queiroz, José Lins do Rêgo. se os cenários são ainda a terra que, soberana. domina
oral brasileira sempre se nutriu e até hoje continua
Jorge Amado e Graciliano Ramos. os homens e os animais e as coisas; se as condições só-
se nutrindo do quadro ela vida brasil.eira, através do Assim, o mundo brasileiro que se extravasa das pá-
1~' ,, np ro veitan1ento de fatos, episódios, através da cele- cio-econômicas são ninda, na maior parte, - aquelas que
ginas desses escritores é em geral aquele que ficou es- escravizan1 e aviltan1 o hon1en1, sem lhes dar OpQrtuni-
lil t 11.. 1 u. bração de personagens impressionaut!fS, através da tagnado no compasso colonial; con1passo já caduco e en1
• dade de fuga e superação; o ângulo de visão, o veículo
•• ., J'1 ~h'ltf'l'l celebração de 111itos, lendas e estórias folclóricas. Até dissolução; compasso que guarda e explica nossas raízes. expressivo e a técníca da estrutura são outros. Nesses
Ili• "º" ' hoje é in1portantíssi1no o papel social e cultural de- É, pois, devido a esse ritn10 vital ultrapassado que nesse três elementos, principalmente, pode ser sentida a "evo-
se111pcnhado pelos cati reiros, repentistas, trovadores, n1undo, refletido na literatura regionalista, vibra u1na lução" -do nosso ron1ance dito regionalista. En1 seu novo
cegos ele feira, etc. A n1úsica caipira é a que movi- tônica essencial: o drama coletivo da degradação hu- ângulo de visão já n.íio te1uos a denúncia de un1a pui-
1n.enta o mais iinportantc co1nércio de discos do país. 1nana. O dra1na provocado pelo subdesenvolvilnento. sa"etn sociológica regional, com a conseqüente análise
~ in1pressionante o te1npo que as rádios difusoras "agente obstinado da desumanização". do~ elementos desencadeantes de sua tragédia. O que
dispensam à irradiação da música caipira e 111ais Nessa fase, o e nfoque principal dos escritores, foi encontran1os nesses novos autores, e nos que os segui-
1 ram, é a perplexidade de um hon1em que estã perpe-
in1pressionante ainda é a popularidade de un1 "chur- sobre a miséria hun1ana resultante de condiçães eco·
rasco de mãe", malgrado o desagrado talvez de Flá- nômico-sociais que aviltam o corpo e o espírito, reve. tuamente pondo em pauta a visão do seu mundo íntin10.
lando ao resto do país a spectos de uma realidade na- Não se trata n1ais de analisar as razões exteriores da
vio Cavalcanti. Por outro l ado, a literatura de cordel sua existência, mas simplcsn1ente de assumi-la. de vi- .
é o único mercado livreiro autõnon10 do país, que cional que este mesmo desconhecia. 1
vê-la verticalmente.
v ive independente dos auxílios e ajudas governa-
n1cntais e n1esmo ao arrepio deles. • Surgiram os vários ciclos, o da cana-de-açúcar, do Bem observa Antônio Cândido em Literatura e
F, a oralidade que leva à temática pelo problc1nas cacau, em que foram abordados os :problemas de• Sociedade:
locais que agita e nnitna. engenho e da ind(istria. moderna do· açúcar; o pro-
N·o en1penho de retratiir o Brasil, parece que 11e- blema da .miséria engendrando o cangaço, a prosti- nos dias atuais houve unia ~ransformação essencial na
..... .., .. nhu111 ficcionista brasileiro tentou abranger o pais tuição 1noral e física; o traun1atisino da vida moder- função da literatura na ·cultura b1'.asileira. Difcrencial-
l<toi 11 globaltnente, nun1a só obra. Alencar diz que esse na nos grandes centros urbanos, Rio e São Paulo; 111ente do que sucede en1 outros países, a literatura entre
11 "li 11~11'!1 Leria sido o seu plano, mas o fez por intern1éd io de as lutas de fronteiras e a vida estancieira. no Rio nós, 1nais do que a fi losofia e as ciências hu1nanas, é
o fenômeno central da vida do espírito.
livros esparsos, abrangendo aspectos nacionais no Grande do Sul; a exploração e o isolan1ento dos cria·
espaço e no ten1po. Talvez Mário de Andrade, com dores de gado goianos e mineiros; a escravidão nas E Antônio Cândido exemplifica com a sociologia:
seu Macunaí111a, tenha sido o. único a en1preender fazendas de produção de mate em Mato Grosso; o
uma apreensão global do Brasil. problem a da posse da terra e da luta pela obtenção Antes de Emílio WWen1s com seu Assi1nilação e Po·
''~"' '"' 1
't:..~,1i·t•t1.
Todos os demais escritores nacionais se contentam
ou se contcntaran1 corn o "seu" Brasil, com a sua
e conservação ante a violência e astúcia de grileiros.
caxixeiros e aça1nbarcadores. ·
pttlações Marginais tio Brasil, de Euclides da Cunha e
Gilberto Freyre, a sociologia aparecia mais corno po1110
111 l 1 Ili rl<1 J () região, de modo a ir o leitor, aos poucos, arn1ando ele vista do que con10 pesquisa objetiva da realidade
1 o Brasil con10 nu1n puzzle, para citar parece que Wil- Pela abordagem cios mesmos temas, das mesmas tri· presente. O poderoso ímã da literatura interferia con1
'"". 111 • Cll a tendência sociológica, dando origen1 àquele gênero 1nis·
11 • t1·11111 1 ·O• son 11.artins. É o Rio Grande do Sul, de Sünões Lo- lhas e problenlas postos e1n voga nos vários ciclos re·
. 1llj1l ll1'1 1 f)• pes Neto, Alcides Maia, .arico Veríssilno; o sertão gionalístas que foran1 surgindo, a certa altura, o romance to de ensaio, construído na confluência chi históri.a con1
11t1·avés de Afonso Arinos, Escragnole Taunay, Do- parecia cristalizar-se num<l repetição estéril, reduzindo-se a econo1nia, a filosofia ou a arte, que é un1a fortna be111
ll brasileira de investigação e descoberta do Brasil, e ;,
n1lngos Olí111pio, Oliveira Paiva; é assin1 com Xa- i1 fixação de certas exterioridades pitorescas, e j á se1n
• vier Marques, Rodolfo Teófilo, José An1érico de ;\J- o fogo criador dos pioneiros qual devemos a pouco literária História da Literl~ltirci
f ''"' '' ' ' " • tl\• tio Brasil, de Sílvio Ron1ero, Os Sertões, de Euclides,
1nc ida, Waldonliro Silveira, Bernardo Guin1arães, Populações M erirlionais do Brasil, .de Oliveira Viana, :1
1'Iugo de Carvalho Ra1nos, e tantos outros. - pondera Nelly Novaes Coelho, cuja obra conti- obra de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda.
• Na década de 30, o Nordeste vai ser o grande nuamos a citar. Os anos posteriores a 1946 vieran1 Obra, nos nossos dias, houve uma transformação es-
fll~o da temática regional ista. Vamos citar Nelly No- desvend ar, en1 nossa ficção, novas perspectivas: mor- sencial deste estado de coisas. Deixando de constituir
voes Coelho (O Ensino da Literatura, p. 236 e ss.): rem Graciliano Ramos e Lins do Rêgo: Jorge Ama- atividade sincrética, a literatura volta-se wbre si n1esma.
j
TEND~NCIAS REGIONALISTAS ... 89

1
1.
1

,, ••'
especificando-se e assun1indo uma configuração propria- Quem examina a atual literatura brasileira reconhece· Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo., Rio Gran~·
men te estética; ao fa1..ê-lo deixa ·de ser umii viga mestra,
para alinhar-se em pé de igualdade com outras ativida-
-lhe logo, co1no primeiro traço, certo instinto de 011-·
cionalidade. Poesia, romance, todas as forinas literárias· de do Sul, Goiás e Mato Grosso. As característloM ': "'111'"''ºº
..-~111
des do espírito. Se focalizarmos não mais o ritmo es- do pensamento buscam vestir-se com as cores do pafs; h~máticas que assun1iu a nossa Jiteratura decorl'Ol\l / 111111 11111
tético de nossa literatura (que parece desenvolver-se con- e não a negar que semelhante p reocupação é sintom11 do reflexo do meio geográfico, social e espiritual d i}; 1\-11111111•,
1 forme a dialética do local e do cosmopolita) mas o de vitalidade e abono futuro. onde surgiu, isto é, decorre das regiões culturais. ·1 ;
•' seu ritmo histórico e social, poderíamos talvez defini-la Como escreve Soares Amora, no Modernismo fii:w ,~ 11'11h1 '"'
11111111 li
co1no literatura de incorporação que vai passando a lite- Esse instinto de nacionalidade se t ransfor1na e1n · n1ou-se a consciência de que só as legítimas pecullal< ;• 11 llJ)j)
ratura de depuração. espírito de n acionalidad e que é a tônica da literaturat. ridades d e nossa realidade paisagística cultur al logra~ .t,
11111 p11lltl
brasileira do século XX, como conclui Afrânio Cou- riam produzir uma literatura brasileira regional. .··
h•1111111hu1
1 D e 1956 até o mon1ento atual delineiam-se, na tinho em seu livro A Tradiçãc A fortunada, tradição 111ais: que o autêntico n acional estava nos nossos •
ficção, duas atit.udes principais: a do narrador que 1neios regionais, sobretudo naqueles meios e1n qu~ · '. l 1h 1•hln
que não é O'Utra coisa que esse espírito na.c ional.
não repud ia sua condição onisciente e, embo ra com se ve1n forrnando há séculos um complexo cullu.ral .,~ l 'JJli, 1•
'
; 1
1 novas técnicas, conta su·a história de olhos postos
Nessa obra, justifica. o autor:
gc11ui nan1en.te luso-b rasileiro. Se é certo ou níl.o tnl v11lt11 11
na alma dos homens e d as coisas, com os p~s fin- a evolução brasileira foi uma. luta entre duas tradições, compreensão, não importa. O Movimento Modero istft, :. 1 111111111111
cados na região (Guimarães Rosa, P almério, Osório a luso-européia e a nativa em formação, daí as duas de 1922 a l 946 insuflou, aqui e ali, movimentos de .. t 11111lnva1
Alves de Castro, José Cândido de Carvalho, Eugê- linhagens de escritores - os que concebem a literatura cultura regional dos quais saiu o mais original e O 1•J l•I, "
nia Sereno, Suassuna); e a do narrador que recusa como produto espontâneo e telúrico e os que a enten- 1nais vivo de nossa literatura contemporânea. Con• ' H1•111fl',
de1n con10 uma flor da cultura européia, requintada-
a visão onisciente e adere à visão lhnitadora e in- n1ente elaborada, a primeira fa n1ília voltando-se para tribuíram para esse predo1uínio reg ional certos ns• ; 1 111 11 11111
certa de suas personagens, movendo-se já num plano a terra, a natureza, o meio sociopolítico, e a segunda pectos do peosan1ento sociológico nacional. U1n de- -:. 11\ftn. li•
onde apenas se sente o eco da terra (Adonias Fi- "retornando" continuan1ente à Europa. Simbólica desse les é q ue o Brasil não possui padrões culturais títli• !'.l n11111•I
lho, José Condé, Antônio Callado, Os1nan Lins e dualis1no é a polêmica Alencar-Nabuco, o brasilistn e cos senão no âmbito regional; ainda é impossfvo1 '
11111 11111
J orge Amad o da últitna fase). o ocidentalista. O conflito entre a~ duas tendências - definir esse tipisn10 cultural no âmbito nacional. O
"'., lltl y 11•
Agora, podemos terminar citando Adonias Filho: a que arrasta para a Europa e a que busca estabelecer outro é que as grandes cidades litorâneas ou quaso,
..
1
unia tradição local, nova - constitui os pólos de nossa cspecialn1ente Rio de J aneiro e São P aulo, são por•
. r~,.1 11, 1
· • 111111111••
J consciência literária, gerador de um drama em meio do tad oras, de form a ben\ m ais marcante, do espfrlto
1 Os movimentos temáticos se estruturam segundo a con- qual ainda agora vive o país. Drama que se reflete não ...... , lttl•
figuração regionalista e provincialista - indianismo, apenas na imaginação criadora, mas também na çrítica cosmopoli ta e estrangeiro, em oposição a uma noon~
escravismo, e, depois, sertanismo e urbanismo. E m to- e con1preensão da literatura, pois ele envolve a própria tuação nla is nítida do caráter nacional brasileiro d.os ~'.
dos estes o que sobreleva é o provincianis1110 - rural • llffl
concepção da natu reza e funÇão da lite ratura no Brasil. áreas interiores, onde esse sentimento nacionalis ta 8 ·· 1111 ,, .. 1
ou urbano ou suburbano. A ficção resultou, caracteri- Essa a nossa maior tradição, e que ainda governa a vida acrisola ante suas condições de nlais lento proin'\;4'
zou-se e evoluiu através do provincialismo e da realidade 111~ 11•~ 11
regional.
literária: cultural e literarian1ente somos uma nação en1 so tecnológico, em decorrência do isolamento e do 111•1111 "
curso. A longa 1narcha no sentido desse autodomínio tradicionalismo. ,. •~11111~.•
teve do is pontos altos: a fase romântico-realista do séc. ])aí talvez a explicação de a temática reglonnt 'i'
E não se diga que só a ficção regionalis ta reflete XIX e o período modernista contemporâneo. Em conse- 1 111- 11111
a temática regional porque, embora com aspirações qüência do debate e esclarecin1ento procedidos pela crí- haver marcado sensivcln1ente o 1novimento niôd0tw "; 1 li Ili li•
tica decimonist.a, a literatura no séc. XX reflete a vitória nista brasileiro com o sai.nele de seu nacionall.sn10. " t r1 1t1111'
ao universal, as obras introspectivas ou psicológicas Pode servir de tern1ômetro o próprio Modcroismo ~ t 1 , .. ~ ..1
também se enquadram, basicamente, objetivamente, da tradição nativa ou instin to de nacionalidade. Como
ntuna paisagem loca], quer seja a Tragédia Burguesa, j á o disse, foi sobretudo na década de 1920 a 1930, em como movimento cultural, que, segundo Wilson Mar• r. .....11111 1
plena fase m.odernista, que a consciência nacional bra- tins (O Modernis1no, p. 34) .; .. : 11l 1nv'•
de Otávio de Faria, no pan.orama cultural do Rio sileira atingiu a definitiva maioridade e maturidade, con1 1 lt 1111•1111
de Janeiro, quer seja na obra de problelllática mís-
tica de Comélio Pena, toda e le penetrada do am-
o "nascimento do Brasil e o conseqüente esmorecer da
Ellropa dentro de nós'', na justíssima observação de Gil-
entre 1917 e 1924, qu:mdo aparecem os primokoit •
vros doutrinários da nova escola, fo ModernismdJ 11
1 111•1h••
•ll\'llfl •
biente cultural de Minas Gerais, quer ainda nos ro-
mances de. José Geraldo Vieira ou Josué Montelo.
berto Amado, em Minha Forn1ação no R ecife.
O n1ovimento iniciado em 1922 foi assim o corpori-
percorrido duas etapas fundamentais de sua h.ist6.tj
por um lado, aceita a internacionalização estética e ti'"'",.
ficador dessa maturidade da consciência literária nacio-
nal, desse traba lho de adensamento e aprofundamento
cur a coneiliá-la com o nacionalismo te1nático; por OU ·
lado, rejeita def:initiva1nente qualquer compro1ulsso... Ai~
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.• '""I"'
2 . Nacionalismo do sentido brasileiro na liter.atura. o Futurismo, para se aíinnar puran1ente 1nodo.~
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Machado de Assis, em 1872, portanto há um sé- Pelo caráter ganglionar que adquiriL1 a nossa cul- ·w. ~{artins vê nesse ponto a fonte de todo o ' t'n111
1 Nu
"
1
culo justamente, ao escrever seu famoso ensaio "Ins- tura, d ando ao Brasil a configuração de utn arqui- s~leirismo" rnodernista nessa fase e nas fases :d lt 1 1111011~
tinto de Nacionalidade" , destinado ao periódico O pélago cultural, desde o século XVI se definem e nores. 1ln 11111
Novo Mundo, de Nova York, formula sua convic- acentuam nos seus aspectos diferenciadores os nos- Pelas alturas de 1921, o n1ovilnento n1odól'.O , 111,
ção com o seguinte período: sos centros regionais: o Norte, o Nordeste, Bahia, principalmente em São Paulo, combate terrivolm i11lr "'ºli""
111, 1111111
90
Quen1 e.Xamina a atual literatura brasileira reconhece- Minas G erais, Rio de J aneiro, São P aulo, Rio Grun- o regional ismo que ali se vin ha fazendo desde o fim
·lhe Jogo, como p rimeiro traço, certo instinto de na- de do Sul, Goiás e Mato Grosso. As características do século anterior, propondo corno substituição, ao
cionalidade. Poesia, romance, todas as forn1as literárias temáticas que assumiu a nossa literatura decorrcn1 que parece, uma espécie de ·urbanismo. Segundo W.
do pensamento buscan1 vestir-se com as cores do país, .
e n!I<> a. negar que semelhante preocupação é sintoma do reflexo do n1cio geográfico, social e espiritual de Martins, o que acontece é que o nacionalismo lite-
tle vitalidade e abono futuro. o nde surgiu, isto é, decorre das regiões culturais. rário ou a nacionalização da literatura (que subs-
Co1no escreve Soares Amora, no Modernismo fir- t.ituiu o regional ismo imediato das décadas anteriores
rnou-se a consciência de que só as legíti1nas peculia-
~~'""'" ,, Esse instinto de nacionalidade se transfonna e1n '
espírito de nacionalida de que é a tônica da literatura ridades de nossa realidade paisagística cultural logra-
, a 1922) dese1nboca insensivelmente no nacionalis-
mo político e no p atriotismo exaltado de que são tes-
brasileira do século XX, como conclui Afrânio Cou- riam produz.ir uma literatura brasileira regional. E temunho os livros de Plínio Salgado, Meootti del
1r••~1t'' '•• tinho em seu livro A Tradição Afortunada, tradição m ais: que o autên tico n acional estava n os n ossos
Picchia e Jorge Amado. Entretanto, logo a partir de
1neios regionais, sobretudo n aqueles meios em que
h lfl •l<'"' que n ão é outra coisa que esse espírito nacional.
se vem formando há séculos um complexo c ultural 1928, con1 o romance nordestino, o regionalismo
Nessa ob.ra, justifica o autor : volta a imperar soberano. Aí, desde 1923, com a
genuinamente luso-brasileiro. Se é certo ou não tal
n evolução brasileira foi un1a lu ta entre «luas tradições, compreensão, não i-mport"a. O Movimento Modernista chegada de Gilberto Freyre do estr angeiro, com a
a luso-européia e a nativa cm fonnação, dai as duas de 1922 a 1946 insuflou, aqui e ali, movimentos de fundação do Centro Regionalista do Nordeste, em
linhagens de escritores - os que concebem a literatura cultura regional dos quais saiu o nlais original e o 1924, e com o Primeiro Congresso Regionalista do
con10 produto espontâneo e telúrico e os que a enten- ruais vivo de nossa literatura contemporânea. CoJl.- llecife, en1 1926, difundiran1-se as idéias que reper-
den1 con10 uma flor da cultura européia, requintada· tribuíram para esse predotnínio regional certos as·· cutiran1 na obra de Jorge de Lima, Ascenso Fer-
111entc elaborada, a pri1neira família voltando-se para ' pectos do pcnsa1neoto sociológico nacional. Un1 de- reira, José Lins do Rêgo, José Américo de Almeida,
u. torra, a natureza, o meio sociopolítico, e a segunda les é que o Brasil não possui p adrões culturais típi- Manuel Bandeira e na pintura de Cícero Dias e Luís
''retornando" continuan1ente à Europa. Simbólica desse
tlunlis1110 é a polêmica Alencar-Nabuco, o brasilista e cos senã-0 no âmbito regional; ainda é impossível J ardi1n. No R. G. do Sul, o regionalisn10 influencia
o o cidentalista. O conflito entre as duas tendências - definir esse ti pis1no cultural no âmbito n aciona l. O d ecisivamente a obra de D aréi Azambuja, V argas
a que arrasta para a Europa e a que busca estabelecer o utro é que as grandes cidades litorâneas ou quase, Neto, C iro Martins e outros. Para W. Martins, Na-
unia tradição local, nova - constitui os pólos de nossa e specialmente Rio de J aneiro e São P aulo, são por- cionalismo e R egional ism o são os dois postulados es-
consciência literária, ge rador de um dram a em meio do tador as, de fonna bem mais marcante, do esp írito senciais da configur ação esp iritual do Modernismo.
qu11l ainda agora vive o país. Drarna que se reflete não cosmopolita e estrangeil'o, en1 oposiçãq a urna acen-
nponns na imaginação criadora, mas tambén1 na crítica ..•
o con1preensão da literatura, pois ele envolve a própria tuação :mais nítida do caráter nacional brasileiro das Con1 isso, não estamos querendo dizer que a litera-
concepção da natureza e função da literatura no Brasil. áreas interiores, onde esse sentimento nacionalista se tura e a arte brasileira voltassem as costas definitiva-
Es1111 a nossa 111aior tradição, e que ainda governa a vida acrisola ante suas condições de 1nais lento progres- mente para a Europa e para os países estrangeiros em
lllorária : cultural e liter ariamente somos uma nação en1 , so tecnológico, e 111 decorrência do isolamento e do geral e que o que aqui se escreve, em termos de estilo
curso. A longa marcha no sentido desse autodon1ínio tradicionalismo. e temas, é inteiran1ente diferente · e estranho às tendên-
teve dois pontos altos : a fase romântico-realista do séc.
ol l•tl •1 XIX e o período niodernista contemporâneo. Em consc-
Da.í talvez a explicação de a ten1ática regional
haver marcado sensivehnente o movimento moder-
.
com as modas universais; -
cias universais. Evidententente, há muita coincidência
. e mesmo as repercussoes ex-
ltl ... , .11' qtlência do debate e esclarecimento procedidos pela crí- teriores na n1entc brasileira continuam a ser constantes.
nista brasileiro com o sainete de seu nacionalis1no.
tica decimonista, a literatura no séc. XX reflete a vitória
••h "" •••,.... dn tradição nativa ou instinto d~ nacionalidade. Con10 Pode servir de t er môn1etro o próprio Modernismo O resultado do esforço plurissecular foi o estabeleci·
l
1 •·li~ ...... _ ...
Já o disse, foi sobretudo na década de 1920 a 1930, em corno movimento cultural, que, segundo Wilson M ar- 01ento de uma trad ição brasileira, criada e consolidada
através de nun1erosas gerações de escritores, os quais se
111 11 111 ,.,,,
plena fase modernista, que a consciência n acional bra- tins (O Modernismo, p. 34)
111~·1 .,.. 1 sileira atingiu a definitiva maioridade e maturidade, com caracterizam pela. fidelidade a certo número de · temas,
lolllnl 1, H 1 o "nascimento do Brasil e o conseqüente esmorecer da entre 1917 e 1924, qua-ndo aparecem os primeiros li- critérios e estilos de composição semelhantes.- Essa tra-
Europa dentro de nós", na justíssima observação de Gil- vros doutrinários da nova escola, [o l'vfodernism~ havia dição é válida e exprime a nacionalidade porque ela
berto A1nado, em Minha Fonnação no Recife. percorrido duas etapas fu ndamentais de sua história: traduz as experiências, idéias e aspirações da sociedade
O 01ovin1ento iniciado eu1 1922 foi assim o corpori- por um lado, aceita a internacionalização estética e pro- que a gerou, e através das quais ela resistiu e cresceu
fl cudor dessa ma turidad e. ela consciência literária nacio· cura conli?iliá-la con1 o nacionalismo teiuático; por outro a despeito de tod1t sorte de forças opressivas.
nnl, desse trabalho de adensantento e aprofundan1ento lado, rejeita definitivan1ente qualquer con1pron1isso com
do sentido brasileiro na literatura. o Futurismo, para se afi.rmar puran1ente n\odern.ist a. - é a opinião de Afrânio Coutinho.
Pelo caráter ganglionar que adquiriu a nossa cul- W. Martins vê nesse ponto a fonte de todo o "bra- No Brasil, desde os primeiros tempos de nossa
" l 111
1'11•<t111 tu ra, dando ao Brasil a configuração de um arqui- sileirismo" 1nodernista nessa fase e nas fases ulte- colonização, o estudo, a descrição, o conhecitnento
. da terra e d e seus homens foi uma forn1a de af ir-
t••tl 111ff1 li pé lago cultural, desde o século XVI se definern e r ior es.
Oflttt 1 •••• , ncentuam nos seus aspectos d iferenciadores os nos- Pelas alturas de 192 l, o movimento modernista, mação do sentimento nativista, em oposição à me-
10$ centros regionais : o Norte, o Nordeste, Bahia, principalmente em São Paulo, combate terrivelmen te trópole dominadora.
TENO~NCIAS REGIONALISTAS. . . 91

..
1 3 . Oralidade à novela de televisão. Não há casamento, nem ba~ rcram aos processos ut ilizados pela literatu ra oral, fonte 1h• 111-1
1 tiz ado, f esta f amilia r que não tenha seu orador ou 111ais imediata e de nu1is fác il <)Cesso que nenhu n1a OU· \ 1111 111161141
~ No estudo da l ite ratura bras ileira n1uito se fala (l'U. \
·' d eclarnador, para não se falar nos enterros, ah, os l1hl111h1, li~
sobre a in1 portância o u sobre u extensão da orali- enterros! 1'a111bém os grêmios es tudantis, desde o gru ' .Y v11111 1
'
j dade, especia ln1ente no ârnbito <.la literatura regio- po esco lar até as universidades, tê tn nos torneios de· '.fardes de i11n Pintor ou AJ' Intrigas de iun J esuÍl<I, h111111 A1u
nal.. ~'1as, confesso , p or rnais q ue haja lido e estu- o ra t6ria seu n1on1ento d e maior gló ria e interesse. de Teixeira e Sousa, é na rrada. pelo pintor d urante •IH Jl11lff
f. 1,
d ado e pesquisad o, n ão consegui nunca uma con- A g rande , u. única desvantagem d a poesia moderna vinte tardes, 18 d as qua is tên1 dois capítulos. Dessa 1111111111 hU
" ceit uação expressa do que seja a oralidade, co1no é não prest ar-se à declamação , isto é : à declan1ação fo r111a, a divisão em capítulos que na novelística in· 1111111111
a en1pr.:gan1 e1n lite ra tu ra. Po r d eduções, p oden1os de longos gestos natatórios. E isso a perdeu. Corno ternacionâ'l decorre d a p u blicação ern folhetins, na p11t ~ li 11h
conceituar q ue por ora lidade, cn1 literatura, se en- isso a fez im popular ou como isso a in1p ediu de der- trad ição nacional provém da narrativa o r al. O Er- 1il•l lt1 hl111,
te nde uma forn1a de discurso ou construção estilística, rota r C astro Alves, os Bilacs e os Ttaimundos C o r- 111itiio do M uquém, de Be rnard o Guim arães, é n ar-
tl ~lhll 1
ou escri ta q ue reconstitua ou reproduza o u lembre reias ! O p ro testantismo te1n t ido uma penet ração rado d urante quatro pousos consecutivos de uma via· ll l U li
a narrativa oral ou falada pop ular, narr ativa pre- f ulrninante no sertão e o princ ipal ponto de apoio gem, quando o trajeto do ouvi n te coincide com o cio
. s~utc nos contos e con1 pos ições p op ulares e J olcló- do seu proselitis1no é a discu rseira 1nais desbragada, narrador, ambos provenientes d a Romaria do Mu- 1'111 f ' ' '" '
1
r1cas. apoinda no patético, no dramá tico, na péssima ora- q ué111, no interior de Goiás, e demandantes do Triân- '"1' "11111111
" l lt
tl1
De u rn a fo nna glo bal , pode-se dizer que há un1a
li te rat ura fe it a pa ra ser lida silenc ios atnente e un1a
tó ri a que até a igreja católica hoje repudia.
Na roça, o fascínio do ve rbo falado é total. A
gulo Mineiro. Aqui as narrativas de cada pouso não
possuern a unifo rn1idade de tan1<u1l10 das de Tei·
',' ,,,,,,,..
I' lltll lttl
litera tura fe ita para ser lida en1 voz alta. Se não é pa lavra falada funciona ali co mo elemento hipnoti- xeira e Sousa. Tanto Alencar con10 Franklin Távora e 11t~111
fe ita para se ler e m voz a lta, é feita para rccons- z.ador. Quando a roceira1na elogia un1 espiche é por- se valera111 dos te1nas, assuntos e técnicas d as nar· 1, jt llJI
!'i tu ir u111ri narrativa oral feita ern. voz alta. A li.te·· que não o entendeu. Se se fala co1n as n1es1nas pala- ralivas orais populares brasileiras, as quais vão se
ratu ra brasileira, e1n geral, par ticipa 1nnito d esse ca- enra izar nas narrativas o rais d o africano e do in-
,,.,,,,,,,.,...
vras e modismo s locais ou costun1eiros na f ala colo- 11 1111..1
ráter oratório. En1 Lit. no Brasil (v. 1, p. 164 ), A n- quial cotidiana, o orador está rodado - considera1n- d ígena.
1ônio Cândido escreve: · · no t ão analf abeto quanto os ouvintes. Uni disc urso Os escritores n1odernistas fora1n grandes aprovei- 11... 1•. ' .1
pa ra fic ar na lembrança e r achar d e c ausar sucesso tadores da literatura ora l, nos seus temas, na sua téc- Jtt1 1lltt tC

Ve1ifica-se que escritor e público defi niran1-se aqui deve ser vazado no mais r idículo to rn retórico e não nica, na sua linguagen1, nos seus mais var iados re- 11 1 11lt 111
( 110 Brasil) cm torno de duas características decisivas cursos literá rios . Alguns se valeram de asp ectos da lt , ,, 11~ 11•
permitir que n inguén1 entenda pa tavina, de tã o re-
para a configu ração geral da litera tura: retórica e na- buscado e cheio de tern1os difíceis, porque falar bo- literatura oral como o pró prio tem a, recriando toclo 1u111h11 1lh
t i v i~ n1 0, fundidos no 1novin1cnto ro 111ântico depois de uni 1111 1... lo l
nito é fa lar difícil. o encantan1ento da audiçã o de histórias contadas pe-
dc~cn vol v inien to anterior paralelo. A. ação dos prega- los pretos e pretas velhos; o u tros estilizaram a na r· ' 111 11111
do rc~, dos conferencistas de ac11derni.a , dos glosadores As folias , os n1utirões, o s te rços, as rezas, tudo : l h lil'I, !ljtl
de 111ote, dos oradores de corne111orações, dos recitado- fun ciona na base da "f alação" . :É a canto ri.a dos "co- rutiva oral, co1no é o caso de "Essa Nega Fulô", de ; Hll 111 11
res de toda hora, correspondia a 11nn1 sociedade de ile- r,~tos" en1 lo uvações bajulatórias ou a retórica das J orge de J_ima, ou "O Coco do Major" e out1·as . li11tl1 O, 1\1
trados, analfabetos ou pouco a feitos à literatura. D este " décin1as" e1n longos recitativos gne fazem o enlevo poesias de Mário de Andrade, o u ainda vários trech os f ~111111!.1 1
1nodo fo rrnou-se, dispensando o intcnnediário da pái?ina dos ouvin tes. F ora daí é a moda de viola comentando de Macunmma, ou con10 se vê t an1bém na abe rtura e . 1 '11111 011 ltt
i1npressa, un1 público de aud itores, 1n uito n1aior elo -que fa tos, feitos, a contecin1entos, r egistrand o-os ou os e ncerran1ento de vários conlos da série Contos de Be· 111t·11l11•1 11
se dependesse dela e fa vorecendo, dir-se-ia mesmo re- c riticando o u os celebrando lir icamente. laz arte, d e Már io de Andrade. Ali, infalivelment·c , ln 11t•j11. 11
querendo no escritor certas características. de facilidade ele con1eça : B elazarte 111e contou. P ara encerra r, usn '''" 1• h11 1
e ênf:-ise. certo ritmo orat ório qoe passou a timbre de A par tir da ave-n1aria, iniciam-se as histórias c on- ll h•t tl tl t ~
boa leitura e prejudicou, entre nós. a forn1ação de un1 tadas pelas " tias" ou pelos " t ios" velhos que vão o f echo: F ulana foi 1n11ito infeliz, o u Fu lano foi 111 11(· 1•111 111111t1
e~tilo realrnente escrito para ser liclo. A í•ranclc 1n aioria pela no ite aden tro encantando a gar otada e o s adul- to feliz.
!' 1111 11111 1111 1
l r·~ ele 110.rsos escritores, e111 prosa e verso, fala de pena ('ln
punh o e prefigura u111 leito r q ue ou1·e o son1 da s ua
tos 1nuitas vezes. Hoje, de par com esses c ontadores,
func iona nl as novelas d e rá d io e televisão.
É o começo popular traduzido em Era unu1 ve,z,
o u Diz que havia . .. , para t cnninar cotn o f echo:
'"' ~li\lllf
1rtt lt11 IH
. f(lfll brotar a c(lda passo por entre as linhas. Heron de Alencar (Lif. Brasil., v. J, t. 2, p . 909) Eles casara1n e forarn f elizes, ou todos 1norrera1n e do• tlj<tl~
d
1n ostra que 11ão sobrou ninguérn para contar essa história, tét"·
"
;
I sso é exatíssin10 ainda p•1rn o 13rasil d1~ hoje, es- 1uino con1 que o narrador popular põe e1n dúvid a. l llt ,\
t pcc1a ln1en te o Brasil interio r. B irnprcssionante con10 a influência da literatura orri l nas prin1eiras n1anifes- a própria história por ele contada debaixo de tU'l'.ta
a "fal aç~o'.' seduz o b r as ileiro. Os camelôs dispõe1n tnções do ron1ance brasileiro recai, principaln1ente, en1 visão onisciente. Ou o f echo: 11 111111
de auditorro seguro, os enfadonhos e estereo tipados do is <lspcctos fundamen tais da técnica narrativa - o de- i"
' ' " " li Ili
serrnões de Semana Santa conti nuam arrancando l á- s<'111·0 /11i111en to da intriga, do en redo, e a configuração O príncipe casou, teve 1una festa muito boa, eu fui ,' ' 11 1111 li " h
g rimas: os bestia lógicos que são as defesas c riminais do te111po dentro da história. Foi para resolver esses dois co1ni muito doce e vinh:1 t razendo uma con1poteira d- 11• , ,, ~1< 111
difíceis pro blema s. mais do que por qua lque r outro mo- a111br6sia para vocês, mas fui passar na pinguela ali ,,,, j, • •li
• nos ·rribuna is do Jú ri atraem n1assas de ouvintes tivo, qu..: os nossos romancistas, à falta d e tradição no-
! 1 ainda quando o s tribuna is são levados ao cinema o~ de sô Agnelo, escorreguei, caí no rio e lá se foi o doe 1111ll• l 11J..
• velística e do ex.emplo de técnica n1ais avançada, recor- con1 compoteira e tudo ... 1111 111 it- ,,
•t
. 1
92
1

à novela de televisão. Não hã casamento, nem ba- reran1 aos processos utilizados pela literatura oral, font e D e José Lins do R·êgo, nem é bom falar. Toda a
tlzndo, festa familiar que não t enha seu orador ou ruais imed iata e de mais fáci l acesso que nenhuma ou- sua lite ratura está marcada deliberadamente pela ora-
11!111 1 1 dcclarn ador, para não se falar nos enterros, ah, os lra. lidade, especialmente no mais au têntico de seus li-
en terros! T a mbém os grêmios estud antis, desde o gru- vros - Fogo Morto. O mesmo se pode dizer de
po escolar até as universidades, têm nos torneios de Tardes de u1n Pintor ou A s Intrigas de uni Jesuíta. Jorge Amado, de quem A Morte e a Morte de Quin-
orató ri a seu n1on1cnto de n1aior glória e interesse. de Teixeira e Sousa, é narrada p elo pintor dur ante cas B erro d' Água é um testen1unho ainda e1n sua
A grnnd e, a única desva ntagem da poesia moderna vinte tardes, 18 das quais têm dois c apítulos. D essa últi1na fase.
é não prestar-se à declan1ação, isto é: à declan1ação forn1a, a divisão en1 capítulos que na novelística in- J.Jltimamente, a oralidade ainda n1ais se acentuou,
de longos gestos natatórios. E isso a perdeu. Como lernacional decorre da publicação em fo lhetins, na pois a obra de Guilnarães Rosa tem nela o seu fulcro
isso a fc7,, impopular ou con10 isso a in1pediu de der- tradição nacional provém da narrativa oral. O Er- definidor, e mbora trabalhada en1 elevado nível ar-
rotar Castro Alves, os Bilacs e os Raimundos Cor- 111itão do Muqué1n, de Bernardo Guimarães, é nar- tístico. Isso é fãcil perceber em "Un1a estória de
1·e ias ! O protestantismo te1n tido un1a penetração rado durante quatro pousos consecutivos de uma via- an1or - Festa. de Manuelzão" - e, principahnente,
fullninantc no sertão e o principal ponto de apoio gen1, quando o trajeto do ouvinte coincide co111 o do e1n Grande Sertão: Veredas. E que falar do conto
do seu proselitisn10 é a discurseira n1ais desbragada, narrador, ambos provenientes da Ro1naria do l\.1u- "M eu Tio Iauaretê", que só pôde ser criado na base
11poiadn no patético, no dramático, na péssima ora- q ué1n, no interior de Goiás, e den1andantes do Triân- da oralidad e! Ali o descritivo nada conseguiria.
'Ili• h1 ló riu que até a igreja católica hoje repudia. gulo Minei ro. Aqui as narrativas de cada pouso não Grande Sertão é a conversa entre Riobaldo-'fataraníl
I• 1111 1 Na roça, o fascínio do verbo falado é total. A possue1n a unifor1nidade de tan1anho das de Tei- e um interlocutor oculto.
pa lnvra falada fu nc iona ali como elen1ento hipnoti- xeira e Sousa. Tanto Alencar con10 Franklin Távora Observa A frânio Coutinho (Lit. no Brasil, v . I. t.
•• se valeran1 dos ten1as, assuntos e técnicas das nar-
zador. Quando a roceirama elôgia um espiche é por- l ,p. 82):
que não o entendeu. Se se fala com as 1nes1nas pala- rativas orais populares brasileiras, as quais vão se
enraizar nas narrativas orais do afr iéano e do in- O lirismo brasileiro nlergulha as raízes até às trovas
vras e rnodis1nos locais ou costumeiros na fala colo-
quín l cotidi a na, o orador está rodado - conside.ra111- dígena. populares, cantadas pelos primitívos trovadores das ci-
-no tão ana lfa beto quanto os ouvintes. Um discurso Os escritores n1odernistas tfora1n grandes aprovei- dades e dos sertões, quando os homens simples, que co-
para ficar na lernbrança e rachar de causar sucesso tadores da li teratura oral, nos seus temas, na sua téc- n1eçan1 a aglon1erar-se na Colônia, procuravam expandir
nica, na sua linguagen1, nos seus mais variados re- ~uas alegrias ou manifestar ~uas tristez..'ls e ten1ores dian-
<leve ser vazado no mais r idículo tom retórico e não te dos fatos novos, às vezes hostis, que a natureza lhe~
permitir que ningué111 entenda patavina, de tão re- c ursos literários. A lguns se valera.m de aspectos d a
literatura oral como o próprio tema, recriando todo punha diante, sugestionando-lhes a imaginação. Por ou-
b uscado e cheio de termos d ifíceis, porque falar bo- tro lado, da cosmogonia primitiva de negros e índios
nito é falar difícil. o encantamento da audição de histórias contadas pe- veio um mundo de notações, mitos, lendas, contos, ane-
l , t 1•
As folias, os mutirões, os terços, as rezas, tudo los pretos e pretas velhos; outros estilizaram a nar- dotas, tipcs, ligados a hon1ens, an in1ais e forças da na-

,,."t.•. fu 11ciona na base da "falação". É a cantoria dos "co-
rei os" cm louvações bajulatórias ou a retórica das
rativa oral, co1no é o caso de "Essa Nega Fulô" , d e
J orge de Lin1a, ou "O Coco do Major" e outras
tureza e atividades agrícolas, todo un1 fabulário mito-
lógico, que se incorporou à psicologia do povo, sio1bo-
" décin1as" em longos recitativos que fazen1 o enlevo poesi as de 1'1ário de Andrade, ou ainda vários trechos lizando inclusive n1aneiras de agir, atitudes, formas de
t•tflil t

de Macu11aí111a, ou como se vê t ambém na abertura e co1nporta111ento. Outras investigações trarão esclareci-


~li ,,., ,,. tios ouvintes. Fora daí é a moda de viola contentando
encerra111e nto de vários contos d a série Contos de Be- n1entos para o problema do serianismo e o mito do ser·
li••'•'' ,,,, . futos, feitos, acontecin1entos, registrando-os ou os tanejo, bem corno ao gaúcho, e, o mais tardio, do can-
cri ticando ou os celebrando liricamente. fazarte, d e Mário de Andrade. Ali, infalivelmente, gaceiro (Lampião, etc.) centra1 do "ciclo das secas" da
A partir d a ave-1naria, inician1-se as histórias con- ele com.eça: Belazarte 1ne contou. Para encerrar, usa literatu ra regionalista. Como último caso, se levarn1os
touns pelas "tias" ou p elos "tios" velhos que vão o fecho: Fulana foi 1nuito infeliz, ou Fulano foi n1ui- crn conta o papel do folclore em um livro tão ünportante
peln noite aden tro encantando a garotada e os adul- to feliz. da literatura co11tcn1porãnea como o lv.tacunaín1a (l.928)
J:.o co111eço popL1lar traduzido em Era u1na vez, de Jvfário de Andrade, compreendere1nos quão úteis ~
f
.., '.
,,,,'
1, '
l'

'
l'•'lol tos muit::is vezes. l{oje, de par com esses contadores,
f11 ncionan1 as novelas de rádio eºtelevisão.
H'eron ele A lencar (Lit. Brasil., v . I, t. 2, p. 909)
ou Diz que havia . .. , para ter1ninar con1 o fecho:
Eles casa1·am e forarn felizes, ou todos rnorrerc11n e
crític<t lite rária são os estudos folclóricos, na elucidação
de lipos, tcn1as, .n1otivos, etc.
111os1 ra que não sobrou ningué1n para. contar essa história, tér-
,,, IH•J• n1i110 con1 que o narrador popular põe en1 d·úvida Diz Adon ias Filho:
~

t•~ 11it1 1. li l11fh1ê 11c:i n da literatL1ra orAI nas prin1eiras n1anifes· a própria história por ele contada debaixo de u111a
t11ções dó roniunce brasileiro recai, principalmente, en1 visão onisciente. Ou o fecho: O romance brasileiro, a partir de sua eclosão na pri-
I• ,_ •H'· 1" "
dois i~s pcetos f11nda111entais da técnica narrativa - o de- n1cira metade do século XIX até a fase conte111porílnea.
h to "''l''"E, Jt111vo/11/111c1110 dn i111riga, do enredo, e a configuração não traiu aquele con1plexo cultural e ne.1n poderia fa ·
~,, •• 1~tll,tt 11
O príncipe casou, teve lima festa muito boa, eu fui .
dr> lt!lllPO de111ro da história. Foi para resolver esses dois con1i muito doce e vinha trazendo u1na co111poteira de zê-lo sc n1 que a si n1esmo se traísse. Não tinha, em ver-
11'• i 1 ~11t~lt•1 !
dlflcels problen1as, mtiis do que por qualquer outro mo- a 1n brósia para vocês, nlaS fui passar na pinguela ali dade, con10 traí-lo porque a ntecediam tr ês séculos de
ih "li tnl• llvo, qu~ o~ nossos ron1ancistas, à falta de tradição no- de sô Agnelo, escorreguei, caí no rio e lá se foi o doce oralidade. É essa oralidade, em vivência exti-aordinária
1 1 lt1t·1111 ui voH11lc11 o do exen1plo de técnica mais avançada, recor- con1 con1poteira e tudo ... através dos co ntos, e dos autos populares, que se ex-
TENDÊNCIAS REGIONALISTAS. . . 93
l '
1 plica na carreira de sua própria tradição. Os produtos e isso explica a exuberância de nossa literatura 1? no período ro1nântico e realista, através do naciona- ~1111, li 11111
culturais emergidos da fermentação folclórica, nascidos gionalista" (Lit. no Brasil, Wilson Martins, p. 175~1_. lismo e do vcrisn10 peculiar a essas escolas. Era o 1111111 il h1111
da interpretação portuguesa, índia e africana - e, por Em Literatura e Sociedade, Antônio Cândido pon" eterno e fervoroso afã de escrever um "retrato do 11111111111 li•
sincretismo, fixando a expressão brasileira quando o ca- dera que as melhores exp ressões do pensamento e àa t Brasil". E ssas tonalidades de verismo e nacionalismo
ráter nacional se configurou - tornar-se-iam responsá- l t ''''"'
ilnll,111, "
veis pelos movimentos temáticos. Ajustando-se à ma- sensibilidade têm quase sempre assumido, no Bras!l1 sc111pre se encontra ra n1 1nais arraigadas e salientes 111 11- f 1 1
for ma literária. Isto é verdade não apenas para .o
téria ficciona l, que é uma realidade literária perma-
nente, os n1ovimentos temátic-0s puderam mover o ro- romance de J osé de Ale ncar, Mac hado de Assis, Gr~
no ambiente provinciano do regional do que nos atn-
bientes universalistas ou cosmopolitas das grandes ' "•l\lill
Ih ~111 1tl 1
"'1
mance nun1a integração direta com o complexo cultural ciliano Ra1nos; para a poesia de Gonçalves D~ capitais, especialn1ente Rio de Janeiro e São Paulo. 011•1· -~ 1

~.l brasileiro. E de tal modo que através do romance se


torna fácil o reconhecimento daquele complexo. Mas,
Castro Alves, Mário de Andrade, como para U1n E~
radista do J111pério, de Joaquim Nabuco, Os Sertõe'
Muitos estudiosos reconhece1n esse aspecto regiona-
lizante da província c1n oposição ao aspecto cosmo- 1111~·· " 1111
e precisa1nente porque reflete o complexo cultural bra-
sileiro - nos costumes, nos regionalismos, no "caráter
de Euclides da Cunha, Casa-Grande & Senzala, d
Gilberto Freyre, - livros de intenção histórica
polita de cidades como o Rio de J aneiro e São P aulo,
podendo citar, der1tre eles, Fábio Lucas e Afrânio ~""'
''''"º"'"1111,
nacional" - é que o ro1nance adere à tradição e1n ta- sociológica. Coutinho. 'li1•n1 11plh•
manha continuidade qi.1e não se pode desvincul~r os
contos e os autos populares do seo próprio destino. Suas 'fa1nbé1n Assis Brasil (em Adonias Filho, p. 46) . 11i1h•h ti '"
r;onstantes literárias, e digamos, o lirismo e o realis1no, Diferentemente do que sucede em outros países, a lite· reconhece que à te1nática metropolitana sucedeu a . 11111l h•l11111
. :' já estão naquelas expressões ela oralidade. Nelas tan1- ratura tem sido no .Brasil, mais do que a filosofia e as ternática regional que foi sendo incorporada à nove·· li 11pl11lft11
bé1n estão os movimentos ten1áticos - o indianisn10, o ciências hun1anas, o fcnôn1eno central da vida do es· . ljll1' \'111111
'.• pírito. lística brusilei.ra através ela preocupação populista.
." escravisn10, o serianismo, o urbanismo - que confor- do escritor. .'. 1 1lpt ll ·11,
n1am os roteiros em todas as fases. E, em sua variação l•U t •1111~ 111!
geográfica, dentro da mudança social, a matéria ficcio- Está aí, portanto, a origem e a razão da impor- ~
nal é a n1esma. tância que o docun1ento exerce na literatura brasi- É a tradição docunientária herdada dos autos e dos
E1nprcendend'1-se a inquirição, na busca das cons- leira, ilnportância que foi enfatizada pelo Realismo .. contos po.pulares, que, e1n se n1anifestando literariamen- ' '" .1 .. ~.
te, co111prova \lm dos processos ·da ficção brasileira. .i llllt Ili
tantes literárias, dos movimentos temáticos, da rnatéri::. que informou nossa ficção desde o nascedouro. ~·'• f!l•tl+t
ficcional - e niesn10 de certa problemática - não se "Embora nascida na fase romântica, nossa ficção lJJ•,1tt11 , •••
tardará en1 observar que se transferem dos contos e dos Tanto Os Sertõe.r con10 Retirada da Laguna vê1n
autos populares para o romance em sua manifestação apareceu naquela fase em que o Romantismo come- confinnar a tradição cultural brasileira viva nos ca·
••Ili 11111 11

erudita. A oralidade, neste particular, e no caso brasi- çava a evoluir para o Realismo, de modo que por tiras e nas poesias de cordel. A vida fornecendo ma- ' 111 '" " ' ""
leiro, corresponde aos "romances velhos". Inún1eras são isso e ainda pelas nossas condições culturais e histó- terial para a litera tura que pela vida se faz pereni- . J•h·- ' ""'"
. ··~111,' •til~
as sagas, com projeção na órbita temática - e diga- ricas do momento, nosso romantismo foi dominado dade. J •1111 111'1~
mos, o cangaço, a seca, o fanatisn10 religioso - que pela filosofia e pela estética dos socialistas utópicos",
se transferem e1n escalas da narrativa oral para o abe-
cedário e deste para o romance. Fiel a essas raízes, con-
na opinião de Heron de Alencar ("José de Alencar ''"'''''" '""
ltltl\ ..... , \ .

e a Ficção romântica" - Lit. Brasil., v. lV, p. 851). lt 1~11 fl li ti


servando-se no fundo n1csn10 da renovação técnica ( C;->- 5 . Persistência das estruturas tradicionais
1110 ilustra Geraldo Ferraz en1 Dora1nu11do), o romance ltlll • li """
Adonias Filho dá ao documento feição definidora . 'lfi• llt114fl
brasileiro demonstra a tradição para reafirmá-la na base A ficção brasileira, de um modo geral, continua tão
de toda evolução histórica. (Modernos Ficcionistas Bra- da novelística nacional, sobretudo a regional, como

i
sileiros, 2.ª Série - Adonias Pilho, p. 56). passa a expor:
velha como no tempo de Machado de Assis ou de Ma- f• llllt•I
cedo. Esta1nos como que ainda nas fontes narrativas, Nl•1•fl 11, l·ll
quando formas não-ficcionistas - o depoimento, o dis- 111 ,, 1111111
4 . O documentário A extensão que o ron1ance ocupa, visto ent conjunto • curso, o diário, a carta, a me1nória - eram o documen-
de sua eclosão na prin1eira metade do séc. XIX até n11•11t1• 1111~
os nossos dias, não pennite dúvida quanto ~\ sua i.tn- to de que se valia. o escritor para desenvolver sua cria·
' 11'11 Hiii 1h•
Já chama1nos a atenção, anteriorn1ente, para as
linhas iniciais da dedicatória de Frei Vicente do Sal-
portância documentária. Esse documenta rismo, que é
uma das rnais afirmativas dentre as suas constantes lite-
ção. A lguns escritores, como Balzac, Flaubert, Joyce e
n1es1110 Proust, ern cujas obras s11bjaze1n se não concei- 1·1111111 t'•
rárias, se por um lado relaciona o ro111ance com a bra- tos políticos ou históricos, 1nas a sua posição filosófico t\ 11111111
"' 1
vador, na sua líistória do Brasil, da prüu eira me- ern face da exístência, nsaran1 . -aqueles docu1nentos en1 : l '1•l~11lr1, u
tade do segundo século de nossa colonização. Afir· siliana, pelo o utro revela a 111atéria ficcional con10 ins-
piração decisiva. ll'.á utn inundo do lado ele fora a for· função orgânica con1 a ficção. Assin1, a representaçuo : v11llt11 ltt1•
nta ele que depois ele haver escrito a história, incitou n1ar-sc como aconteciinenlos, proble1nas e cenários. As real passava a ser a representação ficcional, un1a vez. l(p l 11111111
" a um amigo que a 1nesma história compusesse em personagens, con10 figuras humanas ou ti.pos sociais, ro- que o fato social, político ou histórico, se revelavam ern 11111111111-111,
verso". bustecendo o testemunho. . . É un1 rornance, pois, de face ao personage1n criado. r: /\
11111 th
Eis aí o iníc io de unia tradição que somente agora testemunho (O Ro1na11ce Brasileiro de 30, p. 11). O que acontece c-0m a literatura brasileira, que senipre ~ il11~ t 1llllU
parece vai fraqllejando. foi influenciada (n·1al influenciada, princ ipalmente por
1
• Con10 observarn os estudiosos da literatura brasi- Para nós, a importância do documento co1no base
un1a detcrn1inada literatunL francesa) é que nossos es- ' li llh•t 111111
'11\111 ltt•
1 critores (falta-lhes ainda uma sedin1entação cult1iral) ) 11
leira, "a ambição subconsciente de todo escritor bra- ficcional teve início com os priniciros cronistas bra- raramente conseguen1, quando usam o depoimento pes-
l sileiro tem sido a de escrever un1 'retrato do Brasil' sileiros, recebendo impulso e confirmação definitiva soal, ou o documentário do observador, conciliar a fie·
"'' 11•1!111111
1 111111 hllll•
94
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e isso explica a exuberância de nossa literatura re•
gionalista" (Lit. no Brasil, Wilson Martins, p. 175).
no período ron1ântico e realista, através do n ac iona-
lismo e do verisn10 peculiar a essas escolas. Era o
ção, a parte inventada, con1 aquele material que requer
uma dinamização, uma vez que se propõe a criar um
Em Literarura e Sociedade, Antônio Cândido pon- eterno e fervoroso afã de escrever um "retrato do n1undo novelesco.
dera que as melhores expressões do pensamento e da Brasil". Essas tonalidades de verismo e n acional istno O ficcionist a brasileiro, via de regra, nasce me1no-
sensibilidade têm quase sen1p re assumido, no Brasil, sempre se encontraran1 mais arr aigadas e salientes rialista, e n1orre autor de alguns romances autobiográ-
fic.:os. O lado direto de suas experiências, a sua posição
forma literária. Isto é verdade não apenas p ar a o no ambien te provinciano do regional do que nos am- social Ott moral e1n face ao grande conflito da vida,
ron1ance de José d.e Alencar, Machado de Assis, Gra- bientes universalistas ou cosmopolitas das grandes fican1 diluídos em formas artísticas (poesia e ficção)
ciliano Ra1nos; para a poesia de Gonçalves Dias, capitais, cspeciahncnte ·Rio de Janeiro e São P aulo. ónde se requer um n1aior poder inventivo.
•• • •1•~1t1t•1 l Castro Alves, Mário de Andrade, como para Uni Es- Muitos estudiosos reconhecem esse aspecto regiona-
1111111· .... " 1adista do Jrnpério, de Joaquin1 Nabuco, Os Sertões, lizante da província en1 oposição ao aspecto cosmo- Isso é parte da introdução de Assis Brasil ao seu es-
111lt111J1 de Euclides da Cunha, Casa-Grande & Senzala, de polita de cidades como o Rio de J aneíro e São Paulo, tudo sobre Clarice Lispector, 1969.
• ••••
• Gilberto Freyre, - livros de intenção histórica e podendo citar, dent re eles, Fábio Lucas e Afrâ11io Assin1, pois, não é difícil perceber (e isso é tan1-
11111\ "" 1 sociológica. Coutinho. bém aplicável ao resto do 111undo) que a ficção bra-
.,,, '""'
l.. H1·l11• otU

.. ti ' " ,,
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l)ifercnlemente do que sucede en1 outros .Países, a. lite-
ratura ten1 sido no Brasil, mais do que a filosofia e as
Tan1bérn A ssis Brasil (em. Adonias Filho, p. 46)
reconhece que à temática n1etropolitana sucedeu a
sileira até 1956 era construída segundo as regras
tradicionais do romance · .romântico-realista. Segundo
~ ll1flp ten1ática regional que foi sendo incorporada à nove- a opinião de un1 estudioso, no ·romance brasileiro o
lt••lh11tt1 ' c iências hu1nanas, o fenô1ne110 central da vicia do es- que variava eram os te1nas, os probletnas, o assunto,
pírito. lística bras ileira at ravés da preocupação populista
't th. do escritor. a época, 111as os recursos expressivos era1n rnais ou
n1enos os mesrnos.
Está aí, portanto, a origem e a razão da impo~­
tância que o docun1ento exerce na literatura b.ras1- É a tradição documentária herdada "ctos autos e dos
contos populares, que, en1 se manifestando literarian1en- Da descrição ro1nântica dos sentimentos em relação à
leira, importância que foi enfatizada pelo Realtsn10 Natureza, passou-se à descrição naturalista de sentin1en-
te, coniprova t1m dos processos da ficção brasileira.
que informou nossa ficção desde o nascedouro. tos 1nais íntimos, con10 de ações, nlas sempre sob o
t1 ' ' "Embora nascida na fase romântica, nossa ficção n1cs1no ponto de vista. 1'ínhamos o personage1n sempre
···~•(01 Tanto f)s Sertões con10 J?etirada da Laguna vên1
apareceu naquela fase em que o Ron1antismo come- coin um arcabouço de informações relatadas por alguén1,
confirmar a tradição cultural brasileira viva nos ca- e nos apa reciam os personagens recriados por uma sin1-
çava a evoluir para o Realismo, de modo que por
tiras e nas poesias de cordel. A vida fornecendo ma- plcs reapresentação real. Daí a concisão e Iin1pidez de
isso e ainda pelas nossas condições culturais e histó-
terial par a a literatura que pela vida se faz pereni- estilo que se exigia do autor, para que o seu caso fosse
li ricns do momento, nosso romantism o foi dominado dade. be111 apresentado. Nada de frases longas ou períodos
1111.. ·1t1.J·i11111 pela filosofia e pela estética dos socialistas utópicos", complicados. O que interessava era a história que ele
t t''*'. nn opinião de .Heron de Alencar ("José de Alencar nos estava contando. A obra de ficção ficava, assim,
e a Ficção romântica" - Lit. Brasil., v. IV, p. 851). 5 . Persistência das estruturas tradicionais adstrita não ao seu criador, já como coisa autônoma,
n1as a seu relator - ela nunca se desligava dele (As-
Adooias Filho dá ao documento feição definidora sis Brasil, Clarice Lispector, p. 31) .
da novelística nacional, sobretudo a regional, como A ficção brasileira, de um n1odo geral, continua tão
l'tl• velha como no te1npo de Machado de Assis ou de Ma- !! interessante notar que a prosa regionalista bra-
passa a expor: cedo. Estan1os como que ainda nas fontes narrativas, sileira, corn os requisitos da escola realista-naturalis-
quando forn1as não-ficcionistas - o depoimento, o dis-
, A e.x tensão que o ron1ance ocupa, visto em conjunto ta e algo de in1pressionis1no, f loresceu exubcrantc-
curso, o d iário, a carta, a men16ria - era1n o docu1nen-
de sua eclosão na prin1eira n1etade do séc. XlX .até 1 to de que se valia o escritor para desenvolver sua cria-
n1e11tc entre o fin1 do século XIX até- aí pelas al-
os nossos dias, não permite dúvida quanto à sua 1111- ·1 ção. A lguns escritores, corno Balzac, Flaubert, Joyce e turas de l 920-21, produzindo obras de grande valor
til;· portúncia docu1nentárÍa. Esse clocumentaris1no, qu~ é como O.í' Sertões, de Euclides, Pelo Sertão, de Afon-
j mesmo Proust, e1n cujas obras subjazem se não concei-
•.• ~,, 1,, 1 un1a dus n1a is afirmativas dentre as suas constantes hte- so Arinos, alguns livros de Graça Aranl1<:i. e Afrânio
róri:.1s se por uni lado relaciona o ro1nance com a bra- !os políticos ou históricos, nlas a sua posição filosó.fica
1•1 !1111 ~•• ern face da existência, usaram , aqueles documentos cm Peix.oto, os contos de Monteiro Lobato, Hugo de Car-
slllt1n1:, pelo outro revela a n1atéria ficcional corno ins-
Ih 11~ llt1 " fu nção orgânica con1 a ficção. Assim, a representação valho Ran1os, Simões Lopes Neto e outros, obras
plraçlío decisiva. Há !-lrn n1undo do lado de fo~a. a for-
lt\1 ltl, llH
1nnr-sc corno acontec1n1entos, proble1nas e cenanos. As real passava a ser a representação ficcional, un1a vez de ctmho e1ninente111ente nacionalista, caboclista, rc·
que o f.ato social, político ou histórico, se revelavam cm gionalista, tradicionalista.
personf\gens, c.:omo figuras JJun.~anas ou tipos socia~s. ro- face ao personage1n criado.
bustecendo o testemunho. . . E un1 ron1ance, pois, de A partir, poré111, de 1916, talvez co1n o surgüne11to
testcntunho (O Ro1na11ce Brasileiro de 30, p . 11). O que ac.ontece com 'ª literatura brasileira, que se1npre
foi influenciada (1nal influenciada, principalmente por dos contos de Adelino Magalhães, passou a sofre.r
urna detern1inada literatura francesa) é que nossos es· a liter atu ra brasileira forte pressão das teorias e ex-
.l'llllf•I Pura uós, a importância do documento como base cri tores (falta-lhes aínda uma sediinentação cultural) periências estrangeiras (em 1912 ÜS\Vald de A.ndra·
1••1111111 ht. ffçcion nl teve início com os primeiros cronistas b ra- raran1ente conseguem, quando usam o depoimento pes- de retorna da Europa, tornando-se o importador do
1tn 1111 llt ,., lloiros, recebendo impulso e confirmação definitiva soal, ou o documentário do observador, conciliar a fie- Futurisn10), influências essas que tiveram seu apogeu

' TENDtNCIAS REGIONALISTAS .. . 95


• ''
na Semana de Arte Moderna, de 1922. A partir, nalistas co incidiria com o período de máxima expansão 111entc de fac to (expresso pela organização f amiliai, )1é 1
do Modernismo, o qual já havia proposto, em 1922, (em " 111•1 •h
pois, de 1916 o regionalismo começa a ser golpeado, economia de subsistência, pelo art esanato, pelo cllonlc· •• ,,.,. 1
1 o que não i1nporta que dele brotem, nesse período, S. Paulo), o programa que os romancistas do Nordeste lis1no político, pelo folclore), quer o ideológico, que ~~o
·I iriam realizar na década de 30." opõe racionalmente às mudanças - constitui un1 '1c:i:;t
l grandes frutos. Entre 191.8 e 1924 as influências es- N11 hl
l trangeiras são bastante poderosas na · ficção. N esse traços do caráter regional, a despeito das profundas li & alei 1111\11
No capítulo intitulado "Tradição no Romance" dificações recentes no plano da mentalidade e no 1

' período os 1nodemistas combatian1 furiosamente o


regionalism o, como mostra Wilson Mar tins ( O '!vfo-
dernismo, p. 59). O fascínio e domíuio estrangeiro
não durou muito. Já e1n 1925, com a publicação
(Ficcionistas Brasileiros de 30), Adonias Filho reco-
nhece que
re lações sociais, ocasionadas pela urbanização e pela
dustrialização. Ora, o grupo m ineiro, dotado do espfl' to
rnoderno, ,que procuramos car acterizar antes, prOO\ltQ\
integrar essa nova visão do mundo com a velha tradt
li •11111 li
1l11ull•1111•
lttl ,1111
nas suas Jínhas mais flagrantes, suas tendências mais '"' 1\11111
de A Escrava que não é Isaura, Mário de .Andrade ostensivas, o romance brasileiro não se opõe à tradiçuo ção mineira. Com tod o o ímpeto inovador, apelou ,P.il~ · 111111111 111
está de há n1uito em luta contra o n1arinettismo. Aí, e essa tradição çontinua sobretudo no círculo dos mo- as fontes culturais bem profundas de Minas. · i,.
vin1entos temáticos. Na enorme variação das órbitas,
observa W. Martins,
da extroversão nlais aberta ao intimismo mais fechado, 1' E stá assim caracterizado o que pretendemos dl~~~·
' 1111..
111-11111 111
Sendo, de todos os m odernist::s o mais nloderno • me- o que se verifica é a continuidade mésma da tradição. isto é, o modernismo brasileiro, por força do nos.s hu.-llllft ti
nos fu turista, sofrendo pouco da inquietação vanguar- invencível lastro cultural, não romp eu com o trndl , : 1t1 111111,1il
dista, ou, em todo o caso, da idolatria da vanguarda Há - diz ele - renovaçã,o técnica que traduzirá cionalismo. Pelo contrário, estabeleceu com ele un1~: 1111rou1, h
pela. vanguarda que definiu, ao contrário, Oswald de e1n terrnos de colocação plástica e experiência lin- convivência pacífica, de tal 1naneira que as est1·itll'"1< ·, Nr111, 1111
<lll-111 oHh
Andrade, é a ele, n1ais do que a ninguém, que se deve güística, sendo aí sensível a contribuição modernista. turas expression ais d a nossa ficção persistiram. Ho~· ;~
a rápida passage1n do futurismo ao modernismo, ca- 1111 1111110 '
Aos novos processos de construção, iinpondo percep- ve novo enfoque dos ten1as e dos problemas locais ·~;:' 1'•11 111-11
racterístico do Movimento Brasileiro.
Esse ponto é importante, porque nele se encontra a ção revolucionária de espaço, personagem e repre- novo aproveitamento lingüístico, mas da linguagent ;... 111111.. ..
sentação, n ão se anulou ent retanto a tradição no trân- como instrumento, com o veículo. E essa permanGn· i' ·
fonte de todo o " brasileirismo" modernista, nessa fase e
nas fases ulteriores: pode-se imaginar (ernbora tal es- sito n1esmo da continuida de . eia das estruturas cxpressionais, essa sua, revitalizo• '""'"'"""'
s ,,.:1, 1 ' ' 'tt• •
pécie de cogitação seja desprovida de sentido em pers- Vejamos como e nxerga A<lonias Filho: ção, se fez a par tir do region alis1no. Foi o reglo• . '1<1111111111!1
pectiva hist6l'ica), que o ron1ance modernista teria en- nalismo como cultura tradicionalista-nacionalista q110 » 111\n l11v11t
veredado pelo cosn1opolisn10 esteticista, teria, digamos, É tradicionalista, en1 conseqüência de sua fusão c·o1n levou Mário de Andrade a repudiar M arinetti e OI :' 1V 1• 1
adotado Cocteau por 1nestrc, se, a meio de sua primeira o complexo cultural brasileiro, o ro1nance contemporâ- estrangeirismos e obr igou o roman ce do Nordcsto
década, as linhas de força da escola não houvessen1 neo. Seus livros marcantes refletem essa tradição. E n1es- p egar a trilha qu e pegou. · " e 1 111111
sofrido o impulso .an tifutu rista que estudamos ( W . ~far­ mo entre os romancistas de acentuada preocupação in-
timista, nlovendo problemas universais e humanos como Então pretendemos t er demonstrado que a trndt. ' . 1ohl11 111111
tins, O Modernismo, p. 82) . ,!
llllMll Hllll l
coisas exteriorizantes e de demonolog~a - Cornélio ção regional contaminou o Modernismo, fazendo per-
A partir de então, a linha esteticista de tendência Pena, Otávio de Fada, Lúcio Cardoso, Guimarães Rosa s istir nele as estruturas e técnicas literárias romíln• · · 1111111111,..
cos1nopolita ou européia e violeuta1nente revolucio- - a estrutura típica se impõe a confirmar a iinpossi- tico-realistas do século anterior, ligeira1nento motlli " 111411111 .1
bilidade de divórcio ci0n1 o co1nplexo cultural. ficadas no sentido de sua atualização, as quais coJu-:, ·;, h•t 111• 1111
nária de nossa ficção declina, para só voltar a se
erguer a p artir de 1953 e m diante. A ssin1, pois, de- cidiam com uma tendência do Neo-Realismo com ::·!,. litolllll' V
1 1111 111111 li
·.I
pois de 1928 surgem 'OS livros que marcam o O conservadorismo na literatura brasileira é ates- escola universal. "
1 fl' l 111 tllt
retorno de nossa ficção a suas tradições de século XIX, tado pela seguinte observação de Ass is Brasil ( Gui-
111arães Rosa, p. 32) : 6 • Linguagem 1lf111 Yll• 1
embora com inl'portantes atualizações. "E esse reví- ~ 11.-11 li
goramento ou reatan1euto se dá por intermédio,
As passagens <le nossas sucessivas "escolas" literárias, Vamos principiar com uma citação: r1.11111
especialmente, da chamada literatura do Nordeste ligadas a eventos políticos, sempre foram assinaladas pOr 1111 Ili Mlll
(Ver p. 86 de O M odernismo, de Wilson Martjn s). "novidades" temátic:as, não-técnicas ou formais. Velhos ' •1111111" ..

sotn,,
Alinhando-se, dentro da faixa tradic ionalista e re- Quanto à linguagem, é outro ponto de abrasileicrun,r11
temas ou novos, sempre do mesmo ponto de vista da
to, e m que o caráter nacional se empolgou no seoUdó";{lt 1111 ' '"•
gionalista, é bem compreensível que o primeiro im - linguagem, ou seja, da m esma visão do mundo - tal fato diferenciação. Desde os primeiros tempos, pelo 1111111 11111
pulso de todos os intcleptuais do Nordeste, aí pelas tinha que gerar, forçosamente, um artificialismo de con- pelo vocabulário, pela sintaxe, n. fala brasileira se . '.t' 11111111111111
alturas ele 1925, fosse o de refistir ao Modernis1no. cepção. A linguagem e ra apenas um instrumento, urn sentir, notada até pelos estrangeiros, como no ca&Q 11
Por isso, W. Martins afirn1a (p. 116): veículo, não se amalgan1ava ao todo organicamente. Padr~ Vieira, cujo sotaque "~rasiJ~ir.o" foi assinalndn,6 '111 " " ' li Ili'
l111t•llt1l1"
Metropole, segundo refere Joao Luc10 de Azevedo, ) '~"11 ....., ti li
"O Regionalismo de Recife foi, em larga tnedida, u m F er nando Correia Dias, en1 seu livro O Movilnento , diferenciação não foi sustada em tempo algum nl~ 11.11
antimodernismo - um antimodemisn10 que não ousa Modernista em Minas, p . 130, escreve: nossos dias, quando é muito maior o peso das Jnfl 11\1~ lt 1111!
I dizer o seu no1ne (e, nesse aspecto, ter-se-ia antecipado
à posição espiritualn1ente idêntica de Augusto Frederico E1n Minas os grupos literários de 1naior coesão tên1
4

cias divergentes.
De modo que, através da história, a conseiêtrel ·
111ft 11l lt 11
1

11111111, , ...
Schmidt) ." "Sendo antimodernista ou não, o que acaba coincidido, histe>rica1nente, co.m os n101nentos de maior cionalizante brasileira teve un1 constante desenvolv · 1111111111 \ln
.' ' acontecendo é que a grande influência das idéias regio- consciência regional. O "fradicionalisrno, quer o pura- to a pal'tir dos prilneiros colonos. De estranh ar Sêl.'J 111 •·--lllt

96 ·;

..
:\ 1'•1111 nollstas coincidiria com o período de nláxima expansüo n1ente de facto (expresso pela organização familiai, pela a literatura não traduzisse esse processo. E o fez, com
1 11111111 1111 ,
elo Modernismo, o qual j á havia proposto, em 1922, (em economia de subsistência, pelo artesanato, pelo cliente- certeza (A. Coutinho, A Tradição Afortunada, p. 168).
Ili• 111111111 1'
S. 'Pírulo), o programa que os romancistas do Nordeste lísmo político, pelo folc.lore), quer o ideológico, que se
lrlan1 realizar na década de 30." opõe racionalmente às mudanças - constitui uin dos Na história do Brasil há um dualismo entre o uso
111~111 h1•1 ••
traços do caráter regional, n despeito das profundas mo· de uma linguage1n que segue os cânones lusitanos e
·\;nll J'tA ' No capítulo intitulado "Tradição no Romance" dificações recentes no plano da mentalidade e no das o que segue os cânones populares nacionais. Esse
1•-111111 Ili•' (Ficcionistas Brasileiros de 30), Adonias Filho reco- relações sociais, ocasionadas pela urbanização e pela in· dualismo se caracteriza na atitude de Nabuco e Alen-
f' "''
111~1•1111(11111411fi1. nhece que dustrialização. Ora, o grupo mineiro, dotado do espírito
moderno, que procuramos caracterizar antes, procurou car, ou no estilo literário de Rui Barbosa e Má rio
ti11l 1l11 l i\ Ih integrar essa nova visão do mundo com a velha tradi· dê Andrade. Hoje, temos em Guimarães Rosa o
1u1s suas linhas mais flagrantes, suas tendências 1nais ção mineira. Com todo o ímpeto inovador, apelou para maior utilizador da lingu agem brasileira.
,,,. 4.111h ,, ostensivas, o romance brasileiro não se opõe à tradição
~111.11 1 11 ;\ o essa tradição continua sobretudo no círculo dos mo· as fontes culturais bem profundas de Minas.
vir_nentos temáticos. Na enorme variação das órbitas, Uma das mais fecundas conseqüên<:-.ias do Moder-
t.ln extroversão niais aberta ao intimismo mais fechado, Está assim caracterizado o que pretenden1os dizer, nismo diz respeito ao problema da língua e do estilo
o que se verifica é a continuidade mesIJ111. da tradição. isto é, o modernismo b1'asileiro, por força do nosso brasileiro como legftin·10 instrumento da literatura aqui
invencível lastro cultural, não rompeu com o tradi- produzida. Até então vigorava maciça a norma portu-
cionalismo. Pelo contrário, estabeleceu com ele u1na guesa, havendo escritores, como Rui Barbosa e Coelho
llá - diz ele - renovação técnica que traduzirá Neto, que se valia1n de uma linguagem inteiramente en1
cn1 termos de colocação plástica e experiência lin- convivência ·pacífica, de tal 1naneira que as estru- desacordo com o objeto que tinhan1 en1 rnira descrever
•111•· '" 'D gUfstica, sendo aí sensível a contribuição modernista . . turas expressionais da nossa ficção persistiram. Hou- ou tratar, vício tantas vezes verberado cm Coelho Neto
1.. 111l.it111 ®• Aos novos processos de construção, in1pondo percep· ve novo enfoque dos 1en1as e dos problemas locais e por José Veríssin10 e outros críticos. Essa estética a rcai-
çllo revolucionária de espaço, personagem e repre- novo aproveitamento lingüístico, mas da linguagem zante e lusitanizante em linguagem constituiu un1 dos
sentação, não se anulou entretanto a tradição no trân- como instrumento, como veículo. E essa p ermanên- elementos do "passadis1no" n1ais violentamente visados
sito mesmo da continuidade. cia das estruturas cxpressionais, essa sua revitaliza- pelo fogo modernista, tendo-se imagina.elo inclusive uma
Vejamos como enxerga Adonias Filho : ção, se fez a partir do regionalismo. Foi o regio- "gramatiquinha da fala brasileira" ( Mário de Andrade),
,..... li.,, nalismo como cultura tradicionalista-nacionalista que não levada a tem10 (A. Coutinho, Lit. no Brasil, v.
• ,,, ,ff1 1 ,, • ~ tradicionalista, en1 conseqüência de sua fusão co1n levou Mário de Andrade a repudiar Marinetti e os IV, p. 103).
o co rTipJexo cultural brasileiro, o romance contemporâ· estrangeirismos e obrigou o romance do Nordeste a
11eo. Seus livros marcantes refletem essa tradição. E mes· pegar a trilha que pegou. O que se constata é que a literatura nacional tem
n10 entre os ron1ancistas de acentuada preocupação in·
Então pretendemos ter demonstrado que a tradi- sido marcada por uma progressiva incorporação da
timista, movendo problemas universais e humanos co1no ção regional contaminou o Modernismo, fazendo per- linguagem popular, de que o regionalismo foi a f orça
coisas exterioriz.antes e de den1onologia - Cornélio propulsora, foi o n1otor .. Pode-se acusar o Modcr-
l'ena, Otávio de Faria, Lúcio Cardoso, Guimarães Rosa sistir nele as estruturas e técnicas literárias ro1nân-
......,..
' l 1' l 1 1li :.:.<1-IAll
- a estrutura típica se irnpõe a confinnar a irnpossi-
bllldflde de divórcio c,o n1 o coinplexo cultural.
tico-realistas do século anterior, ligeiramente n1odi-
ficadas no sentido de sua atualização, as quais coin·
nisn10 de, através do regionalismo docu1nental, va-
ler-se em dem asia do coloquialismo e até dos loca-
'l•ll1tl
cidiam com uma tendência do Neo-Realis1no como lisn1os vocabulares e s intáticos, na suposição falsa
1111 , .... de que o vocabulário ou o fraseado típicos pudesse111
O conservadorisn10 na literatura brasileira é ates· escola universal.
ludo pela seguinte observação de Assis Brasil ( G11i- gerar autenticidade. I negavelmente, o Modernismo,
6 . Linguagem através do regional, refundiu a língua literária bra-
1nar{ies Rosa, p . 32) :
sileira.
As passagens de nossas sucessivas "escolas" literárias, Vamos principiar com uma citação: D eixamos de escrever dentro das normas corretas
lígadas a eventos políticos, sempre foram assinaladas por da gramática descritiva ou normativa lusa para pas-
"novidades" temátic:as, não-técnicas ou formais. Velhos Quanto à linguagem, é outro ponto de abrasileiramcn· sarmos a escrever, retomando o filão romântico, den-
tomas ou novos, sempre do mesmo ponto de vista da to, em que o caráter nacional se empolgou no sentido da tro das normas da língua coloquial brasileira, com
Jlngoagcm, on seja, da mesma visão do mundo - tal fato diferenciação. Desde os primeiros tempos, pelo sotaque, uma grande m argem de insubmissão à língua lusa
linha q\1e gerar, forçosamente, um artificialismo de con- pelo vocabulário, pela sintaite, a fala brasileira se fez gramaticalizada. De qualquer forma, entretanto, enl-
cepção. A linguage1n era apenas um instrumento, um sentir, notada até pelos estrangeiros, como no caso do bora se valendo de iuna linguagem l'Il;ais tipica1nente
v íonlo, não se amalgan1ava ao todo organicamente. Padre Vieira, cujo sotaque "brasileiro" foi assinai ado na brasileira em todos e quaisquer aspectos, malgrado
!vfetrópole, segundo refere João Lúcio de Azevedo. Essa isso, a tradição ficcional que vingou no Modernisn10
ti 111~1111111
Fernaudo Correia Dias, etn seu livro O Movimento diferenciação não foi sustada em tempo algum até os
'Modernista em Minas, p. 130, escreve: , nossos dias, quando é muito maior o peso das inflnên· - tradição muito p resa aos cânones da ficção ro-
111~ hllt' llllhl
cias divergentes. mântico-realista - usava a língua com fins denota-
tivos, por excelência. O esquema de composição da ·
,.. •1111•. ''""
l•Jf , ., • .i. 'h. B111 Minas os grupos literários de maior coesão têm De modo que, através da história, a consciência na-
cionalizante brasileira teve um constante desenvolvin1cn· narrativa tradicional obedece à imposição da p ro-
. ti ' \''• tt• •• 1. aol.noidldo, historicamente, com os m()meotos de maior
1 !oi- ti• 1 •·11,,1 consciGncia regional. O Tradicionalismo, quer o pura- to a partir dos primeiros colonos. De estranhar seria que gressão cronol6gica e estrutura linear. Nele, a lin-
TEND~NCIAS REGIONALISTAS. . . 97

guagem é instrun1ento, é veículo, pretende descrever, universo mental dos tipos region ais, universo mental 11ou Rui Barbosa o símbolo do intelectual brasileiro, ; 11111111, 1111
reconstituir, reconstruir uma realidade na base d a m i-
mese, em lugar de recriar essa realidade. O rom ance
que só pode ser colhido ao nível da linguagem. Pois,
para algumas p essoas (pelo menos algumas pessoas),
foma que a rebelião modernista não conseguiu der~ l tll '""'º
ruir ; é ainda o difícil que nos deslumbra em EucU" , 1111•111• •I
regional brasileiro, embora surgindo ao tempo em o pensamento humano tem sempre como ponto de dcs da Cunha, o prosador n1ais famanã no .consenso 114' IHlltii'
que as experiências de P roust, Joyce, F aulkner e apoio as formulações verbais ou seja : a língua é a geral, embora Os Sertões (que pena!) seja desses li- 1111.111111 '
outros já existiam, não incorporou suas técnicas e in- realidade imediata do p ensamento. E essas formu- vros de que se diz: não li, mas gostei. O empolo, 1111111 lln
venções. Quando 1n uito, valeu-se de alguns recursos lações verbais ou seguem os padrões lusitanos ou o confuso, o retorcido, o caótico, o escuroso de ca. 11·- 1llf11t
impressionistas e expressionistas. seguem os p adrões brasileiros. ta-cego é uma das forças de Guimarães Rosa, o malor h~111 11111
Igualtnente n a literatura da chamada (n ão discuto E que d izer ainda do dualismo do estilo utilizado escritor dos últimos tempos, embora continue sendo p11a111h11•
.' . pela literatura brasileira, especialmente a regional?
se p rópria ou imp ropriamente) vertente psicológica lido apenas por imposição das tarefas universi~árias. M 1111 1
ou introspectiva ou de costumes, o peso do conser- O autor brasileiro habitualmente se utiliza de dois Mns é uma imposição afortunada porque sua linglll\• po j111h11
vadoris1no foi quase absoluto. Quando muito, na cha- estilos de linguagem - um coloquial-popular para gem, sua literatu ra vieram abalar e subverter o fa- . 11111•1111, 1
mada literatura n1odernista, poden1os encontrar al- reproduzir o diálogo direto nas falas das persona- n1oso conceito de que escrever bem é escrever cer• 101~ li•11tt
guns traços inovadores nos livros de Adelino Maga- gens. Aí a linguagem era a mais popular possível, tlnho segun do as normas dos relatórios oficiais calp 11IH1l1u111J
lhães, Mário e Oswald de Andrade e posterior1nente caindo, não raro, num idioleto ininteligível. Fora daí, cados na n1ais estratificada gramática normativa de 1·c•111 11 1
e1n Geraldo F erraz e no Assunção de Salviano, de quando era a narração do autor, a linguagem se re- cunho lusitano. Com sua autoridade, Guimarães Ro- 1·111111, 1h
Antô11io (;aliado, principalmente pelo oso do estilo vestia daquilo que se ch amava a forma castiça, para sa fez recuar os donos da boa norma lingüística bra- < l't11 111
indireto livre ou inonólogo interior indireto. No demonstrar que o autor não era um caipira, um besta silcira, todos eles assalariados da gran1ática lusa, para 11111111111119'
demais, para a. literatura introspectiva, o m.o delo se- qualquer, mas conhecedor da língua segundo os câ- os quais o so1n brasileiro é u1na vergonha e um ab• 1•~h 11l 1t1111
r ia ainda Machado de Assis. nones lusitnnos dos castilhos, can1ilos ou eças, o que, s~1rdo . }>ode-se dizer que G . Rosa é. o escritor que, IA 11~ 1111•
Na literatura regional há um problema fundamen- no Br asil, até hoje, é marca de status social, corno no lado de Euclides da Cunha, não tornou o ca1n- · ' A1, ,,,,.
tal: que linguage1n deve falar o hon1em inculto, o se1npre o foi n a Colônia. ponês (desculpe pelo termo ) , ridículo, bobo, chato, Ir 1 "'' •
roceiro, o vaqueiro, geralmente analfabeto, atrasado Caiu assim a linguagem literáJ;ia num formalismo Idiota e selvagem. G. Rosa deu dignidade, deu com• ·ulpl1n, '
e integrado no contexto da cultura tradicional brasi- dos m ais extravagantes, de qu e só agora a partir de postura h umana à língua do povo, que M anuel Ban- 1111111111
leira? Esse ho1ncm tem que falar, mas que fala usará? 1953 vamos nos libertando com as experiências de deira ainda chama "língua errada do p ovo" . ' 1"'"'• 1 106
Preso à tradição e ao valor do documentário, ao Guimarães Rosa, Autran Dourado, Antônio Callado O pernosticismo é outro requisito de prestígio na- 1· 1 1 11 1 11 11 ~
regionalismo tem sido difícil aceitar a teoria de que e outros. cioual. O pernóstico responde em grande parte pela 1111 11111 11
o mundo da ficção vagos compro1n issos mantém com Aqui é oportuno considerar que não é fundamen- fam a de Rui, Coelho Neto e outros, merecendo t e· li11hll1n1I
a realidadé do contexto, do ambiente sociogeográ- tal o aproveitamento quantioso de vocábulos e lin- ferência muito especial Augusto dos Anjos. Ser per· 1"' h 1111111
fico. Daí o autor regional prender-se à fotogr afia da guajar popular ou coloquial para dar nível artístico oóstico jã é genialidade do Brasil. Por aí se vê o · lll'll-111111
fala de uma forma documental. Só agora se começa superior a uma obra. Valendo-se de uma linguagem valor de um Mário de Andrade. 1111•11111, ..
a aceitar aquela form ulação de Assis Brasil, segundo brasileira, mas não muito enriquecida de marcas po- Aqui já se pode encarar o problema fundamental 1111111 1·1111
o qual "o escritor se aliena na medida em que seu pulares region ais, isto é, valendo-se de uma lingua- da língua p ortuguesa. A verdade é que há um por· ' I'''' 1t11 A
instrumento de comunicação deixa de exprimir a sua gem mais pendente p ara a linguagem culta, obtive- tuguês do Brasil e um português de Portugal, alta- ( h 11, 11
realidade em função da realidade em que atua". ram excelentes resu ltados autores como Adonias Fi- mente diferenciados. Mas outra verdade é que o b o- 11111 • 11111
Corolário disso, ,p ara ele, é o exen1plo de -Albert Ca- lho, Graciliano Ramos e tantos outros. É questão nito, o fino é n egar essa verdade e afirmar 'q ue a X 11 11" f
mus que escreveu uma novela que se passa no inte- de arte. Jíngua. portuguesa é de uma unidade perfeita. E ssa. lh1111111 lttt
rior de São Paulo, com personagens e ambiente bra- Neste particular, ainda temos que reconhecer que atitude é muito cô111oda porque nos desobriga de es- , r 11n111 li"
~ileiros ·de macumba. Aí, Can1us se exprime numa quem melhor consegue uma linguagem adequada é tudar o fato e p rocurar resolvê-lo da melhor for1na. A111•11 Nu
língua •que não é das personagens, mas consegue r-e- Guimarães Rosa, embora ainda entenda que ele se Estamos sempre contornando o problema, adiando.o1 Ili 1•1111111
criar ambiente e personagens com os recursos lin- deixou prender e1n demasia ao padrão lusitano e gra- enquanto cada dia, maior é o vão entre a língua do 1&1111 111111
güísticos de out ro idioma que é o idioma usado por 1natical. Em Gu.irnarães Rosa va1nos encontrar a fu- Br asil e a ele Portugal ou entre a língua culta brasi• 1111 111.111uh
Camus. são de diversos aspectos do espírito nacional com leira (de cunho luso) e a língua popular ou incult,1. ··· 1•1•1'11 t·f1141
Por outro lado, não é apenas a linguagem direta técnicas estilísticas estrangeiras, confluência que per- P ara mascarar o problema, dizetnos que isso acon• "
das personagens através dos diálogos que deve man- mitiu que essas técnicas estrangeiras vingassem entre tece no niundo inteiro, que isso é um problema mais ·~, 1
ter fidelidade com o Jingu ajar regional, como faziam nós, como veremos adiante. agravado n os países de l íngua importada, que a lÍ!).• .. r ul11 , 1111 '
os regionalistas na su a maioria. fi, também a lingua- E que dizer do linguajar empolado, düícil, rebus- gua falad a é uma e a escrita ou literária é outra 1 .. · 1·1111111 11 u
gem narrativa, o discurso, a linguagem do autor-nar- cado, tão do agrado de Guimarães Rosa? Atrás já que afinal de contas n ão existe diferença nenhuma '
rador, ou do autor-p ersonage1n-narrador que, em úl- nos referimos: nesse barroquismo está u m dos maio- senão pequ enas alterações fônicas, que se diferen9a . J 1
tima instância, significa o . pensamento, significa o res encantamentos d o povo. Foi o empolado que tor· existe é prodnto da ignorância, que o que ex iste 6
98
."
1l~·•H · l 1•\'l universo i.nental dos tipos regionais, universo mental nou Rui Barbosa o símbolo do intelectual brasileiro, pequeno conheciment~ de lingüísti.ca no Br~.sil ~O~·
1 111~1· 1111 , ... que só pode ser colhido ao nível da linguagem. Pois, fama que a rebelião modernista não conseguiu de~­ tra maior cultura filologica dos lus1ta11os, enfim, mu-
1 1 l 1111 ltHll 1 para algumas pessoas (pelo menos algumas pessoas), ruir; é ainda o difícil que nos deslumbra em Euclt- meras são as fórmulas inventadas para que afinal não
h•IUJl• I 1·tt o pensamento humano tem. sempre. como ,ponto, de des da Cunha, o prosador niais famanã no consenso se perceba o vão que cada . dia ,c~esc~ 1nais, _feliz;
f '1Htl~111•1 apoio as formulações verbais ou Seja: a 11ngua e a geral, embora Os Sertões (que pena!) seja desses li- rnente. Outro argumento nlu1to serio e que nao ha
• 1111 ''" I' 1 realidade imediata do pensamento. E essas formu- vros de que se diz: não li, mas gostei. O empolo, urna língua popular brasileira. Senão inú1neros fala-
li- li ·• (i1 " ' '"
lnções verbais ou seguem os padrões · lusitanos ou o confuso, o retorcido, o caótico, o escuroso de ca- res diferentes. Com coisa que os falares cultos tatn·
seguetn os padrões brasileiros. ta-cego é uma das forças de Guimarães Rosa, o maior bé1n não são tão nun1erosos quanto os incultos ou
111111 eli ~· ri h E que dizer ainda do dualisn10 do estilo utilizado ·. escritor dos (1ltimos tempos, embora continue sendo populares. Tanto nun1 con10 no outro, há un1a norma.
, ...... 11lf•1th .. pela literatura ?rasileir~, especialmente..ª regiona~? lido apenas por imposição das tarefas universi~ârias. Mas temos que reconhecer que há uma linguagen1
1111 1·1 ll l 'lt' . O autor brasileiro hab1tualmente se ut1ltza de dois Mas é uma imposição afortunada porque sua lingua- popular praticada por cerca de 90% do povo bra·
1lh1, ,,,, l ~ li• estilos de linguagem -· un1 coloquial-popular para gem, sua literatura vieram abalar e subverter o fa- sileiro, linguagem totalmente diferenciada da fixada
;
li 1111 lt •li " ' . reproduzir o diálogo direto 1U1S falas das persona- moso conceito de que .escrever bem é escrever cer- nas gramáticas normativas ou descritivas de cunho
111111 ~f 1VJ!< . guns. Aí a linguagem era a mais popular possível, tinho segundo as normas dos relatórios oficiais cal- nitidamente lusitano, gramáticas essas que estabele-
l 1·11>11 11n•1 caindo, não raro, num idioleto ininteligível. Fora daí, cados na mais estratificada gramática normativa de cem a regra do falar e escrever de uma minoria
11/1 '•1111•, ~ . quando era a narração do autor, a linguage!'l se re- cunho lusitano. Com sua autoridade, Guimarães Ro- culta, rica, oficial.
11 1111 t·••I ' vestia daquilo que se chamava a forma castiça, para sa fez recuar os donos da boa norma lingüística bra- Por simples preconceito herdado da Colônia, não
111111·1l i dotnonstrar que o autor não era um caipira, um besta sileira, todos eles assalariados da gra1nática lusa, para tomamos conhecimento da língua brasileira, não a
qunlquer, mas conhecedor da língua segundo os câ- os quais o som brasileiro é uma vergonha e urn ab- estudamos, não a polimos, não a afeiçoamos. O que
nones lusitanos dos castil'hos, can1ilos ou eças, o que, sµrdo. Pode-se dizer que G. Rosa e· o escritor que, já existe é ainda muito pobre e tímido, inclusive
.no Brasil, até hoje, é tnarca de status social, corno ao lado de Euclides da Cunha, não tornou o cam- O Modernismo Brasileiro e "· Língua f'ortuguesa,
sonipre o foi na Colônia. . ponês (desculpe pelo term.o), ridículo, bobo, chato, de Luís Carlos Lessa. Que sirva de exen1plo a língua
Caiu assim a linguagem literária num formalismo idiota e selvagem. G. Rosa deu dignidade, deu con1- caipira, u1n dos. 4 subdialetos brasileiros. O caipira
dos mais extravagantes, de que só agora a partir de postura hum.a.na à língua do povo, que Manuel Ban~ é falado no Rio de Janeiro, São P aulo, Minas Ge·
1953 vamos nos libertando com as experiências çle deira ainda chama "língua. errada do povo". rais, Goiás, Mato Grosso e ainda no Espírito ~anto
Ouhnarães Rosa, Autran Dourado, Antônio Callado O pernosticismo é outro requisito de prestígio na- e Paraná - é o eixo do catninho das bandeiras e
o outros. cional. O pernóstico responde em grande parte pela do ouro. Só nesses Estados te1nos 50 ntilhões de
Aqui é oportuno considerar que não é fu11da1nen- fama de Rui, Coelho Neto e outros, merecendo re· habitantes; se se considerar que 70% fala o caipira
tnl o aproveitamento quantioso de vocábulos e lin- ferência muito especial Augusto dos Anjos. Ser per- ( achan1os que 90% o fala), temos 3 5 milhões de
g1.11.1jar popular ou coloquial para dar nível artístico nóstico já é genjaJidade do Brasil. Por aí se vê o pessoas falando un1a língua que não existe o.ficial-
superior a uma obra. Valendo-se de uma linguagem valor de um Mário de Andrade. 1nente, embora seus usuários seja1n portadores de
brasileira, mas não muito enriquecida de inarcas po- Aqui já se pode encarar o problema fundamental uma cultura diferenciada. 35 111ilhões, população su·
.... 1 1111• 1 pulares regionais, isto é, val~ndo-se de uma lin~ua­ da língua portuguesa. A verdade é que há um por- perior à de muitos países!
H li11lt 1 BOtn n1ais pendente para a hnguagem culta, obtive- tuguês do Brasil e 111n português de Portugal, alta- Ora, se os falantes dessa lingua caipira tivessem
r11.1n excelentes resultados autores como Adonias Fi- 1nente diferenciados. Mas outra verdade é que o bo- um suporte político com<? teve Portugal no século
lho, Graciliano Ramos e tantos outros. t!. questão nito, o fino é negar essa verdade e afirmar que a XII da Era Cristã, quando se fez inde.pendente, sua
de ~\rte. língua portuguesa é de un1a unidade perfeita. Essa lí11gua se tornaria u.m a nova língua, da mesma forma
Neste particular, ainda temos que reconhecer que atitude é muito cômoda porque nos desobriga de es- como naquela época con1eçou a tornar-se o Portu-
quem melhor consegue u1na linguagem adequada é tudar o fato e procurar resolvê-lo da melhor forrna. guês. No entanto, a língua caipira é proibida de exis-
Oubnarães Rosa, embora ainda entenda que ele se Estamos sempre contornando o problema, adiando-o, tir cbtno se proibiu no Brasil colonial o uso da "lín-
dc, lx.ou prender em demasia ao padrão lusitano e gra- enquanto cada dia, maior é .o vão entre a língua do gua geral". E o pior: o que a proíbe de existir são
1naticaJ. Em Gui1narães Rosa vamos encontrar a fu- Brasil e a de Portugal ou entre a língua culta brasi- arraigados preconceitos, naturaln1ente q\le impostos
11l\o de djversos aspectos do espírito nacional com leira (de cunho luso) . e a língua popular ou inculta. pela classe dominante. São QS maiores:
tllll·lll .,~• • ,' ' técnicas estilísticas estrangeiras, confluência que per- Para mascarar o problema, dizemos que isso acon-
tft•Y" Hill fi1itlu que essas técnicas estrangeiras vingassem entre tece no mundo inteiro, que isso é un1 problema mais 1 - A língua popular é considerada feia, ridí-
ltlll li l 111 fllll ' n611, con10 veremos adiante. agravado nos países de língua importada, que a lín- cula, infer ior, grosseira pela classe subserviente à
111 11 111111111'1 E que dizer do linguajar empolado, difícil, rebus- gua falada é uma e a escrita ou literária é outra, cultura lingiiística européia.
li 11111111 11•11 ": cado, tão do agrado de Guimarães Rosa? Atrás jã que afinal de contas não existe diferença nenhun1a
11u1., 1•111 ,it HOI! referimos: nesse barroquismo está um dos maio- senão pequenas alterações fônicas, que se diferença 2 - Pela sua condição de sub1nissão social e eco-
"'•11 li li... • res 01\cru1ta1nentos do povo. Foi o empolado que tor- existe é produto da ignorância, que o que existe é nômica, os que falam a língua popular são analfa·
TENDÊNCIAS REGIONALISTA!:>. .. 99

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tnva "cruutano". Por "cruutano" significava olé ~


betos e não podem ler o que por acaso se escrevesse tura, - a verdade é que nós ·brasileiros continuamôs o coinchar carinhoso de uma porca recém-parida ao .
nessa 11ngua, que as classes ricas repudiam. teimando em nos desconhecer e o caso da línguf 11mamentar os bacorinhos. A palavra "cruutar" não ,;
brasileira é típico. Ainda agora para escrever "~ existe. Foi inventada no fluxo da conversa. ~
A partir daí. discordo do Mestre José An1érico de gua brasileira", tremeu-me a n1ão. Vejamos o pr6pó01' '
Numa fazenda que eu freqüento tem um rego ·
Almeida quando afirma na introdução de A Baga- Mário de Andrade. Já li que ele afirmara mais o que costuma secar no rigor da estiagem. Em certo
ceira: menos o seguinte: que não lhe interessava que C? julho perguntei ao .zelador da fazenda: - cosno •
.
A lingua nacional tem rr e ss finais. . . Deve ser uti-
lessem; o que lhe interessava era escrever brasileiro. J vni o reg9, já secou? •
lizada sem os plebeísmos que lhe afeian1 a formação. Nunca pude ler essa assertiva, n1as se ele a fez, fo: 'Respondeu-me ele que o rego vinha "treguejano''.
'Brasileirismo não é corruptela nem solecismo. A plebt" pura farroma. Suas inovações no campo da língua A palavra "treguejar" não existe, foi inventada no
fala errado; n1as escrever 6 disciplinar e construir ... são muito tímidas; ele falava e1n escrever uma '"gra..:._ irnproviso da fala, mas é constituída do cruzamento
!' nlatiquinha' da fala brasileira", mas jacaré escreveu?' de "trégua" e "fraquejar", isto é, treguejar q11er
Van1os analisar cada un1a dessas afirmações: 1) Para sermos exatos, remos que reconhecer que "lín-: dizer que o rego vinha apresent~n~o tréguas ~o s~u ·5
Justamente o que a língua nacional não possui, são gua brasileira" 1nesmo· a gente só vaí encontrar em . fluir. Muitos outros recursos pr1nc1palmente 11nglhs· :
os tr e os ss finais. Como no francês, os ss finais não Cornélio Pires e José Bento de Oliveira (Nhô Ben- ticos poderiam ser citados.
se pronuncia1n, nem é o s sinal de plural. O plural to), autor de Rosário de Capiá. Se a literatura deles Ainda devíamos abordar aspectos fundamentais •,,
só se faz nos artigos e nos prono1nes demonstrativos. não presta não se culpe a Jí'ngua, culpe-se o artista. · da literatura 1noderna como seja o aproveitamento "r
Os rr como os ll finais igualmente não se pronun- Esta minha afirmativa pode parecer bobagem gros-· do n1ágico, do fantástico, do imaginoso e mítico ou
cia1n. 2) O que seja plebcís1no e porque os ple- sa, mas o que ente11de1nos é que estamos em plena nleg6rico, a exemplo do que se encontra em José \
beísn1os afeia1n a formação são outras afirmativas elaboração de u1na língua e é preciso discutir o as- :. Câ!ldido de Carvalho, Ariano Suassuna e outros, tudo
destituídas de sentido. O léxico português surgiu jus- dentro da melhor tradição de nosso fabulário po•
sunto. Muito se fala no aproveitamento da linguagem ·
tan1ente dos plebeísmos latinos ou melhor: do latim pular do tipo das infindáveis aventuras de pedros
plebeu ou senno vulgar. O senso do bonito ou feio brasileira dos modernistas e dos regionalistas, mas, se ·
fizermos um balanço, pouco restará. Afonso Arinos · n1alasartes e outras estórias em que o fantásti co,
1
1
dentro de uma língua ou numa língua é um valor o poético,' o místico, o imaginoso é a substância res·
muitíssirno relativo. 2 questão de hábito, de cultura, via o sertão e o sertanejo como um proprietário ab- ·
senteísta que fosse à fazenda, a percorresse de vez . ponsável por sua sustentaç.ã~ e d~dobrament?., Por
de aceitação social. 3) Brasileirismo não é corrup- aí entraríamos num dos filoes mais extraordmarios ,
tela nesn solecismo. Eis novo absurdo. As lmguas que em quando, vendo tudo com seus olhos e seus sen- :
e bem pouco estudados de nossa literatura oral. •
evoluem de outras, como é o caso das línguas neo- tirnentos de patrão ausente; Lins do Rêgo ficou em ·
latinas, têm nas corruptelas a princip al força forma- algumas construções sintáticas, frases e vocábulos;
dora de . novos vocábulos, como nos ensinam as fi- Graciliano Ramos contornou o problema porque seu
guras de metaplasmo. Foi através da corruptela e Fabiano não fala, não pronuncia frases.
dos solecismos que o latim se fez romance e depois Aí concluir-se que, n a verdade, o autor que teve
Português, foram esses supostos defeitos que deram maior penetração no uso do linguajar popular em
às linguas novilatinas seu gênio peculiar e genuíno. todos os seus solecismos e corruptelas ainda é Gui-
E são essas mcsn1as leis da corruptela e solecismos n1arães Rosa. Pelo menos nele o roceiro, o sertanejo
que continuam agindo de maneira a forjar no Brasil não é um estúpido.
'' nma outra língua que certamente não será o caipira, •
J

mas dele n1uito se aproximará. Desde Vieira, com 7 . Aceitação de inovações literárias estrangeiras
..'
!!Scala por Alencar, Már.io de Andrade.; Guimarã~s coincidentes com a cultura brasileira '
·Rosa, Waldomiro Silveira, Cornélio Pires, Catul9 da
Paixão Cearense e inuitos outros vem ela se elabo- .Entendemos que as técnicas literárias estrangeiras
rando firmemente, quer queiram, quer não queiram importadas só vingam quando coincidem com ten-
1 os defensores dii excelência do português luso .. E to- dências semelhantes da cultura nacio11al. :e, o caso da ;·.t:
,,,í rnara que a língua brasileira abandone de vez essa composição de palavras - hábito arraigado no ro· ;;'·
.,
rnalsinada riqueza de .flexão verbal, abandone essa ceiro, inegavelmente, e prática de alguns autores es- ,'
abundância de plural e se fixe numa forma mais sim- trangeiros. Aí, como a técnica estrangeira concorda
1,' ples, como é o Inglês e como é o Caipira. com uma tendência, com uma prática cultural bra-
1 Apesar de enchermos a boca com .QOsso naciona- sileira, houve fácil assimilação pela linguagem lite-
lisn10, brasileirisn10, ,patriotismo, etc., apesar d.e vir- rária brasileira. O povo criou a palavra "aprocbe-
1
1 mos dizendo que o Modernisn10 criou em nós uma gar", que é um cruzamento de "aproximar", com
consciência n1ais nítida da autenticidade de nossa cu!- "chegar". Já ouvi a um roceiro dizer que a porca
100
..
.... tura, - a verdade é que nós br asileiros continuamos
estava "cruutano". P or "cruutano" significava ele
o coinchar carinhoso de uma porca recém-parida ao
11 111 teimando em nos desconhecer e o caso da língua runamentar os bacorinhos. A palavr a "cruutar" não
brasileira é típico. Ainda agora para escrever "lín- existe. Foi inventada no fluxo da conversa.
gua brasileira", tremeu-me a mão. Vejamos o próprio N uma fazenda que eu fr eqüento tem um rego
Nfário de Andrade. Já li que ele afirmara mais ou que costuma secar no rigor da estiagem. Em certo
rnenos o seguinte: que não lhe interessava que o julho p erguntei ao .zelador da fazenda: - con10
lessem ; o que lhe interessava era escrever brasileiro. vai o rego, já secou?
Nunca pude ler essa assertiva, m as se ele a fez, foi •
Respondeu-me ele que o rego vinha "treguejano".
pura fa rroma. Suas inovações no campo da língua A palavra "treguejar" não existe, foi inventada uo
s. o 1nuito tímidas; ele falava e1n escrever uma "'gra- improviso da fala, mas é constituída do cruzamento
rnatiquinha' da .fala brasileira", mas jacaré escreveu? de " trégua" e "fr aquejar", isto é, treguejar quer
11 1111~11'·•• Pnrtl sermos exatos, temos que reconhecer que "lín- dizer que o rego vinh~ apresentando tréguas no seu
ti I'"~"~"' gun brasileira" 1nesmo' a gente só vai encontrar em fluir. Muitos outros recursos principalmente lingüís-
lt 1111>11• Cotnélio 'Pires e José Bento de Oliveira (Nhô Ben- ticos poderiam ser citados.
1111 1 1 pt l:o), autor de Rosário de Capiá. Se a literatura deles Ainda devía1nos abordar aspectos fundamentais
nl-lo presta não se culpe a Hngua, culpe-se o artista. da literatura 1noderna como seja o aproveitamento
t!sta m inha afirmativa pode parecer bobagem gros- do 1nágico, do fantástico, do i1naginoso e mítico ou
sa, rnas o que entendemos é que estamos em plena alegórico, a exemplo do que se encontra em José
elaboração de uma língua e é preciso discutir o as- Cândido de Carvalho, Ariano Suassuna e outros, tudo
sunto. Muito se fala no aproveitamento da linguage1n dentro da melhor tradição de nosso fabulário po-
"1
brasileira dos modernistas e dos regionalistas, mas, se pular do tipo das infindáveis aventuras de pedros
Cizo1·n1os um balanço, pouco restará. Afonso Arinos malasartes, e outras estórias em que o fantástico,
o poético, o místico, o imaginoso é a substância res- l
via o sertão e o sertanejo como um proprietário ab-
scr\lcísta que fosse à fazend a, a percorresse de vez ponsável por sua sustentação e desdobramento. Por
aí entraríamos num dos filões mais extraordinários
on1 quando, vendo tudo com seus olhos e seus sen- e ben1 pouco estudados de nossa literatura oral.
timentos de patrão ausente; Lins do Rêgo ficou em
nlgumas construções sintáticas, frases e vocábulos;
~11111111 G raciliano Ramos contornou o problema porque seu
• tll lllj~h Fnbiano não fala, não pronuncia frases.
UI " 1 j, 1 00s Ai concluir-se que, na verdade, o autor que teve
•Ili• 11\'~t• n1aior penetração no uso do linguajar popular em
I t• j.11 IU1 lodos os seus solecismos e corruptelas ainda é Gui-
•· ... 1l1 1 ''•ti......- 1narãcs Rosa. Pelo m enos nele o roceiro, o sertanejo
tur 1111 ~h niio é u1n estúpido.
" ' lt 1 11lp l'
\' lt•h +I, 1 111 7 . Aceitação de inovações literárias estrangeiras
, '°~'fl hH'lll Ih • coincidentes com a cultura brasileira
1, 1 nlt1lt1 t
tiht ~·· 1•l11ht E11londemos que as técnicas literárias estrangeiras
111111 •tlll•h .~ lmporta<l,as só vingam quando coincidem com ten-
- 111"1' , , ' dl'.lncias semelhantes da cultura nacional. ~ o caso da
coniposição de palavras - hábito arraigado no ro-
IH llt litlll • 1·11 ceiro, inegavelmente, e prática de alguns autores es-
011 111111.... 1 ~u trangeiros. Aí, como a técnica estrangeira concorda
h11 aom u11u1 tendência, com uma prática cultural bra-
,_ .... 11 111·11111 1 tilloirn, houve fácil assimilação pela linguagem lite-
l'~....11 i1' \•' rdrln brusileira. O povo criou a palavra "aproche-
..111 111\" Hll fl ft'11'", que é \Jm cruzamento de "aproximar", com
1l1o 1111•~11 1 t i ! . ohcgor". Já ouvi a um roceiro dizer que a porca
TEND~NC IAS REGIONALISTAS.. . 101
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A CRíTICA NO MODERN·I SMO
Eliane Zagury

,.

'•
1
,,,,,,.,
1

-
Quando a Sen1ana de Ar te Moderna fez vinte
anos, Mário de Andrade afirmou, em conferência:
"
Quanto à conquista do direito permanente de pes-
...... quisa estética, creio não ser possível qualquer contra-
dição: é a vitória grande do movimento no campo da
artel .
iflff f ,4
Realn1ente, passados mais trinta anos, não há o
que discutir. Entretanto, se foi possível a fixação
de uma premissa criadora de tamanha importância,
cabe-nos hoje uma sondagem mais profunda dos ar-
redores do fenômeno. Sua história de fatos exaus-
tivan1ente já se organiza - mas não é o bastante.
Ligações co1n a realidade sócio-econômico-politica
têm sido feitas com certo sucesso - mas ainda não
~· ,, I ''' 11ltrJ
11111,. \' li \\\ é este o ponto que nos interessa. Faltam ilações para
a compreensão global do fenômeno, estritamente
,. dentro da área da evolução intelectual do homem
brasileiro. ,
( 1) "0 Movimento Modernista". l n: Aspectos da Lilera111ri1
JJrasl/e/r o, São Paulo, Martins, s.d., p . 249.
j

1 de talen to muito e nenhum saber. Substitui-se 1111 1 411111


A complexidade desta problemática não nos per- tenção de alertar o autor quanto a algum ponto ne' 11• llllllU
pelo brilho disfarçador, o cuidado da forma por. un
mi te, por enquanto, mais que a sua enunciação. En- gativo de sua obra, fosse principalmente na intençã vuga (e aliás facilmente intimidada) intenção soctl\l} l;) 1111111 11•
tretanto, po demos nos decidir por um caminho h u- de explicar, para o leitor, os valores estéticos em brilho satisfaz as moças, as intenções sociais gara.QJ.t'111 1lt111lltt11
milde e parcial de raciocínio e análise que talvez questão. Uma crítica essencialmente analítica. Aliás o aplauso de certos ameaçador_:s . fantasmas., ~ ní.istu· .. ti 11111< li
nos leve a ident ificar 11m dos elementos dessa evo- en1 ensaio sobre Tristão de Ataíd e2, Mário de An rando à receita algumas concessoe:anhas ao publtco, 11111t~A11
lução intelectual do homem br asileiro. drade se insurge ra d icaln1ente contra a síntese crÍ· den1agogia, repetição de processos bem sucedidos an.~r~
Se foi possível a conquista do d ireito permanente tica, naquele momento de evolução intelectual bra-. elogio n1útuo nos jornais e alguns eloqüentes inal·. · tti ..,.
de pesquisa estética, é porque o seu reverso, de u1na sileira: ris1nos septimentais, é fácil a c.elebridade em vid.a .(lii 1 lt11 1lt1h•
forn1a ou outra, foi plenamente assumido. Ao direito ,
• esperança das estátuas para além da morte. E há n\UU
( . permanente de pesquisa estética corresponde inse- Con10 crítico literário, Tristão de· Ataíde sofria< dos
defeitos por assi1n dizer já tradicionais na crítica lite-
disto tudo na literatura contempord.nea do Brasil.
Ih t11,1 li ''º
paravelmente um dever pern1ane11te de vigilância es-
rária brasileira desde Sílvio Romero. Nesta barafu nda, Mas, o temperamento de M ário de Andrade fazJ.a~Cl :;
tética. afirmar en1 carta a Dante de L aytano 4 : ~
111111 ""\
Trata-se da Crítica, 110 seu n1ais alto sentido. Além
que é o Brasil, os nossos críticos são impelidos a ajun- ' . r'--11 'º"
111l l'~H 1111
tar as personalidades e as obras, pela · precisão ilusória -~
da crítica do próprio artista, presente no ato de cria- de en xerga r o que não existe a inda, a nação. .D aí uma E eu, insisto em que toda e qualquer crítica. deve''.·
ção; além do próprio espírito c rítico característico ser isso, ser principahnente isso: um ato de amor ( . . , ) 1'.,, """'
p111h1 1h
...
crítica prematuran1ente sintética, se contentando de ge· ,
da qua lidade jovem cio M.odemismo como estilo. É neralizações muitas vezes apressadas, outras inteiramen- ' llltitlhl ..
a Crítica como atitude consciente assumida e rea- te falsas. Apregoando o nosso individualismo, eles so- ' e o fazia a firmar, ta1nbém e1n carta, a João CoutJó$t
.. . .:
lizada honesta111ente, pelo artigo de jornal e pelo en- cia/izan·1 tudo. Quando a atitude tinha de ser de análise • 11-••I
saio em revista . É a vigilância estética lindamente das personalidades e às vezes mes1no de cada obra em Eu adoro a liberd ade do julgamento, porém, itn»M- A1ul1111I
exercid a por esses d ois pilares do movimento que particular, eles sintetizavan1 as correntes, imaginando que cialidade não sei o que é. Lhe tenho mesn10 abjtl~fio 11111 1 11 1 I
são os Andrades, Mário e Oswald. o conhecimento de Brasil viria da síntese. Ora tal síntese ., e a considero estúpida e mesquinha. Eu sempre coniilo- 11-~ h11111
era, especialmente en1 relação aos fenômenos culturais, nei chorando.
Cabe aqui um parêntese. J á é ten1po de eliminar imposs(vel: porque, como sucede com todos os outros
a gangorra aparente, no mercado de valorações, d e povos an1ericanos, a nossa forn1ação nacional não é na- Esse n1esmo temperan1ento obrigou-o, em 1944,
'
' ~t .. li
:tvl ário e Oswald. É uma concorrência tão inexis- tural, não é espontânea, não é, por assim dizer, lógica. ' 111111111111I
1
um desabafo verdadeiramente importante, porqw .
r tente, quanto póstuma, fabricada como escudo de Dai a imundície de contrastes que somos. Não é tempo
ainda de compreender a alma-brasil por síntese. Porque
expressa com todas as letras o grande dilema do orl~. '
tendências estéticas também apa rentemente contrá-
rias. É preciso entender que havia apenas uma d ife- nesta ou a gente cai em afirmações precárias, e inda tico didát ico e analítico: · .. ''''"
1lt•llt •H 111
rença temperamental, que transformava uni em con1- por cima confusionistas, como Tristão de Ataíde quando l1llhlt11l1t
declara que o sentimento religioso "é a própria alma Felizniente que já não sou mais crítico profisslOil!l1'
plemento do outro. E me parece mesmo im possível de literatura, basta. Hoje eu sobrenado na calmaria 'llJ'to '. tl1ul" 1o
brasileira, o que temos de mais diferente (sic), o que tuosa da crítica apologética, que tanto enquizila a otítlet ·: IA 11111..
comp reender a impor tância histórica de c ada u n1,
sem Jevar e m conta o conjunto dos dois, faces d e
uma mesma n1oeda. T alvez seja mesn10 esta a razão
temos de mais nosso" ( p. 278); ou .então naquela ine-
fável compilação do fichário de Medeiros e Albuquer-
que que censurava um poeta nacionalista por cantar o
,
profissiona 1. 1 iti ,,.. ''"".
dessa quase inevitável gangor ra, pois a comparação amendoim "frutinha estrangeira, talvez originária da Sí- A nota ao pé da página, em O Empalhador .,~ A ,, 11111
é inerente - porque a base comum é larguíssima, r ia''. Passarinho6, e xplica melhor: Ih lrll
en1bora nl uito pouco revelada. Por u m motivo sim- 11111 ' ""
..• Entretanto, sendo crítica de análise, de forma al- ( 1) - Má idéiit t<_\Ltive o dia em que aprovei{l\íl '11411 h
ples: temos levado mais em conta a programática uma deixa de José Osório de, Oliveira, afirmei que..· 1l1í~· \'fl t11l11 1
modernista, seus 1nanifestos, suas teorias, seus pre- guma, na intenção d e entender e explicar, e conhe- passara pra crítica "apologética". Principiaram fül 111
fácios interessantíssimos, do que a realização parcial
' dessa programática, con1 desvios impossíveis de pre-
cendo o Brasil co1110 qualidade ainda em formação,
Mário de Aodrade dará lugar à condescend ência. ;
por aí que e.4. era· um Jouvaninheiro leviano, serp ~ ~~ cr
(ah! os que si;: p reocupam em p roclamar o ni.eto : r,n '< 1
,,,.,.ti
11111 1111111
''"1110 11
... venir, mas que corrigem a favor da estética e a favor Será mesn10 bastante severo, declarando em O Ern- têm, sem se preocupar de ter modestan1ente urn '1~1 111 11~ ......
d a vida d a literatu r.a. Se, por um lado, tem-se res- palhador de Passarinho3 que: do ... ), com todas as conseqüências, úteis para. 0:1 '' 1 Ir ···1•hlh1
• sen1pre louvar os outros. Isso é burrice. Cr(Úq!Ji 11
.•• ;
saltado a poesia de Oswald e1n detrimento da poesia
de Mário, por outro lado, tem-se ressaltado a crítica Cabe à c rítica, nresn10 que se torne incivil e anti- . logética significa, C0!110 esta crítica p~ova, que e\l . ílS ~1 l 111h•
" de Mário, em d etrimento da crítica de Oswald. Nada pática, chan1ar ao tostão pelo seu modesto nome de pra estuda·r apenas os que eu admiro e amo. "P ~tlf 1 1111111 Ili
fazer isso porque não sou profissioi~a.l de críciOíl' : 1111i".
1

mais falso. São críticas te111peramentalménte diferen- tostão. Critica e condescendência são coisas divorciadas A111 l11ol1
desde sempre, mormente nos países de pequena culiura, embora me atribua se1npre responsab1hdade . .B, ~.e . lf1i1,n
..
,,••
tes, mas igualmente importantes. Igualmente o exer- onde freqüentemente os artistas se in1provisan1 à custa do pra estudar e louvar, apenas os que adtrurd~~" 1111 1111111
cício conscien te e assumido desse d ever permanen te
anot~,i 'Ili
' ' "' l•tlt
de vigilância estética. (2) '"Tristão do Ataldc". [n: Aspectosi da LUerat11ra Brasileira. (4) 71 Cartas tle Mário de Andrade. Coligidps e 011

1•
Podemos dizer que a crít ica de Mário d e Andrade Ed. cit., p. 8.
(3) O Empalhadcr de Passarinho. 2 . td. São Paulo, Martins,
Lygia Fernand.cs, Rio de Janeiro, Livraria São Jos6, s.d\ 1 ,
(5) Idem , p. 119. .
(6) O Empa/llatlor de Passorin/10. Ed. cit., pp.
· I~'!' ,,,
1
t'f
1 ap resentava unia clara função didática, fosse na in- 1955. p. 101.
'
104 .
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;
CEAC
91•LlaTll •
de talento muito e nenhun1 saber. Substitui-se a técnica dar sim expressões apaixonadas, mas sempre generosas,
1A11 1111~ tenção de alerta r o autor quanto a algum ponto ne- de amor mas me isento de dar m anifestações espeta-
pelo brilho disfarçador, o cuidado da forma por un1a
li• 1111, "" gat ívo de su a obra, fosse pri ncipalmente na intenção culares de incompreensão. Afinal de contas, depois de
vaga (e aliás facilmente intialidada) intenção social. O
1• 11111I li l u !,!,'<t:;n • de explicar, p ara o leitor, os valores estéticos em cinqlienta anos de lutas e imodéstia brutal, é justo que
brilho satisfaz as n1oças, as intenções sociais garanten1
qucstiio. Uma crítica essencialmente analítica. Aliás, o aplauso de certos ameaçadores fantasmas. E mistu- eu escolha as lutas que deva ainda ter. E que aceito de
0 1n ensaio sobre Tristão de Ataíde2, Mário de An-
~

rando à r eceita algumas concessõezinhas ao público, v.g. coraçao.


drade se insurge radicalmente contra a síntese c rí- demagogia, repetição de processos bem sucedidos antes,
tlcu, naquele m o mento de evolução intelectual bra- elogio mútuo nos jornais e alguns eloqüentes rnalaba- M ais ad iante, no texto do artigo, continua o ra-
, , .
sile ira: rismos sentin1entais, é fácil a celebridade em vida e a .,c1oc1n10:
esperança das estátuas para além da morte. E há muito
Co rno crítico literário, Tristão de Ataíde sofria< dos disto tudo na literatura contemporânea do Brasil. O que distingue ai atitude profissional, da amadorís-
Jcfoitos por assim dizer já. tradicionais na crítica Jite.- tica, é a noção artesanal de continuidade. Continuidade
rtl rla brasileira desde Sílvio Ron1ero. Nesta barafunda, M as, o temperamento de Mário de Andrade fazia-o não tanto de ação como de direção. Toda atitude pro-
llue é o Brasil, os nossos críticos são impelidos a ajun- afirmar em carta a Dante de Laytano4: fissional se deternúna por essa noção de continuidade
.. 11111111 ..,,,....,., a rtesanal, e, n ecessaria1nente, pela consciência rnoraliza-
11 1! 1 , , ,.
lllr us personalidades e as obras, pela precisão ilusória
do enxerga r o que não existe ainda, a nação. Daí un1a E eu, insisto em que toda e qualquer crítica deve dora do artesanato. ( . . . ) Toda crítica a1nadorística,
c1·ític11 prcn1aturamente sintética, se contentando de ge- ser isso, ser principalmente isso: un1 ato de amor ( ... ) pode ser até 1noralista, nias será sempre fundan1ental-
11onllizações muitas vezes apressadas, outras inteirameo- . menle amoral.
J
to fnlsus. Apregoando o nosso individualismo, eles so- • e o fazia afirmar, também em carta, a João CondéS:
clallr.11111 tudo . Quando a atitude tinha de ser de análise í' Essa a grande qualidade, creio . O que Mário de
dos personalídades e às vezes mesmo de cada obra em Eu adoro a liberdade do julgan1ento, .porém, impar- Andrade c hama de "amoral" é o descompromisso com
p11rtic11lar, eles sintetizavan1 as correntes, imaginando que cialidade não sei o que é. Lhe tenho rnesmo abjeção as circunstâncias que garantem a continuidade p ro-
o conheeirnento de Brasil viria da síntese. Ora tal síntese e a considero estúpida e mesquinha. E u sempre conde- fissio n al. Ora, pouco antes afirmava que:
cr11, especialmente em relação aos fenômenos culturais, nei chorando.
hnposslvcl : porque, como sucede com todos os outros
povo~ un1ericanos, a nossa formação nacional não é na- M e passei para a equipe dos críticos mais ou menos
Esse n1esmo t emperan1ento obrigou-o, em 1944, a
turn l. não é espontânea, não é, por assim dizer, lógica. 1 ama dorísticos'7.
um des abafo verdadeiramente ilnportante, porque
Dnf 11 in1undície de contrastes que somos. Não é tempo expressa con1 todas as letras o grande d ilema do cri-
olnd1\ de compreender a alma-brasil por síntese. Porque E sse rnais ou menos é fundamental, pois exclui os
1-ll h · 1 "' tico didático e analítico:
ti~ Ull11 nes ta ou a gente cai em afirmações precárias, e inda descompromissos com a técnica e com a responsa-
ror cin1a confusionistas, como Tristão de Ataíde quando Felizmente que já não sou mais crítico profissional bilidade da vigilância estética, mantendo sim a liber-
declara que o sentimento religioso "é a própria alma dade e ocasionalidade de escolha temática. ~ o que
l>r11slleira, o que temos de mais d iferente (sic), o que de literatura, basta. H oje eu sobrenado na calmaria vir-
tuosa da crítica apologética, que tanto enquizila a crítica j á transparece numa carta a Murilo Miranda, d at ada
te mos de nlais nosso" (p. 278) ; ou ~ntão naquela ine-
p rofissional. de quatro anos antes8 :
fável con1pilação do fichário de Medeiros e Albuquer-
que que censurava u m poeta nacionalista por cantar o
nn1endoin1 "frutinh a estrangeira, talvez originária da Sí- A nota ao pé d a página, em O E1npalhador de Aqui lhe mando mais uma crônica pro Diário de No-
r in''. Passarinho6, explica melhor: tícias. Este é o tipo de crítica que eu gosto, discutindo
um f ato estético sobre a base de um livro, indiferente
llli•IHn (não: infensa) ao elogio e ao ataque, explicando, apro-
( 1) - Má idéia e_u_ tive o dia em que aproveitando
PI lljll 1lftH · ....... E ntretnnto, sendo crítica de <1nálise, de forro.a al-
urna deixa de José Osório de Oliveira, afirmei que WIL vando ou condenando (senão seria crítica sem valor
gurna, no intenção d e entender e explicar, e conhe- p assa ra: pra crítica "apologética". Principiaram f alando norn111tivo), cabna e respeitosa. 1vfas isto é tão difícil
cendo o Brasil co1no qualidade ainda em formação, por aí que e.l!. era · u n1 louvaninheiro leviano, sem 111étodo de fazer nas circunstâncias atuais! . . . Não posso passar,
M6.rlo de Andrade dará lugar à condescendência. (ah! os que se preocupam em proclamar o método que con10 desta vez, refletindo, relendo quinze dias, pra de-
Suc·n 1nosn10 bastante severo, declara11do em O E1n- têm, sen1 se preocupar de ter modestamente un1 méto- pois escrever. Escrever mais propriamente um fato do
vall1ador de Passarinho3 que: do ... ), corn todas as conseqüências, úteis para n1im, de espírito que urna- sensação i1npressionista de leitura.
' '""' ~· sempre louvar os outros. Isso é burrice. Crítica apo-
'"' '"'' "'"'
1uli1111t~J1 Cabo h. crítica, 1n:esn10 que se torne incivil e anti-
põllco, ch~imar ao tostão pelo seu modesto nor.ne de
logética significa, con10 esta crítica prova, que eu escolho
pra estudar apenas os que eu admiro . e a1no. "Posso"
Fato de espírito, sirn. E vai ser esta curiosidade
cultural peios fatos de espírito que ]eval'ão Mário de
hl''11hl ~ bu
loolno. Cl'ft.lcn e condescendência são coisas divorciadas faze r isso porque n ão sou profissional de crítica mais, And r ade a a pontar outro desvio crítico, contrário
"""' tlH1·t 1· 1 d clt; son1pro, 1norrnente nos países de pequena cultura, en1bora me atribua sc111pre responsabilidade. E escolhen- ao a nterior e, no entanto, talvez até 1nais fecundo.
ondo freqllentcrnente os art istas se improvisam 1i custa do pra estudar e louvar, apenas os que adrniro, posso
•• E1n carta a Ascânio J. opes9, observa:
ll) ''1'tl1tão do Atatde". In: A.spectosi da Literat1"" Brasileira. (4) 71 Car ias de 1'dá1io de Andrade, Coligid as e anomdas pllr
•lt· l\t11lt111h J, Glt ,, p. 8.
{J) ó 8111p11/f111dor tfe Passarinho. 2 . ed. São P aulo, Martins.
Lygia F ernandes, Rio de Janeiro, Livraria São José. s.d., p. 94.
(5) ldt m , p. 119.
(7 )
(8)
Idem
71 Cârras de Mário de A.11drade . Ed. cJt., p. 149.
, ,._.,,. 1111 tu (6) O Ernpalltador de Passarinho. Ed. · cit., pp. 291·2. (9) I dem , p. 64.
1 JJ, P• 101.
A CRÍTICA NO MODERNISMO 105

~ que hoje, Ascânio Lopes, muito n1ais que as obras apossar do modernisn10. Ataquei o verbalismo de Rui, pctia. Porque, consciente1nente ou não (em muitos conS• 11~·1 l111h11
de arte, são os homens que me interessam. Daí u1na a italianitá e a jutilitá de Carlos Gon1es, muito antes cicntemente, con10 ficará irrespondivelmente provado , h • li ,.,,.
certa. impossibilidade curiosa en1 que estou atual1nente do incidente com Toscanini. Em pintura, abri o canü- (]nando se divulgarem as correspondências de algun1as • llHHllll 111-1
figuras principais do movimento), o Modernismo foi 'U t\l / ,.
en1 considerar os defeitos dos artistas corno defeitos. Mais
que defeitos eles me parecem caracteres, da mesn1a for-
nho de Tarsila. Bem antes, fora eu o único a responder,
na hora, ao assalto desastrado com que Monteiro I..obato trabalho pragmatista, preparador e provocador de un\•1' ' ILlll''llllll l•t
rna que as qualidades, eles caracterizan1 o artista. Estou espírito inexistente então, de caráter revolucionário e li• ' ~no 1111nh~
encerrou a carreira de Anita Malfatti. Fui quen1 escre-
convencido que tem defeitos que o a~tista en1 vez de veu contra o ambiente· oficial e definitivo, o primeiro bcrtário. Yt•l I hu h1h J
,. corrigir deve acentuar. Porque acentuam o artista tan1- artigo sobre Mário de Andrade e o primeiro sobre Por- 1111" li Mlll
bém, t.inari. Soube também enfrentar o apogeu do verdisn10 Em outf O trabalho13, o rnesmo Mário de Andrade 1111,•l\11 ltU
e o Sr. Plínio Salgado. Tudo isso não passou de sar- será mais contundente: l )111111 11
;
.. Esse raciocínio será desenvolvido de forma n1a1s
adequada em O En1palhador de PassarinhotO;
. casmo e pilhéria! Porque a vigilante construção da minha
crítica revisora nunca usou a maquilagem da sisudez
nem o guarda-roupa da profundidade.
O fenômeno realmente importante e decisivo do nos.
so realisino psicológico foi a fixação consciente do con·
l htll 1111 M
11hl1•lt1 "'
rt
ccito do intelectual ( ... ) Nós boje nos debatemos SO• Alvct" l 1i
Seria simp)esmente imbecil negar o valor das obras fridamente ante os problemas do homem e da soei<?• 1''111111 11.-
n1enores, porén1, nem seria possível estudá-las sob · o pon- E, e1n nova explosão de te1nperámento, Oswald dade, co111 uma consciência, com um desejo de se solu• , ~1·111111111 ti
to ·de vista. do absoluto das obras primas, que as repu- faz nova caricatura dos seus opositores: cionar, de conquistar finalidade, com um desespero peln '· )lll'll eh• 1
diaria, nem serla útil analisá-las en1 suas mensagens par- posição de fora-da-lei inerente ao intelectual de verdade, pt111111111
ticulares, d\\masiado restritas pra ire111 alén1 do autor e ( ... ) muita g:ente simples confunde sério con1 cacete. que ja1nais os artistas do passado brasileiro não tiveram.
dos arnigos do autor. As obras n1enores são importan- Basta propedeuticamente ch<1tear, alinhar coisas que nin- Basta conceber, por tudo o que nos deixaram .de obr11s,
tísslrnqs, porém, o seu valor -é mais relativo que inde·· guém suporta, utilizar un1a terminologia de in-folio, para de confissões de vida, coino foram fáceis de adapta.bili· , , lt11111
pendente. Alimentam tendências, fortificam ideais, pre- nesta terra, onde o bacharel de Cananéia é un1' símbolo dade, inconscientes de seus problemas individuais e hll· 1·~ 11111111 1
param o grande artista e a obra prima, fazem o claro- fecundo, abrir-se em tomo do novo Sumé a bocarra n1anos, um poeta social pragmatizado como Castro Al• llllll 11 111111
-escuro de uma época, e lho definem traços e volume~ primitiva do homem da caverna e o caminho florido · das ves, ou um au dessus de la 1nê/ée, tão irredutível como '
•• , 11 111 11111
1nuito mais que as grandes obras. Que estâs, por isso posições. l'vtachado de Assis, pra verificar que o problema do in• ••,. ...., . 1

mesmo que são grandes, passam imediatamente para o telectual só veio perturbar a criação do artista brasl• , l lllll 1111111•
: plano do absoluto. Em sua função de quotidianidade, leiro na época atual. Hoje estarnos preocupados em vol·
A segunda função da crítica de Oswald é fornecer
nuas, sem o revestimento aparatoso e eterno da geniali- uma síntese de p,ensam.ento estético e político que lar às nascentes de nós n1es1nos e da arte. I' vh ti
1
dade, as obras 1nenores nos mostra n1 muito 1nelhor os ( ... ) os que fazem a prosa dos ensaios e aspira1n
1 traços, as quaHdades e os defeitos dun1a época. vem a completar o trabalho de análise de Mário de '
conservar a insolubilidade do intelectt)al e permanecer 1·11~ll1•• 11
'' Andrade. Através da leitura da crítica de Os\.vald, a11 dessus de la 1nêlée, esses irritantemente confrangem 11h111 !IH 1
Bern diferente dessa crítica analítica e didática é podemos hoje compreender 1nelhor a importância da as s11a.ç verdades a uma discrição invertebrada, que nen) . ' 1111,(\1•- ff
a crítica de Oswald, que apresenta duas funções bem batalha intelectual travada pelo Moder11is1no. Sua se1npre consegue ocultar o que ,pensam e aspiram. Sor~o ' 11111 111111
nítidas, que a distância no tempo já 11os permite apre- veetnência quase heróica tentando espalhar ao nível talvez os que sofrem mais, por isso rnesmo que m11ln t111h •• 1111
do jorna1 cotidiano uma nova m entalidade. Em meio irresolutos e.m sofrer. E na certa que se enxergam eno1._
ciar. A primeira delas, já superada·, mas a única pos- 111en1ente confundidos con1 o atualmente impossível dlte- 111tl11 1111111
s ível de ser reconheciçla na época ele sua publicação, a essa fúria sagrada, há juízos críticos de raríssima 11~1 1 ulht111
felicidade, que verdadeiramente enriquecem par~ nós tantisn10. Enfim todos nós estan1os conscientes da n OSSl\ ., 1

il foi a fu11ção agitadora, provocadora de atividade


mental, fecundamente criadora de atitudes, no calor as caracterizações de obras e au tores analiticamente
estudados depois.
an1arga posição de intelectuais, e movidos ·pelos fantlu•
1n as que nascem desse medo. Uma situação malditn,
tl1111 o ' "'
1'1111""''
da polêmica. É uma crítica contundente, sintética, 111111
!• O próprio Mário de Andrade ressalta o valor do Essa situação maldita, essa consciência é o dever
" 1111 l ,

1
desaforada m esmo, que enganou n1uita gente, ao atri-
buir-lhe Uml\. leviandade que realmente n ão existia. trabalho eminentemente crítico do Modernismo, na permanente de vigilância já não mais puramente css' li Ili hllll'
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1
P próprio Oswald queixar-se-á disso, de forn1a mui-
to amarga11 :
cr4ação de uma nova mentalidade brasileira, no im-
pulso que se propôs dar à nossa evolução intelec-
!ética, mas vigilância de p ensamento criador, coma
promisso aterrorizante con1 o futuro. O homem intt
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tua112: telectual consciente de sua ·e volução começa n s~ ·. p1•l11 IU•ltt

"" eu seria o inventor do sarcas1110 pelo sarcasmo.


C reio ser ·prematuro decidir desde já o que vai ficar
sentir responsável ta_111bén1 por ela. .., \•A 1h1~ 11lu
Meio século de sarcasmo! Contra quê? Contra o vento
"..'. e a qu~1n a Pn;feitura. e o poeta G uilhenne de Almejda dos oito anos de vida ativa do Modernismo, n1as se per- li
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entregam as folhas dos plátanos e as pernas das norn1a- 111anecerem dessa fase que foi en1incntemente de orden1 ll • 11h11•1•••,' 1
crítica, que foi de pesquisa e experiência, que foi un1 111.-
' listas! A n1inha pena foi sempre dirigida contra os fra-
n1ovimento preparatório destruidor de tabus, treinador Um dos aspectos n1ais importantes para compt '-.:' ' 111•11•'',
;1 cos . .. Olavo Bilac e Çoelho Neto no pleno fastígio de cnder· a crítica de um período estético é obscl'Y~~ h1111th11•1tltt
1,' sua glória. O próprio Graça Aranha quando quis se do gosto público, arador dos terrenos, se restarem na
permanência da literatura nacional três nomes que se- sua atitude para com a:s gr andes obras de O\lttQ..
1 14 1 \ ..
( 10) O E111pa/hador de Passar i11/Jo . E d . cit .. p, 103. jam. o Modernismo já terá feito mais do que lhe com· ' li 1' ~•~
(13) "Luís Aranha ou a Poesia Preparatoriana". l n: A111n • t I~
(li) ''Antes do Marco Zero". l n: Po11ra dt! Lança. 2. ed. Rio
de Jnnciro, Cívili7.ação Brasileira. 197 1. pp. 42-3. Cl2 ) O Empalhador àe PaMar/11/10, Ed. cit ., pp. 187-8. t ns d" lifer(l/11ra .Brasileira. Ed. cit., pp. 49-50'. ...,... ,. .. ,n.:
1 1

' 108
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petia. Porque, conscientemente ou não (em muitos cons- períodos. Quer-n1e parecer especialmente interessan-
1111.. .... "''~li 8 11possar do modernisn10. Ataquei o verbalismo de Rui,
cientemente, corno ficará irrespondivelmente provado
Ili ~ 1111 ~'-' Q a itafianitá e a jutilitá de Carlos Gomes, muito antes te a reavaliação do. Romantis1no feita pelos nossos
li til 1111 h1 f1•, do incidente com Toscanini. Em pintura, abri o can1i- quando se divulgarem as correspondências de algumas modernistas. Porque, se Romantismo e Modernismo
1.. 1..1111i. Nf>i . nho de Tarsila. Bem antes, fora eu o único a responder, figuras principais do movimento), o Modernismo foi un1
trabalho pragmatista, prepar ador e provocador de um apresentam pontos de contato, os pontos de choque
na hora, ao assalto desastrado con1 que Monteiro Lobato espírito inexistente .então, de caráter revolucionário e li- são também vigorosos. Cria-se ·uma tensão bem mais
encerrou a carreira de Anita. Malfatti. Fui que1n escre- verdadeira, be1n mais fértil para o pensa1nento, do
veu contra o ambiente· oficial e definitivo, o prin1eiro bertário.
íll'tigo sobre Mário de Andrade e o pritneiro sobre Por- que o antagonismo carregado de emotividade, em re~
tinari. Soube também enfrentar o apogeu do verdis1no Em outro trabalhol3, o n1esmo Mário de Andrade la.ção ao Par nasianismo.
e o Sr. Plínio Salgado. Tudo isso não pa~sou de sar- será n1ais contundente: Dentro dessa reavaliação modernista do Roman-
l 111 !Mii castno e pilhéria! Porque a vigilante construção da minha tismo, afigura-se-me também mais interessante, como
crítica revisora nunca usou a maquilagent da sisudez O fenômeno reahnente importante e decisivo do nos-
1111 111 so realismo psicológico foi a fixação consciente do con- objeto de observação nossa hoje, a crítica de Castro
1le n1 o guarda-roupa da profundidade.
ceito do intelectual ( ... ) Nós hoje nos debatemos so- Alves. Longe do reconhecintento da classicidade ine-
fridamente ante os probletnas do homem e da socie- f ável de un1 Gonçalves Dias, Castro Alves foi e será
E, e1n nova explosão de temperan1ento, Oswald dade, com uma consc.iência, com um desejo de se solu- sempre alvo de controvérsia. :É. aqui o ponto nevrál-
f:az nova caricatura dos seus opositores: cionar, de conquistar finalidade, com um desespero pela gico de discernimento dos valores estéticos de cada
posição de fora-da-lei inerente ao intelectual de verdade,
período. Nas palavras do próprio Mário de Andrade14:
( ... ) muita gente simples confunde sério con1 cacete. que jamais os artistas do passado brasileiro não tiveran1.
Basht propedeutican1ente chatear, alinhar coisas que nin- Basta conceber, por tudo o que nos deixaram de obras,
1Jú6n1 suporta, utilizar un1a tern1inologia de in-fo/io, para de confissões de vida, como foran1 fáceis de adaptabili- É ben1 desagradável a tarefa que 1ne irnpuseram de .
nesta terra, onde o bacharel de Cananéia é urn' sí1nbolo dade, inconscientes de seus problen1as individuais e hu- estudar Castro Alves em face do nosso tempo. Porque
fecundo, abrir-se en1 torno do novo Sumé a bocarra ma nos, un1 poeta social pragmatizado como Castro Al- outni coisa não poderá ser uma revisão de valores. Dar
pri1nitiva do homem da caverna e o caminho florido das ves, ou um au dessus de la niêlée, tão irredutível como . a un1 artista identidade eterna será mera presunção nos-
po~lções. Machado de Assis, pra verificar que o problema do in- sa, pois o que vale para as tendências e aspirações de
telectual só veio perturbar a criação do artista brasi- uma época. muitas vezes se torna defeitos em outra.
A segunda função da crític a de Ó sw ald é fornecer leiro na época. atual. Hoje esh1n1os preocupados em vol-
tar às nascen·tes de nós mesn1os e da arte.
utna síntese de pensamento estético e político que E vice-versa, podemos n6s completar: incompre-
( ... ) os que fazem a prosa dos ensaios e aspiran1 ,i'
ve1n a completar o trabalho de análise de Mário de conservar a insolubilidade do intelectual e permanecer ensões e omissões críticas contemporâneas de uina .
Andrade. Através da leitura da crítica de Oswald, obra tornam-se qualidades reveladas p"or outras ge- ''
au dessus de la mêlée, esses irritantemente confrangem
pode1nos hoje compreender melhor a in1portãncia da as suas verdades a uma discrição invertebrada, que nem rações. Em grande parte, cada período estético pro-
ba talha intelectual travada pelo Modernismo. Sua se1npre consegue ocultar o que pensam e aspiram. Serão cura legitimar-se pela revelação de aspectos inusi-
veen1ência quase h eróica tentando espalhar ao nível talvez os que sofre1n n1ais, por isso mesmo que 1nais tados do passado, e até n1esmo pela descoberta de
do jornal cotidiano u1na nova 1nentalidade. Em meio irresolutos em sofrer. E na certa que se enxergam enor-
1nemente confundidos com o atualmente impossível dile- toda uma tradição oculta. Essas ressonâncias na an-
a essa fúria sagrada, há juízos críticos de raríssilua cestralidade é que vêm, indiretamente, definir nle-
felicidade, que verdadeiran1ente enriquecem para nós tantismo. Enfim todos nós estamos conscientes da nossa
a1narga posição de intelectuais, e movidos pelos fantas- lhor o to1n estético dô período.
as caracterizações de obras e autores analiticamente mas que nasce1n desse inedo. Uma situação maldita. Podemos fazer um breve cotejo, bastante provei-
estudados depois. .
O próprio Mário de Andrade ressalta o valor do toso, entre as diferentes formas de encarar um n1es-
Essa situação maldita, essa consciência é o dever 1no fenômeno da poesia de Castro Alves : ora de-
tl'abalho eminentemente crítico do Modernismo, na permanente de vigilância já não mais puramente es-'
criação de uma nova mentalidade brasileira, no itn- feito, ora qualidade. Ronald de Carvalho, na sua
t ética, inas vigilância de pensamento criador, com-
polso que se propôs dar à nossa evolução intelec- Pequena História da Literatura Brasileira1'5, premiada
pron1isso aterrorizante com o futuro. O homem in-
tuaP2: telectual consciente de sua evolução começa a se pela Academia Brasileira de Letras em 1919, após
sentir responsável tan1bén1 por ela. vários elogios ao poeta faz a seguinte ressalva:
111 •11 ll ""-t Creio ser ·prematuro decidir desde já o que vai ficar
'i
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1111 11 I• \'l ' I
. 1li· .<\ l 1111• elos oito anos de vida ativa do Modernismo, n1as se per- li n1uito embora lhe saísse, por vezes, impura! a dicção e
~ llJI • ttHI U
r11nnecere1n dessa fase que foi eminenternente de orden1 abusasse, -constantemente, das chamadas "licenças poé-
10111 o "'' 1~ '
or(t!ca, que foi de pesquisa e ,experiência, qlle foi un1 Un1 dos aspectos mais importantes para compre- ticas", que. são o visgo onde sua larga as~ se despluma
,,, 1""111"111 ' n1ovhnonto preparatório destruidor de tabus, treinador inutiln1ente.
do gosto p\1blico; arador dos terrenos, se restarem na ender a crítica de um período estético é observar
10111 ·~1 ~'" pormanência da literatura nacional três nomes que se- sua atitude para co1n as grandes obras de outros (14) "Castro Alves" . l n Aspecto.~ da Litert:tura. Bra.ti/eira. Ed .
1111 Jan1, o Modernismo já terá feito inais do que lhe com- Cil., p. 109.
( 13)"Luís Aranha 011 a Poesia Preparatoriana". In: Asvec· (15) l'eq11enft Hist6ri<i ela Literatura Brasileira. 13. ed, Rio de
Ut , r • 1 11 lf ,
tos ri<r L il<,ralrrra. JJraslleira. Ed. cit., pp. 49-50'. .l~neiro. Br igiliet, 1968. p. 241.
( 12) O Empalhador tle Passari11T10. Ed. cit., pp. 187-8.
'
A CRÍTICA NO MODERNISMO 107
•.
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l 'lllllllll ...,
ridículo, que é a f uga en1 pânico dos filólogos d e
1:
1
Para contrastar, vejamos o texto de M ário de An-
drade1 6:
e1n breve existência própria logo que atingida, :
modificad a - é se1n dúvida unta das fase s do pro- ·,-. colarinho duro, com um rinoceronte atrás - vere-
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1111 ·~••n••1
11111• 1'11111fl

1 cesso de evolução intelectual de que falávamos an- " tnos que havia em Lobato un1a â nsia enorme de atua· 1111ot f lll lht
Esc1·evia un1a linguagem saborosa, .ele excelente liber- tes. :e onde 1nelhor se exerce uma crítica verdadei- :f ll:1.ação da linguagem literá ria pela aproximação
tação nacional, e deve mesmo com as Espumas Flutua11- ramente antropofágica, que se define numa confissão .·. 1n aior com o coloquial. M as volten1os ao texto de lt - 111
1es, sei· considerado o primeiro sistematizador do "pra", de Mário de. Andrade, en1 01e io a um trabalho pu- . : Oswald, que fornece outra pista fundamental : lOllllll •flf•
trocando-o oitenta vezes sobre c;em ao lerdo e tipográ- blicado em O Empalhador de Passarinho 18: lll\o 11 111
fico "para". Só sessenta anos mais tarde outros lhe re- • Você sen.tiu-se cansado e refugiou-se num~ c~lçad11, nu••t1111 hl
to1nariam a lição ( . . . ) Mas a lição de Castro Alves era Não ataquei nem aplaudi: me pensei. rodeado de crianças. E começou a contar h1st6nas. A
múltipla e os pseudocientíficos parnasianos não estuda- princípio, a criançada achou. divertid~ssimo ~ que você • 111111 ..
ram o contraditório dessa multiplicidade. Da mesma for- Esse pensar a si mesmo, pensar o homem de seu falava. Era um roldão de Jnformaçoes, cur1os1dades e 11'1 ....1 ...
ma que lhe repudiavam o "pra", lhe rep udiaram também tempo e lugar através do outro, passado e morto ensinos que vinham transfigurados em personagens de
a ondulante niétrica, o fino ouvido atento aos hiatos. Ntl A11U11
como circun stância, deglutido e revivido na própria um país de maravilhas. Pouco a pouco a roda cresceu. 11111111•11 1111
Porque se é certo que Castro Alves uma vez por outra carne do presente - redeglutido e re.revivido atra- Gente curiosa aproximava-se. Veio um senhor grave, sen- 1IPl'IHl•1114~l
deixou a útil mancha de um verso frouxo variar o di- vés das épocas - é u1n dos componentes mais im- tou outro uma senhora de chapéu. . . E de um misto
•• 1 lnl IJllll Ili
nan1ismo dos seus ,poemas, as ma.is das vezes, em vez. inl;ressadd de gente grande e de pirralhos, se com.p ôs
de versos frouxos, o que fez foi respeitar as sutilezas portantes dessa configuração sempre móvel que é vorll 11111 1
o homc1n intelectual de l1111' período estético. desde então o seu público apaixonado e crescente. 1 lrh 11 l~11 th
orais da língua, surpreendendo com beleza a ondulação l
~os hiatos., Isso não perceberam os parnasianos, engo- Essa 1nesn1a n1obiliclade é que vai provocar re a" l 11n•ll•ll11
ltdores de silabas. valiações dentro do próprio movitnento. E aí a crí- Realmente, .Loba to deslocou o seu ponto de luH1. _ , 11\'n11• 111~
para a infância. Teria sido mesmo c ansaço? Tim·I· .• pi li 11••11
tica bombástica, mas sintética e contundente, de Os- 1'1111 1111111/
Por outro lado, Mário de Andrade se quei~a da wald de Andrade vai ter lugar especial. E nova- '. dez? Ou estratégia profunda, com olhos no futuro,
eKcessiva denota tividade da palavra na poesia de 1nente prefiro uma figura controversa, tantas vezes na criação de u1na mentalidade n1ais l ivre para o
brasileiro? Provavelmente tudo isso. M as até que e1 111111•
Castro Alves, que raras vezes conseguiria uma liber- brilhante, tantas vezes infeliz, mas, como Castro Al- 111ilhl111l1·
l tação d a circunstância imedia ta motivadora do poe- ves, con1 base sólida suficiente para desaf iar a cri- ponto era um heroísmo possível, até que ponto uQ'I
•J " 1111.. 111111
ma, o que en1pobreceria tan1bém a sua leitura. Con- tica de todas as épocas. Falo de Monte iro Lobato. sonho de gr and ez.a?
J M ais un1a vez a agudeza crítica de Oswald apontn lt 1111111t•111
• firma este ca1ninbo de raciocínio afirmando que o Aos vinte e cinco anos da publicação de Urupês, .• 1111 h11 11• 11
poeta reduz o assunto poético a tema particular, Oswald de Andrade apresenta pela imprensa uma a terrível problen1ática que viven1os hoje, no estouro
11 lltlVll-
ci rcunscrito à descrição objetiva que efetua, o que "Carta a Monteiro Lobato"l9 que o situa inusitada- •
da comunicação e da aldeia global: ..• 1' 1111 ·1•11•0,
seria já un1 prelúdio do P arnasianismo. Esta dimi.- n1ente dentro do movi mento , n1odernista: 1 1llh ,11 Ili
nuição do poder evocador e propagador da palavra Mas em torno de você, entrou a subir a atoarda 1nli•
M·as Ve>çê, Lobato, foi o culpado de não ter a> sua cânica de trilos e buzinas da cidade n1oderna, começou 1'1'•111 li ,.
poética e, por extensão, d o poema, seria julgado de n1erecida parte de leão nas transfonnações tumultuosas, J. o cinema a passar, a piscapiscar o anúncio ~uroinoso, O '· 11 1tull~11•f
forma bem diferente por J osé Veríssimo, na sua His- n1as definitivas, que vieram se desdobrando desde a Se- rádio a esgoelar reencontros e gols. E a menmada pouco ' t 1.. w11hl 1t
tória da Literatura Brasileiral1: 1nana de Arte de 22. Você foi o Gandhi do n1odemis- a J'ouco se distraiu. U m foi ver os Esquadrões da Ma• d1•1 lllillll11.
n10. Jejuou e produziu, quem sabe, nesse e noutros se- dr11gada. Outro o I1npério Sub1narir10, um terceiro, co.an '
Con1 Castro Alves pode dizer-se que se alarga a nossa tores a mais eficaz resistência passiva de que se possa os dentinhos em mudança, abriu a boca porque o Lc(l. '
inspiração poética, objetiva-se o nosso estro e os poetas orgulhar uma vocação patri6tica. ' nidas tinha machucado o dedão do pé esquerdo. E qul\11• •1'11
1· ftl 'l'I
t.lttl•lt•
ent ram a per~eber que o mundo visível existe.
Se externamen te houvera o desagradável incidente
do Tarz.an passou, ali perto, pelo Porto de Santos, maior
era o mundo dos adultos que rodeavam a sua ilustrada ~­
1111• 11111\tv•
tl•I llMtl"I
Onde está a razão ? T alvez e1n todos. Se tivésse- en1 relação a Anita Malfatti, que situava Lobato carrochinha que o de crianças, ocupadas a dar tiro.J , 1111 1t•w11h
0).Ós acesso agora à crítica conte1nporânea de Castro
Alves, o confronto seria enriquecido em n1uitos as-
pectos. O ensaio de Mário de Andrade aponta ainda
contra os modernistas, toda uma série de valores ar-
dorosamente defendidos pel a programática moder-
nista também o eram por Lobato. Se, por exemplo,
canhão com a boca, andar de quatro, roncar como avJ~Qlif
grunhir de chimpanzé e imitar a marcha t runcada e íllJ.ir.l-«
tasmal do Homem de Aço. Sinais_ dos tempos!
Lobato, trava-se uma luta entre Tarzan e a Emfil \ ',
. ,;
Alu111lth1.
t111h11111
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, •• , ••1111111
'i
vários outros defeitos e várias outras qualidades que nos lembrarmos do sarcas.m o terrível que define "O . Mas isso há de ter fin1. Já há exceções ( .. . ) :B \1 \!. 11111 , .., ..
dcixarernos à sombra, para não particularizar de- Colocador de Prono mes"20, ou da inc rível subversão crise imensa essa que toma conta da vida no futaO -'.'
mais o assunto. O que nos inte ressa é apenas 11-pon- gramatical realizada por E1nília no País da Gramd- da guerra ideológica. A aparição histórica de Hitler ' p • ·" •1llltll•t
111111111 ~li
tar um dos possíveis caminhos de estudo efetivo tica21, que chega a cotnpor un1 quadro notável pelo todos os sucedâneos do homem primitivo safrem do, •l
,, ...........
._4111 110 .....
da crítica realizada pelo 1'1odernismo. Esse repensar verna, tomarem corpo blindado e lutarem. Os mltôfl'-lli
(18) "Tasso da Silveira''. l n: O Emvall1ador de Passarinho.
o passado, reintegrando-o ao novo ser que se molda Ed. cit., p . 89. século XX, de Rosemberg, foram postos nocautc V 111\11 ~·1• l1
(19) ln : PonltJ de Lança. Ed. cit., pp. 3-8. mocinho russo, pelo marinheiro Popeye e pel_o ju$ti91lt 01 _
., ( 16) "Castro Alves". In: A spectos da Llttratura Brasileira. (20) ln: Negrinlla. 9. ed. São P aulo, Editora Brasiliense . dos sertões vaqueiros. E o super-homem de N1etzscb& 11 1 llhl' ''"' "

~ Ed . cit ., p. 121.
(17) ll lrt6rla da Literatura Brasileira. S. cd . Rio de Ja.neirQ,
1959. pp. 117-134.
(21) Emfla no Pa1s da GramáUca. 9. cd . São P aulo, Editora pode com o super-homem do Gibi. Mas aí é que ~i'dc 1>11 . ,.
Brasiliense, 1954. p. 164. o perigo candente. Um combate maior se anuncia fl 11 l' I' li 11t•
1 iLivraria José Otympio Editora, t969. p . 225 .

108
"

. .
1111 111 ent breve existência própria - logo que atingida, ridículo, que é a fuga em pânico dos fjlólogos de campo niais vasto. À sombra dos seringais generosos,
na extensão solar das coxilhas, nas ma.cegas, como n~s
modificad a - é sem d úvida uma d as fases do pro- colarinho duro, com um rinoceronte atras - vere- ruas con1erciais, nos escritórios e nos lares do Brasil,
cc-sso ele evolução intelectual de que falávamos an- mos que havia em Lobato.uma .ânsia enorme d~ atu!- querem liquidar com o Jeca Tatu!
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( s. o nde melhor se exerce uma c rítica verdadei- lização da linguagem h terána pela aproxunaçao
.. rruneote an tropofágica, que se define numa confissão m aior com o coloquial. Mas voltemos ao t exto de E é aí que todos se dão as m ãos. O tempo e a
1 de Mtírio d e Andrade, em meio a um trabalho pu- Osw ald, que fornece outr a pista fund amental:
1 • •• '''" compreensão profunda de O swald é capaz de per-
1 " 11\"'lrlJI blicado em O E n 1palhador de Passari11ho 18: dão e explicação, identificando-se com L obato, na
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Você sentiu-se cansado p refugiou-se numa calçada, n1esma luta:
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·• rodeado de crianças. E começou a contar histórias. A
princípio, a criançada achou divertidíssimo o que você
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falava. Era um roldão de informações, curiosidades e rece sob o ângulo legitimista da defesa da na;io~~hdade .
t n1po e lugar através do outro, passado e morto ensinos que vinham transfigurados em personagens de
•li•~ hl11l11• Se Anita e n6s tínhamos razão, sua luta s1gn1f1cava , a.
como circunstância, deglutido e r evivido na própria um país de maravilhas. Pouco a pouco a roda cresceu. repulsa ao estrangeirismo afobado de Graça Ar~nha, as
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... .. • ••• , \ ti' /.
vés dus épocas - é um dos componentes mais im- tou, outro, uma senhora de chapéu . . . E de um misto cial que abria os seus salões à Semana. E nao percebia
li• •ll llh •IO• .. portantes d essa configuração sempre móvel que é interessado de gente grande e de pirralhos, se compôs você que nós também trazíamos nas nossas canções, por
• 111111111 •• ,' l ' o ho1nc1n intelectual de t1rn ' período estético . desde então o seu p(1blico apaixonado e crescente. debaixo do futurismo, a dolência e a revolta da te:r.a
Esso 1.nesma n1obilidade é que vai provocar rea" brasileira. Que as camadas mais profundas, as estra.lih-
'"º"' vnlloçõcs dentro do próprio movimento. E aí a crí- .R ea hnente, .L obato deslocou o seu ponto d e luta cações ma is perdidas da nossa gente iam ser revolvidas
tica bo1nhás tica, m as sintética e contundente. de Os- para a infância. Teria sido mesn10 cansaço? Timi- por essa "poesia d.e exportação" que eu proclami1va no
•llh·I-. 1 Vlüld de Andrade vai ter lugar especial. E nova- dez? Ou estr a tégia profunda, com olhos JlO futuro, Pau-Brasil.
1 1111-~hl mente prefiro u nia f igura controversa, tantas vezes na criação de uma 1nentalidade mais livre para o
1111111 11111 brasileiro? Provave lmente tudo isso. Mas até que O mais profundo, então, era a. chan1a?a ~ nacio-
brlthanlc, tant as vezes infeliz, mas, como Castro Al- nalidade, mas sem a pressa de generahzaçoes d~s
111 ol 11 f'H vo~. co1n base sólida suficiente p ara desafiar a crí- ponto era urn h eroísmo possível, até que ponto um
1nais antigos. ·r oda un1a tentativa de pensar bras1-
11111" 1 " tica de todas as épocas. Falo de Monteiro L obato. sonho de grandeza?
111h' Mais uma vez a agudeza crítica de Oswald aponta lei ramcnte, sen1 xeuofobia, mas assimilando todos o s
•jlfl Aos vinte e cinco anos da publicação de Urupês, valores da nossa formação étnica sempre permeável
!'OI Ih 111\ Oswnld de Andrad e apresenta pela imprensa uma a terrível p roblem ática que vivemos hoje, no estouro
l111t. ,, •li da comu nicação e da aldeia global: a novas contribuições. Um caldeamento ainda em
''Cnrtn u Monteiro Lobato "l9 que o situa inusitada-
11.1.1 1lt1 • processo, por natureza antropofágico. E ~ª vigilâD:cia
111onte dentro do moviment o modernista :
,1.1 1..~r., · Mn11 você, Lobato, foi o culpado de não ter a sua
Mas em torno de você, entrou a subir a atoarda me- crít ica aí ta1nbém teria de se exercer, nao par a im -
pedir o contato com o de fora, ap_enas pa ra imp~dir
jllljj•toh ~!J cânica de trilos e buzinas da cidade moderna , começou
merecida parte de leão nas transformações tun1ultuosas, o cinema a passar, a piscapiscar o anúncio ~uroinoso, o a indigestão m assificador a e irracional. Como disse
10 """ f mns definitivas, que vieram se desdobrando desde a Se- rádio a esgoelar reencontros e gols. E a menmada pouco Oswald de Andrade, em outra reavaliação do Mo-
11111ru1 de Arte de 22. Você foi o G andhi do modemis- a pouco se distraiu. Um foi ver os Esquadrões. da Ma- demismo22:
010. 1ej uou e produziu, quem sabe, nesse e noutros se- drugada. Outro o llnpério Submari110, um terceiro, con1
···~ ·~ LOros it n1ais eficaz resistência passiva de que se possa • os dentinhos em mudança, abriu a boca porque o Leô· f;, preciso compreender o modernis~o ( ... ) com .º
orsulb11r uo1n vocação patriótica. nidas tinha machucado o dedão do pé esquerdo. E quan- seu lancinan te divisor de águas que foi a Antropofagia
do Tarzan passou, ali perto, pelo Porto de Santos, maior nos prenúncios do abalo mundial de Wall Street. O mo-
Se oxl.crnamente houvera o desagradãvel inciden te era o mundo dos adultos que rodeavam a sua ilustrada dernismo é u rn diagrama da alta do café, da quebra e
~.. ll\li\'1~1· m rel ação a Anita Malfatti, que situ ava Lobato
>
carrochi.n ha que o de crianças, ocupadas a dar tiro.~de da revolução brasileira. Quando o Sr. José Amér!eo de
t il'.; ' l ·,,,., M contra os modernistas, toda uma série de valores ar- canhão com a boca, andar de quatro, roncar como av1ao, Almeida mostrou a senda nova do romance social, se
11111lli11t '" do1•oso1ncntc defe11didos pela programática moder- grunhir de chimpanzé e imitar a marcha truncada e fan- tinl1am j á dividido em· vendavais políticos os grupos lite-
1111 I ti li lill h nictn. tn1nbén1 o eram por Lobato. Se, por exemplo, tasmal do Homem de Aço. Sinais dos tempos! rários saídos da Semana. A Se1nana dera a ganga ex-
ftlti+lt•• 1f1IIÍ nos loo1brannos do sarcasmo terrível que define "O Lobato, trava-se uma luta entre Tarzan e a Emília. pressional em que se envolveriam as bandeiras mais ?pos-
Co1oof\dor de )~l'Onomes"20, ou da incrível subversão Mas isso há de ter fin1. Já há exceções ( ... ) É uma tas. Dela sairia o Pau-Brasil, indicando uma poesia de
''"'''''11 jlllH
tfÍ crise imensa essa que ton1a conta da vida no furacão exportação contra a velha poesia de importação que
tllllt- ar1nnnt:lcal realizada por E111ília TIO País da Grantá- da guerra ideológica. A aparição histórica de Hitler fez amarrava a nossa língua. E de Pau-Brasil sairia na dire-
1!11 ,.1 ..11v11 tlcifi.1, que chega a co1npor um quadro notável pelo todos os sucedâneos do ho.m em prin1itivo saírem da ca· ção do no.sso prinlitivo, do "bom canibal~ de Mont~igne
.. l ••111•1111111
(l Bl "'r~KSll .' verna, ton1arem corpo blindado e lutarem. Os mitos• do e Rousseau. Se me perguntarem o que e Pau-Brasil eu
.. "" llU thl\i , lltlj 4 1., p, 89.
l.lu Silveira". ln: O EmpQ/hador .de Passari11ho.
século XX, de Rosemberg, foram postos nocaute pelo não vos indicarei o meu livr o - paradigma de 1925,

~
,.'•
~
In 1 1'011/<1 1le La11ça. Ed. cit ., pp. 3-8. . mocinho russo, pelo marinheiro Popeye e pelo justiçador 111as vos mostrarei os poetas que o superaram - Carlos
t• •• fti •rtffrtf•• 101 Nnl(rlnlia. 9. ed. São Paulo, Edito:ra Brasiliense, dos sertões vaqueiros. E o super-homem de Nietzsche não
1 jlj) , J t7· 134.
( ) Bt111/a rio Pais da Gram&tica. 9. ed. São Paulo, Editora pode com o super-homen1 do G ibi. };fas aí é que reside (22) "0 C"1minho Percorrido". lo: Po111a de Lança. Ed. cit.,
rall1l 11$0. t9S4. 11. 164. o perigo candente. Um combate maior se anuncia num pp. 93-102.
A CRITICA NO MODERNISMO 109

..
,
1

r,

t Drumntond de Andrade, Murilo Meqdes, Ascenso Fer-


reira, Sérgio Milliet e Jorge de Lima. VANGU
( ... ) A Antropofagia f oi, na primeira década do
modernismo, o ápice ideológico, o primeiro contato com
PO
1 nossa realidade política porque dividiu e orientou no
1 sentido do futuro. lllvl••
'1
' Enfin1, chegamos à grande encruzilhada. O prin-

!
..1 cípio maior de ideologia cultural do movimento mo-
dernista - agora que o momento das caricaturas é '
' passado e podemos pensar com mais isenção - é a
"• " '•
antropofagia, com toda a sua aceitação de uma ver-
dade natural inevitável. :S preciso estabelecer a re- '
lação correta entre· esse reconhecimento de humil-
dade alimentar capaz. de 1netabolizar-se na única ver-
f
.'

dadeira grandeza criadora, por assimilação e com-


b•nação se1npre renovada, e a vigilância crítica es-
tabelecida co1no dever pennanente. Se Oswald e Má-
rio seriamente se empe11haran1 em nlanter a chama
viva dessa caldeira e ver com os próprios olhos mui-
tos dos resultados, é de se perguntar se foi criada
un1a tradição de vigilância crítica que continuasse
a sua obra.
Temos tido muitos críticos, uns melhores, outros
piores, mas e1n nenhum momento quer-me parecer .V •
que tenha h avido uma vigilância tão assumida como
-tal, nem tão aberta e receptiva e despreconceituosa.
O que mais se tem parecido com essa vigilância é <'l11114u
o trabalho do grupo concretista. Entretanto, é uma
crítica mooodirecional, esteio de uma programática
~IP'I l'º ' '"' li

fechada. ·~"" " li


•l•l•tllttll
'.
Começo então a n1e perguntar, agora que o tempo 1111111 •li li
vai longe, até que ponto a atitude crítica dual de •111111 Ili 1
j .
Oswald e Mário, maravilhosamente se completando 111111 •• Ili
num ideal comum, era mesmo tuna característica do p1'11fli•1111
movimento intelectual n1odernista, até qtie ponto era 111111 1·iwn
a feliz circunstância de alguns raros traços de ca- 1lp 1'1111,
ráter difíceis de manter na sociedade de consumo,
•que parece hoje estimular n1ais que nunca a indi-
1h1 '"º""1
11111111111.
. gestão informativa, tornando quase impossível a len- ln\ln11• •
ta antropofagia da criação intelectual. Não sei se é l111•11•1•ft
possível remar contra a maré se1n perder o rumo, 110- lllltl•
sem se afogar ou se1n cansar o suficiente para de- 1111l 11th1 ti
sistir e retornar boiando. Mas, pareceu-1ne útil, na fhn•h11 ti•
infinitamente modesta vigilância que me é possível 011 hH•Jllt•
exercer, chamar a atenção para esses aspectos da
Crítica no Modernismo e deles tirar uma lição. Se
\\\ '''"''º111 IYllt
•li•
não para agir, apenas para avisar e deixar mais livre llf•I• llH
a opção, qualquer que ela seja, na contribuição para ' '""' jltll
o evoluir do homem intelectual brasileiro.
110 111
dtU •HIA, '"I'· 1
. A'" . cr-
VANGUARDA: UM CONCEITO E
11 do POSSIVELMENTE UM M~TODO
~0111
\l no
Sllvlano Santiago


1111h11
..11, ll11 (\ ,
t 111• HI V f• •
(
lu•l1·11• • o, ro·
r'
'" '" uo1u-
ver-
1t11., "" • ·om-
·111 • 1 li . [I Oll·
••wnl1 M6.-
11\mil\Jfl[I
mut· "A noção fundamental da velha história lite-
lndfl. rária, a 'tradição', . não é mais que a abstração
lleg1tinia de um ou muitos elementos literários de
um sistema no qual têm certo emprego e perfor-
mam certa função. e sua redução aos mesmos ele-
mentos de um outro sistema no qual têm um outro
emprego.''
1. T fnianov

Chegou o momento em que se deve finalmente


cortar o s de vanguardas e começar a pens!,\r qual
seria a melhor maneira de enfrentar o problema, sua
.... sistematização, e ainda a realidade e virtualidade de
uma situação que aconteceu com freqüência no pas-
sado e que tende a suceder com a constância das
marés no futuro. Caso se mantenha o plural, o mais
profícuo dos métodos seria o histórico, e basta que
u.. I" 111111 W" nos recordemos da obra monumental de Guillermo
111\1• 11 • 1 .. de Torret; e o mais prático o do catálogo que cobri-
'"'. l l•llllllllll 1 ria movimentos, autores e obras considerados de vau·
IU•"''' n hui guarda. Isto é, colocar-se-iam as diversas manifes-
•--1 Vt>I 11 1• • t ações e manifestantes como produtos marginais e
1111 ...., 111 intempestivos dentro da sua época, e ainda uns atrás
11.., 11 1n11 dos ·outros, co1no trem de ferro e seus vagões, se-
!Ili· 11111 '~ guindo determinada cronologia, de preferência a da
..... tllll , 1 flecha do tempo, chegando a uma lista completa,
.. " ...., ..1 )li ou incompleta, dependendó do esforço, abertura e
tt•111•1 h·-
' Ili li~"" :->
1
\\\ tempo disponível. Poder-se-ia ainda - maior perigo
- privilegiar este ou aquele grupo em detrimento
Ili lt111h1 li V deste ou daquele movimento, sem motivo justo di-
IJ.111~ 1111 11111
.. tado por cr itério de seleção, mas apenas informado
(1)Historia de los llttraturas de vanguardia. Mad rl, Gua·
darrama. 1965.
•.

E e º N GR AT u L AT º R 1 A. 151
J.Hll r11zõcs sentimentais, emocionais, ou de compa•;·
nll lrls1no.
11ul '111 tht.1...
e '111111• n
Assirrt sendo, preferiremos pois podar o incômodo.,
p ndicc que assinala o plural, e afirmar de infcló''
SONETO DIACROSTICO. qu noção de van uarda é decorrente de um.a ali•
ti ""'
llllltl
1111••11
*
tudc o cria or ue existe 1n e en entemente as ., IA 11•1 •
l!irc11iislãnc1as . 1st ricas e geogra 1cas mais 1me ia• • .. IA •ltl
~o feu pranto nas ondas f u ~ mergido têís. :e l!nles de màis nada o "desejo do criador;- dtmn,C' · • 111111 . .
l• 1nassa ~oêtíca e c~ótica gue foi acumülada atá_
~ luélúa o Maranhão em tr ~ fie e.fiado ; .. 2 019m~iii eaj°"~que dec@e' l?egar, a · gen~ou. a . 1ná.:í ~
~ anoel pois o feu Bifpo mai oo amado guh~a para escr.ever, desejo não de rec_a~car. o "á-es•
Ci'llo; 1nas de êlesmon - o como ustif1cat1va ara,
> ufente em Mariana tem· ~ erdid~ un1a o ra ue se avan a como diferente. Ser a.
portanto m ais importante para nos ana 1sar o proce~
Z os feus mefmos cryfiaesjà e O nverrido dltnento2 que inaugura o objeto novo, aquele que
O tem na uma a dor O epofitado : Indica ser ele uma obra de vanguarda, do que enu-
merar sem nenhum outro objetivo, a não ser o d C\
t'r:l à
fa.udade tributa em cru trJ 1 fado exaustão, os movimentos, os autores e as obras que
t"1 iquido argento e a::
perolas nafcido. dlria1n respeito à vanguarda .na literatura. Se aqui
caí1nos no perigo de nos limitar a abstrações, pelo
O cfie pois luélo atroz a atr >memoria 1nenos não chegaremos a incorrer no equívoco
> M ariana da gala t ~ az o agouro: de apenas abordar o problema pelo seu lado mais 1'111 hllll

exterior, o da lista, do catálogo, sen1 nunca se ater • " ' 1 1)111111


Ci roa as per las lhe. dão de alt ~ va gloria: à especificidade do problema.
li h1l h ·111,
· ~u·ln 1lh·ll
~ utilo faz da prat >o throno de ouro . V~guarda seria pois de ma11eira primeira, esque·
~tica e simples, as novas tendências estéticas qÜo . 1'nl ' •
Ce na urna o obelifco à íua va Z gloria ' est.íi~s~m em c hoque, se inscreves:iem:"c:Ontra; as têili- 11 \:UllllJiit

~ enith do feu Prel ~ do, efeu thefouro. d~ncias vigentes. ' 1111u '"'"
" 1111 " 11411
Para definir 6 s adjetivos novo e vigente, seria in- . uull~111111
teressante que recorrêssemos ao conceito de des· 1111l1ll1111n
vio da norma (estranhamento)'.!, introduzido nos es· 'il'lllhlt1 1
tudos literários pelos formalistas russos, e seria im- 111111·1•11!111
portante ainda que déssemos ênfase ao que pode~ 11v11 • 1111
ríamos chamar de inventividade. Em outrªs 1,1ª1.roa'.a§, 1·~ li'lh 1 11
Do R everendo Doutor Prefidente. Q_yi~te s.eria-a nel'ma, e_o_uo.Y.o....s.üi8u:ia-no~~ l'lll llUJll lf t

1 ta11te dQ_ desvi..o,~.no-espa~o-da-ti:a~~ãol'"'<graçl!S., 0 Nl•fl'lllll



à fQJ.xfl ~! inventffi!ll\dç gue_!.Q.,,criado~) ~.omanda; 11•1ti1 h •llll
ít'forxa_.f.!>I.Ç.a a ~,omi~. , c}esaU,~ç:uJa-a e J!.Õre .iú1w}Z: ·' 11,111 11111 ••
1

ri.zbn!~ .~111..-q\t~ J;JQYtis_p~~a§ .(Q.rro.ai.&.-e~e...man- . í'I tHlll..IM


iicas se descortinam. A inventividade é marca certlf 1•1111111111111
<te 'Qã'iX'.ã'O'ir"Viõffinc'Ia: de aEuso de for-a é 'sacrifíêiõ;.. , , 111 --111
llHll 1 Jllllll1
~-~~~.Às.~!~sj11;ato e nãss!.m~P.1P.o1-~-<m '

SO- ~ntre ~les se ioJe}.·p..Qer, A .•PM!!..21~. d~ desconti· 1'111 1111• •


Nl' I YIJ 11 .. 1
(2) Salmos pois da problemática de unia definição dcscrltl • 11111111111111
vo-metnfórica de vanguarda, cuío exemplo maís corriqueiro 6 Q 1l11•1i1111l11i.
das comparações bélicas, devidamente auxiliada pela pesquisa i:ll•
mológica. , 111•11•1111yl11
(3) Cf. V. OrKLóvsK1, "L'art comme procédé". ln: Tltiorla .~

Fac-sí1nile úe um dos poen1as d'a academia cultista do à 11reo Trono (Mariana, 1748), uma das manifestações do de la llttirat11re, Paris, Seuil, 1965. Em francês: "singularisR•
barroco literário revistas pela crítica de vanguarda. tion ••. 4~ 1
·~· ..
..

por raz.ões sentimentais, emocionais, ou de compa- nuigade: a da morte. D essa ambigüidade nos fala
• ll 1 A. nheirismo. Carlos ÍJrun1monêl de (Andrade:
Assim sendo, preferi remos p ois podar o incômodo
a cor não pousa
t apêndice que assinala o plural, e afirmar de início
,l -
que a no ão de van uarda é decorrente de uma ati-
l.ude do ena or ue existe . 1n e en entemente ã as
'cirêüôsianc1as istor1cas e geograficas mais ime 1a-
nem a densidade habita
nessa que antes de ser
j á deixou
-
j á deixou de ser nao sera,
·1as. E antes de maTS-natla-u üesejo do crtatlor, dial.1.'re ' mas é-'.
""Clã massa poética e caótica que foi acumutaaa até
ô ~pmento__en1 _qué deêíde ~àr p~na_Oll-<1-mk -ª G endo o 'Objeto literário um ob ·eto lio üístico sen-
quina para escrever, desejo nao de recalcar o ·á-es- <JQ :Clê p_o_i:i@!Q...C.onstitu o -~- s.!mos,, e importante
C!i.tó1 _~ C1e dêsinonfa- o como ustificativa ma ~ue o .co.J!Ç,~..J.ie-des_v~~rma, ~e1â·~~!1;bel~'ªõ'
un1a obra ue se avan a con10 diferente. Seria a partir de no ÕeS . Ug. .sistema Ca~f!,P.!UàJ.
Põrtanto mais importante para nos ana isar o proce- ~ncu a . · ~teorias...de.j nt,.eJP..WAÇãõ" e moKtê'
dimento2 que inaugura o objeto novo, aquele que ijn.gliíst$-j N ão é nosso interesse apenas'"ãssinãlílr
indica ser elo uma obra de vanguarda, do que enu- Cãairn a lias etapas que n os levaria a definir o des-
merar sem nenhum outro objetivo, a não ser o da vio da norma, con10 também seria inoportuno agora
exaustão, os movimentos, os autores e as obras que definir cuidadosamente cada um dos termos; antes
1
nafcido. diria111 respeito à vanguarda na literatura. Se aqui
caímos no perigo de nos li1nitar a abstrações, pelo
é nossa intenção precisar com clareza, nitidez e bre-
vidade as diversas fases do caminho da definição.
rJa 1nenos não chegaremos a incorrer no equívoco
do apenas abordar o problema pelo seu lado mais 'feríamos de começar pelas noções de sistema e
~ouro: de código. O sisten1a a que__Qertencem os · i •
exterior, o da lista, do catálogo, sen1 nunca se ater
l r1n: à especificidade do problema. güisticos, que se enco~fif]:Ç°)'.l. am.ente.....c.onf.igµ.tado...
pelo dicionário e :r>Jla . &,J:'ª f!lMic;,at a. Qrganização lexi-
1mno de ouro ; Va..!!_guarda seria EOis de maneira primeira.._ esque- éãl re-a-org@ iíâÇilÕ:-'siciáticª1 º=código seria e ois
mática e simples, as n ovas tendências estéticas qúe a .c.orobinaç.ão_d,cs.tas...du!\~.Q..C&.filli zações •.,.J;Õ.êlÍg9._e.S te,·
e~tiv~s~~~ em clioque, se 1nscrevessem:·~~}ra as r~-­
utl1efouro. __
denc1as vigentes. __, que possi.Qilit.a. q 9_9m_.ep~~ndi....rnento i:n.tr:.e ...A..~_.n_nQ..
P,rocesso d'â ' COil}Unic11~ão.-rõgo em seguida seria
Para definir os adjetivos novo e vigente, seria i n- i~ispensàvel esfâ6elecer a distinção entre linguagem
teressante que recorrêssemos ao conceito de des- cotidiana e linguagem poética (ou conotativa, no
vio da norma (estranh amento)'.!, introduzido nos es- sentido largo), sendo esta a que é criada a p artir de
tudos literários pelos formalistas russos, e seria in1- procedimentos ou artifícios particulares, cujo obje-
portante ainda que déssemos ênfase ao que pode- tivo é atrair para o texto a necessidade de uma visada
r(amos cham ar de inventividade. J;:m outx.:a_ualavra~, estética. Numa outra fase, veríamos que existe no
x_.v
.~ig~nte eria--a-nor-ma.-e~o....oo.v..o.....su.tgicia.-ne-ins-~ espaço literário selecionado para a análise uma obra-
'' ~a.nte_<!Q..Aǧ~io, ..110.-espaço-da-ti:~ssão,-graçl;\§...., -sistema que· guarda em si traços e procedimentos
.à força de inve~_tivigadç qye J .Q._çriaq_o r) comand~:.. ' retóricos que são comuns a uma série de outras obras
" .....fors:J!JQI.ça a forma,_~esa!t~9uJa-a_e âbre::iun:Ji'o;:.., que serão consideradas como gêmeas e posteriores.
nzon ~ç .~Jl} _q,1,!e novas....E,WP~t!,'lãS.jçrm,ais.... e.serojp...;,_..,. B aquela primeira obra-sistema que por assim d izer
· tlcas se descortinam. A inventividade é marca certa estrutura o espaço literário. selecionado para estudo.
dê]i!xão"e!iõfciíc1~; {fãbuso def91ça e s~çfificio. ' Em seguida deveríamos descrever o processo pelo
qual passa u111a forma, uma obra, desde o momento
~~~!$~.. !!ç~$.sa.~.s!,n.~to, 'e·~µ~~ci_l!).~H.fo,.,.Ji, ..ifu~:
SO- entre eles se tnt.erp..Qe- -ª . l>Jl..tr.ê. .. n1esmo da ........
desconti- em que é colocada ao alcance de todos, enquanto
- ..........,,
~ -."1'4':_._.,,.~1 serve de modelo para outras, até o momento em que
(2) Saímos pois da problemática de un1a definição descl'iti· encontra sua ·e xaustão, seu cansaço. E finalmente
vo-mctafóricn de vanguarda, cujo exemplo mais corriqueiro é o chegaríamos à in1portan te teoria do automatismo de
das comparações bélicas, devidamente auxiliada pela pesquisa eti·
niológlca.
•(3) Ct. V. CHKLÓVSKI, "L'art eornme procédé". ln : Th éori•
percepçao.-
111!11 UO 1( 111 t•o Trono (M ariana, 1748), uma das manifestações do tle la lfttirat1irt. París, Senil, 1965. Em francês : " singularisa·
lljjll '" .1 ..
llon". e4) Obrtz Completa. Rio. Aguilar, 1967. p. 358.

VANGUARDA: UM CONCEITO ... 113


\ •
•1
1

~sim ~ ,_gµe .no í.l~mçQ llter.ám~clw.!Je., es.tYp,~s -desvio desenvolve um modelo transparente que leva ue n1als nada um instante de ruptura, de re-or 'trnf~ ()tWlltl
f_illiw.do....e~em..q~cQ!ll&ÇJ\.A ..Gi~iu.ti~sloJ._Y-~~~
efe _e!Jl co11fr.ruit<W:OJ.lstmte..c2m..
11maJQ.~.f.lmpJ.,,..,
eSt~_gµ~.fui. s~ mµJil~-se, ~e~\iPE,!Jl.J!Q.._s~.
em conta o encaixe de uma forma sobre a outra,
de uma obra sobre a outra, aquele que negando a
re-presentação afirma a a-presentação.
iaçüo; ruptura com. relação ao objeto ou objetos' 1n·
teriores, como ainda é a partir do encaixe q4~ 110
começa a pensar a diferença.
......
Vfll •

tU.U
esfri~ ~~IP-Y.ilt~PU~.JP.9.,..1nt~n~? ~~. 9~ç ~fq~ Como poderíamos estabelecer o modelo teórico Antes de continuar nosso raciocínio, seria op r· rflPf'lf
s~~!ES.t?a, e~ JJúH.9~~~- §U,C.t:Mms :' miJfa_ç9!5.:;. ~~ que descrevesse o encaixe de um determinado sistema '< tuno dar alguns exemplos de obras que falatp.. >
'''""~
vai su~c1ti,ih(}o, entre. escn.t9Je:i,,l.'!l~no~ inventtvps. Com . retórico sobre outro? De maneira geral , os historia- desvio da norma. Escolhemos dois casos da lll · 1 1f ll\01
tál intensidade deter1ninada obra é imitada e/ ou ê o -
~unu4J!... gu~_P.2!:!.~.JL.P.. e
pe~~~ura inforl!lac1oqa.!. até ..o .ipstant~ em gue é..de:.
dores literários sublinham exatamente a noção de
t~adição, ou seja, o elemento que passa de um dado
sistema para outro e que serve de ponte entre os
' tura contemporânea - bem evidentes e bem pi),
sutis - para que fique exemplarmente consigna
o que estamos tentando definir de maneira absttn IH·.
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cpmpQsta ç em seguida. Lecompost~ _por uma J~gua:. Mo11,
gcm segµn da, a da_critica literária. Quando se chega
ão estágio em que ela encontra âbrigo e explicação
dois, estabelecendo a continuidade entre gerações
e/ ou obras. Ora, o que sucede muitas vezes é que
a geração e a obra desejam se inscrever exatamente
O primeiro é o que tem sido chamado equivoo ~ ·
damente de "poema paródia", de "romance paródi 11
- sobretudo pelo crítico H aroldo de Camposs nl\1 '
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<lr•IH\
no texto crítico, quando o simulacro crítico explicita l 1PQO
como negadores da tradição. E esta basícamente ser- suas recentes interpretações da obra de Oswald (lg"
pelo acréscimo do "intelectual" (Barthes) sua estru· ve para dar continuidade ao que chamaríamos de Andrade. Poderemos citar o poema "Loide Brasll<.íll :
tura interna, pocle-se dizer também que já perdeu cultura, ou de literatura. Como já tinha assinalado af '"' ' '
l' lltlll"I
ro", extraído de Poesia Pau-Brasil, e . como elemor\tCJ: :
su·a força e originalidade originárias. Como Jacques Sartre na década dos 40, a hist6ria ern geral e a his- correlato o poema "Canção do exílio", de Gonçulv~s · , . 11111 d•
Derricla coloca: tória da literatura em particular tendem a ser retros- l l ÍUl l
Dias. Em Oswald, teríamos a prova evidente de urhti · .•
pectivas. Isto é, tendem a explicar os acontecimentos des·obediência ao que estamos chamando de obrii• ~· 11•111, •
A fo rma fascina quando não se tem mais a força para do presente pelo passado, explicar maio de 68 pela 11• 1"'"1
compreender a força no seu interior. Isto é para criar. -sistema. · t•t1lll 141h
"semelhança" com a Revolução Francesa, ou ainda fo ~êgun~o exem~lo_ é º . c~~? ~m que º. desvio se
Se até aqui salientamos o processo de exaustão
da forma, o processo por que ela passa para se tomar
explicar o romance de análise psicológica do século
XIX pela obediência aos cânones estabelecidos, por
passa no n1vel do cod1go hngu1st1co, ou seJa, o novo
objeto se insurge, não tanto contra o sistema retórie<>
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11/gente, aceita pela comunidade sem nenhuma estra· exemplo, pela Princesse de Cleves no século XVII, em si, mas contra o dicionário e a gramática, pto• • 1~vt,
nheza, visto que se encontra assimilada e compre- sendo esta obra e a total subserviência dos roman- pondo como literário léxico e sintaxe que saem dl\
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endida por todos, seria também necessário que fosse cistas posteriores a ela o que assegura a tradição norma estabelecida para o discurso em portuguÕ$1 1• 11vh1
colocada a problemática inversa, ou seja, a do apa-
recimento da nova forma. D escrever, ainda que su-
mariamente, o processo lento e quixotesco de encaixe,
do romance de análise na literatura francesa e a
continuidade da fonna récit. Se elemento estruturante
da história da literatura deve ser salientado; não será
Seriam citadas a obra de Sousândrade, em particulnt
a conhecida seção "Inferno de Wall Street", do Ouc•
sa Errante, como a prosa de Guimarães Rosa, parü
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...-
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1•1thi11111
e não propriamente de sucessão ou de substituição, de modo algum a obediência, ou o servilismo, mas não falar no caso ma~s JJmplexo de Alencar6 nos l'f 11111•
como quiseram e ainda querem alguns teóricos. exatamente a des-obediência a determinado padrão seus romances indianista
r· A nova forma surge coroo um desvio que deseja
operar o criador dentro do sistema retórico que já
imposto no passado, des-obediência que instaura a
diferença específica do novo objeto e a necessidade
Não seria difícil assinalar, para ficar apenas com '
um exemplo, onde se situa o desvio da norma nç1
'
111111 li ri
1'1111 VI 1
de incorporá-lo à literatura. Caso contrário, ou seja,
111111h11
está sendo considerado habitual, clichê literário, den· poenta de Oswald, principalmente porque ele n()S 1111ll•nt1t
tro do que já está circulando autônoma e impun~ apenas sob a forma de obediência, o novo projeto se reanete claramçnte a um modelo preciso do pas&~do fCSI 1111111
mente pela comunidade. Investe-se pois o criador inscreveria como invisibilidade, como silêncio, glo- literário brasileiro: '
contra o já-escrito e o já-assimilado, contra o vigente, rificando apenas a origem pela sua inexpressividade
1
l 1li"l'l'
.
"
contra o apropriado pelas instituições (seja ela a
U niversidade, ou a Academia de Letras), contra o
institucionalizado pela crítica e história literárias, e
significativa, a origem sendo curiosamente também
retomo.
Creio que seria o momento de deixar c·air tanto
"Minha terra tem pabneiras"
" Minha terra tem pa/n1ares".
'
• llt111a Tt
'ºº'
Ili 1
ll f '""'"
l'(lí
procura criar um objeto que, apesar de ter a mesma a história que. se quer retrospectiva, que enfatiza Diversas perguntas poderiam ser feitas cotej11nç!Q 1 , th•-\llo
espe<:ificidade do objeto anterior, requer uma ma- apenas a obediência e a tradição, como ainda oertos modelo e a versão modificada: qual seria o m~lfl(lf.. )
neira diferente de ser analisado. Vai requerer um
novo vocabulário. conceptual para ser interpretado
conceitos como o de origem e evolução (no sentido
teleológico), ou de aprimoramento, - conceitos to-
símbolo para o nacionalismo brasileiró, palmeiras õ\i(~·'
palmares? Por que Gonçalves Dias elege "palmélVW~~ "'"'
- como veremos adiante.J dos que apenas pedem uma visão linear e unívoca (juntamente com Alencar, por exemplo), e por (\'Ít '"·
Se o processo de institucionalização da obra re- do fenômeno literário. Chegado é o momento de co- •
quer hoje em dia um método crítico que descreve meçar a investigar novas possibilidades de fo~ali­ (5) Prcf,cio a Poesias Rtunlda.r e também a Mem6r/IJI .~til ,
timtntaiS d~ João Mlramar..
e analisa a obra n a sua opacidade, na sua qualidade zação do problema da passagem de um determinado (6) Tomamos a liberdade de chamar a atenção do lclt\ir-
de única, auto-suficiente e singular, já o método crí- sistema retórico, em vias de esgotamento, para outro para artigo nosso, "lracema : alegoria e palavra", P!.lblicndo tlí1 .
1965 na Luso-Brazllian Review. TambEm para outro, "A Pn.lt!Yl'IL1
tico que sugerimos para a interpretação da obra-do- que se pretende novo e original. O encaixe é antes de Deus", aparecido na revisla Ba"oco, n. 3. · ":,
114

,J

· desvio desenvolve um modelo transparente que leva


r
1te mais nada um instante de ruptura, de re-organi- Oswald privilegia "palmares"? Por que Oswald resol-
cm conta o encaixe de uma forma sobre a outra, iação; ruptura com. relação ao objeto ou objetos an- veu construir seu poema a partir de um outro con-
de uma obra sobre a outra, aquele que negando a teriores, como ainda é a partir do encaixe que se sagr ado do corpus da literatura brasileira? Etc., etc.
rc·presentação afirma a a-presentação. começa a pensar a diferença. Essas perguntas e outras, creio, encontrariam boa
Como poderíamos estabelecer o modelo teórico
que descrevesse o encaixe de um determinado sistema
' Antes de continuar nosso raciocínio, seria opor- resposta dentro de. um modelo teórico que estamos
tuno dar alguns exemplos de obras que falam do desenvolvendo há já algum tempo e que descreve-
retórico sobre outro? D e m aneira geral, os historia- desvio da norma. Escolhemos dois casos da litera- remos brevemente a seguir.
dores literários sublinham exatamente a noção de tura contemporânea - bem evidentes e bem pouco , Em primeiro lugar devemos salientar que tanto
1·radição, ou seja, o elemento que passa de um dado sutis - para que fique exemplarmente consignado o poema de Oswald, como a contribuição léxico-sin·
sistema para outro e que serve de ponte entre os o que estamos tentando definir de maneira abstrata. tática da obra de Sousândrade, ou de Guimarães
dois, estabelecendo a continuidade éntre gerações O primeiro é o que tem sido chamado equivoca- Rosa, não podem ser analisados denti;o do modelo
e/ ou obras. Ora, o que sucede muitas vezes é que damente de "poema paródia", de "romance paródia" estrutural, tal qual o conhecemos e~ Barthes (ou
n geração e a obra desejam se inscrever exatamente - sobretudo pelo crítico Haroldo de Camposs nas Grei mas) e que tem sido aplicado com bastante su-
co1no negadores da tradição. E esta basicamente ser- suas recentes inter-pretações da obra de Oswald de cesso entre nós. O 1nodelo estruturalista tradicional
ve para dar continuidade ao que chamaríamos de Andrade. Poderemos citar o poema "Loide Brasilei- se interessa apenas pela opacidade do texto, pela es·
cultura, ou de literatura. Como já tinha assinalado ro", extraído de Poesia Pau-Brasil, e como elemento critura bidimensional que está diante (lo teórico e
Sartre na década dos 40, a história em geral e a his- correlato o poema "Canção do exílio;,, de Gonçalves que deve ser descrita ou analisada. A própria me·
1.6ria da literatura em particular tendem a ser retros- Dias. Em Oswald, teríamos a prova evidente de uma táfora que Bartbes encontrou para dç(inir este mo-
pectivas. Isto é, tendem a explicar os acontecimentos des-obediência ao que estamos chamando de obra- delo, a de "simulacro"7, trai já o desejo de apenas
do presente pelo passado, explicar maio de 68 pela -sistema. re-produzir sem modificação (''o inteJeçtual acres·
"semelhança" com a Revolução Francesa, ou ainda põSêgundo exemplo é o caso em que o desvio se centado ao objeto") a obra que está ~endo configu-
explicar o roman ce de análise psicológica do século passa no nível do código lingüístico, ou seja, o novo gu r a d a. ,b~c~r::;
ed=:i:.:tª
=-:e":'l:::-e-::-n:.:.:ª:...pª;.;u:.;t;;:.
On :.:.:o::,m a ,~n:;a:,.;.;
::.:;i:; si:::
n:s.::
u;:;la~r;:.id=iar.:d;:e
XlX pela obediência aos cânones estabelecidos, por objeto se insurge, não tanto contra o sistema retórico e, sobretu o. n_a auJo,:. '
s u 1c1enc1a o ex o que es-
exemplo, pela Princesse de Cleves no século XVII, cm si, mas contra o dicionário e a gramática, pro- creveL,. ll!lí\hsa ou 1nterpret.lk,
sendo esta obra e a total subserviência dos roman- pondo como literário léxico e sintaxe que saem da Tenarrtos pois de começar a peqsar um modelo
cistas posteriores a ela o que assegura a tradição norn1a estabelecida para o discurso em português. descritivo tridimensional que contives!!e a transpa-
do romance de análise na literatura francesa e a Seriam citadas a obra de Sousândrade, em particular rência da obra-segunda, sendo esta aquçla que apro-
continuidade da forma récit. Se elemento estruturante a conhecida seção "Inferno de Wall Street", do Gue- pria parte de uma obra do passaclp para agredi-la
da história da literatura deve ser salientado,· não será sa Errante, como a prosa de Guimarães Rosa, p ara na sua integridade, na sua auto-sufiçiênçia e princi-
de modo algum a obediência, ou o servilismo, m as não falar no caso mais cvmplexo de Alencar6 nos palmente na sua singularidade. O mogelçi levará em
exatamente a des-obediência a determinado padrão seus romances indianis~ conta sobretudo a possibilidade de µmª re·produção
ln1posto n o p assado, des-obediência que instaura a Não seria difícil assinalar, para ficar apenas com modificada de qualquer obra do pª8§i\çlO feita por
diferença específica do novo objeto e a necessidade um exemplo, onde se situa o desvio da norma no um criador do presente. Em outras pal!\vras, se re-
de incorporá-lo à literatura. Caso contrário, ou seja, poema de Oswald, principalmente porque ele nos produz parte de um predetermitla4o objeto para
ap ooas sob a forma de obediência, o novo projeto se remete claramente a um modelo preciso do passado salientar a diferença do novo objçtq. Assim send(>,
il\screveria como invisibilidade, como silêncio, glo- literário brasileiro: · teríamos também de começar a pfpd4iir um sisten1a
rificando ap enas a origem pela sua inexpressividade conceptual que fosse diferente do p~n~ll~9 pelos teó-
significativa, a origem sendo curiosamente também "Minha terra tem palmeiras" ricos franceses a que fizemos alusãg a.gima:
retorno. ''Minha terra tem palmares". Tomando como base para o ll9~~g r!.lciocínio o
Creio que seria o momento de deixar cair tanto princípio de que a obra de que estl\l!\P!! falando tem
n história que. se quer retrospectiva, que enfatiza Diversas perguntas poderiam ser feitas cotejan~o o por origem um modelo e que a s~guqçla. obra é um
npenns a obediência e a tradição, como ainda certos modelo e l\ versão modificada: qual seria o melhor desvio da primeira, podemos chi:imílr ~ primeira de
oooceitos como o de origem e evolução (no sentido símbolo para o nacionalismo brasileiro, palmeiras ou "form;i-orisão"R, conceito tomado li@ ~nipréstimo à
ttôl1eol6gico) , ou de aprimoramento, - conceitos to- palmares? Por que Gonçalves Dias elege "palmeira" (7) "La slructure cst donc cn faít un sin111(acre de l'objct,
dos que apenas pedem uma visão linear e unívoca (juntamente com Alencar, por exemplo), e por que mais un simulacre dirigé, inléressé, puisqu~ l'objet lmilé fail
11 . do fcnô1neno literário. Chegado é o momento de co- apparai1re qudque chose qui rcstait invisible, OI\ si l'on pr6fêre,
..........u'"'
.. 11lt1 li
.. 11uul1tl1 1
mcçnr a investigar novas possibilidades de formali·
:r.oçílo do problema da passagem de um determinado
(5) Prefácio a Poesias Reunidas e também a Memórias Se11-
tlme11tols de JoiJo Mtramar.
(6) Tomamos a liberdade de chamar a atenção do l eitor
ininlellltiible da.ns l'objet natureJ." Essais crl!fq14es, Paris, Seuil,
l 964, p . 214. . "
(8) Corps et Biens, Paris, Ga!Umard, 1968, p. SJ. A ex-
pressão se encontra na coletânea L'A11111011yn1e, publicada em
1•1111111 1 1 I ' sistema retórico, em vias de esgotamento, para outro para ar1igo nosso, "lraccma: alegoria e palavra", pµblicado em 1923. Par a chegar ao estado alual da nossa análise, foi·nos tam·
li 11h1 li 110 1965 na L11so-B,.ar.llian R eview. Também para outro, "A Palavra bém útil o conto "Pil)fre Mesnard, autor' dei Quljote" (Flcclo-
ijllG se pretende n ovo e original. O encaixe é antes de Deus", apa recido na revista B arroco, n. 3. 11es), d: Jorge Luís Borges.

VANGUARDA: UM CONCEITO. .. 115


...

poesia de Robert Desnos .. De início tambéin c9ns- com a versão modificada e vice-versa. A não ser, ~ do rcdi idas um desvio da norma abrindo-se . ~ 1•111• li
tatamos g,ue a obra da ruptura não se ergue no cam- claro, que se queira criar um movimento unívóc ....o-dcscon~ci.du._é_q.ue !eriam nec.es_sJlriamente_d 1nl111 11I
po ão acaso da cri11Çãó, mas que a invenção se lança entre os dois textos, ou que se queira pensá-los e t ' 1th
l llC:O ~didas_pelos-cootemporâneos .•.Ssn1sândrª® 1•
planos diferentes, - o que deve ser de antemão
dentró de um es a o cori11 rado or outrem bus-
can o agoio não na ·inspiração subjetiva. mas na in- negado. Assim é que, seguindo uma indicação dad li a disso o Machado de is d ' ·· -.
11111as de Brás_Cubas também.o.sabia~ Nos diz Nietzs• ·
"'º" 11
•Ili• ••
compati ilidaâê ue e roduto do artesanal or as- por Borges, pude lançar recentemente um artigo cujo 1•1ilh• ••
õhe :
t,.

sim 1zer. O artista resolve nao criar em total liber-
êlãõê, mas elege uma forma que pré-molda sua e -
título é signo certo da problemática do descentra-·
mento do sujeito e da revisão do problema da in-
llltt• tlll 1
• 1111 1lti
. cvtura. segua a o ra, que c amaremos de versão fluência: Eça, autor de Mada1ne BovarylO. . . . agir de n1an.eira intempestiva, isto é, contra O lu1j11 "
0

mo diflcáda, inaugura sua mensagem no momento (Con~tatamos pois que o campo de discussão da lo1npo, em favor (espero) de um tempo a vir. 1111 11 1
e1n que transgride a forma que lhe serve de prisão, vanguarda extrapola de longe os lünites rígidos do. .,.... 1111
no instante e1n que se desvia do já-escrito, traindo modernismo brasileiro, ou mesmo as coordenadas e pena pois que trabalhos recentes, que demon.s• 1 11l11t111
a escritura primeira, no instante em que se insere, artísticas do século XX. No caso particular do pro- tram grande esclarecimento e boa vontade, ainda ·pe. 111l 1oh•
se encaixa no objeto que lhe serve de 1nodelo. O. jeto brasileiro, devemos salientar que recentemente . quem. por certas lacunas. É o caso por exemplo da
encaixe a trans ressã ~io,_a barra ..emhalrun toda uma re-visão estudada e minuciosa do nosso . rcccn.te antologia organizada por Gilberto Mendon9u
"'''"'ht
11 1••hu
o sa to ~emantico que desguia. o leitQr do passado passado literário tem sido feita graças a postulações ·.
e da norma, da Ql'isão,_e . Q 4,çj.líJl._ru>.....ru:....da.euiJlde.•.
aô" cfiogµe 1 da .§llfPJ.lf, !á. di§!l.Q.D..ÍY.eJ..J?Jlra yma aven-
precisas que só foram possíveis a partir de progra .
mas teóricos elaborados por grupos de vanguard
'f clcs, que leva o titulo de Vanguarda Européia. a j
Moder11isrno Brasileiro. Devemos antes salientar que ''"'
1111111111
111" httl
esta antologia co1nporta uma indispensável parte final '·•
tura literária ue se desenvolverá lol)ge . d.as ptlas. Corn isso te1n-se acordado do sono do esquecimen o
ªº
- Aeassa o e ..ela ti.â_çt.ição.
obra-segunda se afirma como um processo con-
obras que as histórias da literatura julgaram útil des- .
prezar .
onde o organizador indica que não esqueceu os 1nals
recentes movimentos experimentais da literatura bi:a•
111\11 ' ..
1h11111
11•111
li
,,
comitante de negação e afirmação (e não sucessivo, nfssim é que, a partir de teorias da criação bem silcira. Ao mesmo te1npo em tal antologia não co1n~ 111•'1· "
ou mes1no paralelo), ao contrário do texto conside- definidas e sobremodo originais, certos poetas têm parece Sousândrade. A organização interna da an• 11111111111
rado na sua opacidade, que apenas afirma.l'\firma- passado ultimamente para o campo da crítica e mes- tologia aliás (não diria que o seu organizador penso .·111111"
ção consubstanciada pelo fato de que todos os pon- mo da historiografia literária, olhando com olhos assim) sugere inclusive que os precursores do van• , 111111 11
tos deste texto são estruturados a partir de um cen- novos o nosso patrimônio literário. Não seria incor- .guardismo brasileiro são aqueles que fizeram a van•
' ., 11111111

'.... ,,
tro9, que é a essência do texto, e que está situado rer em erro ch amar a atenção para o trabalho 'pio- guarda européia11 . Ora, nós acreditamos que a fun· . ll \111• , ,
no interior da sua realidade. Na repetição, portanto, neiro dos irmãos Campos, do gn1po Noigandres de ção do crítico hoje é exatamente a de recuperar tt>•
.
e sobretudo graças à diferença entre os textos, des- São Paulo. Haroldo e Augusto de Campos foram dos os criadores que foram intempestivos, segundo 1111\ li ..

centraliza-se esta problemática, que não é pensada os principais responsáveis por colocar em circulação Nietzsche, os que, porque foram contra seu tempo,
mais em termos de interioridade a um ou a outro na década dos 60 dois poetas extraordinários, geral- estavam criando uma obra por vir. Obra margina· ..
texto, visto que se impõe de agora em diante como mente relegados a segundo plano pelas nossas his-
Jizada por ·gerações desprevenidas e que só chegl\ 1\
1 ·~centro" un1 ponto exterior a ambos, a barr a ou a tórias: Sousândrade e Oswald de Andrade. Nesta
1
mesma linha, devemos também dâr crédito ao tra- ser compreendida dentro da abertura metodológioll
' diferença, que é, então e finalmente, os dois simulta-
balho mais modesto feito por Mário Faustinq na de hoje. Poderíamos ainda levantar o curioso caso
neamente. A (rcpetiçãO'-) diferença irrompe na
cadeia do discurso poético con10 instante de dis- fase áurea do Suplemento Literário do Jornal do de Gregório de Matos que só foi "descoberto" pelos
túrbio. Não existe portanto um fenômeno de re- Brasil. E seria impossível esquecer o levantamento roinânticos, depois de un1 prolongado processo de
dundância, mas o distúrbio instaura o corte da des- que vem sendo feito pelo poeta Affonso Avila das 1narginalização. : ,.-

• continuidade con10 '\\revelador (no sentido fotográ- nianifestações literárias do barroco n1ineiro, seja atra- Diria n1esmo - sem nenhuma paixão, sem 11 '
fico) dos dois text~ Os textos só começam a falar vés da publicação de textos pratica1nente desconhe- nhurn sentimento exacerbado de nacio.nalismo - que
!1 a partir da inserção. Assim como, em Blow-up, a cidos, seja ainda através de uma nova visada crítica para o escritor joven1 de hoje é tão importante l:tJ" .,
realidade só começava a falar a partir da fotografia do barroco em gel'al nhecer o "Prefácio" a Um Lance de Dados de Mol• :
qu_e se insere no passado, na n1em6ria, se encaixa na ..Iados...esses autoi:cs recén1-valorizados são jovens . larn1é, quanto a obra de Oswald, ou de Sousândrf1d@ •. ·
paisagem. porque suas_ obras tr~zem . ªquç1!J. marca <!e.Jntem- '. Aliás, isso quem diz hão é tanto quem agora 09• '•
Como conseqüência não poden1os dizer que existe ·r.estiv,idade q11e,__segundo....Nietzsche,.....La-car.ac.te.ás,,_ creve, mas a voz dos jovens que renovam no Pf
um sujeito que é a origem da diferença, na medida ttca 1nes.n1a,_da .mrule.rnidade. Eorqne as- obxas....deles- .~

em que a forma-prisão se encontra comprometida "fül:nlficaran1 no .momento Jnesma . en1_que_ estavam. ( l J) Todu uma discussão sobre o problema da fontó li dil. ;. 1 li

influência caberia aquí. Diríamos, até poder desenvolver nllllh Bf' .. ~···1~ •
(9) Esta.mos utillzando, a partir deste parágrafo, alguns con·
ceitos cxtrafdos da obra de Jacques Derrida, em especial de D"
(10) Capflulo-pnr<lntese de Ruptura e Ret6riéa, ensaio sobre
o romance brasileiro do século XIX, a ser publicado pelo Con-
nossa tese, que o discurso latino-americano, ne~e sonti<Jo, ftl.
situa num entre-lugar descoJoniz3nle. que é ao mesmo tcl.ílílú O ,, ..,.. ..,..
., ...... t

•t•11i 11 , ...
/o ·grommotologlt. selho Estadual de Cultura (São Paulo) . da a'5in1itnção e d.1 tran sgressão.
'
116


C AC
CILI VllQI
l\fjlll t.;Ulll oom a versão modificada e vice-versa. A não ser, é sendo redigjdas um desvio da norma1 abrindo-se para , sente momento a música popular, o teatro e a lite·
\li' "" 1 tl lll
olnro, que se queira criar um movimento unívoco 'o d esconhecidÕ, é que teriam ne.c;ess.ariamen..tl} de ..s_er ratura t2.
.,••• _,. 11111\• olre os dois textos, ou que se queira p ensá-los em 1ncomru;,e@._di.Qas pelos contemporâneos. SousâJ;idrªcl.e.
Creio mesmo - e a qui tomo as devid as precau-
tllflll\, h11ir plnoos diferentes, - o que deve ser de antemão ç ões para não incorrer em proselitismo ingênuo -
ll tndo. Assim é que, seguindo uma indicaç~o d a~a sâbia disso o Machado d si d a ' . •
que seria a partir de um a meditaç ão sobre. f? con-
1111111 1111 h1 u1nas de Brás _Cuhas também o.sabia. Nos diz Nietzs-
uni. 11111 11 por :Bo rges, pude lançar recentemente um artigo CUJO ceito de vanguarda tal qual p rocuramos defini-lo ( e
1 h1l111 lilu•1 título 6 signo certo d a problemática do descentra- che : - mesmo abandono posterior deste conceito e até d a
llhl 11 ~ Utt \!~ mento do sujeito e da revisão do problema da in- sua definição primeira) que seria possível escrever
li• 111• 111•1 i; fluên in: Eça, autor de Madanie Bovaryto. . . . agir de maneira intempestiva, isto é, contra o 'b oje aquilo a que chamamos de História d a Litera-
'" llh•llll•ll1• · onstntamos pois que o campo de discussão da tempo, em favor (espero) de um tempo a vir. tura. Desta maneira, creio, não daríamos a ênfase
I• IÍl' 1•1 llol\Uj vanguard a extrapola de longe os limites rígidos do que tem sido dad a pelos mais recentes trabalhos no
1l1t1, 11 111111 n'\o dernismo brasileiro, ou mesmo as coordenadas 1:: pena pois que tra balhos recentes, que demons- campo ao estilo de época. M~todo este .que ~em,a~ar­
,.. -·· 111~1'1 I o:tt.fsticas do século XX. No caso particular do pro- tra·m gra11de esclarecim:ento e boa vontade, ainda pe- retado inúmeras incompreensoes do objeto l1terano e
111111h•l11 ~b jQto bnisileiro, devemos salientar que .recentemente que1n por certas lacunas. É o caso por exemplo d a iojustiças quanto aos autores mais significativos para
111 111ul111I 1 toda u1na re-visão estudada e minuciosa do nosso recente an tologia organizada por Gilberto Mendonça o estudo presente da literatura.
passa do literário tem sido feita graças a postulações Teles, que leva o título de Vanguarda Européia e Insistiríamos antes nas obras que assinalam o mo-
..""li l llllllll
1~111 li
1 p.recisas que só foram possíveis a partir de progri mento de descontinuidade e que por isso viveram
J\1odernismo Brasileiro. Devemos antes salientar que
rru1s teóricos elaborados por grupos de vanguard cst.a antologia comporta un1a indispensável parte f inal
até hoje nun1 regime de exclusão. Diria mesmo que
Cont isso tem-se acordado do sono do esquecimen o não rejeitaria um movimento de inversão que po-
obr'ns que as histórias da literatura julgaram útil des- oncle o organizador indica que não esqueceu os ma is deria ser expresso de maneira esquemática pelo slo-
Pl'W:ar. recentes rnovilnentos experimentais da literatura bra- gan: excluir o incluído e incluir o excluído. Talvez
~~sim é que, a partir de teorias da criação ben1 sileira. Ao mesn10 ten1po e1n tal antologia não con1- fosse sugestivo agora levantar a hipótese de se or-
definidas e sobremodo originais, certos poetas têm parece Sousândrade. A organização interna da an- ganizar o corpus da literatura brasileira tendo como
passado ultimamente para o campo da crítica e mes- ·tologia aliás ( não diria que o seu organizador pense óptic a estruturante os momentos que marcarmn a rup-
mo d a historiografia literária, olhando con1 olhos assim) sugere inclusive que os precursores do van- tura de determinado sistema retórico, pois é aquela,
novos o nosso patrimônio literário. Não seria incor- .guardismo brasileiro são aqueles que fizeram a van- como têm demonstrado os trabalhos empírico-descri-
rc1· crn erro c hamar a atenção para o trabalho pio- guarda européial •. Ora, nós acreditamos que a fun- tivos de Michel Foucault, como Les Mots et les Cho-
""· 11111l n l neiro dos irmãos Ca mpos, do grupo Noigandres de ção do crítico hoje é exatamente a de recuperar to- ses, a que assinala a diferença, a que inaugura um a
.... ,.,...ii-~ Sfío Paulo. H aroldo e Augusto de Campos foram dos os c riadores que foram intempestivos, segundo no va episteme .
os princ ipais responsáveis por colocar em circulação N ietzsche, os que, porque foram contra seu tempo,
•ili " .. na décad a d os 60 dois poetas extr aordinários, geral- estavam criando uma obra por vir. Obra m argina-
1!11111! 1 1 ... mcnlc re legados a segundo p lano pelas nossas his- lizada po r ·gerações desprevenidas e que só chega a
1111 11 11 1U1 ' tórias: Sousând rade e Oswald de Andrade. Nesta
ser comp reendid a dentro da abertura metodológica
1l11i.. • h lílf"-,..~ 1ncsn1!l l inha, devemos tambén1 dàr crédito ao tra-
li 111111111 balho n1nis modesto feito por Mário Faustinq na . de hoje. Poderíamos ainda levantar o curioso caso
11111.. 1h ' fn.sc óurea do Suplemento Literário do Jornal do de Gregório de M atos que só foi "descoberto" pelos
111'1111 1h• lc /Jl'nsil. E seria impossível esquecer o levantamento ro1n ânticos, depois de um prolongado processo de
•111~~· . 1111 1l\•1 quo vent sendo feito pelo poeta Affonso Ávila das rn arginalização. ·
111111 l!•lt•µll . 1nu1iifcs taçõcs literárias do barroco mineiro, seja atra- Diria mes1no sem nenhuma paixão, sem ne-
1'11'"" 11 l1rl "' ,v6s dll publicáção de textos praticamente desconhe- nhum sentimento exacerbado de nacionalismo - que
lf ,, li I' liI t. oldos, seja ainda através de uma 11ova visada crítica para o escritor jove1n de hoje é tão importante co-
,,, l 1111111111·1 do bArroco ern geral. nhecer o "Prefácio" a Utn Lance de Dados de Mal-
" 1-111 11l~1r 1

1 ., .,,. · · ~ lll: i
.,
.vm
p
.IoAos....esses-autores recé1n-Y.a]orizadas_são .jmt.ens...
~..obras trazem ~guela i;nil,rcª de i~-
G • que_segundo N1~che.,.... e a .cai;acte.r1s-
larn1é, quanto a obra de Os\vald, ou de Sousândrade .
1\liás, isso quem diz não é tanto quem agora es·
c reve, nlas a voz dos jovens que renovam no pre-
' 1111 1111' 1fh ~L\ 1nç:una d.iLIUQ.d.ernidade,wPoi:que-aS-Obus-deles·
1111111111111•1 h 1 U nlf lcaran1 no momento.wmesmo. em .. q.ue..estax.am ( 11) Toda uma díscussão sobre o probletna da fonte e d11 ( 12) Cf. Caetano Veloso: "Unia outra importância_ muito
• influência caberia aqui . Diríamos, até poder desenvolver melhor 11 rande de Os'Wald para mim é a de. esclarecer certas co1s'.1s, de
(10)Ç ppf111lo-pru-ê ntese de Rr1ptura e Retóri~a, ensaio sobre J'l oss a tese, que o discurso latincrameric-ano, nesse sentido, se me dar arsumentos novos para discutir e para continuar cnando.
o roornJ1<:0 hritsllclro do século XIX, a ser publicado pelo Con- situa "num enlre·lugar descoloni~ante, q,., é ao mesmo tempo o par:1 conhecer melhor a minha própria posição". CAMPOS, Au-
gus10 de. Balanço do Bossa. São Paulo, Perspectiva, 1968. p. 12.
aclho llst nduol de Cultura (São Paulo). da assimil ação e d~ transgressão.
VANGUARDA: UM CONCEITO . . . 117


1
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OUTR~S MANIFESTAÇÕES DO
MODERNISMO

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AS ARTES PLASTICAS
• (1917-1930)*

' Aracy Amaral


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• Caracterizar o sentido das artes plásticas dentro
do movimento modernista brasileiro é assinalar a an-
tecipação do visual sobre o verbal~ como disse Má-
. rio Pedrosa, no momento de renovação, a literatura
" ... e a poesia seguindo as audácias tr~das de forma
primacial através da pintura. e da escultura, se reu-
nindo em torno a seus expoentes em (llovimento que
eclodiria na Semana de 22. É fazer referência à re-
jeição da Academia, com toda a impo&ição que ela
trazia in1plícita no europeísmo elo século XIX im-
portado como os manufaturados dít Inglaterra im-
• perialista. ~ enfatizar a liberdade de pesquisa men-
j ' • cionada por Mário de Andrade, (\Ue não existia de
' •
' fato na mente - ou nos trabalho~ - da grande
- maioria dos artistas até à Semana1 ~ qµe depois pas-
sa a se torllar um direito assumiqQ, ge buscar e ou-
sar. Nessa busca, Paris seria evidei\h,~me11te o centro
da informação do atual e contradit.orijlmente, ainda
segundo Mário de Andrade, esse int~rnacionalismo
...< buscado em Paris levaria, pela natureza mesma do
modernismo cosmopolita, ao nacional. Ao '!nosso"
,.
( •) O assunto 6 abordado pela autora, ern estudo mais mi-
nucioso, no liwo Artes Plásticas na Semana de 22, São Paulo,
Editor a Perspectiva, 1970, Col. Debates, 27.
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r visto e transposto plasticamente como temática fo- segunda década, para nós, permanecera desconheci~
Assim, à informação expressionista nova trl\Zl 11 11 llUIJltHtf
calizando o caboclo, a vida interiorana, sem co1n- da, distante. O assim considerado artista brasileiro1 por Anita de séus estudos na Alemanha (porque 'e• &1\lltl1tth1 t
plexos, por Tarsila, p osto que numa linguagem atual, tinh a ainda um comportamento similar àquele de- gaU já tinha apresentado telas dessa tendência ém 1•11n1u Ili
depurada pelo Cubismo. Se esse elemento indígena nunciado em 1859 por Baudelaire ao se referir ao 1913, porém, sem causar polêmi~a. ~? m.omõ t~ llllll ohtt
seria apreendido também por Mário de Andrade em artista convencional em comparação ao "pintor d~ da mostra de Anita o preparo ps1colog1co 1a 0011111 1'111 '"
suas pesquisas de folclore, e música, em Villa-Lo- vida moderna". Era aquele artista que morando no avançado, e talvez, como afirma mesmo P aulo M~· h1111h11I•
bos, culminando em Macunaíma na literatura, o ele- "bairro Breda ignora o que se passa no 'faubourg' des de A lmeida, o que nela irritou "era a aud~ 1 cln .;..'\'~'
mento africano ctn toda a sua sensualidade seria uma St. Germain". Nesse mesmo texto, Baudelaire men- · de quem, ,filha da terra, ousava contrariar o enten· 1.1rl•U\1Jl• ªri
transposição, na excelência de suas telas de fins dos clona que salvo rnento dos inscientes pontífices locais")4, a esses t ,, l n• • nr
anos 20, em Di Cavalcanti. E se o itnigrante e o ur- balhos somavam-se suas vivências no ateliê de H on\ 1 unu: )~:'!
bano foram a inspiração da obra máxima de An- duas ou três exceções que é inútil nomear, ~ maior Boss, em Nova York, onde entrara em contato O() lit•l ttot IH
tônio de Alcântara Machado e Oswald de Andrade parte dos artistas são, é preciso dizer, rústicos corretos, n vanguarda do meio artístico norte-americano Ooil'lo l IJ l '7, ..u
nesses anos que medeiam entre o festival da Semana de manobras puras, inteligências de aldeia, cérebros de europeu, então nos Estados Unidos em decorrênç li• ttllltt\I
de fevereiro de 22 no Municipal e a revolução libe- vilarejol.
da Grande Guerra. Ao mesmo tempo, no fim da Sç 1•0 11111 vi
ral de Getúlio Vargas, não se pode, por outro lado, gunda década do século, tinham formação conte~, tia MlltlU
E mais adiante:
esquecer que esse nacionalismo de início .nativista porânea, paralelamente, John Graz, Antônio Gomft,.·1:. ilo 1•M I'
se converteria gradativamente nun1 hipernacionalis- O artista vive muito pouco, ou 1nesn10 quase não vive, de, Regina Gomide Graz e Oswaldo Goeldi, os. tr6~ r l l nllllt
mo, depois da politização advinda com a revolução no mundo moral e político. primeiros fixados em S. Paulo a partir dos anos 20(1' ·. lotthil•,
de 1924 , de Isidoro, para um grupo dos modernis- todos procedentes da Suíça (assim como Sérgio MU~ · to •lnttl 11
tas, ao passo que para outros, formalistas cosmopo- Ainda assim eram, na verdade, nossos pintores de liet e Rubens Borba de Morais). • _,. tttMllllt
litistas, o interesse pela problemática sociopolítica só inícios do século, como o tinham sido os do tempo Seria desses artistas - e m ais Victor Brecbcr~l, • 11111 .- ''"
chegaria em 30, com a arte "interessada" (ou enga- do Brasil Império, usufruindo das bolsas de estudo aqui chegado após a guerra, de formação italla_nn, < 11- 11111 ··11
1
jada), e o popularismo mexicanista evidente ou oferecidas pela Academia de Belas-Artes do Rio, e e que se "moderniza" aos poucos em contato co,tU 11111 1111.,
'1
não na pintura dos artistas da década de 30. S fazer que na França ou na I tália iam do estúdio para o os meios intelectuais de S. P aulo por volta de 19W 111R•1d..
referência igualmente ao aristocracismo desse pu- ateliê do mestre, de Já para seu estúdio sem conhe- - e da vibração jovem do estudante Di Cavalcn:n~t·1 1 • , ·: 1n11lt1 tt•ll
nhado de moços que queria renovar as form as de cer o meio ambiente em que vivian1, e sem parti-
cipar das inquietações que desde a segunda metade
que surgiria o núcleo que se desenvolve em tor .. r· t 1•111 1•11111
expressão artística, tendo todos eles - em sua maio- a Anita Malfatti em dezembro de 1917, ao lado <l\, 1·1111IU11•11 t
1 ria pelo menos - estudado ou viajado pela Europa
onde colheram as alterações por que passava a arte.
do século passado sacudiam os meios artísticos fran-
ceses, como os alemães, russos e italianos de co-
qual formaram Oswald de Andrade, M ário de A.n• ' "''"'W""•
1 drade e m ais tarde Menotti del Piccbia, em dccoc... 11t•1111111ll1tt
~ não esquecer que a forma de reunião dos anos 20 meços deste. rência do ataque contra ela desferido por Montcirb } 1 11n111 M
é o "salão", a tertúlia da sociedade que se abria a Em contraposição, o artista que surgirá a partir Lobato. ' ' M111t11111I•
jovens excêntricos em suas idéias, ou que podiam do movimento modernista será este homem que O pernambucano Vicente R'êgo Monteiro, de fOt- 1 " urht1111t 11
anim ar de forma inteligente as reuniões pacatas, ou
se interessa pelo ntundo inteiro; quer saber, compreen- nlação parisiense, mesmo nos seus anos de inc:1Qfi~ ", ''"' liu 1,
ainda, na 'Casa de um e outro, as discussões infindá-
der tudo o que se passa na superfície çte nosso esfe- nição · que antecedem 1922, de experimentação V~"" '• 1·1 111ui•••ll
veis num tempo de despreocupação financeirl'\. Aos ria, diferia já dos artistas que começavam seu aprcn"".: ·~
anos 30 em S. P aulo caberia, na sistematização das
conquistas, a exposição por meio de salões de arte
r6ide2.
dizado na Academia oficial. Sempre se orgulhou 4
ser autodidata, mesmo no pontilhismo pós-impr •
'I"' •• ' 1
' " l 1t1 l•1
Romper-se-á, de fato, a partir dos movimentos de 111 l lll1t1, tt
• j ~ coletivos e não mais em salas improvisadas, a cria- vanguarda de fim-de-século, a concepção do artista sionista, como na estilização orientalizante de torn 1 Mp •
• ção do Sindicato dos Artistas P lásticos, que, como em torre de marfim alheado do mqndo, ao mesmo indígenas, ou em certos retratos adocicados. DtV\IJ.~·r
, narra Paulo Mendes de Almeida, era menos sin- gimos de W alter Zanini ao pretender forçar um ,ti 11111 '"'''
tempo que se vê m agnificada a importância do mo- 1lllt11• IHI
dicato e 1nais possibilidade de expor, e os clubes de mento presente. A arte "eterna" substitui-se a arte !acionamento entre a "antropofagia" oswaldianf.I 1 " ttll 1 htl ltlt
arte e de urtistas, que se passaram a reunir então que reflita a fide1idade ao. seu tempo: esta temática literária e romântica de Rêgo M õfilllrf 1•r11.r11t lt~
em locais já semipúblicos, p<;!lo acesso menos fecha- teiro nesta fase prematura. Longe do "eco16&i@!lj "1nn1lt11tltt
do que os "salões" particulares dos anos 20. A modernidade é o transitório, o fugitivo, o contingen- vemos antes na série de desenhos sobre lendas mil~~ 1lllt'lll tlill ~
Ao mesmo tempo, falar nas artes plásticas desse te, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o genas uma idealização poética a partir desses tCD\líH. M11t1ll'lf•ll
modernismo que termina em 1930 é registrar, por- imutável3. Entretanto, em Rêgo Monteiro é curioso que jli !\! •· 1ln 111tthh~
tanto, a postura nova de nossos artistas - como, ma tela de 1921 esteja definido seu caminho pl· .... 111t•1•
(1) BaUDELAlRE, Charles. "Le peintre de la vie modem e''
aliás, os das novas gerações latino-americanas mais In: C11rl1nltés esth41/q11e.r (Mirolrs de l'art) , Paris, Herman!\,• 11~1 11 1l1t "
ou menos pela mesn1a época - em relação à mo- 1968. p. 125. (4) ALMEIDA, Paulo Mendes de. De A nita ao Mrist u.
(2) Idem, ibidem. Paulo, Cons. Estadual de Cultura, 1961, p. 7. 1 l1tnt•nl •
dernidade que emanava de Paris. E que até fins da (3) Idem, "La rnodernlté", ibiden1, p. 131,
122
'
Cf!AC

Assim, à informação expressionista nova trazida transposição para a pintura de ,modelado escultórico,
t• t11• 1hlj\ segunda décad a, para nós, permanecera desconheci- evidente no "Retrato de R onald de Carvalho", bem
por Anita de seus estudos na Alemanha (p~rq~e Se-
li, . .... 1" • da, distante. O assim considerado artista brasileiro gnll já tinha apresentado telas dessa tendencta em como na redução de elementos que caracterizariam
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11111 h11ll111•11
linha ainda um comportamento similar àquele de-
n unciado em 1859 por Baudelaire ao se referir ao l913, porém, sem causar polêmi~a. N? m.oment.o sua obra geometrizante dos anos 20.
Por outro lado, a essa informação européia arre-
At 11t1111 h' ,, da mostra de Anita o preparo ps1col6g1co ia mais
artista convencional em comparação ao "pintor c:Ja avançado, e talvez, como afirma mesmo P aulo Mei;i- banhada por urna geração nova da segunda década
' "' Vt1l1r vldn moderna". Era aquele artista que morando no do século empresta condimento uma outra área de
''bnirro Bred a ignora o que se passa no 'faubourg' des de Almeida, o que nela irritou "era a audácia
· crjatividade, a literatura e a poesia. E são ~sses poe-
St. Germain". Nesse mesmo texto, Baudelaire men- de quem, filha da terra, ousava contrariar o entendi- tas e jornalistas apaixonados em seu entusiasmo por
ciona que salvo mento dos inscientes pontífices locais")4, a esses tra- uma renovação , que liderados pelos dois Andrádes
balhos somavam-se suas vivências no ateliê de H omer - Oswald e Mário - articularão as artes plásticas,
d\Jns ou três exceçõ-es que é in6til nomear, a maior Boss, em Nova York, onde entrara em contato com corporificadas no "novo" na expos~ção de Anita. de
pnrte dos artistas são, é preciso dizer, rústicos corretos, a vanguarda do meio artístico norte-americano como 1917 com a literatura, na necessidade pressentida
de mnnobras puras, inteligências de aldeia, cérebros de ' europeu, então· nos Estados Unidos em decorrência de r~novação n a forma de expressão artística verbal
vilnrojol. da Grande Guerra. Ao mesmo tempo, no fim da se- como visual, acompanhados pela coluna podero~a
E n1ais adiante: gunda década do século, tinham formação contem- de Menotti dei Picchia no Correio Paulistano, 6rgao
porânea, paralelamente, John Graz, Antônio Gomi- do PRP (Partido Republicano Paulista).
O nrtista vive muito pouco, ou 1nesmo quase não vive, de, Regina Gomide Graz e Oswaldo Goeldi, os três· E assim, em nosso país, onde desde os tempos co-
no mundo moral ie político. primeiros fixados em S. Paulo a partir dos anos 20 , loniais, como já afirmou João Cruz Costa, ~ul~u~a
todos p rocedentes da Suíça ( assim como Sérgio Mil- é sinal de elite, ainda na década de 20 esse principio
Ainda assim eram, n a verdade, nossos pintores de liet e Rubens Borba de Morais). se mantém, intocado. Se a um jovem redator de jor-
lnfclos do século, como o tinham sido os do tempo Seria desses artistas - e mais Victor Brecheret, nal se concedia o status de "meio-literato" no jorna-
do Jlrasil Império, u~ufruindo das bolsas de estudo aqui chegado ap ós a guerra, de formação italiana, lismo "boêmio" de começos do século, daí a razão
oferecidas p ela Academia de Belas-Artes do Rio, e e que se "moderniza" aos poucos em contato com por que ele poderia em S. P aulo estar eventualmente
que na França ou na Itália iam do estúdio para o os meios intelectuais de S. Paulo por volta de 1919 presente aos saraus de Freitas Vali~, o mais impor-
ateliê do nlestre, de Já para seu estúdio sem conhe- - e da vibração jovem do estudante Oi Cavalcanti tante salão que antecede o Modernismo, ond.e entra
cer o Jn eio ambiente em que vivirun, e sem partí- que surgiria o núcleo que se desenvolve em torno em contato com visitantes de fora de su a c1çlade e
olpnr das inquietações que desde a s~gunda metade a Anita M alfatti em dezembro de 1917, ao lado da conhece o debate e a discussão literária. Porém, salvo
do século passado sacudiam os meios artísticos fran- qual formaram Oswald de Andrade, Mário de A n- exceções - como Brecheret e O i Cavalcanti, que
•111'11 li ccse.~, coino os alemães, russos e italianos de co- drade e mais tarde Menotti dei Picchia, em decor- dependiam de seu trabalho para se. ma1:1ter, ben1
1111• 1111•. nteços deste. ' rência do ataque contra ela desferido por Monteiro como Mário de Andrade - os arllstas iovens do
111• 11 •I '.Bn1 contraposição, o artista que surgirá a partir Lobato. Modernismo são procedentes da alta burguesia
l j ll.. 1111tl bu 1 do n1ovimento modern ista será este homeqi que O pernambucano Vicente R'êgo Monteiro, ~e fo~­ urbana ou da aristocracia rural. Até 1930 usufruem
p t11•tl ll\• . mação parisiense, mesmo nos seus anos de 1ndef1- de largueza ou, pelo menos, despreocupa~ão
A-11 lufhlt
so Interessa pelo mundo inteiro; quer saber, compreen- nição - que antecedem 1922, de experimentação vá- financeira, como -será também o caso de T arstla,
der tudo o que se passa na superfície çfe nosso esfe· ria, diferia já dos artistas que começavam seu apren-
111·111111 ~. r61ctci. que se unirá ao movimento em 1922, de volta
1111- "~"" 111 •
dizado na Academia oficial. Sempre se orgulhou de de Paris, e de Ismael Nery, da segunda geração de
ln11- ,h• 11111 Ro1nper-se-á, de fato, a partir dos movimentos de ser autodidata, mesmo no pontilhismo pós-impres- artistas, com o pernambucano e poético Cícero Dias.
1111~ . . ,. ,.,, Vtl!lj511nrda de fim-de-século, a concepção do artista sionista, como na estilização orientalizante de temas Mas a busca da informação atualizada propicia
11ihi, 1 llll m torre de 1narfim alheado do mt}Jldo, ao mesmo indígenas, ou em certos retratos adocicados. Diver- um internacionalismo desejado, no diálogo dos ar-
1111111111• •lt t ropo qu e se vê magnificada a impo~cia do mo- gimos de Walter Zan ini ao pretender forçar um re- tistas moços brasileiros com a vanguarda francesa,
,, 1•htl1t•Jt m nto presente. À arte "eterna" substitui-se a arte lacionamento entre a "antropofagia" oswaldiana e em termos de igualdade~ e não mais de discípulo
11111111 ··1~111 qu J'efllt.a a fidelidade ao seu temp9 r esta temática literár ia e romântica de Rêgo Mon- vel'sus 1nestre. Simultaneamente, na apreensão do
......~ 1... •h1 teiro nesta fase prematura. Longe do "eco16gico" "moderno" (desejado porém ainda não digerido no
A n1odernic.lade é o transitório, o fugitivo, o contingen· vemos antes na série de desenhos sobre lendas indí- decorrer da exposição de fevereiro de 22 no Teatro
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l , !l Olelade da arte, cuja outra metade é o eterno e o genas uma idealização poética a partir desses temas. Municipal de S. Paulo) estava implícita a aceitação
Ili , pllt lfll\lláVOl3. Entretanto, em Rêgo Monteiro é curioso que j á nu- do cotidiano, esse interessar-se pelo mund(), a que
1 11101 .• ma tela de 1921 esteja definido seu caminho de se refere Baudelaire como o espír ito mesmo do ar-
e1) D~UT.>CLAIJ!B, Charles. " Le pcintre de l a víe moderne'' • tista da vida moderna. E esse cotidiano, contradito-
h •1411•111 lll•tl~ Curl~s.lfl,r 11sll1it1que.r (Miroirs de l'nrt), Paris, Hennan11,'
( 4) ALMl!IDA, P aulo Mendes de. De A nila ao M use11. São

I~
11\' l11 A 011 • li• 1l$.
Paulo, Cons. Estadual de Cultur a, 1961, p. 7. riamente a esse internacionalismo atual, era o " nos-
.dom, Ibidem.
KI• l 1 11~ 1111 ' ~dt111, "L11 111odcrnit6", ibide111, p. 131, · AS ARTES PLASTICAS (1917-1930) 123
,

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.•
resta", "Sono", etc.) . Mas seria, sem qualquer dú- nha a eclodir no Brasil em São Paulo - núcleo 11!\; 1111111 li
so", o meio ambiente, a realidade clrcundante enfim,
ou seja, o caminho que levaria ao nativismo, e numa vida em Ismael Nery, da segunda geração moder- ccnte da industrialização, quase simultaneam<ill e 111111 111
etapa posterior (depois de 1924, da Revolução de nist;, que o Surrealismo desabrocharia. para ª. his- com esse fenômeno, decorrente da Primeira Gra1' t• tt111
Isidoro) a um "nacionalismo embrabecido", na ex- tória da pintura no Brasil. Nele! a poes1'.'- (praticada Guerra. i 1·1ul11
pressão de Mário de Andrade. . . por Nery, assim como por Di e Ta~s1la paral~la­ E se antes de Tarsila e Di Cavalcanti, o retrã · 11· 111v•11
Não se pode deixar de acrescentar que a poss1b1- mente à sua pintura, bem como por Rego Monteiro, da nossa realidade cotidiana já se antecipara no ti 1h1• Ili
lidade desse diálogo de fato existente com a França, a mostrar a ligação entre a poesia e a pintur~ entre gistro de Almeida Júnior e Abigail de And~ade . e 1111111 l•I
não apenas através de Milhaud, insp~ado em nos~a nós já antecedendo à articulação entre as d~ve~sas Weing(\rtner, o nacional já aparecera pe_!a prune t 111lv.a
música popular, como de Cendrars diante do Brasil, áreas de criatividade), m as em Nery a poesia · im- vez monumentalmente dentro de concepçao modem; 1 1lu11111'
que descerrou fascinado em suas andanças por cá plícita em sua obra se funde com as liber~ades da 11a temática de Brecheret, em seu projeto para . vllh•11
em 1924 e 26, temática constante em toda sua obra experiência cubista en1 pla~os que se sobrepoe~ nas Monumento às Bandeiras, em plena época de prepru:Q 11 1111111,
a partir de então, tinha como sedimento o element.o das co1ne1norações do Centenário da Independêno '11111 tll
transparências do inconsciente de rara quahda.de
exótico, paixão européia desde o século XIX. Po.is plástica. Figuras que se complementam,. na escrita de 1922, desejando exaltar os feitos d?s mameluaó 11 llt11 li
se o exótico e o primitivo representam a razão da fluida surrealizante, alguns quadros realizados com nas Bandeiras, de acordo com o entusiasmo de Me~ 11h111 •
opção do Velho Mundo por uma alternativa nova uma economia de cores em que dominam os meios- notti del Picchia. 111 11v1t
que não o Chíssico, o Greco-Romano, e somente a -tons formas que se movimentam em duplicidade Mas é curioso notar que nas soluções pós-cubistrur t h1llh
partir de então, foi essa n1csma paixão que os fez
descobrir o Oriente, o pré-colombiano, e, por que
de g~stualização através de planos diversos~ r~cas e1n
.
:
dos artistas brasileiros dos anos 20 deve ser assinfi.i',!~
lado um traço em comum, na estilização ovoidal Jd',\,
.A\1tt•11•
.,li""'
sua poética ambigüidade. À atmosfera modighanesc~, l 11 ~ .. ,
.não se encantar com o frescor da exposição de Tar- inencionada, e coin a excessão de Rêgo Montelfll,,,
ou em composições clara1ne~te i!lspiradas .no m.elhor
' \' sila de 1926 da mesma forma como se tinham inte- De Chirico se alternam realtzaçoes do roais refmado de "Crucifixão", visível também em sua obra dê"i9B~:~ 111111 ,.
j ressado pelo douanier Rousseau em fins do século cubismo n~ste artista que, através de significativa década, assi1n como e1n Tarsila, Ismael Nery, lli; .. 1 111 u•I
! Gomide Brecheret. Na resistência de nossos art.l.sta
passado. 1h• 1\11
1 simbologia, é uma personalidade que se expõe aber-
Ao mesmo tempo, deve-se observar que no Br~il, cm relaÇão ao abstrato, que nenhum trilhou nêllíll\ ln1·11 '•
tamente com ousadia incomum e1n sua obra pretna-
l'.
ou para os pintores brasileiros, apesar. do Expres~1<;>7 turamente encerrada pela morte, e talvez; por essa
década, ainda deverá ser estudada, se impõe uum 1111'1111'

nismo estar presente nas telas de Anita Malfatt1 Jª análise de suas obras muito mais afins com as solu- h•l11- ••
mesma razão, mantendo preservado o nível qualita-
em 1917 e 22, bem como nas de John Graz rea- ções art déco. Por outro lado, no campo .específl!! .~ 111111111
tivo de um período máximo. Mas a informação re-
lizadas na Suíça, o Cubismo e suas lições só seria cente chegada de P aris, como as obras destes artis-
das artes decorativas não pode ser esquecido o tfll"' . "'' 1~1 h
balho desenvolvido por Regina Gomide Graz, llfli/ ,... 1
absorvido a partir de 1923. E em Paris. Seja por tas, é comunicada através de amigos e salões: a arte
T arsila R-êgo Monteiro, e D i Cavalcanti. Gom1de, teritativa de modernização dos ambientes das resl<a :' 1111111111
' , e a Jiterà tura, no Rio na casa de Laurinda Santos ciências de S. Paulo. D e formação suíça, essa arttttt\; u1v11l11
paralelamente, na Suíça como na Fra~ça, tambem Lobo, como em S. Paulo, vivem nas reuniões da .casa
estaria atento às aplicações desse movimento, que, realiza aqui, após sua volta, exposições de arte d~. ' l111f11 •
de Mário de Andrade, como na casa de Tarsila e corati va aplicando os princípios e as formas SO '
em seu caso, o levaria ao afresco e aos vitrais, além lll'ltflll
Oswald, nos almoços de P aulo Prado, ou nos chás metrizadas do Cubismo, introduzindo novos maten 1·hnvvl
da pintura de cavalete. das 3.ª' de D. Olívia Guedes Penteado, senhora
Quanto ao surreal, embora tocasse levemente a obra e concepções p ara romper o pesado dos. ambient ' 1 111111,
da sociedade, cativada por um grupo de amigos ponipiers dos interiores da sociedade paulista. Ton o>-
de Di Cavalcanti nos últimos anos da década de 20, 111111111
(P aulo Prado, Oswald de Andrade e Tarsila) em
verificamos que, depois da -0bservaç.ão concentrada Regina como Antônio Gomide foram os introdu!On"'" 11111 ~
Paris a partir de 1923, e que divulga os artistas re· no Brasil, nessa década, do afresco na decora
das obras cubistas e pós-cubistas, o pintor carioca se novadores. S o tempo dos salões, de que só parti-
1t111tu1
define pela projeção sensual das formas. da mulher moderna, do panneau, dos vitrais de .f<?rmas ab!i' 1•11111
• cipam, evidentemente, os ligados a esses grupos da tas ou figurativas estilizadas. Indo mais longe, 110
1111
brasileira. A princípio ainda imerso em rigor forma- sociedade. Na verdade, estes salões de idéias novas
lista - a que Uger não é estranho, e como influen- gina Graz: estudou a técnica de tecelagen1 dos iJ1 W11tt•lf
,, substituem o salão do simbolista Freitas Valle, da genas da região amazônica, incorporando suas COI.'"' " l 111111
1 ciou os nossos artistas o pintor "tubista"! - como em "Villa Kyrial", que os alitecedeu no tempo. .
e motivos abstratos a' sua tapeçaria. . I,' 111 1lt
"Duas moças" e "Moças de Guaratinguetá", e aos O mundanismo dos anos 20, na América Latina A essa tentativa de aproveitamento do "11089 111un\'d
poucos deixando-se permear pelo elemento poético- como em Paris, já assinalado por Willy Lewin em
-sensual visível já na "Mulher do Caminhão" e em
evidente em Regina Graz. contrapunha-se a 1th••ll•• ~
estudo sobre o Modernismo, é bem "moderno" no direta da contribuição de Paris. como se cornpJJ 1 Ml1111
"Samba". Mas e1n Ta.rsila esse elemento surreal já era sentido baudelairiano, do festejamento da moda, do no desejo de renovação de D. Olívia G_uedes . 1 rn ,.1-1110
existente desde 1923 (com "Veneza") e paira sobre efêmero, das viagens, das multidões da grande cidade
.. toda sua obra, sobretudo em certas telas pau-brasil,
onde ·à transfiguração se une o elemento mágico, dé-
desenvolvida a partir da Revolução Industrial. O
teado, encomendando um afresco 'a Gom1de, po nt:\
mandando vir de Paris sua "sala de banho" 1nod u11 li \"º'
1.... 1

Modernismo, como se deve recordar, é conseqüente revestida de pastilhas com composições floraisfài '"' li.oi 11d11t
senvolvido, no sentido ecológico, na época "antropo- ao industrialismo, expressão do "urbano" enquanto boutique da Casa do famoso costllreiro da ~9,lh1 111111 111 1
fágica" (é o caso de "O lago'', "Sol Poente", "Flo- progresso. Daí por que nada mais natural que ele ve-
124
resta", "Sono", etc.). Mas seria, sem qualquer dú- nha a eclodir no Brasil ern São Paulo - núcleo nas- mais avançada, Paul Poiret, que também vestia Tar-
vida, en1 Ismael Nery, da segunda geração moder- cente da industrialização, quase simultaneamente sila do Amaral.
11111 .. '"'"'
tl\111111\ Ih 1 th nista, que o Surrealismo desabrocharia para a h is- com esse fenômeno, decorrente da Primeira Grande Paralelamente, entretanto, é a L asar Segall, radi-
1111 ' ', Ih• t•~ tória da pintura no Brasil. Nele, a poesia (praticada Guerra. cado em S. Paulo desde 1923, que solicita a deco-
por Nery, assim como por D i e Tarsila paralela- E se antes de Tarsila e D i Cavalcanti, o retratar ração do pavilhão de seu jardim, local d as reuniões
me.nte à sua pintura, bem como por Rêgo Monteiro, da nossa realidade cotidiana j á se antecipara no re- dos modernistas. Em contraposição à linha expres-
a mostrar a ligação entre a poesia e a pintura entre gistro de Almeida Júnior e Abigail de Andrade e sionista que domina seu trabalho até então, Segall,
n6s j á antecedendo à articulação entre as diversas Weingartner, o nacional já aparecera pela primeira ta\vez na intenção de ir ao encontro do " ultramo-
ilreas de criatividade), mas em Nery a poesia . itn· vez monumentalmente dentro de concepção moderna derno" desejado pelo grupo paulista, decora o pa-
'li 11 ~ I'" 1 pltcita em sua obra se funde com ·as liberdades da na ten1ática de Brecheret, em seu projeto para o vilhão de D. Olívia com motivos inteiramente abs-
1111 _ , .. , ""':! experiência cubista en1 planos que se sobrepõem nas Monumento às Bandeiras, em plena época de preparo tratos, muito mais na linha de um V an D oesburg,
li 1·h•1111•11 '1 Lransparências do inconsciente de rara qualidade das comemorações do Centenário da Independência que u ma seqüência lógica de seu trabalho. Uma real
1( I '! ,... de 1922, desejan do exaltar os feitos dos mamelucos alteração cromática, ao mesmo tempo, se opera n a
plástica. Figuras que se complementam, n a escrita
li lt1 ,A11 • fluida surrealizante, alguns quadros realizados com nas Bandeiras, de acordo com o entusiasmo de Me- obra de Segall depois de sua radicação entre nós,
1u1l lv<1 lf• wna economia de cores em que dominam os meios- notti dei Picchia. já evidente nos retratos de Mário de Andrade e de
-· lllll •lfl • •tons, formas que se movin1entam em duplicidade Mas é curioso notar que nas soluções pós-cubistas Guilherme de Almeida, mas visível também em pai-
11111· li 11 de gestualização através de planos diversos, ricas e1n dos artistas brasileiros dos anos 20 deve ser assina- sagens e cenas de morros, subitamente plenos de cor.
sua poética ambigüidade. À atinosfera modiglianesca, lado ~1m traço em comun1, na estilização ovoidal já Apesar de reconhecer que essa fase de sua pintura
ou ern composições claramente inspiradas no melhor n1enc1onada, e com a excessão de Rêgo Monteiro talvez seja a resultante de um meio ambiente novo
Do Chirico, se alternam realizações do roais refinado de "'Crucifixão", visível ta1nbém em sua obra dessa com o qual se comprazia em participar, parece-nos
cubisn10 neste artista que, através de significativa déca~a, assim como en1 Tarsila, Ismael Nery, Di, correta a afirmação de P aulo Mendes de Almeida
simbologia, é uma personalidade que se expõe abcr- Gom1dc, Brecheret. Na resistência de nossos artistas de que mesmo "quando explorou assuntos puramente
tomeote com ousadia incomum em sua obra prema- em relação ao abstrato, que nenhum trilhou nessa locais, Segall permaneceu um pintor caracteristica-
turamente encerrada pela morte, e talvez,- por essa década, ainda deverá ser estudada, se impõe uma mente europeu". Dai por que essa "cor brasileira" de
mesma razão, mantendo preservado o nível qualita- análise de suas obras muito mais afins com as solu- telas desses anos pern1anece como u1na incursão sem
tivo de u1n período máximo. Mas a informação re- ções art déco. Por outro lado, no campo específico maiores conseqüências, à margem da pintura carac-
cente chegada de Paris, como as obras destes artis- das artes decorativas n ão pode ser esquecido o tra- teristica.m ente sua, de grande refinamento tonal.
ins, é comunicada através de an1igos e salões: a arte balho • desenvolvido por Regina Goroide G raz• na Se o inquieto F lávio de Carvalho - o grande ani-
e n Jiteràtura, no R.io na casa de Laurinda Santos tentativa de modernização dos ambientes das resi- mador da década seguinte - apresenta um projeto
Lobo, con10 em S. P aulo, vivem nas reu niões da casa dências de S. P aulo. D e formação suíça, essa artista revolucionário para o P alácio do Governo do Es-
do Mário de Andrade, como na casa de Tarsila e realiza aqui, após sua volta, exposições de arte de- tado de S. Paulo, em 1927, funcional e de linhas
Oswald, nos almoços de Paulo Prado, ou nos chás corativa aplicando os princípios e as formas geo- geométricas, evidentemente recusado, caberia a War-
da$ 3.'" de D . Olívia Guedes Penteado, senhora metrizadas do Cubismo, introduzindo novos materiais chavchik, radic&do no Brasil desde meados ela dé-
111411111 o • rt.1
da sociedade, cativada por um grupo de a1nlgos e concepções para ro1nper o pesado dos ambientes cada, realizar a primeira obra de arquitetura mo-
1•111111 ti\• ·' (Paulo J>rado, Oswald de Andrade e T arsila) em po111piers dos interiores da sociedade paulista. Tanto derna cm nosso país em 1927-28, con1 sua casa da
1111111•111!11tfi Pnrls a J>artir de 1923, e que divulga os artistas re- Regina como Antônio Gomide foram os introdutores rua Santa Cruz, dando seqüência ao pioneiro Victor
1 1 •li hu n "' novadores. E o tempo dos salões, de que só parti- no Brasil, nessa década, do afresco na decoração Dubugras, que .construíra nos primeiros anos do sé·
•l'· moderna, do panneau, dos vitrais de formas abstra- culo a estação de Mairinque, em S. P aulo, marco
,,..., '"'"'" 11111111•'

111111 !11 1hll'U


oipam, evidentemente, os ligados a esses grupos da
llõeled,adc. Na verdade, estes salões de idéias novas
'ubstltucm o salão do simbolista Freitas V alle, da
tas ou figurativas estilizadas. Indo niais longe, Re-
gina Graz estudou a técnica de tecelagen1 dos indí-
da nova forma arquitetônica entre nós. N a casa de
Warchavchik, à qual se seguiriam outras, como a
' ''º genas da região amazônica, in corporando suas cores "Casa Modernista", aberta ao público como exposi-
'1111111 "Vllla Kyrial", que os aritecedeu no tempo.
1111~", li llH ' e motivos abstratos à sua tapeçaria. ção de arquitetura e interiores modernos, se incor-
O 1nundanismo dos anos 20, na América Latina .A essa tentativa de aproveitamento do "nosso ". porava a vegetação brasileira no jardim, completando
'"' \•t1i\lt1 11 oomo en1 Paris, já assinalado por Willy Lewin em evidente em Regina Graz, contrapunha-se a vinda plasticamente o conjunto, de autoria de sua esposa,
11111111 • ,. l' tl estudo sobre o Modernismo, é bem "moden10" no direta da contribuição de Paris, como se comprova Mina Klabin Warchavchík, em trabalho de paisa-
11111'•11 ' " 1'111 9tmtldo baudelairiano, do festejamento da moda, do no desejo de renovação de D. Olívia G uedes Pen-
11111111 ....,., 1 Cõmero, dt\s viagens, das multidões da grande cidade gismo posteriormente desenvolvido por Burle Marx
teado, encomendando um afresco ·a Gomide, porém, a p artir dos anos 30.
fHlll 11111- ll d onvoJvida a partir da Revolução Industrial. O mandando vir de Paris sua "sala de banho" moderna Essa integração das artes exposta através da "Casa
'"""" "· ,,,
" 111111111111
Moa1irnisrno, como se deve recordar, é conseqiiente
no indt18tri11llsmo, exp ressão do "urbano" enquanto revestida de pastilhas com composições florais, de Modernista" seria bem um exemplo da articulação
boutique da Casa do fan1oso costureiro da moda das diversas áreas das artes (decoração, murais, pin-
11111.. • ' l 11ll progr sso. Daí por que nada n1ais natural que ele ve-
AS ARTES PLÁSTICAS (1917-1930) 125
..

11 • lura, escultura e paisagisn10) no movimento dos ª!lºS


• 1
20. A visita de Le Corbusier a São Paulo em 1929,
i a prin1eira do grande arquiteto, levantaria as primei-
l ras polêmicas sobre o novo espaço funcional, que QUbl
produziria um grupo de fervorosos adeptos no Rio •
1
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1
nos anos seguintes, com Lúcio Costa à frente da Es-
cola de Belas-Artes durante meses fundamentais de- • 1
i

pois da revolução de 30. E propiciaria, a partir do • t

". ".risco" de Lc Corbusier - reelaborado pelos jovens


arquitetos do Rio~ para o Ministério da Educação - "
a nova fisiono1nia da arquitetura brasileira nos anos ''
seguintes, numa irradiação do Rio para gradativa- '
mente todo .o território nacional, através da inicia-
tiva oficial.

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;!tJl"1dlltlVD·
1111···• fnlcin·

Entendida a música. como linguagen1, desfazem-se


todas aquelas velhas questões entre forma e conteúdo,
música nacional e cosmopolita, tão ao gosto brasi-
• " - leiro, pois constataremos que ela é uma só em toda
a arte do Ocidente. Da Grécia antiga aos nossos dias,
através de um processo evolutivo que parte do sis-
tema modal com base no estudo do fenômeno acústi-
co até chegar ao microtonalismo concreto-eletrônico.
Inicialmente na Europa, depois ampliado para as
Américas em seus últimos estágios, numa trajetória
comandada ora pelos gregos, franceses, italianos, ale-
mães ou flamengos, E, atualmente, também pelos
americanos.
As estruturas significantes fundamentais da mú-
sica romântica (melismas do cantochão, por exem-
plo), Ars Antiqua (quintas, oitavas paralelas) , Ars
i• Nova (grau sensível com sua aura mística), renas-
'.. centista (mobilidade modal), barroca (relaciona-
'
mento tonal), romântica (dissonâncias haimô'nicas
não-resolvidas) e moderna (ruído elevado à cate-
goria de som musical) são as mesmas em qualquer
país ocidental. Trata-se, portanto, repetimos, de uma
1

mesma linguagem musical, comunicada por compo-
sitores de nacionalidades diversas. E a música bra-

·•
sileira é um dos aspectos dessa linguagem, em sua sobretudo as de ordem social-econômicas, precisam •
ramificação para as Américas, no período Barroco, ser levadas em conta se formos considerar sua obra 1loa rococó. Sua extraordinária musicalidade cb".go11
li ln1pressionar vivamente um discípulo de I14'.Ylln
quando ela se manifestou pela primeira vez entre
nós, principalmente em Minas Gerais.
boa ou má.
Uma segunda verificação a ser feita é da medida que visitou o Brasil, Sigismund Neukomm. TaQll%111
n1ulato, José Maurício manipulou com uma d91rc11-
-·'''""
hlll
Primeiramente ela é barroca, depois diremos que en1 que a ramificação brasileira da linguagem mu-
sical do Ocidente acompanhou a evolução das demais voltunt já querendo ser brasileira os desenhos .~tu­ 11111\
é brasileira. Da mesma forma, quando ouvimos Vi-
ramificações. Formou-se con1 elas um tronco-mestre cicnis da época, como certas passagens cromá 1c11" •11•1
1

valdi, falamos em música barroca, não em música
nas vozes internas, a melodramaticidade à itali 1l:1n •h11
italian a. O que não nega o fato de que ela é mú9ica ou esteve a reboque dessa evolução. Vale dizer, nun1
barroca italiana, con10 a nossa é música barroca dado 1nomcnto, utilizou-se o sistema de sina.is sono- de ~uns melodias.
N a segunda 1netade do século XIX a música ·111. ,. 1•
brasileira, na 1na11eira como seus compositores uti- ros realmente sign ificativos da música desse mo- Hllll
lizaram um n1esmo conjunto de estruturas signifi- n1ento. sllcira começa a refletir a multiplicidade de e~!~
cantes; e sobretudo pelas contribuições pessoais de- P or exen1plo, a· 111(1sica brasileira do período bar- nhos aberta pelo Romantismo. Brasílio I tiberê iut~1.. "'I'
1h·tt
les, n a elaboração de signos novos que vieram enri- roco foi barroca, co1n o inevitável retardo provocado duz o tema popular dentro do esquema formal cl' N,. 111111
quecer esse conjunto estrutural. Essas contribuições, pelas dificuldades de con1unicaÇão da época. Essas sico-romântico, a exemplo das escolas naciona11St iN
russas, do Centr•C> e Norte da :E uropa. É o Kitsch a: 1•
eS5'CS acréscimos é que tornam a; n1úsica reconhecida
como sendo deste ou daquele povo; e, num dado
momento, devido a urna contribu ição maior, um país
dificuldades no entanto contam a seu favor, pois,
apesar d'elas e em terras longínquas de un1 p aís co-
lonizado, soube utilizar as estruturas significantes do
recendo pela prüneira vez en1 nossa música. Cat ,,li'
Gomes segue os padrões d<t ópera italiana. Ernes
11111• '
passa a liderar, a comandar o desenvolvimento desse
mercado con1t11n de significados m usicais.
código 1nusical de seu ten1po. Naturalmente nossos
compositores barrocos não puderam ir além de co-
Nozareth, continuando uma pesqu isa de Alex1111 .
Levy, isola elementos estruturais afro-espanhóis e S
1
t
li"'
·IV lt
Para .aceitar a diferenciação entre música nacio- pistas, con1 tuna ou outra tentativa eventual de mes- teliza a célula rítmica do maxixe, dando tun p1' lnl'I
nal e universal, eu diria que quanto mais inventiva, tre. Não havia condições para seren1 mestres, rnuito 1nciro exen1plo de invenção na música populat, ·.
sem ligações com qualquer tradição, mais nacional menos inventores. pctido em nossos dias por Antonio Carlos Jobh1}1
João Gi lberto, Gil e Caetano. Nazareth ainda 1.1ttli Hi ii•
é a música. Ao contrário da argumentação dos de- Quase todos 1nulatos, é extraordinário que conse- 1
• ••

zou p rocedimentos composicionais aprendidos e ,,


fensores da arte nacionalista, que medem o caráter
nacional de uma obra musical pelo grau de sua liga-
guissem, em tão grande número, compor a obra que
nos deixaram, o que vai por conta da fabulosa mu- Chopin e Schumann, conforn1e viria a fazer Oer&h · ""'
'· 1h·
ção co1n o que eles consideram as fontes da nacio- sicalidade que herdaram do negro. ~ sabido que o \vin com relação à harmonia r aveliana e debussystn1 l 1111
1111
nalidade; esquecendo-se de que estas fontes são os público mais sério, atento e sensível à música de D e um modo geral pode111os dizer que até o iuiol'
deste século a m úsica brasileira foi bem, até ol.'ldt. 1111
reflexos mais longínquos da mesma linguagem mu- câmara trazida da Europa e feita nas fazendas das 1l1Ili
sical do Ocidente. f: o caso do modalismo nordes- imediações de Vila Rica ou Goiás Velho, era for- podia, nàs condições cm que pôde se manifestar. '.Pelo~
f
tino, por exemplo, reflexo do mais remoto canto mado .pelos escravos. Naturalmente dessa raça ex- menos tão bem quanto a música dos outros pat : 1 1llt
gregoriano n1edieval europeu. Quanto mais na van- cepcionalmente musical, educada assim "de ouvido" das Américas, inclusive os Estados Unidos. •
guard a da p rodução de signos novos, mais pessoal,
mais nacional será a arte.
por esse tipo de música sairiam os nossos primeiros
compositores eruditos, fatalmente barrocos e roco-
Mas seria nas três primeiras décadas deste sé~\lli'J
que ela explodiria como 1núsica americana, de \i!f1
"'"
Ulllt
•·111
Para situarmos a música brasileira no Ivlodernisn10 cós. Fácil explicar nas gerações seguintes os Lobo novo mundo, juntamente com os Estados Unltl ~ t\ 111
ou em qualquer outro moniento de uma h istória de Mesquita, Marcos Coelho Netto, Inácio P arrei- México, Argentina, Cuba e outros países de nQ •li~
que é realmente da música ocidental, temos de ve- ras Neves, Francisco Gon1es da Rocha. Os consi- continente. Surgem então seus primeiros inveotorç
rificar o modo como seus compositores utilizaram
o sistema de sinais sonoros realmente "significantes"
derados mestres do barroco mineiro e outros, do
barroco baiano, paulista, goiano, que estão para ser
1nais do que isso, sua maior invenção: a m~
popular urbana, o jazz, o tango, a rumba, o sai 1~
"""
l 111 f

de cada um desses momentos. Verificar se eles foram


"inventores", isto é, criaran1 matérias ou formas no-
descobertos.
Não poden1os julgar, de fato, esses compositores,
pri1neiras n1anifestações na história da música , L\•
tuna cultura de n1assas. Estan1os agora em Pl n
.... ~

1h1
vas que ampliaran1 esse sistema; ou se foram "mes- uma vez que os dados 'são poucos e as obras res- linguagem musical moderna, que não pode colo, 11r 11•11
tres" no uso do siste1na, isto é, tão bons ou 1nelhores tauradas por musicólogos. De qualquer 1naneira dá de lado a músictt popular urbana, uma vez que·· ~.
- nesse sentido - do que os próprios inventores;
ou, finalmente, se foram simples copistas dos nlo-
para desconfiar que eles alcançaram u n1 'fespeitável
domínio técnico dentro das condições en1 que com-
é o desenvolvilnento ao níve.l de 1nassa (se1n n
ter a ver com a música folclórica , que é fossiliz 1 ~11
'"'"
li -·
li ••
delos fon1ecidos pelo sistema. puseram. no tenipo, feita por comu1lidades ma:rginalizadas · 1,. 1111.-
Esta ·classificação "poundiana" não pode ser apli- Entrando no século XIX, sen1pre com aquele ine- um 1nes1no processo musical. Em outro nível, ab' lo
cada esqucmatica1nente para fins avaliativos. Tem
de ser aprofundada se quisermos discutir se um áu-
vitável atraso, a música brasileira continua e1n dia
com a corrente européia e vamos encontrar um com~
à criação livre, esse mesmo processo conti11ua ll \·11
perimentar a elaboração de signos novos, a coas 11
""'"
'1 ....
11 ln
tor estava certo ou errado e1n ser mero copista. Teria positor quase u1n niestre: o Padre José Maurício ção da "máquina-ferramenta", sem visar a seu ~1u 1(111'
ele condições para ser t1n1 mestre? Estas condições, Nunes Garcia, nosso grande representante da mú- sumo imediato pela massa: é a música de vaogual1li1 -lllH
128
•·li•, ··1~ 1 " . n sobretudo as de ordem social-econômicas, precisam
slca. rococó. Sua extraordinária musicalidade chegou Este fenômeno de un1a cultura musical de massa
11lt1 1111111 ', ser ·1evadas. em conta se formos considerar sua obra
boa ou má. a impressionar viva1nente u1n discípulo de Haydn só seria possível neste século com o aparecimento, é
lJ1na s~gunda verificação a ser feita é da medida que vis itou o Brasil, Sigismund N'eukon11n. Também óbvio, dos meios de comunicação de massas. É sin-
1Ili1 1 1111" en1 que a ramificação brasileira da linguagem mu- mulato, José 1\tlaurício n1anipulou con1 uma desen- ton1ático que partam das Américas suas prin1eiras
lltl VIHll 1• sical do Ocidente acompanhou a evolução das demais voltura já querendo ser brasileira os desenhos mu- contribuições. O que há en1 co111um entre os mú-
.ra111ificações. Formou-se com elas -um tronco-mestre sicais da época, como certas passagens cromáticas sicos das Américas, segundo o poeta quase un1 mú-
ou esteve a reboque dessa evolução. Vale dizer, num nas vozes internas, a rnelodramaticidade à italiana sico Augusto de Ca1npos,
dado n1on1ento, utilirou-se o sistema de sinais sono- de suas melodias. •
ros realn1ente significativos da música desse mo·· ..; Na segunda 111etade do século XIX a música bra- é precisamente essa· capacidade de romper com os câ·
'. nones tradicionais, esse pendor para o i1nprevisto e a
n1ento. s ileira começa a refletir a multiplicidade de ca1ui-
nhos aberta pelo Ro1nantismo. Brasílio Itiberê intro- e_xperin1entação, traços que distinguem o con1positor a1ne-
Por exen1plo, a· 1núsica brasileira do período bar- ncano do europeu ou mesmo do asiático, este muito
roco foi barroca, com o inevitável retardo provocado duz o te1na popular dentro do esquema fonna'I clús- mais apegado à tradição.
pelas dificuldades de comunicação da época. Essas sico-ron1ântico, a exemplo das escolas nacionalistas
dificuldades no entanto conta111 a seu favor, pois, r ussas, do Centr.o e Norte da :Europa. É o Kitsch apa- Um pragmatismo antropofágico de artistas nativos
apesar d'elas e em terras longínquas de un1 país co- recendo pela primeira vez en1 nossa n1úsica. Carlos que,
lonizado, soube utilizar as estruturas significantes do Oon1es segue os padrões da ópera italia na, Ernesto
código rnusical de seu tempo. Naturaln1ente nossos Nazareth,. continuando u1na pesquisa de Alexandre li.tey~lmentedeglutindo, e não mimetizando o europeu
co1npositores barrocos não puderam ir alé1n de co- l ,evy, isola elementos estruturais afro-espanhóis e sin- c1v1hzado, ao mesn10 tempo impõem a sua visão desa-
pistas, com un1a ou outra tentativa eventual de mes- tetiza a célula rítn1ica do maxixe, dando un1 pri- taviada e se1n comprornissos.
tre. Não havia condições para seren1 nlestres, 111uito 1neiro exemplo de invenção na música popular, re-
n1enos inventores. petido em nossos dias por Antonio Carlos Jobin1, Seria inconcebível un1a nlúsica popular do tipo
Quase todos 1nulatos, é extraordinário que conse- João Gilberto, Gil e Caetano. Nazareth ainda utili- an1eri~ano surgir na Europa. So111ente a Inglaterra,
·gllissem, etn tão grande nún1ero, con1por a obra que zou procedimentos composicionais aprendidos cn1 por viver u1n tanto à parte, n1enos presa às tradi-
nos deixaran1, o que vai por conta da fabulosa mu- Chopin e Schutnann, confornie viria a fazer Gersh- ções continentais, e talvez por un1a influência rece-
sicalidade que herdaram cio negro. É sabido que o win com relação à harmonia raveliana e debussysta. bida das colônias, da índia, sobretudo, pôde desen-
p(1blico 1nais sério, atento e sensível à música de De um modo geral poden1os dizer que até o início volver uma música como a dos Beatles, dos Rol-
ca1nara trazida da Europa e. feita nas fazendas das deste século a música brasileira foi bem até onde ling Stones. Assin1 1nesn10, iinportando-a dos Esta-
hnecliações de Vila Rica ou Goiás Velho, era for-
. '
podia, nas condições em que pôde se 1nanifestar. 'P elo dos Unidos.
1na.do pelos escravos. Natt1ralmente dessa raça ex- ·· 1uenos tão ben1 quanto a música dos outros países O aspecto novo, portanto, a ser levado nluito en1
cepcionalmente musical, educada assim "de ouvido" das Américas, inclusive os Estados Unidos. conta na linguagem nlusical 1noderna é essa sua rea-
por esse tipo de música sairiam os nossos primeiros lização em dois níveis que se co111pletam, uma se-
Mas seria nas três primeiras décadas deste século
coinpositores eruditos, fatalmente barrocos e roco- guindo de perto a outra, an1bas trocando experiên-
que ela explodiria como inúsica an1ericana, de um
cós. Fácil explicar nas gerações seguintes os Lobo cias. O iazz forneceu estilen1as a Stravinsky, Ravel,
novo mundo, juntamente com os Estados Unidos, Milhaud, Bartok. En1 muitas de suas obras há pas-
de Mesquita, Marcos Coelho Netto, Inácio Parrei- ~léxico, Argentina, Cuba e outros países de nosso • • AIo ' º

tas Neves, Francisco Gon1es da Rocha. Os consi- sagens que 1ncorporara1u as tnvençoes 1azz1sticas e
continente. Surgem então seus prin1eiros inventores e, não sin1plesmente desenvolveram seus t-e111as, con-
derados mestres do barroco mineiro e outros, do mais do que isso, sua 1naior invenção: a música
barroco baiano, paulista, goiano, que estão para ser forn1e é feito con1 a n1úsica folclórica.
popular u rbana, o jazz, o tango, a run1ba, o samba
descobertos. . '
primeiras manifestações na história da 111úsica de'
:f: preciso ser surdo para não ouvir como un1 pro-
Não podemos julgar, de fato, esses con1positores, cesso novo ou con10 o primeiro exernplo conhecido
t~1na cu.l tura de massas. Estamos agora em plena
un1a vez que os dados são poucos e as obras res- de um processo - como diria Ezra Pound - a sin-
hnguagen1 n1usical moderna, que não pode colocar tetização da célula rítmica do n1axixe (Levy-Naza-
tauradas por musicólogos. De qualquer maneira dá de lado a música popular urbana, uma vez que ela
para desconfiar que eles alcançara1n u1n.'i'espeitável reth), da "batida" da bossa nova (João Gilberto),
é o desenvolvin1ento ao nível de n1assa (se111 nada.- o so1n das ·bandas New Orleans, dos velhos conjun-
domínio técnico dentro das condições en1 que com- ter a ver com a música folclórica, que é fossilizada
puseram. tos que tocaram as músicas de Noel Rosa, Lamar-
no ten1po, feita por comunidades ma-rginalizadas) de tine Babo, o son1 de um Pixinguinha, Autêntica in-
. E11trando no século XIX, sempre com aquele ine- un1 mesmo processo musical. Em outro uivei, aberto venção formal da maior originalidade, a formacão
vitável atraso, a n1úsica brasileira continua em dia à criação livre, esse mesmo processo continua a ex-
con1 a corrente européia e vamos encontrar um com- desses pequenos conjuntos instn1111entais, equivalente
perimentar a elaboração de signos novos, a constru- à invenção da orquestra de cântara barroca. E o som
posltor quase um rnestre: o Padre José Maurício ção da "máquina-ferramenta", sem visar a seu con- que Sells instrumentistas cultivaram, deliberadamente
N unes Garcia, nosso grande representante da mú- sumo imediato pela massa: é a n1úsica de vanguarda. sujo. Un1a busca de son1 que, levada às suas últimas

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A MÚSICA 129
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conseqüências, iria chegar ao som concreto da mú· Outro ponto importante em comum está na uti- ·
sica de hoje. Tudo isso ao nível de rnassa. lização que ambos fizeram de procedimentos com- · do celo. O "Trenzinho do Caipira", em':~ . ~61111 ,,.,
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Quando pretendemos juntar a música popular ur· posicionais politonais e polirrítmicos n1uito antes de · m'iJsica pré-concreta, nada fica a dever . .. •11cll'l1' •• +hil
bana com a música erudita con10 dois aspectos de
uma mesmá linguagem é porque ambas manipulam
entrarem em contato com a música européia. Leva- .
dos por uma intuição inventiva, independente e sem
preconceitos, chegaram aos mesmos resultados sis·
231" de Honegger.
em 1921, " Rudepoe1na", já estão explota
.
N un1a extraordinária peça para piano. • 111101;111lu
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llt111Htt1

as n1esmas estruturas formais características da mú-
sica do século XX, tanto ºd a primeira como da se·
gunda metade. O que não acontece com a música
tematizados pelos compositores europeus, sem a me-
nor influência deles. Villa-Lobos fez a música que
dos efeitos mais caros à neue Musik dar: 111 lll111111 ,
co1no pressionar notas do piano, sem too -lnl\f o r11. nu''''
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foJ.cl.ór.ica, que son1ente fo.rnece temas, 1notivações, bem entendeu, se1n pretender fazer escola e nem . iê-las soar através do ataque de outras · 111 ~11110 ...... li
1nas não atua sobre a linguagem musical moderna.
Enquanto a n1úsica popular urbana ta1ubém forja
seguidor.es, sem se prender a corrente alguma. Va- '
leu-se de tudo que o interessou, da mesma maneira
encontramos en1 uma das 1nais recentes P, líH 1111111
piano de Henri Pousseur, "Une Apostro,P. 1 • t 111·11
·•fl•u111
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essa linguagem, trazendo contribuições das mais sig- que Stravinsky, 1nas fez a sua música, cuja marca réflexions"), aglomerados d'e notas que õ~ 1u11lu111 ,,. 111111
nificativas,, para o seu desenvolvimento. fundamental é o so111 que conseguiu c riar. O famoso mais ser considerados acordes e sim claf't i:. c1111 li ... 11•
compositor francês Olivier Messiaen confessou ao trastes dinâmicos, de registros, ataques de 1111 l:• 1111
Na primeira 1netade deste século, via atonalismo
(Debussy e Schocnberg), politonalismo e polirritmia
crítico Antoine Goléa, numa entrevista, que uma das os punhos ... Sem falarmos na complexidad tt11 tll'11, 'º'"'""
l111 h1111
maiores influências que recebeu no campo da ins· que está à espera de uma análise con:fomiê ' llu1lu1 11+ulu1 ~
(Stravinsky e Bartok), mais a melodia de timbres
(.Klan.gfarbenrnelodie ) de Webern, o discurso sonoro
trumentação foi justamente d e Villa-Lobos - que
ele considera u1n dos principais criadores da primeira
fez com a "Sagração da Primavera" de S ., ~t1•k y
Poderia ser feito um levantamento n1iu\i H 1111
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linear foi atacado de todos os lados. A Europa tendia " h 1111
metade do século - através do estudo que efetuou ' obra total de Villa-Lobos, a fim de ser síôlC ~11111111 ~11111•11•
para u1n rigor serialista, a montagem da música pa- o ·que é realmente de importância no catl\}1 '. 11'~1111
d'e seus grandes "Choros" para orquestra. 11h11111
râmetro por parâmetro. I soladamente um Russolo tivo. Mas não vejo razão para isso, uma '/, 1111r
procurava o som concreto. Já as Américas rompiam Numa obra datada de 191 7, "Uirapuru'', para th•Yttl 111
grande orquestra, é in1pressionan te o efeito que con- sua música importa inclusive pelo que ela . iu ''" ln '"º
o cenário con1 seu inform alismo caótico, jovem e ruim, de mau gosto. :e. o Kitsch cada vez tn .!\ Jll f'
segue obter lançando mão, sem a menor cerimônia, 111a1•111 ltt
cheio de vida, num vale-tudo experimental antro- sente na arte das Américas. Desse mau gosto, ,r1•111u.•-
pofágico. E sua n1úsica é descoberta para os ame- de percus.sões populares como <;oco, reco-reco, tam- '' ' 1111114!1
borim e até de um violinofone (violino ligado a uma altos e baixos não escapou nenhum dos grAU 1· i11 1111 ~Ili•
ricanos sobretudo através destes dois gigantes: Char- v·entores da música ·americana, do Norte OU • ~111
les Ives, dos Estados Unidos, e Heito r Villa-I.obos, trompa). Uma preocupação com o son1 da floresta 1tt111
que pude encontrar igual nó compositor equatoriano 1-Ienry Cowell, a par de sua notável criativi ' · \i · 1111 •111•
do Brasil. pai dos clusters, da idéia de tocar nas dof h 1111
Mesias Maiguashca, em 1968, nos apitos, ·assovios llKllYl•I
Dois inventores de primeira linha, representantes e outros efeitos que ele empregou para compor o piano - é co1npletamente vulgar em muit!lS < Hllll• li \lltlM1I
de uma c ultura tipicamente americana, um refletindo
a p aisagem industrial-urban a dos Estados Unidos, o
momento que lhe foi destinado em "Música para
uma casa" (durante o Festival de Música Nova, em
outras músicas. George Antheil, não obstant "" 111 I
gin alidade de sua sonata "The Aírplane'' ôll . 16 111111
~.. . .. ....
outro a paisagem tropical-urbana do Brasil, ambos Darmstadt), dentro de um plano geral delineado "Ballet Mécanique'', vale ainda mais pelas su l/lh111 11.1 ' '""
11111• I
exuberan tes e grandiloqüentes, como não poderiam pelo compositor alemão Stockhausen. Naturalmente de "sincronizar cidades inteiras", de "silênoios .. 1 Y111 l'll fl lllttt
deixar de ser, porta-vozes de países de enorme ex- Maiguashca manipulou a linguagem musical desta te minutos de duração" e, sobretudo, de utir 11•11
tensão territorial. 1" 1111111 •
segunda metade do século, mas a preocupação com nitivamente a 1núsica da sala de concertosH, ..: 1-111t••11
São n1uitos os paralelisn1os que podeqi.os encon· o som era a mesma. Todos esses compositores, Ives, Cowell, ~ 1111C'l1ll lh11t111h
· trar entre as obras de Ives e Villa-Lobos, conforme Em outra peça do mesn10 ano de 1917, um pou- Villa-Lobos, são n a verdade de um impress' 11l'IH11111 lttl•ll ••
reconh ece o compositor norte-americano Aaron Cop- co anterior ainda, "Amazonas'', Villa-Lobos precisa e politonalismo baratos, frente à técnica e 1l11po11I 111111 ...
land em seu livro Music and l1nagination. O mesmo
espírito nos títulos que d avam às suas músicas -
de 4 pautas para escrever o som que desejava com· cional de seus contemporâneos europeus; fi\f -" ll"" l•11111up
por ao piano. Recurso gráfico que vamos também te sente em sua música, principalmente õ ll 1rt11 1111r Aoth•I
"Trenzinho do Caipira", "H ousatonic at Stockbridge" encontrar na música de ·hoje. No "Choro n. 0 8" ele parece ruim, mal feito, algo mais que a to:r ru 1IH1• l111tt111tl
- u1n a procura do transcendental, do cósmico, atra- introduz papel de seda entre as cordas do piano. rente, uma autenticidade, uma iodependênei~. um 11111• .~lf ..~ ...
vés do sentimento nativo. Uma dificuldade etn con- Nesta época que vivemos, em que até a música encontraremos as raízes tipica1nente :uneri. 111 1lc- llitillht
ter esse tumultuamento de idéias 1nusicais que trans- "pop" pretende "fazer som" e não sin1plesmente "fa- uma vanguarda que não tem nada a ver .ç . 110• llH
bordavam nesordenadamente, muitas vezes. E, con- zer melodias", é admirável a atualidade de Villa- guarda européia. Só nas Américas poderia 9~ 1 11111
seqüentemente, un1a (alta de autocrítica que os le- -Lobos. :B espantoso que ele não esteja na moda pop'art, o jazz, o " tropicalisn10", a músioa: l'lll• f.
varam a uma obra desigual, cheia de altos e baixos. por esse motivo e sim por razões de um naciona- -Lobos e Ives. .,' '"iltllt •
O que foi a música de ban da p ara l ves foi a música lismo musical acadêmico. Mesmo numa pequena can- Falemos finalmente do an o de 1922 e S\Í futt1111f11 VIII• 1
das serenatas, dos velhos chorões para Villa-Lobos. ção escrita em 1916, "O Boi'', para celo, piano e Semana de Arte Moderna. Propositad!ill.\t' lh• 1· llrl 1l11lti u
A música urbana, enfim. voz, h á uma imitação do mugido do boi na parte . quase somente as obras de Villa-Lobos ~í l\)luiitn- l•Hllllttll
antes de 22. li fácil concluir, portanto, que l'lu 11Ao 111 "' ..
130
'" ,,.. Outro ponto importante em comum está na uti-
lização que ambos fizeram de procedimentos com- do celo. O "Trenzinho do Caipira", em matéria de precisou da Semana, pois se realizou plenamente an-
posicionais politonais e polirrítmicos muito antes de música pré-concreta, nada fica a dever ao "Pacific tes dela. O ponto realmente positivo da Semana foi
1111111 l.u 1
entrarem em contato com a música européia. Leva- 231 " de Honegger. a polarização, a conscieotização que ela efetuou de
11111·1 111~ •
dos por uma intuição inventiva, independente e sem Nurna extraordinária peça para piano começada. toda a problemática da arte moderna, até então pra-
ltlll 111 l •li' t
preconceitos, chegaran1 aos n1esmos resu1tados sis- em 1921, "Rudepoe1na", já estão explorados alguns ticamente não discutida, desconhecida, mesmo, em
'"" 1111 u dos efeitos mais caros à neue Musik darmstadtiana, nosso país. No entanto, todo movimento, por me-
111111 1ll1~1111l" !ernatizados pelos con1positores europeus, se1n a 1ne-
uor influência deles. Villa-Lobos fez a música que como pressionar notas do piano, sem tocá-las, e fa- , lhor intencionado que seja, tem seus azares. Com
bem entendeu, sem pretender fazer escola e nem zê-Ias soar através do ataque de outras notas (que • base na teorização de um de seus participantes n1ais
seguidores, sem se prender a corrente algtuna. Va- encontramos en1 uma das mais recentes peças para destacados, que foi Mário de Andrade - talvez a
leu-se de tudo que o interessou, da mesma maneira piano de Henri Pousseur, "Une Apostrophe et six figura mais simpática e, com toda razão, querida
que Stravinsky, mas fez a sua música, cuja m arca réflexions"), aglomerados de notas que n ão podem de nossos musicistas - a música brasileira começa
li ltlul~
fundamental é o so1n que conseguiu criar. O famoso mais ser considerados acordes e sin1 clusters, con- a se atrasar em relação ao desenvolvimento geral da
compositor f1·ancês Olivier Messiaen confessou ao trastes dinâmicos, de registros, ataques de notas com música contemporânea ocidental. Se a nossa música
crítico Antoine Goléa, numa entrevista, que uma das os punhos. . . Sem falarmos na complexidade rítmica, foi bem do período colonial até fins do século pas-
1naiores influências que recebeu no campo da ins- que está à espera de uma análise confonne Boulez sado, excepcionalmente bem nas primeiras décadas
tt·umentação foi justamente de Villa-Lobos - que fez con1 a "Sagração da Primavera" de Stravinsky. deste século, quase que podería1nos dizer que passou
ele co11sidera um dos principais cri.adores da primeira Poderia ser feito um levantamento minucioso da a ir muito mal depois da Semana de Arte Moderna.
1netade do século - através do estudo que efetuou obra total de Villa-Lobos, a fim de ser selecionado Somente Villa-Lobos continuou indo bem, 1nas a esta
de seus grandes "Choros" para orquestra. o ·que é reahnentc de in1portância no campo inven- altura sua música já era um fato consumado e não
N uma obra datada de 1917, "Uirapuru", para tivo. Mas não vejo razão para isso, u1na vez que deveríamos mais contar somente com o prestígio de-
grande orquestra, é impressionante o efeito que con- sua música ilnporta inclusive pelo que ela tem de la. Sem falarmos no fato de que Villa cometeu o
segue obter lançando mão, sem a menor cerimônia, ruim, de mau gosto. ~ o Kitsch cada vez m ais pre- pecado de se deixar oficializar pelo Estado Novo,
do percussões populáres como coco, reco-reco, tam- sente na arte das Américas. Desse mau gosto, desses enquanto Ives permiineccu no undergrou11d até o fim
borim e até de um violinofone (violino ligado a uma altos e baixos não escapou nenhum dos grandes in- da vida.
trompa). Uma preocupação com o som d~ floresta ventores da música americana, do Norte ou do Sul. Deu-se então uma desastrosa interpretação errada
que pude encontrar igual no compositor equatoriano Henry Cowetl, a p ar de sua notável criatividade - do que deveria ser "música brasileira". O sentimento
Mesias Maiguashca, em 1968, nos apitos, · assovios pai dos clusters, da idéia de tocar nas cordas do nativista surgido com a Semana foi da maior cria-
e outros efeitos que ele empregou para compor o piano - é completa1nente vulgar em muitas de suas tividade em outros campos. Mas em termos de mú-
rno1nento que lhe foi destinado em "Música para outras músicas. George Antheil, não obstante a ori- sica acabou redundando no simples aproveitamento
unia casa" (durante o Festival de Música Nova, em ginalidade de sua sonata "The Airplane" ou de seu <lo temário folclórico desenvolvido dentro de esque-
11•tl, 1 1
Dnrn1stadt), dentro de u1n plano geral delineado "Ballet Mécanique", vale ainda mais pelas suas idéias mas formais clássico-ro1nânticos. Um retrocesso às
' 1111.I\ 1 pelo compositor alemão Stockhausen. Naturalmente de "sincronizar cidades inteiras", de "silêncios de vi.11- estruturas significantes do século passado, das cor-
Maiguashca manipulou a linguagem musical desta te minutos de duração" e, sobretudo, de "tirar defi- rentes nacionalistas européias. E, o que era pior, na
segunda metade do século, mas a preocupação com nitivamente a m6sica da sala de concertos". certeza de que Villa-Lobos estava sendo seguido, con-
nu., 1·111 li • o som era a mesma. . Todos esses compositores, Ives, Cowell, Antheil, tinuado. Os compositores pensavam continuar uma
' • 11111111 1 E m outra peça do mesn10 ano de 1917, um pou- Villa-Lobos, são n a verdade de um impressionismo coisa que Villa-Lobos nunca pretendeu, que não ti-
11 11111 • '1! co anterior ainda, "Amazonas", Villa-Lobos precisa e politonatismo baratos, frente à técnica composi- nha como ser continuada a partir de sua música.
•.~ .... ••lllt de 4 p autas para escrever o som que desejava com- cional de seus contemporâneos europeus; m as a gen- Porque a música de Villa-Lobos, de Cowell, Ives e
Htthh li,. por ao piano. Recurso gráfico que vamos tambéµi te sente em sua música, principalmente n aquilo que Antheil representaram a contribuição americana, jun-
l 111 lal 11 ,, encolltrar na música de boje . .No "Choro n. 0 8" ele parece ruim, mal feito, algo mais que a torna dife- tamente com a contribuição européia de Schoenberg,
Introduz papel de seda entre as cordas do piano. rente, unia autenticidade, uma independência em que Stravinsky, D ebussy e Webern para o desenvolvi·
N esta época que vivemos, em que até a música encontrare1nos as raízes tipicamente americanas de mento da linguagem musical do Ocidente. Villa-Lo-
''pop'' pretende "fazer som" e não simplesmente "fa- uma vanguarda que não tem nada a ver con1 a van- bos tinha de ser continuado a partir daí.
zer n1elodias", é admirável a atualidade de Villa- guarda européia. S6 nas Américas poderia surgir u1na Camargo Guarnieri e Francisco Mignone, princi-
•flll• ... • ·Lobos. E espantoso que ele não esteja na moda pop'art, o jazz, o "tropicalismo", a música de Villa- pais representantes da música que se seguiu à Se-
I~ ,. lt 11 l111 li 1 por esse n1otivo e sim por razões de um naciona- -Lobos e Jves. mana de 22, embora tendo a maior admiração por
111 ,, 1110~11 H~mo 1nusical acadêmico. Mesmo numa pequena can- Falemos finalmente do ano de 1922 e sua famosa Villa-Lobos, chegara.m a criticá-lo quando a música
\ 11111 1 "''" 9 o escrita em 1916, "O Boi", para ceio, piano e Semana de Arte Moderna. Propositadamente citei dele não era suficientemente brasileira, isto é, não
voz, há uma imitação do mugido do boi na parte quase somente as obras de Villa-Lobos compostas continha as constantes melódicas e rítmicas, os mo-
antes de 22. ~ fácil concluir, portanto, que ele não dos e outras características da música folcl6rica. Pa-
A MOSICA 131
rece que Villa e Mário de A nd rade c hegara m mesmo movente em seu gênero, poderia ter sido escrita em llV!I D ebussy, "um princípio de ornamento ~ue "" l• 1111
a se desentender e M ári.o passou a depositar suas fi ns do século passado. T em a mesma construção n base de todos os n1odos de art~"· A prova d1~s<> 1,1 1111111110
• que encontran1os em Grieg, em F auré. E nada de 111111 111 li
esperru1ças mais em Mignone e Guarnieri . ' td e1n que tanto Bartok como V1lla perdem o Jn·
Faltara1n, talvez, na época, melhores perspectivas brasileira ( matéria estrutural e forma novas aqui in.e - tereesc quando se .!Qn1a1n mais "folclor.istas" do qu~ ltlllllltYhtl

que per1nitissem u1na visão estrutural correta para xisten1) , pois a harn1oo ia é purame11te francesa, a 11 tnvc11to res".
compreender que a forma, na música de Villa-Lobos, forma é a da canção clássica-romântica. Já Villa- Vcnios assim que não há nada contra o ap~o~el­ 11 111,1·
-Lobos, em l918, nun1a peça ig ualmente p ara piano " 1h 11 l111 ·11
é uma conseqüência do desdobramento do material tom cnto do material nativo para se f azer mus1c:\. · 1 tunl•11111,
sonoro que ele preliminarmente pesquisava e depois - o conhecido "Polichinello" - apresenta de cara O problema está em como utilizá-lo.• ~o estud~ que 11- 1-111111·lt
1. 1nultiplicava num jorro de acontecin1entos n1usicais un1 bitonalisn10 (dó-mi-sol e1u trêmulo contra mi fctuou do folclore do interior da Russ1a, K and1osky 1 111 ti
bemol, si bemól e ré b e1nol) co1nparável ao de "Pe- partiu para a in~e11~ão d<? ~bstracion.ismoJ ou ~o)n~
1
sempre novos. Não vai nisto nenhuma fal.la de do-
I ' n1ínio da fónna mus ical. Muito pelo contrário, é j á truch'ka", de Stravinsky. Voltando a 1928, enquanto o mais radical nao-f1.gurat1v1smo. Aqut esta a 1u.nO) "'' '''"1111
JAlll•llll hl
uma antecipação da mús ica montada cm blocos, em no Brasil eram compostas peças co1no "Canção Ser- l!ç!lo, a chave de como aproveitar o elemento no·
n1omentos de so1n, como viria a ser hoje em dia com taneja", nesse n1esmo ano, na Europa, Scboenberg clonai cn1 arte . 1\ .. ,..

Stockhausen, por exe1nplo. Um m agm a sonoro em apresenta suas "Variações p ara Orquestra op. 31 ", Um erro de visão fez com que as gerações se• 111111111 li
permanente t ransfiguração. com base na técnica dodccafônica que ele sistema- ljUintcs passassem a desenv.o~ver não o resultado, mn.s 11(1111 ln ..
A procura de u1n son1 amazônico, a preocupação tizara. P or este confronto podemos avaliar o retro- aquilo que na obra de V 11Ja er~ um co~poncnto 1111 '"'
timbrística levou-o a determinada. fonna musical. cesso havido, o enorme desligamento de nossa mú- desse resultado: a 1nelodia folclórica, seu nti;no,. etc. /1•/1111 11..
Uma forn1a que é a conseqüência da experimentação sica do tronc."0-mestre da linguagem musical do Oci- Oese11.vol.veran1 tun elemento que tanto faria J·o~sô ~
•. 1111111 , ....
das ·possibilidades coinbinatórias do novo som in- dente, naquele momento cm franca dissolução de brnsileiro nórdico, russo. E deixaca n1 de lado n 10.• 111•11111111
ventado. Sem nada ter a ver com esquemas form ais
com base em desenvolvimento m elódico. O elemento
folclórico - melodias, ritmos, modos, etc. - entra
suas f orn1as musicais geradas pelo sistema tonal. En-
quanto nós enveredávamos pelo campo das suítes
nordestinas, valsas de esquina, ponteios ainda e1n
formação' nova. O mesmo que foi feito com D ebussy,
de quem as correntes nacionalistas de todo o 1nunc!o
so1ne nte desenvolveran1 a perfumaria harmôn_ica a
''"" ''"
' tl1· 1'1·11-•
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eIU sua nlÚS iCfl. Como U01. dado entre out ros na com- pleno parâm etro das alturas musicais e seu relacio- i;e rv iço, se1npre, de esquemas clássico-românticos. :; 111111•11111\I
posição cio sont pretendido; não é um n1otivo a ser namento tonal, con1 toda a pri.oridacle 1n clódica daí .Porque não con1preenderam que tanto Debussy, cO• \'lltu 1
(tesenvolvido. Tal con10 aconteceu co1n Stravinsky, decorrente. n10 Villa-Lobos, Ives e outros, cada. u1n a seu m~do, 1•11 ·1•lltlh1
que tãhibé1n foi c riticado por não saber desenvolver Os próprios títulos e indicações expressivas à mo- ujudaram a destruição do sistema tonal e conscqu e11· 1 ,. 11111111
tcn1as. Nenhu m dos dois pretendeu esse desenvol- da brasileira ("dolentemente", "requebrando'', "sau- te1ncnte da predo1ninância das melodias, ?ando 0!1• 11 111 ~Ili 1
vimento, 1nas sim justapo r acontecimentos sonoros.
Já antevisava1n a colagen1 n1usical de nossos d ias.
doso"), q ue em Villa-Lobos eram uma novidade, a
expressão do sentimento de um mundo novo (como
gen1 à n1úsica desta segunda meta~e .ªº
sec.ulo, feito.

I H•11h1
" d\I 11111111
à base do r uído, do som e1etroacust1co, n11crotonnl,
O que 1nais impor ta para nós é que a n1úsica de em Ives, confonne compara Copland), nas obras não-discursiva, f eita de 1no1neotos. . ""' 11tl111h• 1
Villa, Ives, Stravinsky, :Debussy, Schoenberg apontou de seus pretensos continuadores adquirem un1 ranço Con1 o aparecimento de un1 otllro nível igual• "i:_
para o futuro, para a nova mús ica desta segunda acadêmico, regi•onalista, p ra trás, caipira nlesmo. E niente inventivo, via comunicação ele tnassas, em CJ.llC li
metade do século. Aqui está a razão de s ua gran- as car acterísticas síncop as brasileiras se torn am ba- a linguagem musical também p assou a _se desenvol• 1 li' Vl•ll ti
deza. Particularmente no caso de Villa-Lobos, ele nais, centralizam o interesse sem trazer nenhuma 1111•1111' li
ver a inventividade puran1ente melódica enco.nlCA pUI ~!Ili
contribuiu co1n um <lado a mais para a elevação do i1úormação nova, o que não acontece com elas em nel; talvez seu últin10 refúgio, e não há nada J.111\l& 1111111 , 11•
ruído à categoria de som n1usical, oco rrida com o seu contexto natural, popular, onde foram inven- a dizer em termos de n1elodia e ritmo ao nível d(\
advento da 1núsica eletroacústica. Alguns complexos tadas. obra aberta . . 11111 u
sonoros orquestrais de Villa e Stravinsky já são quase Analisen1os a estrutura rítmica de um "Rudepoe- Logo após o término da Segunda Guerra Mll.tl! · 111111111
~statísticos, estão no limiar do processo vibratório n1a" . A famosa síncopa está ali p resente, mas enrus- dial houve a p rimeira tentativa de uma nova ~úsl<;fi
não-periódico, isto é, do ruído. É o que nos interessa tida em tal transa sonora que ela desaparece como brasileira, partindo de unl grupo de compos1tot~ li 1111
em Villa. E que ta1nbém interessou a M essiaen. folclore, não centraliza o interesse como um dado dentre os quais se destacavam Cláudio Santoro, Gut;l.\'w ·~ "Ili 1111111
A música de Villa-Lobos, Debussy e Stravinsky conhecido. Torna-se um dado entre muitos para a ra P eixe e Eunice Catunda, reunidos em torno ~~ · 1111 hull ~I
exerceu grande influência sobre a música brasileira, construção de um todo que é a informação nova. Prof. l(oellreutter. Era a hora ~xata d:_ a m(~sica 'b r~ ~"' ~lt nl- 1l1t
porém, con1 igual inoperância. Nossos compositores O interesse é centralizado naquela reformulação de sileira recuperar o tempo perdido e nao mais perd /:.' 1111h11
de tendência nacionalista não souberam encon trar a dados musicais nacionais. Curioso que ninguém per- a posição entre a vanguarda mundial, a exemplo O ·
solução da problemática de Villa, que é a mesma cebe que tanto faria a síncopa ser brasileira ou aque- que fez a Argentina, que hoje conta com nomes CQJ 11111 I~
de Debussy e Stravinsky, ou seja, da música d a pri- la quase igual, húngaro-rom ena, u tilizada por Bar- 1n o o de Maurício Kagel, Juan Cario P az, Alcl 11111111 111~
1neira metade do século. tok. O que interessa em Bartok e Villa-.L obos é o Lanz.a e outros. , 1111. lllt 1
1
Uma peça como "Canção Sertaneja", de Can1argo resultado da pesquisa deles, a sua composição, a Mas deu azar, novatnente, ·e essa tentativa foi <li'A~,, 1111111 1 ••
G uarnieri, composta en1 J 928, apesar de bela e co- trama elaborada, aquele arabesco musical de que matican1ente sufocada pela repercussão em o OSllO . , e 1111111 I''
132
111111 movenlc cn1 seu gênero, poderia ter sido escrita em falava D ebussy, "um princípio de ornamento que pais do manifesto Jdanov, coincidindo con1 o lan-
fins do século passado. T em a m esma construção é a base de todos os modos de arte". A prova disso çan1eoto de uma carta aberta de Camargo Guarnieri
1 que c nconlramos em Grieg, em Fauré. E n ada de está crn que tanto Bartok como ViUa perdem o in- contra o dodecafonismo, na mais pura linguagem
f•t-1~1 '' 'H\1 brnsilcira ( m atéria estrutural e forma novas aqui ine- teresse quando se tqrnam m ais "folcloristas" do que jdanovista:
•Uflt• l n 111 xistem), pois a harm onia é puramente francesa, a " inventores". .-
\' llln 1 11h11• forma é a da canção clássica-ro mântica. Já Villa- V crnos assi m que não h á nada contra o aprovei- É preciso que se diga a esses jovens compositores que
1111 1111rlt 1 · Lobos, em 19 l 8, n uma peça ig ualmente para piano tamento do material nativo para se fazer música. o dodecafonis1no, en1 Música, corresponde ao Abstra-
V!i I• d1· 1 11~!J - o cot1hecido "Polichinello" - apresenta de cara O problc1na está e1n como utilizá-lo. D o estudo que cionismo en1 Pintura, ao Hermetismo, en1 Literatura, ao
Hlf lllll>ih 1ITD Ulll bitonalismo (dó-mi-sol en1 trêmulo contra mi Éxistenci~lis1no, en1 Filosofia, ao charlatanisn10, em Ciên-
efetuou do folclore do interior da Rússia, K andinsky cia. . . É un1a expressão característica de uma política
11h ti 1h· ,, bcnlol, si bemol e ré ben1ol) comparável ao de "Pe- partiu para a invenção do Abstracionismo, ou seja,
t ! Ili Í li!, 1>1.JU 1ruchka", de Stravinsky. Voltando a 1928, enquanto de degenerescência cultural, um ramo adventício da fi-
o n1ais radical não-figurativismo. Aqui está a maior
"º gueira-brava do Cosn1opolitiso10.
'"'" "'
1•11! ilh1 ' •
1Jn1sil eram compostas peças como "Canção Ser-
taneja", nesse n1esmo ano, na Europa, Schoenberg
flJ?resenta suas " Variações p ara Orquestra op. 31",
lição, a chave de co1no aproveitar o elemento na-
cional c m arte. . A efervescência político-social do 1non1euto, ·so-
U1n erro de visão fez com que as gerações se- 1nada a esses dois n1anifestos, mais a outra coinci-
corn base na técn ica dodecafônica que ele sisten1a- guintes passassem a desenvolver 11ão o resultado, mas dência entre os pontos de vista de Jdanov e de Má-
111111 l•IJ11 tiZftra. "Por este confronto pode111os avaliar o retro- aquilo que na obra de Villa era ·um componente rio de Andrade, cm seu Ensaio sobre Música Brasi-
ltl 11111• 1 cosso havido, o e no nne desligamento de nossa mú- desse resultado: a melodia folclórica, seu ritmo, e tc. leira, de ra111 extraordi nária força à corrente naciona-
1•1 llHl·t í-h s ica do t ronco-Jnestre da Jinguage1n musical do Oci- Desen.volveran1 u1n elemento que tanto faria fosse lista. Fenôrneno que só ocorreu no Brasil, pois a Ar-
dente, .n aquele momento e1n franca dissolução de brasileiro, .nórdico, russo. E deixaram de lado a in- gentina e outros p aíses an1e ricanos não ti~eraffi: este
s uas formas musicais geradas pelo sistema tonal. En- formação nova. O 111esmo que foi feito com D ebussy, tipo de problen1a. Até hoje essa nefasta identidade
quanto nós enveredávamos pelo campo das suítes de quen1 as correntes nacionalistas d~ todo o Alll:uncfo de pensan1cntos é ainda a força oculta que procura
nordestinas, valsas de esquina, ponteios ainda em son1entc desenvolveram a perfumaria harmontca a barrar todas as novas tc11tativas de pesquisa, expe-
pleno parâmetro das alturas musicais e seu relacio- serviço, se111pre, de esquen1as clássico-românticos. rin1entação, de avanço musical. .
na rnento tonal, con1 toda a prioridade melódica daí Porque não ·Con1preenderam que tanto Debussy, co- Villa-Lobos, vanguarda de outros tempos, incom-
decorrente. 1110 Villa-Lobos, Ives e outros, cada un1 a seu modo, preendido, tornou-se a bandeira nacionalista contra
Os próprios títulos e indicações expressivas à mo- ajudaram a destruição do s istema tonal e conseqüen- a vanguarda de nosso tempos. Indiscutíveis se tor-
tln brasileira ("dolenten1ente", "requebrando", "sau- ten1ente da predominância das melodias, dando o ri- naram as palavras de Mário de Andrade em seu
t-t,., httlf•I doso"), que em Villa-Lobos eram uma novidade, a gem à n1úsica desta segunda metade do século, feita Ensaio, tornado sagrado, escrito uns 25 anos antes
""" 1llo expressão do sentimento de um mundo novo (con10 à base do r uído, do som eletroacústico, microtonal, do manifesto de Jdanov, o que lhe dava uma auto-
tttll 11b J~ e1n lves, conforme compara Copland), nas obras não-discurs iva, f eita de n1omentos. ridade profética:
do seus pretensos continuadores adqui rem um ranço Co1n o aparecimento de um outro nível igual-
ucadê1nico, regionalista, pra trás, caipira m esmo. E 1nente inventivo, via comunicação de 1nassas, cn1 que . .. a obra não é brasileira con10 é antinacional (es-
ns características síncopas brasileiras se tornam ba- a linguagem n1usical tan1bém passou a se desenvol- creveu a respeito de determinada música). .E soci~l­
noJs, cent ralizam o interesse sem trazer nenhuma ver, a inventividade puramente melódica encontra n1ente o autor dela deixa de nos interessar. Digo mais:
Informação nova, o que não acontece com elas em nela talvez seu último refúgio, e não há n ada mais por valiosa que a obra seja, devemos repudiá-la, que
seu co1ttexto natural, popular, onde foram inven- a dizer e rn termos de melodia e ritmo ao nivel da ne1n faz a Rússia com Stravinsky e Kandinsky.
tarias. obra aberta.
AnaUscn1os a estrutura rítmica de um "Rudepoe- E m outro ponto Mário sintetiza sua visão defor-
Logo após o tér1nino da Segunda Guerra Mun-
H'la.". A famosa síncopa está ali presente, mas enrus- d ial 'ho uve a primeira tentativa de uma nova música 1nada:
,.~ ~11 1 •· 1•"•' ttdo e1n tal transa sonora que ela desaparece como brasilci ra, pa rtindo de um grupo de co1npositores
.. -1111•11 .' folclore, não centraliza o interesse como um dado O ·critério histórico ·atual de Música Brasileira é o da
dentre os quais se des tacavam CJáudio Santoro, Guer- sua manifestação musical que sendo feita Pº1: ~rasileiro
~li 111 V ht•t conhecido. Torna-se um dado entre muitos para a ra Peix:e e Eunice Catunda, reunidos em torno do ou indív(doo nacionalizado, reflete as caracter1st1cas mu-
li j,l ll'ltl\ ,~1 . · oonst:r11ção de un1 todo que é a informação nova. Prof. J<.oellreutter. Era a hora exata de a música bra- sicais da raça. Onde que estas estão? Na niúsica po-
11111111~1 h ti O h\tcressc é centralizado naquela reformulação de sileira recu perar o tempo perdido e não mais perder pular.
.. 111f11111 111 dnclos 1nusicais nacionais. Curioso que ninguém per- a posição entre a vanguarda mundial, a exemplo do
,. 11 lll"~Oi oobo que tanto faria a síncopa ser brasileira ou aque- que fez a Argenti11a, que hoje conta con1 non1es co- Ern primeiro lugar, para refutá-lo, a música po-
h •l tlil 1•1 lo quase igual, húngaro-romena, utilizada por Bar- 1110 o de M a urício Kagel, Juan Carlo Paz, Alcides pular tem origem totalmente estrangeira. Em segun-
tok. O que interessa em Bartok e Villa-Lobos é o Lanza e outros. do, os elementos constitutivos de uma música po-
, .. ' fllll•ll Jl' roaultado da pesquisa deles, a sua composição, a Mas deu azar, novam ente, e essa tentativa foi dra- pular são fundamentalmente a melodia e o ritmo.
111•111 I• 1 1 . trnn1n elaborada, aquele arabesco musical de que maticamente sufocada p ela repercussão e m nosso Como pretender uma música nacional erudita à base
A MÚSICA 133
•,

de constantes 1nel6dicas e dtn1icas no mornento em 1nenagen1 a Webern.. , de Cozzella, "Música para 1:2 coletiva, "dez minutos", por uma equipe de alunos 001111•ltllt1t
'· l'OCll. (nj 1
que, historicrunente, surge u1n novo n1nterial, o som instrumentos", de minha autoria, e "Organismo", de de Damiano Cozzella.
!
1
eletroacústico e, como conseqüência, deixa de haver Duprat, esta ultima obra foi a primeira experiência Num concerto en1 1965, organizado e dirigido pe-
lo maestro Diogo Pacheco para a VIII Biel_lal de S.
con111ntlhn
plnlllllltlll•
a predominância do parâmetro freqüência, ou seja, 1nusical sobre um teKto de poesia concreta, de 'D écio
da melodia, daquilo que marcou em toda músicà do Pig11atari. Todas as obras eram seriais dodecafônicas. Paulo no Teatro Municipal, em meio a vaias, arre- ·• n cnntp•I
passado o traço racial da nacionalidade? Após diversas viagens à Europa ,e contatos con1 a n1ess~ de programas amassados ao palco, discussões uhnndnn•
Apesar de Santoro, Guerra Peixe e outros havc- n1ais representativa música da atualidade ( Berio, No- cm voz alta, foram ouvidas "Ouvi ver a músic~", .de 11n1u(o "'"
re1n renegado seu passado dodecafônico, exe1nplo no, Boulez, Stockhausen) esses compositores lançam Willy Corrêa de Oliveira, obra em que a açao 1u· ' e hl1111 11•
que a 1naioria dos compositores seguiu, não seria ta1nbém o sen manifesto, en1 1963, agora "por uma tegra sua ~strutura (!ª~vez o primeiro , e~emplo d? e; C'ln11 A hn
..
esse clin1a reacionário que iria deter o espírito in- nova música brasileira", na revista Invenção, dos poe- "visual" em nossa musica) e em seu ult1.m o movt·
11 1tn1llt 11
.. . ventivo das novas gerações. Num an1bie11te musical tas concretos, do qual destaco os seguintes pontos n1ento é baseada na leitura semântica de signos (in-
; ch11l11 111111•
retrógrado, os novos músicos que surgiram foran1 ainda válidos: clusive desenhos de histórias em quadrinhos) · e em 1· li111111111 li 1
encontrar apoio e n1esmo orientação estética não em sua descodificação em termos musicais; e "blirium ' !101.......
seu meio, mas junto a poetas renovadores da língua compromisso total com o mundo contemporâneo; c-9", de m inha autoria, em que levei às últimas con- l'OlllJI li
portuguesa, como os poetas concretos paulistas, r~ava liação dos n1eios de informação: importância do seqüências a pesquisa aleatória começada em ' "Nas- · r i<:., •l••lltl
principalmente Décio Pigoatari e os innãos Augus- cinema, do desenho industrial, das telecomunicações, da cemorre", até chegar a uma música sem notaçã·o •1111111 ( 11111
to e Haroldo de Campos. Em freqüente contato n1áquina con10 instrun1ento e corno objeto: cibernética musical, feita somente de instruções de realiji:ação lo ,,.... li "'
co1n a Europa, esses poetas n1uito contribuíram para ( ... ) a alienação está na contradição entre o estágio en1 umas 10 páginas datilografadas.
do hon1en1 total e seu próprio conhecimento do mun-
a colocação de problemas da música nova à geração do. . . .elaboração de uma "teoria dos afetos" {semântica Em outros trabalhos meus como "cidade", sobre
na qual me incluo, juntamente com Rogério Duprat, 1nusical) em face das novas condições do binômio cria- um poema concreto de Augusto de Campos, "Beba
rn1h1 •111 110
Damiano Cozzella, Willy Corrêa de Oliveira e Luís ção-consumo . . . por uma arte participante ... Coca-Cola", poema de Décio Pignatari, e "Asthm.a· 11111111111!1 1
Carlos Vinholes. tour", explorei mais o aspecto visual da obra mu-
Este último, um caso 1so1aao, sempre continuou Seguem-se obras dentro desse objetivo, numa su- sical - a paisagem do "folclore" urbano •. seus co- 1Ili ..vi•
íazendo para ele mesmo sua música serial dode- peração do serialismo dodecafônico, agora absoluta- merciais as utilidades domésticas, o material de es· . 11h1111AI111
cafônica, n1as logo etnbarcou para o J apão, onde mente em dia com a linguagem n1usical de hoje, critório 'os garoarei'os, bombinhas de a.sinas, o beijo 10111tlv11 11
viveu mais de 10 anos e acabou na carreira diplo- '
cinernatográfico º - ]evado ao extremo cm "Atua-
tnática. No entanto, continua a con1por, n1uito pou-
c uja estética está baseada nos estudos da teoria da
informação, da semiótica, dos métodos estatísticos; lidades: l(reutz.er 70", minha homenagem a Beetho- i · pnp11 l111 h
' '""'"li ,....
co, 1nas sempre dentro da mes1na linha de pesqui- uma linguagem que, mais recentemente, procura in- ven. "Vai e vem", um de meus (1ltimos trabalhos, , IV C1lt11111 111 •
~ a •. P arece-me que também é o caso de Luís Cosme, tegrar todo o n1aterial e meios de expressão que a sobre 3 poemns concretos de José Lino Grunewald,
'
no Sul, que manteve un1a linha individual, à margem tecnologia põe à nossa disposição em todos os do- já é uma pesquisa de n1úsica semântica. '"'''"''"' ...
. lt1u~11h 1 '
das discussões, sempre interessado na música dode- mínios da produção em série e da comunicação de Em todas essas minhas obras há problema de me- ,ç,••t• v11t111
11 cafônica e concreta. E mais atualmente de Bruno talinguage1n e um propósito de comunicação através
J•

massas. E que, como todas as demais artes de nosso n,Ao", "lt11
·''
.K iefer. tempo, reflita o cotidiano, a "natureza" 1n.o dema, do divertimento. Esse elemento "diversão" també1u , cio llPl 111
.. O primeiro co1npositor a iJnpor, de fato, uma re- industrial, publicitária e urbana, ainda que para con- preocupou Willy Cor.r êa de Oliveira, que em sua obra . NAu l11t
,,,
.''"'
tornada da linha evolntiva da linguage1n da n1úsica
ocidental foi Rogério Duprat, co1n sua obra serial
testá-la. · "Divertimento", para orquestra, utiliza colagens de
fragmentos de textos de diversos períodos m~sic ais
• 1111 111111 n
D atan1 dessa época - 1963 - "Antinomies l", llll~•ll'I' ht
"Concertino para trompa, obç:ié e cordas"; em 1958, - outra pesquisa de metalinguagem - , culmtnando
de Rogério Duprat, parece-me que o primeiro exem- 1,...111 111hui

1
1 eKecutado em primeira audição pela Orquestra de plo de unia nova grafia musical da história de nossa con1 a citação de um hino norte-americano só pelos
Çâm ara de S. P aulo, sob direção de O. O li vier T oni. trompetes, acompanhada de uma orgia de gritos ~ 11111110 '"'
.,• 1 ~
n1úsica, "Descontmuo", para piano e cordas, de D a- 1111 jttlll"'
Em torno desta Orquestra e seu regente, e ntra deci- protestos dos membros da orquestra. A peça en1 st
didameQte em nova etapa a música brasileira. Em
rniano Cozzella. "Nascemorre", de minha autória, so-
mesma é um misto de programas de TV, com an\10· '~" 11111 l J
~ 1960 ela apresenta "R~cercare para 2 trompas e cor-
bre um texto de u111 poema concreto de Haroldo '. 1ltt llll\ ' ...
·I de Campos, para vozes tratadas e1n blocos micro- cios, noticiár.ios, etc. Para ser bem realista, WiUy l llH (HI
das", também serial, de minha autoria. tonais e aleatoriamente, duas máquinas de escrever, encarregou a última parte da musica a uma fiqn11 '
1
/ .Clr!ll. Ili lltl
Um concerto e1n 1961 patrocinado pela VI Bie- percussão e fita magnetofônica, seguindo um esque- ... publicitária de S. Paulo, "Audimus", de Duprât O ( '1111•• ti•
nal de S. l'aulo, sen1pre pela Orquestra de Câmai:a n1a-processo cibernético de direção, como forma. Cozzella, que realizaram a "encomenda" . Em outr~ 1"1 1•0Ultllt
de S. Paulo, marca a tomada de consciência dos com- "Um movimento", de Willy Corrêa de Oliveira, so- obra, " K itsch", para piano, Willy incorpora dados l
positores desse grupo ·paulista. Foram apresentadas bre um poema concreto de Décio Pignatari, também dessa problemática. . ru 1111~l11l
" Música para Marta" , de Willy C. Oliveira, " Ho- como as anteriores, dentro de uma nova grafia e Necessidades p rofissionais fazem com que todo~ 1b11 \ lllllfl
com momentos aleatórios. E o pritneiro happening nós trabalhemos para teatro, cinema, jingles pubU• 11h1111l11- •••
"Instruções", cl~ sua autoria, é uma das pri1neiras obras
( 1)
aleatórias brasileiras. n1usical brasileiro, uma experiência de co1nposição citários, enfim, na fatura de músicas comerciais. Usno. 11ilh111 • "'

134
.

1nc11ngcn1 a Webern'', de Cozzella, ..}Aúsica para 12 coletiva, "dez minutos", por uma equipe de alunos conseqüência extrema dessa circunstância, me pa-
Instrumentos", d.e minha autoria, e "Organismo", de de Damiano Cozzella. rece, foi a absorção total pela música comercial dos
D up.rat, esta última obra foi a primeira experiência Num concerto em 1965, organizado e dirigido pe· compositores Duprat e Cozzella, no momento con1-
111us1cal ~obre u1n texto de poesia concreta, de ·nécio lo maestro Diogo Pacheco p ara a VIII Bienal de S. pletamente dedicados a arranjos de música popular
P lgoatan . Todas as obras eram seriais dodecafônicas. Paulo, no Teatro Municipal, em meio a vaias, arre- e composições para rádio e TV, a ponto de haverem
Após diversas viagens à Europa e contatos cotu a messo de programas amassados ao palco, discussões abandonado a pesquisa anterior que faziam, che-
n1uis represe11tativa música da atualidade (Berio, No- cm voz alta, foram ouvidas "Ouviver a música'', de gando mesmo à defesa de sua nova posição,. conven-
no, Boulez, Stockhausen ) esses compositores lançam
Lan1bé1n o seu manifesto, en1 1963, agora "por uma
Willy Corrêa de Oliveira, obra em que a ação in-
tegra sua estrutura (talvez o primeiro exemplo do
-
cidos de sua autenticidade, conforme suas declara-
.
çoes a' imprensa:
nova n1(1sica brasileira", na revista Invenção, dos poe- "visual" em nossa música) e em seu último movi-
mento é baseada na leitura semântica de signos (in- a partir do momento em que se parte para uma ativi-
tns co11cretos, do qual destaco os seguintes pontos dade mais especifican1eote interessada no consumo de
uinda válidos: clusive desenhos de histórias em quadrinhos) e em 1nassa e seus canais de comunicação, na nova linguagen1
sua descodificação em termos musicais; e "blirium desses meios, parece evidente que se deixe de levar em
. . . conlpromisso total co1n o 1nt!ndo contemporâneo· c-9", de minha autoria, em que levei às últimas con- conta as brincadeiras <los Boulez, Xenakis, Pousseur,
nlavalinção dos meios de informação: in1portância d~ seqüências a pes'quisa aleatória começada em "Nas- etc.; significados se evidenciam ao nível do consumo · e
clr101n,a, do dese~ho industrial, das telecomunicações, da cen1orre", até chegar a uma música sem notação basta (Rogério Du.prat). O que nos ·parece fundamental
n·11\q111na como 1nstru111ento e corno objeto: cibernética 1nusical, feita somente de instruções de realização é que o artístico está acabado (Cozzella).
( •• . ) R alienação está na contradição entre o estágio
<.lo hon1en1 total e seu próprio conhecimento do mun- em umas 1O páginas datilografadas.
<.l o. : . elaboração de uma "teoria dos afetos" (semântica Bm outros trabalhos meus como "cidade", sobre Para esses dois compositores não existe mais arte,
111us1cal) em face das novas condições do binômio cria- um poema concreto de Augusto de Campos, "Beba
çfiO·C(>nsuH10 . . . por uma arte participante ... Coca-Cola", poema de Décio Pignatari, e "Asthtna- embora muita gente ainda vâ víver' dela algum tempo,
tour", explorei mais o aspecto visual da obra nlu· enquanto houver con1pradores de arte (Duprat).
Scguen1-se obras dentro desse objetivo, l1uma su- sical - a paisagem do "folclore" urbano, seus co- Há evidentemente uma certa dose de paradoxo
peração do serialismo dodecafônico, agora absoluta- merciais, as utilidades domésticas, o material de es· voluntário nessas declarações. Uma conseqüência
m~nte e~ dia c;om a linguagen1 musical de hoje, critório, os gargarejos, bombinhas de asmas, o beijo positiva dessa posição, na prática, foi a colaboração
CUJtl esté tica esta baseada nos estudos da teoria da cinernatográfico - levado ao extremo em "Atua- básica prestada por Duprat à renovação da música
lnforn1ação, da semiótica, dos métodos estatísticos· lidades : I<.reutzer 70", minha homenagem a Be~tho­ popular brasileira, nos seus arranjos para Caetano
um11 lioguagem que, mais recentemente, procura in~ ven. "Vai e vem" , um de meus últimos trabalhos, Veloso e Gilberto Gil, que permitiu a esses dois ex-
toarnr t~do o nlaterial e meios de expressão que a sobre 3 poemtts concretos de José Lino Grunewald, celentes compositores contribuírem para o desenvol-
tecnologia põe à nossa disposição em todos os do- já é uma pesquisa de n1úsica semântica. vimento da moderna linguagem musical brasileira
rnf nios da produção em série e da comunicação de Em todas essas minhas obras há problema de me- com valiosos "achados'', como " Objeto sim, objeto
mossas. E que, como todas as demais artes de nosso talinguage1n e um propósito de comunicação através não", "Batmacumba", o "som universal" de um mo-
ten1po, reflita o cotidiano, a "natureza" moderna do divertimento. Esse elemento " diversão" também do geral.
Industrial, publicitária e urbana, ainda que para con: preocupou Willy Cori-êa de Oliveira, q ue em sua obra Não temos dúvidas de que o nome de Rogério
test(t-la. · "Divertimento", para orquestra, utiliza colagens de Duprat ficará como um dos mais importantes da
•tt11 ,, 1111
Dntan1 dessa época - 1963 .- "Antinomies I ", fragmentos de textos de diversos períodos musicais n11."1sica brasileira desta segunda metade do século,
" 1•111 l 'I do llogério Duprat, parece-me que o primeiro exem- - outra pesquisa de metalinguagem - , culminando pela admirável coerência de sua atitude, de sua co-
111111•1tlltl ' plo de tuna nova grafia musical da história de nossa con1 a citação de un1 hino norte-americano só pelos
li 1•!1<1 l 1 ~· ragem em não fazer música, que tem a singularidade
m(tsicu, "Descontínuo", para piano e cordas, de Da- trompetes, acompanhada de uma orgia de gritos e da posição de utn Erik Satie na música francesa,
..,\·u., ih·• ml nno Cozzella. "Nascemorre", de minha. autoria, so- protestos dos membros da orquestra. A peça em si
•ll1•l111 1f ~ de um George Antheil na música norte-americana,
bre lllll texto de um poema concreto de Haroldo mesma é um misto de programas de TV, com an(m- de um Hans Eisler na Escola de Viena.
do Cn111pos, para vozes tratadas em blocos micro- cios, noticiários, etc. Para ser bem realista, Willy Em posição frontalmente oposta a Duprat e Coz-
.. 111 \' 1 u~.
tonnis e aleat?riamente, duas máquinas de escrever, encarregou a última parte da música a uma firma zella se encontra o compositor e ex-publicitário Willy
porotillsão e f1t~ ma~~etofônica~ seguindo um esque- publicitária de S. Paulo, "Audimus", de Duprat e Corrêa de Oliveira, para quem o objetivo da arte
111• 1 Allli~I . Cozz.ella, que realizaram a "encomenda". Em outra
Jr1n..procosso c1bernehco de direção, como forma. de consumo é o lucro, sitnplesmente:
l11 dt ''! 1 1•U· 11
U1n 111ovltnento", de Willy Corrêa de Oliveira, so- obra, "Kitsch", para piano, Willy incorpora dados
111 ,,_,.111111 11·
br 11n1 poema concreto de Décio Pignatari, também dessa problemática. ·
\'llh 11, . , ,, 1 seu produtor não está na mesma posição do consumi-
oon~ o ns nnteriores, dentro de uma nova grafia e Necessidades profissionais fazem com que todos dor, uma vez que, ·partindo de razões que não são ori·
aorn momentos aleatórios. E o primeiro happening nós trabalhemos para teatro, cinema, jingles publi- ginadas em um verdadeiro projeto cultural, con~ecciona
. citários, enfim, na fatura de músicas comerciais. Uma mitos e cria condições para a aceitação de seu produto .
muslcnl brnsileiro, uma experiência de co1nposição ·~•
t A MÚSICA 135
1
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.•~
.
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Os programadores dos 1nass 1nedia tornam a vanguarda tinham revelado seu talento para o teatro music~1 om o regente se transformando em juiz de jogo de
•'
'1 Kitsch ao tirarent partido apenas do que ela tem de futebol, distrib uindo cartões an1arelos e vermelhos, '
O "Cantus n. 0 O", última obra de Rodolfo Coelijo
1 efeito, de superfície. de Souza, são estudos existenciais baseados na ob}a pulsando jogadores (digo, músicos) e apitando um
1
Da Experiência do Pensar, de H eidegger; un1a mí'.i~ t
p nnlti, quando deverá descer uma rede diante da
1 Aqui está toda a problemática com que se de- sica sem notação musical, somente um texto escrito,. qunl ttlguns músicos jogam bola entre eles e o pró-
fronta a moderna 111úsica brasileira. P roblemas ..:ie na linha místico-intuitiva de Stockhausen. prio p úblico.
u1na música finalment.e nova, o que já é muita. coisa. Em Santos, dois jovens integrantes do Madrigal Dentre as mais recentes obras de Willy Corrêa ele
Aináa há que1n relute en1 passar definitivamente a Ars Viva, dessa cidade, com base simplesn1ente na Oliveira devernos destacar o madrigal " LIFE", com· •
'
1 linha do dodecafonismo, como un1 E dino Krieger; experiência de cantar música de vanguarda, dão dois • posto com base num poema concreto de Décio P ig· .
<
1 ou n1esn10 do nacion alismo n1usical, como Oswaldo exen1plos surpreendentes de eo1no se pode manipular natari, un1a verdadeira reflexão rneta!ingi.iística sobre
1" Lacerda, Sérgio de Vasconcellos Corrêa. Mas a ge- a linguage1n musical contemporânea sen1 necessidade o fazer a n1(1sica 111adriga\csca, re1nontando a Gesu-
ração 111ais nova, que firn1ou seu no1ne p rincipal- de tuna fon11ação n1 usical tradicional : compõem suas uldo. "Impromptu para .Marta" (piano), "Phanta-
rnente nos Festivais de Música Erudita do Rio de primeiras obras d iretan1ente através . ?ª linguage1u .
1
sicstiick l " (viola, trom pa. e trombone - u1na re·
Janeiro - dois deles, Marias Nobre e José Antônio mais atual, que assin1ilaram n a prática, como se flexão sobre Brahrns), "Phantasiestiick II" (sexteto de "
Ahneida P rado, já co1n carrei ra internacional - pa- aprende a falar, sem passar por nenhun1a espécie de sopros - uma refl exão sobre Mahler), "Phantasies- .
rece não sentir 111ais aquela o brigação com o nosso estudo clássico. As obras foram postas a prová e tlick I II" (violino, viola, ceio, piano, trompa e tro1n- .I'.

folclore, en1bor11 ainda procure uma solução inter- soaran1 n1uito be1n., já cantadas em diversos concer- bone - lllU a refl exão sobre Schun1ann), já são obras
n1ecliária que aproveite seu temário através dos ni.é- tos, como o "Gravitando" e "Dois Poemas de E . E. que reto,n1am a estética do Romantismo, buscando, •"
todos da vanguarda. Esse sincretisn10 sempre tem o Cun1mings", de Gil Nuno Vaz; e "Rosa Tumultua- me parece, um elo e ntre a sintaxe e o repertório exis-
seu perigo, se o con1positor não souber se colocar da", "Alfa Mysticum On1ega", de Roberto Martins. tencial. ·u ma reaproxin1ação entre a vida e a arte?
na perspectiva certa de um Kandinsky. ~ o risco que Sent dúvida uma volta decidida ao hun1anisn10. A
pode correr a chamada Escola Baiana, da qual se Ao regente Klaus-Dieter Wolff *, especializ ado em
volta necessária, indispensável. Daí a qualidade ex-
destacatn L indern bergue Cardoso, J amary Oli.veira, 1núsica nova e antiga, deven1os as primeiras audições
cepcional da. obra de Willy Corrêa de Oliveira, nesse
F ernando Cerqueira e Ernst Wid111cr. no Brasil de toda obra coral experimental comp osta
sentido talvez única no panorama 1nusical atual de-
por mio1, Willy Corrêa de Oliveira, de obras anti-
De qualquer maneira é sintomático que todos es- cndentista, superficial e improvisado, no mundo in- .•
gas de Marlos Nobre, Almeida Prado, e agora desses
ses con1positores façam questão de se apresentar co- teiro. A obra nlais importante no momento feita no
novos compositores, como Delamar Alvarenga, Ro-
1no compositores de vanguarda. E sua preocupação Brasil -- também pelo extremo rigor formal de sua
dolfo Coelho de Souza e os dois santistas revelados pesquisa, pela teoria reahnente nova, "de vanguarda"
não seja mais com o folclore e sim com a elaboração por seu próprio conjunto vocal, Madr igal Ars Viva. E
de estruturas novas, ainda que se valendo do fol- que ela traz, exatarnente por aprender e apreender
já estão em fase de ensaio, enviados da Europa pelos do passado como fazer a música do futuro - que
clore. E alguns deles dentro de uma meta já intei-
próprios autores, para estréia no Brasil, "Cron1ofor- ,.'
ramente experin1ental, como Jo rge Antunes, Jace- só encontra um paralelo na coerência, na consciência
\ nética" de Jorge Antunes, e "Missa Cordis", de Al- de artista de uni Boulez, de um Lu igi Nono, de um
1. guay Lins e Reginaldo de Carvalho com seus tra-
balhos no campo da música eletroacústica. · nteida P rado. Lutoslawski.
Uma de minhas últin1as experiências musicais foi No seu "Adágio" para grande orquestra, Willy
Uma geração novíssirna, en1 S. Paulo, beirando os
feita para orquestra sinfônica, 3 fitas n1agnetofôn icas continua envolvido na problemática Schu1nann-Mah·
vin te anos, surge co1n 11n1 grande senso .de respon-
1
sabilidade e muita perplexidade, - se considerar- gravadas com irradiação de jogos de fut,ebol e par- ler e faz u1na reflexão sobre o tempo in terior na ob ra
1
" n1os a idade deles - frente uos ru1nos da música ticipação direta do públ ico ouvinte. Nesta obra, 1nusical, trazendo ainda unia proposta morfológica
111 "Santos F ootball Music", um "divertimento" à Mo-
11 .. .''•..,. . çle hoje, já disposl«1 a tornar posições à Rogério cubista em sua estrutura ger al .
1r~.
.D uprat, se fo r necessário. Esses jovens compositores zart, o público participa à 1naneira de un1a torcida E assin1 vai seguindo seu curso a música brasi·
apresentaran1 recentemente seus últimos trabalhos esportiva, cond uzido no que deve fazer por cartazes leira, hoje como no passado sempre garantida por
explicativos. Antes da execução da obra há um pe- 1 aquela sua capacidade tipicamente americana de
11un1 concerto a cargo cio "Studio Música Nova",
uni grupo de instrumentistas integrante cio Centro queno ensaio dessa sua participação. O contexto or- ron1per coin os cânones tradicionais, o que lhe per-
Experilnental cJe Música da Juventude Musical de questral é forn1ado por blocos de sons en1 pern1a- 1 mite ora ganhar te1npo, ora recuperar 11111 tempo p er~
S. Paulo. Fora1n ouvidas as obras "Algun1 te1nP,o nente transfonnnçã.o, sobre os quais flutuan1. poli- 1
elido; e con1 aquela vantage1n, apontada por John
1\N1"ES DEJ>OJS a n1orte", de J a1n il Maluf, "Sin- fonican1ente 3 tapes de irradiação de jogos de fute- Cage, de viver longe dos centros da tradição repre·
fonia para fita magnética n. 0 l ", de D elan1ar Alva- bol, con10 cantos gregorianos cantados simultanea- sentados pela velha E uropa. D a qual, no entanto,
renga, e "Diagramas", de 'Rodolfo Coelho de Souza. mente, mas com aquela rapidez característica dos não se p ode separa.r, porque faz parte dela.
Em obras anteriores, Jam il Maluf, con1 sua "Se- locutores esportivos. Um happening finaliza a obra,
qüência Estéril" (ou .. a monotonia dos p alcos" ), e
( •) Este ensaio fo i redigido antes do faleeimento do rege nte
Delamar Alvarenga, com seu "Poético n. 0 1", já ( 1974). CN. da E .)
136

tlnhan1 revelado seu talento para o teatro musical. con1 o regente se transformando em juiz de jogo de
O "Caotus n. 0 O", última obra de Rodolfo Coelho'. futebo l, distribuindo cartões an1arelos e vermelhos,
de Souza, são estudos existenciais baseados na obra expulsando jogadores (digo, músicos) e apitando um
Da Experiência do Pensar, de H eidegger; unia mú~ pênalti, quando deverá descer uma rede diante da
•1•1· ,,, siea sem notação musical, son1ente um texto escrito, · qual alguns n1úsicos jogam bola entre eles e o pró-
na linha místico-intuitiva de Stockhausen. prio público.
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Ern Santos, dois jovens integrantes do M adrigal . Dentre as 1n.ais recentes obras de Willy Corrêa de
Ili 1·11011 t Oliveira deve1nos destacar o n1adrigal "LIFB", com-
A rs Viva, dessa cidade, com base simplesmente na ·
l 1111 h l '" ""'r experiência de cantar Inúsica de vanguarda, dão dois posto com base nu1n poen1a concreto de Décio Pig-
exeniplos surpreendentes de co1no se pode manipular llfltari, u111a verdadeira reflexão metalingüíst.ica sobre
a linguagen1 musical conternporânea sem necessidade o fazer a música n1adrigalesca, ren1ontando a Gesu-
de 1nna fortnação musical tradicional: compõem suas uldo. "In1promptu p ara M a rta" (piano), "Phanta-
primeiras obras direta mente através da linguagem sicstück I" (viola, t rompa e trombone - uma re-
• t'-11. ,>\ l
nlais atual, que assimilaram na prática, como se flexão sobre Brahn1s), "Phantasiestück II" (sexteto de
h11111f
aprende a falar, sem passar por nenhuma espécie de sopros - um.a reflexão sobre Mahler) , "Phantasies-
11111 · ~ estudo clássico. As obras foram. postas a prová e tück III" (violino, viola, ceio, piano, tronipa e trom-
soara1n 1nuito bent, já cantadas e1n diversos concer- bone - un1a reflexão sobre Schu1nann), já são obras
tos, como o "Gravitando" e "Dois Poemas de E. E. que reton1an1 a estética do Ron1antismo, buscando,
Cunimings", de Gil Nuno Vaz; e "Rosa Tumultua- 1ne parece, um elo entre a sintaxe e o repertório exis-
da", "Alfa Mysticum Omega", de Roberto M artins. t·cncial. ·un1a reaproxin1ação entre a vida e a arte?
Ao regente Klaus-D ieter Wolff•, especiali'Llldo em Sem dúvida uma volta decidid a ao humanisn10. A
música nova e antiga, devenios as primeiras audições volta necessária, indispensável. D aí a qualidade ex-
no Brasil de toda obra coral experimental composta cepcional da obra de Willy Corrêa de Oliveira, nesse
por n1i1n, Willy Corrêa de Oliveira, de obras anti- sentido talvez única no panorama musical atual de-
• gas de Marlos Nobre, Aln1eida Prado, e agora desses cadentista, superficial e i1nprovisado, 110 niundo in-
novos compositores, como Delan1ar Alvarenga, Ro- teiro. A obra n1ais i1nportante no mo1nento feita no
dolfo Coelho de Souza e os dois santistas revelados Brasil - - tambéni pelo extremo r i·gor fornial de sua
por seu próprio conjunto vocal, M adrigal Ars Viva . E pesquisa, pela teoria realmente nova, "de vanguarda"
já es tão cm fase de ensaio, en viados da Europa pelos que ela traz, exatamente por aprender e apreender
próprios autores, p ara estréia no Brasil, "Cromofor- do passado como fazer a ruúsica do futuro - que
httt•" só encontra un1 paralelo na coerência, na consciência
né tica" de Jorge Antunes, e "Missa Cordis", de Al-
meida Prado. de a rtista de um Boulcz, de um Luigi Nono, de um
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U 1na de nlinhas últiinas experiências musicais foi 1
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n1usical, trazendo ainda unia proposta morfológica
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Referências bibliográficas O TIATRJ


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ANDRADE, Mário de. Ensaio Sobre a !vlâsica Brasileira. . .r1..· tu 1111
São Paulo, Chiarato & Cia., 1928. ."
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• cl 11 ·1111 111111•
CAMPOS, Augusto d.e. O Balanço da Bossa. São Paulo,
Editora Perspectiva, 1968. Coleção Debates, 3.
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CoPLAND, Aaron. Music and I1naginatio11. Nova York.
The New American Library, 1959. ,,
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JlrUVlllli lllOI
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I' · Música nova: compromisso total con1 o mundo conten1-
• do 111111 '"'
1. porâ.neo. Manifesto publicado em Invenção, n. 3, São
Paulo, junho de 1963. · .... pí1lt11 '911
' 1
138
O TEATRO
Déclo de Almeida Prado


.
t

r
"

Neste ano de 1972, em que a comunidade artística


.. brasileira comemora, cívica e afetivamente, já meio
' século de Modernismo, nós, do teatro, não podemos
deixar de nos sentir um pouco à margem, como
.... que excluídos da festa. Cada arte pode alegar um
"monstro sagrado" que a representou valorosa-
mente no período heróico do movimento, entre a
explosão estética de 22 e a crise econômica de 29.
A música possui Villa-Lobos; a pintura, Di, Tarsila,
Anita Malfatti; a poesia e o romance, Mário ou
Oswald de Andrade. Só nós, dramaturgos e come-
diógrafos, encenadores e críticos dran1áticos, não te-
mos nenhum ancestral modernista ilustre sob cuja
sombra protetora nos abrigar. A verdade, a dura
verdade, é que não estivetnos na Semana de Arte
Moderna, nem presentes, nem representados por ter-
ceiros. A história de nossa renovação, forçoso é con-

fessá-lo com a humildade dos recém-chegados, ini·
·•··· ,,

" cia..se quase duas décadas depois.
1'" 1'1111 · 1 Ult'J, O intuito deste ensaio é preencher na medida do
possível tal lacuna, tecendo un1 feixe de relações
'"'"'"· entre o teatro e o Modernismo, com o objetivo de
provar que há entre os dois mais vínculos profundos
••••1•t1l1 ~ ,, ·do que sonha a nossa habitual historiografia. 9 es·
141 ,,,, li pírit<> da Semanl!-, se nfuL_prop.tla.01@~- a suã reafi:
-- -------
José Loureiro tinha o hábito invelerado de presente t 1.:111~111, iotll
zação, forneceu aos nossos palcos pelo 1n~nos_urn. sua morte, em 1935: todo uni. caQÍtulo de Cavaqui- o Brasil, três e quatro vezes por ano, com un1a. Qló11l '11111111 i.ll11
a~~O.S.w..ala:de-A:nllrm:le;-a qtre jã-. sé fez justiça a 11h.o~_e Saxofone;-:çotetânea..póstuma- de-Grônicas ...pu"'" do teatro luso, tipo Cbabi, tipo Alves da Cunbü , tlnIT!l fl.-h•N l ti (•-111
partir da encenação de O Rei da Vela, e um cr1tlcô bJicada cm 194 0, é efetivamente dedicado ao teatro. Pa ln1ira Bastos, tipo Adelina Abranches, e tal. De f\.111111111, li
dê .eatro;"XiiJõniõ de º:AICântara Nrãchãdo, cujaêiáta MãS ~ose· traia de · crítica 1;0 s'e ntidõ .p.iofíssíonal pente, o negócio co111eçou a desandar. Que é dO"' . 1"h• 1111fto'
contribuiÇão está. ai,n,i!ª-.1>9.ê .le:" J~Y.§IITTaf. · Arribos; ·ae· da pal avr~1,--ãprec1~çãu-11epêÇãs-·e-·-espefá'Cüiõs ... t0: blico? Foi ui11 santo remédio. l'rejuíz.o grosso. B ., Jul ~li llllU
livres dos canastrões da Hngua, que dizen1 que é l'\ Ú(U'it
resto, pertencentes ao niesmo círculo, integrado ainda maneio-se por b'ase a ·qi.m.1fdãac média das prod\:lÇÕes
J·• 1•111 ~n11 I'
por Mário de An..~!3.@..~. Paulç l»1;açlo. Não obstante
as divcrgênêrãs·-estéticas e as flutuações das polê-
teatrais e os padrões ..artísticos
-
·~_..
vigentes. $ão·-··~rtigos
doutrinários, scfi!êl.Jiã_f!tes, por esse lado, à pregação
,._... bras ilei,ros mas os brasileiros não entendem.
O teatrÔ francês, o utro esteio secular não só cf .::~
1111111·- "''
l t.11111"
1nicas pessoais, que ora os uniam em r evistas de du- naturalista de um Zola cm 1870 ou Lcampanha-em ,., nossos palcos mas da própria vida em sociedada ,, Al 11•1111
ração efêmera, o ra os separavam em ódios ferozes, preendida por B ernard Shaw, em fins do ~éculQ.].(J.X, Brasil, ponto de convergência entre a arte e o rc! • 11111 l'.ttt-
'
d"e acordo com o ritmo de uni movimento passional a favõr- do ibsen ísmo: A -s-üa atitude não é a de un1 n am ento de n1aneiras, não se viu m enos poupado, ,... 111 10111
e turbulento como foi o p r imeiro modernismo, --~~e_­ observador ·imparcial, objetivo, 111as a de llln criador Assiln descreve o a rtigo a organ ização de uma lC011i · 111 11~. 111! li
n1os ser possível discernir em todos eles um certo que, não encontrando no p a lco lugar para as suas
porada típica: " '"' 111111 1
tipo de -espírito·· crítico,, -uma cer1a 1iisati.Sfação · pe- concepções dramáticas, tenta redefinir o teatro, co11- 1111'~11111 li
rant.f~ a realidade brasileira., que, depois de 1930, denando cm sua totalidade o presente em. no111e de Pega-se un1a figura para ser o santo da proclssrto \' l li , 1111 '1/i
na hora das opções políticas, iria lançá-los de pre- ,
u1n futuro que se pretende instaurar. Atitude radical, (Francen, Dorziat, Rosemberg ou Signoret). 1-aÇa·Si) O 1 1/11 1 'li'
ferência em posições contestatórias, seja ainda demo- portanto, muitas vezes injusta, d'c quem en1 te1npo resto entre os que faze1n papel de criados. Ensalan1•SO 111)iJhll lt
cráticas, seja já francan1ente inarxistas. O próprio na- oportuno trocará possivelmente a crítica pela dra- 1nal e nial, durante it viagen1, uma peçazinha de Capll91 1 1111111•ll1 A
cionalisn10 que os marcava tão a fundo não se pa- 111a turgia, 1nas necessária e fecunda nas crises revo- Gavault, J-Iennequin e u1n dra1na de arrancar lágrln111.s ' lllllt11•11111
recia en1 nada com os nacionalismos de direita, tam- lucionárias, exatamente por não adm itir concessão de 'Bernstein ou Bataille. Arranjan1-se, chegando ao Brn• 111111 \11t lhl1
bém florescentes no Modernismo, sempre prontos, aos adversários. Ele mesmo o dirá, numa crônica sil, os cenários de uma co1npanhia nacional qualqtlOf.
: 11 tlnh 11 j •
como se sabe, a se exaltar, a se exp andir, a celebrar Pronto! Para que mais.
intitulada N6s e Eles, à m argem de uma entrevis- 111 1111 li (1
em termos m íticos a n ação, a "raça", a natureza, a ta concedida por Júlio D a ntas . E les, natu ralmente, Quanto à . Qper~.i,..Q_P~EIÇS!o_d i~gia-se , c<?p.tra o ''ren• "'li'' "" 111
cantar cn1 versos novos os velhos valores sociais. são os nlais velhos, os que se mctctn a "julgar Kafka
. Era urn n acionalismo insofrido, propenso à denúncia
lcjo italiano", tocado, ano após a no, pelo empresá'Fi't) ·'Ili 1•h·1I•
(jã!), sob o ponto de vista de FJaubert". Nós, é fácil \.Va lter ......Mocchi 11 11 11~ "'-
1
e ao pessitnismo. Co1ne11tando o Retrato do Brasil, adivinhar, só poderiam ser os modernistas. O con- -- - ho Teatro Mtltlicipã1: ....
de Pr1ulo Prado, livro que teria destruído as "potocas traste entre as duas facções é posta c1n termos irre- lá de vez 1en1 quando, dá um Wagner para tapear. Mo
1 ro111 ânticas do Brasil perfeito", escrevia Antônio de conciliáveis: isso n ão chega. Qual o que! Verdi, Mascagni e Pl\CClnl,
" N1111 011
lolll~th li~ ,,
1\lcâ ntara :Machado em 1.929: !rio truculento, não deíxa1n o realejo sossegado. Ne1n o . ph 1111lt1 li~
público3.
Eu só acred ito na sinceridade de 111inha geração quan- "Para ·eles a coisa vai rnal. Sinal 'evidente que para nós
vai be1n." "Os que estão na frente é que podcn1 en-
:'· r,,,, ,,,,,,,.
'" / 111•11
...
do tomada pelo espírito de revolta. Porque não com-
A crítica er.~•...P.<.i.1Jicularn1e1~~ iQjusta em rela Uo 1 ')Ili' .,.,, 1 h
preendo nela outra atitude a não ser n. de reprovação e xergar. Os da rabeira co1nem p6. l;; inútil procurar un1
con1bate diante do Brasil atual. Do mundo atual tam- acordo com eles. Ou melhor: é preciso não entrar e1n a Waltêf.]a'.õÇchi, u.n1 ex-joq_1alis1ª.. com um o t O . ' ""•li~ t 11111
b,ém podia ser. Mas é o Brasil que nos interessa1. acordo com eles. fo.'.lesmo porque a gente não segue mes- passado. d~ Iut<l§_ p.oJítiçasJlLltálitt üãemp@trio · l111h>I
mo o conselho dos mais velhos2." ousado .t ~n!Q..no p!~n2 _ ~con9m ico_flpanto nO. ..iU:tí6t 09,
Transportando a tenninologia proposta por Um- e h1 11 "
e_ n1ais ainda com a t~mporada hr!Ça de 1926, ~e,
berto Eco a outro contexto, poderíamos talvez clas- O .ar t[g9__ d.~~!'~. R_o~il. ~ Outras Terr~ c_:op1eça vist a de nossa perspectiva atual, chega a _é.í'. _ jo l 11111l1l111
sificá-los entre os apocalípticos, pela visão m en os l?ºJ a.tacar...os_três-pila res- básicos- da cult1;1r-a- ofiêTal raculosa, pela qualioãoe dõs c~ prÇs,__ número • u11h11 h11,,
'rósea e mais convulsiva da história, ao contrário dos brasilci.ra em matéria de teatro: a óperª, as J.~mpo­ petácülõs- e variedade de reper.tóriQ4 • Mas lP l 1111111111 .. '
integrados que, por convicção ou oportunismo, jamais de Alcântara Machado estava menos interessa O. W. tli• t t1slt1 1
radas francesas e as companhias vindas <)_ç _Port1,1g~J.­
ro1npera1n de vez com a ordem burguesa, apegando- Este último ponto talvez fosse, na ocasião, o n1ais p~as.1.~fa!gs,; _q~1e na one!1 _aç.ao ger~_ a e 11
se inclusive a cargos governa1nc11tais ·através de su- brasiiê'ira. A..~ ~lll!S,_QJiserva,çoe$,~~icãs.•M'Cílfil:Yt ,' i,.rluv11111 1111
. sensíve.I, o mais delicado. 1~ratava-se, nada menos, 1111 t
ccss1vos governos.
de cortar o cordão umbilical que desde o período rç~~ •.~\li.s-ª.YiUIL ..sci>.t..e.tu.d.Q..a..jmiieclir-que-a-ó.po.x~ 'y·
... É como apocalíptico, ou como profeta de uma nova cbasse entre .n6sr-con1o_já_o _v.i11ha...faze11®..há-al~ ... 111111- ' ""•'
colonial prendera o teatro brasileiro ao português. tl1• li 11111 li
era ·estética que Antônio de Alcântara Machado abor-
da o teatro, en1 l~o-primei'ro tiúmfró:· de': J:é;:ra
O crítico constata a ruptura, concluída precisamente (3) MACHAI>O, A. de A. Indesejáveis. Terra Roxa o· ()~,.

~ na década de 20, sen1 saudosismo ou remorsos, sem Terras, Ano 1, n . l, 1926. • A 1111•ttt
Roxa e Outras Terras, dando início a uma atividade (4) Os melôn1anos encontrarão as informações que desoJ ~ l rllm 111•ll1t ·
crítica que se prõiÕngará, com intermitências, itté a qualquer palavra de afeto para con1 a inãe-pátria, cm: PAULO CERQUEIRA. Um slcu/o de ópera ena Stlo Paulo~
li
com brutalidade mesmo: Paulo, 1954, pp. 127-128. Sobre Walter Mocch i, co1uult11t l jn· •
dOpt!dla DeUo Speltacolo, Roma, CasR Editrico l e MtlS. ~Q1 ·~ 1\ 1 ~... .
' ( 1) MACHA.DO,A. de A. Cavaq11inlro e Saxo/011e. Rio de Ja- 1960, V. VII, p. 666. . 1 ". ... .\1111
ncíro, Livraria José Olympio Editora, 1940. p. 130. (2) Idem, ibidem, p. 450.

1 140
1 .

.'
José Loureiro tinha o hábito inve,erado de presentear teillQ.Q, 1!111 tor no de u1n número muito reduzido de
sun n1orte, em 1935: todo uni CªRÍtulo de Cavaqui- o Brasil, três e qua tro vezes por ano, com uma glória co111positores e partituras: "~ão sen1pre as mesn;as.
lllr!>_ e SlJE!i..onc co~tânea -póstHma d e·--Crônicas-Pu-: · do teatro luso, tipo Cbabi, tipo Alves da Cunha, tipo M es1níssimas: Rigo letto, Tha1s, M me B utterfly, Aida,
l>Jicada em 1940, é efetivam en te dedicado ao teatro. Palrnira Bastos, tipo Adelina Abranches, e tal. De re- tvlanon, B ohê1u e"5. Nesse sentido, n ão apenas t inha
Mas n ão se trata de críticà no.
senfid ô-- p rofissional pente, o negócio con1eçou a desandar. Que é do pÚ· ele r azão, com o via lon ge: hoje , ainda m ai s ?~ q '.Jc
da p alavra, apreciàção- depêÇas- e ·-eSpetáculõs J o.- blico? F oi um santo remédio. Prejuízo grosso. E nós há 50 anos, o que predomina em noss?s Muruc1pa1s.
niamtc5:Se por base a -qu:rliâãde médi a das prod_ll_ções livres dos· canastrões da língua, que dizen1 que é a dos cm São P au lo e no Rio, são versões ricas ou pobres
lealrais e os pad rões art ísticos vigentes. São artigos brasil.eiros nlas os brasileiros não entende.m .
(antes estas do que aquelas) do velho " realejo ita-
dou t rinários, semêlhãnies, por esse lado, à p·régaçª9 O teat ro francês, outro esteio se~ular não só d~s
.4
11ano . .
n atu ralista de um Zola em 1870 ou .à-campanha - e m.....
• ''

nossos palcos mas da própria vida e m sociedade no Afastados os estrangeiros, restava o teatro nac10-
J}reendida por B ernara Shaw, em f ins do ~~.f.IJlQ_.KlX, Brasil, ponto de convergência entre a arte e o refi- n a1. M ns o, an10 _çle_f.\.P.tQ}.llo __de_. ~!c~nta~q, .M.Jl~Jldo
a favo r do ibsênisnio:--t\-súã -âfitiiãe ·.na.õ
é a de un1 namen to de n1a neiras, não se viu. tnenos poupado. ao Bra.§.il.ID~Pt~tru'.a.7s.e. ..de_.pr:efer.ên~ia, conto indic~-
observador imparcial, objetivo, mas a de u1n criador Assim descre ve o artigo a organização de un1a tern- 111os, através da nr.o,Ç~W~-º9â.,JJ.10J1.Y.Q§ ..,.pelos quais
que, l\ão encontrando no pa lco lugar p ara as suas
porada típ ica : não nos· .dévemÕs Ufanar de UOSSO paÍS (~le Ch~gQU
concepções dra1náticas, tenta redefinir o teatro, con- 1ucsn10 ?L~scrir·; ·Ê~i: 'biú1~i9_eira, o tí~ulo de um li·
den ando e m sua totalidade o presente em non1e de Pega-se t1ma figura para. ser o santo da procissão vro: Pg_i:..que nos utqnam?~ de llQSSfJ.._.-1.e.t:ra .de_~1.1la
n1 n (uturo que se p retend e inst.aurar. Atitude radical, (France11, 'D orziat, Rosen1berg ou Signoret). Laça-se o Ç'ruz Çn:_ç/Q.) . A su.a. atividade cr1t1~a . a _ga.;~_lli.l.
por lu nto, muitas vezes .injusta, de quen1 e n1 te1npo resto enl re os que faze1n papel de criados. Ensaiarn-se crônica inaugu ral de 1'er1".E_Rox~... QyJJ.·as ':f,_~.12·as,
OJ)Ortuno trocará possivelmente a crítica pela d ra- 111.al e nu:d, durante a viagen1, t1ma peçazinha de Capu~. CÕl)JjS'fi(á- etU_ n Qa._p.â r.te .. n uma . Jonga ...e__. C,Q(lYJ,IJ&.Q.Q(C
1nat.urgia, 1nns necessária e fecunda nas crises revo- O<ivau lt, Fiennequin e un1 dra.ma de arrancar lágrimas e1tl1n1e(ação ..dos ..-defeitos--da.- con:i.édia.- de. ..costumes,
lncion úrias, exatamente por não ad1nitir concessão de Bernstein ou Bataille. Arranjan1-se, chegando ao Bra· qi1e volta ra a gernlinii,i· J.~xn,_194.0, _ªJ>.~re11t.em.e_~t~-c~n_1.9
sil, os cenários de urna co1npanhia nacional qualquer.
nos a dve rsários. E le 1nes1no o dirá, nu1na crônica a Cinica planta adaptavel as con~1ço.es. .do _cl~n~a <l:;a-
inlilulada N6s e Eles, à n1argem .d e un1a entrevis- Pronto! 'Para que n1ais.
n1á:tico brasileiro. Numa entrevista .1mag1nar1a, O
ta concedida por Júlio Dantas. Eles, n aturalmente, que eu disse a un1 co1nediógrafo nacional", ele fcr_e
Q uanto ·à ..9per.ª.__q_ pr9tt:~to_~i gs_L~~~- c9i;..t ra o '.'.r~~-
Mão os 1nais velhos, os que se metem a "julgar Kafka 1.:jo ífaliano", tocado, ano apos ano, pelo empresário sem p iedade todos os pontos fracos das peças bras1-
(já!), sob o ponto de vista ele Flaubert" . Nós, é fácil Walter Mocc hi ho Teatro MUJiicipal: ieiras. As personagens, por exe1nplo :
nclivinhar, só poderiam ser os modernist as. O con-
tr aste entre as duas facções é p osta em termos irre- lá <le vez em quando, dá um W agner para tapear. Mas Não nos dê n1ais portugueses estúpidos; nullatas per·
conciliáveis: isso não chega. Qual o que! Verdi, M ascagni e Puccini, nósticas que misturam o francês e ,º
português, .eslr o;
trio trucu lento, não deixam o realejo sossegado. Nen1 o piando-os (M ossiu vo11lez vous cafe. a~·~c, torradozlies-_
" l'ara eles a coisa vai n1al. Sinal ievidente que para nós pú blico3. M 011 Dieu de la Fra11ce, que gwço11 1rres1st1vell e outras
vai bem." "Os que estão na frente é que poden1 en- helez.as parecidas); criadas metediçasi sogras t~uculent as
xergar. Os da rabeira comen1 pó. É inú til procurar un1 A c rítica er ª _p_arJ.i~ul ar.01mte. ínjus1ª_ ..<Em relação que supliciam verbalmente genros pande~o~, sun, tod;as
••·1•11•\ 11 essas figuras indefectíveis no teatro bras1le1To. Por pie-
fl 11!110.I ncorclo con1 eles. Ou n1elhor: é preciso não entrar e1n a W alter Mõcchi, un1. ç~io_rn\14S!a__q_o!J!..ºffi. n oni'ôso
acordo corn eles. Mesmo porque a gente não segue nleS· passado d e_ tutas polí.ti.cas_na Itália. ~-um. em.priiãrio dade!
1.. 1•·••11r
1no o conselho dos mais velhos2." ousado tanto_ n Q.J>.l !-'!lQ_~co n§.~1..1içg__q_\J.ª1l1QJlQ artístico, O u o e nredo:
ln /'"' 1 J • e 1nais a inda com a . teinp_orª da Urica__Q,~ _192§, q ue,
lt1 1 1 ' t •
O .artigo_ d~ 2~!'1'!!:._ R_o_~fL/!.. QJ!!.t:!J~ Terras con1eça vis ta de nossa perspectiva atual, cheg~ _a_pa reç.ei; _!11i- T a1nbé1n não encha as comédias de desrnaios coin
'1..1111 1111 1 12,or Jl!ac.ru:...os_três•.pilares-básicos-da --co:ulhir.a.._Ofi.Ci al raculosa, pelà' quali'dáéle. oos· c i!"nliji·Çs, númerQ. _~~-~s­ guinchos, corr~rias, traiç_?es conjugais! de~a~u.isados . de
111ir1111 h. í pctácu lcis e variedade d e . reper.tór:iq4. M as Antônio famil ia e o mais que voce sabe. 1\1do rsso e 1d1ota. Pior:
bcas.ileir a . c111 nlatéria de teatro: a_ óperª,. ª!! t.~mpo­
1•11111, IHl·I de 4.!cân1~ra Machado estava 1nenos intere~~à-do~ní. de tudo isso já. estamos fartos.
ra.clas f ra ncesas e as co1npanhia_s vi11da$. d.~ .PortHg_<!-f..
.Es1.e últi1no ponto talvez fosse, ua ocasião, o 1nais p~_ljoas.......:'11.QS,- qi1e. n a or1entaçao geral ãa cultura
bras ilêlr a. J:t..s su! s. .PJ>serv.ciçpe~,_j;ió}êíiiicãs-]õJ'::tlã.tu.­ E1n ou,tra crônica, r espondendo a um. inquérito
sensível, o n1ais delicado. T ratava-se, nada. n1enos, sobre as tendênc.ias do teatro nacional, ele itá ainda
de . cortar o cord ão umbilical que desde o período r~zt,i, .YJ~itV an1 sobre.t.u.do....Linlp_edir_que~a-0pei:a...s.e.J~
j,. 1 lllltl "' c b.asse . entre .nós,.•como .já. .o. Yinha. fazendo. há.• algun1 n1ais 1011gc, denunciando o irreparável ana_çronis1110
1l111il11 1rln t colonial p rendera o teatro brasileiro ao p ortuguês. de toda a d·ra1naturgia brasileira da época: ·
O c rHi co con stata a ruptura, concluída precisamente (3) MACHADO, A. de A. Indesejáveis. Terra Ro:>:a e 0111ra,
li• ih· /'1"'' no. décad a de 20, sen1 saudosisn10 ou remorsos, sen1 /el'rat, Ano l, 11 . l, 1926. A nossa con1édia contemporânea n em cheg11 a ser a
IHI 11 l lvh~n1 1, (4) Os melômanos encontrarão as informações que desejarem
qualquer palavra de afeto para co1n a mãe-pátria, filha melho ra dn de O Den1ô11io Fanriliar de José de Alen-
IU Ili••, ~m: PAUL'() CllRQUEmA, Um séc11/o <le ópera em São Par.do, São
c:on1 brutalidade m esmo: Paulo, 19S4, pp. 127-128. Sobre Walter M oechi, consultar : E nci-
(5) 1'.{ACllADO, A. de A . Assim é que é. Terra Roxa t Ourra>
clope11ía Dei/o Speltaoolo, Roma, Casa E ditrice Le Maschere,
'1960, V. Vil, p. 666. Terras, Ano I, n. 7, 1926.
(2) ldd1t1, Ibidem, p. 450.
O TEATRO 141

'


J;.
T

car ou de O Juiz de Paz na Roça de Martins Pena: é P ersonagens? ~ só apanhá-l as n a rua, aconselha ele '"'''º ""
A111l11hl• 1
irmã delas. Tirante o ambiente, a linguagem, é reprodu-
ção fiel das mais velhas. O espírito e a fatura são iguai-
zinhos. I Defeitos gravíssimos. Aponto estes: desnaciona-
ao "comediógrafo n acion al" com quem supostament.-
dialoga:
'
'"",·
h11 Yht 1
11
1lv111,
lização, banalidade, atraso técnico, repetição, ignorância "Não vê? Ali, ao longo do muro da fábrica. O casal
' da época e do meio, uniformidade, pobreza de tipos e de italianinhos. Blc se despede agora. Logo mais vem ,...nm "'
1 de cenários.

A conclusão é inapelável para o nosso teatro:


buscá-la. Um belo dia, mata-a. Traga esse drama de
todos os dias para a cena. Traga para o palco a luta
do oper ário, a vitória do operário, a desgraça do ope-:
.-~---
.
Os únicos espetáculos teatrais que a gente aindfi PO· ·
'
11111• lt•Jll
ºJ'llu1111Jo
1 ,, (),t "'ª
rário, traga a oficina inteira. ( ... ) I Sim, mais um que freqüentar no Brasil são o circo e a revista. Só ne:s_• pl11t"vª\ "
alheio a tudo, não acompanha nem de longe o movi- passa. Nasceu na I tália. Três anos de idade: São Paulo. ' ainda ten1 criação. Não 6 que os poetas autores de t t• 1'111 1 li
mento acelerado da literatura dtamática européia. O que Dez anos: vendedor de jornais. Vinte anos: bicheiro. revistas e pantomimas saibam o que é criação ou C '1111• ~•h• li
seria um ben1 se dentro de suas possibilidades, com os Trinta anos: chefe político, juiz de paz, càndidato a ve- servem algu1na tradição efetivamente nacional, por. pl1 111111"' '
próprios elementos que o meio lhe fosse fornecendo,
evo luísse independente, brasileiramente. Mas não. Igno-
11eador." "AbrasileireD}os o teatro brasileiro. Melhor:
apau!istanizemo-lo 10.''+
as próprias circunstâncias da liberdade sem restriÇQl}6"'. _ ' .
da vagueza desses gêneros dra1náticos permitem aos orl!l~ ,;;; tll 1lt111 .1,
ra-se e ignora os outros. Nem é nacional nem é uni- dores deles as maiores extra11agé111cias. Criam pô l' is O:·'\ 1111111 1•h"1tl
versal6. Ess~rocura da brasilidade, a autêntica, a mo
~.· sem leis ue1n trad ições i1nportadas, criam movidas p~h'í&/'.t . 11111' l111111llil
demã, naoatraaiêlõnallsla e s~ug_Q_$j~!a•..@.!_lduz AD./ necessidades artísticas do n1omento e do gênero, _pel~ ' 11·1~ Ili, 1• 111
A tarefa deveria ser dupla, portanto, universalizar tônío de Alcântãi:ã- NraChãdo a indagar, iiiCiüSiv . . interesse de agradar e pelas determinações inconsolen• ·1 ili• ~h ·Anl
e nacionalizar, repetindo' para o teatro as duas ope- tes da própria personalidade. Tudo isto são impos!9õia·· " •
r~ções, ou "tr ancos", nal.linguagenr deliberadamente
qual seria .~~~~er,õ-d!J:e'a1l'O':~.Pr~.Pl'..~~g~para-:c~P.fãr
o gue ·.ãs-:Camadas populares possuem de mais genuí• que levam à originalidade verdadeira e à criação exatnl~. ""''"º' 1'111
Ili,,, 111111111
popular de Antôn!9~de Alcântara Machado, ~
se_ tjJ~bam m 2§.!_radQ_tão eficientes na moderni~çã9
no, de mais recôndito e significativo . .N.ão._õ 's eduieó:
as compã õhi as de p rimeiro pfano,· ·· "" Há aí dois elementos, que é Eossível distinguir. ·.•
••
"'''''
"'. 111111
literária: o prin1eiro tranco-f9i~_!!§:Xéíitíáoae-inte- A .admi ração por Piolim, como criador cômié6- d'e ' 11•;1 ll1lt1 •
grar a literatura brasileita .ru>. mrunento.Iiroliiõõieii- "sempre dirigidas pelo brilhante ator patrício Fulano e primêira gr1111deza;--surre ali~ta-sem ·o J~~r, ªra~ • 1 lt· •f llt• li
to u i1iversa1;êst ã ·claro". O s~gung0_''fcii.Ín..ais_.di fícil: das quais faz parte a inteligente estr ela Beltrana", que n1um a todo este grupo modernista. Amaa em 1 1
i?teg~~ãQ n.Q.ambiente"7. O Modernismo, como cem "caceteiam a gente com peçazinhas mal tr aduzidas e
bobagens pseudo-indígenas".
rememorava Sérgio Milliet: . .
"""'' '""'
;' {: 1 li~ ,, li "'
anos antes o Romantismo, só ia à Europa para de '' 1' 11111·11, ''"
lã ser remetido de volta, com uma nova carga na- Para descobrir upia im~gem I!.ã o _e_Qg~p9sa, não conheci Grock quebrando pratos até a sala desandar a 11lln llu• )'
cionalista, ao Brasi l. Dos teatros mais adiantados, em __...'.Jjoyacystã" do Biasil,..a:.única...siilir~ciã ~corr~ aos rir; conheci os Fratellini, no Circo Medrano, com seus · 111• p 1u 111)11
engraçadíssimos sketclies musicais. O maior, porém, que
suma, receberíamos apenas a técnica, os processos ~nero§ me@ res bastardQs despre.o.c.upados_com-o-- · ~ .1.111• 11h• . . ..
dramatúrgicos: conheci foi Piolim. Foi Antônio de Alcântara Machado
gróprio brilhoi :inco11sçientes do•. 9.P..e são e do aue o primeiro a: chamar a atenção para esse clo1v11 espí\Jl.o. " t 11 11111, t•l 11

expquiem: toso que Blaise Cendrars colocava em prim~iro lugar ~ 11lh•11 li1\1ti1
Há a importar as fórmulas, tão-somente as fórmulas.
As de hoje, as deste tempo, as fórmulas inovadoras e Brasileirismo s6 existe na revista e na burleta. Essas · na lista de suas admirações. Aos poucos, o grupo revo•
moças de Romains, de Shaw, de Pirandello, de Zimmer, refletem qualquer coisa nossa. Nelas é que a gente vai lucionário de 1922 so foi reunindo para aplaudir o ho· li ' " ' \lll~llll
de Tchapek, de G antillon, de tantos, de tantoss. 1nenzinho de colarinho imenso e dos sapatos "a la Car- ll CI ht111ll11
encontrar, deformado e acanalhado embora, um pouco 1llt1 ,,, 1•1111
do que somos. O espírito do nosso povo tem nelas o litos", que, com um simples t.orcer de pernas, fazia a
A matéria dramática, não seria difícil achá-la em platéia rebentar em gargalhadas. E le era completo: rcu• ,,,, -uhllt hlt
seu e~pelhinho de turco, or.d inário e barato. llÁt•lll
profusão no próprio solo brasileiro, desde que nos nia: todas as qualidades do grande palhaço: mímica, voz, 11 YPf

.dispusésse1nos a cavar um pouco 1nais a fundo, ul- Alguns degraus aba ixo n~ escala social, alguns de- invenção13. 11111 1~ 1 11111
l i 1111111111111
. t rapassando a camada superficial do pitoresco urba- gr.au.s.....a~ala-estétíe!!restaria-o·-nosso·-d~r­ ·'
Mas, ao l ado dessa achniraç.ão..pu.ra.me.ute pessol\11 h•lt 11' 11
no e suburbano já expl orado até à exaustão pela co- ra<Ww eserva_t.Q,r'o de Jl.iltlonalidade::...õ_;::iréó:·-
que nao n~c,~~~~t_a~~ de ,~.~!~ ...~~~~fis~tiv.a .§.eJ.1JQ_ a .,'
média de costumes. Assuntos virgens p ara o palco
é que não faltava1n: São Paulo tem vi1)to ..c,oi:npanhias_nacionais-de_trul.a_s.QJ::- "lt!9.li.!11• _t.r_l:!!l~P!!-rece n~s ..J2fllt
própri a com.1c1i:laae Jfe_
" ",~ll q.,1
t~. lricontáveis.. J~e iodas_elas,...a- úniça., ..ki:n rutcJ9nal, \1 11111 li
bem . mi§.filo,_js_ a_do- P.jolim!. ~lL.llo......Ci~des.! lavras d e ,<\ntônio de Alcântara Machado u~_a attu=. n•1f\11
1
r11I•''
A cena nacional a inda não conhece o cangaceiro, o
imigrante, o grileiro, o político, o ítalo-paulista, o capa- Palavra. Piolim, sim, é brasileiro. ~P!esenta DioguinbP, ção não m.enos · viva p~l~ · pi\filôiiji.1na çXiÇ.6is'e... etii.. !il. 1111 ( 111>11 li
dócio, o curandeiro, o industrial9. o Tene!J!.e Galir:tha.._~io]J..m f._6c,io. dq~qb,Q,..~outias coi- mesma, enquanto linguagem popular. Retorna111os ,
sas ass•m, que ele chama ae pantomirnas, dehciosamente
(6) MACHADO, A. de A. Cavaq11it1lro e Saxo/011e. Ed. cit., pp. ingênuas, brasileiras até aJitt. ( 12) ANDRADE, ?viário de ( Pau D'Alho). Do Brasil ao Filt-
434, 441, 443. · Wc,s t - Pio iim. Terra Roxa e Olltras Terras, Ano I, n. ll,
(7) Idem, 1bldt111, pp. 305; 309. (10) MACHADO, A. de A . Cavaquinho e Saxofone. Ed. cit., 1926.
(8) Idem, Ibidem , p. 438. pp . 437, 438. (13) MtLLlET, S. Saudades de Circo. O Estado de São Paulo,
(9) MACHADO, A. de A. Indesejáveis. Terra Ro:i:a e Outtas (11) MACH4l>O, A . do A . Indese jáveis. Ttrr" Ro>:o e Outr111 6-5-1961.
Ttrras, Ano I , n. t, 1926. •Ttrr.u, Ano l, n . I, 1926. ' ".
142
.
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Parece biague, boutade. Não. é. Mário de Arulra- assim ao campo dos princípios estéticos. O swald de
Personagens? S só apanhá-las na rua, aconselha ele de, sob e;> pseudônimo de Pau D 'Alho. cclocatia a Andrade fazendo o balan o do 11oderni~mo em
ao "comediógrafo nacional" com quem supostamente questão com extraordinária pep~ti:~!Q..nag\l~llls .mes- 1943, cd nc u1a _que ·o nosso unico acb~º---~~ 7~2:·
dialoga: mas páginas- dê Ie'irã-l{oxa...e...O-utras--T"l!'rras1 reiU!- navia sído 110 _Erimitivi.Snlõ: ná1ivo'>r4: · _ Ora, ~rJ.mt­
rando e esclarecendo, a pro_e2~_ito d p_c;:i.ado1:...genial tivas; "deliciosamente ingênu as", " brasileiras até ali",
"Não vê? Ali, ao longo do muro da fábrica. O casal
de italianinhos. Ele se despede agora. Logo mais vem e desatent.~i qu"e !fie_pã.ie-cla..sex: Êiolim, a ru:i&i&ãs> es- eranrariarsas de-Pio]i_m;- ·gualf.fieati:vos g~e:::p,õdei}1>.­
buscá-la. Um belo dia, mata-a. Traga esse drama de tética modernista en1 face do teatro: rnós transpor se~ ~-ificu~dade a. .plano mais ele.Y.fillo,
todos os dias pa.r a a cena. Traga para o palco a luta --- -- ---- ----·--·-- aplicando-os ~uo frjmeiro Çaderno .d.o Alun_o 4e P.~~.:..
do operário, a vitória do operário, a desgraça do ope- Os únicos espetáculos teatrais que a gente ainda: pode sia Oslvald_ de 4.llitJ:g_de_ou aos quadros que Tars1la
rário, traga a oficina inteira. ( ... ) / Sim, mais um que freqüentar no Brasil são o circo e a revista. Só nestes pintava, no dizer de Manuel Bandeira, "com o azul
passa. Nasceu na Itália. Três anos de idade: São Paulo. ainda tem criação. Não é que os poetas autores de tais e cor de rosa dos bauzinhos e das flores de papel
Dez anos: vendedor de jornais. Vinte anos: bicheiro. revistas e pantomimas saiban1 o que é criação ou con- que são as cores católicas e tão comoventes da cai-
Trinta anos: chefe político, juiz de paz, càndidato a ve- servem alguma tradição efetivamente nacional, porém, pirada" 15. b. idéia de recomeçar E._e)<?..S:.Q.ID.Ç,ÇQ• ....a. pjlr-
neador." "Abrasileiremos o teatro brasileiro. Melhor : . as próprias circunstâncias · da liberdade sem restrições e tir dos elementos maissimP-les, âaguilq __g ue ,R9 dcría-
npau lis tanizen10-lo t O,'..,:(. . da vagueza desses gêneros dramáticos permite1n aos cria-
dores deles as maiores extravagâncias. Cria 01 por isso mos chaínàr<le"-mfõifu.Qij:lênàminador.:eS--Con.1uns-da
-~ª ~ra da brasilidade, a autêntica.__a mo·», sen1 leis nem tradições importadas, criam 111ovidas pelas nacion'alidiiae, bâs'e do '.'m.:imit.!Y!$ID.Q..nativo"..moder-
d~~!la:tiao a f@!~i~nãltsf~~.. ~1J1ª?MJ>tª,--ç~!1ú0n1, . necessidades artísticas do ntomento e do gênero, pelo o
1iista, era ponto Q~__ apoip_..9,~J.Lp_errn.itia..a . Antônio .
tôn10 ãe Alantara Mãêliai:lo a indagar, mClus1veM interesse de agradar e pelas determinações inconscien- de Alcântara Machado fui.minar a .cultur-a oficial e
q~itl se!i~-'? gênerq:<cJ_e-:!~atrq:~.P.r~ri~~-P.!!!2.:~:@'!~·r V · tes da própria personalidade. Tudo isto são imposições sonhar com"'n(:rv~iií -foi:n1as' de teatro ari:av.é~ das ..9.JJais
o que as. camaCías populares possuem de mais genuí•, que levam à originalidade verdadeira e à criação exata12. a rte popula r · e arte e1~u5l_it? _.sl.~hcasse1n de se contra-
no, qe _ma~ _!!lCÔn~~-?~ -~~g_nif_i~at~vo.,-Nãõ-õ seâuiê1iii dizer. ·-· ..--
as companhias de pr1me1ro plano, · ~ Há aí dois elementos, que é p9ssível distinguir. Ao rnorrer Leopold'o Fróes, em 1932, ele voltaria
A .admiração por Piolim, como criador côrrnco de a rcafirmaJ·, num duro necrológio, a sua convicção
"sempre dirigidas pelo brilhante ator patrício Fulano e primeira Jfrãil'tleza, 'SOTTe<rli's ta-sen1 O saoef,"era Co-
0

de que a nossa dramaturgüt teria ~e renascer , ~e


das quais faz parte a inteligente estrela Beltrana'', que n1un1 a todo este grupo modernista. Ainda em 1961,
"caceteiam a gente com peçazinhas mal traduzidas e baixo para cima. Sem negar as quahdades dran1at1-
bobagens pseudo-indígenas". rememorava Sérgio Milliet: cas e o encanto pessoal do ator n1ais famoso de sua
época, da glória de nosso teatro entre 1915 e 1930,
Para descobrir uma iro.a m conheci Grock quebrando pratos até a sala desandar a não lhe perdoava o lusit anismo, de formação e até
:· arys o..Br · ,-a..un1ca_s o orrer aos rir; conheci os Fratellini, no Circo Medrano, com seus de p ronúncia, nem o repertório, constituído h abitual-
generos _m enor es bas1éH'.dQ~,,__<kspr~pados_com-o­ engraçadíssimos sketches musicais. O maior, porém, que

--
m ente de "bobagen zinhas parisienses". O pior, entre-
conheci foi Piolim. Foi Antônio de Alcântara Machado
P!Ó,Erio br~lbo,.. inconscientes do_,,gue são e d9_9.!le tanto, era o mau modelo que havia proposto, quando,
.
exprimem:
o p rimeiro a cham ar a atenção para esse clowii espan-
toso que Blaise Cendrars colocava em primeiro lugar salient ava,
Brasileirismo s6 existe n a revista e na burleta. Essas na lista de suas admirações. Aos poucos, o grupo revo-
refletem qualquer coisa nossa. Nelas é que a gente vai lucionário de 1922 so foi reunindo para aplaudir o ho· a salvação pelo popular é o que se pode tentar no tea-
encontrar, deformado e acanalhado embora, um pouco menzinho de colarinho imenso e dos sapatos "a la Car· tro brasileiro. Que venham a farsa grosseira, a comé-
do que somos. O espírito do nósso povo tem nelas o litos", que, com um simples torcer de pernas, fazia a dia de costumes, os galãs de pé no chão, as ingênuas
seu espelhinho de turco, ordinário e barato. platéia rebentar cm gar_galhadas. Ele era completo: reu- de subúrbio, o fqlclore, o samba, o carnaval, a feit içaria,
. nia: todas as qualidades do grande palhaço: mímica, voz, o vernáculo estropiado, os dramas do sertão, flores de
Algun degraus abaixo nq. escala social, alguns de- invenção1'3. papel nos lustres, carapinhas, dentes de ouro, a fauna e
gcaus...a.ci.m11~llii..M.ç~la-estétieazest-aria-e-nosso-dêr­ o an1biente, graças e desgraças da descivilização brasi-
rudejw_r,ese.rvat.Q.r.lo de -Ã.aêioiIBÜ..da.de:~_õ..circó~... Mas, ao lado dessa adm.irac,ão....p.ur.am.ente_.p,e.ss,Qal, leiral6.

Sfío Paulo te~. yl$.!!> ç_Qmpanhias...nacionais...de..to.~_&9.t:


que n1ío neces sítava de outra justificativa senão a "S~ a ti 1nesn10 - adverte Polônio a Laertes
t.9. Inconláve!s. Pe. iod-ªLelas,_a...,ún~c.a,....hem...ní\çiQnal, própria co'mfc:iClãuê~~e~::PJ'9Jfrü, ·_-triiispat:~~e "i_iàs "pa- - - Q daí advirá, como a nõTtedõ dia;-·que a nii'igúém
b.2!'.ll_ID~filllQ 6-..a.....do-P..ioliml. &.!l.Q....Cio;.Q .ãlǧb1adesJ lavras de Antônio de Alcântara Machado un1a atra- {lerás · fãlso."-Sê o 'featro tivesse a coragêmtte-enca-
tllllillh •
lltl•ltl. 11ii'favra. Píolim, sim, é brasileiro. ~_;:esen~ª Dioe,uin.b_9, ção não menos viva ·pe1â''' p'}l_iífoiiilina circênsê ..eài.~ si · rar: t ãce a face o Brasíl, se1n nunca desviãf··os-olhos,
11' 1
2 t11w.1.1e G!lJ i11bg, _fjQ/im i.9ç!p__doIJ]g_&q; ~-outras coi- mesma, enquanto liµguagem popular. Retornamos ----............ -.•··-·- ...----···--_,
sos usSlm, que ele chama êfe pantomimas, deliciosamente ( 14) ANl>RADB, O. de. Ponta de Lança. Rio, Editora Civiliza.
Ingênuas, brasileiras até alill. ( 12) ANDl\ADE, Mário de (Pau D'Alho). Do llrasil F'ar-
:10 ç~o Drasllelrn, 197!. p. 96.
·Wost - Piolim. T~rra Roxo e Outras Terras, Ano I, n. 3, (15) DANl>EllU, M. Cr6u;cas da Província do Brasil. Rio de
(10) MACllADO, A. de A . Cavaquinho e Saxo/one. E<i. cit.. 1926. J nnciTO, Editoro. Civilização Brasileira, 1937. p. 217.
i>1>. 437, 438. (13) M'rLLlBT, S. Saudades de Ci rco. O Estado de São Paulo, ( 16) MAC'HAl>O, A. de A. Leopoldo Fróes. Revist". No''ª• Ano
( li ) MACtrADO, A . de A. Indesejáveis. Terra Roxo e Outr1U 6-S-1961. 2, n. 7, pp. 353-360.
'r''""· Ano 1, n. 1, 1926.
O TEATRO 143
,,
...
, .O R ei da Vela de Q.Si\'.4.!Ã. de Andtade"í'I,... 111111
ern 11hl '
sem nada falsear ou omitir, talvez pudéssemos cele- de Oduvaldo Viana Filho e Ferreira Gullar, O Santo pç_çnL-qye dorm~~a durante trinta anos º ..~o.t\O 11•1111· 11llllllll '
fü:ar entiP_::o-=nm:c.imen_ta:-Jit:: u~daél~a-árama­ Milagroso, d e Lauro César Muniz, todo o ciclo bro- qtJJlodas_çfuL JIDfil\ílãs . itíêpYe:senttteíS.;J a · ~ rc· 1h1 llllV•·
n,91í{inanJ.ente .no .P,~lco. no tui;n,1!1 o de .
tµrgia .J?.acional. As "graças e desgraças da desci-
vilização braSiieira" teriam encontrado finalmente o
tado do Seminário de Dramaturgia do Teatro de
Arena). .gr&S~J\9_.QQ§Ml-~.~!:!!R.Q v
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u a 1nslls if.tntl\&
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"º ''º
M111 NI
seu melhor espelho, mais revelador porventura do que Só u ma previsão Antônio de Alcântara Machado 'litulência_p.o.lltic.a, e artíst.i~. dando or1 en a. u~ur- llUhM 1h
l os ingênuos e encantadores vidrilhos do circo, e cer- não fez: a de que a renovação cênica antecederia e berações sucessivas não só sobre o teatro l1 oul 11hft• 1 a
l tamente menos deformante do que o "espelhinho de prepararia, de modo geral, a dramatúrgica. Consi- 1nente sobre o· ctnema e a múS1ca POEular. .aia ~n
turco" do teatro de revista. derando somente o ângulo literário, não percebeu, Os\val'ã~~ao-e_prêcisif1rísar, fora mÜito mo~ is lon• l•llll'...' '
1 Surpreende-nos, ao fazer este balanço, Jrinta .e ~~te embora conhecesse Copeau e Bragaglia, Gordon Craig ge em seus antagon1 mos do que Antônio de 11 ·
' '' '" 111111·
1 anos após a morte de Antônio de .Alçfu..l.ta~Jl.MachagQ,_ e Jouvet, Charles Dullin e Baty, a importância real tara Machado. A cris de 1929, e istalizru1 o 1\.t 1 1 h1~ hllf)
1 " a- Iuciêlez ]§m·· 9.JJC .ele..w:exfu..a...uoss.í!.,..eYo111ç.ão __dra- do encenador no espetáculo moderno. Legislou para rebcliõçs, ~!l.tc-ª-P-ªr . ~- C'i .P-.QPt.Q..<l.e...cuptuta.oou 1\ 'lt.1 li li llh
ll!.~tica,, a_ponto de gu.il.S.C_podet .se.c<lr_de_ guia ..pan o texto como se pudesse existir por si mesmo, desli- r1õs nlveis: ru,J?tura ccoqômicA, _çoULCLC it vl•ht11t,
ui.ri~ _revisão d-ª... h!~tóri a do teatro brl!§.ilej,t.Q....QQS_ úl- gado da realidade material que o transforma em tea- ~Cõin a democra_çi.ª-. Hberal; i9eol~a ._1\,1 hui
i'
111
timos decên ios. O "tranco" da integração ao univer- tro. Pensou em dramaturgos e comediógrafos, quan- o _catoliç.~i!}o; mor! l co~ a família con · p. 'pnt Vl•lllll '
sal foi- realizado pelos Co1nediantes, pelo Teatro Bra- do deveria pensar, de iníciq, em diretores e cenó- mQ!Q.e..s .tr.a.dicionãis; estética com o ró ri lo . 1h1 h11111
sileiro de Comédia, pela jmportação n1aciça de en- grafos. ~i~o, atravé~ da _concepção da ~rte e~gaja !\ 1'. ', l N11 l 111111
cenadores europeus (mais de dez, entre alemães e Não se deve supor, por outro. lado, que a sua pre· t1ca.1nentc. Até então ~~-~~e_e.~ t!~h_a._ ~ o <!C ôt!*'." li 1111111111
belgas, poloneses e italianos), que nos puseram ra- gação tenha exercido qualquer influência sobre os f a11t terrible da burguesia: irreverente 11ll rev111 ul · 1h1 t· hll'
pidamente a par das "fórmulas" modernas, do Rea- acontecimentos. Os. artigos de Terra R oxa, de Cava- ~as ainda preso aos .P~~ · Ap s o u o e . ®...dl " 1 111·11 I
lismo (que não havíamos tido) ao Simbolismo, do q!;!iriho e Saxqj_(ú:ii.:dii..:Beviftà Nova, ~e unificados perda da --roffúõa e ~J..eligiao, ambos-reg1sll'í\d!J · 1\ •lllt
Expressionisn10 ao teatro épic9. A iniciativa da etapa e orêlenados como tentamos fazer, equívâlenam pel'= no-prefácio famoso de Seraf!m Po!J:_te Grandef e!e.l,.\tk,. ,,,,,,,,11 1
seguinte - o "tranco" d'a integração ao Brasil -- feitamenle a u1n Pi·elaCiõ-ae?::rõm"Well do nQ.s!o mcr-
-~-·--- -,~··-·-· v1nãica ~º-1?~\~él~.- o ~.-::S.~s~q~ de err~1 .l'Jl 1 lt11 1lt1 1
~evoluçã() P~ol~!!Ú''~ •is, e~ subs.UtU!ÇAQ.. ª,º
•• o H ' ,.___.,._ ·-· --- 0'>

coube, principalmente, a~ J~-~~!~~~~~·· que, bl)_S- dernismP.· ~as nada indica _gue alguém_Qª-.tenha lido, de t 1111. 111111
cando u1n estilo de repm~J1ta.çao, . uma hn.guªg!:n1_,de entre 1940 e 1950, quando se iniciou de fato a re· lhaço" da ar1stocrac1a paulista (duas metaforas 1111 111,•11
palco especificamente nossa, acabott p_or. enÇQg_t!_~r . ~. 11ôvaÇ!Qteafrfil._ nstã ·-sê fez, ão cõíitrárlo do qúe censes, seja dito de passagem). ' 1•11111 ...
velha comicidade farsesc_a p,reconiza~a- Eº! .M~s.>El~ _ este ensaio talvez possa sugerir, sem plano de con - ,X-o R ei da Vela, jllJl!ament.e_ com.-Sei:ajim-R41l( , • •111111 I h
,.,,,, hul1t
de Alcâ~ta ra Machado. O riso popula!, S!Jbi~<!9... ~o junto, através de avanços e recuos, por iniciativas às Grande, é o adeus que Oswald lança ao 1.1a.s.sa~o e11 •
cir~ revista,_ foL..~ .~hav~ :e.ara_~a_ iE-_terpretá: vezes antagônicas, quase todas de caráter individual. "flf.a/i\ f{nale (outra metáfora de circo) . ~d -·•l llp ttt
ção genu1na1neiite õras1leira de textos 6ras1letros, ser: Se parece haver, a posteriori, uma certa coerência, bu {g4ês~t(snfl'6s"l9: u~ . adeus. sarcás.ticn_a . ·• 1111111 1111
vindo ainda, de passagen1, para a reávãliàÇãõ-a~~-cTá's~ uma certa harmonia coletiva, é que o projeto mo· rocidade, hesitante entre o anarquismo e o cotn\J• Uvn 1" ;11
sicos ira11cêses e espanhóis: · ..--·· · - • dernista, o único que o nosso século foi capaz de J!ism~-~ntr~ .~ ·mdisc.@1!1~ -~~l!I!!-dõ ~u'te ' 11111•h1-•11
Isto quanto ao espetáculo. Mas já desde 1940 vi- engendrar no campo da estética, pertencendo a todos, rnento e a nova disciplina política imposta pelo cst , " '' 111 1111
ª.
nham os nossos autor~tilii&!1\!Q•. _Na'l!f.a-t_l'~ _)lao não pertence a ninguém. Alguns o anteviram quando ltnismo. - · ·

· 11111 1h11
a~teo"ti,?, ·aa ' salyaç_ão peJo, popula~". Nelson RoÇri- ainda era difícil e perigoso d iscerni-lo na obscuri'dade O marxismo, relacionando infra e superes~rutllrl\1 . /\ 11111
gues, cm suas peças realistas, incorporou_ ao.. p~lco o do futuro: são os precursores, que justamente por condic1onanâo a ideologia à econom@, fQrnccer,:!110- ·{ 1111111111•v•
bicheiro, a carton1ante, o futebol Dias ·GónleS e Jor- este motivo hoje celebramos. Os outros, vindo mais ~1.a os ·-·é<?nc~itõs""'feõnêõs nec~ss~s_ p_ara que ~li·, f t lll •Ullllt
JUsasse numã- s-6- as- 'â1:ras _cr1m qu~ )~mnt·:
ge Ândradc, o messianisn10 ingênuo- e· cruel das po-
pulações rur ais marginalizadas~ Gíanfra.ncesco GiJàr- .
tarde, já aproveitaram o impulso recebido. T ambém
criaram, também deram um passo à frente, mas sem
abalar naquéle momento os próprios alicerces ãn b\~ ' li,,,....
''"" nuf1
rlieri, o ítalo-brasileiro, o operário, a fábrica, a greve. 8_uesia :· -ã: crise'..-:-d o c~_J\--Oa famíl,i!C,(5.>U lllt1h1 ltl
aquela necessidade de romper , sem a obrigação de ,,, 1111lh11
Augusto Boal, o "José da Silva" anônimo, massa- d'!-'11!9r~~~aj). pi~~eir<_>_ e !:xualidade são os <lo'
c1:ado pela cidade. A:r:iano Suassuna, o cangaceiro, repensar a obra de arte desde os seus fundamentos.- polos entre os quais se deõ atém loãas -ª~J!en.<rp§'fli§ .1
o "amarelo", os heróis folclórjcos, tratados-: at_r_~v~ Talv~ em n~nh:um _ ~§R~~-e_o v.elho 1
éle O Rei da_ V ela. · r '.' ( '11111 lt
modernismo, o atual e o d an3,.Je.nham:s.e. ca- ·- No-·mundo dos negócios, nlundo masculino ' . · 1 1fll 1IM v•I
·da _técnica ela pautomima circense · (o nárrador do
1111'1·111 ••U1'
Auto da Conipadecida é um palhaço) .e dos. J~at:ros
de_bonecos das feiras nordestinas. Não será todo o
teatro brasileiro, com certeza, mas uma de suas" li-
s o e orma_tã.o,_completa...com-0-na~encenação de
O.Rei ® Vela. -...-__.
tos com pe~s es range}_ras, a o.r. _a,ya pe~_ Erill!eira
__
O Oficina., após uma sucessão.... de ·êxi-
excefêii'cia-;- a f íg"ur a central é At:ie1ar o · , enc n u\ \ ':·:
a illi_i s"ó i§!!J-pÓ 'o ~SE.!~' o ~rande chefe=ae-in~.
llrn•
''" 1 ltM
11 1·1 I'• "f
vt~ .·o :·BrF sil, ~ufI! .. ~omen~~ J9_~!!!_9so, º~RQ!s de ANDRADE, O. de. O' Rei da V tia. São Paulo, Dlt'lll . ~ 1

nh.M~Jun.dariicntâís-; -sõbretudci.."Sé-.Cõíisiaeral'moque (17)


.Europ6ln do Livro, 1967. p, 4S. -'º ti. v"I" vi
esta enumeração não pretende ser exaustiva, podendo 1964 e nas vésperas de 1968. ".Q__probJe.mL --::::- es- ( 18) ANDRADE, O. de. Serafim Po11te Gra11dc. Rio do. Jnnolfl}1 , \'1110 111111
estender-se a outras peças e outros a utores (Pedro creveu José Celso Mâi:tinez C orreia - era do aqui 1-) rlel Editora, 1933. pp. 7-9. ·
e . agora. lf o "à"qu"ie agõra foi encontraâÕ -em f9"3'3
(19) ANDRADE, o.de. Ponta tle Lan&a. E d. cit., p. ·4S . 1>111 4...
Mico, de Antônio Callado., Se Correr o Bich"o Pega,
4 • -·

144 '
R ei da Ve e .§.W!\ld ,!k._ôn.drade"t7. Um~ tria e o latifundiário. Pode surpreender a preemi-
lill• lll\1 11 i ' " d.e Oduvaldo Viana Filho e Ferreira Gullar, O Santo . ,. · tl!i..Jl99 e ormi~·a durante trinta anos o sono tiiii- nêricia coiiceõiâ'ã,lla ~ação_ dramática se não no título
lt1-l111 1111111 . Milagroso, de Lauro César Muniz, todo o ciclo bro~' . i11.lâas o6ras L4I&MãS"::illep.ru_~Jrgãdâ ' "'l'e­ 'da peça, a uma atividade relativamente 1narginal den-
111 1! 11 1l•1•1fi tado do Seminário de Dramaturgia do Teatro de pífim[fufuíní~ tÍÕ pa!cQ. no tui,nu lto_de .12671 .,int~­ tro do mecanismo da :vida moderna como a usura.
l 1111 h 111,1ri1· A1·ona ). : Mas essa era a exper iência n~ais p~ssoal q1:Je Osw~Jd
.j!:ll~. ao nossQ, ..!Ç!PQQ.w. J~Y,~11!.. Yil\f! . .,lµs1J.~Ç1~ada
11111 11 1111 <i Só uma previsão Antônio de Alcântara Machado · ~cia,_p.Qllii~a e artístiS<.il, dl!,,n do _origen1 a rever- tinha do capitaiismo: a de percorrer todas as ma-
1111 11, 1•1 não fez : a de que a renovação cênica antecederia e · bel'll ões sucessiv11°s não só sobre o "iêatro mai 'jgµal- rifiãs, apõs a aerrocáa a ae2 9, como contou Oswald
, ... 1h,, ·~·· • prepararia, de modo geral, a dramatúrgica. Consi- 1 •n ·e so re o cinema ·e a mú8bç~_ÊÓpÚlar. dê''Andraõe F lffio, var~~·J.~c?:tÍQ@lf~ciâllZãd~- em
derando somente o ângulo literário, não percebeu, O"swalil~ão-é_@ecisô" Irísár,- ·ora muito mais lon- ' e1nptêSfimos a pr aw· curto e juros escorchantes. Ao
einbora conhecesse Copeau e Bragaglia, Gordon Craig Sí.l e 111 seus antagoni mos do que Antônio de Alcân- côloca{ iio"p ãiéõ"o "üsüi:ário; ele 'rião 'só' se desfóí'fãva
e Jouvet, Charles Dullin e Baty, a importância real tara M achado. A cris de _!.929,,_cristajizaQ.do antig_as d<;!~.Jú.irnilliã~~e-~ sgfr,iila~ ~Ç,,Qll).Q_yiíiiliii':.~m -evícfellcl~.
do encenador no espetáculp moderno. Legislou para rekeliqe~, . m!!:tc.~ .P-ª.r•. _ç _ '..9-.RQPJQ ...Qe .r.up.t ur.a.-ern....v..á- de. 111~9.,çi_concretot. atr;!_Ye;s_Q.<;>_ f.Q!,lfronto_~!!_t~~ ip.d1-
o tex to como se pudesse existir por si mesmo, desli- r1os n1veis: ruptura ecog.Qqi.jÇ,l!, .com._o . capitalismo; víduos,_ e não en~ insJ;ituJ,&:õ.e.s, a dureza Õas rela-
gado da realidade material que o transforma em tea-
tro. }>eosou em dramaturgos e comediógrafos, quan-
IWlJlica, ~.hi..-l!.:A~mo.gªçiJi..J \:beral; is)~Q!.qgica,. çon1, çõé·s-ht1fílanas quàndÕ-contabilizadás em.. dillh'êí!§.:lle:
o _C!J~Olicisipo; mor!_tli...S..Q.ffi a farniliª'__ço..ac_e._bida em véclor e credõ'r' p erdem aíhõos aquela "p'a rcela "comum
do deveria pensar, de início, em diretores e cenó- .m.Q@ç_1! Jr.adicionais; ~fil~ti_ç?.. .~Q~--º · próprj9 Moder- de"1nmnlnitla:cle-que-os-d~éf." .Çl~t::-se-o-prim~i:r~
fjrafos. ois.mo, através da concepção da arte engajada poli- s-e--·r~du.z-a-fera que ameaça em vao, o outro Jª e
Não se deve supor, por outro lado, que a sua pre- ticamente. Até então o seu p apel tinha sido o de en- o domador que a domina facilmente com o auxílio
gação tenha exercido qualquer influência sobre os fant terrible da burguesiã ·:- !fréve"iente1 . iin.erevi,~~~e~, do chicote e do revólver (de novo, metáforas de
acontecimentos. Os artigos de Terra Roxa, de Cava- 1nas ainda preso aos J?.ais. Após o pupl9_ i.[QqJJ~.::ãa circo).
qy lnho , e S.,qxofone._ da Rc.Y.is@""'f!ovfl, se-uffif iêãdos peroa· a a -TõrTúna "ê 0a·· rellgíão, _.a1nbos-.registrados A simp atia, o sentimento de solidariedade pelos
e Q.rdênados como tentamos fazer, equivalei:íãiri.. per- no-prefácío famosõ· êle Seraf!._m J>_o!J!.'!. .Qrande, el~:t" .. outlaws do capitalismo, far·se-á sentir em outro tre-
fejtnm_e~t~.:a. ...i-ifri:.Pi~i'ltcio .?f_'&(g!fi}f~!L.dõ i)Q$9 ~tr­ Viriõiê-àlrlfi-~-VOp.ã[ef: ..2:_~...~Ç_'!,~_?.Ca Ôe fer~.9•. J\à cho da peça, por intermédio de "Uma voz" não
do.rni~ro.o- ~as n a_,d a indi~a que iilguém os tenha ~ido,
. iden-,
Revoluç~o Proteiária:~~s, em. s.ubstiJu!Ç.ã o ao, ~e. '.'pa~ tificada - a do au tor, certamente - que mterve1n
e,n.tre 1940 e 1950, quando se iniciou de fato a re- lhaço" da aristocracia paulista (duas metáforas cir- na ação mesmo sen1 haver nenhuma causa imediata,
l'.l,,9~ íili .•ifilifràl. Esfã"serez, aocontráriõ -do que ' censes, seja dito de passagem). para se proclamar "o corifeu dos devedores relap-
este ensaio talvez possa sugerir, sem plano de cón·· ,,.
>4 0 Rei da '
Vela,
-
j untamen~__ com. ..Ser.afim -Ponte
. . ---·
sos! Dos maus pagadores! Dos desonrados d a so-
Junto, através de avanços e recuos, por iniciativas às Grande, é o ade1,1s que-:o swald lança.lclo passado, ne~se ciedade capitalista! Os que têm o nome tingido para
vezes antagônicas, quase todas de caráter individual. "li;9ii}.i{ri,qle (outra metáfora de cir~o ~ _,99. ,~~~~()'. se1npre pela má tinta dos protestos! Os que man-
Se parece haver, a posteriori, uma certa coerência, burg~es ~)lt(.thll.Õs'.~ 19: UJ!l adeus.. sar.castJ.C.ó'.:'..âfe...a.~- - dan1 dizer que n~o estão em casa aos oficiais da jus-
umli. certa harmonia coletiva, é que o projeto. mo- rocidade, hesitante entre o anarquismo e o comu- tiça!"20 A excomunhão por motivos econômicos, a
·, dernista, o único que o nosso século foi capaz de Í1is~o,_.J~ntr~ ~ illa~fll~!iliJ,l.!!.fil;J& _s_eu- ·~m{iera­ exclusão do corpo social por falta de dinheiro, pa-
1h • 11t lC Ã'
n1ento e a nova disciplina pohtica imposta pelo esta::. recia odiosa a Oswald de Andrade (e é difícil não
Gngendrar no campo da estética, pertencendo a todos,
lll·1l, ~,. ~11 . linis"ino: - · --·- .. ·- - · ·- -- -- "
nüo pertence a ninguém. Alguns o anteviram quando lhe dar razão) .
1111111 ,.... u Q marxismo, relacionando infra e superestrutura, ~· A indústria, já se sabe, é a da vela: ~a indús!!~ª
!ili p11h 1 •
nlnda era difícil e perigoso discerni-~o na obscuriaade
do f uturo: são os precursores, ·que justamente por condicionâiitlo a ideologia à econQ!!l!a, fQffiÇ.f_~r.:!he­ · ·enâ ereçaãa ao consumo caseiro, pr~ia para um pais
111 111·~ •• r~ r1 -1à -õs ·· cotiêêifôste-óncõSn eeessários para que con- de · _e·c·onomi·nrrc-ip'ienteé- ãiíida por"'Cima em:- crise.
11111 1 111~ )11
;
este motivo boje celebramos. Os outros, vindo mais
tarde, já aproveitaram o impulso recebido. Também jugasse nilrrfã-·s-ó--·aslJuas eríseS"@ellie pareciãm Qué out ros tén11am ·õrs-ens ·reis · 'dõ-açtrl>U-dõ -i>'e~
t·!l~': ~.•· e 111wf
l'tl, li J,1 1l' YI cdnr1un, tarnbém' deran1 um passo à frente, mas sem l!bàlii.r naquele momento"õs ·pr óprios alicerces" btir- ºª·
g_uesía';" ~a ..'.ci ise. "a:o.3!!:\.pi:urltsm:o· i;: "â~::Q.ª'.lfilfülgi_~
tróleo. Quanto a nós, basta-nos um "rei da vela",
título talvez modesto mas que enche Abelardo 1 de
11111, li tl\11~1 aquela necessidade de romper, sem a obrigação de
d~m..9réQ,,s~~;!l). Dinheiro e sexualidade são os dois ~rgulho nacional:
1·111111111 1• f ld repensar a obra de arte desde os seus fundamentos.:. pólos entre o~ 9uals ·se "éleõatem 'fõ_a ãs· aS' p~s.~nitg~lls
1111~ 11 l 111\ \ j Talvez . er:n ne.qhum ~petácJ.llo o ..n~p_e_o,J!.elho 1
~e O Rei_f/a.. V ela. Co1n muita honra! O rei da vela dos agonizantes. O
lill Ili ili H mo3êrnismo o atual e o dQ. S.emanll~e. ca- · 'No" mundo dos n e ócios n1undo masculino por rei da vela de sebo. E da vela feudal que nos fez ac1or-
1111- h•11111 u :: 11ilJo ::dii fõriü~i)Ieta-.camQ-..na-encenaçãe-de exce'l!nê'ia, a 1gura central é e ar o ' encarnanêlo n1ecer em criança pensando nas histór ias das negras ve-
...,1\ 1 111 11~ <:LlUJl.dJI.Vela. O Oficina, após uma sucessão de ·êxi- lhas ... Da vela pequeno-burguesa dos oratórios e das
1 •• •
a uqf·I~-~m_p2_~l1!~~1. ..2._granae c hefe aei'rrdús- escritas en1 casa , . . As empre&as elétricas fecharam com
111• q 1 111~ I' · t!J! co1n pef.ãsestra;ngeirá~, . :illõfill!iª-_Pela -~íij:'eira a crise. . . Ninguén1 mais pôde pagar o preço da luz . . .
l lO Ull 1111 t 11 r1·.;
\'il, 11111f1•111 l\
li ..., t , ., .• b f •..
rn4.oeª-~~i. ~J~~~ã;~di~f9~s~Q~e~~~~~~P~-!~
. ...........- -
. .... ~
(17) ANDR.ADE, O. de. O Rei da Vela. São Pauto, Difusão
EuropéJa do Livro, 1967. p. 4S.
.(18) ANDRADE, O. de. Seraf im Po111e Grande. R io de. Janeiro,
A vela voltou ao mercado pela minha mão previdente.
Veja con10 eu produzo de todos os tamanhos e cores.
oroveu l~~--Ç~lso Martinez Correia - era do aqui ~riel Editora, 1933. pp. 7-9. · ·
(19) ANDR~DE, O. de. Ponta de Lanço. Ed . cit., p. 45.
,,,, 1111 , ., li'
O &!Jra. .E o aqui e agora foi encõiitraaõ"'em 1'91'3 (20)"' · AND•A»B, O. de. O Rei da Vela. Ed. cit., p , 156.
.... . . . ......
O TEATRO 145

c711. São menos hipócritas, ou mais cínicos, CO 111111111


,Indica o rnostruário). Para o mês de Maria das ci- da cultura ca1p1ra paulista. Deixemo-lo encantar-se !
dades caipiras, para os armazéns do interior onde se com a beleza da Baía de Guanabara, orgulhar-se preferir. 1111·1'
vende e se joga à noite, para a hora de estudo das crian- 1\. confusão dos sexos não é casual. Estand 11111 Ili"
com o Cristo Redentor e o cardinaláto que o Brasil .. 1atl\'ll
ças, para os contrabandistas no mar, mas a grande vela crise u cconon1ia burguesa, não poderia~ deiX
é a vela da agonia, aquela pequena velinha de sebo que acabara de conquistar, convencer-se de que s~. ºcEais
tiver ordem o progresso se fará por si mesmo pro- ' estar noções n1orais correlata~. como a ~rgln~ " li li
espalhei pelo Brasil inteiro . .. Num país medieval como o pudor, criadas para garantir a sucessao patr 't•llll'
o noss0, que1n se atreve a passar os umbrais da eterni- >!-- grafr\ã-OOnserva or e o ímlstã- cura-vigencia h istó- 1lt 1 Ili
dade sem unia vela na nliío? Herdo uni tostão de cada rica está longe de ter-se esgota do) . Não nos dete- nl11I legítima através da herança:
~ 1
morto nacional21 . nhamos, igualn1ente, en1 seus dois fi lhos, Perdigoto,
fan1ília e a propriedade são duas garotas que freqú ·11 1•tlll'lt
bêbado, organizador de milícias fascistas, e Totó Fru- 0 ,, 111111
O 001nunismo soviético, com as s.uas can1panhas a ta do Conde, hon1ossexual de aJledota, com fortes latn a mesnia garço1111íere, a 1nesma farra . .. qua~.dCí ~
favor da eletrificação, dá as coordenadas históricas traços de infantilisnio. pllo sobra" . . Mas quando o pão falta, uma sai .l.Y.. 1 " '" 11
1 , , . , ,,,
para a interpretação do trecho, colocando o Brasil porra e a outra pela janela ... 26
Passen1os diretamente ao pólo da sexualidade. As
etn .seu devido l ugar. Mas a v.i são__eço)19m !ç_\l,__g ue 1nulheres são o seu obje to. Mas o agente ainda é l hl
ton1a. a velit. c;Qn10 .~ín1bQIQ••de_i1trasQ. e .. t~g.r~~1lªQ,__ge Abelardo I, que a tua e111 dois âmbitos: no econô- Pelo mestno motivo, dependência do sexual {l
~111 I'•
fe1.tç)_f!~js1no e n1edie vaUsnio, n1al encobre, nas alusões econô1nico, o A1nericano, &obrepondo-se a Abel.AI! '
n1ico, salva a família de quatrocentos anos, ao ficar '"'~1111
po.ét(cas à infftnc.ia. e a essa espécie .de...iri.fâ~ill: :aa noivo de f l elofsa; :no sexual, corrói e dissolve o que J co1no Wa ll Strect sobrepõe-se à frágil indústria., . .
llflciona lidade que são as. cidadezinhas .do..interior, restava de resis tência fe111inina, ao fazer a corte, dcs- vela nacional, te1n "o direito da pernada" - ·o fe~ '"' I'"'
tuua j nconfessad<1 lern!J!a .Eçlo .PrQYÍ!lCianismo bra- caradan1ente, n ão só a D. Cesarina, sua futura sogra, da1 jus prin1ae nocti - sobre Heloísa. ·
sileiro que Oswakl jii ceJêbrar<J. li ~~c:arn.~11.t~_n.a.Lpru:;­
sl<1.~ .rJo _'f.aJJ.:}}J11J.il. En1 nome da :Revolução Social,
urgia ro1nper co111 o passado, 111as nem todas as amar-
n1as, inclusive, a D. Po.loquinha, irmã do Coronel
Belar1ni110, sexagenária, virgem, monarquista, o "pas-
Só causa es pécie, possiveltnente, a freq~iêncla
homossexualism.o: 'fotó' Fruta do Conde, Heloísa dillf::..
Lcsbos, dois dos quatro filhos do respeitável Coro11ol,;·~
.
li
"'''
1111·-· 1
11111
sado puro", q ue "não relaxa! O cerne! O cer - ne!"23.
ras senti1nc1\lais havia1n s ido cortadas e sob a con-
denação reponta 11n1 leve saudosisrno, um compro-
Infelizn1ente, o cerne, que tanto pode ser da nacio-
nalidade como da velha árvore bandeirante, não se
Bclarrnino, não será uma porcentagem alta demal!l-i ··
111es1no considerando-se, como faz Abelardo I, qu , 1
"''"''
lrl11·1h
1.. til
n1isso afetivo com aque't e mesn10 "primitivismo Jla- 111ostra tão rijo e impene trável con10 era de se es· são "coisas que se con1preendem e relevam .nutna. V. ., ~ 11111111 .
t iv~ ·· -que agora se desejava liquidar como obsoleto. perar . D . Cesarina assun1e a atitude suspirosa das lha família?"27 Oswald quis decerto sugerir un1 CS~ h1111111
Abelardo J comple ta-se con1 Abelardo II, o socia- protagonistas dos clra1nas sentin1entais do princípio do tado tal que as próprias f ronteiras biológicas se ach(l 11 11~ lt
lista, ou seja, na versão oficial do P artido Comunista, século, nos quais a mulher madura, antes de ceder, sem abolidas: homens que são mulheres, mulher 111111 ..
o falso revolucionário, o lacaio do capitalismo, sem- inquieta-se, teme não ser compreendida, aban a-se fu- que se comportam como homens. De qualquer nlll• < h li\"
pre pronto a servir aos poderosos e a substituí-los riosamente (com o leque de Lady Windermere), e n cira, a inversão de H eloísa, se é que existe, não
~ ílll '
quando se apresenta a ocasião. Os\vald, fiel à orto- D. P oloca acaba por aceitar a proposta de utna noite compara à do irmão. Dizem q ue ela é de Lesbos>~ 111 •1~ !
doxia estal.inista , não perdoava os heréticos, os dis- de amor, a sua prin1eira, que decorrerá romantica- n.eohun1 dos seus atos, no entanto, dentro da pcrt'tltr• ~ .. 11,r1
sidentes de esquerda. Abelardo II não tem sequer a m ente no regaço da Baía de Guanabara, mas com a pectiva fornecida pela peça, o confir ma. O mãx.imOt'
franqueza e a inteligência de Abelardo I: as armas •' 111
chanipagne e o caviar de p raxe substituídos, nacio- q ue presenciamos, em n1atéria de dubiedade seX\Ull
que usa para triunfa r sobre seu ho111ônimo, ton1an- nalmente, por bolinhos e pés-de-moleque. f ora o seu nome, é ela apresentar-se "vestida de hô I"""
lilll\l'I
do-lhe a e1npresa e a noiva, são a subserviência e Tal é a. geraçã.o dos pais - ou das mães e tias. mem", ou "de Marlene"28, isto é, na linguagem d 111111 •
o roubo. O social ista, por definição, é um capita- A das filhas revela-se, se possível, ainda mais vul- época, de calça comprida e te rninho. O que se fi\'I: ,.,
lista en1 estado potencia l: pior do que ele, portanto, nerável. H eloísa, explica Abelardo I, pertence a ou- mura a seu respeito, como o que se murmurava Wl.IJ \'111 111
na, .medida ·em que divide e trai a classe r·evolucio- tão a respeito de M arlene Dietrich por causa do s~.
nana .
tras co1nunidades geográficas e afetivas: "Heloísa, d1111111
apesar dos vícios que lhe apontan1 . . . você sabe1 traje escandaloso, talvez não passe de ~~ª. estúp . 111111111
E111 face dos dois Abclardos ( clesdobra1nentos da reação ao que ap a rentava ser u111a suspe1t1ss1ma m Q
toda gente sabe. Heloísa de I .esbos!"24 A irn1ã mais 1•111 lll
1nes1na posição econôn1ica e política) silua.-se a fa- cuJinização d t1 n1ulber. ~ nesse sentido, parece·ll08 .
n1oça, Joana, ch<unacla João dqs Divãs, é a "garota du 1•f
mília do Coronel Bclannino, que p e rdeu en1 dois que se deve interpretar o apelido de Joana, Ja ·
da crise", clestiuad<1 a gasta r o seu francês de Sion 1111•111
anos a fortuna acun1ulada cm cen1. São os novos dos Divãs. Contra e la não cabe qualquer insinu
nos apartamentos e a rolar de baratinha, "fazendo 111111111
pobres, en1 oposição aos novos ricos de 1929. força contra as 1nidínettes . . . "25 A diferença entre ção n1alévola: o seu defeito, ao contrário, é proV , '"' plt• 111
Deixe1nos de lado o tronco dessa "velha árvore as gerações está sobretudo no to m: os jovens não constan ten1ente a sua fe1nínilidade do n1odo l'll. · lnl tllt
bandeirantc"22, duplan1<;ntc anacrônico, por ser Co- apreciam os circunlóquios, a delicadeza de gestos e inequívoco possível. Mas a liberdade de palavras•' ~Ili hll i
ronel (da G uarda Nacional, presun1e-se) e por cha- de linguagem que haviam caracterizado o fin-de-sie- de ações que se ar roga e rn questão de sexo é Ull1 At11
mar-se Belarm ino, nome já incorporado ao folclore
1"'1 'ttl f
(23) Idem, Ibidem , p. l36. (26) l tlem, lbitlem, p. 63.
(2 1) Idem, ibidem , pp. 91-92. (24) Idem, ibidem, p. 64. (27) ldeni, ibidem, p. 64.
(22) frlP111, íhldem, p . 64. (25) ltlem, ibidem, pp. 63, 119. (28) Idem, lbitl~m, pp . 80-81. 1 1111

146
. , . pennanente desafio aos privilégios ~asculinos. ~ ~nu­
Ili hi "'''' tln.
cultura ca1p1ra puulista. Deixemo-lo encantar-se c7e. São menos hipócritas, ou mais c1n1cos, con10 se
h11 t1!11l1• "' com n be1eza ·da Baía de Guanabara, orgulhar-se preferir. lher, porém fula e age como se nao o fosse. Cba-
1., • . , ,,,,.
.1.~
A. confusão dos sexos não é casua l. Estando en1 n1ando-a de João , Oswald, sen1 o perceber, . talvez
~om o Cristo R edentor e o cardinalato que o Brasil
111111li· 11 1 ' estivesse apenas veiculando antigos preconceitos con-
r. acabara. de conquistar, convencer-se de que se <?(J2.~S crise a econon1ia. burguesa, não poderia111 deixar ue
t .. 11•·l•t• •IJI•
' ' " " Hf 1 IOjlfl
I•• 1l1t 1 1, 111
*' [rãniâ
tlvet. ~~p_rog~~ss.? ~e .~rá E~J.1,i. _~esni§ pr~­
cooservaôõ1' e ol11n1sfa cu1a v1genc1a h1sto-
estar noções 1norais correlatas, como a. virgindade e
o pudor, criadas para garantir a sucessão patri1no-
tra a evolução da 1noral fenlinina, contra ,essa crçs-
cente equiparação entre os dois sexos que e a n1arca
)1,., ,,, 1'" rlon está longe de ter-se esgotado). Não nos dete- n ial legítima através da herança: do nosso século.
nho mos, igualmente, em seus dois filhos, Perdigoto, É difícil, a liás, se não in1possível, precisar o seu
babado, organizador de milícias fascistas, e Totó Fru- a família e a propriedade são duas garotas que freqüe11- p ensan1ento co1n relação à sexualidade. Sabemos que
•t1111•1111l11t•• to do Conde, ho1nossexual de anedota, co1n fortes 1an1 a mesma garço1111it1re, a mesma farra . . . qnando o é contra o ho1nossex.ualísn10; p'Íntando-o com as co-
"ht•.f111l11f traços de infantilisn10. pão sobra-. . . Mas quando o pão falta , uma saí pela res r~dículas trad~cionai~'atribuíndo-o à repressão
111 " li l 11•l!l Passemos diretamente ao pólo da sexualidade. As porta e a outra pela janela ... 26 exercida pela soc1cd7cté;
111111• •I, •jllt mulheres são o seu objeto. Mas o agente ainda é . '·
Pelo n1esn10 n1otivo, dependência do sexual ao Eu te conheço e identifico, bomen1 recalcado do Bra-
•.,, , •• '''"· 1 Abelardo I, que atua e 1n dois âmbitos: no econô- sil! 'Produto do clima, da eco'nornía escrava e da 1noral
1111•1 •tlt1•1111
mleo, salva a :fainília de quatrocentos anos, ao ficur econômico, o Americano, S10brepondo-se a Abelardo desun1ana que faz milhões de onanistas desesperados e
111111111 111 t
noivo de }leloísa; no sexual, corrói e dissolve o que I como Wall Street sobrepõe-se à frágil indústria d a de pederastas. . . Coin esse sol e essas n1ulhercs! ... 29
"' 11111 ' rostnva de resistência feminina, ao fazer a corte, dcs- vela nacional, tctn ''o direito da pernada" - ·o feu-
111·•11111 1 cnrudam.ente, não só a D. Cesarina, sua futura sogra, dal jus pritnae nocti - sobre Heloísa. Aqui ·a explicação econôn1í.ca do n1arxismo já surge
1nas, inclusive, a D. Poloquinha, irmã do Corone'J Só causa espécie, possivehneute, a. freq~ência do 1nesclada à psicanálise e a conceitos mesológicos -
BcJnro1ino, sexagenária, virge1n, monarquista, o "pas- homossexualisn,o: "fotó Fruta do Conde, Heloísa de a influência do trópico - herdados do sécu lo ~IX.
~ndo puro", que "não relaxa! O cerne! O cer - ne!"23. Lesbos, dois dos quatro fi lhos do respeitável Coronel Ivl as o problcn1a é S!!b«r._<!té_ q_~~- _QQt}tq_ deve i~ a
í11feliz.n1ente, o cerne, que tanto pode ser da nacio- t
Belarmino, não será u1na porcentagem alta demais, libe~,ão_ sexual iroplicitan1eute contida na referen-
nalidnde con10 da velha árvore bandeirante, não se J 1nesmo considerando-se. como faz A belardo l , que cíã- aos inales causad0s pelo recalque. Toda estrutura
mostra tão rijo e impenetrável como era de se es- são "coisas que se con1preendem e relevam numa ve- monogâmica deve desaparecer ou somente a fan1ília
pernr. D. Cesarina ass\1me a atitude suspirosa das ' lha família?"27 Oswald quis decerto sugerir un1 es- .burguesa? Devem as mulheres se igualar ?-este ponto
protagonistas dos d ramas senti111entais do princípio do tado tal que as próprias fronteiras biológicas se achas- aos homens? ,Pcrsuntas_.qu.e...a. ..peça. -suscita, sen1 .se
téculo, nos quais a mulher 1nadu.ra, antes de ceder, se1n abolidas: homens que são mulheres, mulhe res in!erç~~m:.-~n r~s_v.onc§_·l.~s .• II~. <::l.ara~~i:i!e, um_ª .~11-
inquieta-se, terne não ser compreendida, abana-se f u- que se con1portan1 con10 hon1çns. De qualquer ma-
tençã~ -,~~.o_raTlzánte n.é~- v1q_~e.Es~ c!_a~~ --'~ cor~w­
rloanrnente ( con1 o leque de Lady Wi11dern1ere), e neira, a inversão de Heloísa, se é que existe, não se ção ong1nada P.ei.a _s~u;.~..ªº .~íiilie1rç> _\'? ~o prazer,
O. Poloca acaba por aceitar ·a proposta de uma noite con1para à do irn1ão. Dízeu1 que ela é de Lesbos: 111as parece haver, na atinosfer.a &.e r.a!. ~ª' peça, .un1a
do nnlor, a sua primeira, que decorrerá romant.ica- '. 1
nenhu1n dos seus atos, no entanto, dentro da pers- saiisfação não mei1õr cada ºvez que algun1 tabu sex11al
montc no regaço da Baía de Guanabara, 1nas com a pectiva fornecida pela peça, o confirma. O máximo é .· alegremente transgred)_do. Sê Oswala - se li111i-
cha111pag11e e o caviar de praxe substituídos, nacio- que presenciamos, e111 111atéria de dubiedade sexual, tasse a ser um n1oralista, se não sin1patizassc secre-
.,,. •••tlt
nnlmonte, por bolinhos e pés-de-inoleque. fora o seu nome, é ela apresentar-se "vestida de ho- tamente con1 a. devassidão que pretende repudiar,
···•~'••''' · Tal é a geração dos pais - ou das mães e tias. mem", ou "de Ma.rlene"28, isto é, na l inguagem da não se divertiria tanto - e não nos divertiria tanto
1 ,,.,,t,,.,,.
11111 1 "'"'' A dns filhas revela-se, se possível, ainda mais vul- época, de calça comprida e teminho. O que se mur- - com o descaramento de Abelardo I, nem absol-
' 1 • •• ~111•· lt
n rável. Heloísa, explica Abelardo I, pertence a ou- mura a seu respeito, como o que se murmurava en- veria Totó Fruta do Conde através do riso (o ver-
trllll comunidades geográficas e afetiv.as : "Heloísa, tão a respeito de Marlene Dietrich por causa do seu dadeiro puritano não ri do vício). Ao final, não sa-
,,,.,. llltt 1 111
nposur dos vícios que lhe apontam. . . você sabe, traje...., escandaloso, talvez não passe de tuna
. ,, . estúpida bemos se ele quer apenas uma nova orden1 sexual,
1odn. eente sabe. Heloísa de Lesbos!"24 A irn1ã mais reaçao ao que aparentava ser unia suspe1tiss1ma mas- e m substituição à antiga, ou se aspira, de for1nn ain-
1111 "' •• Ja n\09n, Joana, c harnada João dos Divãs, é a "garota culinização da 1nulber. É nesse sentido, pa.recc-nos,
li • ht 1íl1t " da embrionária e obscura, a. uma sociedade rcal-
•••.••••• !l
dn Ot'lse", destinada a gastar o seu f rancês de Sion que se deve interpretar o apelido de Joana, João 1nente aberta e pern1issiva, nos moldes l·eivindicados
íl01'1 apartamentos e a ro lar de baratinha, "fazendo dos Divãs. Contra e la não cabe qualquer insinua- ttltin1amente. É o velho dilen1a do esquerdisn10, sen1-
, ., 111
força contra as 1nidínettes . .. "25 A diferença entre '
j
ção malévola: o seu defeito, ao contrário, é provar
·llt·· ·il' .. ,, p.re dilacerado entre tentações opost.as: disciplina to-
... , .• , 1 1 li
Ili 8 rações está sobretudo 110 tom: os jovens não constantemente a sua fen1inilidade do modo rnais tal ou libertação total do indivíduo, reforço dos laços
nprelclam os circunlóquios, a delicadeza de gestos e inequívoco possível. Mas a liberdade de palavras e sociais ou anarquia.
' 1••11 ~
·1•· 1°·1 j.,,
1 ••• '
d llnauagen1 que havia1n caracterizado o fin-de-sii·- de ações que se arroga em questão de sexo é um Ambigüidadc se1nelhante deparamos no â1nago da
personalidade central de O Rei dn Vela: Abelardo I
124:U
a3~ lde111, ibidem, p. 136. (26 ) I dem, ibidem, p. 63.
/t/tin, Ibidem, p. 64. (27) l dem, ibidem, p . 64.
/clfltr. t/Jltfem, pp. 63, 119. (28) Idem, ibidem, pp. 80·81 . (29) ldt111, /bidt111, p. 148.

O TEATRO 147

'1
lr,

o demais formalismos, de s uas relações extcm . 1· 11•111 1!1111
é, paradoxalntente, o protagonista e o vilão, o por- Paris deixara de ser a rnoveable f east celebrada pos- .. nüo internas. Abelardo l , má 'Personagem euqµ1 1111 1•1t111h-t 1,
~1111 11111
ta-voz do autor e o alvo maior de seus ataques, o tu1na1nente por Hemingway, os gay t1venties, con1 a coerência interior, tendo-se formado pelo ac~ . i 1
capitalista típico e o crítico mais incisivo do capi- sua dispersão, o seu desperdício de talento e de ener- de funções contraditórias que l he foram send · 1· t\ 111v..
talis1no, o implacável hotnem de negócios e o inte- gia, pcrtcncia1n ao passado. No Brasil, anotaria dez bu(das, revelou-se _u1na esplêndida antiper~onag r.u_l!. 111 h•1111 1ltt
lectual que cita Oscar Wilde e Freud, o novo rico anos n1ais tarde Mário de Andrade, o "sentido des- precisamente por nao ter qualquer compromisso Q~\ 1h..1111hl111
acafajcstado e o sociólogo sagaz que tudo interpreta trutivo e festeiro do movimento modernis ta já não a realidade psicológica, servindo de mera platafortfili"
à luz do marxismo. Nascido na pobreza, abandonou tinha sua razão de ser, cumprido o seu destino legí- de onde poderiam ser ar remessados projéteis . ·11 ~··· '1111-11 ti
.11-1 111y1oh
os seus, tornando-se prisioneiro da " cidadela" ad- timo"33, A poesia abandonava o pitoresco do poe- as mais variadas direções. O que era condenável Q , - 11111 Ili hIli,
versária que tentou conquistar "por dentro" . Prega m a-p iada, assumia urna renovada gravidade para sau- rno peça - o fato, por exemplo, de o autor pa11 li' .11, 1111~
"a fidelidade à miséria", a solidariedade de classe, dar as auroras, vermelhas ou não, que se anunciavain por cima de suas criaturas, fa lando diretamente !\O . -··- •111lh ltt
configurada exemplarmente na história do cachor- tínlidas e esperançosamente no horizonte. O romance público - tornou-se qualidade como antipeça, pelo" H' llllllht 1
rinho Jujuba, que se nega a comer se os seus com- restabelecia o diálogo com o grande público, reto- enorme senso paródico do texto, que, em vei dfl, . 1h M 1111·
panheiros de rua n~o forem iguahnentc alimentados, 1nava ritmos nlenos inventivos, 1neoos desconcertan- construjr, destruía rnalignam·e nte, à vista de todo 1 r 1 H,.,
1uas a força que o io1pele, a força que impele todas tes, dirigia-se Jiricarnente à companheira (compa- cenas, situações, o próprio arcabou~o ~o p alco. A.li . ! /(1•f11lh• 1
as personagens, a única que a peça conhece e des- nheira política, subentendia-se) , ao irmão operário, alusões ao teatro dentro cio teatro, tecn1ca aprendida. 1•1111111 111
creve, é "o chamado da nota", "a nel1rose do lu- ao irmão ca1nponês, reintroduzindo na literatura a co1n Pirandello, ou talvez, por vias indiretas, con\ , 1111111-1·11
cro"30, Abelardo I luta inutihnente para ron1per den- seiva popular (não-folclórica, 1nítica, como em Ma- Meyerhold, as referências a leituras e até a pessoa~ , , 111111111 .
tro de si o círculo que a sociedade fecha sobre ele. cunaíma e Cobra Norato) que freqi.lentemente, ape- " vivas (Tristão de Ataíde e Mc notti surgem transfi• ~ llt11 1•111111
Não surpreende que, na hora de morrer, volte à sar d a boa vontade doutrinária, faltara ao Moder- gurados e desfigurados como os intelectuais Cristl11no ' 1 h 11111111111
crença da infância, reclamando, como última von-
tade, a vela católica do mês de M aria e dos agoni-
nismo. O centro da vangu_arda literárja,_Q.ÇJ.IJlªº-.Q..J~m­
porariani:e oie . P.Ql~~j_Q.J_> ªulo,_ vo aya ao Ri..o...d~s_lo­
de Bensaude e Pinote) , fazem de O Rei da Vela, conto
disse José Celso Mar.tinez Correia, menos un1a peçn

11111llll
" 11 11ph li
zantes - exatamente como Oswald faria anos de- cava-se 2ara _o Nqrd~te. Em tal p erspectiva, de re- do que "uma colagem do Brasil de 30"35. T udo O ' ..... ,111111
pois. A riqueza do texto está nestas contradições construção cautelosa após os terremotos estéticos e que Oswald tinha dentro de si, não só o m arxismo,
não resolvidas, nesta -teõsão . amot-6tlio i:rela- burgue- econ ômicos, de busca de um novo ponto de equilí- 1 " " ·· , ...1.
a derradeira de suas aquisições, mas ódios e afetos, , 111.. 111!11
sia, tão Jr~ü§.nt~ _1iii:-.-~rtÇ~t_,11ãl;'-M.Stã_:.õb'S'eS'S'ão. _pgr brio, o texto polêmico· :ae O R ei da Vela só poderia 1
ressentimentos, experiências sexuais, crapulices vivi• 1111111111111
aqui lo n1esmo que .._ie __ d.te~ej a e:;quçcçr. .oY ~-ºPJ!!ar. parecer "modernoso e futurislôide"34, como airiaa ·pa- das ou observadas, reminiscências de velhos clram.as " 11n1 •l'I t
~ \!tna peça_ íln..tiburguesf.1nas escrita pelo lado Õe rec eu, à primeira leitura, já muitíssimo mais tarde, de Bat.aille e Georges Ohnet, conversas de sociedado, 1111- 111 1111
dentro da cidadelã..áovefsaria:·põrüiú 'émúlõ de .Abe- a José Celso Martinez Correia. obscenidades, chavões se11titnentais, trocadilhos, anG• . l\•1111~1111 1
'
l<irdo I. CorrespoJ1de, · enquanto teatro1 ao que é Se- FQr<!•n necessários mais trinta anos, todo ·o .giro dotas ginasianas sobre hon1ossexuais, discursos poJí.. .: pt 11p111 ..
' !' rafiln J>o11te Grande co1no romance. Nas p alavras de de u m a ou duas gerações _]_i,t~~árias, .p ara que O Rei ,i tices, recordações infantis, símbolos fá licos de uso
Oswalcl: "Necrológio da burguesia. Epitáfio do que dá · V ela readquirisse,. a-0 contato com a juventude ·de ..,, 1 111111" 1111
diário, manobras financeiras, reflexões morais e iino• h11111 111111
fui"3J. Daí o sarcasmo, a fúria autopunitiva, e tam- 1967, a sua própria juventude. As anunciadas mu- rais - tudo é posto para fora por Oswald, nunta w11lt1 11.- I
bén1 a furtiva, a inevitável cumplicidade. . danças políticas afinal não tinham sido realizadas. tentativa p ara purgar-se, para lavar a alma, para VO• lll' l lt1t1fh lt
Qqanclo O R ei da V ela foi publicado já navegá- A _b.urgucsia, dada como morta dezenas de veze~t _Ç.on- mitar em público toda a burguesia entranhada q·uo
va~os ~m <2Utr.a~ _ h!'UIS :J1!~l'h1~ ''"Asc-C:Sfjiê"fàS-da
• • .. '. ou • ' , - ... - ·---
tmuava viva comQ...nun.ca._0 .povo, mesmo nos _p,a1i.e.s
; -

trazia dentro dele, p ara r etratar burlescamente, como


1h•, 1•111 1
0 1'1•11 111
,,
,., Cfjse" _cl~. 1~2..._( é ainda Oswald de Andrãde quem chamados_-ªgora socialistas, ocupava o lugar subal- em Serafim Ponte Grande, "o Brasileiro ate a na maré 111&111li 1114
fala ) , agindo m iraculosamente como trombetas de terno que sempre fora o se u-. -1á que a· ·R-evolu~ão
·--- . ------- . .--
!::;,•;• Je~icó, h_aviª~- f!!ito . ruir, de um dia pârá ·o utro, não se fázià';-que- fe "firesse ao menos a Revolução
alta da última etapa do capitalismo"36.
Se h á um modelo p ara esta farsa que nada reprl·
"ilt ll11hh~
"quase toda a 'Jiteraturã ' br asil'eira de vanguarda; pro· Cultural. A destruição, pela viol·ê ncia ou p elo riso, me, nada censura, nada expurga, será o Ubu .Rol, c10 '' ti lv11I
11•11 " ' ' ' ' li
vincfanã.~.e~süspêTtã, quando nãõ- extl;erúam érile -eSgo- voltou a ser considerada, como na arrancada inicial Alfred Jarry, a quem Oswald, en1 Ponta de La11ça, , llu1p11 11 1
'"

téU.li~e .. r!;l.l\cionária:•J2. o _l~1dismo, o experiinê1i.ta1is~ do Modernismo, o primeiro passo verdadeiramente reserva uma admiração especial: 1111 h1111t11t
n10 sen1 peias e às vezes sem objetivos, a aparente con strutivo. P intura, literatura, música, teatro, osci-
irresponsabilidade política da década de 20,_escan- laram em suas bases - sobretudo o teatro. Era pre- ~'' ' lu .i•11111
1 A França deu, nestes últimos te1npos, tambén1 Ul'11:l. 111\0 1u11111t•
daliza.va1n....uma...gerayão-1n-ais-joven:i,- mais- .sóbcia._e ·~ ciso, outra vez, começar do princípio. • gra-nde farsa que não fica longe dos mistérios media· '
vais, ou melhor, de suas jocosidades que Jacques Co· ~
A h1111&u•i
1:1).a~s _.l\pega.da__à.J:ealidade,... educada pela auste.ridad~ Foi só a partir daí que O R ei da Vela rev.iveu, tanto
econôriiçª,_preoç11_12aAa__ç9m_os_ embates, q.ue s.e__.a(t é verdade que o significado das obras de arte de- peau reconstituiu nos dias magníficos dO' Vieul· Co/0111· 11111 ~".' "• "'
bier. Foi o Ubu de Jarry onde o Rabelais represado 1111111111 11. 1
gll!avam próximos e definitivos, contra o fascismo. pend·e, ao contrário do que postula o estruturalismo ~1· 11 h111tll4
·-~ - - ·-·--·-- - -· -
(30) Idem, Ibidem, pp. 144, 150, 1S2, JS3, 1S4. (33) A.NDRAllE, M. de. O Movlmt nto Modernista. Rio de Ja- (35) Idem, iblden1, p . 48.
(31) AN'DIUDB, O. de. Seta//111 Po11" Grande. Ed. cit., p . 9. neiro, Casa do Esmda.nte do Brasil, 1942. p . 43. (36) A NDRADE, O. de. Serafim Po11tc Grande. Ed. cil., p, 8, t 11 t All1
(32) Idem, ioidem, p . 8. (34 ) A.NDRADS, O. de. O Rei da Vela. Bd. çlt ., p . 4S .
1
1 148

nr t rSW
e demais formalismos, de suas relações externas e pela burguesia de bons costumes, que ve1n de Lesagc a
Flau bert, havia de trazer a nós todos a esperança de
11111. li Paris deixara de ser a 1noveable feast celebrada pos- não internas. Abelardo 1, má personagem enquanto sua (do teatro) i1nortalidade37.
1tunamente por Hemingway, os gay t1venties, con1 a coerência interior tendo-se formado pelo acúmulo
' .
sua dispersão, o seu desperdício de talento e de ener- de funções contraditórias que lhe foram sendo atrt- A juventude reencontrou-se nas interpr_etaçõe: P?·
gia, pertenciam ao passado. No Brasil, anotaria dez. buídas, revelou-se um'.l esplêndida antipersonagem, líticas da peça, e, mais ainda, e~ sua 1rreverenc1:1
!lnos m ais tarde Mário de Andrade, o "sentido des- precisamente por não ter qualquer compromisso com destruidora, no mau gosto propositado, que passa a
trutivo e festeiro do movimento modernista já não a realidade psicológica, servindo de mera plataforma ser desafio aos padrões habituais, no. interesse não
tinha sua razão de ser, cumprido o seu destino legí- de onde poderiam ser arremessados projét~is para ' disfarçado pelo sexo, na coragem de violar os ;otens
litno"33, A poesia abandonava o pitoresco do poe- as mais variadas direções. O que era condenavel co- sagrados, na capacidade de ating.ir o real atrav~s elas
1na-piada, assumia uma renovada gravidade para sau- mo peça - o fato, por exen1plo, de o autor passar distorções da caricatura. Marx1s1110 . e sex? a~1dadc,
dnr as auroras, vermelhas ou não, que se anunciava1n por cima de suas criaturas, falando diret~mente ao sexualidade e marxismo - não haveria, na Lns1stente
1hnidas e esperançosatnente no horizonte. O romance público - tornou-se qualidade como antipeça, pelo reunião destes dois termos, 1an1pejos premonitóJios
restabelecia o diálogo com o grande público, reto- enorme senso paródico do texto, que, e1n vez. de de Marcuse e \.Vilheln1 R eich?
1nava ritmos 1nenos inventivos, tnenos desconcertan- constru.ir, destruía malign amente, à vista de todos, O R ei da V ela apresentava-se em cena como um
tes, dirigia-se liricamente à companheira (compa- cenas, situações, o próprio arcabou~ ~o palco. .A s Retrato do Brasil atualizado, pessimista. como o de
nheira política, subentendia-se), ao irmão operário, alusões ao teatro dentro do teatro, tecn1ca aprendida P aulo Prado, 1nas com a jocosidade rab_elaisiana e
ao irmão crunponês, reintroduzindo na literatura a com Pirandello, ou talvez, por vias indiretas, co1n ubuesca substituindo vantajosan1ente a tnsteza para
11111•1•1 1 ' • sci.va popular (não-folclórica, mítica, como e1n Ma- Meyerhold, as referências a leituras e até a pesso~~s con1por, juntame nte com a cobiça e a ll1xúri~, o_ tríp-
c1111aíma e Cobra Norato) que freqüentemente, ape- vivas (Tristão de Ataíde e Menotti surgem transfi- tico constitutivo do caráter brasileiro . .I.r,op1calis01.o,
1
""''''
vnlt• sar da boa vontade doutrinária, faltara ao Moder- gurados e desfigurados como os intelectuais Cristiano chamnra01-os-jo.vens,..ironicamente,_a...esta...visáo_~~el.
ltlt1l •I nismo. O centro da v~arda literária....Q.CUQ.~O t~_m­ de Bensaude e Pinote), fazem de O Rei da Vela, como da re.a.llilJt.9_~_ .!l!l~ioQfl:_l,_,....~m -~e .,.!!~ªv!..a. mag1c.a
pQ!!tia.fil_çQ.te- "P,:or.._$.[<t .:e~i.ilo...:..v.ol flya a.o Ri.Q•...de.s..l o- disse José O elso Mar.tinez Correia, menos uma peça "tr~co" aparece assoc1adã, nao ª. gr?.ºÕl9.~!~~JLÇ1o
cnva-se. _para o N9rde$.te. Em tal perspectiva, ~e re- do que "uma colagem do Br~sil ;Je 3,0"35 . Tu_d o o A1nazõwas-e--à- bcteza- d1J Bata::-'1~..Q!!.[111ao~J1b..tao lo,P-
1111 '" construção cautelosa após os terremotos estéticos e que Oswald tinha dentro de si, nao so o marxismo, vãéla pelo Coronel BelarmiL1Q, !11.as _l,l _()traso mat!;:;·1al
,,, 111111 econômicos, de busca de um novo ponto de equilí- a derr adeira de suas aquisições, m as ódios e afetos, e meritar, --á -subãc_ifn~o!'!~~,t~ 29.l í.tico_, ~r..t.!ilic51 e
brio, o texto polêmico de O Rei da V ela só poderia ressentimentos, experiências sexuais, crapulices vivi- hunía1fó.~-Enéarà<lo por esse la<ío, o n1arx1_s mo e, _a
··~~"' 1 1
parecer "modernoso e futuristóide"34, como ainda pa- das ou observadas, reminiscências de velhos dra1nas lffif'·s6-Ten1po, a confirn1ação da p erspectiva pess1-
1 ~tl j il 1'11 '
,, l111ll1Q!e rcéeü; -·à. primeira leitLtra, já· muitíssi~o mais tarde, de Bataille e Georges Ohnet, conversas de sociedade, 1nista que vinha gerinioando há algu1n . tempo no Mo-
a José Celso Martinez Correia.
•• '"' .o\
•l111• i\,..,,..,u• F Qram necessários mais trinta anos, todo o giro •
obscenidades, chavões sentimentais, trocadilhos, ane-
dotas ginasianas sobre homossexuais, discursos polí-
dernisin o e a sua superação, na medida em que, ao
'
propor explicações e soluço~s .,, ,. .
econom1.cas, -
e nao '' ra-
111 ~·· · ··· de uma ou duas gerações lj.terárias, .para que O Rei ticos, recordações inf-antis, símbolos fálicos de uso ciais" ou mesológicas, abna ao Brasil amplas, en1-
h• · h· "1'1rn .. da Vela readquirisse, ao contato com a . juventude ,de diário, manobras financeiras, reflexões morais e imo- bora penosas, possibilidades de salvação. Tanto O~­
1967, a sua própria juventude. As anunciadas mu- rais - tudo é posto para fora por Oswald, nurna w.alcl .f!e AnÇ!ra~_.._e1J1.Q .•H~!11e~_e. ..o,_Ç~~l1~~- (e, ma1s
dnnÇâs políticas afinal não tinham sido realizadas. tentativa p ara p urgar-se, para lavar a alma, para vo- hermeticamente A Morta) , como M ano «:Ie Andra-
'" 1111\. µ1 . A b.Utguesia, dada co~morta dezenas ~~ -~~~s, C?P.- mitar em público toda a burguesia entranhada que de, em Café, u~ara1n o teatro -~a - êléêaâa ~~ ~~. pa~~
11111 1 1 11~ tlnuav_a _viva ~t.µQ__nunca. O .p ovo, _mesmo nos patses traz.ia dentro dele, para retratar burlescamente, como acenar com- esta--renlãaóra. ·sª14a.._r~v_o1\!_f:1onar1a, Jª
111 h 1 111111 Chf.tm'\®S agora socialistas, ocupava o lugar subal- em Serafim Ponte Grande, "o Brasileiro atoa na maré agora indisfarçadamente apocalíptica.-· A- -rev-0lta do~_
11 1 11•! 11~ terno que sempre fora o seü-:-'Já que· a-· ·Revolução alta da ú ltin1a etapa do capitalismo"36, oprimidos, a grande hecatombe, o baf!ho de sangue,
111: 11111 11 J ntto sé fazia, ·cjue' . sê'''fiZésse ao menos a Revolução Se há um modelo para esta farsa que nada repri- o 'sacr~fíeie-ritu al·· da-b1:t1'gt1esia;-constrt1.1trm- a- p~oya
111il11, 1''' , Cultural. A destruição, pela violência ou pelo riso, me, nada censura, nada expurga, será o Ubu Roi, de terrível através da -:qmri- a _Jlµman1da<!f ! énaséer!ª•
"''' '""' voltou a ser considerada, como na arrancada inicial '' Alfred Jarry, a quem Oswald, em Ponta de Lança, Ii1npa e purificada de qualquer macula. Oswald_am-
11111•1111111· do Modernismo, o primeiro passo verdadeiramente reserva uma ad miração especial: <la tentou descrever-; ern ·U-[lotnem e o Cq~q_~'?1_,S.OJJ10
construtivo. Pintura, literatura, música, teatro, osci- • SeJ.ia esse J.!OVO ffitÚlOOL virgma~, PJ!XaqiSÍ~c_O - ~11.US
•li''" '"
11, ,.,,, tfl· luratl'l etn suas bases - sobretudo o teatro. Era pre- j
A França deu, nestes últimos te.mpos, também uma não escapou a unt ne.o confot nusmo da. p1or- espec1e.
•1il11 l11 •

ciso, outra vez, começar do princípio. " grande farsa que não fica longe dos mistérios medie- A ~ia.-a .cGri.'upçãe-bur-g.uesa,_p_ot.. estr anho que_
llllh•I hl11t l1• .· Poi só a p ar-tir daí que O R ei da V ela reviveu, tanto vais, ou melhor, de suas jocosidades que Jacques Co- ~reça, era o seu elemento, o único. que lhe P,e~mítía
ll+i •1· 1111 . 6 verdade que o significado das obras de arte de- peau reconstituiu nos. dias magníficos do Vieux Colo111 - utiftzar artisficamente asi.Ta- corro-s1vidade-cntiea e-
pend'll, ao contrário do que postula o estruturalismo bier. Foi o Vbu de Jarry onde o Rabelais represado seu humor . de r undo negãfiviSta e anátquico:-Pede·
(35) Idem, lbldein, p. 48 . - ---- ·-- -- -- - - -- .
(33) M. de. O Movimento },{odernlsta. Rio de Ja-
ANDRADE, (36) ANI>RADI!, O. de. Serafim Ponte Grane/e. Ed. cil., p . S. (37) ANDRADE, o. de. Ponta de L1111ça. Ed. cil., p. 90.
'li l' r neiro, Cnsn do Estudante do Brasil, 1942. p . 43.
(3•) ANl>IADB, O. d e. O R ei da Vela. Bd. cit., p. 4S. O TEAT RO 149

-
•I
'
..
"
"
mos imaginar outros 1nodernistas deslocados para épo· engaj~da ~ealizad ~ g,~Jo romance na década de 30. .1 Referências bibliográficas
cas ou escolas literárias diversas. Cassiano Ricardo, Mas nem por isso 3e1xamos de parfic1par desse gran- '• •
por exemplo, percorreu toda a escala estética do nos· 1 de pr:e>J~t_o .·estêtico caletiw qpe-se--eharnoU-e-amda
so tempo, do Sin1bolismo ao Concretismo, mantendo r,1
1
se chama M_g9eroismo.-Em_1922, talvez es!!~eo1os
sempre um alto nível poético. Oswald, não: só fun- do lado ·dê fora, aplaudindo os g_ue, lá den~roren·
ciona efetivan1ente cm consonância com os momen- frentavam vaias e agres~ões .. "õswald, .Mãrio, Antô-
tos 1nais decisivos, n1ais agudos, do Modernisn10. nio de Al~tar.<Llrlach.ado_:.:::- são jambé1n UOLilO~ '
,
Scn1pre que procurou escrever como os outros, ajui- nosso~.

zadamcnte, artcsant-ilmente, não ultrapassou a n1e-
cliocridade. Foi destruindo que construiu as suas obras .,
•• rnais significativas, dentro e fora do teatro.
E já que estamos ligando o fin1 ao princípio, en-
J
cerrando n uma só linha evolutiva todo um ciclo de
' pensan1ento, não será den1ais lembrar que José Celso •
Martinez Correia, ao explorar O Rei da Vela para
fins de encenação, acabou por descobrir três estilos,
apropriados às diferentes fases do texto. O mais dis- .
,
•)

cut(vel é o da ópera, que caracterizaria o terceiro ato, "


por ser o da "tragicon1édia da Jnorte"38. Acontece,
contudo, .como José Celso não ignora, que o suicídio
de Abelardo I , Jongc de ter a pompa, a espetaculo-
sidade da ópera italiana, é principaln1ente o pretexto
para que Abelardo II o suceda. A idéia que se quer
salientar é a da continuidade: passan1 os homens, ,
permanece o sisten1a. O terceiro ato é nluito menos •
"
i. o da morte que o da pplítica, das longas dissertações
teó ricas - e não se percebe be1n qual seja o elo
entre a dialética marxista de Oswald e os acordes de
"Lo Schiavo", de Carlos Go1nes, ainda que o comen-
tário musical se pretenda irônico, a contracanto. Já .-•' .
os dois outros estilos do espetáculo fluíam natural- ANDRADE, Mário de. O Movimento Modernista. Rio de
mente das sugestões do texto: a ferocidade e o gro- Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1942.
tesco do circo, para o prin1eiro ato; a comicidade •
: ANDRADE, Oswald de. Ponta de Lança. 2. ed. Rio d.e
'
,,
canalha da revista, para o segtu)do. O teatro voltava ,J Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1971.
assim, na ânsia de aprender o Brasil elementar, pri· ; ANDRADE, Oswald de. O Rei da V ela. São Paulo, Difu·
·I rnordial, aos dois géneros apontados por Antônio de são Européia do Livro, 1967.
A !cântara Machado (e, de passagem, por Mário de

i-·'.
ANDRADE, Oswald de. Serafim Ponte Grande. Rio de
~ 1 Andrade) como os mais aptos para exprimir "as gra- Janeiro, Ariel Editora, 1933.
1 \ ,,
ças e desgraças da descivilização brasileira". Do pri- BANDEI RA, Manuel. Crônicas da Província do Brasil. Rio

\,'
n1eiro n1odernismo ao tropicalismo, de 1926 a 1967, de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1937.
há, como é óbvio, 1nudaoça, evolução. Mas não tan-
1"
. ' ta que os filhos não se possam reconhecer even- CERQUF.l/U, Paulo. U111 Século de ópera em São Paulo.
S.ão Paulo, 1954.
tualmente nos pais. Enciclopedia Dei/o Spettaco/o. Roma, Casa Editrice Le
. A conclusão, se há alguma, é que o teatro não Maschere, 1960.
esteve tão .a usente da Semana_de Arte Moderna ·como MACHADO, Antônio de Alc.ântara. Cavaquinho e Saxo.
, !?s ·aparências fariatn supor. Níio_há dúvida de que fo11e. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora,
fomos retardatários, principiando - mais- fafüe, r~fn­ 1940.
zendo trinta ·anos depoiS a expê-riência popiilis~à~ e Revista Nova (São Paulo, 1932).
Terra Roxa e Outras Terras (revista, São Paulo, 1926).
\ (38) ANDRAOE, o. de. o Rei da Vela. l!d. cit .. p. St.

150
,.

j
"

\

engajada realizada e.!_o_ romance na década de 30. heferênclas bibliográficas


M as nem po r isso deixamos âé"parfic tpa r desse gran- !..
do proji:to esfétle"o=coleti:vu qne se e ham-OU-e-ainda
se c hama Moderoisn10. .Em 1922, talvez es~s.en1os
do lado de fora, aplaudiodo _os_g_\le, lá- genko;-en- l....C EAC
frentavam .vaias e agr~§és. Osw~_d.t Miri.o., Antô-
11io de Alcantara .Machad.o_-:::- são. tam hém..um ~o M l ·l. I • T 1 1 •
nossos.

••

."
•J • "

';, -
,-,
.... ' • • ANDRADE, Mário de. O Movimento Modernista. Rio de

,.1
Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1942.
1 111ult e • ANDRADE, Oswald de. Ponta de Lança. 2. ed. Rio de
••• , \·tt t Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1971 .
ltt<11 l 11f
"lll i\11 •
•• ANDRADE, Oswald de. O R ei da Vela. São Paulo, Difu-
são Européia do Livro, 1967.
t. l rltfir ·
'
11l1
ANDRADE, Os\vald de. Serafin1 Ponte Grande. Rio de
J aneiro, Ariel Editora, 1933.
BANDEIRA, M anuel. Crônicas da Província do Brasil. Rio

;
1 •
de J aneiro, Editora Civilização Brasileira, 1937.
CERQUElRA, P aulo. Uni Século de Ópera e1n' São Paulo.
São P áulo, 1954.
lf·t~ E 11cic/o pedia De/lo Speltacolo. Roma, Casa Editrice Le
h ••lll .. 1 •
lt• 11\0 1 1•11:11 ( Maschere, 1960.
' MACHAl>O, Antônio de Alcântara. Cavaquinho e Saxo-
11l11 1l 1·
o11 I• ,,,·~r~
fon e. Rio de Janeiro, Livraria José Olyrnpio Editora,
\, 1940..
111111111 h l 11 1 .,,' R evista Nova (São Paulo, 1932).
Terra Roxa e Outras Terras (re vista, São Paulo, 1926).
li
'. ' 1

151
,
''
'

O CINEMA

José Tavares de Barros


j

Neste capítulo específico de uma coletânea que


aborda os ângulos mais variados do Modernismo, se-
ria desnecessário estabelecer as· linhas fundamentais
do movimento. Basta relembrar a excelente coloca-
ção de Benedito Nunes, que esquematiza em três
.
., pólos as correntes modernistas: a)_ligaç_ã9_ c_om ..as
.(
t~clfulcias _inter::racionais de vanguarda, localizadas
eJll_função do div_enos "is~Qs' ' . que as·-oefíiifam :
D.adª ísmo ExP!essionismo, Cubismo, e assim por
diante; c:_abe lembrar ãqui- que- os modêiiUstas vol-
tavnm-s~ . J?.ara esses mov1m~tõS eur~-eus-dereno­
vação exatamente porque a "arte" europeia, lrabi-
tµalmentc importada, era acadêmica e estéril - b)
ruptura com o pa&sado, atr~vés principalmepte Q!'!-
reformn d.e linguag~n1 e da revolta contra o realismo
nat1.1ralista -· c) c;u:átet:..-de .::.'.' brasiliâãâê"; enténdido
ao mesmo tempo como rejeição dos padrões acadê-
micos que nacionalizavam personagens e situações
estrahgelras e como pesquisa do folclórico e do re-
gional.
Dois depoimentos expressivos de Mári.o-de-Andra::.
de reforçam essa colocação. ..A.o__lfufioir o "sentido
verdadeiramente específico" do _mo_yjm.l}o~c;>.. _ll):ºder-
nista, celal'a ele que _' eJllbor~_ I~ç_aJ,l<J_o .!~.~m~~9s
1
.. ,
l Olimpo da expressão fílmica, abrirá as porl · ~•l'Il ltOI Hftff
processos e idéias novas, o movimento modernista o realizarem, em 1895, a síntese técnico-cientifi~ o cinema-narrativa, P.ara o cinem - _ · ·. ·CllÓ· •llmlfttce
fõ1 es~nciãlmenféaesffUiôor 'T. m oura ocasião: c!._ <,lue os coneloouà-r'eàlida:de-Uo-«ctrtematóg~i;lfo' j rltiSJinba qµe proporcionará à n~e!1~e ~õJJ9,,Wood • ltuultl
os 1rm.ãos Lüffiiex:_e_ç~centravam-se-B-a-GapaGidad,ei \Ú)J~ erta e uase sem re interesseira map:qnil1'·
Quanto a dizer que éramos, os çle São Paulo, uns
antfnaçlonalistas, uns antitradicionalistas europeizados,
do _ap-ªLelho de captar e de te,JUoduzir o_ movim.eDto
do.mundÕ:-OÃÍ_a tencf~_n_pi~ eseontânea de transf~r
çfto de sucess~ e de Eúblic,os. Grififith é clia- 111~'3:
creio ser falta de sutileza crítica. E esquecer todo o mo- marem seJ,\S filmes em documentos, .~m cçnas ôa y1da,
!l?:o nã o ae~nas por ter "in".~ptad~:'...,,.a lingya · do ..m11nr•
!
vimento regionalista aberto justamente em São Paulo . . . ; fllfne, da'..n1eS1llll.1õrrili jí,ye os J.-um1erç,,!i!iv~a · ln-
1
Yitl~llhl
CQtidíânã. QaLo~qeoo~tiviêlade, presente em Vêntado" o cinematógrafo. As decupagens <ie 1 ~n11, 011tn1,
é esquecer -todo o movimento editorial de Monteiro Lo-
bato2. todos os filmes qµui~eram ou que inspiraram: o os J?.B'm elrÕs p_lanos, as se_ üêneias dinamizada.§ utrn• 1lurN.
assunto_escolhido era eng,u~draãõ'l!! ~!ítlã""~ais ão~- · ·ves:.da. montagem alternada de e 1s 1os sim . ikcq11 A tJtl J\
E afirmará Oswald ele Andrade em cal'ta escrita a qua~yara pôr em de~taqu~ as _suas . imensoes ceais ; (a nlocinha apnsiona a na casa em c amas .. 0 1 11111t11IOI
Lobato, muitos anos depois da polêmica modernista: de. acontec.iroerifo, o ratp s~n,êl.Q . 1n1ed1at~ente trans- mocinho que corre desesperadamente à sua proc\lf, 101h1 ""'
formado..elll _fl!.~ª8~.!!L desRQifill!. í'.!?JLQntó a e _vista os 1novimentos de câmara, a clite.ção_e.stu~1J1 . ·o • 01111111
·I
Hoj(l .pa&Sados vinte e cinco anos, sua atitude aparece
sob o An$ulo leçitimista da defesa da nacionalidade ...
da comunicação de massas a it;n~Qs f!J.m,tts
Lumih'e-c-õrisis1ia na dêscóberta do mundo, no con·
tato""_Ci':i~' O!_ ~ffinÇ.ceses-.e -os-europeus...p.assaY.a&....a;,;;t:er ·,
ntores, · todq§__ ~i$..ct: @qr~§....9.~.narratixa.,_g · .
int!.ven.cüu:.i,Q...Ci.neastas-do,,.muo.d~
, n
e .ece · . . ,,
E não percebia você que nós também trazíamos nas nos- destaque as lições que o russo Eisenstein af~rm , 111ntt1) •
sas cançõea, .Por debail\O do ''futurismo", a dolência e com a ..:vícia_.e-co1n-0..'LC.O.S.1J.une.s_de_,po;u>~Me.­ ter aprendido cio americano. • ,• 111ft111 1,'\
a r.evolta da terra bra~llelra3, ci?os o~ ~2-~e~ ç_9~lt~,ç}J)-ID...!!~iw&..filr.<.1xéJLde..notí­ ' A. il'fQe1:.iê11çiulo-.cxpr.essio.Mm alemão é niti . . ; li111 •••l 1
ci.as Q,µ d~ ~slLtCJ.o§..li.W.ár.10s. •
1neQ~.ulturai. - Retomava-se, de forma ama u . " hh '" ,....
111111•11 llV
Pefiniç)o o segundo termo de nosso est)1do, pare- Após o impacto da descoberta do cinematógrafo, '' e prQi.Yruia•..a~µ_ç~Um:i'tarT. ·x·., .a ' · .• :;,
oe-nos clara e espontânea a trajetória que será pre- na penumbra que acobertava com intenções eruditas '
vldlltlt lt
t ~ansfoi:Qlavam, se.. em- cenógra{Q._s.....g .J;inçma , q.ái~J1
ciso trilhar. A ligaç[<Ldo Modernismo com movi: a curiosidade dos espectadores das sessõe;; no Grand h1h ti "'
n P:!S?!'!f.~.r __pesqll!s<\S~.e ...discJJss9..e.s..,J.!S< . ?l!~~b~ , O h11lhl1l11n
~e~tos van_s_~rdÍ~ticos_ europeus-nos. .su~~re.. a neces- Café de P aris, a personalidad.e_..Jli~triônica de .. 9§or- Cubismo se projetava nos cenários do "ur. CtulA 11111111111111
.· sidade de um balanço do cinem(l mundial, nas dµas ges Mélies vai lançar o it1ventC?..,_nos c~un.inhos do gari". Ü fihJlC ~)\en!,ã0 1 _~~1 do mais, vei~ulaV!\ m 1111•1•, \'
,11...,....1111111'"
primeiras déçadas do séçul"O:-Em ~e-gundõ lugar, uma espetácu16 '.R.õfililaresç,g_ e, logo em.. _.s.~guida.., ;v.ulgar. Jlt 11ri.. 1111
J análise do cinema brasileiro na época da eclosão do conjunto .d.e. p.reoC_IJ.rulÇP~L]f'.2. .•. ·-· . , Qi6 "
Deixo de res~altar o prilho <!e. illgenuiqa_de e de .Qx:i- tica . M as a cultue.a .pr.~s~nte_.~_ão era âssmulaéla, l\ if~
movimento, tarefa exfrem<\"mente ·racílifãda". pela-ca- mitivisruo ~~ o§...filme;zinho..s...'.da.-'ll-Q&a R_oss4íayi .,e veitava-se de _G.ciW,th, ~em se preocu_gar e -aê'sm').• ·:

l rência de documentos a serem examina'dos:·variíÍe-


mo ' em seguldã," para o eirune . das pÓsições que
defendem o cineasta mineiro H umberto Mauro como
o modernista do cinema brasileirlJ."'As-conclu$éer a
que nos fascina até hoje. E também a espontanea •
e lenta invenção de recursos expressivos, aos pouc.o.s
a clmg a "deixando~dg ~et ~m~ro 'êai?Iíclfu: ' ® movi-
mento dãs cõísa p ara j~qr ao mundo um sentido
volver as sementes que ele LanÇãvi:.:"vincu1ava:- c:~·a9
espetáculo teatral, preestabelecido, e não à m~
pulação fílm ica da realidade.
r1tl111t~ ·
tllll 111t1111

'"""'"'"
ll\ah·•··
,

1
A van uarda, como ocorria na literatura nas 'lt•ll i..t ...
11 qúe chegarmos nos conduzirãoàq \larta parte do tra- e Úmã õfãêiiâção. Fiquemos, apenàs, ua pr ecane- , 111• t·lllll·
}-- ~·-·nbalb.o, que procu~ará estabelecer ~ma proposição no tes. p ast1c.as._e_na...musJc s.tou-se no e l
dade cultural 'das trucagens e das reconstituições bis· 1111~
francê.s _como tentatiNa-radicaLd.e. n:no~ç!o. " e
1 confro~ entre cinema e Modernismo. tóricas, nas estoriazinhas circenses de bêbados inve- diava ~a ões do filme com a literatura narra ' 1 ·
terados e de aprendizes desajeitados e destruidores. re'feri.n.
~se...tanto_ às_r,e · u1 1s c s, o· · . 111. li
Correntes principais do CINEMA nas. duas Os filmes ue se exibiall)Jl.as feiras não _tinharp atra- seqüências visuais entremeadas de longos e cõmp hl110hl11l
primeiras décadas do 16culo tivõs ·R!!Ql . qy!ill)~ossüisse...um..mí.Wm.d~.exid.nc!as, cados letreiros explicativos, uanto ao rim s
~1111 ,,. li
. "' t~nto socil_l,i§_g1111nt9...intckctna.i$, Majs tarde, o. filni cn1ocional sio~enrcdes-e-ttamas-que-cear erf · i\ - 11111 111111'
Sem pretender rdornar a un1 tema vastamente ex- d' art, ÇJJÍO título Inais significativo é•.. L'assassinat a màlõcia g,g~_rum.ÇLJ!.~Ço enava ª· ífml . n• 111111 tt1
plorado em livros de'\1<_nvergactura e em opúsculos du Duc de Õiiise, -·alrigir-se-á precisament~a­ <lição do filme co m..rs rodu e.s miiiP,11 o ltllJINI
que oscilam entre a transcrição e Q plágio4 , fixaremos m ~dãs"liãõ -~ati!'·g~.da,s.,:ReL~~~'.1-tóg~a:fo:-M1i!- inci- t~atrà.is enceu.a . Qs_dian.te_ cla....câml.l.I».. PropuoH 11u•br11m
dessa fase da História do l Cinen1a apenas alguns as. dirá no erro de preocupar-se apenas ·em ..l.lpor-em domín!o"',i'bsôluto e avassalador da in1agem fÍlni · f~I h1I lnt
pectos
. , que
. iotere$sam ao desenvolvimento do nosso cena" sitúáçõêS'.'"õlrfi'gUrE'JiiStõri'i!ils
.. ... 'idfportmrt~~;:võl- entendida não 1nais na sua vinculação com o m · htnl• li Jt
rac1oc1n10.
. '
tando a câmarã"'ii."fixã"r-:~e- cmno --olJs-ervãdor de um
--~

'
e com o 1novimento do mundo, rnas priocipalm~ · l11nlt11
11C1r 1 1•111
n.
espetáculo de pretensa erudição. E~!!_es caminhos ~­ como encadean1ento alógico - ou dotado de 1~1tll'Sí ·
. ( t)Citado por ARACY .l\.MA~L. ÂJ' Artes plásticas 11a Semana <luzirão o cinema~europeu...a •.uOLLI'llllª~§e, . a. ,yma. es· 111 VIII
dt 22, Silo Paulo, Editora Peupectiva, 1970, p. 100. sui generis - de uma série de unidades (to:· . 1\
(2) Jder11, p. 104. tagnação que . Q...dj.J..taMlaci.p.or muito. tempo d~s.. !.119- ou takes) que perdiam sua dimensão de figura~ . 111 IRr 1 •
(3) Idem, pp . 104-IOS. vimcntos literários e artjsti.ç9s_da ~época.
(4) Apesar do volume de titulas disponíveis, não são nume. teriais e se consumiam na integridade da "irri!\
1:
rosas as· obras de mnior vulto sobre H istória do Cinema. Dentre Nos Estados Unidos, a atuação de David Wark ·' total". Essa imagem pura, defendida pelos vang
1
as mais recentes, merece destaque a Hislolre dll Cinéma de JE.AN
M1111v, Paris, Edltions Univcrsitaircs, cujo primeiro volume (189S-
---=::: ~- - - •
Griffith, assumindo e elaborando as experienc1as em-
" •
distas, viria a ter estreito P.arentesco com os pr®..,i,t.., 1•' •
l•h11t.1,
·l914) foi publicado em 1967. préend-idas por antecessores e contemporâneos no 31

154

\
EAC
'
06 !IS? FJa
campo da exp ressão fílmica, abrirá as portas p ara sos oníricos: defendia-se a propósiçâo de um pen-
. eal izarem, em 1895, a síntese técnico-científi- o cinema-narrativa,_para o ci~.on:tadnr:d~­ samento visual, não conceitua!, diri~ido muito mais
o gue os conduiiuarealidmle-d~cinematóg.Qlfo", r~s, Jiõlía_qµe proporêi?~ará ~ p.ascen~e H qllz.wood à intuição do que ao raciocínio.
os_Jan os um ~ [e
c~êiritravam-se-sa Gaf)ooidade un1a E perta e quase sempr e mteresseu::~. pan1,eula-_ l.ean..Epstein,-d.iscípulo .de Ri~Q!!UQ . t~ye o rn.é-
<JQ l.\parelho d e captar e_de rep.J:Qduzi r o_mQyimento ção de sucessos e de EÚblicos. Grjf.fiJh ~ µm....cláS- r ito de conçjliar .as. .funções_da teõria...e_da..teà liZfl&ãg,
do-..muo.do:-OaLa::telli!ência es o ntânea de traosfor- s1co nao a en as or ter "inventado" a lin u a em do embora nem sempre as experiências do cineasta se
1 nre1n ~li filmes em documento~,_em cenas ·da filme a \ os L umiere aviam " n- vinculRssem às interpretações do teórico. Se.u es-
cotidtarm,_ Da' 0 J:at:á1ei-:-ãeoojetividad.t:, _presente ~m Véntad9'.'._.2.._cinem atógrafo. As ecupagens e cena, ccitos, de q ualquer forma, sã.~trema.ment~ela:
todos os .fiJmç~_qulL.fizeram ou que msp1raram: o qurirne lr os .e.!.anos, as e üências dinamizadas ~atra­ d~s.. ele uma mentalidade que ele . assimilou e vi~u .
ns}unto escolh ido era en uadra o a o ais e- vés da l?.Qntage!l} .alter.n ada e ep~so 1os s1mu tan ~9s ~Ção oê 'ilfücãfâfer"l§P.:eiâf iCona iiiíãieef ci-
quadl}-l!ªra pôt êm estaque as sua~ un~nsões reais (a mocinha ·aprisionada na casa em cfiâmas - o nem~gráfica,.. i?aug!]rav..a,;_co?1 De~Jue e Ca~~~
de llÇontecj m ento, o fãfp se~do _ime~iat'!!llente tr~s­ rnocinho q ue corre desesperadamente à sua procura), toda uma polemrca que ate hoje persiste em ser viva
to.rmado e,p1 . m~gJ~8em....Q~[!qiada. P o"ponto cr~ vista os n1ovimentos de câmara, a clireção-.W.udiu:l!Ldru e oportuna:
111111111 ll Jl l '
da coJnunic ação de massas a importânc;ia dos fijm~s atõrés, tod'o s e.s~cs=tãlõrés êll!, narrativ,â..gci.ffübi~n a
h tll MIlift1t Lu1m~re--eõnsiSfia na descoberta do mundo, no con- in (!.uen.çia1iil:..cfneas'i as:.êiõ~mundo •.inteim•..me.t~tf.!!.90 . . . Qual a contribuição dessa máquina (o cinemató·
tato _ @.Ç, ,Sf f uc.est:S. e - os. europeuS:.passa.v.am....a.-"ter destaque as lições que o russo Eisenstein afirmava grafo) em cujo sucesso seus próprios criadores, os ir-
ooni a. .•:vJ. a_e_com~,QLC..~.Lii<t-p.m:os. ~®lte.­ ter aprendido do a me ricano. n1ãos Lumiêre, não acreditavam muito? Essencialmente,
eldos o u c.i.u c se conheciam ªPtl-!las atr<~.lWle...notí- A.~~_eei:'l§D..çia_.d.o-.exp.i:es.sioni~mQ . al\!ll!A9 é 1?;itida-
a possibilidade de transmitir às tnassas imagens conce-
oliis' ol.I •'ôe "siüa9§
• ' •"t .... ...._ :Uiix:ái-1õ-;..·• ---- rneQt.e_AU!tur.al~ Retomava-se, de forma amad ure'êid a
bidos por um cérebro, extremamente semelhantes às re·
Após o impacto da descoberta do cinematógrafo, presentações visuais, que constituem uma forma de ati-
e prQfJJruia-a._g,pç_ão ~o ]lliii:d'à.rt. ~ü.:s~jfi'ª'á,.. vidade mental. Isto significa que se acabava de desco-
011 llenombra que acobertava com intenções eruditas lransforrnav~se-em-cenó.grafus,,_Q.~(jue.ma.. ~as~i;Y,!! brir a maneira de comunicar o pensamento visual, de
n c urios idade dos espectadores das sessõei; no Grand a ~~~SSJ.'_ p,,e~quis.<l.S...e•.disc.Yss.Q~s de , 'l-1!9~ .Jl.!Y.el, o indivíduo para indivíduo, de uma forma - embóra não
Café de Paris, a personalida.d.e...histriônica de P.,s-or- C ubismo se projetava nos cenários do " Dr. Cali· inteiramente exata - bastante fiel e infinitamente mais
ges Mélies vai lançar o invento nos caminhos çlo gari". O flLrrie alem_ão.i~ém do mais, veiculava um direta, rápida e precisa do que através da interpretação
11 h111n1 Olipetáculo 'pqp]IlJiféScq:··e; 1Õgo eüi.:.S~glilila,. v,ulga~. conjunto de ~OP!!.Bªçp~S:Oeõr<l~o-ciai··e -polí- artificial do pensamento verbal e da linguagem falada.
11 ,.,.f, ...
n1
Deixo de ressal t~r .. Q_Qri!Jlo. f!.e i n_gmiJ.id.]de e de p_r1- Dessa forma, o pensamento visual adquiria aquilo que
tica. Mas a cultura. PL~S.e.Jlte "llãõerâ.ássiffiilããa, ãpro·
.. q ue os .tiJ.Ipe~~.d.u129-ca R,.ossu,Í~Jll
1uln 1wh1 lhe faltava em virtude da concorrência com a expressão
lltHI l'1H t
-
1nltivisnlo
_.-.. ~- , ,, .. ...e vejtava-se _de_ Q illl.i.th ~c;;m se- prêõCüpãf" ém dêsen- fa lada: a eficácia social. E tratava-se de uma aquisição
que nos fascina ate h.oje. E t ambem a espont anea volver as sementes que ele lanÇã.vã;· Y1ncuTãVá:Se ao em plenitude porque, na medida em que escapava in-
unl\ ih• 1J e lenta invenção de recursos expressivos, aos . POllCQS espetáculo teatral, p reestabelecido, e não à mani- teiramente das operações de codificação e de retradução
1 11111 11 11 [\ clfüm rdcix-arrdo\ttr_s~mero c a·plfilfô[ go m ovi; pulação fíln1ica d a realida de. lógicas, o pensamento visual abolia o controle da crí-
l·t llt• 111~1'·· nlcnto das co1sM-. par.a...imp..Qr ao mundo um sentido
01 A. van uar d a, como ocorria na literatura n as ar- tica racionalizante, conservando a força de suas evidên-
11111 ' " 1Ij t ' ""'º- o uma oiél'êõação. F iquemos, ' apen as, n á p rec'ár1e; .... tes . PJáSti.cas_ e_na . musJ.Ca-m_a 1 tou-se no cinema cias concretas e todo o seu poder de agitação sentimen-
" 1 ptt" h, Ih dade cultural 'd as trucagens e das reconstituições his- francês. ç_o.mo. tentatilta- radical- de tenoxacAº· . eQll- tais.
tóricas, n as estoriazinhas circenses de bêbados inve- diava as liJ!ações dq filme com a literatura narrativa,
...... •
terados e d e aprendizes desajeitados e destruidores.
Os (limes que se ç__x ipiru:n nas feiw p~o .tinham atra·
tlvõ.s .12.um_q.u.çm ~pQssuíssuun..mítlimQ s;le..ex.igênc1a~,
refeilii:aã; sê:iau.t0-às.-Í:e.WM,tituíçgê§:,Jjijfüêfç:ãs, com
seqüências visuais entre.m eadas de longos e compli-
cados letreiros explicativos, 'l,Uanto ao l?rimarjsmo
Era não distinguir bem entre universalidade e am-
bigüidade, esquecendo -se Epstein de que a significa-
ção da "imagem fílmica" depende de fatores, ao mes-
ta11 to soci n~lec.tuais.. Majs tarde, o /J!ln en1 p~i~nal ,dos..e n.r.0'1es-e-"1Tamas-que-G'a i aclei:iza_ya,n1 mo tempo, objetivos e subjetivos, e de que nem. sempre
(/'aí·í;·-ç~1 iõ título mais significativo é__ L'assassinat a. i:iruoda, ~.Q~.-film~Jl.JLim_.Ço1l@nava a côn- os contextos seqüenciais são sufic-ientes para conduzir
d11 Duc dê<:riiise, oífigi r~se-á precisa:mem~ ·à-s-ca­ dlçao do f1lme co1w. rru;;m_nmr Qd 4tqr_.sii..s;§RÇfáêlll<J$ o espectador a um.a abstração: ondas do mar que se
mndfiBilãéi ..atingi E! as.-~lo....cinematógr-a:fo:-Mm- inci- teatrai~ :~12~..êQ.a,<;1os .....diaD1L.da. •..cln1.ara. Propunha' o quebram na arei a da praia, .a lém do seu sentido ma·
dh:~. no erro '' de ··preo éliPâr-se" '.à" peb.ãs ~m ...itpôr-em domlnio absoluto e avassalador da imagern fílmica, ter ia] imediato (que, sem dúvida, é o mais impor-
0QUCl' sflüãÇões-:mrftguntn'iistÕf.i'C"~~ _:Võl-
1
entendida não mais na sua vinculação com o mundo tante) , podem "dizer'' tranqüilidade, agitação, móno-
11\ndo a cârriiu:aa·-fil!'.ãr-:se· ·culno --o~l'Vãâõr- de um . ,. tonia, f uga, prisão, melancolia, suavidade, e assim
spetác ulo de p retensa erudição. E~~_es caminhos con-
e com o movimento do mundo, mas principalmente
como encadeamento alógico - ou dotado de lógica por diante. Ao introduzirem a idéia e e' - º
"I IWI"' "" d!i.2ili:Jlo o c.inema_europeu..a_um.J.m~e•.A. .\lJ.Ua.. es- sui generis - de uma série de unidades (tomadas os -Yª.ll&YM~f.!10'.t _ -.· OOrtil11to1• obtlgàdos a !~!,li­
tflSl'.l.t\Çíio g,Y!<J2.. 9iililnel!ltá-p.o.r..mu.it-0 temBQ.. d<;>s. m9- ou takes) que perdiam sua dimensão de figuras ma- t~J . !ls..disponibilidades...do_c.QQ.Ú' t. entre cãiiiara e
••••• •••• lltfli•'
vhlUll),tos literários e ~nís~iços...da .época. teriais e se consumiam na integridade da "imagem r~lidadt descobrindo
--~- ~-."'
certas afinidade..s e a~ro 1 a-
Nos.._Estados U n id os, a a~uacão de Davig \ V..a.r k
• ........ - . . . .- .......- .. - 1 - ·"" -

i ~., .. ~''" ••,.••~., ' total" . Essà imagem pura, defendida pelos vanguar·
1 111;m,. ri• ' "" ·,
li 111lnt11~ t l.!IV Qrl{flJ\'· liSwmlndo e elaborando as experiê?ci as em· d ist as, viria a ter estreito pf!rentesco com os proces-
(S) Ei> .T f.tN , 1ea11. Espr/t de Clnlma. Genebra-f>arls, l!ditions
Jchebcr, 19SS. p. 49. (Trad. dó A. )
prc n dos por antecessores e contemporaneos no
ô CINEMA 1155

\
. .i
ções que culminariam na exasperação do conceito partir de 19308, Qe..fªtQ, to.,do_ o cinema q!Je se fez' tre as preocupações culturais dos modernistas e as
de "fotogenia": no B_!'asil. n a...p.t imeira-década-do-séeülo.,_refêcla-Sê "' experimentações artesanais dos cineastas seus con-
t11111•
•._""''"''
,,,.. '
. dir.eta.m.eme _aos-.modelos. •.imp.ortados. Parece fruto temporâneos. Mas se fôssemos aventar a_hipótese ~ l .hlA tfll li
1• Começava-se a falar de "cinema-puro" e da virtude 40 acaso o êxito, !!ifelizme~te J?QJ.!CO ~?!'-.e.loradq"'-d~ um cine1na modernista, que tivesse existido em tortr·.. 1111 111 l11lJlt•
singular de certos aspectos do mundo (realidade), que . 11110111 .. li f
'I
1 filmes "falante§" _e ""can_tan_tes'', em gue atºi::es d!~ da explosão.:«jp·9~2-11á:toralffiêiiie" 'que o gon fo êle
possuíam tal afinidade com a câmara cinematográfica
que sempre se beneficiavam de uma representação me-
p~stos atrás da tela sonorizavam_-ª- imagem _muda:
dQÃ! ou tres anos 4~. su~c~o, não. 1~-S!l~m>r g~,_
referência es~so.Q!_ido . ha':~ia ~ s_ero
francesa, primeiro movimento c1nematOj,~áf1co ~e
ªª v~&Yiltd!l._
/1t/111~11111

lhor. Louis Delluc decidiu chamar de fotogenia essa se-


fora.rn_insÜfÍ.Çíentes_pai:a_mantex- Ei; · r cÓlocou em pàula prob1efuãS- dê -rêri'ovãção ctehn•
., N1111 •111,
creta qualidade dos fenômenos que o cinema transfigu-
e Q_!!tros e_ioneiros na exl?!,o~a~o da fórmula mág!cª guagem, de·:·c'f(fStfuiçã~ ..d!!. .P·o~~~Qǧ__ç_,Ultüiâis s~~i­
• 1111141n11• Ili
rava favoravelmente. E admitiu-se que o cinema digno • clll 011h11 l1
desse nome deveria ser, de certa forma, o lugar geom~­ que reunia '.Duma. sO:pessoã "~:JiitiÇ&s-ãe prõdüTor, mentadas e velb~ com a cond1çao de se acrescentar I~ fnt111n u
trico de tudo aquilo que fosse fotogênico6. distribuidar e -exibidoi:..de...filmes. ao vanguardismo a abordagem ãe as~ectos re~iona!s lll'l'Ollhll ll
Estes, na maioria dos casos, segui,a.m_QS es9!:1emas ou globais dã··realidade ·.!?hi~ileira... t!sta exliênc1a Hiil "1•IA••I
Finalmente, 'ª º reconhecer a frustração de muitas eiitá~icos.. ~-teatrais da Unha francesa, como parecêfu contida · na' "nipótese en.cêrra muito deA p~ra~o~al~ nn • 1l't''1 111111r1
das idéias renovadoras dos vanguardistas, Epstein indicar os depoimentos~dã "época. s assuntos, !!}él'n- medida em que um cinema de tendenc1a mt1m1sta,
desforra-se da presença do fantasma griffithiano : da preferência indiscut.ível pelos f~tos da c ca P:Q: apoiado grosseiramente em muitas das t~rias freu- t f'Vl•lu li•
111 jlllllU•lllll
licial, começavam a buscar-se nas pág4ta.s da nossa qianas que então estavam na moda, hostthzava todi\
A pesada herança espiritual do racionalismo clássico, literatura romântica, sücedenao-se as versões de perspectiva de análise histórico-social. De q"1~~q1.1.el' M1111 11111
a facilidade e os benefícios que a imitação do romance O · ouar~iiíLe -ãê=lraéema.~~as ã-6ptica ~rmanecia forma, os dados disponíveis são suficientes parl't""'dts- . 1111011111- '"'
e do teatro oferecia aos realizadores, ·tudo isso levou a a mesma: encena~ artificiais, ~státicas, esfiêlllm..- cutinnos a existência de um cinema que tivesse com- 11~ 1111 ftll &
melhor sobre o pouco de utilidade prática aparente, sobre tes. Id@tica dire!iªº teria inspiráôo e caractenza<fo partilhado, naquela época, do espírito e dos ideais tti. 11111 flln1
a inexperiência e a desorganização da jovem linguagem
visual, suspeita de servir apenas para fazer poesia mui- ~s incu.rso.es..nos..t~óticós; nesse"caso; à'""erü- do movimento modernista. Ou, mais concretamente, r111t' ollltU 1'11
to sutil, de ser parente do sonho, esse inimigo número dição" se fazi a presente graçãsãs supervisões de Bas- para avaliarmos até que ponto a obra ficcional do ' '"·'"' 11 11111
um de nossa civilização extrovertida?. tos T igre e de Olavo Bilac, o que não era extrema· cineasta H umberto Mauro pode-se dizer filiada ao "" ll1t111111 1
mente abonador. Mas a lição do cinema-narrativo de Modernismo, como o foram seus contemporâneos de 1•111 1<111111•

Na medida em q1.;1e P.roç_l_lEava ~lll~_E.,~ã°- i;i_~ya Gri.1[~t,h_gm1eçará_a_sei.:...apiendJda "pélõcinema bra= Cataguases. . ·11111~•11 1111
d~ntro .d~ q~e ser!a a '..'.lill&m!&~m cq1e~t~raf1ca", silejro. ~través ~do-Paulista....José_Me.dina...<;Qm .o s.eu ·~~llll'lll 111
a vanfil!ard~ r~~uttçy __nurn__movimçnt_o.,.h,Ç,unàQ.-C:~­ Exemplo..Regener4dor- ( 19.19), filme..que usa a mon. O pioneirismo e a contribuição modernista ' ! hnt-nlula,
pirador , em qu~ e o extremismo de al umas o- ~geil_l_ ,!llte~ada e uma decÜ~~gc:_m - ~inâmica ao _c~­ de Humberto Mauro 111\11. N11 111
siç?es. Sºl!L~~ d'or e com Le chien an~alo~, ta,t.a estória dõ..mordOmir.fié[que.tra.liâllia_p_ara..sãlY,flr
o casamento dos patrões. Na explosão eufórica dos
,, . 1... 11111111111~
Lu1S ;Bunuel e frunrda-vangu~rda-francesavnsp1- Parecem nascer de uma confusão inicial de con- . t1•11, 1111-111 •
radora também ãeSúi'teses ·ru~uras t;m ~ue as ~ções clclõs-regton111s;· já tia aec~a_de _ 20, a atenção do ceitos as observações que conduzem Glauber Rocha vrllo 1l1t Ili
___
de Lumieie ·e êJe·-cJnffilliííão ...seriam
-· es uecidas. restrito mundo cineriiatográfico_lu:asileiro-~
pa@ a aguases,. onde o .Modernismo colhe os frutos
ao endeusamento infundado e, portanto, inútil da
obra fíbnica de Humberto Mauro9. Há. uma iden•
() 11111111•
. tlll1111 111111 •
da r~i'SUlVer.de.,_e onde tmt..aud.aéiõSõ~rtct:...,. tificação indevida entre os termos da. prop~sição :
Realidade do CINEMA BRASILEIRO na época . 111111 111111 "li
M ~uro . _çmueÇa- a-produzir...fÍlmes•....sis.te.maticamente.
do Modernismo Percebe-se, por esta rapidíssima colocação histó-
na verdade, o pioneirismo ardoroso e 1nventtvo do
cin_e.asf..a_mineifO;-que-improv·isavrtécn·i~~i·
pn 1"--·••li
lho•, 1'111'
rica, que o cinema ensaiava . aindaAs....primeir.aitas- Jav.a...i:apiQ_ãinêifte lições··dos-gtamtes·narraãores ame-
1 Enquanto a Europa e os Estados Unidos registra- sos ~Tudos-mais-próximos-~a-Semana-de-22. ... l'lttlY.li llfll tl
" ·1 . I • I
vam quase vinte e cinco anos de pesquisas e de in- Nãõ possuí!l tradição; por jsso mesmo era difícil de-
ricanos
. ' n àdãfem-a-verc-orn-wfundam1ffi'fó's""'êü1lt1~
. . ;;, 110 rulh•llln
'"' . quietações artísticas, o cin~ma br~sileirojpi&.iaYil..~llA. terminar deformações que se devessem combater.
rais, mesmo se algumas vezes g~atu1tos e 1mat~r~~l l' ll ...... . ..
do movimento modernista. Assim, toma-se d1fÍ61
história ~ob o signo da mediocridade e da estagna- Não tinha-infra:esto.mlra econômica: a _p,rodução de aceitar, inclusive para os admiradores do velho e rc~· o...1tullh1111
1
ção, destacando-se "raros momen º-~ ãe- brilho f@;t. filmes ficava na dependência do entusiasmo ·e-;- a-s peitável cineasta de Cataguases, a exaltação teodéll• 11Jtltl1n1h11 •
Apontam-se três causas pa·r a-expriêar õcorili:asté e n- vezes,"Ciõllei.'õísnro·-de'ãlgumas poucas vocações de- ciosa que Glauber faz de Ganga Bruta: ., ' ho111 11•t•l1tl
1 re o desenvolvimento do ~inema n_?rte-americano _e finitivas. O importante, para es.11e.s_entusiastas, era 1th•h 111111111
o do nosso: o caráter de 1mportaçao que caracter1- "fa:zer cineinã", era-manter acesa uma chama ainda •
A explosão de Humberto Mauro, em 1933, lembr11n~p tu11111 fll 1111'1
'zava a nossa cultura; a confusão que se fazia entre muito-·frãca P,ara -5ustentar-polêmicase"ref1namentos que estes anos são os mesmos do romance nordesti , h tl 1111• 111111
( cultura e mera erudição; o fato de que o surto in- de ÕpÇõeSêstllísti'cas. Eiio'tme,=assim.,-a- distâííciã en- 6 tão importante que, se procurarmos um traço · ";; 111111 111111• 111
\dustrial brasileiro só se processaria efetivamente a ... -~------· .. -. identidade intelectual na formação de um caráter ciq • · :
(8 ) Co6TA, Fl,vio Moreira da. " Int rodução ao (novo) Cine- 1 1111 .., ~
(6) Idtm, p . rr. ma Brasileiro". Jn: (Diversos Autores) , Cinema moderno, clne- ( 9) ROCHA, Glauber . Revisão Critica do Cinema Brg11f;fr:ÍJ ' ·; •.. •• "" 111111 1
(7) Idtm, p . 139. nra 11<1vo. Rio, José Ãlvaro Editor S.A., 1966. p. 172. Rio, Editora Civili:r:açAo Brasileira, 1963. p. 21 a 31. 'º'" ' 1 •• , . . . .,. '"

151

1 -
;•

1t11 plirlir d~ 19308• .Q.ç__:-f&tQ,Jo.do_Q cinem;a gue se. ! ez'


.
tre as preocupações culturais dos modernistas e as fusamente impregnado de realismo e romantismo, vere-
no B ' li me1ra-década-da-séeulo,- i:eíena-:Se • experimentações arte~anais dos cineastas seus con- mos que Humberto Mauro está bem próximo de José
dj~aos...modeloS-.illlJU)rtados. Parece fruto ternporâneos. Mas se fôssem~s aventa~ ~ · hiP.Ó~~~ ~~ Lins do Rêgo, Jorge Amado, Portinari, Di Cavalcanti,
• v11111\l
1111 <Jo acaso o êxito, infelizmente P.OUco explorado, dos um cinetna modernista, que tivesse ex1st1do em tqr!JO da primeira fase de Jorge de Lima .e de Villa-Lobos, de
•alhl111lt l\ •l1
111111114 •••~'''l i:
(!1,m~s "!.alantes" e-.TC:a.Qi<m.tçi!~ em g)iê iii2re~ <í'!i=
p stos atrás da tela sonorizay,l!Jll a imag~ muda:
da. explosijo "'l-1~:-J92~ trãtüràlmeõfequé "ó- poõto ·ae . quem se tornou amigo e com o qual realizou O Desco-
britnento do Brasi/10.
••nh1,a11 n referência escolhidÕ haveria de ser · b 'éfü._y@g.YA@ã
d ou tres anos de sucesso ~o e ~,_ · fráncesa, prínleirô 'mõVim-eiltõ" c1nemato~ráfico que '
fQ!'am 1ns.ufl.C1ente para..manter •.E~r~jl9r .. • Não seguem argumentos que comprovem as af.ir-
,.,,,,.," . . . . . 1

1111 '11111•fl}l1 • cÓlocou em pauta profilêmas êlerênõvãÇ~õ· de- lin-


mações feitas, o que ·p ode ser explicado pelo clima
l'lh..!IR tll•t e Q!ltros pione!f2~uxe!2F.~~~o <!ª=fórmula m~&!.C! guagem, de · destruição d~ .i!.Q$!Ç_~í;_ijlliiij1s seCíi- de euforia ci.nemanovista em que o livro foi escrito,
1111111 1111111 qu~ _rêun1a..numa . so pessoa asJ unçoes-Õe-prõdutor, mentadas e velh~ com a condição de se ac~sc<'.ntar
distr.ibuidoF-.e ,.exibidot...de filmes.
Es.tes, na maio.ria do~ casos, segµiam os C§~~s
ao vanguaidísmo a abordagêm ã'e~~ios' regíooajs
já fazem oito anos. F ica fácil par.a Glauber, no seu
arroubo de escritor, encarar Ganga Bruta como
ou globais da realidade 6!_afilleifa.." ~ EStã--exigência
••• .... 11111 h est~ticos e teatrais da linha francesa, como parecem um "clássico às avessas", expressão cômoda que pa-
contida na liipót:eseencerra muito de paradoxal, na
rece significar muito não dizendo quase nada; uma
,...... ''""W'. '"'
ltlllhll111u
Indicar os depo1mentos\Ja "época. 0.s assuntos, ª lél'n-
da preferência indiscutível pelos fatos da..cronica po-
n1edída em que um cinema de tendência intimista,
apoiado grosseiramente em muitas das teorias freu- revisão atenta do filme, ao contrário, nos forneceria
licial,. começavam a buscar-se nas páginas dã 'n ossa c:!ianas que então estavam na moda, hostilizava toda argumentos p ara sustentar análise menos entusiasta.
literatura rom~ntica·, sucedéndo-se 'âS ·versões de perspectiva de análise histórico-social. D e q\la,quer Mas deixemos Ganga Bruta, por enquanto, e
O ·ql'f.lr_alíi....e::ãê=l~ema.--Mãs- aopttca ·~rmanecfa forma, os dados disponíveis são suficientes para-·:'<Jis- fixemos-nos em Sangue Mineiro, ~ue Mauro rea-
fi mesma: encenações artificiais, estáticas, gesticillan-r cutirmos a existência de um cinema que tivesse com- lizou .exn;. . ! ~29. AventãmÕsânipotése dé- que se tr~ata
tes. Id'l iitica dírêxão leriãin~írado '"e caracter1za<io partilhado, naquela época, do espírito e dos ideais de u'm filme nada "moderni§1a", dentro da conotação
115 incu.rsÕ.es..nos~ie.IDas l!_ãti-16ttcos; nesse caso; a "eru- do movimento modernista. Ou, mais concretamente, que emprestamos ao termo. Ao contrário - em que
dição" se fazia p resente graças as supervisões de B as~ para avaliarmos até que ponto a obra ficcional do pese a importância dessa obra p ioneira e a força
tos Tigre e de Olavo Bilac, o que não era extrema· cineasta H umberto Mauro pode-se dizer filiada ao do lirism9 primitivo que p arece caracterizar toda ima-
n1ente abonador. M as a lição do cinema-narrativo de Modernismo, como o foram seus contemporâneos de gem enquadrada por Mauro, - é palpável_sua :yin-
O rj_((ith ,ÇjID~çará... a ser_aprenclidà ·pe1õ-~ema ra- Cataguases. cu.l açãq_...!!Q. J;inema menor griffitruane,..em- que as
sile!r.o l}t.r avés _do- paulista .José -Me.~-ª,eU técnicas narrativas p assavam a veicular estorietas sen-
Exemplo...Regenerador (.1919), filme_q.ue_usa-.a...mon.. O pioneirismo e a contribuição modernista timentais, eivadas de um romantismO-de... segunda
t~Se.rl.1 !ll~':':flªda e uma de~u~~$!~-~ina~1c_a ·ªº· ~E-
--" A •

de Humberto Mauro mão. Se nosso exame se concentrar no eixo da aná-


t nu..est6r1a Clõ::ffiõrClõlfro: f1et:..que-ti:a611llia...p.ar.a.sá1Yftr lise estrutural, tais aproximações serão mais eviden-
~ casamento dos patrões. Na explosão eufórica dos Parecem nascer de uma confusão inicial de con- tes, desprezadas as qualidades secundárias em pro-
ofõlo nrgion1iir,'"jâ na - dffigL.de-20, a atenção do ceitos as observações que conduzem Glauber Rocha veito de uma visualização mais· global.
restrito mundo cinemªtográfico brasileir~Y.J1~-s~ ao endeusamento infundado e , portanto, inútil da O termo de comparação será True heart Susie,
P.~C~fâ81;Jases,_. ond~ o .Mo ismo colhe os rutos obra fílmica de Humberto Mauro9. Há uma iden-
dn ._!eVl'Stll J1erde,_.e. onde um. audacJosQ .. um..tn:J1~\l:·::::::;"'il filme que Griffit~ realizou em 1919. Com seu pró-
tificação indevida entre os termos da proposição : logo moralizante, dedicando a obra às mulheres que,
M@i:Q_começa..a produzir .fÍlmes.....s~ªticamente. na verdade, o pioneirismo ardoroso e inventivo do
Percebe-se, por esta rap idíssima colocação bist6- para serem mais bonitas, p adecem diante dos espe-
cin~as.t:l.L mineifõ;-que-improvisava:-técnícas-e-assimi-
ricll, que o cinema ensaiava ainda-os..prim.eit:QLID'S· lhos, True heart Susie constrói sua estrutura nar-
la.Y:!W.ap~mente lições dos-gr~áóres ame-
hl•.!• 11•1l•h ' SOS nos eiliidos - mais-pr6ximos-da-8emana- de-22. rativa eQl função de uma perspectiva simplória, digna
ricanos, naâa te m a-verC'Om"os fontl:utrtrrrtos cultu-
tl11t11 .. '"' h Nlro · ssu1a tradição; por isso mesmo era difícil de- rais, mesmo se algumas vezes gratuitos e imaturos,
de folhetim novelesco : personagens ingênuas e pou-
llll"hl Vil IU i rm1nar e ormações que se devessem combater. do movimento modernista. Assim, toma-se difícil co densas, encadeamento de situações carente de ve-
,, .. ~•1 11111 11 Nlto linha....infc~estwtura_econêmica: a ,p,rodução de rossimilhança, precipitação para un:i final feliz e tran-
lttllhn n1a111 aceitar, inclusive para os admiradores do velho e res-
EHi\üis f icava na dependência do entusias~o e: - ãs- peitável cineasta de Cataguases, a exaltação tenden- qüilizador dos elementos narrativos manipulados. f:
Jllll\h º"'' " C•I
ltll l l'I h 111111
Vêll:ê8~ ilo fiêfõismo-~ae-ã1gumas poucas vocações de- ciosa que Glauber faz de Ganga Bruta: bom esclarecer que, por questão de método, estamos
finitivas. O jmporta.rlte, para xsses entusias~as,-era abstraindo em nossa análise u m conjunto de fa-
Ull 1°111 111 h •1I "fnUtt_ cineÕlã'';-era-mãfíter acesa uma chama ainda ~
tores principalmente visuais que definem e dão con-
r
111 11, 111 11111t •
A explosão de Humberto Mauro, em 1933, lembrando
.i tõriãl!if !ra süstentar polêmicâf e r eliõamentos que estes anos são os mesmos do romance nordestino, tornos estilísticos à imagem griffithiana, sem falar
li 11111111 '" de crpç es estilísticas. Enorrn , assim;-:a-distânc1a en- é tão importante que, se procurarmos um traço de nas· suas dimensões de obra pioneira.
li" 111111111h • "' identidade intelectual na formação de um caráter con·
(8l CodTA, Flivlo Moreira da. " Introdução ao (novo) Clnc· ( 10) Op. cil., p. 24. A proposição de Glau ber Rocha repe-
í.llll Dlüllclro". Jn: (Diversos Autoces). Cinema motl,mo, clrt~· (9) ROCH4, Glauber. R e visão Cr itica do Cintma Brasl/tiro. te.se em outros auto res, como no caso de FLÁVIO Mou.•M D4
iíl8 íIOVg. Rio, Jo~ Álvaro Edl!or S.A., 1966. p. 172. Rio, Editora Civlüzaçilo Brasileira, 1961. p. 21 a 31. COSTA, op. cíl., p . 179 a 190.
O CINEMA 157
"True heart Susie" parte de utna proposição: S?Sie . . . o que nos levou a denominá-lo assim, longe de ~er . o tratamento da est6ria no limbo do patri.mô l 1UdlmM1
e Wiffiãm são dõ1s adolescentes ligados por ~utua um sentimento de bairrismo, foi, antes de tudo, e pnn· . versai. Aí estão os limites da personalidade d: • Llt tnlal..
cipalmente, esse vigoroso sopro ~e brasi_li~ade, que hoje ro, que P aulo Emílio Salles Gomes com in~ n~ 1tf!IUt ü"8
.
s1mpa t'1a, moraro na u'nica rua de um f lugarejo . d do. reanima e reeduca a .nova geraçao brasile1ra11. peito e honestidade soube definir : · 1•11111 1 ,,
interior estudam na mesm a escola. A im . e pr".1-
. ' a 1.d a d e William p ara um. Colégio, fltUWlll l
porc1onar d t. Suste- E, notável a desproporção entre a proposta e o re· Mauro começou a fazer cinema não parque !o ln l 1111\lfllijl
·t·
sacn 1ca-se e m segredo • vende anim ais e es
d imaçao,
· sultado obtido, apesar de todas as excelentes inten- telectualmente moderno, parque '!ã~ o era, !DilS · l.)}lf,lfllll
. expectativa do regresso o noivo. ções. Na proposição de . Saogue MineirQ ternos a
v•t4l1tlll1
passa a viver na · tinha gosto e talento para a mecan1ca. NJL.inio~ oi u () lllU IHI
A segunda parte da narrativa provoca .º. surg1men1o liga_ção sentimental, Ji!_mbém_jngên.u.a, de Carm71n e Indo mecânfco do cinema que o atraiu. Não quer . t l>1C"V
Robertõ: --era;·enteada de ..um ..rico in.dustrlãl,_c.um...'!i- asíim quee le-fosse-desproviao a~ sensibilidade; J ti li •••1111•• fl
de obstáculos à ligação sentimental: W1lham retoma ,, .... li , ,, .
do· Colégio para logo ocupar o posto de P ast?r do lha· legítima, Neusa, e~tffe ~~ f.9!!.1.l~~do "à an1eri~ana" seu gosto artístico era bastante convencional, ape. 111
vivacidade de sua indiscutível inteligência. ~ multOJ · ·o 1'l ttllll11l11111
lugarejo é assediado por Bettina, moça de Ch1cag~, em colé.gió. i~o,rt~nte; . ele, um boa-v1ãa;:::a..a.uo _9e
vável que, se ele houvesse escolhido outro· meio 4 trll··
que jog~ com armas que Susi~ desco~hec~: os arti-
.
auton16ve1 último modelo. Os obstáculos surgem com
a voltá -ae Ne!JSa, que namora~ e-õ-éíja R.operto, le-
pressão artística, a sua contribuição não teria su 11~
'"'"••v•u
11hlJH~tllf
fícios, os pós, as sedas e as pinturas, ~~s1e custa a o limite restrito da curiosidade regional 12. . ph•vln n
' va.ndo -Cârmem ao desespero; esta é salva p9_r .1\1!1~
compreend er a nova situação• masf W1lham casa-se h llllVINIA1
~

A t
com Bettina e ela é obrigada a con ormar-se. er- e Chris moradores da ·C hácara do Acaba-Mundo, _çs Se entendemos Sangue Mineiro corno protó-_
"Y'! li \llt- li• lt
ceira parte consiste na rernoção dos obstá~ulos: _Bet- quais · Mãúro nabilmente · J.nf!~â§i~f:_e""fü=~§\I~ii~i_a da primeira fase de Mauro, caracterizada. por ,, . ' •h• M4ilu

tina mostra-se uma esposa desleixada, ~us1e continua anterior. A re1noção dos obstaculos surge a partir sopro ingênuo de inspiração, s~re.mos ~br~gado f 1 11 h t l 11 lllU
de uma transfor1nação da proposta inicial: como "a
a dedicar-se à casa e à tia d?ente; Bettlna ree~contra reconhecer em f!ª"CC:._Brut"!!. _l.!lttmo .. filme . .Jl\ülJt J • 1111l1t 11111tn
veIhos amigos . d e Chi.cago' diverte-se com .
da ajuda que Susie lhe dá nufl!a s1tuaçao a itiva,
eles,
- apesar
fr ·
mocidade tudo esquece", Carmem c_o meça a recupe-
rar-se da grande ferida sentimental; Neusa · descobre .
de Mauro (sonorizado pefo'_,gr9..c.essõ:::Y.1taph orut Wn 1 •.
1933) , µm grau muito sofisticado de elaborn.911.61 • . ~
v•- 1111
111•111111 .....
rn.
o antigo amor da irmã, arrepende-se de sua atitude, )

que, a nosso ver, não o transforma absoluta.m • ·
em que enganava o m arido, Bettina adoece e morre. l 1til1111 Rllll
tem violento atrito com o pai, acaba sendo perdoada num "clássico" do cinema· brasileiro. Isto porque 1 11111 1•11111
O final feliz liberta Susie de seu segredo e promove por ele; Chris progride na conquista de Car~em,
o casamento dela com William , para sempre. tin1,1~ s~ a_ ~~dêEcia -não. assimilada e .. rcl~ 111• 1•h•11•h•
provocando o ciúme de -gaX e ·ó -ãesespei'o de Ro- G riffith, apesar d o express1on1sm a sequ~n,c li
O esquem a narrativo p ro o.st?, com um . argu~e!!t~ J berto; este provoca um aci~-~- com ·o aúlóníovel, .
111146111111 ••
\ e um -desenvolv1men o cond1c1o~ados pe}as ex1gen { ciaJemque o marido- mata a esj.[osã aõ:Il e. 1111• UllO•
fere-se, é tratado carinhós~~!~ por Neus.a. Tud.~ ciaS: do realismOãa viagem_êkk._pe as as da e .,
cias da époeâ.J _~rm anece ap.r.ov itável-ate-os-n:~sso~ 1111 Jtl flllll"
pronto p ara o final feliz: Neusa casa:se..E~~R.2_b~~- _ num bonde, e da vibração_ _da luta no bar ·a 1 .~::
dias,_ resente que está em tantas n~v:Ias pa~ r~.Ie- to, Carmem casa-se com Chris, Max E.<?I!'l?r~~nd_~ _sya
1111111,1 .....
. - e em rev·- melhores w.esterns_$J~ JDU!tas éP,?Sas~Q..esque~ r li\: l11110 '"'
v1sao 1stas sentimen
. .ais: .Jlí.o <!escrevermos
. posição e se conforma. .. . rativo de Ganga J!ruta, . em verdade, revela E!J.:1d "ir... 1 h11t11 111
sua -,precar1e
- - . dade ' voltamos
. a ins1st1r sobret• il imeor-
- a· Mauro manjwla com grande hab~_lidade e~es in- pr_imarismo emocional, tôtâ1niente alliê~. b I!· ., 111\l•I 1l1111n
tância de O riffith, independente da con ~guraçª?~ gredientes: usaJ montagem altern31da, ~ov1me11t_a mática -c ultural que- estaria liipoteticameôfe ~l JJ1
estórias qüe ete se -propunlra ~º~-~ft_r.Q:ID~~:--Sllª as cenas att:a_vés de um a_dêC.upJ!gem funcional e d1- "" 1lht111111ft!
cente-a-unra:-abor<Jagem ::!'nrotlernis: - e .P 11 ttl•llt 1111•
manipulação original dos tempos c1.~~!!1ffgÉ!..1!?_?..5!. nâmici,' define personagens e tipq§,Sfo.$º é:...E._c~s? A proposição, no caso, é apresentada no déCO~ c1 '
à - decupagem viva e inteligynTe âas _ c~Jl~ --~tre as do amig9 do indYs.t,tial, dono de linguajar emp-61aãd
e nãíclílo; seus enquadramentos denotam sempre
da narrativa, através do recurso do f lash-back O ltt•ll "'''''º
l f1ht'1Nll Ytl1
quais se destaca u ma das imagens mais fort:s de trospecção; a transfºrm~ão d!!., J'.rOpJ!.Sla &urg~e_.~. llllllHt, •Ili
True hea.rt Susie: na romemoração_ pelo no1:vado adequação ao assu nto descrito, há ne!e~ ,~-~-s_o~
de William e Bettina, o grupo alegre J~º~º ao piano, de lirismo_e de inspiração. Mas a verdade e que fãm- vé.~ . 9_~ ybertação d~ h~rôíil~ a ,,T§P.1 2s
~êo. Y•111•l11 1111
tomanoo-a li~ré!>aYâ-casar-se com on er61. N •'-' 11U•qan
as velhas senhoras que conversam, Sus1e isolada c~o- bem ·Sangue Mineiro, apesar de suas qualidades in-
trata de fechar os olhos diante das inegáveis
trínsecas e de sua importância na História -ao ·ei-
rando mas,
ao mesmo tempo fingindo estar muito
' . ·
feliz com o acontecimento; os pnmetr_?S P ªº. s
Lillian Oish definem toda uma concepçao de cmema
1 0 de nema Brasileiro, possui. u~~}!~tiiffiitã:..üàl.i:~JLrue-
cária em te1mos de çoptç.y_çl9___~.,- ~ v~ross1~lhan!a
dades do filme, mas de exaltá-las através dl\
lação dos modelos culturais sobre os quais cons
ram firmar-se. · ;
1110
M

' ll1111l 1t1 "
de\
nuru ''t"
que Oriffitb soube implantar e legar a seus suces- emocional; adot~ .un1. esquema-.de-e'.Y.~ ...ikr!..Y~.ç-ªo Resta-nos, agora, explicitar as conclusões A 00 o '"' r111t ~• •
griffithiana, mas co1n un1_.airaso _c;l.c. J:l~~-ªTl.2~ .e s~m a exeo-Sição acima deve ter conduzido o leitõl'~~: 'º
sores.
:e
, .
deste modelo, estruturalmente precano, que se
o mérito da originalidade deste; o pretendido "sopro
inspirar-se rigiqamCE~ nos filmes de Orüfitb O, . nu• 1"•u•t•1 ·1or a
fllll " ' •
de brasilidade" e1'istéãpcnas nas locações e talvez
vai aproximar o San!!!.e Mine!!º d.~. nosso Hu_~~ no tipo de alguns intérpretj:s, pairando a estória e
da escola amer-1cana, Mauro 'riâ""o-foi 11em-:po-4ÇJ t<Yi:-
1U 1 AI~~·
berto M auro. No prÓlogo escn o, man1~es!a~se o ~e­ sido um qtodernista, dentro ·aõãffibl e u.
.
"•1tlltl1
"1111~"1''º·
~ tlll '" f,,
14
sejo de "fixar ... um pouco da aln1a s1mple~- ~--~~il Cópfa em 16 mrn de propriedade da Cinemateca B~asi­ H• lei
da nõssa- ê nte", aepoiS:: de uma -~~?-~i'l-~!.!.Ǫº··-~ª1S
(11)
leira (São Paulo). que possuí ainda os seguintes longas-metragens
de Mauro: Tesouro perdido, Brasa dormida, Ganga b ruta e O
( 12) GoMES, Paulo Emflio Saltes. "Mauro e due nílrl - ~hlíl
ln: li cln•ma bras/110110. G~nova, Silva E dltori, 1961. pp, 6.11 1 1. 'f,"'
M•1 llt• 1111111111.
~11tt\11

!
151
--
longa so rc o ítulo do filme: eanto do saudatú. (Trad . do A .) 1 •' li~ •
'.

. . . o que nos levou a denominá-lo assim, longe de ~er .. o tratamento da estória no limbo do patrimônio uni- tendemos o mo!!mento.....d.a_Sem~na de 22. I:1Qi.· Jl!Q·
um sentimento de bairrismo, foi, antes de tndo, e prin- venal. Aí estão os limites da personalidade de Mau~ dernista! sfui; no sentido de ter sicfõaõrpoucos pio-
cipalmente, esse vigoroso sopro de brasilidade, que hoje ro, que Paulo Emílio Salles Gomes com tanto res- ' n~ii:o~guê'"}i6êrtãí'ãm"OC1iíema nãciõnal tl~O~õ'S
reanima e reeduca a .nova geração brasileira11. peifu e honestidade sou_be definir: coro. -ª-~rª4i窷º- t~ªtr!llizali!e_el!.W.P.fiª, ..P.,;JJ.)çjg.iil!!lent~
f~ap.cesa ; f~i modt<rnista .E~.r ter acreditado num _ins-
B notável a desproporção entre a proposta e o re- Mauro começou a fazer cinema não porque fosse in- trumcei:i~q, e numa l!ngua~em na qual os modernistas
sultado obtido, apesar de todas as excelentes inten-
ções. Na . pfOPMiçáo- de...Saa.gu.e Mingiro temos a
telectualmente mooerno, porque não o era, .mas porque
tinha gosto e talento para a mecânica. N..Q..início,.. fo.i .o
vê rdadeiros,
'
muitas
• •
vezes, Iriam ôuscar"ºinspiraçãõt:t:
• " ..... _ ..- ...... - - - - • - - Jã; .. ,,_ _

Q uso indevido de um termo com conotaçoes tao


lig<,1~ãÓ 'sentünentalJ_a.m!?.~m_jng_êntw, de Ca1n1en1 e lado mecânico do cinema que o atraiu. Não quero dizer restritas explicaria o exagero dos biógrafos de Mauro
Roberfõ·:--e1a;-éiiieada.de. .u m- r-ico- industrial.....Cl!f( -fi- asgfm ·que elrlosse-despl'ôVi(IOõe sensibilidade, mas o
seu gosto artístico era bastante convencional, apesar da que o elevaram a uma posição que ele próprio nunca
ll1a legiii~~· -~~u.~at ...~~tfi..~~- J9.!:1.!!~~· à ~!~ericana" vivacidade de sua indiscutível inteligência. .f: n1uito pro- pretendeu ter atingido. Cabe, neste ponto, uma con-
êin cólég10 1~QJtéUlte;..ele, um . boa~viaa,..~]fe vável que, se ele houvesse. escolhido outro meio de ex- sideração que julgamos da maior importância. Aceita
auton1óveruil1mo modelo. Os obstáculos surgem co1n pressá!> artístic!l, a sua contribuição não teria superado a hjpó~ de~e o cinema modernista buscaria ins-
f\ a vcilfá-ae J~Teg~i\...~qiie '.namora. e- b-~íj~ ~o~erto; le- o limite restrito da curiosidade regionall2. pij_~ç~Q ..Q.~~ .~e~_f!~~" ~· nos . exempfos .?..ª~~gi:Iãr.~ã
'\ vandó-Cãrmem ·ao desespero; esta é salva p~r .M{\J(
frances.a,.J 1ca....o...J.emo.i:..s.õb.te.. -as.....c.on.se.qu.en<aa.s......n~ga­
l quais.· _Maurõ'-habi~~n~~~i.'11-~9.~~~í~ã-.·e"fií~~§l!fiíc~a
e Chris moradores··da·Cháca1'a do · Acaba-Mundo, os Se entendemos Sangue Mineiro como protótipo
da primeira fase de Mauro, caracterizada por um
ti vas._<!Jt_p.~oliferação de filmes .no estilo de Limite,
de
··--
Mário---~·
Peiiõfoõãs"'- ã êêãâãS-de 20- ê '"3'0·: ·:A:ç, ·se
1-........................ __.... .__. ........--- ._ ..._ - - - - · - ·-
anterior. A remóçao dos obstaculos surge a partir sopro ingênuo de inspiração, seremos obrigados a ater a uma linha narrativa ingenU~Il,lªS__ Sl._!~çµ~<,\da
de uma transformação da proposta inicial: como "a reconhecer em G,anga Bruta, último filn1e mudo Pe.la .asslniilác.ão- dos ··re<::ürsos â ãc omunic,ª ç,iQ... a~ra­
nlocidade tudo esquece", Carn1em... c.omeça a recupe- de Mauro (sonõrizaw- pelõ' Qf<;1.êisso. .YJtaPb0ne,-e.m vés do tíirríe~- MãürõTívéoü:Se · e- llvrou:nos de um
rar-se da grande ferida sentimental; N eúsa descobre
o antigo ·amor da irmã, arrepende-se de sua atitude,
.'
"
1933), µm grau muito sc;ifisticado de elaboração, o perigo rnalor: -º
dÕ- ciílêma-·nefméfiéõ-· ºfa --a--·ente
;' que, ã nosso ver, não o transforma absolutam.e nte fi:eua1ano ou e,iç1_s~_ç.nc1aiisfu., __çl~§Ü_gª-qo ~e todo_Y.ín-
ten1 violento atrito com o pai, acaba sendo perdoada num "clássico" do cinema brasileiro. Isto porque _C.Ql.l· cu!o com o real .e..com._Q_~Qçjal. E, ~ sua tarefa
por ele; Chris progride na conquista de Carmem, tinua sua de~i:i~ência não assimilag~em relaç.ão,...a de .. pioneiro, viv~o...e-c0nstr.uindo ..u.m. ci.Uêin:i atO:cfª
provocando o ciume de 'IYfa.i(. e ó "õesesperõ·-aê..Ro- G riffith,- apesar o- expres-s-iõhismo a seqüênciªJni- imaturõ._pãra súporta! .. r.e.i;iovações e _v~yênçJ!!.s_.~!,!Jtu­
be1to; est.e provoca ~.m ~~i~.~!.::.~-~om ·o iii."!!?!:flo'vel, .. cià:remque o mai:'i'd ô.. nrãta a .~SP.Q.§.il "iiií le1to-.d~. n~p­ rai~. mais amplas; Mauro teve o mér1t(!_ .4~colaborar
fere-se, é tratª<lo....,r,;arm.Q9~"ª~.~!~_por Neu~.ª· T ud.? cias;·do realiS"i'ffOdãViage~...CJ~t~ .wili!.s_r11~-!l~.~!~ad,i<, na._ pr_c:;QaràÇã<f de-1Iffi1f ·~-atítlaãeqüeviria J-~f; .con-
pronto para o fi!.~~!..ff..Ml.; ~usa cas~:se .~9~-~ob~!:. .. num l?óii'c:J.e: ..e.:dil :Vt.i:i~ªÇ~ç)_Ç~.Ll!!!-_11~,_digya _dos fj_gura.~_co.ns~~!ªm~!!,te.-gµii&f9-!Lamrctêc~gas :âjjó.s ..!-i
to, Carmem éasa-se cQffi Çtir1s, M~~- ~<?!?.J?.r.~en.~.s~a rrielhores . w.esterns.A~ _puit~~as. O esquema·,n.ar· eclosão êto movimento modernista.
posição e se conforma. . .. . ra~ivo . de G°.'!-.C<l.,.B.rut:i, __ef_!l ~~~da~e, revela n~o - Õutra questão, que, iritêliiinênte, ~~o nos é e_os-
Mauro º 'lltl!!P.!!!a com grande habilidade esses in- pomarismo emocional, tolafmenfe alneW-à-prt>o1e- síveJ_des.e!),yoJyer, nos limites deste artigo, diz respeitõ
gredientes: usa a montagem ruternada, movimenta
<
. mái:ícâ- cúlliirãl- ·qüe- estâriã 1íipofeficamêá1e" Stil>Ja- às dimens~à.-impGr-tânêia-dos-t:ilmes.. de..ç urta-me-
as cen_a s ...atr.i"llés....de_uma__de.CJJrulge.m Ju!~ciona~ di-
nâ.mica, defin~ .pers~nagens e tipq§,,._ç9~~- _c~s~ e cente'"10Jm·a:::.-abõfilagem. :~'.rtroderntsta:·-11~e.
A proposição, no caso, é apresentada no decorrer
.
ti:..ãS~~ _:q_~~ Humberto . ~uro re~!!zou a par~~r .~º
seu acesso ao então Instituto .Naç_19.nª1JJ.Q...C1nema
elo ..ai;iJ_go: .~P -,.m gystr1al, dono de hngua1ar emp·o lado da narrativa, através do recurso do f lash-back ou re- E.d1icaiiV.õ.;· ···réfirO.~me.•-~pr.incipãfmênte-Lsé.~si­
e - rid1culo; seus enquadramentos denotam sempre trospecção; a transf(!rlJl.flÇ_,áo__dq,,,J?!.<!l?,QSla surge atra- /ianas,. ..em que · o -autor···abarda.-.aspe.ctos de•. Sll.IL.vi-
adequação ao assunto descrito, há . ne~~s ,..u~---so~~
de lirismo _e de insp_iração. Mas a verdade e que 1am- vÇ~.."~-~ Ybert.aÇão da h~r~~:;:~....~ ~·eu" ~<\ivo vência no interior mineiro. Sem concordar com a
tomani:lo~ l1vre--p-a'l"ã"Casar-se com o llero1. Nao se exãltáção · mãis uma vez extremista e infundada que
bem ·Sangue Mineiro, apesar de suas qualidades in- trata de fechar os olhos diante das inegáveis quali- Glauber Rocha faz do curto Engenhos e Usinas14 ,
t~ínsecas e de sua importâ~~~..E.ª Hist6r~· 3<r ·ct- dades do filme, mas de exaltá-las através da reve- nãQ ltá .dú.vida de-que··a- visão- nostálgiea-e--J.íFica...qpe
nen1a Brasileiro, poss~i- :U.!!1ª .•~.t~~pre­ lação dos modelos culturais sobre os quais consegui-
cátia em termos de c:onjp]J_<J,9..,~.. !!!. . verossu~~~~~~a Mauro. ~em_<!Q.. homem e das kojsas..d.n...c.ampo,~m­
ram firmar-se. pre filtrada 9.~. ªrn.o.t..e....de...serenidade,_d.e fine.-se. CQllJ.Q
e rnocional; adc;>14 .um.esquema-.de.. .evJ:a@l~~fu;.U.Y.ª9-ªº .Resta-nos, agora, explicitar as conclusões a que"
f,iriffithiana, mas COIIl. llJU_a1r.as.o _<Jg .J!~2'~. ar.t?S -~ S~m ºo eco de uma das rorrentes vivas do modernismo
a expdSição acima deve ter conduzido o leitor. Af! posterior ~ .. S..~~!l!l~r d:e-:~.2~-e :94~ · tem ·em.J .ose..r;iJis
ô n1érito da originalidade deste; o pretendido "sopro inspifar-se rigi~~m.~te nos filmes de Griffith ou · nos
de brasilidade" e-Xiste apêi1as nas locações e talvez da escola americana, Mãüro ·nã<rfoi--nem-pode;ra- ter
1111••0 (13) Ainda está por explorai-se o estudo das influências que
110 tipo de alguns intérpretes, pairando a estória e o cinema brnslleiro (ou, pelo menos, o ci~ema. em geral) terá
11 ..-1li ~·· ~ ..._,,.~~ ...... sido um modernista, dentro d~-~!'l~]:m.~ 'e'?-- exercido sobre os modernis1as. Outra pesquisa interessante coJ1-
···· - .--
~111111l1 " ( 11) Cópia em 16 1nn1 de propriedade da Cinemateca Brasi- sislírla na vedficação de contatos entre cineastas da época e
leira (Siío J'a\llo), que possui ainda os seguintes longas-metragen s (12) CioMl!S, Paulo Emílio Saltes. "Mauro e due allri grandi". o movimento; lembramos apenas o "Trianon", usado por José
1111'1111,lh fj ' ln: II cinema brasiliano. Gênova, Silva Edilorc, 1961. pp. 69-70. Medina como um dos cenários d.e Exemplo regenerador.
d~ Mo11ro: Te.wiuro perdido, Brasa dorn1lda, Ganua br111a e O
•MN/o d11 sa11d11<.U. (Trad. do A.) (14) Op . cil., p. 30.
..
O CINEMA 159

'
,.
do_ Rêgo sua fig~a mais representativ_a. ~ evidente i12_digesta_de outr-0s- cinemas;-ao--mesmo tempo çausa e~t ará definitivamente introduzido no nosso cin ema, · /11~1111 ti• '
a semelhança de inspiração entre Menino de Enge- e efeito de acentuado subdesenvolvimento culturâl. nn d imensãõ ae-um-gê.trel'O ex:tf'éftiarnente fecundõ 1Q10. ti
.• nho e M eus Oito Anos, livro e filme respectiva- ~ prim.eu:a..reaçao decísiva, presente pãfêíãlnrente- em e capaz de auto-renovação~-------- l l'Jtfll ••lf~
filmes como Agulha n~ f...a_lj1eiro__ll))_~ _yiany, ~· 1ft '''"• Pll
1
•. mente, sem que se possam configurar ligações ou 0_.i.mportante nesses filmes curtos realizados em
• derivações entre o escritor e o cineasta. O verda- 1953), manifestar-se-á em R io, Quarenta CJrã'us tomo de 1960 é-;--m ais- cttr que fiído, a_gufuaêla ftls. 111Utttlll 1
1 d~ Maur<:» simples e .espo~tâneo, liv~e ãe prete;i- (J::l~IJ<m Pereira dos Santos, 1955) e -em.·:a .-.urã1f!/e tórica que eles representavam, tanto- ciim retaeão ·· 10111ntt ti
soes eottur:ns--gue n ao estavam a seu alcance, marco A;fon1ento (Roberto Santos, 1955). uo~ temas escolhidos1 q_u-anto · nas técnicas de rotei/ 111 lllltMt 11
p~a a evólução ooCinema 1Jras1feirõ,· existe ·ecôn- Rio., Quarenta Graus não é um filme bem aca- rização, de realização e de ediçãõ. Aruanda, e ; 111'1. IUltll 1
,. tjnua ··aexiSfir nas- peaue.iiâSBrasiliànas . de ·ma.: -
turidade criativàlS. .x .... - · - - · - · ---- -·- ----
süa bado; revela, ao contrário, um cineasta imaturo em Li.ru1.1.1arte Noronha, é um exemplo ·caracterísf~ , 1111411111 htll
" ·-------- e
b~sca cfeun.i~~O~ te~J!ca .estilís_ltC.il.J!illlalS aícãii- Ab~rda os problemas de uma comunidade rnise.rá• ' 1•nr1 ..111111
1 çaCla. Niás, apesar de veiculá-Ias numa narrativa fil- v.el, instalada· num an~igg_ qpjJpmJ1o-:iliCS.êiiã @::Li· \'Ova.
A renovação modernista do Cinema Brasileiro mica confusa e desordenada, Ne lson' Pereira dos San- Jh(l_çlo, na Paraíba. A realidade é recriada p elo ci• 11111 11 l'U
tos -tinha· muitas idéias para _JraQ.~,tn~!l !'· Ácíiiiãae n~asta em termos de incis1v~~i"silu ~~~~~. viyi°:uêt9s 111111111• .....

As nouveltes vague.V do ·mundo inteiro surgirão das todo, stiii. vis.ão. c-títica diante de duas constantes da •!\Oradores do lugar: a ca_P.I!!_à, ..ª ..P.!ciÇ!!~~ ..sl.1Lági!i1 1il t1ll•~•tt '
.várias modalidades de síntese que o cinema somente viela cariõCã.: a ü;1ye)a, . com süas-·conse:-'
'toci'as" as-. u construção das t<}perl!~. a confe~çª9..I.l!dimentar ,de "') .l ' '11111
se tornará apto a realizar a partir da lição funda- ª.
q~~ncia~:· .e .. P.~.iX,~_s!~o PC?Y'1. P;~ fqt~b()fo.-Ci.~~ .
JJ.1g1.Jã ••.i:lefuill.Lvamente d_Q§_ ê .tM!Q§_•e, ._do_,~ . ·ª ·rJ1f1c1a-
u1:~nsílio~ e su~ v~1.~d.a J?..O..~~e,~i9r.; ~-ª-·~E~ª- "'Nota-se
corto cuidado nas con1pos1ções, mas nao há exei:•
11111111 ,, ..., ..
r111 ÂICJt jtlll
mental do neo-realismo italiano. Por isso é que esses
movimentos renovadores se manifestarão apenas a lismos presentes nos argumentos tradicionais, a-rea- citação fotográfica gratuita. O texto narrado com voz ~IYllll Pllt l ..

paiJi:r::-d1\-:-déç~.ãã .. dê -~;- p9 r l~~o__c;rni[..ã_~pyie11cia fidádé -sõêiãf..sei-Vinciõ.·de põiii9 .ªe P.âi-1íaã-para o n~rm,al é dire~o, seco, sem orname_nf~Çõ~l~Ufas; ' 1• 111 ll•l 111
roteiro e, inclusiv~, para o pr_Ó.Qfio sf~.{~!b.a ª'[:"J>1Q- nao e dogmático. No fundo n'lüsiéal, busca-se o foi· 11•111 . . ... 11111
br.~.~i leira do ciclo Vera Cruz é lamentável do ponto
d~ vista da realidade histórica que lhe' era contem- ªução. Rio, Quarenta Graus foi um filme barato, clórico e .não o ~x6tico. A té hoje Aruânda con- . l i li 11 h111 lt

p~rânea. O neo-rea!is1no ~taliano pode ser interpre- numa fase de l;Uptura em· qÜeera preciso fãZermui- serva sua dignidade e sua seriedade, ajlesar êl'ê estl.U' . n. • 111• 111..
tos filmes, apesar de todas as reações desfavoráveis ~uperado como encenação "e ·éom() _ín.~ti-umen"fo a() · ~11 11 nl11 ....
tado como retorno as origens. 'Cõffiefetto, retõ'ma
o _ci_ne~a-d~u.l_!lentário de Lunl.icre, e!_l_riq!;feEeiidõ-ó do público colhido de surpresa. o· Grande 'Nf()m7!mo informação. 11•11111 !1111

parte da _observação do ambiente familiar em que Mas, mesmo para a época, o amadurecimento s6 vil N11 t l"i
com o aprendizado de quarenta-anos da narrativã rõ- ·, (tlt 111111111•
manesca e com as exigêncías- espoiitlneãS- ã omo- vive um operário p aulista:· no- ãiaâe seü' casamento;·- viria com dois fil mes que, de certaº fõrmã; sin""têtiiãi\'1
mento histórico do p6s-guen:a, ero- qüe 2 ··-c-ó'nàiÇões ere d~erásuperar contratempos de toda sorte, até ~ -principais tendências d9 c;_ineJ!l_tJ_IJo.vç,- De um lado,
de produção e os temas óbvios orientavam o trabalho o momento de uma malograda viagem de núpcias. ainda o documento, a "recriação crítica do real"l6
dos realizadores. Mais tarde, o retorno às origens Os filmes citados revelam um.a tendência, uma unia primeira abordagem da 1ít~rà'türa lífo11«5rnist~
prossegui rá com Jean Rouch: o c1nema-ve-rda'de-ten- mudança de rumos que se concretizará no surto reno- que, diga-se de passagem, ser\lirá · aê· insp1raçao__J>Jl.t3 ,.
t~rá o despojamento to 'iir,ãeâmara·assuminaõ-o va_9or que, mais tan:f~, ser(ºª lzaao de cihema novo. os -melhores momentos <lo ·cinema- õrãSileiro n a dé- •
papel de mero observador de falos é -a1itüães-·que, Como no caso do Modernismo, trat·a-se a ui de um cacf:i de 60-: V idas Secas,a e Nêfson Pereii:ã dos
ºª tela, devem à pr6pria realidade . a sua 'Cliiiiensão
maior.- · - · ·- · - · · .. · · -
verdad~ito movimento, m_as de _jí-an
abarcando todo um sistema nebuloso de forças hefe-
Jidão, San tos .. De outro, ª-..:c.ríticã- pof?úlãí"~ ·e à " ••e"rffil~O
drpmática"l1-na paráb.o la_d_e Deus e o Viabo"'na '7'ifi\.
o.,

Basta-nos esta rapidíssima menção, sem perspec- rogêneas, ifiCluídoS:-osesprciãiês:-geDuToos e . a..esc.ói:ia ra do Sol, filme em que õ1;~bér.R-0cfía destróí"' 11
tivas de ínformação completa e de crítica, ao ressur- que, aos poucos, descobrirá demag_o~s e oportunis- relação ~on_venciona( .«:?tfe_~-~~e~ããor e--U.9i'SO• :"
gimento do realismo cinematográfico, \!ma vez que ~os : Os p,rimeiroi-fiimês- sér.00:....doc.umCntári.Os õe •
nnge1J1 ... !.!S~1onal, ~ !un d~ estabelecer: a aboli9uo '·
·ele nos interessa apenas enquanto inspirador da re- cttrt3;lll.etx:agem. Curtos para serem livres de injun-
l cios vínculos _éajç~jona!~_? e ~en~i~ação _c~1!1: as 12er~ ..
. novação que também se processará no cinema bra-
sileiro. Este, como vimos, entrava ··------na década ..de 50
a'?umulando erros sobre errÇ.s : .esq:4e1~as _s_q(ifil!~flos
__ ções comerciais, tanto n a produção como na pers-
pectiva de encontro con\ o público; documentários,
porque voltados para a realidade ao redor, porque
son.agen~; a SU§.!!=_~ ~-~ç~o de__un1a a5ordagem ciitl'àa
rt1c1onahzante; a cria~ao <le_. tim~Wma ~ico : càl8lz
de levar o espectador l;l. tr!l!.IM>..Q.~~.Q._para outros conw ,;
.,
ii
e . ~~u9~ rêàU.s.tas· iie pr()<fuç~o; abor_~~~~- de ~as a ausência das personagens e dos enredos tradicio- textos dos temas e das estórias abordªdas. "" .,.
art1f1c 1a1s, CUJO tratamento confundia seriedade con1 nais permitia maior liberdade na pesquisa da lin- O encontro do ctnei:i~~ !>.~!l~ iro com M~cunaíft]ái
maneirismos de direção e de interpreiíiÇãõ';lriiífaÇãó guagem. Estava definida a ruptura com o passado, otrav_és. da adaptaçao ..n go.-os.a. ..~ _s_o ffiãa de Joaq1um.
.. - - ·-· -·--. ·-· -···-- a~i:p".eitavám-se as n1~fiõres-i~8"'de>-'eirremmlmln­ Pedro de A ndrade, tar-SC?:§_-..em termos <le• estãbtli-
(IS ) Referimo-nos de modo especial ao ínncab ado Teoria d1a1s em tran.sformaçao,-·leVãVa~s....e_em......conta-a....bra­ . • w.

geral da / a:r.#lu/a cl&sslca. Mauro acaba de depositar o mate-


sileirisn10 de todoros-dias: eram as correntes e ten- i ( 16) }>(!Nll!S, Norma Bahia. "Cinema e Sociedade''. In 1 Qlo '
rial filmado na Filmoteca da Escola de Belas-Artes da UFMG.
num gesto de confiança e de ami;cade que muito nos honrou. E n1
todos os tokes está presente seu estilo inconfundível de ence-
nação: admirável a scqilêncla da "morte" do carro de boi, dispu-
dências mo_de.r..nifilas -a.ssumidas...iWQs 1ilema nãcicmaf,
ainda aos trambolhões, apesar do átrâso de quase
11e111a nrodemo~ clnerna nove. p. 112.
( 17) PERDIOAO, Paulo. "Ficha filmográfica". l n : D t llf
rl/nbo 1.a terra do sol. Rio, Editora Civilização Brasílclrn l
p, 170.


w. '
1 Ili V11
tado pelos urubus como se fosse carniça. quarenta anos. O docume.ntarismo,. pot _outro.-lado. "'~•li, ,. 1
160
i11di.[eSt!l_de_outr-0s-einemas,ae-mesmo- temp<L.Cru!§a e~tnrlí definitivamente introduzido no nosso cinema, zação de uma conquista iniciada dez éµl.QLintes. Em
e efeito de acentuado subdesenvolvimento cultural. l\l\OlnThnsãO'"'õe-U~xtremameote fecunõõ l ~o;-dessa-ferma;-já-se""tõ"mava possível abordar um
A primei_ra..reação :decisiva, presente paffiãtlt'rente-em e ca1>az de auto-renovação._ -- - te;:~\º e_xtr~amente complex.o e originãl; _ <!ª-. lei!!!~à
filmes como Agulha nE_ _]'alheiro_J,_Al~_y_iaf_!_y, O_importante nesses filmes curtos realizados em cr1t1ca, passaVà-=sea Uma tê"mvençâo em termos de
19 53), man ifestar-se-á em R io, Quarenta G raús torno de 1960 e';"°lfl'llis- do- que fudó, a guinâda fús- imºagem, a-ê:ultyi:_~-âõ'Cin~sta p..reserYiinâo dê.:9is-
(Nelson Pereira dgs_SantQs,. .1955 ) e em:V ...Gran.de l6rica que eles representavam, tanto_com relãÇão t~rções o espíri_to _de M~lo de An4i:ílcl..e!.ª. C inqüen-
'!efon1ento (:&oberto_Santos, _1955) . uos tcmàs escolhidos;- cm<mto- nas técnicas de rotei- ta anos depois da eclosão do movimento modernista,
R io, Quarenta- Graus- não é um filme bem aca- riznção, de realização e . de- edíçao·~--ArÜãndâ, dé dez anos ap6s o_s1,1r1 º..fil> éinema_~~q._Q.~":bra-
bado; revela, ao contrário, um cineasta imaturo em Liuduarte. .NQrOIJ.ba, é um exemplo caractênstíco. sileiro tornava-st: E_e_!ll!!~;i~..IJ1.9Q~íOQ,_preQar!:\QsLP.Mª
busca cre- uniãaae te!11á..tif:.a .e,.. ~StifíSjjçgi_J'.!ima1s -ªlC1J.n· Abqrda os problemas de uma comunidade miserá- enfrentar novas _p_erplexid_ªQ.e..§_.~_J!QYªS transforma-
f.ãa a. as, apesarde veic~l á.:l.~_s _I!!!J:!l~. ~rr_at.~va fíl- vel, iilstalada nom~ m.JJ1&Q. quitQ.mb.QJ.lii])fuaJl..Q_ljl-
lhaçlo, na Paraíba. A realidade é recriada Eelo ci- '
ções.
P..!!:~ conç_!Eir, reafirmando os pontos de vista ex-
mica confusa e desordenacJa, Nelson Pereira doSSan-
tos tinha· muitas idéias para . ti:aq~.ITT!tir· .Acím á- de ncasta em termos de inc1s1v~s silu~9.~~ªas_. rç§s ·°' postos neste ensaio, gostaríamos de insistir na apro-
tüdo, stm vlsli.Q .cciti.ca. 9.~~.!ltt\ .<.l~...clu~i; çonstantes da 111.oradores do lugar :-·a caJi:f!!_ã._ .. !l: I!.1'.Q.Ç_IJr;,t__~ agu.a, ximação @Jmbiente cinematogr.áficn_hr.~-~il.ei.ro.. de
vjda carioc<i: ~ .ff!Yelª, ..cqm tQ~as.J~_.§!li!§.'."coiisé= 11 con,strução das t.ªP~J:é!S, a ç0 n.fecçª-9, rt!<:l.imentª'r .<Je , 192;? com-o_de_J>.atlLruLduondt:es, nos primeiros
qüências, e a pai~<_!- ~(). poyq_ pelo.J:iJt~b«?l. o_éiüiijfu__ utçnstlios. e sua ven.~ª . J?.~~~e.r.i.9~i' na..f~!!il· Nota-se ';, ano,s deste século ._ Apes~r de eventuais ligações ~e
,fúgia .defjujtL'{àniente _çl~-~t.fuli~:~ e_do.s . JlrJ.i.ficia- certo cuidado nas composições, mas não há exer- ·: \ cara ter pessoal, n!lQ ..11.a.Yia-p.on.tos .de-êónt.ato- obJe-
lis1n os presentes nos .. argun1entos tradicionais, a rea- citação fotográfica gratuita. O texto narrado com voz ,1 · }1 tivos entre os realizadQf..e.§_<,J~ fi.lmes e. os. intelectuais
.Jidade social ..servmdÕ-·de pÕnto-~e partldãpãra o nonnal é direto, seco, sem omamentaçg·~:1.lte1'~t:1as; 'l.i. e .i:trtistâ$-:-'Nem..fiã"'..i.ª- çº~~içp~s. ambiente, clima.para
roteiro e, inclu~ive, . para .9. pi.:.óQ.r:io ~iii.~m.ª:.::êlê.~p:r..Q­ não é dogmático. No fundo n'iüsicâI.- busca-se o foi - '\\ tais encontros. Aqui e lá, nas duas épocas, cinema
dução. R io, Quarenta Graus foi um filme barato, clórico e não o exót.ico. Até hoje Aruanda . ccin- ; /
é;a alg~ mu.ito pragmático, ~a~a ~eór!c?•. 1Jpl1;l .9 ues-
numa fase de r úp tura eniqÜe era preciso fazermui- scrva sua dignidade e sua seriedade, apesar ãe estár ; tao de ig~a11sm0-..e...de..sob.i:e.v~en.CJa,._Q.ifisi!. N1ngüém
tos fi lmes, apesar de todas as reações desfavoráveis ~ uperado como ·encenaçãcf.. ê ...Cõmo . ins.tri.np_entó.~:ae i jamais se ~n~ecipou à Histó.ria, mui~o menos no. ci-
1nforn1ação. J nem a brasileiro; o Mo4ern1SIP.Q _ y~io.........quandCL. pode
do público colhido de surpresa. O (i;ãn(Je "M"<>Jm!fflo
p arte da observação do ambiente familiar em ~e Mas, mes1no para a época, 0 amadurecimento só ' vir. No respeito à verdade, o maior .elogio.....para__o.s_
vive um operário pauJislã:- rio õiade seu casamento-:- viria com dois filmes que, de certa fortrià,-s mtêtizani pioneiros de todas. as épocas.
e e de~rá sllperar con ratempos de toda sorte, até a~ _principais tendências d9, <;.i'!~J.1J9JlPY..Q:. De um lado,
o momento de uma malograda viagem de núpcias. ainda o docu mento, a "recriação crítica do rea1"16,
Os filmes citados revelam :um.a tendência, uma lllna primeira abordagem da · 1íi~iãfúrã . mõ'ãeinista
que, diga-se de passagem, servirá:· de lnspifãÇã.i_p.ara
vador que, mª-is tãrae.-ser.í JJãt!zado ªe
mudança de rumos qÚe se concretizará no surto re n"(J-

Como no caso do Modernismo, trata-se a:ui de_J.Jqt


cine1na novo. os melhores mome'ntos do cin·ema·õrasileíiõ na dé-
cada de 60: Vidas SêcãS,- ãe· "Nêlson -Perelia - dos
vcrdadeJ.r.o 01oyimento, -.--- -- -
.. ,_ .. mas de.. ºg rag(.k Jlfilplidão,
abarcando todo um sistema nebulo~ ...Qe _forÇ_ll~ he..t.e-
Santos. De outro, ~ríiiCã-põpüiãf e a ·"'efüãiÇão
dq1mática"J7 na paráQQ.la _de_ D~_ e o D iabo naw-
111'111 ... , rogêneas, incluídos· ~· espé~Õl.es genuínos. e ..a..es.cória ra do Sol, filme ~m <1,ue Glauber-·Rocfia destró.i"ºa
h•ll, 1111 ·que, aos poucos, descobrirá .5fem.~&.Qgias e oportunis_- relação ~on.venciona~---~ir~_ o - esp:_ec1ádor.:=e _!u~õ-
tll!llt "'"
mos. Os primçiros fi lmes-se~ã0-do.cummtátias_de nu&e"} f!c~~~al, a_ J.1m ·-º~-~~!~bel~ç.~G..... ~ abolição
lli;,·1;.1 • ctu:..tíl·m.etr.agem. Curtos para serem livres de injun- <los v1nculos _e ipôcionais de identificação com ·às per-
t 1·l111•tU) çõcs comerciais, tanto na p rodução como na pers- j son.agens; a S!•.stetl.!aÇãõ··_óé l1n1a a'boiêlãgem ·êrífiéa
1l#1·1uln '·~~ pectiva de encontro com o público; documentários, ,rac1onalizante; a criação. oe : ~m :cffiji}j. épico éapãz
Ili! 11111 l~lllt porque voltados para a realidade ao redor, porque ele levar o espect~dor ~ tran.~p..Q.~i.ç_ão J?.?ra olitros·con-
a ausência das personagens e dos enredos tradicio- tcx tos dos temas e das estórias abordadas .
...111 '"' h nais permitia maior liberdade na pesquisa. da lin-
l'I lt•t lot lllt~!Jlfil.!l O encontro.. dQ _c_inema brasileiro com Macunaí1na,
~ R• 1, l1u t:f11 guagem. Estava _jefinida a ruptura com o passado, ntravés. da adaptaçãO:..rigcirõs'i) '.e :s_oírioa dê- Jõaquim
aproveitavam-se as n1êTfior s·~s.>'t!eS"ein'em~n-
dinis em transformação-,- ·l'ê vav!!_:.s..e_ em.....couta...0--bra- 1
P edro de Andrade. far-se-á em_.....term
.. .. . . -··..,_ --
··-· o s ã-e· e.S:(abili-
silt:irismo de todo-ror dias: eram as correntes e ten- Í (16) P<>N'l"ES, Norma Bahia. "Cinema e Sociedade". ln: e;.
tt••4f •urt(1.J •l·'4o.lir!:!' dências .inodem ·s1ªLâss.umidas....Jie1o cinemiLliacwnal, ''ª"'ª moderno, cinema nov<>. p . 1 lZ.
111011 .. ~ ,,,. 11 ( 17) PERDIOÃO, Pauto. "Ficha filmográfica". l n: Deus e o
nlnda aos trambolhões, apesar do atraso de quase i//0/10 ' "' l t rra do sol. Río, Edil-Ora Civilização Brasileira 1965 (18) Ver crônica de J ost C Ai tOS AVELLAR, em Jornal do
1111 " ' 1o..1 ' "•lm• 1). 170. • '
quarenta anos. O docu~cmt.arismo.;...por outro-Jado, Brasil, 29-S-1970.

O CINEMA 161
'
•'

AP~NDICE

O Modernismo em Minas Gerais

••
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'
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'
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...


• ' G~NESEE EXPRESSÃO GRUPAL
DO MODERNISMO EM MINAS
Fernando Correia Dias


'

"

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..•

•,

Espírito moderno: esta expressão de origem eu-


ropéia e posta em circulação mais intensamente de-
pois da famosa conferência de Graça Aranha, não
possuía sentido unívoco nos usos que dela faziam
os modernistas da década de 20 no Brasil. Nem sem-
pre se explicitava o significado de que era carregada.
A Minas, as manifestações do espírito moderno
chegaram por duas vias, paralelamente. Em primeiro

' .
'
lugar da Europa, por meio dos livros franceses que
abarrotavam a Livr aria Alves, na Rua da Bahia, e
que despertavam todo o deslumbramento dos jove11s
intelectuais mineirosl. Pela via paulista, que refor-
çava a priméira dessas influências, provinha igual-
111ente o impacto da nova estética, a modernista.
.
•"
( l) São muitos os depoimentos em torno da Livrari a Alves
"
como ponro de encontro e tert61ia literária . T ranscrevo alguns em
mc.i trabalho O Movimento Modernista em Minas, Uma lnttrpr-e ·
taçilo Socio16glca, Brasília, EBRASA/Ed. da UnB, 1971, p. 112
e ss. Dos mais jnteressnnlcs o pormenorizados, e de que tomei
conhecinicnto direto posteriormente à elab-Oração desse livro, é
o de PEDRO NAVA, "Evocação da Rua da Bahia", r eproduzido no
Suplemr,n to Literário do Minas Gerais, edição de homenagem
a Milton Campos (22 e 29 jan. 1972).

· Níío exerceram influxo decisivo sobre o ide 11 1 "1•10 le11t1 lt
Anno 1
·• . lll()dcrnista mineiro os tennos um tanto obscuros rn .1. 1111• 1
ponsiunento de Graça Araoha3. Encontram~se : ·1·· t 11111111111 ' 1
'

···.;
·~
..; . A qOen tes alusões ao "espírito moderno" nos ·es · ·. 1~
dos modernistas de Minas: Martins de Alrneida, ·d
1011 Drummond de Andrade, João A'Jphonsus, dali
111111,
lih•1 ' ' '"
l 11•1111011111
•·•t~

outros. Este último, entretanto, entediou-se cet'lí\· t1. -~ h11Yl•t


( l 929) com a vacuidade de expressão4. 11t111• 1111
P ara os jovens mineiros "dados às letras", o q 111 Yl•llll
f '. .. ora, enfim, esse espírito? 1:. uma expressão mágl ' ., 1111
li 11111..1111
para caracterizar a atmosfera intelectual que se ii ·
gue à Primeira Granóe Guerra. Tratava-se lalv1v. 11p111 11111I
de rotular a atitude de aceitação do conjunto '1!1 hllll\llf llf
transformações por que passava o mundo no s~C :i: , 1111•1111 h•
XX, notadan1ente no p6s-gt1erra. E1nbora netn Síí , , t li• 11111~
p1 111l11111U
pre houvesse consciência do fato, essa atitude íJ '
de abertura, por vezes crítica, sensível e atualiza, . ' " ' 1 'Htlt1
em face de tais transf:onnações: das grandes ntúd 1111•hl11 1
l '•t~ll•
ças operadas nos planos das idéias, dos costumes,
111 11~ lllh•
tecnologia, da organização política, da difusão
p11l • l lt·11~
pensamento. l '111111
• Belo Horizonte, dentro das litnitações provinel

... "'"·
•TollAl 7»t • • ,.,,. dt ~·
;.~
. - rurt ...
-.
'"-~ • • 111., ...
nas e brasileiras de então, oferecia certas condições
positivas para a vida intelectual. Contava - dip•
,,,........
11111 111· . ,

''"'"''"•'
1\11
mos, em 1925 - com várias escolas superiores: com.
uma Jn1prensa Oficial bem equipada e qne assumln" .... li 1011

Fac-símile das capas aos três número~ de A Revista.


o virtual monopólio da edição na cidade; com \IID '"' 1h• '1lt li

,, .
lllt

!"
..
(2) Emprego, e1n todo este texto, a palavra ideário, mtilii
comumente usada C1ll espanhol do que em português, e o tn~I!) '
""'"
1ltt'1111 ln
com o sentido de conjunto de Idéias e valores manlfestnclos pelo.
~ti uJ

h
Hrupo modernista mineiro. O texto se refere de perto a asptOl.01.
Ideológicos da vida do grupo. A expressão ideologia, m;\IS ~[fé.'
11fffeativa que ideário, ten1 relaçã<:> com nrnitas observações fii1l~
"ºh n,
I' 1 1li'
1 formuladas. Deixo de entpr.::gá-ln, entretanto, por revestir-se li 11•h·~11111 ~
oertas conotações, nos estudos de Sociologia do ConhcclmcJJtO 1 1 f1h1
(por exemplo, doutrina justi!icadora, pensamento político, P@
sarnento determinado por interesses) que não são neceullflfi.• 11111 lttlll
1 mente pertinentes a t oda a análise aqui desenvolvida. Ao lrA~lít
1
do ideário do gnipo, ocu(l(>-mc apenas de suas manifeslng J 1no 1111111
(preferentemente coletivas) no tempo en1 que realmente se O U~ J
grcgnva em grupo. Não desejei acompanhar, a não ser {Jtgld~ '"' 11111--1
temente, o desdobramento posterior das posições ideológicns 'if 1 111111IMt
1

dfvlduais. · ·. '''I 1tlll1 I•


(3) A conferência de Graça Aranha é de 1924. Está r.ipr ,
duzfda no utilíssimo volume Vanguarda Européia e Motler11/~ fl '. •11111 11~1
" JJras//tlro, de GU.BER1'0 MENDONÇA T.llLES, Petcópolis, Voz~. 19 ~ 1\ 11·11~ 111·
p. 188 e ss. A origem europétn dn cxpt.::ssão é examinadii. l)
01·g11nizador do volume, no Prefácio, pp. 12·13. Eis a 0111.tl ; ..;, e h1111111 1
de Martins de Almeida sobre Graça Aranha: "Era 1\m be ,. 1 l11hil111111
nrt fsta que tentava constantemente, em louvável esforço, íiXCI> '
dcr•se a si mesmo. E, sempre que tentou sair fora da C3
'·' . 1ln arte pura, foi um fraoasso. Ern um fraquíssimo pcnsndor 1~ 1 tl1I
Idéias gerais ( ... ) Os seus livros que ficaram: Ca11aii e Ãfd
zortt". Brasil Errad<>, 2. ed. Rio, Org. Simões, 1953, p, ~
....t ,,..••~lllh~\'
1 , l
(4) Na entrevista publicada sob o titulo: "Na RepóbUca ·
dcrativa das Letras Brasileiras, o estado literário de M lnU _ ~
l lt 1 •
1 '' ' ••t Attt
rais não txiste", Dlb;o de Minas, Belo Horizonte, 17 fov, lw:.l( 1 • nlftt>- ~k1
1>. 1. Foz p ar te essa entrevista da cnquetc sobre o momenlo lll.r lltll~Kh ~li.:
r árlo brasileiro, realizada por Cnrlos Drummond de Andtlld ,,., 1 , ••••
••

· Não exerceram influxo decisivo sobre o ideário2


••• 1
Academia de Letras, transferida, desde há dez anos,
--
oiío de tll2& Hum. 2
.....;_1:_._,_
1nodernista mineiro os termos um tanto obscuros do
pensamento de Graça Aranba3. Encontram-se fre-
de Juiz de Fora; com intelectuais que h erdaram a
famosa tradição "humanista" mineira. Ocorriam, as-
sin1, certos pré-requisitos comunitários para a vida
qüentes alusões ao "espírito moderno" nos escritos
dos modernistas de Minas : Martins de Almeida, Car- literária. O teor dessa atividade era, contudo, ex-
los Drummond de Andrade, João Alphonsus, dentre tremamente acanhado, como se verificará depois. Já
outros. Este último, entretanto, entediou-se certa vez se haviam sucedido, desde o começo do século, al-
• ( l 929) com a vacuidade de expressão4. .guns grupos de escritores, congregados em torno de
I
P ara os jovens mineiros " dados às letras", o que revistas ou de escolas literárias5.
era, enfim, esse espírito? ~ un1a expressão mágica 2 no quadro desse ambiente que emerge o grupo
para caracterizar a atinosfera intelectual que se se- modernista mineiro, que procurei analisar em outra
gue à Prin1eira Grande Guerra. Tratava-se talvez oportunidade6. Impõe-se aqui uma distinção. Não
de rotular a atitude de aceitação do conjunto das hol:'ve apenas um grupo. O que se estrutura em pri-
transformações por que passava o mundo no século meu·o lugar, alcançando t an1bém maior duração, é
XX, notadamente no pós-guerra. En1bora nem sen1- o de Belo Horizonte, cujos nomes centrais, enquanto
pre houvesse consciência do fato, essa atitude era predominantemente escritores, nessa época, foram os
de abertura, por vezes crítica, sensível e atualizada, de Cad os D rum1nond de Andrade, Mar tins de Al-
em face de tais transformações: das grandes mudan- n1cída, Pedro Nava, Emílio Moura e João Alphonsus.
ças operadas nos planos das idéias, dos costumes, da Existiu também um.a espécie de grupo variante,
mas não 1ntencionalmente oposto ao primeiro: o da
tecnologia, da organização política, da difusão do
publicação Lei/e Crio/o, didgida por João Dornas
pensamento.
l1t1GllfALIA .g Belo Horiz.ont.e, dentro das lin1itações provincia- Filho, Guilhermino César e Aquiles Vivacqua· Co-
'' . . 'li
' ...., nas e brasileiras de então, oferecia certas condições 1110 se sabe, a intenção deste último grupo era a de
oferecer uma réplica africanista ao movimento an-
positivas para a vida intelectual. Contava - diga-
rnos, em 1925 - com várias escolas superiores; com tropofágico nascido en1 São Paulo. Houve, final1nen-
*'<í
-.....M uma Imprensa Oficial bem equipada e que assumia le, o porventura mais original dos grupos modernis-
o virtual monopólio da edição na cidade; co1n uma tas: o de Cataguases, da revista Verde. Foi paralelo
ao de Belo I-Iorizonte, mas dele independente, em-
(2) Bmp rego, em todo este texto, a palavra ideário. mais bora fossem ambos ligeiramente articulados por in-
comumcntc usada cm espanhol do que em português, e o faço fluência pessoal de alguns participantes. A trajetória
com o sentido de conjunto de idéias e valores manifestados pelo
grupo modernista mineiro. O texto se refere de perto a aspectos do Modernismo em Cataguases foi luminosa e rá-
ideológicos da vida do grupo. A expressão ideologia, mais sig- pida, deixando a marca de realizações e presenças
nificativa que ideário, tem relação com muitas observações aqui
formul adas. Deixo de cmpr-:gá-la, entretanto, por revestir-se de relevantes.
certos conotações, nos estudos de Sociologia do Conhecimento O itinerário do movimento modernista em Belo
(por e xemplo, doutrina justific.adora, pensamento político, pen·
sarnento determinado por interesses) que não são necessaria- Horizonte é bem conhecido. Na década de 20, a en-
me.nte pertinentes a toda a análise aqui desenvolvida. Ao traiar tão 1nuito jovem capital 1nineira atraía certa parcela
do lde~rlo do grupo, ocupo-n1c apenas de suas manifestações
(preferentemente coletivas) no tempo cm que realmente se con· de moços desejosos de realizar estudos superiores.
'• grcgavn em grupo, Não desejei acomp:mhar, a não ser incidcn· ·i:; verdade que não podia ainda competir, na mesma
temente, o desdobramento posterior das posições ideológicas in·
dlvldu ols. escala, com São Paulo e Rio de Janeiro, metrópoles
(3) A conferência de Graç:i Aranha é de 1924, Está repro·
dui ida no utilisslmo volume Jla,,grrarcla E11ropéi<• e Mo<lernismo que estendiam poderosa influência sobre algumas
JJrasllt/1'0, de GILBERT-0 1'1 ENl>ONÇA TuLES, Petrópolis, Vozes, 1972, áreas de Minas, con10 o Sul, a Mata, o Triângulo.
p. 188 e ss, A orige111 européia da expressão é examinada pelo
01·111inlzador do volume, no Prefácio, pp. 12-13. J:Us a opinião Outros trechos do território mineiro eram , porém,
• do Mnrllns de Almeida sobre Graça Aranha: "Era um belo
nrtista que tentava constantemente, em louvável esforço, cxcc.
debilmente polarizados por Belo Horizonte, a sede
" ,: , dc.r-sc a sl 1nesmo. E, sempre q ue tentou sair forn da esf'cra
dn arte pu1·a, fol um fra.dasso. Era um fraq11íssimo pensador de (5) 'Eduardo Frielro estuda principalmente o grupo shnbolista
idéins gera.is ( ... ) Os seus livros que ficaran1: Canaã e Mata- do comcÇ<> do século, no livro .P flgi.nas de Crí1ica e Outros Es-
zane". Brasil Errado, 2. ed. Ri.o, Org. Simoo, 1953, p, 153. crftcs, Belo Horizonte, Itatiaia, 1955 .
(4) N'a entrevista publicada sob o título: "Na Rept'íblica Fe- (6) Meu 1rabalho anterior sob re o assunto, citado acima, teve
dcrntiva das Lctr"s Brasileiras, o estado literário d= Minas Gc· o car~tcr de tese uni,·ersitária e centr.ou-se, principalm:nte, no
rnls não existe", Diário de Minas, Belo Horizonte, 17 fev. 1929, exame do funcionamento do grupo e do stat"s do escritor nun1a
J» 1. Faz parte essa e ntrevista da enquete sobre o momento lite- comunidade em dctermin ado mo111ento histórico (Belo Horizonte
rário brasilei ro, realizada por Carlos Drummond de Andrade. na década de 20),

G~NESE E EXPRESSÃO GRUPAL . .. 167

1
da talvez mais poderosa oligarquia política regional mo, no emprego público); a interação, isto é, a atua~ · se clima intelectual•º. Foi, porém, o Moder.õ ~mu tJlll 1•• 1
do Brasil n a Primeira República?. Por revestir-se lização de influências recíprocas, tanto pessoais como que conseguiu o milagre, por meio das manifest~"\eA 11111• 1•
r dessa característica, a cidade oferecia algumas opor- literári.as, pela permuta de experiências, no âmbito : individuais e coletivas de que se falará mais adj'jlntc. lll tf Mii
tunidades nada desprezíveis, em termos de emprego das escolas, das liyrarias, dos bares; finalmente, a'. A outra motivação é positiva. Estou pi;tlsan<lq n11
e influência política. presença e na palavra dos paulistas. Mário de · ~.
"'....,
emergência de um sentimento comum de identifi- .: ( 1111 llfftt
cação grupalª. d rnde vai a Minas em 1919, para observar a !lrl°"
Exatamente no início da década de 20, coincide
encontrarem -se em Belo H orizonte alguns jovens mi- Afirmar que possuíam, quase todos, o n1esmo gê- coloniaJ, especialmente a religiosa, nas velhas cdU.1-
,,.,
neiros, vindos de pequenas cidades do hinterland, e nero de atividade é dizer pouco, em face de aspecto des da regiãol t. Entra em contato com Alphou,; u11 •1ll•11l111tl
que para ali acorreram· em busca do estudo superior que me parece relevante. Outras gerações literárias, de Guimaraens em Mariana - e o grande p" ·1~1 p111hhtt11•
(a Universidade de Minas Gerais foi oficialmente em outras áreas urbanas do Brasil, não conheceram simbolista relata a visita, dias depois, a seu f o 11111
criada em 1927). Certas circunstâncias fortuitas meios de vida 1nuito diferentes9. Vale a pena assi- João Alphonsus, então com dezoito anos, e quei;' ~
1111 "1•111 •
aproximan1 os componentes de um pequeno núcleo nalar, entretanto, certas peculiaridades específicas do transfe rira há pouco para Belo Horjzonte. ,i
inicial de an1izade. Nalguns casos, reminiscências ou exercício de tais profissões, nessa época, em Minas Mas é em 1924 que os escritores e artistas · . "'"- •hitllt
•t
ligações afetivas advindas de cursos secundários em Gerais. Tanto o jornalismo como as oportunidades São J>aulo iriam estabelecer um profundo víno\m
11111111(11 li
con1um; noutros, o conhecimento comum de certos de emprego burocrático dependiam, em larga medi- con1 Minas. Corn a Minas do passado - de Ot ·
líderes políticos influentes (Francisco Campos, um da, do poder político regional. Isso possibilitou es- Preto e Congonhas - e com a Minas que .el'lt.rll . v11h1"v•11
dos mais jovens, por exe1nplo); noutros, en.c ontros treitos contatos entre jovens escritores e jovens ad- n~ século XX: a d~s jovens escritores e homens P. 1h1vn.'1
casuais nas escolas ou e1n locais de lazer: eis algu- ministradores en1 ascensão, propiciando ainda opor- bhcos de Belo llonzonte. A lembrança dessa vlsi 11111
111 lt"tlt•""
1:1 mas das linhas cruz.adas que ilustraria1n a gênese
do pequeno grupo literário.
tunidade para que os primeiros exercessem, por den-
tro das diferentes esferas de decisão política, w11a
ficaria para sempre na 1nemória dos componen·t
cio grupo mineiro. Estabeleceu-se intercâmbio que irlttJ '"' h11h1
1h11l1' 1111
Os caminhos da formação profissional podiam va- influência bastante vigorosa e, sob muitos aspectos, .• durar enquanto vivesse1n Mário e Oswald de AQ.il;'-
drade. Drummond chamou a esse encontro "a .noss '- h·~• ·l'lllt'•
riar um pouco, dentro das lirnitadas alternativas de altamente positiva.
Semana de Arte Moderna"t2. A influência maior fof · 111· 111•11•"•
então, mas quase todos passavam pela Faculdade de T enho falado, até aqui, numa convergência de mo-
.. Direito. O bacharel não se destinava necessariamen- ços, nos anos 20, em Belo H ori zonte. Mas em tomo a de Mário, cuja obra inicial os rapazes de Bol!l · .-111
te, e de modo exclusivo, à atividade forense. Era Horizonte já conheciam antes de 1924. 1 , 1•1111/1•1
de que, precisan1ente? De que interesses, de que va-
um ser de múltiplos e indefinidos interesses intelec- lores, de que aspirações? Em que momento esse gru-
Os paulistas, a partir de então, passaram a d ·•- "11•
.... .. .....
1\1111
tuais. P ara essa escola dcstinaran1-se, entre outros, sempenhar, para os jovens escritores mineiros, .
po se torna m~dernista? Estão seus participantes mo- papel de grupo de referência, isto é, de fonte d ;· ·
Martins de Almeida, João Alphonsus ( depois de ten- t'tll
ta r a Medicina) , Aníbal M achado, Gustavo Capa-
vidos por que impulsos? normas e valores. A assimilação do exemplo p i\\11is• . " ,11.,.....
Comecemos por esta última pergunta. P enso vis- ta, evidentemente, não foi passiva, nem mecfullQ 111•111... I'
nema, G uilhermino César, Ascânio Lopes, Ciro dos
Anjos, M ilton C am pos, Abgar Renault, Gabriel J>'as-
lumbrar duas modalidades de motivação. U ma é ne- nem literal. Houve divergências, houve caminhos dl~ ', • ln 1lt1 ti!
sos, Emílio Moura. Para a Faculdade de Medicina, gativa. São muitos os depoimentos - por exemplo, ferentes. O ideário do modernismo mineiro da f í\S. 1 li 1111..111,..
de Carlos Drummond de Andrade e Emílio Moura he.c6ica tinha peculiaridades muito nítidas. ~·
destinou-se P edro Nava; para a de Farmácia, Carlos
Drummond de And rade. - que nos recordam a pesada atmosfera academi- T entemos agora delinear , em rápidos traços, \llll• , ""'· º" 1
cista de Belo H orizonte nas primeiras décadas do cronologia do movilnento modernista em Minas, nu· 111 , ,
Não foi certamente apenas essa circunstância -
século. A estreiteza de horizontes intelectuais e po- fase de for1nação e expressão coletiva dos respeoili
1
1111111• '. , .
de que se tratava de jovens estudantes - que os
uniu. Existian1 já certos traços comuns de forma- líticos entre os da geração imediatamente anterior;
a carência de infor111ação atualizada que ela osten-
vos grupos:
- seus con1ponentes chegam a Belo Horizon ' ·~ ." u.... .
•,,, ,.,'"' l\tll~
...,,rJ
tljll•···~·
ção, de semelhança de comunidades de origem, de
nível .econômico, de posição de classe, que. os aiproxi- tava ; o impasse de uma poética tradicionalista e es-
téril : tudo isso assumia um peso opressor, que era
!
'•
por volta de 1920 (uns já haviam andado antes pC ·
Colégio A rnaldo) ;
•11111111 A
1• 111111••
mavam. Vinham. q\.lase todos de pequenas localidades - Carlos Drumn1ond de Andrade, que já tlv ".i~1·~•11"~1i.••u
''""
tradicionais, oriundos de fa1nílias de renda média ou preciso romper e n1 busca do arejan1ento. Relatam-se
a revelação da poesia de Manuel Bandeira, pel · 11 11111 ftf ''
alta. No conjunto, formava1n un1 grupo de classe tentativas infrutíferas anteriores de rompimento com
1nãos de Milton Campos, alguns anos antes, escrev , urw l!•I"".
1tr 11111111
média superior, filhos de profissionais liberais, fa-
zendeiros, comerciantes, n1agistrados, funcion ários.
No processo da coesão grupal, pode-se perceber a
(8) Tais aspectos - atlvidac.le, interação e sentimento - fo-
ran1 usados por mim, no referido trabalho, como esquema teó-
rico para entendimento da gênese do grupo modernista. To·
mei-os de empréstimo a GEORGE HOMAl'fs, EI Grupo Humano,
(10) Veín·Se, n respeito, o clepoimento de llOORlGO M
i
F~ANCO DB ANDRADE, "Reminiscência", reproduzido no Supli!IDJ
to Literário do Minas Gerais, 22 jan. 1972, p. 2. :
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ocorrência de três aspectos entrelaçados, mais ou Buenos Aires, Eudcba. " (li) VeJa·SC o arUgo de MÁRIO DE ANDRADE, "Arte Rclt ><()I '"' f' ., jl
menos sucessivos: a atividade comum (no jornalis- (9) A objeção de q11c essas preferenclas profissionais nada no Br asil. E m Minas <JecnM", Revista d<> Brasil, 14(54): l . t llt~llllPI 1( J
tinham de peculiar nos niodemist as belorizontJnos (oi levantada,
com razão, por W ILSON MAllTll'fS, no artigo "Tema$ M odernis·
jun. '1920.
( 12) Den tre outros depoimentos de CAllLOS DRu MMOND o
1....... 11~i·•
'it~mt•• ,
(7) Cf. O M ovfm1tnro M odtr11fsta em Minas, Cap. 8, p , 89 t as", SuplC1mento Literário de O Estado de São Paulo, 1.0 aao. ANDRADE sobre o Msunto , registre.se "A Semana e os MinQ!fQ ' . .......,] t1
e ss. 1971, p . 4. Corrt lo da J.ftmhã, 1962, ] ,O caderno, p. 6. OKh l l lillU
1.
' 168

11 •
h·ol lt' l(hll fi n10, no emprego público); a interação, isto é, a atua- esse clima inleleclua]IO. Foi, porém, o Modernismo em 1921, uma série de poemas de cunho simbolista,
I 11' V<'-lli lização de influências recíprocas, tanto pessoais como que conseguiu o milagre, por meio das manifestações mas já pren~nciando o tom a ser assumido depois
.1111111• 111111 literári.as, pela permuta de experiências, no âmbito individuais e coletivas de que se falará mais adiante. por sua poesia;
' '" 1•1111111· das escolas, das liyrarias, dos bares; finalmente, a A outra motivação é positiva. Estou pensando na - esses poemas são enviados a .Alvaro Moreyra
~tnergência de um sentimento comum de identifi- presença e na palavra dos paulistas. Mário de An- (diretor da revista Para todos) ou public~dos no Diá-
cação grupa18. drade vai a Minas em 1919, para observar a arte rio de Minas;
'º· Afirmar que possuían1, quase todos, o mesmo gê- colonial, especialmente a religiosa, nas velhas cida- ..
des da regiãol l. Entra em contato com Alphonsus
- por volta de 1923, está formado o grupo, fre-
nero de atividade é dizer pouco, em face de aspecto • qüentando os mesmoS' locais e pensando ós mesmos
que me parece relevante. <;>utras gerações literárias, de Guimaraens em Mariana - e o grande poeta problemas, especialmente os literários;
em outras áreas urbanas do Brasil, não conheceram simbolista relata a visita, dias depois, a seu filho
- em 1924, com a passagem por Belo H orizonte
1neios de vida muito diferentes9. Vale a pena assi- João Alphonsus, então com dezoito anos, e que se
da "caravana paulista", consolida-se o grupo em ter-
111'1111 1111 nalar, entretanto, certas peculiaridades específicas do transferira há pouco para Belo Horizonte. n1os de interesses literários comuns;
Mas é em 1924 que os escritores e artistas de
'~· "'" hl\~IJIJ exercício de tais profissões, nessa época, em Minas
São Paulo iriam estabelecer um profundo vínculo - em 1925, com A Revista, firma-se definitiva-
1111111'\1 '··~ "''"''"" Gerais. Tanto o jornalismo como as oportunidades mente o movimento modernista em Minas, pela di-
111 +li· ' de cn1prego burocrático dependiam, em larga medi- com Minas. Com a Minas do passado - de Ouro
1
Preto e Congoohas - e com a Minas que entrava vulgação de seu pensamento e de suas primeiras pro·
01111111 da, do poder político regional. Isso possibilitou es- duções;
treitos contatos entre jovens escritores e jovens ad- no século XX: a dos jovens escritores e homens pú-
blicos de Belo 1-Iorizonte. A lembrança dessa visita - em 1927, surge em Cataguases a revista Verde,
rninistradores em ascensão, propiciando ainda opor- provocando agradável surpresa nos meios literários
tunidade para que os primeiros exercessem, por den- ficaria para sempre na memória dos componentes
do grupo mineiro. Estabeleceu-se intercâmbio que iria de todo o país, por ser editada numa pequena ci-
tro das diferentes esferas de decisão política, u111a dade do interior de Minas, por um grupo de ado-
influência bastante vigorosa e, sob muitos aspectos, durar enquanto vivessem Mário e Oswald de An-
drade. Drummond chamou a esse encontro "a nossa lescentes que demonstram agressiva independência
altamente positiva. de pcnsamento13;
Semana de Arte Moderna" l2. A influência maior foi
T enho falado, até aqui, numa convergência de mo- - em 1928, publicam-se, em Cataguases, Poernas
a de Mário, cuja obra inicial os rapazes de Belo
ços, nos anos 20, em Belo H orizonte. Mas em tor no Cronológicos, de Enrique Resende, Ascânio Lopes e
Horizonte já conhecian1 antes de 1924.
de que, precisamente? D e que interesses, de que va- Os paulistas, a partir de então, p assaram a de- Rosário Fusco, e Meia Pataca, de Guilhermino Cé-
lores, de que aspirações? Em que momento esse gru- sempenhar, para os jovens escritores mineiros, o sar e Francisco Inácio Peixoto;
po se torna modernista? Estão seus parti.c ipantes mo- papel de grupo de referência, isto é, de fonte de - en1 1929, o grupo de Belo Horizonte começa
vidos por que · impulsos? normas e valores. A assimilação do exemplo paulis- a dispersar-se, . desl?cand~-s~ vários de se~s co~~o­
Comecemos por esta óltin1a pergunta. Penso vis- ta, evidente1nente, não foi passiva, nem mecânica nentcs para o 111tenor 1n1ne1ro, mas possui consc1en-
lumbrar duas modalidades de motivação. Uma é ne- nem literal . Houve divergências, houve caminhos di- cia" de sua presença e de seu papel, como o evidencia
gativa. São muitos os depoin1cntos - por exemplo, ferentes. O ideário do modernismo nlineiro da fase a interessante enquete publicada pelo Diário de Mi-
de Carlos Drummond de Andrade e Emílio Moura hetóica tinha peculiaridades muito nítidas. nas, no primeiro semestre desse ano;
- que nos recordam a pesada atmosfera academi- j T entemos agora delinear, em rápidos traços, uma
111•111111 h• -
cista de Belo Horizonte nas primeiras décadas do
século. A estreiteza de horizontes intelectuais e po-
l cronologia do movimento modernista em Minas, na
fase de form ação e expressão coletiva dos respecti-
( 13 ) V erde, com o subtítulo de "revista mensal de arte e
cultur3", lançou ~eu primeiro n6mero em ' 1927, sob a direção
de Enrique Resende e tendo como redatore~ Martl.ns Mendes
Uticos entre os da geração imediatamente anterior; vos grupos: e Rosário Fusco. H á um poema a quatro mãos, de Mário
e Oswald de Andrade, tambén1 datado de 1927, em que se usa
11 carência de informação atualizada que ela osten- - seus co1nponentes chegam a Belo Horizonte, a expressão "os ases de Cataguases". O fenômeno V t rdt está
tava; o impasse de uma poética tradicionalista e es- por volta de 1920 (uns já haviam andado antes pelo ainda à espera do pesquisador que Ble dt;dique monografln
definitiva. Como fonlcs para esse trabalho poderiam ser usndns
téril: tudo isso assu mia um peso opressor, que era Colégio Arnaldo) ; as que mencionarei a seguir. O relato dos 11co11tecimentos e sua
p reciso romper em busca do arejamento. Relatam-se - Carlos Drummond de Andrade, que já tivera repercussão encontram-se no livro de Enrique Resende, Peque11a
História Sentimental de Catag11ases, Belo Horizonte, J1allnla,
tentativas infrutíferas anteriores de rompimento com a revelação da poesia de Manuel Bandeira, pelas 1969, especialn1entc no Capllulo 6. Outro \jvro, Ascll11io Lopes,
1nãos de Milton Campos, alguns anos antes, escreve, de Délson Gonçalves Ilerrcira, Belo Horizonte, Difusllo J'nn·
-Arner.icana do Livro, 1967, cont.\m inforn1áções çomplelas sobre
(8) Tais aspectos - atlvJdade, Interação e sentimento - fo- esse poeta, seus versos e seu relacionamêntÕ corn os compa-
11 l1111f11h• thm usados por mim, no referido trabalho, como esquema teó- (IO) Veja-se,a respeito, o depoimento de RODRIGO Mm.1.0 nheiros de Cat:1guascs. Há ainda um suplemento especial do
rico para entendimento da gênese do grupo modernista. To· FRANCO l>E ANDRADE, "Reminiscência", reproduzido no Suplemen- 1\.1inas Gerais, n.0 19, de 7 Jnn. 1967, dedicado li revlsla Jlerde
1•••11 1 ' " rJ•Ul· os de empréstimo a GF.<>RGE H-OMANS, E/ Gr11po Hu1nano, to Literário do Minas Gerais, 22 jan. 1972, p. 2 . e um artigo de Joilo Alphonsus, "Poetas de Cataguases" , publicado
I•, 111111~ Ouonos Aires. Eudeba. (11) Veja-se o artigo de Mil10 I>E .ANDIL\DE, "Arte ReliQiosa no Esrado de Minas, Belo Horizonte, IS dez. J929. Assinam o
no Brasil. Em Minas Gcraís", Revista do Brasil, t4 ( S4 ): 102-11,
li•• I••I U•I (9) A objeção do que essas pre!crênclas profissionais nada
llnh;un do pecuHar aos modem is1as belor izontinos foi levan1adn, jun . 1920.
manifesto de lançamento da revista Enrique Resende, Asclnio
Lopes, Rosário F usco, Guilhermino César, F onte Boa, Martins
com rozão. por WILSON M•llTINS, no artigo "T emas Modernis· (1 2) Dentre o utros depoimentos de CARLOS DRUMMONo oE Mendes, Oswaldo Abrill a, Camilo Soares e Fyanclsco Inácio
l •t• Jl ti . J 18''", Suplemento Literário de O Ei1tolfo de Sã-O Pa11lo, 1 .0 aao. ANDRADE sobre o assunto, registre-se "A Semana e os Mineiros",
Correio da Afwthã, 1962, 1.º caderno, p. 6.
Peixoto. Eram jgualmcnte vinculados ao grupo o planlsta Re·
197 1, p . 4. nalo Gama e o cineasta Humberto Mauro.
G~NESE E EXPRESSÃO GRUPAL... 161
•1


1p - em 1929, com início a 13 de maio (Aboi ç o), 11lai1111 11U
~.
publica-se L eite Criolo, mais ousado e mais lhl.lcfr- t1•at• •Ul
nido do que À Revista; -1;. Vou li
,, . - ainda em 1929, saem outros livros moae ·~"'
11
em Minas: são coletâneas de poemas dos í18' '!1 dl' ~-· "11t•
1 1~h1 IU'4t
Cataguases", tais como Fruta do Conde (Rosátiq ' •K~ ( 111111hl•t•
' 1 co) e 13 Poemas (de Martins Mendes); .:,!.~
1 - em •1930, ou logo depois, aparecem n~i­ 1 ~ 1
meiras obras dos modernistas de Belo Horizout ~ : ~~
r'i • ' • guma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade; 1 t·
J ~
linha Cega, de João Alphonsus; Ingenuidade, de. ·J - 1 1t ..
lio Moura; Brasil Errado, de Martins de Almoi :
- com essa publicação, inicia-se o proceSSQ·r. ll· A iuttl
. afirmação individual dos modernistas mineiros. , . p1lnt• llu 1

' mesmo tempo que se encerra a fase em que o S . .1 '"" h 11 IJlll
constitui uma realidade efetiva, para dispersal'·S01 " 1111 111• 111
hora mantendo alguns laços afetivos a distânOlí\rJ;
' •'
••"'
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1h•1lilitl11•
,\ ,,..,,
" l 111ul1111u1n
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··~"
, ;•;.
...
•. ~,-.. !: .... 11111111..
'1' O grupo mineiro se exprime u1n11, 11111•
1 I li 11 ,\ li
Será necessário agora tentar o exame de como O ;· 14\llltt• IA
grupo se exprinlia. Em outras palavras: por que ltl L . ;": 1• ' ' " .1.. Ili
expressou seu pensamento? E qual era, em lÍJ.\ , · l '•lff~ -
gerais, esse pensamento? As formas de expressão e~ ••,,,,,, 1111 lt
ideário forarn , por um lado, as manifestações g · ;:
pais, e, por outro, as realizações pessoais. Estas es!il _ -. Ntt ~1111
, representadas, a meu ver, notadamente, pelas prilne!t. ~ Ih Ili ti '"
ras obras publicadas. A lgun1a Poesia e Galinha CeJUJ.t ~ llll 1111111
são as expressões mais significativas da fase herói ' ·11 1 •1•111111 •
do movimento em Minas. Contêm o substrato •· ttJ 111'1 1111\ li li
,.,_111 11111111~
concreta vivência dos autores nesses anos heróic9l1.:
de sua concepção estética, e de. sua visão do mundo, "·
Vão interessar-nos aqui, entretanto, mais partiaul
"'"'' "''~''
mente, as manifestações grupais. ,
Houve algumas esporádicas. Exemplos: m ruiih;i
tos políticos, atitudes políticas coletivas, em f<\Cíi ,.
realidade da vida pública regional. Houve o bal
literário de 1929, pelas colunas do Diário de Mtn :
tan1bém como expressão coletiva.
Creio, porém, que as manifestações grupais .
maior relevo encontram-se nas publicações do ·
dernismo mineiro: A Revista, Verde e Leite C'ri
Nelas podemos encontrar os editoriais, en1 q1,1 • ·
explicita o pensamento do .grupo, n.urna tentatlV' • · 11°
consenso; e também a orientação estética, co
tanciada, na prática, no próprio conteúdo das
térias estampadas. Aí se encontra, portanto, o ;m·
lhor repositório para o e1tame do ideário do mo(! . -
Rosário Fusco fo i o líder do gru po cta revista Verde, de Cataguase5.

- em 1929, com início a 13 de maio (Abolição), oismo mineiro. Já se fizeram tentativas de análise
publica-se Leite Crio/o, ma is ousado e mais iodefi· nesse sentidol4.
nido do que A R evista; Vou limitar-me, por ora, a formular algumas ob-
- ainda em 1929, saem outros livros modernistas servações sobre traços que considero característicos,
em Minas: são coletâneas de poemas dos "ases de pelo menos em certa medida, desse ideário m ineiro.
Cataguases", tais como F ruta do Conde (Rosário Fus- Consideremos três aspectos:
co) e 13 Poe1nas (de Martins Mendes) ;
- em 1930, ou logo depois, aparecem as pri· • l . A tradição repensada.
meiras obras dos modernistas de Belo Horizonte (Al- 2. A conciliação de lealdades.
guma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade; Ga-
linha Cega, de João Alphonsus; Ingenuidade, de Emí- 3 . O apelo à razão.
lio Moura; Brasil Errado, de Martins de Almeida);
- com essa publicação, inicia-se o processo de A análise a que procederei levará en1 conta. em
afirmação individual dos modernistas mineiros, ao primeiro lugar, os dois editoriais de A Revistais, m.as
mesmo tempo que se encerra a fase e1n que o grupo tenho em 1nente, também, outros sinais que pude cap-
constitui uma realidade efetiva, para dispersar-se, en1- tar ao longo de muitas leituras de/ e sobre os mo-
bora n1antendo algtins laços afetivos a distância. dcntistas 1ninciros.
A tr"diçiío repensada me parece definidora nota
li funda1ncntal do Modernismo em Minas. Não se trata
de rornper com todo o ·passado intelectual da re-
O grupo mineiro se exprime gião, mas, ao contrário, de valorizá-lo de forma crí-
tica. A ruptura era tão-somente com os p adrões es-
Será necessário agora tentar o exame de como o téticos já gastos e que vigoravam à época da irrup-
grupo se exprin1ia. Em outras palavras: por que meios ção do movimento.
expressou seu pensamento? E qual era, em linhas Estas são palavras textuais do editorial de A Re-
gerais, esse pensamento? As formas de expressão do vista, intitulado : Aos espíritos criadores:
ideário foram, por um lado, as manifestações gru·
pais, e, por ou1ro, as realizações pessoais. Estas estão Na verdade, um dos nossos fins principais é solidi-
, representadas, a meu ver, notadamente, pelas prim ei- ficar o fio de nossas tradições. Somos tradicionalistas
ras obras publicadas. A lguma Poesia e Galinha Cega no bom sentido.
são as expressões mais signüicativas da fase heróica Opomo-nos a qualquer desbarato da nossa ~quena
do movimento em M inas. Contêm o substrato da herança intelectual. Se adotamos a reforma estética. é
concreta vivência dos autores nesses anos heróicos, justamente para multiplicar e valorizar o diminuto ca-
de sua concepção estética, e de. sua visão do inundo. pital estético que nos legaram as gerações passadas.
Vão interessar-nos aqui, entretanto, mais p articular- (14) A mais bem sucedida é a d e AFFONSO ÁVJLA, ''Nas Ver·
mente, as manifestações grupais. tentes da Semana de 22", na Revisra Vozes. 66(1) :25-32, jan./fev.
Houve algumas esporádicas. Exemplos: manifes- 1972. Nesse trabalho, se examinam, dentre outros aspectos, arti-
gos sobre a posição nacionalista, inclusive um de alta qualidade,
tos políticos, atitudes políticas coletivas, em face da de autoria de Emílio Moura.
( 1S) São dois os editoriais de apresentação de A Revisto:
realidade da vida p(1blica regional. Houve o balanço Para os cé1icos e pan1 os espíritos criadores, estampados, respeo-
literário de 1929, pelas colunas do Diário de M inas, tivnmcn1c, no primeiro e no segundo número. Transcr~vo a nota
também como expressão coletiva. de Gilberlo M.c ndonça Teles, que antecede a reprodução do s:·
gundo desses textos:
Creio, porém, que as manifestações grupais de "Mas a a prescn lação do número 1 sofreu uma espécie de
n1aior relevo encontram-se nas publicações do mo- rct.lflcação em lermos majs objetivos, que fo ram aprova-
dos por Carlos Drummo nd de Andracn, segundo in!orma-
dernismo mineiro: A R evista, Verde e Leite Crio/o . çílo pessoal que nos prestou, e que está no número 2, sem
Nelas podemos encontrar os editoriais, em que se assinatura, mas de autoria de Martins de Almeida" (Op.
Cif., pp. 209-213 ).
explicita o pensamento do ,grupo, numa tentativa de Parto d o pressuposto de que haVia um mfnimo de consenso,
consenso; e também a orientação estética, consubs- no grupo llt·:r~rio de Belo l lorizonte, em torno das idéias ex-
pressas nas duas apresentaçõe~ de seu órgão de difUsão, que
tanciada, na prática, no próprio conteúdo das ma· durou apenas três números. A respeito do conteúdo literário
térias estampadas. Aí se encontra, portanto, o me- da revista e de seu carál'er eclético. consulte-se nosso trabalho
sobre o modernismo mineiro e o excelente artigo citado, de Af.
lhor repositório para o exame do ideário do moder· tons.o Ávila.
G~NESE E EXPRESSÃO GRUPAL ... 17 1



\;.

Vamos encontrar, em artigo de Carlos Drummond ciência ·muito nítida da necessidade de preservaçao Ação intensiva em todos os campos: na literatUrli . t'n1l1 V13.J
nn arte, na política. Somos pela renovação intelectuaÍ · 1lnnl~I •
de Andrade, escrito nessa mesma época, idêntica da continuidade histórica da vida intelectual da re- do Brasil, renovação que se tornou um imperativo c~·
preocupação com o passado tradicional. Mas é claro gião. Retomaram, numa visão compreensiva, as obras tegórico. 1\11111,

!:
l
que não se confunde essa atitude com a de um culto
cego de todo o passado, seja ele qual for. Procla-
ma-se uma distinção necessária:
do árcade, assi m com o, num outro plano, a de Alei-
jadinho. E muito próximo deles encontraram um au-
tor que era representativo dessa tradição: Alphonsus
de Guimaraens, poeta que muito admiraram.
Verifica-se, pois, que a intenção inovadora não se
limita apenas ao campo estético e muito menos ao
da expressão (a busca de autêntica expressão bra·
111111..1111
N11
H•llfh1A
..
.1 .. 1111•111 11111
Os escritores que falam em nome de uma tradição Houve, todavia, quem percebesse, relativamente às • sileira), que constituem as contribuições mais impor- Al1111t1
são justamente aqueles .que n1ais fazem por destruí-la e gerações imediatamente anteriores, uma descontinui- lantes do Modernismo. Pretende atingir também o llYn tllí••
contribuem para sua corrupção. Ao contrário, aqueles dade, um desolador vazio. Talvez um .tanto exage- carnpo político.
.que não se preocupam com os fantasmas e fantoches do
' 1
passado, mantêm inalterável a linha de independência
intelectual que condiciona toda a criação de natureza
radamente - m as não sem razão - , Martins de
Almeida assim se refere, por exemplo, ao apareci-.
Atribui-se e1n geral uma atitude conciliatória aos
rnodernistas n1ineiros. f, atribuída às vezes ao 1ni· "'"º".
11•vl•l111 1
1nento de A/gun1a. Poesia, e1n 1930: neiro en1 geral, constituindo essa pecha, aliãs, un1
clássica. São estes últin1os os verdadeiros tradicionalistas, 1·h1-lvl li
" " '" 111..111
por isso que o próprio da tradição é renovar-se a cada dos rnuitos estere6tipos sobre o ho1nem nascido e
1111~11- , ...
Em Minas depois de Basílio da Gama até os nossos criado na região. Proponho a reflexão em torno de
época e não pern1anecer unificada e catalogada. dias decorreu u1n lapso prolongado de tempo sem que l'llNNf\llll,
un1 dos aspectos dessa atitude, e que parece real-
surgisse figura algu1n11 considerável de poeta. Podemos mente ressaltar do pensan1cnto dos nossos modernis-
O caráter dessa tradição encarada de um ponto fazer uma pausa em Alpbonsus de Guimaraens que cons- N11 1111
titui uma bela individualidade poética mas inteiramente tas: a tentativa de conciliar lealdades. Estou pen- h11111ll1111•
de vista crítíco está definido nesta apresentação do sando, em particular, nos vínculos emocíonais que
problema: isolada no nosso meio, sem enraizamento da subcons-
se estabelecera1n entre eles e, respectivamente, a re-
ciência mineira em razão do isolamento e exotismo de
sua poesia simbolista e mística. gião (Minas) , o país e o an1biente cosmopolita (es- "' •. u,...
1111- llP--•
Romper con1 os preconceitos do passado não é o Afinal, revestindo uma. significação profunda para nós, pecialmente europeu) da época. Com a região eles "' 111111111
1nesn10 que repudiá-lo. Uma lamentável confusão faz apa!'eceu o grupo de poetas belorizontinos tendo Car- se identificam freqüentemente. Basta, para verificá-lo,
com .que julguemos toda novidade malsã, e toda velha-
ria saudável. Este conceito equipara as obras literárias
los Drummond de Andrade à frente. O autor de A/- reler a obra de Carlos Drummond de Andrade ou li • 1 11~·
guina Poesia foi sempre em Minas o espírito mais re- de João Alphonsus. O Brasil passava então por uma 11111\I h ti
aos xaropes e outros produtos farmacêuticos : quanto presentativo, a figura central do movimento de renova-
mais tempo de uso, Olais recomendáveis. . . A verdade crise institucional, a crise da hipertrofía do federa- llUllllPlthl
é que o te1npo reage sobre qualquer livro de duas ma- ção literária, o qual foi encontrá-lo inteiramente novo lismo, que levaria à Revolução de 1930; e passava 1•11\1lu Ili
neiras: desbastando-o e emprestando-lhe novas aparên- com sua revisão dos valores literários já feita e com a também por abalos sociais e políticos, que incutiam, Ulltt lf 1 1111
cias. Por un1 lado, tira-U1e todo interesse que seja do consciência da espiritualidade moderna já esclarecida.
Nunca precisou como muitos outros cair em êxtase n1e- no espírito dos jovens intelectuais, uma impressão de 11111111111 1
tempo, e que com ele se adelgace; por outro, empres- di único, rodeado de amigos concentrados, nas sessões extrema desorganização. O mundo de então é um 11111 Yt• ti
ta-lhe uma consistência que o torna capaz de impres- do espiritismo literário para ver se conseguia aspirações mundo em rápidas m udanças: as do iníéio do acelera- 1111 l(lllk•t
sionar a sensibilidade de tempos muito diversos. Assim, materializadas do espírito moderno18, do processo de urbanização, do desenvolvimento tec- 11111111•111!11
um livro de 1500, lido em 1925, não é o mesmo livro
de então; morreu um pouco e tornou a nascer outro nológico, das ideologias em luta, do deflagrar da in- '1111111 111•
pouco. É um outro livro, de um outro autort6. . t: curiosa, e verdadeira, essa opinião de Martins dústria cultural que levaria à planetarização do mun- . 'll t•111pl11
de Almeida, de que Drummond, ao entrar em con- do e1n tcnn os de cultura de mas~as. Mas o mundo ~(\ 1•111 li

tato c-0m o Modernismo estava intelectualmente pre- de então é tan1bém o do espírito europeu, de suas . ~)li' _, , ,
Nesse texto, o poeta, além de situar adequada-
!J1ente o proble1na da atitude ante o passado, traz à parado, por uma depuração dos próprios valores,
para bem assimilar o espírito da nova estética.
inquietações do primeiro pós-guerra e dos ecos das
vanguardas estéticas.
; , li
M 1111 11
"'I••
luz outro aspecto que se iria debater muito depois,
nú1na perspectiva estética e sociológica: o da recria- A consciência da importância da tradição autên- As palavras regionalistno, nacionalis1no e cosmo- ' Ir11 11 1hllt
ção da obra de arte por gerações que se sucede1n, tica e das vantagens da contínuidade da vida inte- politismo aparecem explícita e eloqüentemente nos
I~ lectual mineira de n enhum modo ínibiu o ímpeto dois editoriais de A Revista. O primeiro é de teor N'nt1 11u
o proble1na do circuito autor-público-autor17. . rnl lr111111 1
inovador dos modernistas mineiros.
Em relação ao passado literário de Minas, en-
tendo que os modernistas locais tiveram unia coí1,s- O valor do antiacadcmioismo aparece como na-
francamente nacionalista, embora com as habituais
ressalvas que essa to1nada de posição costuma exigir: ~·11 114'
. 1)\111
•li••
h1~ll11
tural decorrência da atitude inovadora e do espírito : ur11hll 1h11I
( 16) ANl>RAOll, Carlos Drummond de. "Sobre a Tradição em crítico ante o tradicional. O en1penho de renovação Será preciso dizer que temos um ideal? Ele se apóia i t111n1111h10
Lít<iratu ra''. ln : Vic tor Sílvclrn (cd.), Mi11as Gerais em 1925, constitui, portanto, outro traço saliente do ideário no mais franco e decidido nacionalismo.
Belo H orizonte, 1926, p. S77, A confissão desse nacionalismo constitui o maior or-
(17) O estudo desse ''circuito" constitui um dos temas do que estou analisando. 11111 "~~
Centre de Sociolo&ie eles Falis Llttérnlres, da Faculté de Lettrcs Diz o editorial dirigido "aos céticos" : gulho da nossa geração, que não pratica a xenofobia Ir M 11111~ 1
t)llJ , ~.,,
c t Scicnces Humnine-s de Bordeaux , segundo o programa p ubli- ne1n o chauvinismo, e que, longe de repudiar as cor- ,,, 44111
'~""'" r.n. ,
cado pela Rev11e Frtmçalse de Soc/o/ogle, v. V, n. 4, out.-dez. rentes civilizadoras da Europa, intenta submeter o Brasil
1962. (18) Alguma Pocsin. O Jor nal, Rio de Jnneí.ro, 10 ago. 1930.

172
l •10111111111 ciência muito nítida da necessidade de preservação Ação intensiva em todos os campos: na literatura, cada vez mais ao seu influxo, sem quebra de nossa orl·
na arte, na política. Somos pela renovação intelectual ginalidade nacional.
1• 11, 1iltl1 ri da continuidade histórica da vida intelectual da re· do Brasil, renovação que se tomou um imperativo ca-
Mn~ f. 1 fo gião. Retomaram, numa visão compreensiva, as obras tegórico. Aqui, a conciliação se faz em termos de nacio·
.1.. "'" 1 ll do árcade, assim como, num outro plano, a de Alei- nalismo e cosmopolitismo europeu.
1111 ,., Ili ti• jndinho. E muito próximo deles encontraram um au- Verifica-se, pois, que a intenção inovadora não se Na segunda apresentação, que, de certa forma,
tor que era representativo dessa tradição: Alphonsus limita apenas ao ·campo estético e muito menos ao retifica a primeira, as atitudes programáticas assu-
de Guimaraens, poeta que muito admiraram. da expressão (a busca de autêntica expressão bra- • mem cunho mais político do que literário.
111111 h 1[1 ( Houve, todavia, quem percebesse, refativamente às sileira), que constituem as contribuições mais impor- Ainda a posição nacionalista, mas numa perspec-
•l+<•ll 111 gerações imediatamente anteriores, uma descontinui- tantes do Modernismo. Pretende atingir também o tiva diferente, talvez mais fechada:
dade, um desolador vazio. Talvez um .tanto exage- campo político.
radamente - mas não sem razão - , Martins de Atribui-se ent geral uma atitude conciliatória aos Apenas desejamos imprimir ao nosso trabalho (da
Almeida assim se refere, por exemplo, ao aparect- modernistas mineiros. ~ atribuída às vezes ao n1i- revista) uma unidade em harmonia com a nossa ten-
1nc11to de Alguma Poesia, en1 1930: neiro em geral, constituindo essa pecha, aliás, um dência nacionalista. Sern preconceitos rígidos. Sem ex-
dos muitos estereótipos sobre o homem nascido e clusivismos estéreis. Procuramos concentrar todos os es-
.E m Minas depois de BasHio da Ga.m a até os nossos criado na região. Proponho a reflexão em torno de forços para construir o Brasil dentro do Brasil ou, se
dias decorreu un1 lapso prolongado de tempo sem que possível, Minas dentro de Minas.
um dos aspectos dessa atitude, e que parece real-
Rllt'gisse figura alguma considerável de poeta. Pode1nos mente ressaltar do pensamento dos nossos modernis-
11111 ,.. to f11:rer uma pausa em Alpbonsus de Guimaraens que cons- No parágrafo seguinte, aparece a questão do re-
titui un1a bela individualidade poética mas inteiramente tas: a tentativa ele conciliar lealdades. Estou pen- gionalismo:
"•lll111,R1 ·' iJ.O Isolada no nosso meio, sem enraizamento da subcons- sando, etn particular, nos vínculos emocionais que
ciência mineira em razão do isolamento e exotismo de se estabeleceran1 entre eles e, respectivamente, a re- Acolhemos com sin1patia o regionalismo. Aproveita-
sua poesia simbolista e mística. gião (Minas), o país e o ambiente cosmopolita (es- mos nesse movimento alguns reflexos do nosso ambiente,
111 Afinal, revestindo uma significação profunda para nós, pecialme.n te europeu ) da época. Com a região eles a originalidade local do nosso inrerior.
apareceu o grupo de poetas belorizontinos tendo Car- se identificam freqüentemente. Basta, para verificá-lo,
los Drummond de Andrade à frente. O autor de A/. reler a obra de Carlos Drummond de Andrade ou A questão é apresentada de maneira extremamente
1t111na Poesia foi sempre em Minas o espírito mais re- de João Alphonsus. O Brasil passava então por un1a sintética. De qualquer modo, não houve, em nenhum
presentativo, a figura central do movimento de renova- crise institucional, a crise da hipertrofia do federa- momento, acentuada preocupação de regionalismo li-
ção literária, o qual foi encontrá-lo inteiram1ente novo lismo, que levaria à Revolução de 1930; e passava terário em Minas. Há excelente texto de Abgar Re-
con1 sua revisão dos valores literários já feita e com a também por abalos sociais e políticos, que incutia111, nault, publicado em 1929, em que o assunto aparece
consciência da espiritualidade n1oderna já esclarecida.
Nunca .Precisou como muitos outros cair en1 êxtase n1e- no espírito dos jovens intelectuais, tuna impressão de tra.t ado co1n. toda a clarezal9. Em Minas, jamais
diúnico, rodeado de amigos concentrados, nas sessões extrema desorganização. O mundo de então é um houve o afirmativo regionalismo do tipo nordestino
cio espiritismo literário para ver se conseguia aspirações mundo em rápidas mudanças: as do inídio de> acelera- ou gaúcho. Ou o regionalismo sociográfico, do-
111aterializadas do espírito modcrnol8. do processo de urbanização, do desenvolvimento tec- cumental e tendente ao típico· e ao pitoresco, tal
••t)olill••·· nológico, das ideologias em luta, do deflagrar da in- con10 aparece en1 certos escritores paulistas, por
ttJtJ.1 t~t

ill 1,, Ê curiosa, e verdadeira, essa opinião de Martins dústria cultural que levaria à planetarização do mun- exemplo. O mitigado " regionalismo" mineiro revela-
de Almeida, de que D rummond, ao entrar em con- do em termos de cultura de ma~as. Mas o mundo -se em alguns temas e em certo tom de linguagem
tato com o Modernismo estava intelectualmente pre- de então é também o do espírito europeu, de s uas que se poderia identificar com a "mineirada", isto
parado, por uma depuração dos próprios valores, inquietações do primeiro pós-guerra e dos ecos das é, a expressão da subcultura regional mineira20.
para bem assimilar o espírito da nova estética. vanguardas estéticas. Mas o segundo editorial se volta abertamente con-
A consciência da importância da tradição autên- As palavras regiona/is1no, nacionalis1no e cos1no- tra o domínio cosmopolita sobre a cultura brasileira:
tica e das vantagens da continuidade da vida inte- politismo aparecem explícita e eloqüentemente nos
lectual. mineira de nenhum modo inibiu o ímpeto dois editoriais de A J?evista. O primeiro é de teor Não podemos desprezar a menor contribuição. Pres-
luovador dos modernistas mineiros. francan1ente nacionalista, embora com as habituais sentimos o perigo enorme do cosmopolitismo . .a a amea-
ça de dissolução do nosso espírito na reação da trans-
O valor do antiacadcmicismo aparece como na- ressalvas que essa to1nada de posição costuma exigir: plantação exótica. Não podemos oferecer nenhuma per-
tural decorrência da atitude inovadora e do espírito meabilidade aos produtos e detritos das civilizações es-
'l lt•l4, "'' ~ti ~rhico an te o tradicional. O empenho de renovação Será preciso dizer que temos um ideal? Ele se. apóia trangeiras. Temos de recompor a nossa faculdade de
l 1fl1 • 111 #V constitui, portanto, outro traço saliente do ideário no mais franco e decidido nacionalismo.
quo estou analisando. A confissão desse nacionalismo constitui o maior or- ( 19) RtMAVl.T, Abgar. Notícia sobre a atual geração tilerúia
tt11• ••·Ili·~• ·'I de Minas Gerais. O Jornal, Rio de Janeiro, 24 abr. 1929, 3." seção.
~···· ...',,,,. Diz o editorial dirigido "aos céticos" : gulho da nossa geração, que não pratica a xenofobia
ll•ft ,.,.,., •• ,,, •• nem o chauvinismo, e que, longe de repudiar as cor- ( 20) Tento uma caracterização dessa subcultura cm Tma11e111
de M inm, Ensaios de Sociolo&ia Regional, Belo Horizonte, Im-
t\ 4 1 1\4 ·•· ,
( 18) Alguma Poesia. O Jornal, Rio de Janeiro, ]() ago. 1930.
rentes civilizadoras da Europa, intenta submeter o Brasil prensa Oficial, 1971, especialmente no primeiro cap(tulo.

G~NESE E E·XPRESSÃO GRUPAL . . . .173


assimilação para transformar em substância própria o O terceiro ponto a d estacar é o d a ten<lência, que idéias, e, em lugar de se discutirem princípios, discutem· 0 11 l•111 ln"I•
que nos vem de fora. Af está outro movimento nacio- julgo perceber, do apelo à razão. Quero dizer: um -se homens. 111111111 N•
nalista que traz também os seus frutos : o primitivismo. acentuado en1penbo, quase sempre consciente, de en- ln111c11 •HI'-
Este vem, sobretudo, humanizar a nossa consciência in- tendimento do mundo pelo pensamento de modali- Toda a confia nça, no sentido de transformar tal
telectual, despindo-a de seu caráter olimpico. Há muito , 111111111 1111
que precisávamos deixar a nossa inacessível Turris Ebur- dade racional (e não místico, por exemplo). E não panorama, se concentra nas possibilidades da nova jl l'l'Olll hlt ,..
nea e acabar com a aristocracia orgulhosa do pensa- apenas compreender o mundo por essa via, mas in- geração, ou melhor, da geração deles: t111•1111_. Ytll 1
•1 mento, para tomarmos parte na hun1anidade, na nossa tervir também, por esse meio, na realidade.
• 111h1t•il41
humanidade. Ainda usando os dois editoriais de A Revista, po- Contra ess.e opressivo estado de coisas é que a mo- .
'. 11111111 1111111
deremos colher sinais tan1bém dessa atitude. No se- cidade brasileira procura e deve reagir, utilizando as
' <1.·111111111111111 ..
~ plausível a aproximação entre esse pensamento gundo deles há um trecho expressivo. Após "aco- suas puras reservas de espírito e coração.
e o expresso pelo movimento antropofágico, no sen- lher com simpatia" o regionalismo, afirma: Ao Brasil desorientado e nevrótico de até agora, opo- ' 111". Mut ila
tido da aspiração de valorizar o primitivismo cul- nhan1os o Brasil laborioso e prudente que a civilização l 1 rup1111l11
tural brasileiro. Estan1os diante de interessante aber- Se bem qu,c pretendemos caminhar noutro sentido: está a exigir de nós. Sem vacilação, como sem osten- 1·11~1111 li ...
tura. M enos abertas - e mais anacrônicas - são dominar pelo espírito o nosso meio e não nos escravi- 1ação. É uma obra de refinan1ento interior, que só os 1ltult•11 1lu f
considerações que vêm logo depois, em que se de- zarmos a ele. Mas é preciso superpormos vontades idên- rneios pacíficos do jornal, da tribuna e da cátedra po· 71i•n1111l11 , H
1nonstra excessiva preocupação com as dificuldades ticas para criarmos um espírito nacional. O esforço in· derão veicular.
tensificado de cada uni nesse mesmo sentido constitui •••'1 : •1111 1'111 11u
de assimilação de grupos de imigrantes estrangeiros o fecundo trabalho subterrâneo das raízes. ~ .11111u1111111 lu
que vinham para o Brasil e em que se fala que esse
4 Ainda aqui o apelo à razão. A crença na possibi-
A nacionalidade se vai formando à custa das dolo- "· ·: 1'1111" )11'1
fato "poderá perturbar ainda mais o estado da nossa lidade de persuadir, de divulgar eficazmente as idéias
rosas experiências dos indivíduos. ·nu; 41", 1111
mestiçagem psíquica (sic) ". Trata-se da afirmação Não podcn1os desprezar a menor contribuição. "
~
pelos n1eios pacíficos.
IYt•hllt•lltl'
"n1enos moderna" de todo o texto das duas apresen· i
• O segundo editorial propõe soluções políticas. Lu-
tar contra. "os elementos de dissolução". D iz que, tfi " '"111111
tações de A Revista. Essa preocupação com a mes- A primeira observação deve cen trar-se sobre esta Jlltlllll Ili
tiçagern, um dos ten1as obrigatórios dos escritos de afinnação significativa: "dominar pelo espírito o para co1nbater o espírito de revolta,
publicistas brasileiros do começo do século, é an- nosso meio e não nos escravizarmos a ele". Preten- 11•1 ,.. ,... '"''
'ui 11111vlt
terior, evidentemente, à retificação de óptica que dia-se que a razão controlasse o real. E pretendia-se ~entimos a necessidade do governo ser a função de unia
ainda a formação da nacionalidade (significando a vontade forte, de um espírito dominador. Se o poder ·x1•11111h 1, 11
_os antropólogos efetuaram na análise das relações
expressão, creio, espírito nacional e não sociedade for se tornando periférico em vez de centralizar-se, te- 1111 111h11•h ..
inter-"raciais" no Brasil. A partir da década de 30,
nacional ) através da soma dos esforços individuais. remos a dissolução das forças latentes do país. 11• M~tlt•
especialmente a partir da nítida distinção entre "ra-
;f lflli' l 11111
ça" e cultura, com Gilberto Freyre e outros, a mesti- O que releva desse trech o (e de outros dos mesmos
çagem deixou de ser encarada negativamente. E é documentos) é certo voluntarismo, no sentido da Propõe-se, portanto, uma cen traljzação do poder ,'ic•t IH 11111
'i
confiança na eficácia do esforço individual na trans- con10 remédio para a c rise institucional. Prega ainda
1
importante assinalar como Mário de Andrade, sem
essa formação especializada, teve a poderosa intuição formação da realidade social, assim como uma cren- 1'
+
a reforma da Constituição. Curiosamente, o ideal pre- i'"'"'" ···-
lu 1111111111111
1 de valorizar o mulato na sociedade brasileira (vide ça no poder das novas elites. ~ muito claro que se •i conizado nesse texto parece ter-se realizado, pelo me- , . 411' .,,, 1

o famoso ensaio sobre o Aleijadinho). confiava na possibilidade de influência dos intelec- nos em parte, com a Revolução de 1930. Alguns dias 'º' IPl 1111111
tuais jovens. depois desse evento, João Alphonsus, orador dos ba- 1111 h•11111 n
.'" Em suma, voltando a nosso tema, os mineiros pa-
E sobre que realidade se exerceria esse poder de chnrelandos em Direito, pela Universidade de Minas
I'. recem imbuídos da preocupação de traçar limites
esclarecimento e de organização? Sobre um país em
lt1;1\o 111111•
11 conciliatórios ent re o espírito da região, o do país Ge rais, faria lúcida interpretação do que estava ocor- . 1•1111111111' li
. . .....
..,.. . crise. Há, nos dois documentos, uma aguda (e até rendo, aí incluído o fim do bacharelismo21.
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· e o da influência estrangeira. Nessa tentativa, talvez ex.agerada) consciência dessa crise. Estão os jovens ·, 111111 1l11IH•'J
,1.,
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se distingarn de outras manifestações modernistas. intelectuais pi:eocupados com a instabilidade polí- Esse espírito racional, que aparece nessas tomadas ~ ·111·10111111•111
. No Recife, por exemplo, desenvolveu-se uma ten- ti.c a, com a caótica 1nultiplicidade de lideranças inau- de posição de cunho político, está também presente, • /\ ,~... 1111
" dência mais marcadan1ente regionalista. No Rio tênticas, com o espírito de revolta, com a desordem. de outra forma, é verdade, na visão literária de al- 1111·-•1111
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.1 Grande do Sul, há autores que assumiram, de forma guns n1odernistas minei ros. Não seriam manifesta· ; ·ff1vhf11 1111
culta, a herança tradicional e folclórica. Um escritor Nascidos na Reptíblica, assistitnos ao espetáculo quo- 96es do fe11ô1neno a freqüente contenção emocional ( otll'lllll 1111111
con10 Oswald de Andrade oscilava entre o mais re- tidiano e JJUngente das desordens intestinas, ao longo das o certo to1n cerebral de grande parte da obra de : 111111111 •·•llt
finado cos1nopolitismo e as raízes n1ais pri1nitivas da quais se desenha, nítidn e perturbadora, em nosso ho- C orlos Drun1mond de Andrade? Ao fazer esta afir- .. llJilll, 111111
cultura brasileira, aparentemente sem se preocupar rizonte social, u1nu trem.enda crise de autoridade. mativa, não estou falando de u1na possível "frieza" ;

muito com possíveis contradições. Os mineiros, ao No Brasil, ninguém quer obedecer. Um criticismo uni· 1111 ,,
1 lateral domina tanto as chan1adas elites culturais como (21) R·e1>roduzo o discurso de João Alphonsus como apên· :1~1·1llM N111"

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1 • invés disso, procuram atenuar contradições, quando as cla.sses populares. Há mil pastores para uma s6 ove- dlea do livro JoiJ<> Alpho11s11s: Ttrnpo t ."lodo, Ddo Horizonte, 1 , , •• ,~ • • • ,
não as procuram eliminar. lha. Por isso mesmo, as paixões ocupam o lugar das C ntro de Estudos Mineiros, UFMG, 1965.
174
..
l• 'hl I" •Í)'I O terceiro ponto a destacar é o da tendência, que Idéias, e, em lugar de se discutirem princípios, discutem- ou carência de interesse humano na obra drummon-
•l1111·nlu 1 julgo perceber, do apelo à razão. Quero dizer: um ·se homens. diana. Na verdade, ela está perpassada da mais ca·
1 I''h11llf\! · acentuado empenho, quase sempre consciente, de en- lorosa substância humanista. Estou simplesmente fa·
1 11)141 111111 h
tendimento do mundo pelo pensamento de modali- Toda a confiança, no sentido de transformar tal !ando da penetração racional, do empenho de com-
h .. 1111 11~1,u.u~ dade racional (e não místico, por exemplo). E não panoran1a, se concentra nas possibilidades da nova preender pela inteligência o enigma do mundo, da
1 ' '" ' '- •~ ur- apenas compreender o mundo por essa via, mas in- geração, ou melhor, da geração deles:
·~" 1111 1 1• incansável intenção de dominar o caos. H á um poeta
tervir também, por esse meio, na realidade. 1nineiro - jamais pertencente a esse ou qualquer
'''"" ,.., . íl 115 Ainda usando os dois editoriais de A Rev.ista, po- Contra esse opressivo estado de coisas é que a mo· outro grupo literário - que escapa do racionalismo,
deremos colher sinais tan1bém dessa atitude. No se- cidade brasileira procura e deve reagir, utilizando as
gundo deles há um trecho expressivo. Após "aco- ~uas puras reservas de espírito e coração.
exatamente pela sua tendência místi,c a e "surrealis·
lher com simpatia" o regionalismo, afirma: ..• Ao Brasil desorientado e nevrótico de até agora, opo- ta": Mu1·i10 Mendes.
' nha1nos o Brasil laborioso e prudente que a civilização Proponho, portanto, como esquema de reflexão
'
Se bem qu~ pretendemos caminhar noutro sentido: 1•
está a exigir de nós. Sen1 vacilação, con10 sem osten-
tnçiío. É umit obra de refinamento interior, que só os
essas três características como possíveis peculiari-
dorninar pelo espírito o nosso meio e não nos escrnvi· dades do grupo n1odernista 1nineiro: a tradição re-
zarrnos a ele. Mas é preciso superpormos vontades idên- rneios pacíficos do jornal, da tribuna e da cátedra po· pensada, a conciliação de lealdades e o apelo à ra-
1.icns para criarmos um espírito nacional. O esforço in· derão veicular. zão. E1n que medida serão traços específicos do com-
tcnsificado de cada um nesse mesmo sentido constitui
o fecundo trabalho subterrâneo das raízes. portan1ento e do ideário desses moços mineiros dos
Ainda aqui o apelo à razão. A crença na possibi-
A nacionalídade s.e vai formando à custa das dolo- anos 20? Se pensarmos no entrelaçamento desses
lidade de persuadir, de divulgar eficaz1nente as idéias traços, na configuração que eles representam, pro-
rosas experiências dos indivíduos.
Não podemos desprezar a menor contribuição. pelos n1eios pacíficos. vavelmente seremos levados a aproximar a imagem
O segundo editorial propõe soluções políticas. Lu· daí resultante da imagem convencional erigída sobre
A prin1eira observação deve centrar-se sobre esta tar contra "os elementos de dissolução". Diz que, o grupo mineiro: ele era mais prudente, 1nais mo-
afi nnação significativa: "dominar pelo espírito o para co1nbater o espírito de revolta, derado, mais tímido do que, por exemplo, o paulista.
nosso meio e não nos escravizarmos a ele". Preten- Essa convicção de excessiva prudência aparece, por
d ía-sc que a razão controlasse o real. E pretendia-se sentimos a necessidade do governo ser a função de uma
vontade forte, de um espírito dominador. Se o poder exemplo, na crítica que se fez ao atraso com que
ainda a formação da nacionalidade (significando a
expressão, creio, espírito n acional e não sociedade for se rornando periférico em vez de centralizar-se, te- os mineiros publicaram seus primeiros livros. :E. o
n acional) através da soma dos esforços individuais. remos a dissolução das forças la\lentes do país. que Mário de Andrade disse de João Alphonsus; é
O que releva desse trecho (e de outros dos mesmos o que Eduardo F rieiro disse de Carlos Drummond22.
documentos) é certo voluntarismo, no sentido da Propõe-se, portanto, um a centralização do poder Seria interessante uma _pesquisa sobre a p resença
confiança na eficácia do esforço individual na trans- como remédio para a crise institucion al. Prega ainda dessas t rês atitudes básicas na obra mais importante
.. , .. ~ , , htl formação da realidade social, assim como uma cren- a reforma da Constituição. Curiosamente, o ideal pre- do modernismo mineiro em sua fase heróica : A lgu-
11~11 .. 1111
ça no poder das novas elites. ~ muito claro que se conizado nesse texto parece ter-se realizado, pelo me- tna Poesia, de Drummond. Exprimirá algo - não
confiava na possibilidade de influência dos intelec- nos em parte, co1n a Revolução de 1930. Alguns dias en1 termos conceituais, como no artigo citado, mas
1111111 il 1
tunis jovens. depois desse evento, João Alphonsus, orador dos ba- em termos poéticos - do que o autor pensa da tra-
., ,,~,li 1 E sobre que realidade se exerceria esse poder de charelandos em Direito, pela Universidade de Mi11as dição mineira? Exprimirá sin1ultaneamente a visão
esclarecimento e de organização? Sobre um país em •
1 Gerais, faria lúcida interpretação do que estava ocor- regional, nacional e universal? Em que medida cada
c rise. Há, nos dois documentos, uma aguda (e até
exagerada) consciência dessa crise. Estão os jovens '
1 rendo, aí incluído o fi m do bacharelismo21 . u1na delas? Exprimirá especialmente un1a postura
Esse espírito racional, que aparece nessas tomadas racionalista?
intelectuais preocupados com a instabilidade polí-
ti.ca, con1 a caótica multiplicidade de lideranças inau- de posição de cunho político, está também presente, Alént dessa sugestão de pesquisa, gostaria aiJ1da,
1>1 tênticas, con1 o espírito de revolta, com a desordem. de outra forn1a, é verdade, na visão literária de al· na mesma linha de raciocínio, de exprimir minha
guns .modernistas mineiros. 'N ão seriam manifesta- dúvida quanto ao suposto conformisn10 do movi-
Nascidos na Rc-pública, assistimos ao espetáculo quo- ções do fenômeno a freqüente contenção emocíonal n1ento modernista em Minas, co1nparado co1n o de
'"' " 111111
tldlono e pungente das desordens intestinas, ao longo das e certo tom cerebral de grande parte da obra de outros centros intelectuais brasileiros. E1n prin1eirp
j•I h11ltl 1111' ~ qunls se desenha, nítida e perturbadora, em nosso ho· Carlos Drun1mond de Andrade? Ao fazer esta afir- lugar, impõe-se destacar a eficácia da renovação es-
rlzonte social, umri tremenda crise de autoridade. rnativa, não estou falando de un1a possível "frieza"
No llrnsil, ninguém quer obedecer. Um criticismo uni· (22) Cf. MÁRIO DE ANDRADE, "João Alphonsu.~. Galinha Ce~a",
lntcrnl don1ina tanto as chamadas elites culturais como (21) R•eproduzo o discurso de João Alphonsus como apên- R evista No va, São Paulo, Ano 2, n. 7. 106-:108, jun. 1932;
l\C classes populares. Há mil pastores para uma s6 ove- dice do livro J oão Alphonsus: 1'empo e Modo, Be-lo Horizonte, E DUARDO fRfP.tRO, "Alguma Poesia", em Lelras Mintiras, Belo
lha. Por isso mesmo, as paixões ocupam o lugar das Centro de Estudos Mineiros, UFMG, 1965. Horizonte, Os Amigos do Livro, 1937.
G~NESE E EXPRESSÃO GRUPAL .. . 175
tética de alguns mineiros. Estou pensando, associando também positivo e m termos de a rejamento do affi· 11 · Uons~S: do cunho mais marcadamente regionalti tJllllllhl 111
ainda uma vez, os dois primeiros livros, respectiv.a- biente intelectual mineiro. do movimento em Pernambuco e no Rio Oran(I .- llll Ytl 1111 •

mente, de Carlos Drummond de Andr ade e de João ui. ' ........, 1


A segunda influência se exerceu sobre o grupa 1o·no11 1 1"li
Alphonsus, nos caminhos que abriram para a poesia om São Paulo, os mineiros se relacionam ltxt~
do poder. As relações entre intelectuais e admini -
e a prosa de ficção brasileiras. Tais realizações lite- tradores foram estreitas nessa época. Muitos dos es
. mrunente ao experimentar a persistente influência do .
p onoiros paulistas. Com o Rio de Janeiro se relaoioa "'' 1h "º''
11f111h11t1111
rárias foram muito além, do ponto de vista da ino- critores modernistas se incorporam à administração, ho11111111 11
11 Mm igualmente. Houve intercâmbio (com Manuel i'
vação estética, do que as afirn1ações políticas dos ocupando cargos executivos ou de assessoramento .. 1•-111 t•MAI+
ndelra, com Schrnidt, Vinícius de Moraes, cOltl'i
editoriais de A Revista. As falhas do pensamento como hoje se diz. Exerceram-nas com lucidez. Em Mnrques Rebelo, eom Cecília Meireles) e houve, , 11h1•1lt11 ...

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conceituai não significam também inoperosidade do alguns assuntos, como o da reforma do ensino, a princ ipalmente, a atração da antiga capital sobtw '. th•llllll 11•
grupo ou de seus membros, individualmente consi- presença deles foi decisiva. Por dentro da adminis- o mineiros, que para lá se foram transferindo ao - " 11..11111111 1
derados. Exerceram, ao contrário, como se verá tração, o seu espírito moderno ·_ ; uma visão crítica, poucos. .. l\lult t 111111
adiante, papel saliente na vida pública mineira. sensível e atualizada da realidade - muito contri- O outro ângulo é o da projeção nacional dos 1ni• ·· .~ Jlfl-•11, hll
I' li~ -111111
Outra observação 1ne ocorre. S a de que, en- buiu para transforn1ar numa verdadeira elite do po· . n lros. Poderia falar d a repercussão dos romanctts
quanto Mário de Andrade, com reconhecida capa- der, i1nediatan1ente antes da Revolução de 30, a ve- d Ciro dos Anjos, tão representativos da prixnelrn '1111•• " 111
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cidade para a reflexão teórica, criou muitos discí- lha oligarquia regional que se in1plantara com a Pri- · .. fnse da produção 1nodernista, na década de 30; da
presença encantadora da pessoa e da obra de Aníbal
11111'11 h·ll ti
pulos declarados, Carlos Dru1nmond de Andrade, meira RepúbHca, e1n 188923. "' hn1111•111 tu
sem interesse especial pela teorização, exerceu in- '
Esta sucinta avaliação torna 1nanifesto que os mo- Machado; da repercussão, em círculos cada vez 1nais
fluência talvez ma ior ainda do que o seu colega umplos da excelente poesia de Abgar Renault; . dn ''"'"
dernistas tiveram papel decisivo no desenvolvimepto 1'1111111111
" paulista, no sentido de sugerir novos caminhos e
novas soluções poéticas às gerações que foram apa-
intelectual da região e até mesmo no processo de
sua modernização. Constitui o movimento ponto ele-
1 rosso nância crescente e penetrante do puro e nob1·~
11010 da poesia de Emílio Moura; da precocemonto
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11111- 11)11 lllt
lt1111l11 , 11111
recendo. lnte1Ton1pida carreira de escritor de João Alphonsus,
vado na evolução intelectual de Minas24. 111 ~1111111tth
om L944, quando era nome nacional.
E em relação ao Brasil? Poder-se-ia empreender O mais nacional, porém, o mais presente em todos -· ·" 111111.
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Ili essa análise, que vou pouco mais do que enunciar, os recantos do Brasil, é Carlos Drummond de Ao.• ~

por dois caminhos: o do confronto da manifestação



. drnde. E é falando de seu nome que gostaria de en• li""''"'''',
'111 111 ,,....
i mineira com as d e outros centros; ou o exame da cerrar esta análise. Não sendo c rítico nem tendo feito ..
A significação do Modernismo Mineiro ÍI "''. 1•111
presença, na vida brasileira, dos expoentes m ineiros qualquer estudo sistemático de sua obra, que frf.:* 1111111- 111\t
que se tornaratn nomes nacionais. No primeiro caso, 1111 v11l11 111
Examine1nos agora qual a significação, para Minas compararíamos aspectos como o do pioneirismo • (lS) Se as duas mnnifcs1nçõ:s do movimento modecnista -
e para o Brasil, da ocorrência do modernismo mi- ' n de Siío Paulo e a de Min:IS - são praticamente c-0ntcn1i>o• lltpll Yt•I "
neiro. A meu ver, o grupo exerceu uma dupla e sau-
paulista en1 relação a Minas; .da riqueza maior d as 1 rl11011s, e com a lguns pontos em comum, pode-se pergunt.n r POl
11l1c motivos n ão ocorreram cm Minas expressões artístioa3 llO
manifestações artísticas em São Paulo, abrangendo enmpo pU\stjco e music31, ao contrário do que acontece no ~l.!I<
dável influência na vida tnineira. A primeira sobre não apenas literatura, mas também música e artes biente paulísta. Tentemos, corno embrião de futuro estutlo, 61•
o público, o Jin1itado público leitor da época, e sobre gurnas hipóteses para essa diferença. São Paulo possuiu tfll• ,
rllçfto de artes plásticas já instil11cion~Jizadas, _o que íaoiHtlll'lt.
os meios intelectuais. :e, a influência ~a renovação (23) O assunto da transformação da oligarquia mineira. cm " almplcs mudança de rumo; Dclo Honzonte nao a possula (nl!O '
.. elite do poder é tratado em ~fov/mento Modernista em !.Jmas, houvera tcinpo p11ra sedimcniar, na jovem capital mineira, qual•
literária. Na c idade de Belo Horizonte, principal-
I' mente, os efeitos do debate de idéias e da divulgação
p. 105 e ss.
(24) Ag contribuições . foram princip~lmen~e no , campo <la
qner. tr:idição, nem se trnnspl:1~tara de ~nro Preto . qualquer tcn•
<Jenr.in nesse sentido). O ambiente paulistano, nnuto mn!s COI>
poesia ( Dnunmond, Em lho Moura, Gu1lher1111110 C~sar, Abgar u101>olita nos meios intclcctu:.1i.s, beneficiava-se do grande vOillfl'IO
dos produtos intelectuais do Modernismo causara1n Renaull) e da prosa de flcçno (João Alphonsus, An1bal Macl1a- do tnrormu~õcs trazidas por pessoas com contatos dii~tus ll.A
un1 impacto r11uito poderoso. Foran1 múltiplas as con- do Ciro dos Anjos). Há out.ros poet.r1s importantes, da mesma B111·011a (Oswnld de Andrade, por exemplo, lá estivern dera~
trovérsias, sucederam-se as incon1preensões nos meios ge;ação e cri,,dos e n1 Min~1', . rnas '!'1e Jlão .se vinct1~aram d.ire- 1912) . Por s ua vez, a presença de imigran1es estrangeiros, Offi
multo maior escala, no ambiente paulisrn, jnfluiu certamente da
t~ment1> aos gl'upos modorn1s1as Jocms: flcnnqueta Lisboa . (hg_a-
111odo positivo. Nfi!o é por ac:1so que muitos pintores, escultores,
literários, surgira n1 numerosos equívocos. lYfas o sal- ·se litcrariumente n partir de certo momento de sua reallzaçao d~vtmhistas e músico~ que se realizaram cm São Paulo, os~!OJ!\
do foi positivo. Em termos de abertura de carninho. poética ), Mul'ilO .M endes (originário de Juiz de Fora) e Dantas uo111es estrangeiros . .t<Jnnlmentc, não se d eve es quecer o dOSCQ•
Mottn (cs1udou em s;10 Pnu lo e reside, há n111iíos anos, em s ua voll' imento. tecnológico e industrial que já afct;IYa :fuodanNfillll•
Todos os grupos e todas as publicações de moços, cidade sul-mineira Aiuruocn). ncs1aria examinar a contribuição 1111111lc a vida social e econômica de São Paulo. Minas et' (I bftlo
surgidas posteriormente e1n Belo Horizonte, bene- no campo do ensa io. Bx ís1irá. por sínal, um ensaís.mo peculiar 1nnlc provh1cinna nn década de 20. De quo.lquer forl)la, lcwo1n.tO
ao Modernismo'/ Um esp írito clássico. corno lVIilton Campos, se ..J. c 111 co11tu sc1npJ'c, ncssn análise comparativa, não ~1p~1a.:; OSi :·.
ficiararn-se direta ou indiretamente do pioneirismo identificou bas1a1111~ com o M'odernismo. Oulros nomes a men- ' dados biogr~flcos individuais (a posição de classe de escritorill "
da geração de l 925. Os ren1anescentcs do grupo 1110- cionar scrifün os de Martins de Almeida, evidente vocação de 11rllst:ts, por exem1>lo ) , nius tan1bén1 a estrnlura sócio-econõmli>G
crítiC(.> c1t1c ~:.: ct1cerrou desde l1á 1l1tllto e se li111itO\l ape11as à <lo• dua~ regiões e o contcxlo histórico en1 que emergitilDl ilS
dernista que continuaran1 vivendo em Belo Horizonte crítica de idéias; Mlirio C'1snsnn ia, João Dornas Filho. Gui- <luns maníf.estaçõcs do Modernismo. Estaremos, ao combínar inl!J
lhcrmíno César e .r.ou cos m'1is. O poss ível e ns;1ísmo modernisla mn1ncnte essas val'iávcís, seguindo o conselho de C. Wrighl Mllli1 ·"
mantiveram contatos benéficos con1 os componentes e s ua manifestação mineira ~ outro 1em11 que gostaria de suecrir que cousidcro. tal perspectiva um dos requisilos básícos da ííiij.
dos outros grupos que foram surgindo. O saldo foi aos 11esquisndore1. 1tlr111çilo Sociológica.

1
178
t.
'

,,, também pos1t1vo em termos de arejamento do am- plásticas2S; do cunho mais marcadamente regionalis-
ta do movimento em Pernambuco e no Rio Grande
qüento quase diariamente, que poderia eu dizer de
llt. VO.• biente intelectual m1ne1ro. novo ou de relevante sobre esse autor?
do Sul. Gostaria apenas de fazer duas pequenas anota-
oo A segunda influência se exerceu sobre o grupo
Com São Paulo, os mineiros se relacionam in ti- ções, resultantes da meditação em torno da presença
1110 ,, li I' ln do poder. As relações entre intelectuais e adminis- de Drun1mond no Brasil de hoje, essa presença que
mamente ao experimentar a persistente influência dos
>tlit11~1w Ute· tradores foram estreitas nessa época. Muitos dos es- pioneiros paulistas. Com o Rio de Janeiro se relacio- simboliza a continuidade do Modernismo. -e. ele um
"'~111 "· mo·
dos
critores modea1istas se incorporam à administração, unram igualn1ente. Houve intercâmbio (com Manuel homem do mundo, em toda a plenitude que essa
ocupando cargos executivos ou de assessoramento, Bandeira, com Schmidt, Vinícius de Moraes, com expressão gasta pode encerrar. Com espírito crítico,
li
l"'""l ~ CDLO como hoje se diz. E xerceram-nas con1 lucidez. Em Marques Rebelo, com Cecília Meireles) e houve, abe.rt~>, sensível, at~al.izado: tal como seria possível
1'•·111111l 1 do alguns assuntos, como o da reforma do ensino, a principalmente, a atração da antiga capital sobre def1n1r as caracter1shcas dos que participaram do
1l11U·hh n~l· p resença deles foi decisiva. Por dentro da adminis- os n1ineiros, que para lá se foram transferindo aos "espírito moderno", nos velhos tempos modernistas.
•• , • lt t
"' Y r tração, o seu espírito moderno ·- · uma visão crítica,
sensível e atualizada da realidade - n1uito contri-
poucos.
O outro ângulo é o da projeção nacional dos mi-
Mas t~do isso num alto grau. Percebendo o que se
passa, interpretando os fatos, captando as mudanças
buiu para transfonnar nun1a verdadeira elite do po- neiros. Poderia falar da repercussão dos romances e os sinais de mudança, sentindo a mutação dos va-
der, ilnediata1nente antes da Revolução de 30, a ve- de Ciro dos Anjos, tão representativos da. primeira lores e proclamando a perenidade de outros valores
lha oligarquia regional que se implantara com a Pri- fase da produção n1odernista, na década de 30; da - se1n n1oralis1nos, sem concessões, sem a mais leve
1ueira Repúbli·ca, e1n 188923, presença encantadora da pessoa e da obra de Aníbal retórica. !! un1 homem do mundo, mas nunca um
' Machado; da repercussão, em círculos cada vez mais ho1ne1n 1nundano, pois se alheia· a toda promoção,
Esta sucinta avaliação torna manifesto que os mo- toda honraria, todo oficialismo.
<.lcrnistas tiveram papel decisivo no desenvolvimento 111nplos da excelente poesia de Abgar Renault; da
ressonância crescente e penetrante do puro e nobre Por sua vez, continua fiel ao espírito da razão,
intelectual da região e até mesmo no processo de mas opondo-se a certos tipos de racionalismo extre-
som d a poesia de Emílio Moura; da precocemente
sua modernização. Constitui o movimento ponto ele- mado, um dos quais é o tecnológico, freqüentemente
lnterron1pida carreira de escritor de João Alphonsus,
va<.lo na evolução intelectual de Minas24 . cm 1944, quando era nome nacional. desumanizante.
E em relação ao Brasil? Poder-se-ia empreender A outra anotação se refere à poesia recente de
O mais n acional, porém, o mais presente em todos
essa análise, que vou pouco mais do que enunciar, Dru1nmond: a de suas reminiscências a partir de
os recantos do Brasil, é Carlos Drummond de An-
por dois caminhos: o do confronto da manifestação Boitempo, as reminiscências do mais fundo e into-
drade. E é falando de seu nome que gostaria de en-
mineira com as de outros centros; ou o exame da cado de sua infância e adolescência mineiras. Sen-
cerrar esta análise. Não sendo crítico nem tendo feito
presença, na vida brasileira, dos expoentes mineiros te-se, em face dessa poesia, que ele está falando por
qualquer estudo sistemático de sua obra, que fre-
que se tornaram nomes nacionais. No primeiro caso, todos nós. Pois, embora as vivências sejam diferentes
(2S) Se as duas manifcstaç&s do movimento modernista - na vida de cada um, ele está exprinlindo uma incor-
compararíamos aspectos corno o do pioneirismo n de São Paulo e a de Minas - são praticamenle conletnpo- ruptível substância mineira.
paulista en1 relação a Minas; .da riqueza maior das rftnca.~. e com a lguns pontos e m comum, pode-.sc perguntar por
•1110 motivos não ocorrer am cm Minas expressões artísticas no
manifestações artísticas em São P aulo, abrangendo c ur1tpo )lJástico o m\1sical, ao contrário do que acontece no an1-
não apenas literatura., mas também música e artes blcn1c p aulisla. Tentemos, como embrião de futuro estudo, al-
g11111n~ hipóteses para essa diferença. São Paulo possuía tra-
dição do artes plásticas já lnstitucionalizad as, o que facililaria
(23 ) O assunto da transformação.. da oligarquia mineira cm 11 simples mud11nçn de rumo; Belo Horizonte não a possuía (não
elite do poder é tratado em Movimento Modernista em Minas, houvcrn tempo para sedimentar, na jovem capital 1nineira, qual-
f'. 105 e ss. clu"r tradição, nem s-: transplantara de Ouro Prelo qualquer tcn-
(24) A s contribuições foram principalmente no campo da t llncla 11cssc sentido). O ambiente paulistano. n111ito n1ais cos-
pocsln (Drummond, Emílio ·Moura, Guil.hermino César, Abgar OIOpolila nos ineios intelectuais, beneficiava-se· do grande volume
llcnnull ) e da prosa d·e ficção (João Alphonsus, Aníbal Macha- do Informações trn2idas por pessoas com contatos dh'l!IOS na
d o, Ciro dos Anjos). Hií ou tros poe·t.as importantes, da mesma U111·op11 (Oswald de Andrade, por exemplo, lá estivera desde
ncr·nçfto e criados em Minas, mas que não se vincularam dire- 1912 ) . Por sun vez, a llrcscnça de in1igrantes estrangeiros, c m
._, •• CI . , •• ,
m1ilt11 maior escala, no ambiente paulista, influ iu certaruentc d e
tn111c111c nos J;trlll)O< m1)dc)rnist11s locais: Henriqueta Lisboa (l.iga- 111oclo positivo. !'ll~o é por act1so ,que 1nuitos pintores, escultores,
H~ 1\ 1111 . ·~I> 'lltcrurinmenle a partir de certo momento de sua re:11ização li>escnh istns e mus1cos, que se real1zttra rn em São Paulo ostentam
poélJca), Mudlo M·cndcs (originár io de Juiz de Fora) e Dantas 11\"nc.~ estn111gelros. Finalmente, não se deve esqoeccl:' 0 de•en-
Mottn (estudou em S1ío Pr1u10 e reside, há muilos anos. em su 11 v~11vl111cn10. tecnológico e Jndustri al que j :t afetava f11ndamt ntal-
c lc;lacle s ul· mincir:1, Aiuniocn) . ·Restaria examinar a contribulção mu111c :~ vid a social e econôn1ica de São Paulo. Min as era bas-
rio cn1t1no ti() cras ~ii o. Ex istirá, ror si11al1 t11n e nsaísmo pect1liar tnntc provinciana ria <lécada de 20. De qualquer forma, leven1-se
IH) l\1odc rnismo? Um cs1>frito clássico, corno Milton C;impos, se om conta sempre, nessa análise compaxativa, não ;ipenas os
ldc nl.líl cou b:1stante com o Modernismo. Outros no1nes a 1ncn· tli1dos biográficos individuais (a posição de classe de escritores e
cionrll' seriam os de Martins de Almeida , evidenlc vocação de nrits11111, por exemplo), mas tan1bém a estrutura sócio-econômica
• crítico que &~ encerrou desde J1á 1nuito e se limitO<L ape11as à u o1 duas regiões e o contexto histórico em que emcrgírmn as
crrtlcu de idéias; M:írio Casnsanta, Jo 5o Domas F ilho. Gui- duo~ rn :inifestaçôcs do Modernismo. Eslaremos ao combinar inti·
lhctmlnv Cés ar e poucos mais. O possível ensaismo modernista m nnlCnte ,cs.\ :>.• variáveis, s~guindo o conselho de C. Wright MUJs,
, 111nl'"' º~:r e ~lltl 111nnlfcs1açlio mineira é outro tema que gostaria de su1:crir 'Iº~ consJilera tnl perspcctJva u.m dos requisitos básicos da l1110-
' 1 1 '• 1 ÍJ ,,
t l•1trrllo Socio/6gica.
no1 pe!qulsadorcs .
G~NESE E E)ÇPRESSÃO G.RUPAL . . . 171
A POESIA-MODERNISTA DE MINAS

Lais Corrêa de Araújo

.
'
1. Considerações históricas

" ... Cinqüenta anos depois da eclosão da Semana de


Arte Moderna, é natural que tentemos levantar um
quadro mais objetivo da validade dessa revolução
.::< estética, deflagrada no Brasil na festa de fevereiro
., de 1922. Embora o assunto já tenha sido abordado
até exaustivamente, na consagração jornalística, nos
cursos universitários, em ensaios revisionistas, o que
• . nos parece deva realmente constituir motivo de aná-
' •
lise e reflexão desapaixonada é a vontade de enten-
' • der o espírito e constatar a prevalência dessa revo-
,~.
·'. lução que se 1nanteve e -se consoliõou ao longo do
,. te1npo como força viva e impressiva de uma radical
.;.1 atitude estética. Definidor de posições, por suas con-
dições de atuação e seus estatutos de intencionali-
\\\ dade, o n1ovhnento modernista se impõe, em ver-
dade, a todos nós, como um marco definido e suma-
mente i1nportante enquanto entendido como lição de
p ensar o fenôn1eno cultural, enquanto provocante in-
quietação e libertação das potencialidades inve11tivas
da inteligência brasileira, até então revelados apenas
' ••
,.
o p tlodioa.mcn.tc por lJ · . 101
dczn o marelnnlldad.0, i
1-11111111111 11111 ...
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r tle un1 cxomo da <i ~11t· l 11 11ulllt•nHI 1h1
1Uom~iltO ( fellz1ne11t~ j~ 1
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nossa critlcn.), ext\ID~
1111t1 • ..~.··"'.•-. ~pn11 n11 •h-' -•11 l l~
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d dn n dificuldade de consulta aos jom 11 "'"" "1 , 11
pguqufsslm11s referências podcn1 ser ·na w11111.. ~ _,,
b o nc:ontecimento. En1 Minas, diriam -t11·1t11111 •Ili• :1
rntlo11mcnte não houve nen huma. iwu ltl 1 1h'h11,
oonvcrsa conosco, depôs que : ·
..

nJn,11ú6m de nada. Vivia-se aq!ll ' c...11l!;I• 1~111111111


soi1be
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ffi0ftl0 i) 0 COntaClO COJTI as mell'Ó\)010& f!Jr. fff1, H t• 11' I"
ti
tnrtlntflrlo. Eui pelo 1nenos (e1n. minbü. , . t~111• 11h1•h1
{j Dtnnte urred1a - corn o até hoie - d~8'"· · 11~'"" 111..
r rle~) n ~o tornei conhecin1ento da. "S , 11 . , • .,,.. '11
o o mocternisn10 se docun1entou etn U 111·111~ lth 1~
1) li>lS, co1n a publicação do prinl~il'~.' 1 tfl' H• oh• 4 ~.1
.. ovtiru1, fui contra. Escrevi um arti{\CJ b ri " • 11111 1: l
• f \1010 rnes1110, chamado "A Brotoeja Lil l' · 11" N1111 11111•
filio compreendesse a necess1dado de M\lci:!l n\'11 4'1111111·lt1
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lll fll(\lft:l morna que a ndava por a{. Mi•" •1111•il1h•1 ~1 o


multo frágil, m uito sem fundamento, mu!tti 1'fll1ll'1111l1li I+
doulr innção dos j ovens min-eiros d A":'!!J• l'''''' 11111 ..
Os modernistas Pedro Nava e Emílio Nloura. num grupo em que aparece també111 o pintor Guignard (Belo
Horizonte, dezembro de 1952).
u ohnmar o modernisrno (tal como o .rur, " 111n11 1111 •t
I1.rdtlo&, nos textos mais que modéSlO .!l A lt1•1•1 11111 I· .
tl "broroejn", de moléstia ínconse<1Uontõ; t uh111 ,,,, • 111111
fJ t fi1J~da nfeCÇÍÍO pl'OVOCada pe!O <mÍQ1' íll\l llt 1 t' I•'
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torno dn gen te nova e da época• .Estl:iVO.; ~º '' " 111111111 11
ro11onheço1. ti
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11

••11
J

t

' sas de poemas e artigos em jornais e revistas da dé-
episódica e periodicamente por figuras isolad as em
s uo grandeza e marginalidade. cada de 20, segundo informa o sociólogo e histo -
A partir de um exame da consciência nacional riador do 1nodemismo n1ineiro, Fernando Correia
naquele momento ( felizmen te já feito pelos grandes Dias. E a defasagem entre 22 e 25 é apenas rel a-
non1es de nossa crítica), exame não apenas d e seu tiva, se considerarmos que a Paulicéia D esvairada
sen tido de ruptura e desligamento, mas tam bém em de Mário de Andrade é de 1922; a co nferência agres-
sua configuração d e fato inapelável e mesmo sin- siva de Graça Aranha na Academia Brasileira de
crônico d entro de um processo cultural br asileiro, Letras - "Espírito Moderno" - é de 1924; a revista
podemos partir para a expectat iva de p rocurar situar, Estética de Prudente de Morais N eto e Sérgio Buar-
nesse movimento global, os seus pontos con1plemen- que de 1-Iollanda é de 1924 a 1925; o M anifesto
tares, suas representações diversas e parciais, en1 de- Pau-Brasil e A Escrava que não é Isaura são tam-
terminadas áreas do país. A p rimeira pergunta que bé1n de 1925 - e assim por diante - enquanto o
elevemos for1nul ar, no caso d e Minas, é e1n que Manifesto Antropófago, o m ais rad ical dos manifes-
situação de coexistência e de coerênci a ocorre aqui tos n1odernistas, é de 1928. Embora negasse, c9mo
o fenômeno n1odernista. Tiveram os intelectuais des- Eduardo Frleiro, que a turma jovem de Belo Hori-
ta província, nos anos 20 ainda m ais ilhada e fe- zonte tivesse ton1ado c onhecimento d a "Sen1ana",
c hada aos impactos das m ensagens cult urais, ç onhe- Carlos Drummond d e Andrade aponta o ano de 1924
c imento completo da Semana e dos p ro gramas e ma- como decisivo, enqu anto Guilhermino Cés ar d iz que
nifestos que a ela sucedera m? "toda uma geração de Be lo Horizonte já estava pre-
Ern pesquisa qlle fizem os (lin1itad a, naturalmente, parada para secu nd ar o movimento"2. Apesar da d i-
dada a d ificu ldade de consulta aos jornais da época) , ficuldade apontada de contato coro os outros centros
pouquíssimas referências podem ser encontradas so- que divulgava1n as novas idéias, através d e veículos
bre o acontecimento. Em Minas, diríamos mesmo que de maior comunicação (e àquela época S. P aulo e
p rntica rnente não houve nenhuma. Eduardo Frieiro, Rio já possuíam grandes jornais) , se não chegara a
cn1 conversa conosco, depôs que: Minas o troar da revolução instaurada pela "Sema-
na", devia haver, nos jovens intelectuais m ineiros,
-~
"
ninguém soube de nada. Vivia-se aqui muito isolada- por sua própria juventude, igual inquietação, igual
n1cnte e o contacto com as metrópoles era difícil e re- ansiedade de renovação e mudança, igual revolta
tardatário. Eu, pelo menos (em minha posição ainda
contra a estagnação literária. O cam po estaria adu-
' bastante arredia - como até hoje - dos grupos lite-
bado, p reparado para o plantio, f altando apenas a
r:'lrios) não tomei conhecimento da "Semana". E quan·
do o modernismo se documen tou em Minas, pelos idos semente bem selecionad a para aÍ ser fecundada. ~
de 1925, com a publicação d o p rimeiro número de A bem possível que um intelectual da têm pera de Car-
Revista, fui contra. Escrevi um artigo satírico e ma- los D run1mond de Andrade, agudamente afinado com
lévolo mesmo, chamado "A Brotoeja Literária". Não que o seu te1npo e extremamente curioso e receptivo, já
não con1preendesse a necessidade de mudança daquela
• lile ratura morna q ue a ndava por aí. Mas considerei
tivesse proposto a si mesmo (e até aos seus amigos)
1nuito frágil , n1uito sem fundamento, muito epidérmica, indagações sobre o rumo a ser tomado "contra a
a <loutrinação dos jovens mineiros de A R evista. Daí extrenla passividade ante os fenômenos do exterior",
-!'1\Um ~ rupo e1n que aparece ta1nbé1n o pintor Guignard (Belo eu cha1nar o modernismo (tal conio o via então na que se notava en1 Minas nos anos 20 ( e sua capa-
" .f; prática., nos textos mais que modestos de A Revista) cidade de .P erceber, in tuir e co1np reender o "m w1do
el e "brotoeja", de moléstia ínconseqiiente, coisa d e crian- exterior" viria aliás a ser uma característica de sua
ça, miúda aJecção p rovo cad a pelo calor inter no e ex- obra poética, na d erivação do " sentimento do m un-
terno da gente nova e da época. Estava errado, agora do" ) . Se os intel ectuais min eiros não tin ham fácil
rcconheçol . acesso aos livros d'o nt omcnto, se lhes faltava um
n1aio r en trosa1nento com os ho1nens e os acon teci-
Já se constataria, poré1n, em M~nas, aq uela '"pré- mentos relevantes do país e do estrangeiro, nã o l hes
·cc>nsciência da · a rte nova", surgindo timidan1en te é pode ser negada uma íntima e intrínse ca necessidad e
certo, e docllmentável através d e p ublicações esp ar- de participação, um inquieto e severo questio.namento
( t) Trata-se aqui de uma reprodução do depoimento (eito
por Edunrdo Frleiro, não escrito, não gravado, e111 conversa co1n (2) G11ilhcrmlno César, citado por F E.RNANDO CORJ\EJA DIAS
11 uu1o ra. t, no entanto, em síntese, o pensa1nento do escritor, cm O M>0-v/1ne1110 M.odernista em Minas, Brasília, Ebrasa, ,911.
r ml>ora poss a haver divergências na for ma de expressá-l o. p . 36.

A POESIA MODERNISTA DE MINAS 181

.
1
'
sobre a vida em torno, através do questionamento ta emancipação, sobretodo no que concerne a peculi J. meno de com portamento é explicável como umtt 111111•1 flttltl
crítico de si mesmos, em seu espaço social de insu- dades sintáticas, desassombradamente, corajosamente, •
"corrente elétrica" (expressão, aliás, freqüentemen ll1111t1la 1
lamento e repressão. com uma coragem e desassombro com que jamais ~e 11nco.ntrad a na l inguagem modernista) que se tr.a~,,i;~ 1101111•11•0.
Quando aparece o primeiro número de A Revista, houve em épocas passadas. E isso a par do benfaze~o mlte sem controle e mesmo sem uma chave centr11!! 111111 Y•I M
em julho de 1925, percebe-se - apesar ou por causa con1bate ao purismo e de uma tentativa de aproximai Quflndo Rosário Fusco diz., por exemplo, que él lnt•t1111l1 1
ção mais íntin1a e definitiva entre a língua escrita e
do tom juvenil de suas p roposições inicia is dirigidas língua falada4. e seus con1panheiros já tinham "ouvido o galo caUi.. A 1f#11l.ttlf
"aos scepticos" - o despertar de uma consciência lar", confirma o fenômeno etológico d e uma inqui c 1,·11 11111ult
de pesquisa, de uma liberdade de pensar, de um es- lação vita l que, en1 seus efeitos, denunciava e gene.':' Ili h111h o
pírito de brasilidade que se definiria mais tarde numa Essa necessidade de libertação do constrangimento
r11lizava uma causa que, na verdade, ainda não forlt 110111 1 11811
'' ' .. "mineiridade" contundente em sua expressão e ca- de uma linguagem que não afinava com a nossa ma detectada. Sabemos que os costumes precedem a6~ ~1111111 11• 11
racterização ,c ultural. Se Eduardo Frieira critica acer- neira íntima de 1ser e coan a dialética instigadora entre leis e que, à n1edida que se desintegra a organizaçlío::.'. "Ax llu fll
língua e fala, essa urgência de suplantar a limitação
ban1ente, em seu artigo fan1oso, a posição nacionali-
das formas, sujeitas a tabus por um grupo de decisão
social, o "sagrado", o ritual, o comportamento roti• ' 1111c1111t1 11
zante da turma mineira, satirizando especialmente o ne iro se d esmistificam e perdem o sentido. O afrou• ...,, 1111 11 14 M
artigo de Emílio M•o ura,"A Renascença do Naciona- (no caso, os escritores dogmaticamente restritos ao·
xamento, a d iluição, a corrupção do "sagrado" pro· . l·o111 ff9111
purismo e à repetição de modelos lingüísticos por-
lismo", "porque não podia haver renascença do que vocam uma necessidade (inconsciente em geral) de ., ll•h• • h~
tugueses), se fazia sentir pelo cansaço, pelo esgota- ,
não nascera ainda" - é que o tan1bém incipiente ação imedia ta de ruptura e substituição. Não ha.~ '. 1111111,'IU lt
mento: flutuava no ar, pertencia às "adivinhações" .
escritor nialic.i osamente punha em dúvida o vôo rá- vendo relações ordenadas de associação, passa-se à ··: !1111 11r1111
pido e p retensioso com que se Jançavam os moder- ou ao "astral", segundo depõe curiosa1neute o n1i- · a titude desordenada, até que se consagren1 as lei$ '.· 1111 111\11111t
nistas à ''redenção do Brasil" e a feição talvez bas- neiro Rosário Fusco. Em carta que nos escreveu, o
autor de Dia do Juízo, referindo-se ao aparecimento da nova revolução. Pode-se dizer, do Modern ismo ,, 11n11 "" 111
tante region alista ( e até tradicionalista) deste nacio- como de qualquer outro f enômeno d a mesma natu~ 11111111•111 t
de V erde em Cataguases, acrescenta:
11alismo. Pe rcebia o óbvio da impulsividade imatura, reza, que " no princípio era o c aos" e q ue todos eran1 1
" lr1 •11', ' 1
sempre disposta às grandes e românticas reformas, ou estavam dentro do caos, gerando inevitavelmente ·~ 1·1111u1.,111•tt
mas não percebia então que o nacionalistno renascia nós recebemos o modernismo em 23, 24, por intermé- um sistema dinã1nico de mudanças rápidas, fracio· .; 11111, 1111 1l1t
(ou naséia) realmente por u1na via nova e radical dio do Ascãnio e do João Luiz de Almeida. Ascânio nadas, inter1nitentes, flexíveis e livres, anticonven.. ' •111• 1111• 1
trazendo conversas de Belo Horizonte e João Luiz de
1,
- via linguagem - e não via patriotismos, ufanis- Almeida trazendo. livros do Rio. ( ... ) Mas em 27 eu cionais. O papel do intercâmbio cultural, do co11tato ·~ 111111 11 tlt•
1 mos e indianismos à Affonso Celso e Alencar. já f azia versos "modernistas" datados de 24. Por quê? e do contágio, deter n1inará daí em diante a co nduta 11•••lt11 111
1 Parece-nos, assim, que o fundamental a destacar Porque o Guilhermina já tinha ouvido o galo cantar do indivíduo, a s ua nova linguagem. Contato que 111111111 11 tt
nesta "Semana" (que "engordou tanto de significado (onde? aí no Rio?) e num jornal - O Mercúrio, ór· é espontâneo e emocional, não-formal, não-calculado, 11111111•111•
à margem de sua natural importância como fato lite-
rário e artístico que não é lícito ignorar nem subes-
gão da associação comercial - publicava tudo que fosse
"futurista". Camilo Soares também ajudou. Todos esses
Etol6gico.
Dest1L forma, as d atas parecem-nos meras catego•
""b-.
l' lqu1111l11•
1111
" timar") 3 não é, portanto, o fato, mas essa sua "im-
portância literária e ar tística". l?, o fenômeno revo-
rapazes eram filhos de gente de dinheiro e podiam com·
prar livros, revistas, jornais. Livros raros então (o mo·
rias didáticas e não importa tanto assinalar 1922 -
com a "Semana" ·- ou 1925 e1n Minas com A R e~
'J'º' l11ftu
1 1•
1111 11•

lucionário da linguagem q ue é aí proposto e mais dernismo só começou a funcionar mesn10, em livro, a


partir de 24, 25) e as revistas que foram aparecendo 1·ista - ou 1927 em Cataguascs conl Verde - ou 1111- 11111
tarde desenvolvido integralmente, é o fenômeno da para nós "já era" ou " já eram". ( ... ) O modernismo no 1928 com o rad icalismo da Antropofagia - como 11'hjjltll11
nacionalização da língua, certamente mal teorizado Brasil (e em Minas notadamente) foi puramente eto· marcos históricos e sim detectar, nos textos, a ver~ S111 l11 11
e mal definido nos primeiros 1nomentos· históricos, lógicos. dade de u1na revolução que foi e continua a ser feiU\ ,.;· 1>111111111u t
"
1; mas virtual e fatalmente n1odificador de toda uma na 'linguage1n, através da conscientização do pellSll• 1111111 1111
Ir. 1 ~
·I, mentalidade colonialista e subserviente. Em livro re ..
çentemente publicad o - O Modernisnio Brasileiro
Esse aspecto etológico do Modernismo parece-nos
de suma importân cia. À medida que se processa un1a
mento que ela conforma. ,,
..•
., l
l',,.,,,.11 1
t·1111•llllV

e a Língua Portuguesa - o P rof. Luiz Carlos Lessa mudança de base na sociedade, como a que ocorria 2. A ação humanístico-coordenadora mineira 1í1111 Att ""
1 faz um excelente levantamento de todas as modifi- em 1920 no Brasil, c om a superação da era ru~../ h1v1111 f
' :' cações ocorridas em nosso léxico a partir do Mo- e agrícola pela era indust rial, ocorre necessária e . Quando, en1 1925, apa receu em Belo Horizonto 1111 111n11
' dernismo, explicando: 1li 11111111 li
inevitavelmente uma substituição de linguagêm\.. o primeiro número de A Revis.ta,. não ocorreu o es~
meio ambiente canaliza as energias criativas para cândalo que ser.ia d e esperar d e u1n movimento in- hlMlll llltlU
não diremos que a literatura modernista veio, final- 11~ fll Olllf
mente, consagrar a tão decan tada língua brasileira. Se- uma f uncionalidade coletiva, onde se perdem de iní- tei ramente nov9 , nesta pacata província de Minas,
ria estultícia. ( .. . ) Mas sustenta mos que, com os mo- cio as identidades pessoais para - etologicamente - d e morigerad a e medíocre produção literária na épo• 1111'11111 ·
,,
'! dernistas, o português do Brasil intenta atingir uma cer- o indivíduo participar do que se passa. Esse fenô- ca. O a rtigo de. Eduardo Frieiro, satirizando as pro• hl ~•
' i posições dos jovens agrupados na publicação, não so 11111111•1 ~y
(3) ANDRADE, Carlos Drummond de. A Semnna, como en- (4) LESSA, Luíz Carlos. O Modernismo Brasileiro e a Língua preocupa com a análise de uma linguagen1 nova, mas.:
gordou, Esrado de Minas, Belo Horitonte, 22·2·1972, p. 10, 2.<> Portugue.ra. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargos, 1966, p. 8. ' A
caderno. (5) Carta de Rosário Fusco à autora. apenas com o seu frágil conteúdo ideológico, com l\ ~1111 •Jll •
1
182

~
•~l 1t111111111•1 f, tn emancipação, sobretudo no que concerne a peculiari- ' nleno de comportamento é explicável como uma superficialidade de sua filosofia nacionalista, mal de,
1•1111 11.. li dades sintáticas, desasso1nbradamente, corajosament;, "corrente elétrica" (expressão, aliás, freqüentemen te lineada e ainda m al prat,icada pelos epígonos do Mo-
com uma coragem e desassombro com que jamais ~e encontrada na linguagem modernista) que se trans- dernismo. A reação de Frieirb é apenas irônica e
houve em épocas passadas. E isso a par do benfazejo não vai ao ~undo do problema, e a dos outros inte-
cornbate ao purismo e de uma tentativa de aproxima- " n1ite sem controle e inesmo sem uma chave central.
Quando Rosário J-7usco diz, por exemplo, que ele lectuais ( se houve) é complacente e distante. É que
1111 11111 1 li
çGo. mais íntima e definitiva entre a língua escrita e a
1111' 1l1t l10·ll(l5 língua falada4. e seus compa nhei ros já tinham "ouvido o galo cru1~ A R evista é ainda muito tímida. Realmente, não lan-
11111111 l/11 tar", confirn1a o fenômeno etológico de tuna inquie· ç a ma nifestos ne rn se propõe - .- nos seus textos do
1, 1111 1111 ~ tação vital que, em seus efeitos, denunciava e gene- J)rimeiro número - nenhuma revolução de lingua-
Essa necessida de de libertação do constrangimento ralizava uma causa que, na verdade, ainda não fora gen1, não atingindo, portanto, os valores sociais, as
• t.111 li• 11 ""
n""~
de uma lingua,gem que não afinava com a nossa ma- detectada. Sabemos q ue os costumes precedem as normas . do sistema. Não se verificou, na verdade, o
neira ín tima de !Ser e com a dialética instigadora entre leis e que, à medida que se desintegra a o rganização "êxito ruidoso" assinalado no regjstro do apareci-
língua e fala, essa urgência de suplantar a limitação social, o "sagrado", o ritual, o comportamento roti- mento da publicação pelo Diário de Minas, jornal
das formas, sujeitas a tabus por um grupo de decisão neiro se desmistificam e perdem o sentido. O afrou- do PRM que, curiosamente (e aqui cumpre notar,
(no caso, os escritores dogm aticamente restritos ao xamento, a diluição, a corrupção do "sagrado" pro- com Fernando Correia Dié!S, certa feição tradiciona-
pu rismo e à repetição de modelos lingüísticos por- vocam uma necessidade (inconsciente em geral ) de lista e bem política mineira) , se tornara reduto da
tugueses), se fazia sentir pelo cansaço, pelo esgota- ação. imediata de ruptura e substituição. Não ha- gerl(ção modernista de Minas, porque não havia (ain-
r)lento: flutuava no a r, pertencia às "adivinhações" vendo relações ordenadas de associação, passa-se à da) ofensa ostensiva ao código lingüístico. Os textos
ou ao "astral", segundo depõe curiosamente o n1i.- atitude d esordenada, até que se consagrem as leis do número l de A Revista são bem con1portados e
Ili li~ 11
neiro Rosário Fusco. Em carta que nos escreveu, o d a nova revolução. Pode-se dizer, do M oder11is1no não se notam grnndes desvios irnpostos ao rigor gra-
li 1111 Yt' a utor de Dia do luizo, referindo-se ao aparecimento
1h••hA como de qualquer outro fenômeno d a mesma natu· 1natical (a respeitada e quase fisiológica linguagem
de Verde em Cataguases, acrescenta : reza, que "no princípio era o caos" e que todos eran1 "tersa", "impoluta" do mineiro de educação latinista,
lt11 h · h 11 11tftl!rn
ou estavam dentro do caos, gerando inevitavelmente caracence, não é poluída pelos componen tes da re-
116s recebemos o modernisrno em 23, 24, por intermé- um sistema dinâmico de mudanças rápid as, fracio- daç ão da revista). Aliás, o assalto à infalibilidade
dio do Ascânio e do João Luiz de Almeida. Ascânio nadas, intermitentes. flexíveis e livres, anticonven- das leis fonéticas e sintáticas sempre foi um gesto
trazendo conversas de Belo Horizonte e João Luiz de cionais. O papel do intercâmbio cultural. do contato típico do herói-poeta. não do prosador - e este pri-
Almeida trazendo. livros do Rio. ( . .. ) Mas cm 27 eu
Já fazia versos "modernistas" datados de 24. Por quê? e do contágio, detern1inará daí em diante a conduta meiro n·úniero, mais de prosa que de poesia, não
Porque o Guilhermino já tinha ouvido o galo cantar do indivíduo. a sua nova linguagem. Contato que mostra a violen tação do código senão muito timi-
(onde? aí no Rio? ) e num jornal - O Merciírio, ór- é espontâneo e emocional, não-formal, não-calculado. dan1ente. Se A Revista pretendia escandalizar o bur-
gi'lo da associação comercial - publicava tudo que fosse Etológico. guês, mineiro, isso talvez fosse tão-só pelas idé ias
"futurista". Camilo Soares também ajudou. Todos esses Desta forma, as d atas parecen1-nos meras catego- ex.postas no discreto editorial "Para os scepticos", já
ro1>azcs eram filhos de gente de dinheiro e podiam com- rias didáticas e não in)porta tanto assinalar 1922 - que os poemas publicados (dois de Pedro Nava, um
prar livros, revistas, jornais. Livros raros então (o rno- com a "Semann" - ou 1925 e1n Minas com A Re· de João Alphonsus, outro de Abgar R enault) não
dernismo só começou a funcionar mes1no, em livro, a vista. - ou 1927 cm Cataguases co1n Verde - ou nos dão ainda .n enhumá demonstração da força e
•11-111 •• 1
portir de 24, 25) e as revistas que foram aparecendo 1928 com o radicalis1no da Antropofagia - como · rebeldia construtiva de urna nova Jioguagen1.
l<tll\ill\·111 pnr·a nós "já era" ou "já eram". ( ... ) O modernismo no
Brasil (e em Minas notadamente) foi puramente eto- marcos h istóricos e sim detectar , nos textos, a ver- Seria no segundo número de A Revista que Carlos
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11a linguage1n, através d a conscientização do pensa- lista da poesia moderna em M inas, abandonando as
ft1;1. tlvu Esse aspecto etológico d o Modernismo parece-nos mento que ela conforma. constr uções abstratas e nebulosas da linguagem d ila

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1
de suma importância. À 1nedida que se processa uma
n1udnnça de base na sociedade, como a que ocorria 2. A ação humanístico-coordenadora mineira
poétic a por uma estrutura de funções, por uma re-
dução concreti zante das relações/ correlações d as pa·
lavras. Começando o poema "Coração Numeroso"
"li ··- 11"'11.,, ' ern 1920 no Brasil, com a superação da era r~ .al_., .
por uma quase prosa narrativa, D r um1nond vai que-
Hl ll 1 1lt e a~rícola pela era ind ust.rill:I, _ ocorre . neces~ª-!:i a e Qua.n do, en1 1925, apareceu em Belo Horizonte
louv1t.aveln1ente uma subst1tt11çao de lznguagen · o primeiro nú1ne.ro de A Revista, não ocorreu o es· brando a sisten1ática conceptualista da língua rít1nica,
n1oio a1nbiente canaliza as energias criativas pa ra cândalo que .seria de esperar de um movimento in- inserindo em seu texto o fato · vivo e multiforn1e e
u rna funcionalidade coletiva, onde se perdem de iní- teiramen te nov.o, nesta pacata província de Minas, os processos fragmen tário~ de associações de pensa-
cio as identidades pessoais para - etologicamentc - de inorigerada e medíocre produção literária na épo- mento:
o indivíd uo participar do que se passa. Esse fenô- ca. O artigo d e. Eduardo Frieiro, satirizando as pro- - bicos de seios batiam n9s bicos de luz estrelas
posições d os jovens agrupados na publicação, não se inumeráveis
(4) L8SSA, Luiz Carlos. O Moder11ismo Brasileiro e a Língua preocupa com a análise de u ma linguagem nova, mas - A rua acabou quede as arvores a cidade sou eu
T0orlf1f11e.ra. Rio de J aneiro, Fundação Getúlio Vargas, 1966, p. 8.
(S) Corta de Rosário Fusco à autora. apenas com o seu f rágil conteúdo ideológico, com a sou oeu a cidade -
A POESIA MODERNISTA DE MINAS 183
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11 O poeta M uri lo Mendes (retrato a óleo de Cândido Portinari).

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canto quanto as arbitrárias imagens postas em voga Essa curiosa falha, essa falha inicial de umà. ideolo-
pelo Modernismo: gia ou de uma estética sistematizadora, de uma filo-
1 sofia do movimento (que só agora, ao exam e de
- paralíticos sonhos . conjunto e de seus resultados, pode ser levantada),
- volutuosidade errante do calor. esse "fazer o que não se sabe'', era a premon1çao . -
ou a adivinhação do talento, da capacidade pessoal
Realmente, ser ia na poesia que o Modernismo att~a­ de invenção. Assim é que vemos, na ainda tímida e
ria com maior eficiência e com verdadeiro espírito • eclética A Revista e na m ais radical e Ílnpulsiva Ver-
• inventivo. Se fizermos um balanço da produção lite- de, delinear-se, em alguns de seus participantes, o
rária da época, verificaremos que, salvo nos mani- exercício de uma livre atividade criativa que, par-
festos em alguns artigos e na prosa de ficção de tindo embora de pontos comuns e sendo um fenô-
Márid e Oswald de Andrade, é a poesia o tônus meno etológico, já con1eça a delin1itar as áreas es-
exato do movimento. Tendo a coragem e até o de-
pecíficas de cada criador. . , ~
saforo de quebrar o tabu da língua, atingiu-se pela Quando Oswald de Andrade disse a geraçao de
poesia o cerne da linguagem, cortou-se o nó de sua Verde: "vocês não sabem o bem que nos fizeram"?,
sistematização e de suas linhas diretrizes. O poe1na- louvava aqueles jovens que, por sua condição confli-
· piada foi o paredão e1n que· se 1nassacrou a língua tuosa co1n o me io retrógrado, institucionalizado em
castiça, o sentimentalismo aguado, as inspirações ce- sua n1edida moderadora e 1nediocrizante, ousavam
! lestiais. Mas, enquanto o poema-piada e o naciona- afirmar pela palavra sua rebeldia 1narginal, ex:~rci·
lisn10 crítico cu1npriam a sua função de desobstruir zando e revertendo a seu favor até os dados psico-
os caminhos, caberia ao talento individual de alguns lógicos negativos da introversão, da repressão e, da
propiciar ao Modernismo o real avanço lingüístico, "boa educação"8. Chamando, por exen1plo, llosar10
por uma reforn1ulação libertária e, a partir daí, a Fusco de "menino de ouro ou mina de ouro", o
conscientização de uma posição estética. Já anota- paulista c umprimentava no nôvíssimo rebelde de Ca-
' mos, en1 ensaio sobre Murilo Mendes, que os mo- taguases aqueles que, ousando "deseducar-se", fa-
delos modernistas de mera subversão temática e de ziam na literatura do Modernismo 1nais do que es-
linguagem mimética não encontraram, num poeta candalizar os cultores da língua clássica - apor-
de sua grandeza, a necessária empatia para que tives- tando-lhe u ma outra f ace de iconoclastia: a desn1is-
sem a vitalidade e o desenvolvimento esperados. tificação da sua própria realidade e a aproxin1ação
• T am bén1 o "humor" drummondiano não se limita à afetiva do homem com o seu semelhante. Realmente,
indigência inicial da mer a sátira do poema-piada e a pri1neira fase modernista, em q ue os mineiros não
a poética de En1ílio Moura traslad a-se Jogo para o comparecem, é quase que puramente impiedosa e1n
campo metafísico. sua fúria destruidora, ou simplesmente paráfrase ufa-
O que os rnodelos do modernismo histórico, o ino- nista. A presença mineira, especialn1ente a partir de
dernismo da "Semana", propiciam aos escritores mi- 1930, é a den1arragem de un1a humanização (pela
neiros é - pela liberdade de ação criativa e a aber- interação social e pela introjeção) da poesia, colo-
tura formal - o direito à pesquisa, num tratamento cada e1n novo território ao mesmo tempo inóspito
. . da palavra que vai, aos poucos, ganhando ampla fle- e fecundo. Ne1n Carlos Drun1mond de Al1drade, ne1n
xibilidade nas áreas individuais da invenção. Enfim,


' En1ílio Moura, nem Murilo Mendes ou mesmo os
•. vai-se notar depois, especialmente em Minas, un1a outros poetas 111ineiros ocasio1~ais9, foram. 1nodernis-
ação hu1nanizadora-coordenadora do movimento, tas de pri1neira hora ou por simples mod1s1no (todo
substituindo a sua primeira amplitude superficial pela 1novimento ou escola possui seus rituais) e sitn por
profundidade essencial, ao nível do talent o de cada
urn. Diz Rosário Fusco: (7) Depoimento de Francisco Jnácío Peixoto, em carta à au·
: torn.
(8) ".Havía excesso de boa educação no ar e
d M'
1na8 G er.a'is
Os rapazes de São Paulo imitaram os franceses e nós e os 1nosos precisavam deseducar-se" (DR.UMMONl> .DE ANDRADll,
Carlos. Confissões tle Mit1as. Rio de Janeiro, Amenc-Ed1t. 1944,
in1ita1nos os rapazes de São Paulo. Eles não sabiam o
que estavam fazendo e nós fizen1os o que não sahía- p. (~~) ·Chamo "ocaslon ais" àqi<e!e~ _poetas que . se deram ao e,xer-
mos6. cfcio da poesia apenas na fase in1ctal do ~ovunento. moder111stn,
derivando para outros estágios de "xprcssao poster1orn1ent~ -
ou niesmo aqueles que, vol~'lndo _mais uwde, à Pots.1~ .<Guilhef.·
( 6) Jd<1m. mino C~sar. por exemplo) nao o fizeram scnao como bissextos .

• ""''""' 1 ·runnrlJ . A POESIA MODERNISTA DE MINAS 185

...
d m sentir diretrizes e diretivas bastante p ~SO ' rx. t1111lllt1
uma intrínseca e natural tendência ao novo, pela quanto apenas ordem mecânica, para tomar-se um que seriam básicas em sua poéticalo, tais como :' ~ , • 111111 1h1 A
inata capacidade jovem de invenção. O fenômeno mon1ento épico da tomada de consciência da natu · n) o eu gauche, tímido, desaj ustado, host:Uiztt . 1 .. '"'' 11111411111
etológico os atingiu no momento justo em que de- lllll l111hllK
reza do homem , reportando-o à medula viva do real hostil, por sua vez, à sociedade; · ,
1· viam partir para u1na ruptura com o sistema, rup- 11vt•111u",
b) o peso e a densidade do condicionameoto ü1L . 11a111111ht11
tura que teria de suceder inevitavelmente, como sem- 3. Figuras-paradigma nciro, em seus resquícios de patriarcalis~o, consef ..
pre aconteceu em várias épocas, na luta entre a in-
vadorisn10, repressão, recalques e dualtdade bar: .... 11t&l-1111
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1, li
teligência criativa e a rotina. Está justamente aí a transcendência do Moder-' roca; .......... 1111
Se ton1anuos o pressuposto " ritualístico" como
ponto de partida, havemos de ficar restritos quase
nismo, que não se qualifica con10 escola de rigor · c) o senti1nento do inundo, do espetá~ulo P~',·
metodológico (co1no tentara ser o Parnasianismo,. mancnte do homem no mundo, do confhto êll~ t 1j(l1111111J1,
' " " ' ' " ' ' ' ' •1
que a un1 s6 1101ne de poeta rnodcrnista en1 ·Minas, por exemplo) e si1n como un1a posição consciente, situação e aspiração - e a vontade de participnÇ~<!f. ."'
o de Carlos Drunirnond de Andrade. Isto porque
este escritor n>.ineiro foi o que assumiu n1ais inle-
con10 ação verdadei ramente renovadora do campo de modificação ou de comunhão de bens e maltlJ~ ·;. ntlllt1l16 1ht ""'"' ""'
graln1ente os padrões de con1porta1nen to verbal da
semântico e sintático da nlensage1n criativa. É pela " Enquanto Carlos Dru1nn1ond de Andrade se pt~ ; . hf\111 auht ..
poesia que o projeto modernista alarga a sua inten- ... pu1·a e ajusta a sua equipag~m para .esse .vôo g~aud ,1 1""\lli11 \' ..h
ação den1oliclora do prin1eiro instante do n1ovitnen- 1h lli llllltlll
l' cionalidade inicial demolidora, para instaurar-se co- (que não só iria repercutir mas 1nflu1r dec?siv1.t9:
to. Foi ele, desde os .prin1ciros poen1as publicados ·• 111111 1lttlH
:1' en1 A l<evista, o que adotou a praxis n1odernista da
mo processo não-determinista, en\ que a individua- · mente na consolidação do movimento m_?dern1sta) 1
1 violentação da sintaxe coni tnais unidade e conti- lização, nos seus contornos bem delineados e pal- Etn ílio Moura, que não comparece nos tres númOl'OS , 1 111111- 11r11t
nuidade. Mas; por outro lado, é bem de notar que páveis, pepnite un1 relaciona1ncnto cognitivo co1n a de A Revista con10 poeta e sim como redator e au~ ':· " ti 11 I ••1111
realidade, através da re-presentação pessoal criado- toi: do artigo "A l~enascença do Nacionalismo", níto ·· 11111 li -1111
foi talnbém ele quem acrescentou a esse aspecto . t·e u....,a. '' Ili Ili l~ftll 11
formal da poesia n1odcrnista o fator mais cornplexo ra. É a tensão entre projeto e obra que tan1bém vai en1 sua poética instaurar pragmattcamen n\
... 11 111111,.- 111
elimina, paulatina rnas inapelavelmente, o grande Cr'lica à cultura don1inante ou embarcar na arrO•
de texto e não apenas de enunciado lingüístico, que
número inicial de poetas 1nodernistas rnineiros, re- gfincia
1 tecnocrática ela linguagem revolucion á na
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1
conseguiu aportar-lhe aquela conjunção itnanente lnnçar estocadas vocabulares às entranhas da m1li· 1 10111
conteudístico-criativa que faltava ao momento de duzindo-os a un1 restrito e seletivo grupo de poetas
virtuais e defin~tivos, a figuras singulares e exem- , tância acadêmica secularizada. Será através da ar- Nu 1uh
renovação literária para que este ganhasse consis- güição pessoal do mundo e da vida que o pooto.
tência, profundidade, autonomia. Em Murilo Men- piares. N11 Klh
Num levantamento da prim.eira fase modernista 11crescentará ao movimento, ain da apenas preocu.pa•
des, por exemplo, o Modernismo (falando ai.oda e do com as novas conquistas do progresso m aterial, U•~h1t1f 11t ui
son1entc de seu aspecto ritualístico) existiu episo- e.m Minas, encontramos, presentes até 1930 ou pou- com o ataque ao convencionalismo º1: a i?!enção 11111111•111 1
dicamente no livro - mais tarde renegado pelo co m ais além, os nomes de João Alphonsus, Martins •. socializante e política, um a preocupaçao m1tico·re- ,, 11..1111 1h
poeta - História do Brasil, en1 que a preocupação de Almeida, Wellington Brandão, P edro Nava, Aus- Jigiosa que faltava ao fato escandaloso do M_odet• •
•· lo L 1111111
crítico-nacionalista, ainda que fosse nele visceral e ten Amaro, Ascânio Lopes, Rosário Fusco, Fran- nismo enquanto linguagem e enquan to renovaçao de •. ,,,, ,~, 1116
in1portante, torna-se - como texto - meramente cisco Inácio Peixoto, Abgar Renault, Guilhermino cultura. Libertando a sua imaginação pelo que Q 1•11lt l' li ht
epidérn1ica e se perde no :lnedótico, na caricatura, César, entre muitos outros. É a fase do "puramente n1ovimento lhe concedia de mobilidade, de opor- ' ~··1 1lh1111t•
como aconteceu a tantos outros. Só nos parece en- etológico", do contágio psicossocial, do projeto ins- tunidade de expressão sem constrangimento de seu
tão 1nodernista quando, intuindo e assumindo o es- titucionalizante, em que o criador muitas vezes sa- eu fundamental, podendo agora expandir a s;ia .cons• N•11l1111 ,
. pírito n1ais estético que ético do movimento, se crificava o seu eu peculiar para se nlostrar apenas .. ciencia metafísica sem a incôn1oda dependenct,a de CI 1111'11 1111

lança à agressividade verbal e à substantivação rígida, como um osciloscópio, aparelho detector das sina- '
'
normas padronizadoras e como verdadeiro projeto•
essencial, concretizante, que viria tipificá-lo como lizações e oscilações do movimento enquanto ape- poético, E1nílio Moura supera des~e logo a expe••. 11111 !llll
pbeta de "se1npre vanguarda". 'D a mesn1a forma, a nas movimento. O tempo - triagem de homens e riência de puro esfacelamento do discurso, para cll• ·: 1l1•111l•l11 ..
presença de Emílio Moura e, nlais tarde, de Hen- idéias· - irá aos poucos separando as tendências, 1nensioná-lo em tern1os de projeção ampla e livre , 1· 11h11I, 11111
da consciência, isto é, em termos de projeção do 1lttt.,1\1111 1I
riqueta Lisboa, será a fixação de unlà constante per- delimitando os campos de ação, definindo, segundo
plexidade do poeta frente âo real, perplexidade que ser espiritual, e111 suas dúbias evanescências ~ inq~il*.. ,'.· 111111111, 111-.
' a classificação de Ezra Pound, inventores, mestres, ., 11
dará características rnais n1etafísicas que lingüísticas rições,, em seu distanciamen~o d~s asp~ctos in1ed1a~, ·: 1 h• hll U{li ,
1' -e-scribas e escreventes. Dos poetas modernistas mi- tos da vida por uma aprox1maçao mars tensa con-i. · IU!llltt• ti ti
ao seu 1nodernismo. neiros da prirneírá fase - da fase heróica - defi-
1 os aspectos n1ediatos, de ajuste e desajuste do ho•. ~ 11t111h1, , ....
Assirn é que, tocando 05 pontos cornplexos e tan- ne-se logo, destaca-se de in1ediato, o estreante Carlos 1nen1 com a vida e seu n1istério.
I' tas vezes axiomáticos da definição e da afirmação, Dru1nn1ond de Andrade de Algu1na Poesia. N a ver-
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,; I' h ·111111t•I"
f defeito e equívoco de tantos críticos, ousamos pen- dade, desde os primeiros poe1nas (fora os que, pu- (10) Ver a propó~ito ensaio de Affonso ·Romano de Snn~ • 1
t IUI 1111111111· 1
sar que o modernismo poético em lVIinas foi um Anna, Drr111;111<.nd, o Ga11°che no Tempo. Rio de Janeiro, Etl, l..J Oi ·,;
blicados esparsamente ou não publicados, antecede· 1971. lh Hll 1111 11
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do111 sentir d iretrizes e diretivas bastante pessoais, Emílio Moura, embora propugnasse em seu ar-
quanto apenas ordem mecânica, para tornar-se um flUO seriam básicas em sua poética to, tais como: tigo de A l~evista a necessidade da vigência de un1
n1on1ento épico da tomada de consciência da natu ~ a) o eu gauche, tímido, desajustado, hostilizado "sentimento da te1Ta", de uma "visão harinônica por
reza do ho mem , reportando-o à medula viva do reaJ." hostil, por sua vez, à sociedade; un1 habitat bravio e um estado ad1nirável de primi-
-l•h•lll1l, tivismo", fazia-o mais em defesa de uma posição
b) o peso e a densidade do condicionamento mi- assumida por sua · geração e não como um projeto
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l•I 1•11111· 11oiro, e1n seus resquícios de patriarcalismo, conser· pessoa l, uma intenção tem ática particula r. Realmen-
vnclorismo, repressão, recalques e dualidade bar- te, deixando de lado o "pri1nitivismo" e o "senti-
. Está justamente aí a transcendência do Moder- roco; mento da terra" (enquanto categorias de lnn .na-
111sn10, ~u~ não se qualifica como escola de rigor '. e) o senti1nento do rnundo, do espetáculo per- cio11alisn10) vai colocar-se nun1a posição s ua, au-
metodolog1co (co1?o tentara ser o P arnasianismo,. n111nente do home1n no mundo, do conflito entre tônoma, de um diálogo natural e conf iante com a
por exemplo) e sim como un1a posição consciente ltuação e aspiração - e a vontade de participação, natureza do homem - ou, ao contrário, de uma
con1.? ~ção v~rd;~eiramente renovadora do camp~ '
1
de rnodificação o u de comunhão de bens e males. atitude de dúvida e angústia espiritual ao nível tam-
sem~nt1co e smta.t1co d a m ensagem criativa. É pela bém sobreverbal do discurso. Daí colocar quase que
Enquanto Carlos Drumn\ond de Andrade se pre-
P?es1a. que ~ pro1eto n1odernista alarga a sua inten- para e ajusta a sua equipagem para esse vôo grande inevitavelmente em forma interrogativa o que em
ciona lidade inicial demolidora, para instaurar-se co- (que não só iria repercutir mas influir decisiva- Drummohd, por exemplo; é afirmativa cética e hu-
1~0 ~recesso não-determinista, em que a individua- 1ncnte na consolidação do movimento modernista), mor depredàtório. N estes dois poetas, tão identifi-
l1 zaç~o, nos . seus contornos bem delineados e pal- En1ílio Moura, que não comparece nos três números cados afetivamente, há - desde o início - - u1na
páv71s, permite ,u1n relacionamento cognitivo con1 a de A R evista con10 poeta e sim como redator e au- vital separação de tendências poéticas, assumindo
realidade, a traves da re-presentação pessoal c riado- tor do artigo "A Renascença do Nacionalismo", não u111 a sintaxe violentadora e atuante e, 'outro, a im-
ra: ~ a tensão entre projeto e obra q ue também vai em sua poética instaurar pragmaticamente uma precisão significativa da sintaxe que não se reduz
el!m1na, .P~~latina m as inapela velm ente, o grande crítica à cultura don1inaute ou embarcar na arro- a conceito e antes se organiza ·por perplexidades e
ou~cro 1n1c1al de poetas 1nodernistas mineiros, re- gância tecnocrática da linguagem revolucionária ou tensões. Enquanto D rummond já diz, no poema
duz1n~o-os a un1 restrito e seletivo grupo de poetas lançar estocadas vocabulares às ent ranhas da mili- "Igreja" (n. 2 de A Revista) , que
,., ..,,jl ' '
virtuais e <iefinttivos, a figuras singulares e exe1n- tância acadêmica secularizada. Será através da ar·
t•·111 •11 ' • .". güição pessoal do mundo e da vida que o poeta No adro fica o ateu
l\l 11i1h plares. No alto fica Deus
Num lev.antamento da primeira fase 1nodernista " ncrescentará ao movirnento, aind a apenas ,preocupa-
111f,1 11',',Wil~ '
etn M~nas,, encontramos, presentes até 1930 ou pou- do com as novas conquistas do progresso material, assinalando assim a contradição conceitual entre o
·• l•olll . com o ataque ao convencionalismo ou a intenção
fll·jl 11h co mais ~!em, os ?ornes d e João Alphonsus, Martins homen1 (aqui ainda n1ais definido como "o ateu" )
socializante e política, uma preocupação mítico-re- e Deus· (inatingível e intocável en1 seu distanciamen-
de Almeida, Welhngton Brandão, Pedro Nava, Aus- ligiosa que faltava ao fato escandaloso do Moder-
ten Amaro, Ascânio Lopes, Rosário Fusco, Fr an- to), Emílio Moura não assume senão a nostalgia
nismo enquanto linguagem e enquanto renovação de da fé, na perscrutação de uma possível comunhão
cisco Inácio Peixoto, Abgar Renault, Guilhen nino cultura. Libertando a sua imaginação pelo que o
César, entre m.ui tos outros. .É a fase do "puran1ente entre o homem ·e Deus, a inquietação espiritual do
rnovimento lhe concedia d e mobilidade, de opor- ·ser .diante de seu destino e sua função:
e.tol(~gico•:, do con tágio psicossocial, do projeto ins- tu nidade de expressão ser.n constrangimento ele seu . 1

• t1tuc1onahzaote, em que o criador muitas vezes sa- eu fundamental, podendo agora expandir a sua cons- Senhor, são os remos ou são as ondas o que dirige
111111• iliol ff c rificava o se~ eu p~culi ar para se mostrar apenas ciência metafísica sem a incômoda dependência de o meu barco?
1 ' 1\ l\ll I ~tdll1 co1no um osc1loscóp10, aparel ho detector das sina- normas padronizadoras e como verd adeiro projeto .
"J\· 1... '" o l izações ~ oscilações do movimento enquanto ape- poético, Emílio M oura supera desde logo a expe- Em um poeta (CDA), o procedimento verbal mo-
lhl ft •111 nas movimento. O tempo - t riagen1 de homens e riência de puro esfacelamento do discurso, para di- dern ista se faz presente de n1aneira acentuada e
th• ' 111 · idéias. - irá aos poucos separando as tendências 1nensioná-lo em termos de projeção ampla e livre cabal, eliminando a pontuação, jogando com asso-
Hl~l 1111hY'"''"' delin1it~~do os can1pos de ação, defi nindo, segund~ da consciência, isto é, em termos de projeção do c iações de idéias digamos "poéticas" e idéias co-
li· . 1.J.111! " a cl.ass1fJcação de Ezra Pound, ü1ventores, mestres, ser espiritual, en1 suas dúbias evanescências e inqui- 1n1.111s, nlanipulando a palavra vulgar como "ponta-
111114li1•1 rições., em seu distanciamento dos aspectos imedia- ·dc-lança", ut ilizando a colocação irregular de pro-
'escribas e escreventes. Dos poetas modernistas mi-
tos da vi.da por uma aproximação n1ais tensa com nomes e subvertendo o regime dos verbos, estrutu-
neiros da primeira fase - d a fase heróica - defi- os aspectos mediatos, de ajuste e desajuste do ho- rando, portanto, a sua linguagem como poeta mo-
ne-se logo, destaca~se de i1nediato, o estreante Carlos mem com a vida e seu nüstério. derno realn1ente integrado no espírito inconformista
li ·1111111.1 1 D rumn1ond de Andrade d e Algiuna Poesia. N a ver- e iconoclasta d o movimento. Em outro (EM), não
....... ,.., • 111.;a. d~de, desde os primeiros poen1as (fora os que, pu- (10) Ver, a propósito, ensaio de Affonso · Romono de Sant'· se provoca a ira conservadora por um fazer auda~
11111~ 11 1.f Arma, Drun11ntmd, o Gauche no Ttmpo. Rio de Janeiro, Eu. Lja.
blic;idos esparsamente ou não publicados, antecede- l!nl. cioso ou um dizer violentador e crítico, fundando-se
01 !1111•~ r nin a s ua sagração como poeta modernG) já se p<>-
A POESIA MODERNJSTA DE MINAS 187


antes o comporta1nento p oético em correlativos psi- dos os elementos se fundem, concreta e conceptual. \Unindo a compleição psicoló~ica da famí~ia . t1t•f111

• 1
cológicos de uma tradição cristã/humanística que
sublima e refreia a pressão cét ica própria de uma
mente, numa retórica nova, visionária, de conflito _. essa linhagem de fazendeiros e depotS Clli- l 1111 'º'" ' "'''
11••111111111111
e de interação, vinculados em um só registro de fal 1lonários - ele m anipula, até à distorção~ O . l11i• !1111 ...li
1'. era tecnológica. O modernismo de Emílio Moura pessoal e inconfundível: mcntos da realidade. ê um desmascarameot.,.~ 1l,1w111ltt1~
está em que ele não adere nunca · à postura aca- tluç o, até à ossatura de corr?s~o. infligi&\ . 111111111v•11
dêmica ha bitual no tratamento de temas metafísicos, Assisto em mim um desdobrar de arco-íris. tcrnpo, da 1natéria-prim~ da H 1st?ria, da P 1r~·11, 111111·1!1 1111
míticos, religiosos, à atitude pon1posa e remota, mas As mãos vêem, os olhos ouven1, o cérebro se move. dn Religião da Sociologia, denunciando, com , t' nu1 jll'll•tlfll!Jll I
no fato de saber cristalizá-los em n1odernidade lin- A luz desce das origens, através dos tempos. ( ... )
Companheiro, aouidnde, .. ~ ferrugem dos governos':. "o v~rmd ~~t·11 1111111111 A l•I
gi.iística. Se o modernista Drummond ousa escrever do ruínas", "a modorra de Sabara-buçu , O.;~1~11" 11111111 11111
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo de
tua aln1a. orescendo "indiferente" - afinal, a "vida bestn' 1pi t1nl11 111•1111
No meio do can1inho tinha uma pedra oo do con.texto provinciano, não apenas paro -Ih~ 1•1111111 til
tinha unta pedra no meio do can1inho Sou todos e sou um ... ti

tinha um<t pedra 1nas vivido na carne e na linguage1n. Presente~ •!ftlr 111h·l11 I "" ~
no n1eio do caminho tinha unia pedra, Tomados esses três poetas co1no figuras-paradig- os seus poemas iniciais, essas imagens serSo ·e,
d1 -lfllll;.11 Ili
n1a do modernismo poético cn1 Minas, vemos como 11uo 1nente retornadas ao longo de sua obra, ora·~, ·ri .\ 111 .....,,
usando a redundíincia e o verbo ter como estratos cada un1 responde, diferente e pessoalmente, aos es- Jl ró pria linguagem referei:cial e ~enotativ.a, or~ ,, hlll I hlll
básicos do enunciado - pedra e can1inho - aqui tÍtnulos dos postulados 1nodernistas, segundo os fa- v6s de operações conotativas mais elabo1 adas , 11li1li ' '"
.1 • tores individuais que havia1n naturalmente de afetar dti111h• 1l11
posto sob o estrito pri1nado do referencial seco e
e escalonar o f1u1do pragmático do movimento. A A famflia mineira p~ ' l 1'11111•
1 :
. agressivo por essa rnes1na extre1na referencialidade,
olha parct dentro V1•J +l111l»lt 1
: 1 .E1nílio Moura, 110 contrário, lin1ita a sua possível seleção e a graduação dos elementos lingi.iísticos e 1 .,,.-
,~, ' Ih 01,n11 111
1
ousadia a un1a certa angulação filosófica de sua contextuais, racionalizados pelo Modernismo, não
..•
obra, que se processa através do discurso abstrato, estão, nesses poetas, sujeitos a un1a previsibilidade é u1n par de versos que se pod~ria t<:>mar c~mo ctini \ 11•1111 li·~··'
i. da urdidura 1nusical, da apreensão sensorial e lírica de cânones. Se, estatisticamente, podemos ver fun- ve para a compreensão da dep1lat6~·1a poesia druro11 ;..
1
tnondiana, neste adentrar-se com ngor. no 't~mpl\lr : "'
dt 111111 '" t
111111111111
da palavra, da sugestão subjetiva e da interioridade cionar, como n1arcadores-de-estilo, as re.l ações entre
da expressão: o uso da linguagem em liberdade e os padrões so- na me1nória, na conscientização pa~l~tina e 11'l'C:V
1 ciais e culturais de con1portamento, dando unidade sível dos valores da vida, na angustia que flG ~~ 1
1 A .th•
Se .eu estava s6, só e desesperado, e coerência ao fenômeno da expressão literária co- força ou se rcdin1e pela autocrítica constante
Po1· que gritar t1ío alto? mo tal, o processo respectivo e a individualização fundada até às vísceras. J\ l llfl l!t
Por que não dizer baixinho, con10 quem reza: de tratamento que lhe é dado não são assim uni- Emílio Moura, porém, ser fundamentalment - "'º
J!l•IJlhl
- ô doce e incorruptível Aurora! tários e simplistas. Se as generalidades sintáticas bra- •
co não resolve assim numa postura drástioa O
' . ~
dilemático perceber d a mesma destn.Jtçao tGllll;Jc:l1 i,~~"I!
''" \ '""'"''
1 lol1
11111 .. 11.
sileiras, pela freqüência de uso, podiam concorrer, "' 11111 1111•1 I
Nesta linha de reflexão e de leitura, em que pre- em sua índole de evolução, para uma techné de com- e física. Intuindo-a, mas não a enfren tandoi d ''" , ..111 1
tendemos o modernisn10 não apenas como a decor- posição do poem a n1oderno, essa predisposição n a- flu ir a sua linguagem ao sabor d e uma atltud '"' h •ltljtt l 11111•
rência histórica do fato episó dico da "Semana'', mas tural, valorizada indistintamente pelos primeiros inquietação, mas inquietação que acaba por llfU'- ~""
con10 un1a reconscientização global do fenômeno es- modernistas, acaba na verdade por conduzir, em ca- n1acialmente resignada, ao nível não de \llll t '""" ''"""
1111111·111 1·11!

,,,, ..
. tético, vamos encontrar em Murilo Mendes - um 1i\1lh1 .....
i
da poeta, a uma forn1ulação própria e pessoal do muoho de "consciência ordinária", mns de 11G ~,,,.
. \ retardatário do Modernismo, pela datação de sua discurso poético, na dimensão do hon1em inserido ciência metafísica". Daí a sua poética loca 11
. 1
poesia publicada e uni refratário ao dogmatismo dos cm sua realidade particular e voltado para a verti- •IVfll ••
'l"" .. I'1•'
.,
1
movimentos, segundo sua própria definição de tem- nun1 território de dúvida, nun1a posição trlilí
calidade existencial. dente, em que se dá a acei tação pacífica do· 1o1,i,; · ·~~·11••111
! .. . , •i
i••" pe.rarnent.ol 1 - un1a linguagen1 que já é ao mesmo A impaciência e efervescência da primeira hora,
~; tempo substância, coisa, material de manipulação tério das coisas e dos seres, que - se o poetfi u·u li 1~11111 "
. o que os poetas n1i11eiros contrapõem, como infor- e interroga - não condena, ironiza ou re~' ~ 11 1 Ih·~ •llllht
criativa do poeta, no discurso de intencionalidade de rnação nova, é uma intervenção do substrato indi-
expressão. Deixando de colocar e1n termos de an- vidual no supercstrato coletivo, vale dizer, a sua ex- proporções impiedosas do exame radíoc6spl<&Q": m ··~ ""'" ti
j; títese superficial o Hon1ern e Deus, a Vida e a Fé, periência de uma dada especificidade do homem, conjunção poética realidade/ 1nito, Emílio , 1. 11 j 1 1 '""'''
o a1nor terreno e o an1or sobrenatural, o poeta fará, redimensionada através do processo criador. Carlos ' prefere a vá lvula de escape do mito, a .fugac • ulí· 11111 ..1·.. 1
j: na textura de sua poética, sobrelevar não a impres- Drummond de Andrade é o primeiro a validar essa de u1na simbologia quase cristã, a experlênQ . r. 1101•1 •1•111·1111 lllt
'I são, a emoção, a s ugestão, mas a articulaÇão radical atitude, a sintonizar-se integraln1ente com a image1n tica da expectativa e do sonho. Contempla , ~. o •1111' - 11111
de un1a "in1pura" perspectiva cosmológica, onde to- de u1n ho11,1e111 111ineiro, alardeando a sua 1nineiri- poeta - mesn10 quando toma como pro·t , t ll' 1 111•1•111 ••.
:,) ( 11) "Eu tenho s ido toda a vidn uni franco-atirador ( ... )
dade de gauche e fazendo a escavação irônica, per· mát ico o grupo fan1iliar e social - assumu · 1111111 "ª"
11111~111-lt
'1
e sempre evitei os pr~sramas e manifestos." Carta de Murilo sistente, tenaz e mesmo impiedosa dos resíduos de sentimento barroco do "tempo que :passa", · · · •n111 11,
r.1endcs à autora, tradição do subsolo de sua terra e de sua gente. As· ção da perda e da frustração, ou a atmosfili'~,t JI li llltt 1h1 ""
188
'

dos os elementos se fundem, concreta e cooceptual- aun1indo a compleição psicológica da f amília minei ra losa e etérea d e um consentimento e não de um
1nentc, numa retórica nova, visionária, de conflitos - essa linhagem de f azendeiros e depois de fun- ressentin1ento.
e de intera ção, vinculados em um só registro de fala · c ionários - e le m anipula, até à distorção, os ele- P or seu turno - e numa posição de absoluta in-
pessoal e inconfundível: n1cntos da realidade. É um desmascaran1ento e re- dependência - Murilo Mendes vai trazer, con10 in-
dução, até à ossatura de corrosão infligida pelo fonnação -0riginal ao modernismo brasileiro, a vio-
Assisto em mim um desdobrar de arco-íris. 1cn1 po. da matéria-prima da História, da Política, lência lingüística e a contundência acusativa de um
l 1 IHttl 11 ., ~(1L2 As mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move. dn Religião, da Sociologia, denunciando, com ferin a pensa1nen to cósmico, ontológico-religioso, que se
l•lllh l 111 ·,lln· A luz desce das origens, através dos tempos. ( ... )
ncuidade, "a ferrugem dos governos", "o verme roen- , abaterá como um dilúvio de palavras em choque,
111~" , ... 11 Vr Con1panheiro,
do ruínas", "a modorra de Sabará-buçu", o mato como un1a torn1enta de rebeldia lúdica, que recusa
1 Eu sou tu, sou nlen1bro do teu corpo e adubo de
lua alma. c rescendo "indiferente" - afinal, a "vida besta" típi- toda acomodação e toda ordetn. A exuberância da
Sou todos e sou um .. . ca do contexto provinciano, não apenas parodiado, poética n1uriliana não sacraliza nunca, apesar de sua
., n1as vivido na carne e na linguagem. Presen tes desde inicial envolvência apologética, a religião como con-
"fomados esses três poetas como figuras-paradig- os seus poe1nas iniciais, essas it11agens serão conti- solação ou con10 complacente aceitação do inundo.
n1a do 1nodernismo poético em Minas; vemos como l• nuamente retomadas ao longo de sua obra, ora pela A presença d a religião, como anseio de realização
cada um responde, diferente e pessoah11ente, aos es- própria linguagen1 referencial e denotativa, ora atra- e ta1nbém pólo de insati ~fação, correzponde, na
! """
Uftq tírnulos d os postulados modernistas, segundo os fa- ' vés de operações conotativas mais elaboradas: obra de M'urilo Mendes, iguais insatisfação e anseio
tores individuais que haviam naturalmente de afetar dian te da linguagem, que e le revoluciona, indo aos
'" "" .....yw e escalonar o fundo pragmático do movimento. A A família mineira extre1nos da bipolaridade da palavra, operando uma
seleção e a graduação dos elen1entos l ingüísticos e olha para• dentro verdadeira "conciliação dos contrários", nu1na codi-
co1~textuais, racionalizados pelo Modernismo, não ficação nova em que as conotações barroco/surrea-
estuo, nesses poetas, sujeitos a un1a previsibilidade é um par de versos que se poderia tomar como cha- lista resultam en1 soluções totalmente anarquistas
d ~ cânones. Se, estatisticamente, poden1os ver fun- ve para a con1preensão da depilatória poesia drum- den tro do sistema lingüístico que aos poucos se vai
c ionar, corno marcadores-de-estilo, as relações entre 111ondiana, neste ad entrar-se com rigor no ten1po e delineando na poesia n1oderna brasileira.
º. ~so da lingl~agem em liberdade e os padrões so- na memória, na conscientização paulatina e irrever-
cuus e culturais de comportamento, dando unidade sível dos valores da vida, na angústia que se dis- 4. A dimensão mineira na poesia modernista
'
·.·~
e coerência ao fenômeno da expressão literária co- farça ou se redin1e pela autocrítica constante e apro-
n10 tal, o processo respectivo e a individualização fundada até às vísceras. A 1iteratura moderna, ao contrário, converte a arte-
ele t rata mento que lhe é d ado não são assim uni- Emílio Moura, porém, ser fund amentalmen te líri- -magia em arte-jogo. A hierática atitude de conjuração
tários e simplistas. Se as generalidades sintáticas bra- co, não resolve assim numa postura drástica o seu da Verdade cede lugar a un1 humor lúdico, que parece
dilemá t ico perceber da mesma destruição tempo ral convencido de que todo gesto artístico é transfiguração
sileiras, pela freqi.iênc ia de uso, pod iam concorr er, semiconsciente, mentira necessária para a iluminação
.....
l·l! 1 e1n sua índole de evolução, para uma techné de com-
posição do poema moderno, essa p redisposição na-
e física. Intuindo-a, mas não a enfrentan do, deixa
fluir a sua linguagem ao sabor de um a atitude de
do real. Esse ludismo da estética nioderna é a um só
tenipo jogo quanto ao conteúdo e jogo quan to à forma.
1\11$1111 <'•XHl
tural, ~a lorizada indistintamente pelos primeiros inquietação, mas inquietação que acaba por ser p ri- Jogo quanto ao conteúdo porque a literatura passou a
n1odern1stas, acaba na verdade por conduzir, em ca- n1acialmente resignada, ao n ível não de um testc- brincar com os seus temas, cultivando o ânin10 da pa-
d '.t poeta, a uma forn1ulação própria e pessoal do n1uoho de "consciência ordinária", mas de "cons- ródia e substituindo o patlzos trágico pelas ambivalências
discurso poético, na dimensão ·do homem inserido ciência n1etafísica". Daí a sua poética localizar-se da; visão grotesca da vida, onde o problemático e o ri-
c r\1 sua realidade particular e voltado para a verti- sível se dão as mãos. ( . .. ) Jogo quanto à fonna por-
nun1 te rritório de dúvida, nun1a posição transcen- que a lite ratura nloderna, resolntan1ente experimental,
calidade exis te ncial.
dente, em que se dá a aceitação pacífica do 1nis- dessacraliza a forma e desfeticbiza a obra, convidando
À. i1npaciência e efervescênc ia da primeira h ora,
tério das coisas e dos seres, que - se o poeta invoca o leitor a participar ativamente, maliciosamente, de seus
o que os poetas n1ineiros contrapõe1n, con10 infor- ritos simbólicos (MERQUIOR, José Guilherme. Em busca
n1ação nova, é un1a intervenção do substrato indi- e interroga - não condena, ironiza ou r eduz às
proporções impiedosas do exame radiocóspico. Na de uma definição para o estilo modernista. Supl. Lit. de
vidual no s upercstrato coletivo, vale dizer, a sua e x- O Estado de S, l'aulo, 14-5-1972, p. 4).
per!ência. ele 'lima dada especificidade do homem, conjunção poética realidade/ 1nito, Emílio Moura
rcd 11ncns1.onada at ravés do processo criador. Carlos prefere a válvula de escape do mito, a fugacidade Parece-nos que o crítico logra, aí, distinguir o es-
Dnun1nond de Andrade é o primeiro a validar essa de unia simbologia quase cristã, a experiência mís- sencial também do n1ovímento modernista. brasileiro,
ui.ilude, a sinton izar-se integralmente con1 a imagem tica da expectativa e do sonho. Contempl ativo, o qLLe é u 1na ru ptura defi nitiva c om o idealismo pre-
de l.11\l ho11·1e1n m ineiro, alardeando a sua 1nineiri- poeta - mes1no quando toma como pretexto te- ciosista da literatura e arte que o precede1n, em-
dade de ga uche e fazendo a escavação irônica, per- mático o grupo fan1iliar e social - assume mais o bora não seja uma ruptura com um "modo de ser"
sistente, tenaz e mesmo impiedosa dos resíduos d e scnt in1ento barroco do "tempo que passa", a cmo· brasileiro, que dcs.d e o Barroco vinha se codificando
tl'ndição do s ubsolo de sua terra e de sua gente. As- ção da perda e da frust ração, ou a atmosfera n ebu· paulatinamente. No caso específico da poesia, o es-
A POESIA MODERNISTA DE MINAS 189
..'

teticismó mágico (inspiração divina, a dourada m en- viviam a nova revolução industrial ou a daqueles como paradigmas, podemos sintetizar a apartação .l 1ll11t•111 ao
ção verbal de cer tas coisas poéticas em si, os "subs- que preferiam reescrever canções de exílio do tipo nlineira à poesia do Modernismo, em seus pontos ·." l•111111111111 1
tantivos celestes" (COA), o estado poético ou fe- de Raça (Guilherme de Almeida), Martim Cererê fu ndamentais, como sendo: , 111111111 ti 111
nómeno psicológico de catarse r eunidos numa h abi- (Cassiano Ricardo ) , Toda a Antérica (Ronald de ' li ' ' '.,
"'1'1111
lidade técnica de seu manipulador) - é substituído Carvalho), mesmo o Cobra Norato (Raul Bopp), etc. a) a superação do nacionalismo utópico : ingê· 111 111 11111
~,,
pela estética lúdica, de rompimento de regras estan- - que não seriam, no fundo, senão a manifestação nuo em termos de traços e processos culturais qua- ,
1 111 11 111
,
li'tativos, sob a perspectiva do real-poético, da ex·
ques, o jogo que transcende a oposição objetivis-
mo/subjetivismo, por sua estrutura verbal libertada
de u1n novo e renascente ufanismo, num primitivis- ·
nlo de superfície e folclórico, um nacionalismo epo- periência p~ssoal e da . ~es~istificação da informa· · "" 1 ~··
lj 111' t1•hnhtt1
1111111
dos rigor es da ll'létrica e da en-fonnação do pensa- péico e parafraseado, de fácil circulação nas anto· : ção red undante ou fals1f1cada (CDA); ti 11 111111 i•I
mento conceituai : logias escolares. b) a inquirição, ao nível de unidades de C?~fL- " 111~11111,11110
.
'
Não estamos, evidenten1ente, negando a validade · guração raental, de uma lingüística de descn_çao, 1111 u ht11h,l li
- Tudo é ritmo do cérebro do poeta circunstancial estética de alguns desses poemas, mas análise e redução da experiência afetiva e conceituai Li•1t11111 pt 111
(Murilo Mendes) vemos, por exem1>lo, no radicalismo da História do (EM); 11 111 '''• 1110
Penetra surdamente no reino das palavràs. Brasil d~ Murilo Mendes (certamente, enquanto poe- f'J ~ llH lllllttllfll
Lá estão os poemas que esperam ser escritos. sia, incursão criativamente fracassada), uma atitude c) o Ievantan1ento, no estágio d a percepção 1 o- '.• "" l t llflllltt
(Drummond)
1nuito mais "verdadeira" em sua intenção parodís- sófica, dos padrões do comportamenti: ~um~no, ?e ·" 111, ~'" rl111111
!: .!
Estrelas ermas na altura
tico-grotesca; e nos poemas posteriores do mesmo . . assimilação e conflito, interação e d1ss1paçao! .d1s· ;j
111 11111 111
se brilham, niío dizem nada. ~ persão e correlação, por meio de operações lud1cas , .._1111 t
1
(Emílio Moura) autor, con1 seu essencialismo e sua dicção explosiva, 111 11
1
uma contestação muito mais eficaz - porque feita . próprias do universo lingüístico da poesia (MM)· . hi~ti.illru l 1.1
' 1 Ao nível de uma redução didática, cremos poder
são trechos-sínteses em que se esclarece essa esté- no organismo da linguagem - de toda a inocuidade d /\ 1 111~1 h·
situar m ais pragm~ticamente essa P_O~tica dentro. e
1 '
1 .'
tica modernista, que procura os estímulos não de de expressão de nossa poesia imediatamente anterior 1111111,111 1t1 1
1 un1 esquema - ev1denten1ente preca no e talvez s1i:n- , ., 11
uma ordem superior apolínea e aristocrática, m as o ao Modernism o . Por sua vez, o texto fr io, conciso, 1111
epigramático, de Carlos Drum1nond de Andrade, plificador como todos os esquen1as - que se dis- IH~lhi r.ln
empenho carnal, dionisíaco, sen1 mediação intelec-
partindo de uma relação contextual pertinente (re- poria assim: 11/1tl'/1 f,/11,/,
tual visível, do ho1nem que °joga com a arte, valo-
lação de situação, de ambiente, de status social e 11'111 f\ h1111 l1<o
rizando as operações da in1aginação e o impulso sa-
dio da inocência elementar. de experiência) procede a uma aferição muito mais ·
Espaço lingüístico Escrituras " ,,.,, ,,,,,,,,,
''
;
Que sejam o 1nimético, a paráfrase, a paródia - objetiva e contundente da realidade e a uma filtra- '1 Ili J:i111111 11,
1. Ex-centrada (CDA)
ÍJ"'~llUll
i '
o caricato e o grotesco - as prin1eiras formas de gem efetivamente crítica dos elementos de defini- ·
2. Centrada (EM ) I' 1
'l
1' expressão encontradas pelos modernistas para o des- ç ão de uma sociedade em decadência. O seu voca- REFERENC IAL 11· 111, 1111 -
'
' 1
mascaramento de uma situação poética falsa e a r- bulário, constituído de palavras "em estado de dicio- 3. Con-vergente (MM) ~, •• 1111 Ili

tificiosa, é natural e perfeitamente dialético. Que, nário", remete-nos a. um estágio sen1ântico bem di- • Ili ll'li ·Vl l Mi
em conseqüência, esse grotesco e caricato se tenha1n ferente daquele mitologisn10 temático posto em vi- 1 Dizer que o espaço lingüístico des~e~ poetas é 11(1·11. 1111
equacionado na técnica fragn1entári a do verso (o gêncià pelos primeiros modernistas. Em Drun1mond, • re/erencial pode fazer supor uma restnçao o~ un'.a \ 11 1111 11111111
estilo telegráfico, e tc.) como resultante do ·esface- a denotação de un1a realidade mineira aparece em a nálise superficial, por uma superada .e~pressao cn- : i•ltlli 111111 ..
lamento do equilíbrio pequeno-burguês de uma lite- sua especificidade de "leitura" de detenninado estrato tica, se não tivésseinos presente a lrçao de Fou· 'I 111\'lll Mjlll•
ratura aguada, é um projeto de evidente ·consciência sócio-econô1nico-cultural, quase como relatório e cau!tl2 de que: .. , ,~~··- li
crítica. E que esta consciência critica tenha partido, diagnóstico sistemático, mas não sujeito a verifica- d11- 1Ihtt•Ili
principalmente, para a reavaliação e revisão de nossa ção ou invalidação como o discurso científico. No o campo de relações que cara~teriz~ ui:ia formaçã? ' :ÍI'~ lill\•111111
•....•• discursiva é o lugar de onde as sunbohzaçoes e os efer·
realidade. h istórica, social e cultural - é UIJ\a con- entanto, esse en foque verbal e contextual não cir- 1nu, 11 lln11n
1cs podem ser percebidos, situados e determinados" e 11~11 ,,.,,.,,,,,
seqüência da nova posição libertária do pensamento. cunscreve ou limita a área de sua criação, ant es lhe ainda que "referencial n ão é exatan1ente um fato, ~ni
Em .tv!inas, essa reavaliação e re-presentação da pennite a pesquisa e o tratamento dos problemas estado de coisas, nen1 mesmo un1 objeto, mas um pnn· lu1H1n11111 rt
realidade encontra1n campo propício. A estrutura universais, da natureza e situação do ho1ne1n cm cípio de diferenciação". dl ~ ho11111111
agrária decadente, a n1entalidade conservadora e re- choque com os sisten1as éticos do inundo organi· "
111 ....,
pressiva, apoiada nun1 religiosismo estereotipado e zado à sua volta. E a poesia de En1ílio Moura, em Referencial, aqui, não pretende pois lin1itar as obras ·' 111111 111111 l'llt
deformante, possibilitaram, e exigiram mesmo, unia seu discurso especulativo, integra, embora indepen- dos escr itores niineiros ( corno obra referente a, re- ll11ia11u~t1lll
intervenção de reconhecimento e de denúncia. Os dendo de um cenário social típico, a m esma preo- metente a , o bra tra nsparen te), mas é uma tentativa ri1-t• hl11h\1
escritores mineiros encontrariam nesse território de- cupação· barroco-mineira de relacionamento do ho- de marcar uma relação institucional com base n ull'\ 11h1Yh1t"nh•
vastado de provincialisn10 intelectual e social mo- mem co1n o tempo e com a vida. ~.ul11 11~1111 1
tivação muito mais contundente e dra1nática do que Parece-nos em conclusão que, a partir da poética ( 12.) FOUCAOVr, Michel. Arqueologia do Sal>er. PetrÓPO)IS. por 11111111•
Vozes, 1972, p. 200. Sobre o conceito de centromenfo, ver" ncstn ,.
os modernistas de São Paulo, por exe1nplo, que já particular de cada um óos três autores a qui tomados coletânea o excelente estudo de Affonso Romano de Sant A1u111, 1h• Anth 111l
1
190 '..,.
.

L

íllOJl· v1v1a m a nova revolução industrial ou a daqueles como paradign1as, podemos sintetizar a aportação discurso poético que não é independente de uma
11
8Ubs· que preferiam reescrever canções de exílio do tipo 1nineira à poesia do Modernismo, em seus pontos estrutura sócio-histórica, embora justamente elabo-
ti••'·l h ti \1 fe- de Raça (Guilherme de Almeida), Martim Cererê fundamentais, como sendo: rando a ruptura dessa mesma estrutura. A fu.ndaç~o
111• ll lU I habi• (Cassiano Ricardo ), Toda a América (Ronald de a que chamamos " min eiridade" (e que poderia exis-
Carvalho), n1esmo o Cobra Norato ( Raul Bopp) , etc. a) a superação do nacionalismo utópico e ingê- ti r cm outros contextos não-mineiros), tão rígida
f\ ' " ' liluído
•· ••·11•• tnn· - que não seriam, no fundo, senão a manifestação nuo em termos de traços e processos culturais qua- em seus modelos de tradição e condicionamento, é
• 1\ 11• •
,., 1.,,1
•·iwctlvls·
rtndn
de um novo e renascente ufanismo, nu1n prin1itivis- litativos, sob a perspectiva do real-poético, da ex-
periência pessoal e da desn1istificação da informa-
que exige, por si só, o aparecimento de diversos
mo de superfície e folclórico, um nacionalismo epo· enunciados e coloca para o poeta o problema de sua
,.,,.. , peusn· péico e parafraseado, de fácil circulação nas anto- Ção redundante ou fals ificada (CDA) ; fratu ra pela criatividade mais radical._ Um espaç?
logias escolares. b) a inquirição, ao nível de unidades de confi.- lingi.iístico referencia/ corresponde aqui a uma lei-
Não estamos, evidenten1ente, negando a validade guração raental, de uma lingüístic~ de descri.ção, tura histórica que é causal a esses poetas e que -
circunstancial estética de alguns desses poemas, mas análise e redução da experiência afetiva e conceitua! leitura principalmente crítica - ·teva-os a um excen-
vemos, por exemglo, no radicalismo da H ist6ria do (EM ); trar-se, tomando fora de si o seu centro, atendendo
Brasil d~ M~rilo Mendes (certamente, enquanto poe- no entanto a uma ligação orgânica desse fora com o
sia, incursão criativamente fracassada), uma atitude c) o levantamento, no estágio da percepção filo- eu (realizada n1ais evidentemente por COA). Tra-
muito mais "verdade ira" em sua intenção parodís- sófica dos padrões do comportamento hun1ano, de ta-se, digamos, de un1 pensan1ento geratri z, que por
tico-grotesca; e nos poemas posteriores do mesmo assimÚação e conflito, inter~ção e dissi~ação! .dis- seu 1novin1ento en1 volta gera uma superfície ( dis-
autor, com seu essenc ia lis1no e sua dicção explosiva, persão e correlação, por 1ne10 de operaçoes lud1cas curso), a q ual gera por sua vez u111 volun1e, uma
"'''' próprias do universo lingüístico da poesia ( MM ) .
,,,, ' ,,. ...._
uma contestação muito m ais eficaz - porque f eita densidade (discurso poético inventivo) .
..,.
· no organismo da linguagem - de toda a inocuidade Ao nível de uma redução didática, cremos poder A poética de Carlos Drummond de Andrade, aqui
ll111 1h . de expressão de nossa poesia imediatamente anterior situar mais pragmaticamente essa ~o~tica dentro. de non1eada como ex-centrada, seria o olhar em si e
ao Modernismo. Por sua vez, o texto frio, conciso, um esquema - evidenten1ente precano e talvez su:n- fora = 1nirieiridade criatrva I eu e os outros. A de
" 111111 1 IDO# o plificador como todos os esquemas - que se dis-
•".... · • fnt lec- epigran1ático, de Carlos Drummond de Andrade, E1nílio Moura seria centrada, o olhar en1 si, numa
partindo de un1a relação contextual pertinente ( re- poria assi m: n1i11eiridade questionada = eu/ hon1em; e a de Mu-
1 •I \ valo·
o..<1.> ..i~~Q IR• lação de situação, de ambiente, de status social e rilo Mendes, por sua escritu ra con-vergente, uma 1ni-
.. Espaço lingüístico Escrituras
de experiência) procede a uma aferição muito 1na is neiridade refundida = eu/ todos/ 1nundol vida. Na
objetiva e contundente da realidade e a uma fil tra- 1. Ex-centrada (CDA) primeira, teríamos uma visão crítico-inventi va da
gem efetivamente c rítica dos elementos de defini- ·pessoa e de seu território, uma re-presentação do
ção de uma sociedade em decadência. O seu voca- REFERENCIAL 2. Centrada (EM) real; na segunda, uma visão metafísica· da p:ss~a,
nr· bulário, constituído de palavras "em estado de dicio- 3. Con-vergente (MM ) o ser-no-inundo que busca interrogar a sua essenc1a;
Que, nário", re1nete-nos a um estágio semântico bem di- l
l
na terceira, encontraríamos a visão ontológico-cós-
1111' •u f"""'"luun ferente daquele mitologisn10 temático posto em vi- Dizer que o espaço lingüístico desses poetas é 1nica, do. ser enquanto ser, enquanto expressão de
O (o gênciâ ·pelos primeiros modernistas. Em Drummond, f referencial pode fazer supor uma restrição º:' un1,a tuna imanência, e de u1na existência em, de para-
o• a denotação de un1a realidade mineira aparece em análise superficial, po r un1a superada exprcssao cn- lelos .q ue se atraem e se repelem em busca de un1a
llto- sua especificidade de "leitura" de deter1nina do estrato tica, se não tivésse1nos presente a lição de Fou- convergência no absoluto.
111 , , '"~' Met11. sócio-econômico-cultural, quase como relatório e cauf t1 2 de que: Essas três visões, que se realizam em cada um
diagnóstico sistemático, mas não sujeito a verifica- .. dos discursos poéticos específicos e inventivos des-
"'""" 1111 do, ção ou invalidação como o discurso científico. No o campo de relações que cara~teriz~ u~a formaçã? ses escritores m ineiros, dão - .assim - a esse es-
"'""" .1, . . li
discursiva é o lugar de onde as s1mbohzaçoes e os efe1-
" 11111•• ' Ofi• entanto, esse enfoq ue verbal e contextual não cir- .
paço lingüístico, que loc~lizamos pr~cari.af!1en te co-
tcs podem ser percebidos, situados e determinados" e mo referencial, u1na qualidade de un1versalts1no pelo
,, ''''"'"º" ., to. cunscreve ou limita a área de sua criação, antes l he '
ainda que "referencial não é exata~ente um fato, ~m humano, a qualidade dra1nagramatical de escritura
11·~1111 ltl\ íl pern1ite a pesquisa c o tratamento dos proble mas estado de coisas, nen1 n1esn10 um ob1cto, mas urn prin-
'\ 1·~11 ;utUl'tl ·u niversais, da natureza e situação do homem cn1 cípio de diferenciação". do homem.
.. , ' '" '"' , r • c hoque com os sistemas éticos do mundo organi- A poesia dos n1ine iros não se contentou, portanto,
ll •H 111111111 1 D zado à sua volta. E a poesia d e En1ílio Moura, em Referencial, aqui, não pret·e nde pois J.in1i tar as obras apenas com os dados exteriores e n:iensuráv~i~ da
1111•..11111. seu discurso especulativo, integra, embora indepen- dos escritores mineiros ( como obra referente a, re- linguagem de renovação do Modernismo. Alias, a
1l 11 1111n 111 dendo de um cenário social típico, a mesma preo- metente a, obra transparente), n1as é t.:ma tentativa fase histórica, heróica, desarticulada e elementar do
h·11 lhtl h cupação · barroco-mineira de relacionamento do ho- de marcar uma relação institucional com base nun1 n1ovimento tambén1 seria, inevitavelmente, ultrapas-
I• ""' t.11 ~0 mem com o tempo e com a vida. sada pela atuação n1ais decisiva. das etapas seguin,te_s,
1111111 ti ' ' " Parece-nos em conclusão que, a partir da poética (12) FOUCAULT, !'liichcL Arqueologia do Saber. Petrópolis, por outros escritores, espccialn1ente por um Mar10
111pl11, particular de cada um dos três autores aqui tomados Vozes, 1972, p. 200. Sobre o conceito de centramenro, ~·cr, nest a de Andrade e por um Oswald de Andrade, este sen1
colelãuea o excelente estudo de Affonso Romano de Sant'Anna.
A POESIA MODERNISTA DE MINAS 191
A 1'10
abdicar nunca de seu radicalismo e vanguardismo.
Mas a contribuição mineira dos anos 30/ 40 seria flUI MIU
fun damental para o funcionamento consistente e coe-
rente da teoria e doutrina que gradativamente se
corporificava como um processo em ação.
Consumada a função destruidora do modernismo, e
desmoralizadas, por sua vez, as convenções novas com ,
que se procura substituir as velhas convenções, ficou
.' para o poeta brasileiro a possibilidade de uma expres-
são livre e arejada, permitindo a cada um manifestar-
-se espontânea e intensamente, no tom e com o sentido
que melhor lhe convenha13. '
A natureza da organização poética - continui-
dade da descontinuidade em Murilo Mendes, ques-
tionamento e observação em Emílio Moura e lúcido
visionamento e apropriação libertária da realidade
em Carlos Drummond de Andrade - é racionali-
zada de um ponto de vista .não-impressionista na
estrutura da composição e em seu peso contextual •
:
,_,
dramático. Ativamente empenhada em assumir a ~

consciência crítica do seu tempo, a poesia moder- "'


nista na sua vertente mineira atinge o particular e ••
o universal das tensões sociais, pelo ajustamento for-
n1al e substancial feito entre isolamento físico, pró-
prio de uma determinada peculiaridade sociológica,
e o contato mental intersubjetivo, próprio de uma
A
111h1lt1I•
"1
atitude ideológica solidária; por suas proposições
fundamentais descritivas, normativas e contextuais, .. .. ' .,,
~·I IAlh 111111
A11111
mas especialmente pelo constante e impiedoso jul- i•'""lllt••
111111lt ~...,.
gamento de si mesma. O discurso modernista, em .
seu estatuto e efeito fragmentário, cinético, visual, '
t 'tll 'Ili
,,.. ' "....
' '·
ganha - notadamente em Drummond e Murilo
Mendes - u1na regularidade de espessura, uma base ,
enunciativa que permanece irredutível nos limites ..
,, "'''" ""'
1111111'4•\
,., 1

e lacunas do funcionamento da palavra e de seus '


11111 '"' '"
campos semânticos: é a espessura humana, subja- ' f lvn~An
.,... .,' "" ·cente em toda a sua estrutura formal. Com sua fun· • ,-\1h1u1 o
ção referencial (princípio de diferenciação), sua .1..........
função de sujeito (a consciência que fala, uma ati- l.t'
"
1 ciho, 11
' 1t~•1•11111,
tude e posíção críticas do eu), a materialidade do
texto (a articulação de signos e unidades retóricas), '. Afon•n 1
a demarcação ·unificativa da poesia dos modernistas ·:. f 11A11 1.11.-
mineiros é, tanto quanto operação expressivo-lingüís- .•l"
,,/.
;f
<tndulr
,,,li ,,,1•• ~
tica, a configuração em termos criativos. de uma tra-
dução, decifração, recobrimento e revelação do pen- . o AI 1•111 i
samento antropológico. '
v1111111111 i
.,au 11111 f
J 1111l•Ulll
( l 3) ANDllADE, Carlos Drummond de. Confissões dr Minas.
Ed. cit., p. 63.
'
192
A FICÇÃO MODERNISTA DE MINAS
an11111ul •• o.
10/ .. 0 ld -Rui Mourão
'''""'" "
li'llllt\Pl\l ~l' ~
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.....-1.. 1
l 11111 1fi
l'l tlttll•HI•

ti lllll•lllÍ<
11 "'" ' I A ficção mineira apresenta dois grandes marcos
'"'"ti ·; iniciais isolados: Bernardo Guimarães - um dos
criadores do romance sertanista brasileiro - e Afon-
1•1111'"
1 ·111~1 .. -
'"..1'1l>lll
-.1111
l•h
.. - so Arinos, cuja coletânea de contos Pelo Sertão,
inaugurando o regionalismo em livro, representou
nacionalmente poderosa força para a implantação da
corrente, até hoje de imensas conseqüências dentro
da nossa literatura. No longo período que mediou
o aparecimento dessas vigorosas personalidades, nada
aconteceu que valesse a pena ser registrado, da mes-
ma forma que não alcançou nível de maior signi-
ficação aquilo que foi contemporâneo de Afonso
Arinos ou, d'epois dele, surgiu até o primeiro quartel
deste século. Podem ser citados alguns nomes: Artur
Lobo, o parnasiano-simbolista de O Outro; Avelino
Fóscolo, o naturalista de O Mestiço e O Jubileu;
Afonso da Silva Guimarães, o contista de Ossa M ea;
João Lúcio Brandão, o romancista de Pontes & Cia.;
\\\ Godolfredo Rangel, o estilista de Vida Ociosa; Ama-
deu de Queiroz, o regionalista de A Voz da Terra;
e Aristides Rabelo, o autor de O Hóspede. O µia.-
vimento coletivo mais poderoso desse r amo de cria-
ção em Minas é fenômeno da segunda fase do Mo-
demismq. Por volta dé 1930 é que aqui se apresen·
º'"' 1 ·I• Kl'-111 ,

,.•
'

'
'
dispunha para a fusão e int~graç~o com a sua. c~- , 6~111011, tlt
tou uma geração de romancistas e contistas que lo- vam uma sensibilidade mais interiorizada e univer- OtlAYtl •
·lrinã paulista, seguramellte inclusive ~uma pos~.çao "
graria maior conseqüência dentro do tempo, criando salizante, que acabaria por situá-los como anteciI?ª-:
de inferioridade, dada a articulaçã~ mais .c~°:sequen- . 111111•• l t
aquela continuidade de estilo que firma uma tra- dores dos rumos que empolgariam a literatura m-'
teira, logo a seguir. A influência mais direta do mo-.
te da arrancada renovadora que ah teve m~c10, ,~n· · por tllfl
dição e estabelece pontos de referência através dos forme ficou hjstoricamente p rovado, e ~ev1do ~ ~­ ~ondu fft
quais se pode reconhecer uma clara linha de des- dernismo da primeira fase parece ter-se limitado a ,.111r•11•n
discutível superioridade do amb!e~te social ~ndic10-
dobramento ou de evolução. Estudar a ficção mi- alguns poemas de nlarca oswaldiana que aparece1n nndor, com o conseqüente dom1n10 de canais de co- :~ fonn1un 1
neira, por isso 1nes1no, en1 grande medida será e~a­ no primeiro livro de Carlos Drun1moz;d de Andra~e,
minar a maneira pela qual a fórmula da narrativa
n1odernista foi implantada e se desenvolveu entre
" que chegou a ser anunciado co1n o titulo caracter1~­
ticamente p aubrasílico de Minha terra te1n pa/m~1-
J 01unicação de maior eficiência. Efetivamente ? que
ocorreu foi o estabelecimento de uma relaçao de
()
lllhttlf'I ""'
, mestres para discípulos entre os~ do.is grupos, como !' lth'AI ftll
nos. rasl, ou à coletânea História do Brasil, de Mur1lo
está a comprovar a correspondenc1a troc~da. ~ntre
"
E a questão preli1ninar que se levanta é a de se
saber por que os n'a rradores inontanheses, a rigor,
Mendes - livro artificial, sem qualquer sentido na ·
própria evolução do .autor, que. anteriorme.n~e havia .
Mário e Drummonds, o que, de resto, se 1u.stif1cava '""""""'
1101vlvu 1
pela própria diferença de idades. Os . modernistas mi- , 11011 11tln1•I
1•
ficaram in1unes da influência do experimentalismo estreado dentro daquilo que seria a sua fe1çao mar- ) neiros desejaram ardentemente segu ir os passos dos "· c11llv11 tnl
cadamente peculiar 2. Chegou a se esboçar luna, t~n­ i
típ ico da chanlada fase heróica da revolução lide- seus co1npanheiros do Sul e se. a sua aventura acabou
rada por Oswald e Mário de Andrade, quando, por tativa de implantação de uma sucursal antropofagxca . se pautando pelas suas próprias coordena?as é por- ,' 1lllO fft•1
111I•li'li """
'
'1 exen1plo, Joã.o Alphonsus desde a prin1eira hora se com o suplemento L eite Crio/o, dirigido por João que o ato de criar intelectualmente não deixa de ser, IUlll , ,.,,

""• .,•..
!,1, achava co1np ro1netido con1 as novas idéias. Fazend~ D omas Filho, que não conseguiu ne.n1 mesmo se con- : também, u1na questão de condicionamen!º· , clru11n1t•1t
" a sua estréia no conto exatan1ente em 1922, ele foi solidar, de so1te que a tomada de posição mais séria .'. A herança cultural dos .n oss?S es.c~itor:s e . que
dos niineiros ficou sendo o repúdio à linha oswal- · ·~·
ativo participante de A. Revista, en1 192 5, poréin pesou para ilnpedir it. completa 1dentif1caça~. Rev_?-. 1hJOll 1 lf
'11 toda a sl1a obra apresen ta, na verdade, o tônus da diana, formalizado ern carta de Carlos D rummond • lucionários e progressistas como os q~e ma1s '! .sao lr11h11lh11v
'' nova tendência caracterizadora do decênio seguinte. de Andrade3 e que, segura1nente, significava mais e como está a demonstrar a sua imediata pa~ttc1pa­ · roll1ln11,
O único escritor a experimentar e111 Minas as trilhas
abertas por obras como Jocio Mira1nar e Macunaí111a
do que mera opção por outro grupo.
F ernando Correia Dias, em ensaio recentemente
ção no movimento, os mineiros e.m qual~uer c1rcun~­ ' l ll'Oll li •t
tãnci a agem 1nuito à sua rnanezra, devido à densi- , l<'111Alh •11,
par-ece ter sido Aníbal Machado, em João Ternura, publicado4, levantou a tese de qlre ?s rapazes q!1e dade do lastro de tradição que carregam. :e, um fato : 111i;u t111r111 ~
que vinha sendo escrito desde 1926 mas, havendo viriam a constituir o grupo modernista montanhes, hoje mais ou menos incontestável e cuja e:plicação 111\\111 ,, . •1
se constituído nun1 dos casos mais anormais de ges- ao tempo da Semana de 22, autonoo1amente já evo- nos remonta aos tempos da nossa formaçao social. t ud lo 11tt
tação d_e que se te'm notícia, ao ser publica10, em luíam para a modernidade, sob o influxo de ?Jl1 Estado mediterrâneo, bloqueado de montanhas e se- Nlo 111
1965, apenas resulto u em grande anacronismo. P o- atualizado conhecimento da literatura estrangeir a. parado do litoral por imensa distânci~, desde. cedo . t llllÇlll
deria a não-participação mineira n as refregas da pri-
meira quadra modernista se explicar por uma certa
~ias é evidente que ninguém poderá partir desse
.
pressuposto para pretender explicar a 0~1entaça~ mi-
. - Minas G erais foi obrigado a ter uma vida confmad a,
não só pela falta de estradas e .~ut~os meios .d~ co- -~ Jlh " " '""
''"" 11 vhl
falta de arrojo· radicalizante dos nossos prosadores, neira como resultado de um desenvolvimento mde- municação como pelas conven1enc1as da at1v1dade irhnlllYtt
o que deixa entrever o núcleo básico da própria ten-
tativa de Aníbal Machado, que inuito possivelmente
pendente em termos absolutos, da mesma forma· que
seria falso supor que es~e ponto de partida, só por
mineradora, sempre diligente no seu empe~o de
cortar os possíveis caminhos de evasão da r1qu~za. ~ 1110tlhl11 •
l
ld1ul11 l"
não chegou a ser descaracterizado pelas sucessivas si, tivesse comprometido todo o desdobran1ento pos· Esgotadas as minas, levantou-se o cer~o verd adeir a- • 1lci lntlnt
reelaborações ao longo do ten1po? O problema se terior da criação que aqui teve lugar. Se houve real- mente policial que cerrava as fronteiras, mas en'I. ~ lllhtlllllJft
torna 01ais complexo ao verificarmos q·ue ele não n1ente essa abertura antecipadora ou contemporânea conseqüência da falta de recursos que chegou com ":· 11oht• 111••
deve ser entendido de fom1a restritiva, abrangente da intelectualidade local para a inteligência mais o desmantelamento d a economia e do desinteresse .1 llll"UIU l l
apenas da ficção.
· Na poesia, houve radicalização indiscutível e, i10
avançada da época, temos que admitir que ela não
chegou a ter outra conseqiiência que não fosse a
que a envolveu, quando nã~_representava .mais atra~ 111,11
tivo para ninguém, a r-eg1ao acabou am~a . mais . ·~· \lOtllfO tl
••r•I
'entanto, o que definiu o quadro geral do setor foi defin itivamente ilhada. Essa quase condenaçao a ter J
um distancia1nento que desde o início s.ituou os n1i-
de despertar u1na vaga intuição ou criar uma aspi-
ração p ela coisa nova que se adivinhava no ar - que se bastar a si mesma levou-a a superestimar os h11~•··
1·11r o nu• '"
neiros co1no u1n caso à parte coin relação aos ino- o que, ao invés de marcá-la diferenten1ente, a pre- seus próprios valores e a eles se agarrar .tenazmente, ·~tt t1l1UI
vadores tunto do R io quanto de São Paulo. Reu- . num esforço ao mesmo tempo de sobrevivência e . 14'11l!O n1t t
n idos en1 torno de A R evista, após a famosa visita (l) ÁVILA, Affonso. Nas Vertentes da Semana de 22: O auto-afirmação. As glórias do período da mineração, :/ 'llilf llVll -
de Mário c Oswald a Minas Gerais, nas suas cola- Grupo Mineiro de A Revirta. E m Revista de Cult11f(1 V ozes, Pe-
t1·ópolis, v. LXVI n. l, Jan./fcv. de 1972, p. 30. . que a elevou às supremas alturas de centro dinâmico ·, 1111'• li 1ft4
~~raç?es t?órica~ os jovens 1nin~iros revelavan1 per- (2) ARAÚJO, Lafa Corrên de. Murilo Mendes e a Fase l h s- do país e sustentáculo do reino português, e o apa~ 1l•1lv11.
feita lden!IfJcaçao com os paulistas, 1nas no plano tórica do Modernismo . .Bm R evista de C11//11ra V ozes, idern , pp.
47-52. . rato completo da manifestação de sua existência n a
objetivo da criação a realidade er a be1n diversa e, (3) Cana rep1·oduiidn por Affonso Ávila en1 nota ao artigo 1~1 A~
ao invés de trabalharem o poema voltados para uma citado, p. 32. (S) ANDRADE, Carlos Drmnmond de. Con f issões de M /rra,r. 111111" '" 1
(4) DrAs, Filmando Correia. O Movin1ento Mod ernista "" M I· Arncric-Edll., Rio de JaneJro, 1944, pp. 75·94. 111•hl1i., l
mitologia brasileira, exótica e localista, já exercita- nas - Uma Interpretaçil<> Sociol6glca. Ebrasa, Brasília, 1971.
194
.

1:
\
lo· van1 uma sensibilidade mais interiorizada e univer· dispunha para a fusão e int~graç~o com a sua. C_?- época, ficaram como o seu residi~ emociont 1 ..mais
nndo salizante, que acabaria por situá-los como antecipa. lr1nã paulista, segurame11te. inclu~ive ~uma pos!.çao estável e mais sensível. Na atualtdade, depois de
trn· dores dos rumos que empolgariam a literatura in- de inferioridade dada a articulaçao mais consequen- tantas transformações e tantas vicis~itu.des, o t~aço
elos teira, logo a seguir. A influência mais direta do mo- te da arrancada' renovadora que ali teve início, con- por excelência diferenciador do mineiro co!1t1n~
d • dernismo da primeira fase parece ter-se limitado a Iorme ficou historicamente provado, e ~evido ~ ~­ sendo certas projeções de uma herança co~on1al 10-
mi· alguns poen1as de marca oswaldiana que aparecein discutível superioridade do amb!e~te social ~nd1c10- disfarçável que dão as linhas do seu perfil e con-
no primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade, nndor, com o conseqüente dorruruo de canais de co- formam a sua maneira de encarar · o mundo.
" que chegou a ser anunciado com o título caracteris- n1unicação de maior eficiência. Efetivamente o que O corpo ideológico que ainda subjaz à cultur_a
Licamente paubrasílico de Minha terra tem palmei- ocorreu foi o estabelecimento de uma relação de mineira é aquele que foi plantado nas terras brasi-
ras' , ou à coletânea História do Brasil, de Murilo 1ncstres para discípulos entre os dois grupos, como leiras pelas escolas jesuíticas, sistema de ensino que
Mendes - livro artificial, sem qualquer sentido na: está a comprovar a correspondência troc~da. ~ntre dominou exclusivo por cerca de duzentos anos. A
própria evolução do autor, que anteriormente havia tvlário e Drummonds, o que, de resto, se 1u.st1f1cav_a serviço das exigências ecumênicas da Igreja, os nos-
estreado dentro daquilo que seria a sua feição mar- , pela própri~ diferença de idades. Os. modernistas mi- sos primeiros missionários orientaram a sua obra edu-
cadarn ente peculiar 2 . Chegou a se esboçar uma ten- · i neiros desejaram ardentemente seguir os passos dos cativa em função de valores eminentemente univer-
tativa de itnplantação de uma sucw·sal antropofágica . seus companheiros do Sul e se a sua aventura acabou sais6. Enquanto outras organizações religiosas - co-
co1n o suplemento Leite Criolo, dirigido por João se pautando pelas suas próprias coordena~as é por- mo a Franciscana, a Carmelita, a Beneditina - na
Do1nas Filho, que não conseguiu ne.n1 mesmo se con- que o ato de criar intelectualmente não deixa de ser, sua expansão doutrinadora, procuravam atender às
solidar, de sorte que a tomada de posição mais séria 1a1nbé1n, uma questão de condicionamen.to. , circunstâncias do meio, transmitindo às populações
dos mineiros ficou sendo o repúdio à linha oswal- A herança cultural dos nossos escritores e · que das áreas de sua atuação conhecimentos mais prá-
diana, for1nalizado ern carta de Carlos Drummond pesou p ara impedir a completa identificaçã~. Rev_?- ticos e operatórios, os adeptos de Santo Inácio só
de Andrade3 e que, seguran1ente, significava mais ,. lucionários e progressistas como ~s q~e mais ? .sao trabalhavam para a formação de uma elite, culta e
do que 111era opção por outro grupo. e como está a demonstrar a sua imediata parttc1pa- religiosa, capaz de realizar os seus propósitos mís-
ção no movimento, os mineiros em qualC).uer ,circun~­ ticos e sociais. Através do ensino exclusivo da ma-
Fernando Correia Dias, em ensaio recentemente tância agem, n1uito à sua maneira, devido a densi- temática, do latim, dos conhecimentos abstratos, o
publicado4, levantou a tese de que os rap azes que dade do lastro de tradição que carregam. l?, um fato seu esforço se fazia no sentido de desvincular o ho-
viriatn a constituir o grupo modernista montanhês, hoje mais ou menos incontestável e cuja explicação mem da objetividade temporal e interiorizá-lo - si-
•· ao tempo da Sen1ana de 22, autonomamente já evo- nos remonta aos tempos da nossa formação social. tuá-lo no plano de uma objetividade .intemporal.
1uíam para a modernidade, sob o influxo de un1 Estado mediterrâneo, bloqueado de montanhas e se- Não quer dizer, entretanto, que o resultado da for-
atualizado conhecimento da literatura estrangeira. parado do litoral por imensa distânci~, desde. cedo mação jesuítica tenha sido. o aprisionamento ~o es-
Mas é evidente que n inguém poderá partir desse Minas Gerais foi obrigado a ter uma vida confmada., pírito num plano de pura idealidade. Num meio ,em
pressuposto para pretender explicar a orientação mi- não só pela falta de estradas e .~ut~os meios .d~ co- que a vida dificilmente podia se elevar .de um n1vel
neira como resultado de um desenvolvimento inde- municação como pelas conven1enc1as da atividade primitivo e elementar, os aspectos extenores da rea-
pendente e1n termos absolutos, da mesma forma que mineradora, sempre diligente no seu empe~ho de lidade possuíam extraordin~ia força de apelo e, na
seria falso supor que esse ponto de partida, só por cortar os possíveis caminhos de evasão da riqu~za . medida em que a consciência se via bombardeada
si, tivesse comprometido todo o desdobramento pos- Esgotadas as minas, levantou-se o ceri:o verdadeira- de todos os lados pelos fatos, a mera saída para o
terior da criação que aqui teve lugar. Se houve real- n1ente policial que cerrava as fronteiras, mas em alheamento era impraticável. A opção só pod~ria ser
rnen te essa abertura antecipa dora ou conte1nporânea conseqüência da falta de recursos que chegou com pelas manhas do despistamento, pelas tentativas de
da intelectualidade local para a inteligência mais o desmantelamento da economia e do desinteresse mascaramento, pelo jogo da contradição. A estraté-
avançada da época, temos que admitir que ela não que a envolv~u, 9uru1do nã~_representava .mais atr~­ gia geral adotada pelos jesuítas era a de ir ao en-
-· 11i!1'1<I JJ.O

chegou a ter outra conseqüência que não fosse a tivo para n1nguem, a regrao acabou ainda mais
1111 ~•>íl•( ,. fol contro do dado objetivo para tentar minar as suas
de despertar uma vaga intuição ou criar uma aspi- definitivan1ente ilhada. Essa quase condenação a ter
~llfltll H' ln!• roção pela coisa .nova que se adivinhava no ar -- que se bastar a si mesma levou-a a superestimar os
bases, envolvê-lo, apropriá-lo. Na maneira de enca-
11~ Ih• '"" , O• rar o mundo, que procuravam transmitir, somavam-
o que, ao invés de marcá-la düerentemente, a pre- ' seus próprios valores e a eles se agarrar .tenazmente, -se elementos provenientes de uma 6ptica até de gro-
1'11111\ 1 •
l 1111 11 11111 num esforço ao mesmo tempo de sobrevivência e tesco. naturalismo; mas o efeito final alcançado re-
( 1) Áv11.,,,, Affonso. Nas Vertentes da Semana de 22: O auto·afirmação. As glórias do período da mineração,
ht~ ~1 1 •1 O rnpo .Mineiro de A Revista. Em Revista de Cultura Vazes, Pe- sultava eminentemente intelectual, com tendência
111·l111·1u u
lr<\polls, v. LXVI, n. 1, jan./fcv. de 1972, p. 30. que a elevou às supremas alturas de centro dinâmico para a síntese, a generalização, o requintamento idea-
(2) f\llAÚJO, L11ls Corrêa de. Murilo Mendes e a Fase His- do país e sustentáculo do reino português, e o apa-
1111~ ltn f1l1W3.0 t61·icu <'lo Modernismo. Em Revista de C111t11ra Voze.-. idem, pp. lístico.
Ili 1111.. 1
4?·S2. rato completo da manifestação de sua existência n a
(:l) C11na reproduzida por Affonso Ávila eni nota ao arllgo
(6) AZBVl!DO, Fernando de. "O Sentido da Educação Colo-
li1• l " 11 ,, li cHn <lo, p . 32.
(S ) ANDRADE, Ca~los D rummond de. Confissões de Mbuu. nial". l n: A C111fura Brasileira. 4 ecj. São Paulo, Edições Melhora..
( 4) DIAS, F~mando Correia. O Movimento Modernista em Mi-
' '" 1 ~. I .,.
AmOl'ic·Edit., Rio de Janeiro, J944, p p. 75-94. mentes, l964, pp. SOl-549.
• r-- nar - Uma lnterpretaçüo Sociológica, Ebrasa, Brasilia, .1~71. ~
. A FICÇÃO MODERNISTA ·o·E MINAS 195

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Os modernistas mineiros cerraram fileira em ~
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lançado pela primeira, quando nada porque, p · 11 n11 -• 1tlll t
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se encerrou naquele decênio. O certo, porém, é ·ti lhl1t111u, u
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(7) ANDRADE,Mãrio de. "0 Movimento Modemlstn'' l 11111-1lfll1 111
'!specto~ do Literatura Brasileira. Col . Obras .Completas ·
no de Andrade, São Pauto, Livraria Martins Editora,
pp. 231-255. SILVA Blln'O, Mário da. " O Movimento MOíló
ln: A Literatura no Brasil. Direção e orJentação de AfrAulo ; >:i , , , ~11AA'I
1
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linho, Rio de Janeiro, Livraria S ão Jos~. 1959, v. III , tól!I . /, Ili 1~·

O ficcionista João Alphonsus, un1 do~ fundadores de. A Re1•is1a.


pp. 431-482. ,,,,.. t. '" Ili

1
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'

Os modernistas.mineiros cerraram fileira em tomo problema em outra perspectiva. O modelo estético


da pregação dos líderes paulistas, com um ânimo modernista, tal como foi definido por Mário de An-
.
participante tão mais decidido quanto o seu contato drade8 - consagração do "direito à pesquisa per-
• • com as idéias avançadas do tempo fosse um fenô- manente", esforço para a "atualização da inteligên-
·'.
meno que talvez já tivesse sido iniciado, n1as é fora cia artística brasileira" e "estabilização de uma cons-
de dúvida que a -influência recebida não os deixou ciência criadora nacional" - continuava vigente,
na situação de .passivos macaqueadores de fórmulas mesn10 porque muitos dos participantes da nova fase
e soluções .pré-fabricadas, por mais prestigiosas que ·haviam sido exatamente os artífices da primeira. O
-.-.. . ,. elas se apresentassem aos seus olhos inegavelmente an1aneiramcnto verificado na radicalização pesquisa-
.• provincianos. Agindo lucidamente ou não, o que os dora inicial não significava desistência do propósito

- .
-:>.• •
intelectuais 1nontanheses realizaram, salvo circuns-
tanciais incidentes que marcam o início ainda tímido
ou vacilante da operação, foi uma vasta deglutição
experimentador, como está a demonstrar a multi-
plicidade dos caminhos que passaram a ser percor-
ridos, o desejo de atualizar a inteligência artística
''
• •
-··- ..
~,
antropofágica daquilo que chegava de São P aulo, era evidente na abertura que se fazia no sentido de
deixando em evidência a base dialética de um mo- uma maior receptividade para com a influência ex-
vimento que começava a evqluir a partir da sua pró- terna e a fidelidade à consciência nacional - em-
pria contradição. Essa assertiva parecerá mais ver- bora na maior parte dos casos tornada uma preo-
dadeira se nos abstivermos de qualquer preocupação cupação ingênua e 1neramente temática - acabou
de ordem mecanicista e procurarmos ver esse pro- sendo um dos traços mais característicos de certo
cesso se -fazendo, em muitos casos, de forma incoe- contingente criador do período.
rente e, de acordo com os gêneros, com intensidade A obra de João Alphonsus, que vinha aparecendo
variável. desde 22, mas cuja publicação em livro só teria lugar
Se na poesia, sob a liderança de Carlos Drummond no decênio seguinte, se apresenta co1no un1 son1at6-
de Andrade, essa absorção e recriação da semente rio das muitas experiências que ia produzir o fic-
paulista produziu -frutos imediatos e definitivos, a cionismo mineiro, daí para a frente. Com isso, não
ponto de , projetarem para o futuro a perspectiva de pretendemos dizer que ele tenha sido uma influência
uma c.adeia de deglutições de alta virulência - que a marcar o período - o que seria inteiramente falso
pode ser seguida através da obra de João Cabral - mas apenas chamar atenção para o fato de que
de Melo Neto ei depois, dos concretistas e do mo- a riqueza co1nplex.a de sua sensibilidade talvez desde
vimento mineiro de "Tendência" - na ficção o pro- o início significasse u1ua intuição dos vários cami-
cesso foi grandemente retardado e deve ser compre, nhos que passariam a ser percorridos. O seu traba-
endido como uma evolução que só se completou nos lho mais antigo - "A Morte Burocrática"9 - já era
anos 50, com João Guimarães Rosa, ao fim de um uma mostra daquela linguagem marcadam ente sub-
longo período que mais parecia de desistência ou jetiva, tendente à fixação de uo1a atmosfera de su-
. rendição. Não faltará quem argumente que a segun- gestões vagas e misteriosas que apareceria amadu-
da geração modernista, principaln1ente no que diz recida nos contos de Galinha Cega e apresentaria
respeito ao ficcionismo, não possa ser entendida co- alto grau de decantação em Eis a Noite!, volume de
mo o resultado de uma evolução daquilo que foi encerramento da carreira do escritor. Essa evolução
lançado pela primeira, quando nada porque, para não se completou, entretanto, sem que outros ele-
muitos dos nossos historiadores7, o movimento de 22 méntos fossem sendo agregados: o realismo do co-
se encerrou naquele decêoio. O certo, porém, é que tidiano, o grotesco, o humor, o lirismo, às vezes o
a aparent!il mudança de rumo e diversificação de ten- simbólico e o fantástico. No romance Totônio Pa-
dências, çcorridas por volta_de 1930, n~o era mais checo, o texto se abre para uma linguagem experi-
do que uma tomada de posição para tentar ver o mental impressionista, traindo uma influência ine-
gável do primeiro modernismo, e o escritor vai se
{7) ANDIADl!, Mário de. "O Movimento Modernista" . ln: mostrar, por outro lado, bastante submisso ao mo-
11.Jpectos da Llt~ratuia Bra..t/le/ra. Col. Obras Completas de J.iá-
rlo de Andrade, São Paulo, Livraria Martins Editora, s. d.,
PI>. 231-25S. SILVA BRITO, MáfiO da. "O Movimento Modernista". (8) ANDllAOE, Mário de. Idem.
ln: A Literatura no Brasil. Direção e orientaç!ío de Afrânio Cou· (9) PL1bllcndo na revista Novela Mineira, Belo Horizonte, n.
linho, Rio de Janeiro, Livraria Silo José, 1959, v. TII, tomo l, 7, març.o de 1922, posterlorincnte incluído em A Pesca da Ba-
pp. 431-482. leia, Belo Horizonte, Livraria Editora Paulo Blúhm, 1941.

A FICÇÃO MODERNISTA D'E MINAS 197


1
1
delo da ficção regionalista nordestina, àquela altura à onça ou da luta do boi com a sucuri, e1n Y'ila dos miro Abdias e Mon.tanha, por Fernando Sabino,:,: ·'
o E~contro Marcado, por mim em Curral dos · •
'
Nltl
111'11101\t t
r.
em fase pujante de expansão. O ambiente de uma Confins, onde a digressão vale pela digressão e a cificados, por Luiz Vilela em Os Novos. Ao 10,J,f o 1tl1ur•
Belo Horizonte ainda muito restrita e provinciana, Juta do homem com a natureza, ou da natureza con- dessa verdadeira corrida de tocha, em que um i~• 111tr.1, •'-
que serve de palco às aventuras de um fazendeiro sigo 1nesma, assume proporções míticas. No segun- de complexidade parece se tornar cada vez m~ai lll'ttlVUP
aposentado - rude e prepotente chefe de clã pa- do, a violenta introversão da linguagem transpõe o à proporção em que se acumulam tanto a expen~~- fl...tun
triarcal - é esboçado através de um realismo de problema para um plano de dilaceramento interi~r .e eia literária quanto a riqueza humana da grande . . • VOHllf
base sociologizante, com tendência para o costu1n- o artista se apresenta permanentemente a expr11n1r dade,' vai.sendo erguido o perfil sensível da en~idª e nrtl1&••
brismo pitoresco. Em Rola-Moça, o autor vai in- uma forma de ser sobreposta de uma maneira de coletiva, que se mostra em seus aspectos f!s1cos.~ Y.. 1nalt
sistir no empenho de focalizar o meio social belo- estar e, na medida em que as correrias e as can- espirituais. A edificação concreta, que é abordaq . N1111111 t•
: .'
rizontino e aparece com 1nais desenvoltura no do- seiras se1n sentido do sertão se transformam cm sín1- por Avelin~ F~scolo no instant~ mesm~ da abertU~~( 1.!IM• 11111
1
'
mínio da técnica, ao realizar uma estrutura composta
de três est6rias independentes e simultâneas que se
bolo da sem-razão das coisas e do mundo, o senti-
mento lúdico se· levanta em suas dimensões filosó-
das suas pnmeuas ruas e aven1d~ •. sera complet~~ll •
pelos demais textos, que dão not1c1a da progrcss1
"'*"''4tt
dn1n1• •11
ocupação territorial e a expansão da área ~rbnnu1r • 1 r • •v~t~'" "i"t·
1 11
entrelaçam; a da burocracia e o reduto pequeno- ficas para se erigir em visão apocalíptica da exi~­
-burguês da família de un1 bacharel típico de classe têncla. através da multiplicação dos bairros e a paisagem "'
média, a dos sanat6rios que marcaram uma quadra Essa constatação nos leva a concluir que, mesmo humana, que nasce com os operários nos c~teiros 1t 11111 IH
da vida da cidade e a da favela que já se achava quando convocado para criar em função da reali- de obras da comissão construtora, será descrita em olov111· a
encravada nos morros circundantes. dade exterior e típica, o escritor mineiro não o faz suas várias fases evolutivas, com passagem por uma " 'luliia ili.
De todos os elementos que compõem a obra de senão num plano de maior subjetividade. Aquele puberdade burocrata-provinciana muito. típi~~· por .. 1 " " '' " '
João Alphonsus, a nota regionalista é, sem dúvida distanciamento em que Lúcia Miguel Pereira pre- uma mocidade em que o processo de d1vers1f1caçio ·:; 11"11111.
nenhuma, a n1ais artificial e forçada. Vê-se clara- tendeu enxergar u1na lin1itação na arte de A fonso social começa a ganhar velocidade, sendo atingida , 1•111•11tt
m ente que a matéria não correspondia a uma emo- Arinos e que, no seu julgamento, era devido à falta certa posição de fastígio como núcleo regional, e n1lnllhtt
ção muito profunda do escritor e não passava de de vivência efetiva dos problemas rurais - e de uma por uma maturidade em que a irrupção das massl\8 : oi M••nH•
uma experiência, até certo ponto brilhante, de quem conseqüente impossibilidade de identificação com os marca a sua modernidade e a sua transformação em ;:· 111111 ~011
' 1
desejou se inserir na moda. Totônio Pacheco não 1nesmos - deve, antes, ser entendido como distan- grande centro cosmopolita de significação n acional, 11• '""'••
deixa de ser um grande tipo quixotesco vigoroso, m as ciamento intelectual. O criador mineiro só entra em -Tendo assistido à epopéia da construção da nossll 1 o•tlll1tlftt
nem por isso consegue contrabalançar uma frouxi- contato com os fatos lá de fora através da intuição primeira cidade inteiramente planejada, o mineiro ~ u1llu• 1h
dão generalizada da narrativa, que não pode ser atri- - eles apenas existen1 para ele no momento e da se deixou impressionar pelo fato a ponto de pre• do q1111,
buída apenas ao fato de que o autor fazia a sua maneira em que são apropriados pelo espírito - e tender competir com os urbanistas e arquitetos, COO.• , 111ulluu ,
primeira tentativa no romance. O certo é que a não- a sua arte é, por isso mesmo, e1ninentemente uma tinuando a obra deles 110 plano do abstrato. E não '~ ~•14 10111
' elaboração de linguagen1. Não é por outro motivo
1 1 -identificação de João Alphonsus com o tema deixou há dúvida de que uma nova dimensão de imprego:\• : 111111111 11•
mais visível para n6s um aspecto que caracteriza a que livros como Sul, de Guilhermino César - que ções humanas e vivências literárias vai dilatando, ·, 11 1111u ~ti
1
maior parte da nossa literatura campesina. Quero me
referir a uma atitude de distanciamento que situa o
focaliza a vida dos mineradores de ouro da Morro
Velho - e Cangerão, de Etnil Farhat - que aborda
além do tempo, praças e avenidas, bares e locais dó
afluência popular. Mas talvez seja preciso entender
... ltl• 0
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ficcionista em face da realidade a ser abordada e o problema da classe iproletãria - permanecendo de maneira ainda mais profunda o esforço desen- , 1111•1, 11,
que levou Lúcia Miguel Pereira a class~ficar Afonso em nível puramente documental, ficam inteiramente volvido pelos escritores; através do interesse reite~ ~ 111 r A Ili
Arinos como regionalista turistato. A maneira de fora de un1a tradição mineira. rado de escrever sobre a cidade, parece que eles es.. 1 n•onlnllh
olhar é a de quem se acha um pouco de fora, de Embora a literatura sobre a zona agropastoril te- tão principalmente à busca da descoberta da ma,.. l,lrllurM
sorte que há sempre um contingente de curiosidade nha inspirado a obra máxima de João Guimarães neira própria de se desincumbir dessa tarefa. :a um1t1 r011111111 '
e deslumbramento que deternlina a escapada para Rosa, a tendência mais nun1erosa da ficção en1 Mi- pesquisa da linguagem da ficção urbana que é efc.. i Ktft rlnu•
o lúdico. Aquilo que dói e que fere fica despistado nas Gerais é nitidamente urbana. E utn fato que tivada. Não é por outra razão que o tratamento do , pllnllthtt,
de saída. Me p arece que esse seja o núcleo emotivo nesse sentido desperta a curiosidade é, não direi o tema aparece relacionado com o problema das IJC• '
central tanto da obra de Mário Paln1ério quanto da interesse mas a obstinação, de os narradores vire1n rações intelectuais. O personagem-narrador ou o pel'" : <hitlo)flt
de Guimarães Rosa. No primeiro, esse traço se re- retocando, através do tempo, o retrato físico e hu- sonage.m principal é quase sempre um escritor em ., J1111 • ltlll
vela desde o uso que é feito d a fala e do vocabu- mano-social de Belo H orizonte. Tendo sido abor- luta pela realização literária; a descoberta dos camb.1 ! ; 1nu ptttll
lário regionais - que parece1n tender a se cons- dado pela primeira vez no ron1ance A Capital, de nhos para a sua arte coincide com a descoberta. de: "t 1t ~&lll\11tf1
tituir em valores em si - e surge como uma evi- Avelino Fóscolo, que é de 1893, o motivo seria re- um ângulo p ara a abordagem da aglomeração hu~ , u •ftlto ~
dência em passagens como as da pescaria, da caça tomado por Eduardo Frieiro em O Clube dos Gra- mana em que vive. Outro aspecto comprobatório dll· ;, ,1
fômanos e, sucessivalnente, de geração etn geração, nossa tese é que quase tod'a s essas obras são de bl\SCI ,;" ,,.~!!L A!
(10) PEREIRA, Lócia Miguel. "Regionalismo". ln: Hlst6rlt1 da por João Alphonsus, em Totônio Pacheco e R.ola- autobiográfica. .. 1111111&..W
Li1erat11ra Brasileira. Rio de J anciro, LiYraria José Otymplo Edi-
tora , 1950, pp. 175-183. -Moça, por Cir-0 dos Anjos em O Amanuense BeS..
198
i
li, A1 IH•'' à onça ou da luta do boi com a sucuri, en1 Vila dos miro, Abdia.r e Montanha, por Fernando Sabino em Nos primeiros apanhados sobre Belo Horizonte,
thit·llh ·~.u O Encontro Marcado, por mim em Curral dos Cru- prepondera o enfoque temático, mas a partir de certa
.. . ... Confins, onde a digressão vale pela digressão e a
l~ta do homem com a natureza, ou da n atureza con- cificados, por Luiz Vilela em Os Novos. Ao longo altura - mais precisamente de O Amanuense Bel-
11111 f ,r~~ sigo mesma, assume proporções míticas. No segun- dessa verdadeira corrida de tocha, em que um grau miro, de Ciro dos Anjos - vai se acentuando a
···h '" do, a violenta introversão da linguagem transpõe o
problema para um plano de dilaceramento interior e
de complexidade parece se tomar cada vez m aior
à proporção em que se acumulam tanto a experiên-
preocupação com o problema estrutural. Os relatos
passam a se desinteressar pelo agrupamento em si
o artista se apresenta permanentemente a exprünir cia literária quanto a riqueza humana da grande ci- e começam a focalizar principalmente a batalha de
uma forma de ser sobreposta de ·uma maneira de dade, vai sendo erguido o perfil sensível da entidade artistas condicionados pelo meio que buscam, cada
estar e, na medida em que as correrias e as can- coletiva, que se mostra em seus aspectos físicos e vez mais dramaticamente, encontrar o seu destino.
seiras sem sentido do sertão se transforn1am em sím- espirituais. A edificação concreta, que é abordada Numa terceira etapa, que corresponde às experiên-
bolo da sem-razão das coisas e do mundo o senti- por Avelino Fóscolo no instante mesmo da abertura cias das gerações mais novas atuais, as narrativas
n:iento lúdico se· levanta em suas dimensõ~s filosó- das suas primeiras ruas e avenidas, será completada aparecem m ais voltadas para elas mesmas e aquele
f!ca~ para se erigir em visão apocalíptica da exis- pelos demais textos, que dão notícia da progressiva drama do escritor que procura o sentido da sua exis-
te11c1a. - ocupação territorial e a expansão da área urbana, tência acaba se encarnando na luta pela descoberta
Essa constatação nos leva a concluir que, mesmo através da multiplicação dos bairros e a paisagem da sua linguagem. Aqui, a cidade acabou perdendo
quando co_nvocad,o. para criar e1n função da reali- humana, que nasce com os operários nos canteiros a sua condição de barreira düerenciadora para se
dad: exterior e ttp1ca, o escritor mineiro não o faz de obras da comissão construtora, será descrita em elevar à posição simbólica de cidade-mundo e a pes-
s~n ao .num plano de n1aior subjetividade. Aquele
suas várias fases evolutivas, com passagem por uma quisa da sua expressão coincide com uma pesquisa
d1stanc1an1ento em que. ~úci~ Miguel Pereira pre- puberdade burocrata-provinciana muito típica, por de expressão da vida, na sua concepção mais abran·
ten.deu enxergar uma hm1taçao n a arte de Afonso uma mocidade em que o processo de diversificação gente.
Ann_o~ e .que, ~o seu julgamento, era devido à falta social começa a ganhar velocidade, sendo atingida P arece não haver dúvida de que o ficcionismo
de viv~ncia efetiva dos problemas rurais - e de uma certa posição de fastígio como núcleo regional, e mineiro seja de base eminentemente construtivista.
consequente impossibilidade de identificação com os por uma maturidade em que a irrupção das massas Mesmo em nível mais irrealizado, quando a obra
~esn1os - deve, antes, ser entendido como distan- marca a sua modernidade e a sua transformação em mal consegue se erguer da sua condição elementar
ciamento intelectual. O criador mineiro só entra em grande centro cosmopolita de significação nacional. de matéria bruta, há sempre um rudimento de trato
contato com os fatos lá de fora através da intuição -'fendo assistido à epopéia da construção da nossa estilístico que coloca à parte os produtos saídos das
el~ apenas existem para ele no momento e da primeira cidade inteiramente planejada, o mineiro mãos dos n ossos co-estaduanos; tem-se a impressão
maneira em que são apropriados pelo espírito - e se deixou impressionar pelo fato a ponto de pre- de que, por mais precária que seja a formação do
a sua arte é, por isso mesmo, eminentemente uma tender competir com os urbanistas e arquitetos, con- escritor, ao assumir a responsábilidade da autoria ele
clabo~ação de linguagem. Não é por outro motivo tinuando a obra deles no plano do abstrato. E não está automatic~mente assumindo um certo compro-
que ~1vros corno Sul, de Guilhermino César - que h~ dúvida de que uma nova dimensão de impregna- misso de apuramento técnico. O estilo geralmente é
focaliza a vida dos mineradores de ouro da Morro çoes humanas e vivências literárias vai dilatando, o seu ponto de honra e às vezes acaba se tomando
Velho - e Cangerão, de Emil F arhat - que aborda além do tempo, praças e avenidas, bares e locais de
até o seu lado quixotesco, num plano já de sublite•
o pr~blema da classe proletária - permanecendo afluência popular. Mas talvez seja preciso entender
de ~aneira ainda mais profunda o esforço desen- ratura, onde os latinismos e o rompante camoniano
ern n1vel puramente documental, ficam inteiramente surgem como apar atosa vestimenta a querer masca-
fora de uma tradição mineira. volvido pelos escritores: através do interesse reite·
rado de escrever sobre a cidade, parece que eles es- rar a indigência da concepção. A fortuna literária
E~bor~ a literatura sobre a zona agropastoril te- montanhesa tem sido feita por um conjunto de es·
nha inspirado a obra máxima de João Guimarães tão principalmente à busca da descoberta da ma·
Rosa, a tendência mais nu1nerosa da ficção em Mi- neira própria de se desincumbir dessa tarefa. :a uma critores cuja maestria artesanal da frase se trans·
~esquisa ~a linguagem da ficção urbana que é efe· formou numa espécie de nossa marca de fábrica.
nas Gerai~ é nitida1nente urbana. E u1n fato que Referimo-nos àqueles prosadores contidos e disci-
t1vada. Nao é por outra razão que o tratamento do
~1essc sentido desperta a curiosidade é, não direi o plinados, cujos espécimens mais típicos parecem ser
interesse mas a obstinação, de os narradores viren1 tema aparece relacionado com o problema das ge-
retocando, através do tempo, o retrato físic.o e hu- rações intel~ct~ais. 9 personagem-narrador ou o per- Godolfredo Rangel, Eduard() Frieiro e Ciro dos A·n -
1nano-social de Belo Horizonte. Tendo sido abor- sonagem pr1nc1pal e quase sempre um escritor em jos e que foram definidos por Antônio Cândido co-
dado. pela p rimeira vez no ron1ance A Capital, de luta pela realização literária; a descoberta dos cami- mo praticantes d e uma literatura caligráfic4111 pois
1ti1111 11111'11 Avelino Fóscolo, que é de 1893, o n1otivo seria re- nhos para a sua arte coincide com a descoberta de a aplicação caprichosa, minuciosa e elegante para
1·111 111, 1ln tomado por E duardo Frieiro em O Clube dos Gra- um ângulo par~ a abordagem da aglomeração hu- o efeito do estilo não deixa de lembrar o amoroso
flJ1~1ano}· e, sucessivamente, deA geração em geração, mana em que vive. Outro aspecto comprobatório da
po1 Joao Alphonsus, en1 Totonio Pacheco e Ro/a- nossa tese é que quase todas essas obras são de base ( l l) ANTÔNIO CÂNDIDO. "IJteratura Caligráfica". Prefácio a
autobiográfica. Falan1e Glor /1>sa, do GodoUredo Rangel, São Paulo, Ediç6es Me•
· Moça, p or Ciro dos Anjos em O Amanuense Bel- lhorarucntos, s. d ., pp . 3-5.
.
A FICÇÃO MODERNISTA D'E MINAS 199
1

cuidado dos antigos peritos da escrita manual, preo- fundidas com as raízes da nossa formação social e que a: sua obra, até certo ponto, atualizou o movi~
cupados com o embelezamento da página. o dran1a que se levanta é o de um passado inape- mento como um todo.
O esp.l endor cartesiano da lógica é a virtude mais Javelmente acorrentado em si mesmo e que insiste · Fora da acidentada orografia rosiana parec~ tercn1 '
prezada desses escritores, que estão sempre incan- em sobreviver como uma afronta, como uma agres- permanecido apenas as experiências de s~nt1do ur•
savelmente à cata do termo próprio, da depuração são ao presente. A força daquele mundo é a sua in- bano e as tentativas de reformulaç~o arquitetural d~
da frase e da elegância do dizer. Há neles uma ten- tegridade, a sua orgulhosa e trágica Jegenda aris- narrativa, ernpreendidas por Rosário i:;u~co e o An
dência inegável para certo aristocratismo 1nental e, tocrática. Verifica-se nessa arte uma tendência muito bal Mach ado de João Tern ura. Esse ult1~0 fenôme->
se a esse respeito, a ironia constitui o aliado mais grande p ara o Simbolismo e o tema obsessivo é a no entretanto acha-se mais preso à atualidade, seo•
produtivo, a pose de quem deseja "fazer estilo" aca- morte. Reagindo à densidade do lastro histórico-cul- do' colocado por obras como Lúcia. AfcCartneY_, de
ba deixando à mostra o seu rebuscamento. E ao des- tural que carregam, esses escritores abriram as com- Rubem Fonseca, O Bar1quete, de Silv1~no ~ant1ago1
cobrir esse seu lado maneirista, co1npreendemos que portas da subjetividade e projetaram perspectivas vi- Curral dos Crucificados, e a ele Guunaraes Rosa
aquele amor à luminosidade racion al nunca conduz gorosas par a a nossa prosa expressionista. A frase, prestou reverência em pelo nlenos uma novela -
às grandes brancuras do ascetismo ou à precisão de ainda na sua regularidade cartesiana, com eles co- "O Cara de Bronze", que integra Corp<! de Baile.
...• Como 0 criador da literatura do~ _Ge~a1s elevou a
um rigor 111ate1nático: a amenidade da crônica, o n1eça a se desagregar, prenunciando um mornento de
vôo rasante do comentário malicioso, a disciplina explosão. ficção rural a uma posição de fasttg10, e de s.e supor •
que mais parece a compostura do pícaro é que con- Atingido esse ponto, teve lugar certa violentação que 0 esforço maior, daqui para a frente, .seia exe~-
formam a sua verdadeira n atureza. Antônio Cân- de tendências a se oporem quase radicalmente, nu- 1.:ido na área dos textos que ab? rdam ~ vida da. c1•
dido os define como não-machadianos, por enten- n1a clara indicação do estado de crise. Enquanto o dade. ·Isso possivelmente se confirme, nao porque .te·
der que são " homens de profundidade demarcada Expressionismo avançava, alcançando rnaior grau de nham sido esgotadas as possibilidades. d; um~ 1_1le- .
sem as infindas aberturas para o irracional e o dra: intelectualização e poder de síntese con1 o realismo ratura ca1npesina - no terreno da cr1açao ar~1st1ca., ..'
ma", mas creio ser impossível adnliti-1os fora da rnágico de Murilo Rubião e depois C ampos de Car- uma. crença dessa natureza não . passa de s1mpt;s
s?mbra do patriarca das nossas letras, que foi um valho, que não raro descambavam p ara o franco heresia - mas devido a uma le1 .de compensaç~o
gigante de sete faces, podendo se refletir em todos surrcalisn10, Fernando Sabino e depois Rubem Fon- que parece existir também na órbita da estratég1_a
os espelhos. Essa família inteira nasceu fascinada seca rcalizava1n experiências com uma linguagem de humana e sempre está trabalha_!ldo para o reequ1- J:•
,. 1 pela postura externa do autor de Brás Cu bas e aí cortant7 objetividade, fundada principalmente na líbrió dos pratos da balança. ~ao .se po~erá ~esco·
1
pem1aneceram sem nenhuma tentação mais séria de dramatização e numa retórica cinematográfica. Sem nhecer igualmente a verdade h1s~ór1co-s?cu:~l6gica ~o
um escorregão pelos abismos, talvez pelo seu na- apresentar características tão fortemente marcadas momento brasileiro, em que as areas c1tadmas estao "
tural pendor para a afabilidade. · talvez entre as duas alas é que deve ser situado' forçando de maneira cada vez mais d~cidida o des·
.Mas se engana redondamente aquele que supõe Aníbal Machado, vacilante entre o Expressionismo Iocamento do antigo centro de grav1~ade. -e, P?S- '
se1a essa estilística de tendência mitigada o traço o Surrealismo e uma fidelidade ao exterior objetivo~ sível, por outro lado, que, uma nar:at1va de r,na1or
por excelência definidor da prosa mineira. O que Com o aparecimento de Guimarães Rosa, tudo o vocação épica aspire tamben1 a reab'.lar uma s1ntese
parece ter ocorrido - e se encontra plenamente em que vinha em gestação nesse longo processo de ama- sobre a síntese rosiana, transubstanciando o rural e
1 1.
curso no momento que atravessamos - é uma evo- durecimento irrompe num texto p or excelência 0 urbano num corpo único - p;o~za que segura-
í mente só seria viável no plano magico.
lução de linguagem, que pode ser acompanhada pas- açambarcador. A linguagem com que se apresentou,
1 so a passo, desde que se coloque de lado o pro- trabalhada em grau de perfeccionismo alucinante
. ••
blema da data de aparecimento dos diversos autores se multiplica em perspectivas contrachocantes de ca:
1
'
1
- detalhe sempre destituído de pertinência, quando maleão, sendo ao mesmo tempo invenção lingüística
se trata de estudar o movimento das correntes ar- e abertura p ara o mistério mais transcendente, mer-
tísticas. D~ fato, uma maneira de ser antípoda da- gulho no mágico e aderência à objetividade docun1e11-
quela surgia com outro grupo - intuitivo, super- tal. .A: fra.se foi estourada em seus compartimentos
abundante
.. .e ,caótico,
. . no ..seu apego ao drama inte- trad1c1ona1s para ser restaurada, a partir dos escom- ....
nor, ao m1ster10 ex1stenc1al em todo o seu peso e bros, no plano de uma lógica criadora que parece
densidade. Lúcio Cardoso, o mineiro-flu1ninense Cor- competi~ con1 a própria capacidade de surpresa do
nélio Pena e Autran Dourado - principalmente em re~l. E e quando compreendemos que o experim en- ·-
Ópera dos Mortos - são os seus representantes mais talismo do autor de Grande Sertão: V eredas não só
típicos. Tais autores se mostram como que entre- absorveu tudo aquilo que vinha se desenvolvendo à
gues às suas emoções arcaicas, que de maneira mui- sua volta, dentro da circunstância mineira, como foi
to curiosa são identificadas com a impressão de pe- se abeberar no rico filão dos paulistas de 22. Ele
sadelo produzida pelas velhas cidades em decaden- realizou a síntese mais vasta do Modernismo, con. ·•.
1 cia. As raízes da personalidade se apresentam con- siderado desde as suas origen~ e a prova d isso é
t 1 •
200
11111 111, prco- fundidas com as raízes da nossa formação social e que a- sua obra, até certo ponto, atualizou o moVl-

1li'1111111 o drama que se levanta é o de um passado inape- mento como um todo.


11 t\ 11 vi lavelmente acorrentado e1n si n1esmo e que insiste Fora da acidentada orografia rosiana parec~ terem
em sobreviver con10 u111a afronta, como uma agres- permanecido apenas as experiênci~s de s~ntido ur-
são ao presente. A força daquele inundo é a sua in- bano e as tentativas de reformulaç~o arquitetural d_a
tegridade, a sua orgulhosa e trágica legenda aris- narrativa, empreendidas por Rosário i;u~co e o f'.Dt·
tocrática. Verifica-se nessa arte uma tendência muito bal Mach ado de João T ernura. Ess; ult1~0 fenome-
grande para o Simbolisn10 e o tema obsessivo é a no entretanto acha-se mais preso a atualidade, sen-
morte. Reagindo à densidade do lastro histórico-cul- do' colocado por obras como L úcia McCartney, de
10111111111 tur al que carregam, esses escritores abriram as com- Rubem Fonseca, O Banquete, de Silvi~no ~antiago,
' " ' " ' t ' lllij!J.111 portas da subjetividade e projetaram perspectivas vi- Curral dos Crucificados, e a ele Gu1maraes Rosa
11111 lllUh gorosas p ara a nossa prosa expressionista. A frase, prestou reverência em pelo nlenos uma novela .-
1111 li I ' ainda n a sua regularidade cartesiana, co1n eles co- "O Cara de Bronze", que integra Corp'? de Baile·
, ,,, 1h1 meça a se desagregar, prenunciando um mo1nento de Como o criador da literatura dos Gerais elevou a
ic.-
h ..... 1 explosão. ficção rural a uma posição. de fastígio, é de s_e supor
l•h 11111 Atingido esse ponto, teve lugar certa violentação que 0 esforço maior, daqui para a frente, _se1a exe:-
H 1\1 1. de tendências a se opore1n quase radica11nente, 11u- i::ido na área dos textos que ab<;>rdam ~ vida da ci-
1111111 n1a clara indicação do estado de crise. Enquanto o dade. ·Isso possivebnente se confirme, nao porque .te·
liln1 li• Expressionismo avançava, alcançando m aior grau de nham sido esgotadas as possibilidades. d; um~ l.lle-
intelectualização e poder de síntese com o realismo ratura campesina - no terreno da cr1açao ar~1stica,
nlágico de Murilo Rubião e depois Campos de Car- uma crença dessa natureza não . passa de s1mpl_:s
l 1 "~ valho, que não raro descambavam p ara o franco heresia - mas devido a uma lei de compensa,ç~o
11°111· surrealismo, Fernando Sabino e depois Rubem Fon- que p arece existir também na órbita da estrateg1_a
ll1t'•t. seca realizavam experiências con1 uma linguagem de human a e sempre está trabalhando p ara o reequi-
oortant~ objetividade, fundada princip almente na líbrio dos p ratos da balança. 1:'1ã? _se po~er~ ~esco­
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1111 dramatização e numa retórica cinematográfica. Setn nhecer iguallnente a verdade b1s!or1co-s?c1C!log1ca ~o
apresentar características tão fo1ie1nente marcadas momento brasileiro, em que as areas c1tadmas estao
talvez entre as duas alas é que deve ser s ituad~ forçando de maneira cada vez mais decidida o des-
11111•lt• . U u1i5o Aníbal ~achado, vaci~ant~ entre o Expressionismo, locamento do antigo centro de gravi~ade. :S P?S·
11lfl11 • · o troço o Surreahsmo e um<t f1deltdade ao exterior objetivo. sível, por outro lado, que uma narrativa de maior
11 11111, , 0 QIJO Con1 o apareciinento de Guimarães Rosa tudo o vocação épica aspi~e também a reali~ar uma sín,tese
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A FICÇÃO MODERNISTA D"E MINAS 201
~!AC
.._ •.•.
'clarecemos
GUIMARÃES ROSA E A TEND~NCIA ·.. ficção,
REGIONALISTA " de
t
·.
Nelly Novaes Coelho

'


'

·.

1 . A crise da literatura brasileira no periodo


45/60: "Continuidade realista" e
"Renovação esteticista"
.. - Para o mundo ocidental, a guerra 39/45 marcou
o fim de qualquer possibilidade de dogmatismo ou
de atitudes ortodoxas. Todo o conhecimento hu-
mano é posto em xeque com as novas descobertas
da Física e do acelerado avançar da Técnica ...
Quebram-se costumes e convenções sociais; alteram·
-se as convenções de linguagem; modificam-se estru·
turas econômicas: Liberalismo e Socialismo defron-
• tam-se, medindo forças iguais. E o homem perplexo
se vê diante de um mundo em acelerada metamor·
fose, que ele não pode compreender totalmente, nem
deter. . . um mundo em que novos e velhos valores
entram em conflito, cuja modificação ou controle es·
• capam à sua vontade individual ou ação controla·
dora.
\\\ Refletindo essa situação global, em que forças
· contradit6rias se chocam, a literatura que define o
período 45/60 vai ser marcada por dois impulsos
.. também contraditórios: a continuidade realista e a
• renovação esteticista..
Como o aponta Fábio Lucas:
A ficção brasileira de após-guerra nos indica, de cer- criador é a consciência de que cada lingua reflete vlstn como indiscutível "representaç~o e int6l' 'ilotc"
ta forma, uma fadiga do ímpeto revolucionário. Os es- e comunica uma detern1inada visão-de-mundo·, e d.o real, e p assa a ser un1 valor·em-s1, um fen. "'#.:: 111111, ...
critores que mais brilharam na década de 30 não mos- . 11at11n1t
trava.m força de renovação. Repetiam velhas fórmulas, mais, que cada língua é um verdadeiro prisma atra- portador de realidade prvpria. . . . .
academizavam seu ín1peto revolucionário, acomodavam- vés do qual os indivíduos que a usam são conde- E é por trazerem cm suas obras 1n1c~a1s todQ · .e~ 11!•1111111
nados a ver o mundo. es impulsos, amalgamados com sup:nor a~t . li~ 111llv• •
-se à rotina literária, entregavam-se pura e simplesmente /IH

..,,.,,llt .
1•1tf
ao culto da memória. Tanto aqueles filiados ao chamado Daí resulta a nova consciência: nossa visão-de- dnde humana e estética, que no Brasil, Clar1ê l .111 I+. ,,
1
"romance do Nordeste", de incisivo conteúdo social -mundo não é livre, - está predeterminada pelo sis- pector, na senda da fen?menol?gia, ~xistenc~~RI~,
1 quanto os herdeiros da linha machadiana e os adepto~ tema global comunicado na linguagem. Evidentemen- O uimarães Rosa nos caminhos s1mbohcos do ,~lco
o do metafísico 'e Murilo Rubião, no rei~o d~ rc11 1111
'
1
1
'
do "romance psicológico" já tinham dado o seu recado
<:· P?r. isao mesmo, ingressaram nas páginas da história
hterana. Fechava-se, deste modo, um período de grande
te uma tal descoberta altera.r ia por completo os an-
tigos processos de representação do mundo através Jisn10 mágico, representam os primeiros smtom. · til· \.......
1!11 Ili•
'
da palavra. Esta já não mais devia representar, mas que os te1npos estavam mudando novamente. •
fermentação literária no País. (LUCAS, F. O Caráter 1•1111•1•1
Social da Literatura Brasileira. Rio, Ed. Paz e Terra, sin1 criar o real: é este pensamento que se ilnpôs Circunscrevendo-nos exclusivamente à área CÇ ~
~ fttt
11
1970, p. 100). e vai influir diretamente nos novos processos de
dizer.
nalista, forçoso ~ notar q;i:• sob .o p~isma ?at .11~ l 11th•\'l't
vação que se fazia necessar1a no 1med1ato poS• · · lll ·
1111 U 1111
(E na vertente regionalista, seria em Minas que Assim, a renovação literária, que ensaia seus pri- ru Guimarães Rosa antecedeu de pelo menos .t • 1 1
surgiria a mais decisiva semente renovadora: João meiros passos uos anos imediatos do pós-guerra, não dÓcRda o processo que iria ser claramente des ' 11111111•
i Guimarães llosa.) se deveu exclusivamente às mudanças essenciais nas dcudo a partir do ano de 1956 e expandir.s.~~ · · 111'1•lt h·
relações do indivíduo con1 este nosso mundo em me- anos de 60 e 70 (hoje, portanto, em pleno f~ · !I 11111
1 Correspondendo, portanto, a essa "fadiga do ím- 1111111 ••
i 1
peto _@volucionário" e participante que caracterizara
a. literatura dos anos 30, percebemos naquele ime-
ta1norfose, mas també1n e essencialmente às mudan-
ças de óptica nas áreas da Estética e da Lingüística.
Em que e como podemos apreender os l.tl . , ·..
dessa renovação? 'il~'· ·····h••
ih• fu•
dta!o .Pós-guerra, a coexistência de dois impulsos an- A linguag~1n literária perde a transparência que o que nos toca de imediato é ? 9ue _se Ugn1t > .. 111111
tagon1cos: de um lado, a continuidade realista, isto .lhe era pecultar quando, dentro da postura tradicio- Intenção rosiana de provocar a rev1tal1zaçao da .lfil~ :
11'"' brasileirâ (tal como já ~ havia ten.tado, Mfiltl':'
é, a permanência do realismo-objetivo de que havia
resultado a literatura docu1nental (= o romance re-
~ionalista de. 30 e a poesia do homem comum), -
nal, ela não se interpunha entre a objetividade do
real e a subjetividade de sua significação. A nova
ling~agem adquire a opacidade dos corpos que têm
de Andrade) pela incorpora5ao de_um hnguaja.r
gionl, tomado em bruto, ~inda nao depurado · • •
ª"
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I
Jiteratura cnada por um homem nostálgico ou re- realidade própria. E é esta qualidade, principalmen- inteligência ordenadora, ainda amalgamado 00~ 11
voltado, mas que tinh a certezas a comunicar (= a te, que toma difícil a abordagem inicial dos textos experiência viva do homem que ."mói. no asp .!. • • 1 l tl
c~e~ça emAu~ mun~o .melhor a partir de soluções contemporâneos. como diz Riobaldo. Linguagem ainda impur o, 11111111•
soc10-econom1cas mais JUstas; a confiança no "ver- viva tal como o ouro recém-tirado da mina e fiID
bo", na palavra como expressão do pensamento· a 2. A "geração de 45", - as sementes infiltrado na pedra; e que Guimarães. ~osa rêOrl '''#'" 1
1111111111•
aceitação da literatura como testemunho do hom~m renovadoras iniciais: Clarice Lispector com o superior equilíbrio que lhe ady~10 de um.o. ...,.11Wó! tllllll •
e como instrumento de interpretação e transforma- (Perto do Coração Selvagem - 1944); tural visão poética somada a uma sohda cultor 11 '
ção do mundo) ; de outro lado, a renovação esteti- Guimarães Rosa (Sagarana - 46) e Mesclado a esse indício mais evidente, apon.tnru·~ ~11 • 11111111
cist~ provocada por um escritor que se afasta gra- Murilo Rubião (O Ex-Mágico - 47) sua intenção documental de fixar o hom~ro de " · 1 l lll •hllt
dativamente do real-concreto, que volta as costas à região (= campos e sertões das Gerais) ~ n. 1
1111111"
realidade objetiva e cada vez mais se· deixa atrair Entre nós, é a "geração de 45" que vai abrir ca- gesta rude. Simultaneamente, n~t~-se a te,n~auva. 1.·u lllllllff
pelo- transreal, isto é, por tudo aquilo que trans- n1inho para a nova representação-de-mundo que se lograda de recriar a velha mater1a folclorlCi\. 1•1u•l11
1 '
cende o concreto-objetivo que pode ser apreendido Difícil, na verdade, sintetizar as várias facoitr'J~.
· p'êlos sentidos e pela inteligência. ~ o momento em
· ~~e. a pal0:11ra-i11venção, descoberta pelo modernismo
esboça e o faz através de inegáveis flutuações entre
a permanência realista do depoitnento humano e o
surgimento da atração pelo transreal ( = postura es-
veis do processo renovador de Guimarães RosilJ·· , 11
face, pois, da multiplicidade de aspectos que · 111·
1111 ª'"
1n1c1al, Val reco1neçar sua importante trajetória· no teticista, - tentativa de justificar a condição hu- fine1n. (= recriação estilística, temática, Jingü ~ ·
mun~o ~o~erno, e agora ampliada pelas conquistas mana por sua projeção no mundo mítico da arte; sociológica, psicológica, filosófica/ metafi~io ~
da L1ngu1st1ca e do Estruturalism.o. apelo do enigma, - tentativa. de compreender o escolhemos como· ponto de apoio operat6tlo..f ., ·
No sentido de esclarecer 7ssa "palavra-invenção", gesto humano, pela descoberta de suas raízes ocul- niensão que nos parece mais fecunda em term.oB't 1
lembremo-n?s de que a partir da descoberta lingüis- tas; e a redescoberta da linguagem como instrumento renovação da ficção contemporânea brasilelt:fu:<'l;fi:'!'! 11
t~-estruturahsta de que as várias línguas não comu- de comunicação entre os homens e elemento plas- que já em Sagarana se processa no pn~prio pl(l..n tio
nicavam o real (i.e., as experiências não-lingüísti- rnador do real). ficção e dez anos depois com Grande Sertliot, t!Jfl'
cas) de maneira idêntica, e que cada língua corres- A partir da aceitação de que a palavra cria a rea- das atinge lambém o plan() existencial e/ QU l · ~ 11/I·
ponde a uma determinada reorganização dos dados lidade, define-se com mais clareza uma nova inter- sico da aventura humana, através da linguogOH'l' 11
da experiência, o que passa a atuar no pensamento pretação do fenômeno " ficção". Esta deixa de ser b6lica.
204
.
l •

e eAe
•••acima,
Concretizando as afirmações l. ' • esclarec.em~os
" •• '
~•,,,, çer- criador é a consciência de que cada língua reflete vista con-10 indiscutível "representaç~o e intérprete" que, ao falarmos em renovação no pla;i<? da. f1cçao ,
- IJ óS• do real, e passa a ser u1n valor-em-si, un1 fenomeno
lllOS•
e comunica uma determinada visão-de-mundo; e estamos pensando objetivamente nos ~ar1os tipos de
tnais, que cada língua é un1 verdadeiro prisma atra- portador de realidade própria. . . , . discurso que se entrelaçam em sua hn~uagem nar-
ulns, vés do qual os indivíduos que a usam são conde- E é por trazere1n c1n suas obras 1n1c~a1s todos .e~­
:vnn\• rativa: a palavra-ação, a palavra-iriveriçao e a pala-
nu:•ufilell le nados a ver o mundo. ses impulsos, a1nalga1nados con1 sup~r1or a1:1tent1~1- vra-fingida. , . . , .
tlrnndo Daí resulta a nova consciência: nossa visão-de- dade humana e estética, que no Brasil, ~lar1c.e _L1s- A julgar, portanto, pela mater1a hterar1a d~ Saga-
11001111, •mundo não é livre, - está predeterminada pelo sis- pector, na senda da fen?menol~gia, ~x1stenciaJ1~ta, raria (bem como pela das obras que a seg~rra~ a
ruJ tema global comunicado na linguagen1. Evidentemen- Ouimarães Rosa, nos caminhos s1mbohcos do lud1co
:l)tON partir de 56) podemos afirmar que em ~um;iara_:s
O!idO te uma tal descoberta alteraria por completo os an- e do metafísico e Murilo Rubiã~, ~o rei:io do rea- Rosa, a primeira fase daquel~ nova consc1~ntizaçao
l11&t6rlu tigos processos de representação do mundo através lismo mágico, representam os pnme1ros smtomas de
da prosa narrativa, que ~enc1onam?s ..antenor1!1ente~
rt\l\ÜO da palavra. Esta já não mais devia representar, mas que os tempos estavam mu~do nova1:1e?te. . consistiu n a ênfase especial dada a p alavra-inven
1· ortfrcr sim criar o real: é este pensamento que se impôs Circunscrevendo-nos exclusivamente ~ area re~10-
1•.. , erro, ção" e à "palavra-fingida", no jogo que estas esta-
e vai influir diretamente nos novos processos de nalista, forçoso ~ notar q.!17• sob .o p~1sma da ino- belecem com a "palavra-ação" 1, dentro ~a estr~tu;a
dizer. vação que se fazia oecessar1a no 1med1ato pós-guer- narrativa global. J?, no sentido dessa ~iferenc1açao
1•111 que Assim, a renovação literária, que ensa·ia seus pri- ra Guimarães Rosa antecedeu de pelo menos uma lingüístico-ficcional que tentaremos an~.l1sar essa es-
#-' Tono 1neiros passos nos anos imediatos do pós-guerra, não
se deveu exclusivamente às tnudanças essenciais nas
dicada o processo que iria ser claramente .desenca-
deado a partir do ano de 1956 e expandir-se nos
pecifica faceta renovadora da obra r?s1a~a. . . ,
Para · maior facilidade de concrehzaçao, 1n1c1are·
dtl 110- relações do indivíduo co1n este nosso mundo em 1ne- nnos de 60 e 70 (hoje, portanto, em pleno fa~er:s~) · mos . por uma análise co1nparativa entre "Burrin~o
lznrti tamorfose, 1nas também e essencialn1ente às mudan- Em que e como pode1nos apreender os 1nd1c1os Pedrês", primeiro conto de Sagarana e .A Bagaceira
lrnc· ças de óptica nas áreas da Estética e da Lingüística. dessa renovação? , . , de José Américo de Almeida, romance inaugural do
A linguagem literária perde a transparência que O que nos toca de imediato e ? ~ue _se hga a surto regionalista nordestino de 30.
lhe era peculiar quando, dentro da postura. tradicio- intenção rosiana de provocar a rev1talizaçao da lí~1-
nal, ela não se interpunha entre a objetividade do gua brasileira (tal como já o h avia ten.tado,. Mãri~ 3. A estrutura narrativa de Sagarana (1946) ~m
real e a subjetividade de sua significação. A nova de Andrade) pela incorporação de um hngua1ar ori- face da estrutura tradicional de A Bagaceira
linguagem adquire a opacidade dos corpos que têm ginal, tomado em bruto, ~inda não depurado pela (1928) de J. A. Almeida
realidade própria. E é esta qualidade, principalmen- inteligência ordenadora, ainda am~lg~i;nado co?1 .~
te, que torna difícil a abordagen1 inicial dos textos experiência viva do homem que . mo1 _no asp ro , Con1parados co1n a estrutura característica do "ro-
contemporâneos. como diz Riobaldo. Linguagem ainda u~pura, .mas mance regionalista de 30", 9s_ contos. e novelas de
viva, tal como o ouro recém-t~ado _da mina e a~da Sagarana apresentam uma serie de diferenças fu~­
2 . A "geração de 45", - as. sementes infiltrado na pedra; e que Gutmaraes. Rosa recriou damentais. Delas enfocaremos apenas as que se h-
renovadoras iniciais: Clarice Lispector com o superior equilíbrio que lhe adv~10 de u1na na- gam à Mtureza d o at~. de ." ~arr ar " . .
(Perto do Coração Selvagem - 1944); tural visão poética somada a uma sóltda cultura. o "romance de 30 (f1hado ao romance tradi-
Guimarães Rosa (Sagarana - 46) e Mesclado a esse indício mais evidente, apontamos cional em ger.al) foi criado pe~o hotno ~~ie.ns, p_elo
Murilo Rubião (O Ex-Mágico - 47) sua intenção documental de fixar o bom.em de certa racionalista que analisa a reahdade e ut1hza a l1te-
região (= campos e sertões das Gerais) ~ a sua ratura como um meio de expressar uma verdade hu-
Entre n6s, é a "geração de ·45" que vai abrir ca- gesta rude. Simultaneamente, n~t~-se a ten~ahva bem mana e social através de uma "forma que tem a~a­
1ninho para a nova representação-de-mundo que se lograda de recriar a velha matena folclórica. rêucia de mentira" (como o afirmou J .A. Almeida
esboça e o faz através de inegáveis flutuações entre Difícil, na verdade, sintetizar as várias faces· visí- no pórtico de A Bagaceira). O "romance de 30" teve
a pcrn1anência realista do depoimento humano e o veis do processo renovador de Guimarães Rosa. Em
(!) Utilizamos aqui a terminologia de Todor!>v; ao distinguir
surgimento da atração pelo transreal ( = postura es- face pois, da multiplicidade de aspectos que o de- os tipos de discurso de que se utiUza a narrativa: a "palavr~­
teticista, - tentativa de justificar a condição hu- fine:n (= recriação estilística, temática, lingüística, -ação" (:::: a que tem valor referencial, . transcende :;cu própno
n1ana por sua projeção no mundo mítico da arte; sociológica, psicológica, filosófica/ metafísica ... ) enunciado pois corresponde a u m ato e impõe ~.m risco ao seu
enunciado~· 6 a palavra Ugada ao gesto) e a "palavra-narra-
apelo cio enigmei, - tentativa de compreender o escolhemos como ponto de apoio operatório 'a di- tiva" (= 'a que tem valor de discurJo. pertence h esfera da
gesto humano, pela descoberta de suas raízes ocul- n1ensão que nos parece mais fecunda en1 termos de arte e vale n1ais por sua beleza/cmoçao do que pelo seu ~on­
teúdo) . No interior desta última, T odorov aponta ainda a pa-
tas; e a redescoberta da linguagem como instrumento renovação da ficção contemporânea bra~ileira. É a lavra-fjngida" ( :::: certas mentiras que as personagens diz.em umas
do con1uoicação entre os homens e elemento plas- que já em Sagarana se processa no prQpr10 plano da às outras e que pass:vm a funcionar CO'IDO verdad.cs no conlc!lto
em que exlstem). A rigor, como no plano da ficção só existe
n1ador do real). ficção e dez anos depois com Grande Sertão: Vere- unia palavra: n "palavr,..narrativa" q':e fo~m:i o. fhuco verbal, e
A partir da aceitação de que a palavra cria a rea- das atinge também o plano existencial e/ ou metafí- a düercnciação feita por Todorov V)Sa distinguir, e!1tre sli ~s
várias naturezas do discurso, para evitarmos possíveis :unb1gil1-
lidade, define-se com mais clareza un1a nova inter- sico da aventura humana, através da linguagem sim- dades na anãU$e subst ituimos o termo "pal.avra·narrativa." por
pretação do fenômeno "ficção" . Esta deixa de ser bólica. ••pai a'V ra-in'Vcnç ão''.
GUIMARÃES ROSA E A TEND~NCIA. . . 205

' ...
a declarada intenção de ser uma expressão de ver- valor próprio e não apen as representação-de-um-va- tacamos em A Bagaceira. Limitando-nos aos aspíi~' tlv• . A •ln
dade e a denúncia dramática de uma realidade in-
justa que precisava ser conhecida dos outros ho-
mens. Le iamos o trecho inicial de A. Bagaceira:
lor. Vale a pena transcrever a interpretação de To-
dorov:
tos que escolhemos como tema básico, temos:
3. l _- A fórmula lingüística c~racterizad?ra ~ ·:.
,,,
lllPHI• Ili

• Se todas as personagens não cessam de contar his- narrattva elementa r : " Era um burnnho pedres . . . .. ; 11111t• .. lt
1 tórias, é que esse ato recebeu a suprema consagração: - tempo e modo ver bais que de imediato tiram à · , ·/1111111 r lt
Os salvados
contar é igual a viver. O exemplo mais evidente é o de narrativa o caráter de "coisa d atada", para a prq• ' 1111 111111 111
Sherazade ela própria, que vive unicamente na medida jelarem na. esfera inteniporal do universo da ficÇ~~'.. ( 111161, VII
Findo o almoço - podiam ser 9 horas - Dagober- em que pode continuar a contar. . . (ToooRov. "Os
to Marçau correu à janela, que é uma forma de fugir (Note-se, ao contrário, o enquadramento temport\).. 1.,11y1111 rut
homens-narrativas". In: As Estruturas Narrativas. São preciso da primeira narrativa: "podiam ser 9 hó~ . :. 111'li , 1•t111
de casa, sem sair fora de portas, como se o movesse Paulo, Perspectiva, 1969, p. 127).
uma grande curiosidade. Mas, debruçado, apoiou o quei- ras", "Era o êxodo da seca de 1898. ") • 111111 ~-11 "I
• f '~ 111•11111\'ftU
xo na mão soerguida e entrefechou os olhos, num alhea- Em Sagarana renasce, portanto, o anônimo "con-
mento de enfado ou displicência. tador de estórias", o . homem-coletivo que vem da
3.2 - A mescla de precisão e imprecisão <!O• 1110 "11111•
1 Vivia ele, desse jeíto, entre trabalheira e ócios, como cumental no registro do espaço: "vindo de Pass{i.o h'llOt K h
alta ancestralidade que arraiga em Homero. (Po-
o homem-.máquina destas terras que ou se agita resisten- rém, é só em Grande Sertão: Veredas que se vai per-
-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei Of!de 110 1111111111111u
temente ou, quando pára, pára mesmo, como um motor sertão". Oscilação que já aparece como s1ntorna ;i. 111111\llhl 1191
ceber claramente a real dimensão da palavra ro- prenunciador da esplêndida .fusão entre rnundo roal .~ l 1111il11 li li
parado.
1
siana: uma clara fusão da "palavra lúdica" (= poé-
"'
1' 11 . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. ' . . . . . . . . . . . . . tica) com o logos, - a palavra na acepção grega:
e mundo 1nágico a ser realizada pela palavra rô•
siana daí en1 d iante. (Note-se, em contrapartida, os
clu ll v111 •
.,t .... li~ 1•11111llt1h
'
' ·1
aquela que sonda as causas profundas que impul~ lnú1neros elementos espaciais selecionados por J.A.A. li•lll h• Hll 1e
• '1 sionam a realidade e é capaz de revelar a força su-
A casa-grande, situada numa colina, sobranceava o a fitn de atender à precisão documental visada por ·111111111111 ,.
!' 1. caminho apertado, no trecho fronteiro, entre o cercado perior que unifica os contrários e promove a conti- .' sua narrativa.)
1 ' e o açude. Num repentino desenfado, Dagoberto estirou nuidade cósmica, onde o processo histórico se de- '1 1" 11111
''
.. senvolve.) p11•-t1 h
l. ' o olhar, por cima das mangueiras meãs enfileiradas la- 3. 3 - A personagem central é um "burrinho" •
·l 1111••11 li
1 deira abaixo, para a estrada revolta. Poeira levantada, a Examinemos o fragmento inicial de "Burrinho Pe- que, no plano da narrativa assume, para cá de seu
' sujeira do chão num pé de vento. drês": valor simbólico, a dimensão de verdadeira perso11a,. .
fllU•ll li

Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de gem ( = o elemento determinante da .ação) e que, •
cemitérios antigos - esqueletos redivivos, com o aspec- E, ao meu macho rosado, pela concepção antropomórfica que é dada à sutt º' 11111 li
to terroso e o fedor das coisas podres (9. ed. Rio, carregado de algodão, • natu reza anima l e pela situação real em que é inse- tlt~ 111•
J.O., 1967). preguntei: p'ra donde ia?
P'ra rodar no mutirão. rido, situa a narrativa numa área fronteiriça en tre 1'11 111••

o real-objetivo e o plano mágico, onde todas as rea,. "'1111. •l
(Velha cantiga, solene, da roça) ;:
Aí ten1os a narrativa segura e confiante do ra- .• !idades são possíveis, sem que pareçam inverossí~ •'
cionalista, -:--- aquele que vê, na palavra, o "verbo". Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado, vindo de r 1neis ao leitor. (Em contraposição, observe-se no tex• e 011111 "
Isto é, ~c~1ta~a na a~pção latina que a interpreta Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei pnde no to de J .A.A. a apresentação "inventariante" do he- 11- h•• h111
como pnvtlegiado meio de expressão do pensamento sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, .e já fora tão bom, rói: individualização pelo nome e sobrenome, deft- 11h11 ti' 1••~
lógico. como outro não existiu e nem pode haver igual. nição de caráter, situação social, etc., elementos q\lê ·;, 11111> 111.- r
'I . Como veremos adiante, toda a representação do (ln: Sagara11a, 11. ed. Rio, J.O., 1969.) prendem a narrativa no plano da real idade concreta,) 111 1111111r4t11
real, registrada nesse fragmento, obedece a uma cer- ·; ~11h 11111•
-~ad~ . visã? lúgica do .mundo, própria da apreensão Apresenta-se claramente a atitude. ingênua e es- 3 .4 - O ritrno descansado do falar de quem vi'VC ·; 11.1- 1, 1111 11
1nd1v1dual1sta d a realidade, que forjou o narrador pontânea da "palavra lúdica" que não aprisiona o in1erso no fluxo do tempo natural e vai desfiando rln-. 1111 ili 1
onisciente, dono .absoluto das verdades que alicer- falar nos limites rígidos do individualismo, mas iden- pormenores, as mais das ve1.es gratuitos em função · ' hllu"luiuil• .
çam o seu "contar". tifica-se com· a palavra anônima e coletiva. O nar- do avançar d a intriga. Daí o intrincado labirinto em ~1 ~i· nlltln 11.,
Já a narrativa rosiaaa vrocede do Ho1no ludens, -,- rador rosiano assume o ato de narrar como um gesto que se espraia a narrativa de Guimarães Rosa, gc.. ,1 clsulii 11t 1 ..
aquele que gerou os rapsodos, aedos, jograis do .mun- de comunicação humana, direto e simples. Ele vem rada pela visão .mágica do n1undo e não pela inte. ··· Ili itllll!·l li lt
do antigo, e que permanece encarnado nos cantado- contar coisas da espantosa/ natural aventura humana 1igê11cia orde11ado·ra. (Obviamente, dá-se o inverso ··i· "t inYll 11111,
res populares, que ainda hoje perpetuam a herança no mundo. Não vem para denunciar "desventuras", cn1 J.A.A., ctijo ritn10 incisivo e bem marcado prô• , .._. 1\ nl•lfl,. t
folclórica de cada nação. Guimarães Rosa revive mas para permitir a todos que participem da expe· vém de um tempo social (constru·í do pelo horn.em) e .-· 11iult1• lllll
essa antiga linhagem na dimensão apontada por To- riência narrada, seja pela emoção, pela alegria ou de um estilo alicerçado na 16gica causal. Estilo ext.J;í)ll· : ~~
..
dorov, quando fala nos "homens-narrativas" dos con- pela piedade. Impossível, ·nos li-mites desta exposição, marnente fértil em proposições elucidativas, SU• ';· 4 . A 11r1m
tos das Mil e Unia Noites (e similares); onde o nar- analisarmos todos os elementos que distanciam esse ' bordinadas :ao e lemento central do período., que vl~ ·) 1ul91ttt1
l
••
rar é identificado a um gesto vital, portanto com parágrafo ·inicial de "Burrinho Pedrês" do que des- sam auxiliar ou esclarecer o avançar da. ação narra• p111vr1
l 208 d'9

'
~\ '
'

11-••11 ~ valor próprio e não apenas representação-de-um-va- tncarr1os em ,4. Bagaceira. Limitando-nos aos aspec· tiva. A sim,ples releitura do texto registrado anterior-
111 111~1 1 lor. Vale a pena transcrever a interpretação de To· tos que escolhen1os con10 tema básico, temos: mente mostrará o fenômeno con1 clareza.) ·
dorov:
".~ 3 .1 - A fórmula lingüística caracterizadora da 3. 5 - As cantigas folclóricas que servem de epí-
Se todas as personagens não cessam de contar his- itnrrativa elementar: "Era um burrinho pedrês . .. ", grafe a todos os relatos de Sagarana não são f un-
tórias, é que esse ato recebeu a suprema consagração: - tempo e modo verbais que de imediato tiram à cionais. Isto é, não estão ligadas a algo de essencial
. 1
• contar é igual a viver. O exemplo mais evidente é o de t1urrativa o caráter de "coisa datada", para a pro- na narrativa, tal como costumam ser as epígrafes
Sberazade ela própria, que vive unicamente na medida jetarem na esfera internporal do universo da ficção. (que, via de regra, esclaJ·ecem ou completam a in-
em que pode continuar a conta·r . . . (TODOROV. "Os (}lote-se, ao contrário, o enquadran1ento temporal tenção fundamental do texto a que servem de pór-
homens-narrativas". ln: As Estruturas Narrativa$. São preciso da primeira narrativa: "podiam ser 9 ho- tico). Pode-se dizer que as cantigas-epígrafes rosia-
Paulo, Perspectiva, 1969, p. 127). nas são "gratuitas", no sentido em que não têm par·
ras'', "Era o êxodo da seca de 1898.")
Em Sagarana renasce, portanto, o anônimo "con·
>
. ticipação estrutural na narrativa. Valem por si, co-
3.2 - A mescla de precisão e imprecisão do- mo "palavra poética" que são, para comunicar ao
tador de estórias", o· homem-coletivo que vem da
orno cumental no registro do espaçó: "vindo de Passa- leitor a beleza, a alegria ou a emoção dos gestos
alta ancestralidade que arraiga em Homero. (Po-
lilen· ·'f empo, Conceição do Serro, ou não sei onde no não-pragmáticos e que visam espontaneamente à
rém, é só em Grande Sertão: V e redas que se vai per-
111111 motor sertão". Oscilação que já aparece como sintoma doação de si próprios. Se há algum significado pro-
ceber claramente a real dimensão da palavra ro-
prenunciador da esplêndida fusão entre inundo real fundo a ligá-las a algo de essencial da matéria global
• s!ana: uma clara fusão da "palavra lúdica" (= poé-
,.,,,
·... l
.. tica) com o logos, - a palavra na acepção grega:
aquela que sonda as causas profundas que impul-
e mundo 1nágico a ser realizada pela palavra ro-
siana daí em diante. (Note-se, em contrapartida, os
inúmeros elementos espaciais selecioC)ados por J.A.A.
do livro é exatamente o caráter lúdico e popular que
as condiciona e para o qual Guimarães Rosa aponta
desde as duas estrofes que, na página inicial, abrem
sionam a realidade e é capaz de revelar a força su- caminho para as narrativas ali enfeixadas:
a fim de atender à precisão documental visada por
perior que unifica os contrários e promove a conti·
i sua narrativa.)
nuidade cósmica, onde o processo histórico se de-
senvolve.) . "·~ 3. 3 - A personagen1 central é um "burrinho"
Lá em cima daquela serra,
passa boi, passa boiada,
Examinemos o fragmento inicial de "Burrinho Pe· passa gente ruim e boa,
que, no plano da narrativa assume, para cá de seu passa a minha namorada.
drês"; valor simbólico, a dinwnsão de verdade.ira persona- (Quadra de desafio)
gem ( = o elemento determinante da ação) e que,
E, ao meu macho rosa~o, pela concepção antropomórfica que é dada à sua "For a walk and back again", said
carregado de algodão, natureza anünal e pela situação real em que é inse- the fox. "Will you come with n1e?
preguntei: p'ra donde ia? I'll take you on n1y back. For a
P'ra rodar no mutirão: rido, situa a narrativa 11un1a área fronteiriça entre
• walk and back again."
•,.' o real-objetivo e ,o plano
. mágico, onde todas. as rea-
, (Grey Fox, estória para meninos.)
(Velha cantiga, solene, da roça) !idades são posstveis, s.em que pa11e9atn 1nverosst-
.·•'
Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado, vindo de ' meis ao leitor. (En1 contraposição, observe-se no tex- Como vemos, desnecessário interpretá-los, porque
Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no to de J .A.A. a apresentação "inventariante" do h~­ os textos falam por si. (Inteiramente ao contrário
sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, .e já fora tão bom, rói: individualização pelo nome e sobrenome, defi- são as palavras de pórtico de A Bagaceira, "Antes
como outro não existiu e nem P<?de haver igual. nição de caráter, situação social, etc., elementos que que me falem", onde J.A.A. esclarece a intençiio
(ln: Sagorana, 11. ed. Ri~>, J.O., 1969.) prendem a narrativa no •p lano da realidade concreta.) pragmática de seu romance: denunciar uma verdade
sob uma aparência de mentira. Ainda a propósito
Apresenta-se claramente a atitude. ingênua e es- 3 . 4 - O ritmo descansado do falar de quem vive das cantigas populares, note-se que as duas registra-
pontânea da. "palavra lúdica" que não aprisiona o imerso no fluxo do tempo natural e vai desfiando das, no decorrer de A Bagaceira, são absolutamente
falar nos limites rígidos do individualismo, mas iden- pormenores, as mais das vezes gratuitos em função funcionais: participam da economia narrativa, no
tifica-se com· a palavra anônima e coletiva. O nar- do avançar da intriga. Daí o intrincado labirinto en'I. sentido de esclarecer melhor a rudeza e a brutali·
'" /,,,/, . rador rosiano assume o ato de narrar como um gesto que se espraia a narrativa de Guin1arães Rosa, ge- dade do caráter e comportamento do sertanejo. A
' " '' tll~ de comunicação humana, direto e simples. Ele vem rada pela visão :1nágica do n1undo e não pela inte- primeira inclusive é registrada pelo narrador como
conta r coisas da espantosa/ natural aventura humana ligência o·rdenadora. (Obviamente, dá-se o inverso "trova repulsiva". . . (p. 6). Nada, pois, semelhante
no mundo. Não vem para denunciar "desventuras", em J.A.A., cujo ri tmo incisivo e bem 1narcado pro- à alegria ingênua e sadia que caracteriza as regis-
11u1s para permitir a todos · que participem da expe- vém de um tempo social (constnL·í do pelo homem) e tradas por Guimarães Rosa.)
riência narrada, seja pela emoção, pela alegria ou de um estilo alic.erçado na lógica causal. Estilo1 extre-
pela piedade. Impossível, nos limites desta exposição, , mamente fértil em proposições elucidativas, su- 4 . A primeira fase da renovação rosiana:
analisarmos todos os elementos que distanciam esse bordinadas ao elen1ento central do período., que vi- substituição da palavra-depoimento pela
parágrafo inicial de "Burrinho Pedrês" do que des- sam auxiliar ou ·esclareoer o avançar da ação narra- palavra-invenção
GUIMARÃES ROSA E A TEND~NCIA. . . 207
11
.1
Nessa ordem de idéias, p arece-nos corr~to afirmar aquele amor nunca ter passado de um anseio silen- E1n 1956, o surto experimentalista que hoje d"~ N1111111l11
flno o cenário liter~rio contemporâneo, surgia d· lu11tltllll li
q ue a renovação rosiana na área da ficção regiona- cioso. O Prín10 Ribeiro, esmagado pela traição do • •111111•
lista teve início pela substituição da palavra-depoi- con1panheiro, expulsa-o da cabana. A palavra os ha- ' olnradamente na área da poesia, e na ficção é m
. oado pela aparição de Grande Sertão: V eredas. POI.,
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I' mento (do ho1no sapie11s) pela palavra-invenção (do via separado definitivamente, condenando-os a es- itfl l llCI 1
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ho1no ludens). A conscientização da palavra7narra- perar a n1orte, .n a mais absoluta solidão. con1plcxas e variadas razões, essa insólita obra to1 ,, NR11 •111~
tiva, em seu sentido global, como uma realidade pró- Em "Duelo", cuja intriga decorre da mútua per- ' recebida pelo público e pela crítica com reações qlld ...1111111 11•••
pria, e alta1nente valiosa para o homem, foi o seu seguição de morte e1n que se empenham dois ho- oscilavam entre o deslumbra1nento que ofusca, .11.\. • 1' 1ll11h11 •
rejeição temerosa (que o desconhecido provoca) e 1 ) , . •1 •
primeiro passo. D aí a estrutura narrativa que, na mens, também a palavra se toma o elemento desen-
literatura brasileir a contemporânea, se tomou a mar- cadeante da ação final e decisiva: o assassinato de n obscura certeza de que ali h avia algo de inaugural ~ 1114'111 , ......

1 li ca definidora do " estilo rosiano": a estrutura de "en- Turíbio T odo. Assassinato consumado não por desa- , e definitivo, embora seus contornos não pudessem 1 "º
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caixe'', - a interpolação de estórias na narrativa- felo ou vi ngança pessoal, mas simplesm ente por uma uinda ser delimitados. A .. 11ttl"
-base, e da qual "Burrinho Pedrês" já é um exem- palavra dada: a do inofensivo "caguinxo Timpin1 A estrutura e a linguagem do rom ance tradicional 1111h1 h·lllltl
plo, com a interpolação fragmentada d a estória do Vinte-e-Um", dada ao 1noribundo Cassiano Nunes (que o "romance de 30" prolongara, e1nbor~ _inSU•
jl "zebu Calundu" contada pelo Raimundão, no decor- que havia sido bal eado por Turíbi0>, a quem roubara fiando-lhe outro alento através de uma temat:1ca o 1••111•1 " ' ""
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"' rer da viagen1 dos vaqueiros. (Sugerimos, nesse sen- a :mulher. de un1 vocabulário n ovos) já haviam entrado defi· 1111 11lv11I 1l
tido, a análise do jogo que se estabelece no conto, Etc., etc., etc. nitivamente na esfera das co.isas superadas. Aquela. v11lt•111 1111
entre a palavra-ação e a palavra-invenção, jogo bas- Como já dissentos, a renovação encetada por Gui- visão estável e pacífica (embora dranlática) de \ll'l'l ~ 111111111 •••
,1 tante esclarecedor da peculiaridade narrativa que es- n1arães Rosa tem início pela valorização da palavra- inundo já medido, pensado e julgado, através da p1•l1111 \I... ..
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1.
tamos focalizando.) -narrativa e vai ben1 além da camada epidérmica qual se escoavam as efabulações e os conflitos ps.i· : 1•111,1°111 lnl
1i Entretanto, se a um a primeira leitura de Sagarana de 's ua dimensão lúdica (= a do simples deleite), cológicos de heróis individualistas, cede lugar a u1na ,.ltllllltl 1'111
a importância dada à palavra, como elemento es- prosa narrativa cujo gênero e form as já não snõ , , li " h
1
1 chegando a atingir sua significação m ais profunda:
1 sencial da rt'alidade hun1ana, não se impõe aberta- a de importante instrun1ento de ação e de realização (aciln1ente classificáveis. Grande Sertão: Veredas, 11•11111" l li
1nente (como já o faz, dez anos ap ós, em Grande humana, por acabar identificando palavra a ato. por exemplo, é ficção ou poesia? Sua forma corres- li1111I•• ~ ..
Sertão: V credas) , a rigor já lá está presente, traves- ponde à do romance, da novela ou a da epopéia'l l1111h .\111
ti da na narrativa dos "casos" que compõe1n a cole- 5 . Grande Sertão: Veredas - a essencialidade Ê uma saga? Uma narrativa profética? Difícil deoi· 111111'11li li ' "
•. tân ea. Observe-se, a respeito, que en1 todos os re- de sua palavra-narrativa dir. O que se torna evidente é o caráter extrenla·
latos a palavra é o e/e1nento desencadeador da ação mente singular de sua prosa; e o fato de que a vi- '''''" ( ) '111 1li
principal. E, porém, e1n Grande Sertão: V eredas que essa •
são-de-mundo tradicional ali está sendo constante· .. lt• 111•1·111 1
E1n "Burrinho Pedrês", a heróica e áspera via- .camada subterrânea, a essencialidade criadora da rncnte posta em questão. . • 11 "1u11t1
gem, en1 que o Sete-de-Ouros se viu metido, foi de- palavra-narrativa, foi c1ara1nente apreendida e regis- Já nada mais resta da infalibilidade e certezas dn
cidida por "ordetn expressa" do· seu M ajor. "Arreia
este burro também, Francolim!" (pp . 6 e 8).
Em "Traços Biográficos de Lalino Salãthiel ou A
trada. ·
Se analisarmos a efabulação de Grande Sertão: ·.•.
V eredas, determinada pela recuperação da memória 1
1
fi·cção -consolidada no século XIX e ainda vigorante
na primeira metade do nosso século. Grande Se.,.rão:
Veredas mostra os novos caminhos da ficção, no
1
tllllll•lll li
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Volta do Marido P ródigo", a p alavra é o elemen- de Riobaldo, veremos que ela se estrutura a partir trabalhar uma matéria bruta, ainda cm estado sel-
to-chave que define a personagem central : Lalino, de realidades imediatas, episódicas e aparentemente vagem e, por isso mesmo, m ais próxima das forças 1 ,.. ~1 llt
mulato fagueiro, sonhador, entre argutô e malandro, superficiais, que oscilam entre o banal, o épico, o origin ais da vida. Seu aparente primitivismo oculta, ' ". ,, 1111
c uja fala fácil, mentirosa e imaginosa é mais bem enigmático e o lúdico. Entretanto essas tramas ligei- porém, a grande atuação dos novos processos ex- 1llrl1I'), '"'"
aceita que as verdades dos outros. Aqu i é sempre ras ou labirínticas que representam o lúdico de seu pressivos a pennitirem que e1n seu universo as novas /111111111111 ~
a palavra que decide as situações da intriga e faz universo de ficção (e existem a partir do específico realidades tomassem corpo n a palavra. Em GSV a
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avançar a ação narrativa. J;: ainda o melhor exemplo jogo lingüístico que os torna reais) vão par a par com 1•1•111<•t 11•••1
técnica identifica-se com a criação. De acordo com '
e1n Sagarana da "palavra-fingida". o compromisso que elas mantêm com seu subsolo ul\11 1•• l•l•'I
a abertura do "eu" para o "nós" que é iniciada pela
Em "Sarapalha", o que separa os dois primos que, (= a presença da História e da Metafísica); com- 'ficção contemporânea, o processo do "monólogo in-
presos da maleita, viviam há anos à espera da morte, promisso esse que lhes dá, âfinal, sua mais funda À~·
numa cabana em ruínas, em um povoado que há significação e se oculta na linguagem simbólica que
terior" (que fecha a p ersonagem no círculo de sua. .. MI hll'llll h
própria experiência, em sondagens introspectivas) ) li 111-11hll hl1
muit·o deixara de -existir, foi a decisão de fal!1r exige decifração cuidadosa. Veja-se as significações amplia-se no "estilo dialogante" ou "interrogativo''
tomada pelo Primo Argemiro : contar ao Primo Ri- subjacentes à trama caótica de GSV. Mereceria esta 1rh 1 11.. /llf
(= um "eu" que se dirige a um "tu" que p erma- lll•l1t•l11, .,.
beiro (cuja mulher fugir a há anos com um vaqueiro) obra os múltiplos estudos que, em tão pouco tempo,
q ue também ele, Argem.iro, fora um apaixonado de-
la, embora sempre a tivesse respeitado. A p alavra
já foram feitos, e os que se farão com certeza du-
rante muitos e muitós anos ainda, se ali não exis-
nece fora da narrativa) - estilo que abre p ara o
narrador o espaço da reflexão e da liberdade cria·
dora.
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1111 111 fMolfl

1111•11l t1 1 1~•1
da confissão foi mais importan te do que o fato de tisse uma extraordinária espessura simbólica? •
(4'
208
Em 1956, o surto experimentalista que hoje de- Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram ~e briga ~e
aquele amor nunca ter passado de um anseio silen- homem não. Deus esteja. ( ... ) o senhor r1 certas ri-
cioso. O Primo Ribeiro, esmagado pela traição do fi ne o cenário lite rário contemporâneo, surgia de-
sadas . .. Olhe: quando é tiro de verdade prU;neiro, a
companheiro, expulsa-o da cabana. A palavra os ha- claradamente na área da poesia, e na ficção é m ar- cachorrada pega a latir ( ... ) O senhor tolere, isto e o
via separado definitivamente, condenando-os a es- oado pela ap arição de Grande Sertão: Veredas. Por sertão. ( .. . ) O sertão está em toda a parte. Do demo?
perar a morte, na mais absoluta solidão. co1nplexas e vari adas razões, essa insólita obra foi Não gloso. Senhor pergunte aos moradores. ( ... ) O
· Em "Duelo", cuja intriga decorre da mútua per- recebida pelo público e pela crítica com reações que senhor não é como eu? Não acreditei patavim. ( ... )
seguição de morte e1n que se empenham dois ho- osc ilavam ent re o desl umbramento que ofusca, a O diabo existe ou não existe? Dou o dito. Abrenúncio.
rejeição te1nerosa (que o desconhecido provoca) e ( ... ) Explico ao senhor: o diabo vige dentro do ho-
1111llv11 ir.n ••" mens, também a palavra se toma o elemento desen- Íne1n, os crespos do homem - ou é o homem arruinado
li 111111111 cadeante da ação final e decisiva: o assassinato de n obscura certeza de que ali havia algo de inaugural
ou o homem dos avessos. (GSV - pp. 9/ 12).
•l111l 1u1 l'uríbio Todo. Assassinato consumado não por desa- e definitivo, embora seus contornos não pudessem
• 1111 .t ~ feto ou vinga nça .p essoal, mas simplesmente por uma ninda ser delimitados. A "palavra-invenção" espraia-se lenta e intrincada,
111 r. ~ií palavra dada: a do inofensivo "ca.guinxo Timphn A estrutura e a linguagem do romance tradicional i1nbricando-se com a "palavra-ação", na sondagem
1\ 1111 1 Vinte-e-Um", d.ada ao 1noribundo Cassiano Nunes (que o "ro1nance de 30" prolongara, embora insu- especulativa do sentido mais pr?fundo da_ cxistê~cia.
11111\11, 1 que havia sido baJ.eado por 'fu:ríbio, a quem roubara flando-lhe outro alento através de uma temática e Assiln os fatos, que fragmentar1amente vao afluindo
111111•, ' ' ti ll• a :mulher. de um vocabulário novos) já havian1 entrado defi- ao nivel da men1ória e da palavra de Riobaldo, não
1·h·1 •• · ~onto, Etc., etc., etc. nitivamente na esfera das coisas superadas. Aquela vale1n apenas pela· revelação do episódico que es-
li~ 1111 ego bus· Co1no já dissen1os, a renovação encetada por Gui- visão estável e pacífica (embora dramática) de um trutura caoticamente a intriga, mas principalmente
111111,1 ·. ijUO OS· marães Rosa te1n início pela valorização da palavra- mundo já medido, pensado e julgado, através da pelas veredas que abrem em direção à problemática

-narrativa e vai bem além da camada epidérmica

qual se escoava1n as efabulações e os conflitos psi- essencial do livro: a investigação da condição hu-
de sua dimensão lúdica (= a do simples deleite), cológicos de heróis individualistas, cede lugar a unia mana enredada na grande aventura da vida.
chegando a atingir sua significação mais profunda: prosa narrativa cujo gênero e formas já não são :e, o "homem da dúvida" (não mais o das "cer-
a de importa nte instrun1ento de ação e de realização facilmente classificáveis. Grande Sertão: Veredas, tezas" ) o que assoma ao plano da narrativa, reve-
hun1ana, por acabar identificando palavra a ato. por exemplo, é ficção ou poesia? Sua forma corres- ·1ando-se através de uma ambigüidade desconcer-
ponde à do r omance, da novela ou a da epopéia? tante. Ambigüidade que resulta, a nosso ver, de u1na
5 . Grande Sertão: Veredas - a essencialidade e. uma saga? Uma narrativa profética? Difícil deci- insólita fusão de posturas: homo faber +ho1no sa-
de sua palavra-narrativa dir. O que se torna evidente é o caráter extrema- píens + ho1110 ludens = Riobaldo.
mente s ingular de s ua prosa; e o fato de que a vi- D ai a p rofunda interpenetração dos vários tipos
J:., porém, em Grande Sertão: Veredas que essa s ão-de-mundo tradicional ali está sendo constante- de discurso: a " palavra-retlexiva'', a "palavra-ação"
r vio- camada subterrânea, a essencialidade criadora da n1ente posta em questão. e a "palavra-invenção".
fol de- palavra-nar ra ti va, foi cla ramente apreendida e regis- Já nada nlais resta da infalibilidade e certezas da - A palavra-reflexiva surge após o "fazer" ,
11
" 111111 1.'f Ili trada. ficção <:onsolidada no século XIX e a inda vigorante quando o homem pára a luta e contempla o realizado
f1 , .. ) • Se analisarmos a efabulação de Grande Sertão: na primeira metade do nosso século. Grande Serrão : o u o fa lhado do que ficou para trás. É o logos
"l"l111f1 (IU A Veredas, determin ada pela recuperação da memória Veredas mostra os novos caminhos da ficção, ao que dá entrada no universo rosiano.
mcn· de Riobaldo, veremos que ela se estrutura a partir trabalhar uma matéria bruta, ainda em estado sel-
Uno, de realidades imediatas, epiS.ódicas e aparentemente vagem e, por isso mes1no, mais próxima das forças De primeiro, ~u fazia e rnexi:i'. e pensar lt~f! . pe11-
dro, superficiais, que oscilam entre o banal, o épico, o originais da vida. Seu aparente primitivismo oculta, sa11a. Não possu1a os prazos. V1v1 puxando dlf1c1J de
b n1 e nigmático e o lúdico. Entretanto essas tramas ligei- porém, a grande atuação dos novos processos ex- difícel, peixe vivo no moquém: quetn mói no asp'ro, não
pre ras ou labirínticas que representam o lúdico de seu pressivos a permitirem que em seu universo as novas fa11u1sêia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sen1
foz. universo de fi.cção (e existem a partir do específico pequenos dessossegos, estou de !ª~ge red~. E 1n.e i11-
realidades tomassem corpo na palavra. Em GSV a ve11/ei neste gosto, de especular 1de1a. O diabo existe e
mplo jogo lingüístico que os torna reais) vão par a par com técnica identifica-se com a criação. De acordo com
' ·:e ' o compromisso que elas mantêm com seu subsolo não existe? (GSV - p. 11).
a abc.rtura do "eu" para o "nós" que é iniciada pela
1111.. 11111 . (= a presença da História e da Metafísica); com-
ficção contemporânea, o processo do "monólogo in- - A palavra-ação assoma ao plano narrativo ao
•111·' 11 • l\ rte1 pro1nisso esse que lhes dá, afinal, sua mais funda
terior" (que fecha a personagem no círculo de sua se identificar com o gesto, o risco, o assumir a res-
ll\'lltll IH hCi significação e se oculta na linguagem simbólica que
própria experiência, em sondagens introspectivas)
• , ttl1. 1 1 ·~ftllfll' exige decifração cuidadosa. Veja-se as significações ponsabilidade de uni ato. Apontamos um típico exen1-
1 1111 1' t111 l\f· subjacentes à trama caótica de GSV. Mereceria esta amplia-se no "estilo dialogante" ou "interrogativo" plo de palavra-ação na cena do julgamento de Zé
( = um "eu" que se dirige a um "tu" que perma- Bebelo, quando a vida de um homem vai ser deci-
t1 11111 1·,(11 o) obra os múltiplos estudos que, em tão pouco tempo,
nece fora da narrativa) - estilo que abre para o dida pela palavra dos presentes. Analisem-se as rea-
"1"'1~11111111 d• já foram feitos, e os que se farão com certeza du-
HI •• ,\ 1 V.fll rante muitos e muitos anos ainda, se ali não exis- narrador o espaço da rei lexão e da liberdade cria- ções de Riobaldo durante esse julgamento, principal-
dora. mente desde o instante em . que decide usar da pa-
•1111· " lt ll tisse uma extraordinária espessura simbólica?
GUIMARÃES ROSA E A TENDÊNCIA. . . 209
..•

-
lavra para defesa do velho chefe dos jagunços, de (E peckl a Zé Bebelo a mesma promessa que Rio· bem poderia figurar, em plano de evidência, entr~ '. 111111 111 i\1ulie
quem não sabia, afinal, se era amigo ou inimigo. baldo havia s ugerido en1 sua fala decisiva: aban- os personagens do universo rosian o . ' 11f.111l11 li 11 \1

O trecho é demasiado longo para que se possa don ar aquelas terras para parar a guerra.) Estreando em 1956, justamente quando Grande ( htl111111 •••
'
repeti-lo integralmente .nos limites desta exposição. Sertão: Veredas provocava a erosão definit iva na es~ 11(! Ili lllltfff
Exami nemos, porém, os fragmentos m ais reveladores - Bem. Se eu consentir o senhor ir-se ·embora para 111•1\lt ljllf tt
Goiás, o senhor põe a palavra, e vai? fe ra da ficção ( regionalista ou não ) , Mário P almé•
da tensão dinâmica da palavra-ação. Zé Bebelo demorou a resposta. Mas foi só minuto- rio já traz em seu Vila dos Confins aquela consciên·
zinho. E, pois: eia da palavra-narrativa que Sagarana viera desper- . é"''Ili li " "'"
\•IUll 11111•11
. . . l oca Ramiro repetiu o perguntar: - A palavra e vou, Chefe. . . ( GSV - pp. 265 e tar. Releiam-se, por exemplo, as pitorescas estórias ' ,. 11•1111111111
- Quem por af, no meio de meus cabras valentes, se 266). interpoladas na narrativa-base, e essa consciência. l ) 11111111111 1
terá algun1 que queira falar por acusação ou para defesa ,, Mullo •
de Zé Bebelo, dar algun1a palavra em favor dele? ... Cicará clara.
A "palavra-ação" determina o ato. Porém, Vila. dos Confins é ainda a narrativa-tes· • 111• l'Yhllllll 1IK
A palavra-invenção (que assume as 'mais diferen-
. .. ..... ... ...... . .. ... ... . . .... . .... . .. . . . .. . . tes conotações no contexto), se apreendida no es-
temunho de uma s ituação humana que não ultrapas- .• llh1A1111 1u1J
sa o individual/ circunstancial: as aventuras e des- · lu1h;ll11 1h1
Algué1n quisesse? Duvidei, foi o que foi. Digo ao pecífico sentido de "pal avra poética" ou de cons- venturas "políticas" do Deputado Paulo Santos. Nes- 1r1111lh11t 11
senhor: estando por ali para mais de uns quinhentos ciência da essencialidade da palavra co1no criadora se romance ainda permanece o "homem das certe- :· 1 li 11110111111
homens, se não minto. Surgiu o silêncio deles todos. de realidades, pode ser exan1inada e1n um trecho no zas" que tem uma denúncia a fazer e um depoimento 1 > 1111• Ili
( ... ) - me enfezei. Sus, pensei, coni u1r1. enipurl'lio próprio julg:>1nento de Zé Bebelo. Trata-se da fala d1• ( 1111111
de força en1 1ni1n. Ali naquel'horinha - meu senhor -- a prestar. Nele, o hon10 fab er suplanta o homo lu- ••• t

de Sô Candelário ao apoiar a proposta de Riobaldo: dens. Todavia, nessa obra-prima do ro1nance que 6 ~ 11l11'11111u11ll'
foi que eu la1nbi idéia de como às vezes devia ser bon1
ter grande poder de mandar e1n todos, fazer a massa soltar este homem Zé Bebelo, a 1nãvazias, punido só Chapadão do Bug re (1965), o último praticamente ... 111111 h 1111111

do mundo rodar e cun1prir os desejos bons da gente. pela derrota que levou - então eu acho, é fama grande. desaparece. Já não há interpola~ões,,de estória:; na 11IN1 10111 li
narrativa-base; os "homens-narrativas (que defmen1 l'l\ioNt 1(1J \ll' h ll
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ' .. . . . . . . . . . . . . . . . . .
'
Faina de glória: que primeiro vencemos e depois sol-
ta1nos . .. o universo rosiano) são apenas mencionados de pas- lf n •ht 1111 h
Me armei dum repente. Me o meu? Eu agora ia falar sagem, lembrados pelo João de P reta : qJlt' 111111111•1
E segue-se o fragmento que nos interessa: tPollhl1•- I'
- por que era que não fa lava? Aprurnei o corpo.
··~··· "
E os peões de Seu Americão Barbosa voltavam sem·
. . . .. .. . . .. .. .. ... . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ele Sô Candelário espiou para cima, às pasmas, pre, raros os que deixavan1 de voltar; ligeiros uns, niais ( 1t1•1l1111
•., 11111
consoante sossegado estúrdio recitou, assim em tom - retardados outros - esses últimos os que traziam boas
a bonita voz, de espírito: hu11 11t, lt111
T omei coragem mais comum. Abri a minha boca. histórias compridas de contar (Chapadão ... , p. 6). l 111t l'h•• l•I
Aí, mas, um outro ca1npou ligeiro, tomou a mão para - . . . Seja a fama de glória.. . Todo o niundo vai
falar nisso, por muitos anos, louvando a honra da gen- , ,, 1 , , , ,,,. 1
falar. te, por muitas partes e lugares. Hão de botar verso em Em Chapadão do Bugre predominam: a palavra-
•J 1i p1 h1 N11
-ação e a palavra-reflexiva. Revelando um mundo
. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . feira, assunto de sair até divulgado e111 jornal d e ci-
primitivo, vi ril e trágico, onde o gesto épico está po1 11111h•1 •·•
dade. .. (OSV - p. 261). .'M1111•1111 1111
Riram, uns; por que é que riram? - rissem. Dei presente mesmo nas mais obscu ras ações, Mário Pal-
O "ato de honra", de perdoar a um inimigo de ' Ili t•N 111111-lf
con10 un1 passo adiante, levantei mão e estalei dedo, mério não indaga, nem tateia, como o faz Rosa em.
feito n1enino en1 escola. Comecei a falar. Diadorim ain- valor, será definitivamente realizado e perpetuado seu enigmático universo. Os homens d e Mário P al-
da experimentou de 1ne reter, decerto assustado: através da "palavra-invenção" ( = poética) que o rnério tnais agen1 do que falam. '
eternizará nos tempos, e assim incorporará o gesto José de Arimatéia, o herói do Chapadão . .. , antí-
................. . ..................... ...... .. humano no processo histórico que ele próprio cons- pod a de Riobaldo (pois é apanhado pelo roman-
trói. Aí a significação profunda do "ato de contar" cista ainda em plena luta pela vida, e não já no
- Dê licença, grande chefe nosso, Joca: Ra1niro,
que licença eu peço! O que tenho é uma verdade forte e a essencialidade da "ficção": dar realidade defi- "range rede"), é homem de rara fala :
para dizer, que calado não posso ficar.. . (OSV - nitiva e de perpetuar na História e no Tempo a enig-
'
'1
pp. 257/259 ). mática aventura humana. ·' Fechado de 11atu1ra/, rnais ainda lh.e an1arravam o
Esta, a nos;;o ver, foi a descoberta n1ais decisiva rosto a. aba descida do chapéu e a gola alta da capa.
Rioba!do, ton1ando a palavra, assumiu o risco do de Guimarães Rosa, na mesma trilha já calcada an- ( . . . ) bom de coração e convivência, mas homen1 de
.' . ato; e, como sabemos, .a sua palavra transforma-se em tes por tantos gênios afins, de Homero a Joy~e. prosa reduz1'da, reservado por den1ais (Chapadão . .. ,
ação : Zé Bebelo é absolvido devido à sua defesa, JI. 6).
muito embora no final Joca Ramiro, como chefe, 6 . Mário Palmério, o narrador que depõe
se tivesse apropriado da autoria da idéia: pelo homem Chapadão do Bug ra, em sua essencialidade, ainda
se 1nantém na esfera individualista. Note-se, 11esse
O julga1nento é meu, sentença que dou vale em todo E Mário Palmério? :E: indiscutiveln1ente um forte sent ido, os longos "monólogos interiores" (que, CO·
este norte. pulso de narrador, de "contador do acontecido", que mo sabemos, fecham a personagem no círculo do
210 talU
(E pede a Zé Bebelo a 1nesma promessa que Rio· bem poderia figurar, em plano de evidência, entre sua própria experiência) . A palavra ali presente é
baldo havia sugerido em sua fala decisiva: aban- ns personagens do universo rosiano. ainda o " verbo", e não o logos redescoberto por
donar aquelas terras para parar a guerra.) Estreando em 1956, justamente quando Grande Guin1arães Rosa. Ali ten1os reflexões contínuas que
- Bem. Se eu consentir o senhor ir-se embora para Sertão: V e redas provocava a erosão definitiva na es- só se ligam a fatos, n unca a especulações ou sonda-
Goiás, o senhor põe a palavra, e vai? fera da ficção (regionalista ou não), Mário Pal.mé- gens que transcendam o real~oncreto ou ultrapas-
Zé Bebelo demorou a resposta. Mas foi só minuto- rio já traz em seu Vila dos Confins aquela consciên- sem a vida vivida no plano objetivo e horizontal. E
zinho. E, pois: cia da palavra-narrativa que Sagarana viera desper- é exatamente essa vida limitada ao "aqui e agora"
- A palavra e vou, Chefe. . . ( GSV - pp. 265 e !ar. Releian1-se, por exem,plo, as pitorescas estórias e reduzida a si n1esma o que define e torna trágico
se
· l,l}a 266) .
d!lfesu interpoladas na narrativa-base, e essa consciência o nlundo represado em Chapadão do Bugre.
7•.. A "palavra-ação" determina o ato. ficará clara. Muito e muito precisaria ser analisado para que
A palavra-invenção (que assume as 'mais diferen- Porén1, Vila dos Confins é ainda a narrativa-tes- se evidenciasse a significação essencial desse extraor-
tes conotações no contexto), se apreendida no es- ternunho de uma situação humana que não ultrapas- dinário romance, e também se .elucidasse a contri-
pecífico sentido de "palavra poética" ou de cons- sa o individual/ circunstancial: as aventuras e des- buição de Mário P almério à ficção contemporânea
ciência da essencialidade da palavra como criadora · venturas "políticas" do Deputado Paulo Santos. Nes- brasileira. Mas, obviamente, isso fica para uma ou-
de realidades, pode ser examinada em um trecho no se romance ainda permanece o "homem das certe- tra oportunidade ...
próprio julga1ne11to de Zé BebeJo. Trata-se da fala zas" que tem uma denúncia a fazer e um depoimento O que nos resta acrescentar é que ambas as obras,
de Sô Candelário ao apoiar a proposta de Riobaldo: a prestar. Nele, o homo faber suplanta o hom.o lu- a de Guimarães Rosa e de Mário Palmério, são pro-
dens. Todavia, nessa obra-prima do romance que é fundamente sociais (n1uito mais do que regionais),
soltar este homem Zé Bebelo, a mãvazias, punido só Chapadão do Bugre ( 1965), o último praticamente pois todas as suas personagens (indivíduos ou gn1-
pela derrota que levou - então eu acho, é fama grande. desaparece. Já não há interpolações de estórias na pos) têm seus destinos (e/ ou atuação) ligados in-
• 1 1 .1 •
Fama de glória: que primeiro vencemos e depois sol- narrativa-base; os "homens-narrativas" (que definem dissoluvelmente ao meio global a que pertencem; e
tamos . .. o universo rosiano) são apenas mencionados de pas- direta ou indiretamente sofrem o influxo das forças
sagem, lembrados pelo João de Preta: que impulsionam o processo histórico em que estão
E segue-se o fragmento que nos interessa: inseridos e ao mesmo tempo atuan1 sobre ele.
. . . ele Sô Candelária espiou para cima, às pasmas, E os peões de Seu Americão Barbosa voltavam sem- :e. esse o papel desempenhado pelos seus rudes e
consoante sossegado estúrdio recitou, assim em tom -- pre, raros os que deixavan1 . de voltar; ligeiros uns, mais viris sertanejos: vaqueiros, boiadeiros, feitores, se-
a bonita voz, de espírito: retardados outros - esses últimos os que traziam boas nhores, jagunços, homens da lei ou fora dela. . . to-
11 111 l bocu. - ... Seja a fama de glória. . . Todo o 111u11do vai histórias compridas de contar (Chapadão . .. , p. 6).
11111 11 1 O Plltll dos eles constituindo uma parte vital na dinâmica
falar nisso, por muitos anos, louvando a honra da gen- de certas regiões brasileiras e, por conseguinte, da
te, por muitas partes e lugares. Hão de botar verso e1n Em Chapadão do Bugre predominam: a palavra-
-ação e a palavra-reflexiva. Revelando um mundo própria Nação. É essa, a nosso ver, uma das im-
feiro, assunto de sair até divulgado ern ;ornai de ci-
.••••• ti
dade . .. (GSV - p, 261). primitivo, viril e trágico, onde o gesto épico está portantes contribuições do Regionalismo Modernista
Mineiro ao processo cultural brasileiro, hoje em ple-
..
,..~1o1~· m.dodo,
:Dct O "ato de honra", de perdoar a um inimigo de
presente mesmo nas mais obscuras ações, Mário Pal- ~

na expansao.
mério não indaga, netn tateia, como o faz Rosa em
, 1110. nln • valor, será definitivamente realizado e perpetuado seu enigmático universo. Os hon1e11s de Mário Pal-
••tl"I••• atrav~s da "palavra-invenção" (= poética.) que o ntério mais agem do que falam.
etcnuzará uos tempos, e assim incorporará o gesto José de Arimatéia, o herói do Chapadão . .. , antí-
' 1 1 1
humano no processo histórico que ele próprio cons- poda de Riobaldo (pois é apanhado pelo roman-
trói. Ai a significação profunda do "ato de contar" cista ainda em plena Juta pela vida, e não já no
e a essencialidade da "ficção": dar realidade defi- "range rede"), é homem de rara fala:
ni.tiva e de perpetuar na História e no T empo a enig-
mática aventura hun1ana. :· !
Fechado de natural, !mais ainda lhe amarl'avam o
Esta, a nos;;;o ver, foi a descoberta mais decisiva rosto a aba descida do cbapén e a gola alta da capa.
111111 • I de Guin1arães Rosa, na mesma trilha já calcada an- ( ... ) bom de coração e convivência, n1aS h o1nem de
llll'tfo11111• tes por tantos gênios afins, de Homero a Joyce. prosa reduz1"da, reservado p·o r de1nais ( Chapadíio . .. ,
p. 6 ).
1, • 1111111 6 . Mário Palmérlo, o narrador que depõe
1l#lt1 pelo homem Chapadão do B ugre, em sua essencialidade, ainda
se mantém na esfera individualista. Note-se, nesse
E Mál'iO Palrnério? É indiscutivelmente um forte
sentido, os longos "n1on ólogos interiores" (que, co-
pulso de narrador, de "contador do acontecido", que
mo sabemos, fecham a personagem no círculo de
GUIMARÃES ROSA E A TEND~NCIA ... 211
Referências bibliográficas INVINOAO
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212
INVENÇÃO: OS NOVOS E A LIÇÃO
DO MODERNISMO

Angelo Oswaldo de Araújo Santos

O processo de transição de gerações passou a re-


velar, desde o final da década de 40, em todo o
mundo, antagonismo 1nais acentuado no sistema di·
nâmico de atração e repulsa, coincidência e polê-
n1ica, q1,1e constitui, em cada instante, segundo Or-
tega y Gasset, a realidade da vida histórica. A coe-
xistência articulada d11s várias gerações e as relações
decorrentes desse quadro são infinitamente comple-
xas, na atualidade, complexida.cfe agravada pelo ra-
dicalismo com que as novas içléjas se impõem e se
,li•'''""'
,,,. , , ,
'" •.''•' Q, OCI . Rio
~ª' ·
bl'f1,f/lt<lr11.
dissoçiam dos fundamentos da spciedade estabele-
cida,
1'1111 ; ' Q uais seriam, então, as relaçõ~ C{ltre as gerações
extreqi.a~ elo çiclo de cinqüenta anos do modernisn10
1 • 111, ··'.110 J11nolro, brasileiro? l\ questão é cplocaçla ntlllla tentativa de
li' '
definir o relaçionamento eptre o 1Jl()Viment9 cultural
1 •·" 1tiln dw J11 •
11•1 ,,.,, r:; da déc.ada dos 20 e o trabalho jov~m de hoje.
Observa-se, em primeiro lugar, que os dois ten1-
fcC f 1 1f 1 1 t Jt ti pos e111 que se situ11m os jovens de ontem e os de
111111 1 11lJ11 1 19,6. hoje apresentam íntima conexão co111 referência a
'""' ·" ·t P~ulo. um espírito de contradição e polarizações. L imiares
1 • 1 I • I' .:..'~ul•~J ol· • da indust rialização e da sociedade inç!ustrial, respec-
tivarnen te, as duas épocas denotam a efervescência

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problemas que escapam aos limites do País, muita . · ' '" • 1t1w11 '
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que inaugurou a possibilidade de se construir uma ''"'"~ th "º
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está tatnbém ligado, de u1na forma ou de outra, ao e '11111u ' '
princípio do processo de fermentação política que .·! · 1111•11111 "' "
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gerativa da cultura nacional que se localiza em 1922. , . •o111 11l111l11, 1
Essencialmente, o Modernismo deve ser visto, e 1111 1h·~lltt
o é, como ponto de partida. A referência ao movi· 1thll 1•111111111
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sendo esta definida como o patrimônio m ais rico da Ju\-h 11~ 1111'
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O poeta João Cabral de Melo Neto em deseniio de M. Gr:uber Corr::ia. Aprendeu-se, no decorrer do tempo, que a t_radiçi\o I '"'" l t;. 11111111.
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• do espírito ante as diretrizes do quadro político, eco- . só é removida ou perturbada mediante posturas mais
11ômico e social, refletindo a cultura brasileir a an- (ou menos) anárquicas, ou ainda através ·da vivên-
siedade e angústia em virtude de tentar equacionar c ia lúcida das tensões que informam as estruturas
problemas que escapan1 aos limites. do País, muitas da época em que se vive .
vezes colocados pela conjuntura internacional. Enunciado genericamente pelos primeiros moder-
Verifica-se, no panorama geral da criativid ade nistas, "filhos finais de uma civilização que se aca-
brasileira moderna, um processo de construção, que bou", o conceito criatividade consciência crítica não
.f
decorre da necessidade de formulação da cultura, a foi levado até às últimas conseqüências por muitos
partir da assimilação antropofágica dos pressupostos deles, p ela .atitude desinteressada quanto à vida con-
,. europeus, ditadores da moda artística e literária, an- te1nporânea que caracterizou boa parte dos autores.
les, durante e depois do inovimento de 22, e da con- Fruto da cafeicultura abastada, também responsável
vulsão crítica em que se debate o irradiante sisten1a pela n ascente industrialização de São Paulo, a re-
' norte-an1ericano. O ponto inicial é o Modernismo, volução dos 1nodernistas de 1922 veio atender às
,.
que inaugurou a possibilidade de se construir uma necessidades culturais de uma nova el~té urbana, que
' cultura nova no Brasil. vinha das fazendas, como, na década de 50, o Con-
O Modernismo, ern si, foi u1n n1ovimento de cons- cretismo nasceu de uma perplexidade estética, po-
trução, ao mes1no ten1po destruidor de uma cultura líticà e tecnológica conhecida pelo mundo. Só que,
falida. Gestos concomitantes ·assinalam sua ação: passado o desvairisrno, a sociedade 1nodernista vol-
destruir para poder criar. Por isso, seu aparecimento tou a ficar bern cornportada. ,
está ta111bém ligado, de uma forma ou de outra, ao Como prin1eira etapa da articulação do pensa-
princípio do processo de fermentação política que 1nento brasileiro dentro do comportamento intelec-
conduziu o País à revolução de 1930, deflagrada, tual determinado pela década dos 20, o Modernis1no
de início, com o propósito de reconstruir a Repú- não conseguiu evitar que estruturas anacrônicas con-
blica deteriorada. Antes de mais nada é a matriz tinuassem a prevalecer na literatura e na arte, res-
gerativa da cultura n acional que se localiza em 1922 . surgindo, pouco depois, numa poesia acomodada e
Essencialmente, o Modernismo deve ser visto, e na ficção romanesca superficialmente moderna, as-
o é, como ponto de partida. A referência ao movi- sim entendida por sua preocupação com o nacional.
1nento não se pode fazer em termos de herança, Apesar do radicalismo con1 que algumas propostas
sendo esta definida como o patrimônio mais rico da básicas desafiaram o tempo, o movimento não teve
evolução cultural brasileira, de acordo com Alceu força bastante p ara impedir que, num estágio sub-
A1noroso .L ima, mas de "marco zero" , instigante des- seqüente, fosse desenvolvida uma literatura classi-
pertar para o novo artístico. Vinte anos depois da c iz.ante.
Semana, Mário de Andrade disse, com acerto, que "O mal foi ter eu medido meu avanço sobre o
o grande legado de 22 estava no direito permanente cabresto metrificado e nacionalista de duas remotas
à pesquisa e na atualização da inteligência artística. alimárias - Bilac e Coelho Neto" - confessa Os-
brasileira. Inventiva formal e conscientização crítica wald de Andrade, a figura mais atual do grupo mo-
constituem a principal conquista do Modernismo e dernista, na apresentação do Serafim Ponte. Grande.

a lição para a.s gerações que se sucederam. Compre- O Modernisn10 julgou-se vitorioso com a destruição
ende-se, hoje, que a fidelidade ao espírito de 1922 do Parnasianis1no, mas correu na mesma pista ine-
está no ser fiel ao tempo presente, sem apego ao llistente, ao multiplicar-se eiu autores e obras. Des-
passado, só revisitado através de profundo reconhe- truiu o que, por sua própria feição retórica e pas-
cimento crítico. "Não quero ser meu sobrevivente, sadista, não tinha mais lugar u o século; lançou novas
e sim n1eu contemporâneo" - é a advertência que proposições e indicou çaminhos; e assistiu a sua se-
se lê em Murilo Mendes.
~
gunda geração afastar-se da atitude de transgressão
A significaÇão do Modernismo prende-se n1uito aos códigos poéticos existentes, assumida em 22 para
rnais ao princípio criatividade/ consciência crítica, do decifrar, co1n olhos novos, o universo que tinha pela
que se condiciona ao desenrolar reduplicador do pro- frente.
cesso cinqiientenário, à continuidade do movimento A '"estupidez letrada" a que Oswald de Andrade
que se foi transformando em diferentes etapas. se vê servido de clown sobrepôs-se ao Modernismo,
Ele M. O~uber Correia. Aprendeu-se, no decorrer do tempo, que a tradição patrocinando, na década seguinte, a paulatina (>edi-
INVENÇÃO: OS NOVOS E A LIÇÃO . . . 215
1
.•

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o de urna literatura que desconheceu, em Ji- \'1111111


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gornis, o experimentalismo, embora aquela von- ' i4•hh•111i11h1t
t.11 , d1 construção subsistisse em determinadas obras. ' 1111111 1111 11111
'' tllr engenheiros e não jurisconsultos, o autor i:.~ ''"' hll•fll
li1lra111ar só obteve resposta· bem mais tarde, com Ili l11l11"tl1l•1
CI Cobrai de Melo Neto. O Modernismo libertou 11\• llllll "'
Di>tla da retórica, mas a libertação quanto às es- ' p1 l111•lp111- t
turus estéticas anacrônicas aconteceu apenas co1n l11111h1 11• •
Conc(ctismo, na década dos 50, que preparou a 111 llllJ il\'111
' rdnde da poesia ele hoje com relação à própria " ,,., , 11111 1111
. ltLvro, opondo linguagem à língua. • 1111111111\IM
AI rtnn<lo contra o ·anacronismo estrutural e o fe- J l111h• li ·'~
ohnmento da poesia ao n1un.do conten1porâneo, João '. l'M l1!4'-lllll 1
brol de Melo Neto alicerçou o advento do Con- . 111 11•11lhli11
!
t retlstno, e sua denúncia sobre a crise de comuni- e• 11111111
009llo du poesia, na fan1osa tese de 1954, prenunciou .. 11dll'4 11111\1
lstcnla tização dos recursos de visualização e espa- .:. i>'ll , llPllllll
.
'.
0111 l ldt\de da palavra poética. A poesia concreta abriu ; 1(r1·l1111l•I u
n perspectivas para a poesia de hoje, que se rea- . ' 1h•,llhllh)
firma nn n1issão primordial de dar sopro à vida. 1 l\t•HI h l11
N uma civilização do sentido, onde os objetos in- ~1 111 1111h
1lerilficantes são rejeitados e a ninguém é permitido i l lllJAl' tl I t •
o sllôncio, a poesia redescobre a participação lúdica h· 1111111 li
oomo sua razão de ser. O fato poético, sob os olhos ' ., t.11i1 \1111
do leitor, se dá como uni questionamento constante, .1•11111•1, li
propondo e anulando sin1ultaneamente significações: ; 1111·111111 h
loccndo leituras. :e na incerteza do signo que a poe· l'"lllll li "
Ih·
lo " liberta o nlundo da pressão do sentido social". •1•1111 11
A poesia e toda a verdadeira literatura: sugerindo o •' 1'111'•'1 •
quo a vida significa, "sen1 dizer realmente o que é", ~1-1~1111111.. \
11 literatura se realiza no sentido. indefinido e ambí- l\11 111•11111
Exposicão. de poem~s-canazes por ocasião da Semana Nacional de Poesia d e ~uo de sua verdade. HI ly lllJl 1 ti
Federal de Minas Gerais, agosto de 1963 ), vendo-se os poetas Haroldo de Vanguarda ( Reitoria da Universidade
(ao centro) e Augusto de Can1pos (foto de Décio Pignatari) . Campos (de costas) , Affonso Ávila A poesia e a ficção da atualidade não encontran1 • h "n11 1 "
11en1 ad1nite1n barreiras, fotografando o cotidiano, ).111 1·1111111\'

•. urprecndendo a palavra no dicionário, investigando , 1114111 1lv '


a trajetória dos signos em rotação pelo mundo. Atra- uu, " .....
v6s da palavra ou dos signos visuais, a literatura da ~'"'' 11 111111
atun lid ade busca sua realização crítico/ criativa nu- fr11i•,l11'
m o. nderência consciente e lúdica ao real. •0~11n11 e 1
O fin1 do beletrisrno é o que, acentuadamente, 11 &111i• '" (
ussinala a atitude dos escritores novos. Entendendo ,, 11111,ll h•nllV
i\ literatura como obra de linguagem, o autor con· .. t '•'-" " 1
tem1)orâ1teo se conso1ne nessa tarefa, ao procurar, U\>1 1•1111·-'-"'
no Experiment.alismo, o veio rico e fértil de novas p1ttptl~ ' " •.
fonl:lL\S de escritura e comu1,1icação. O autor de hoje .•
u irh111 11.i 4
vive, :assistindo e participando, as grandes transfor· , l'l111111h11c-11t
niações da década dos 60, e responde a todos os iin·
pactos através da criatividade. """ ,,•1•• ..-·
1•111 li • 11110
Se o trabalho do poeta veio se desenvolvendo sob 111111111 1111
o liupulso das n1ais di versas experiências, o romanco 11111111 111111 •

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m·ntnção de un1a literatura que desconheceu, em li- e o conto percorreran1, no Brasil, caminhos menos
nhcl.S gerais, o experimentalismo, embora aquela von- acidentados. A renovação ficcional a que se entre-
tnde ele construção subsistisse em determinadas obras. gam os autores jovens está diretamente vinculada ao
Ao pedir engenheir~s e não jurisconsultos, o autor Experin1enta!is1no. U1na nova invenção e uma nov~t
do Mirt11nar só obteve resposta· bem n1ais tarde, com originaJidade, relativan1ente à an1oldabilidade do caos
João Cabral de Melo N·eto. O Modernismo libertou de que se é efêmero organizador, são os objetivos
õ poesia da retórica, m as a libertação quanto às es- principais desse trabalho. Há uma tendência genera-
truturas estéticas anacrônicas aconteceu a penas cotn lizada de se renovar a ficção através do conto, con-
o Concretismo, na década dos 50, que preparou a forme aconselhava Borges no " Prefácio" a Ficcio-
liberdade da poesia de hoje com relação à própria nes, porque, num tempo detenninado pela pressa,
pulnvra, opondo linguagem à língua. a narrativa curta atende n1elhor à integral objetivi-
Alertando contra o ·anacronis1no estrutural e o fe- dade de uma escritura que não quer e não pode
chamento da poesia ao inundo contemporâneo, João expressar nada além da condição hutnana no quadro
Cabral de Melo Neto alicerçou o advento do Con- da realidade.
cretisn10, e sua denúncia sobre a crise de con1uni- O intenso trabalho dos contistas produziu resul-
cação da poe~ia, na fa1uosa tese de 1954, prenunciou tados inovadores. A própria idéia de conto, tão elás-
a s istcrnatização dos recursos de visualização e espa- tica, segundo a definição de Mário de Andrade, o
cialidade da palavra poética. A poesia concreta abriu ficcionista jove1n prefere a do texto. Apesar de toda
as perspectivas para a poesia de hoje, que se rea- a flexibilid ade do rótulo conto , é o texto que define
firma na missão primordial de dar sopro à vida. o sentido experünental que o autor quer conferir
Numa civilização do sentido, onde os objetos .in- a seu trabalho de manipular a escritura como lin-
. . ... significantes são rejeitados e a ninguém é permitido guagem. O texto é rápido e não aceita regras. Surge
o silêncio, a poesia redescobre a participação lúdica ele un1a nova poética, que cotnp.reende e vai alérn
co1no sua razão de ser. O fato poético, sob os olhos do binônlio prosa e poesia. Assin1 co1no a poesia
do leitor, se dá como un1 questionamento constante, requer, a fiin de que seja entendida, " uiua adesão
propondo e a nulando simultaneamente significações: integral à forn1a única q ue propõe", o texto passa a
tecendo leituras. É na incerteza do signo que a poe- exigir a não-distinção entre s ua f orma e seu sentido,
s ia " liberta o mundo da pressão do sentido social". certo o ficcionista de que criar é aprisionar na folha
A poesia e toda a verdadeira literatura: sugerindo o de papel un1 espaço determinado do imenso e an-
que a vida significa, "sc111 dizer realn1ente o que é", gustiante vácuo, en1 que todas as possibilidades lhe
1111 a literatura se realiza no sentido indefinido e ambí- são permitidas, para instaurar, na própria textura,
'" '' ' li. - mn nn Nacio nal de Poesia de Vangunrda (Reitoria da Universidadº guo de sua verdade. original e irredutível, uma só realidade, que é a d a
~IC ~s poct.as Haroldo de Campos (de costas) Affonso Avil;
111111
'
1" ' " •h wlo P1ana1ari). ' · A poesia e a ficção da atualidade não encontram ficção. Como o artista plástico, que hoje se coloca
~ nen1 admitem barreiras, fotografando o cotidiano, na condição de propositor de um trabalho e n~o de
surpreendendo a palavra no dicionário, investigando autor de uma obra: da qual Duchamp anunciou o
a trajetória dos signos e1n rotação pelo mundo. Atra- fün, o escritor traduz, na proposição de u1n texto,
vés da p alavra ou dos signos visuais, a literatura da toda a preocupação da l iteratura com a linguagem.
atualidade busca sua realização crítico/ criativa nu- ~ nesse quadro que se encontrant a poesia de Se-
n1a aderência consciente e lúdica ao r eal. bastião G. Nunes e a ficção de Sér~io Sant'Anna,'
O fim do beletrisrno é o que, acentuadamente, a que se pode recorrer como dois exemplos claros e
assinala a atitude dos escritores novos. Entendendo significativos da nova literatura brasileira. ·
a literatura como obra de linguagem, o autor con- Desde 1966, Sebastião G. Nu111;;s vem inauguran·i·
temporâneo se conso1ne nessa tarefa, ao procurar, do processos, ao levar adiante o problema gráfico:iíl
no Experitnentalisn10, o veio rico e fértil de novas proposto pelo Concretismo. O aproveita111ento dos '~
for mas de escritura e comunicação. O autor de hoje meios de comunicação, materiais e formas convenV. ·
vive, assistindo e participando, as grandes transfor- cionalmente do domínio das artes visuais, enriquect)~
mações da década dos 60, e responde a todos os im- sua expressão poética. Esse tipo poemático novo, e~
pactos através da criatividade. bora situado na revaloJização de certas fases da li.. ,., . .·
Se o trabalho do poeta veio se desenvolvendo sob ratura do passado, bastando a lembrança se1npjâ11'><
o ünpulso das mais diversas experiências, o romance atual dos poetas barrocos, promove a integraçãó 1 f ·':
INVENÇÃO: OS NOVOS E A LIÇÃO
..
'
1
tre poesia e bon1em contemporâneos, ambos envol- 1 ferências bibliográficas
vidos pelo universo de signos. A agregação de re-
cursos gráficos e visuais ao corpo do poema e a rea-
firinação da palavra escrita como u1n símbolo visual
qualquer, demonstram o amadurecimento da pesqui-
sa de Sebastião G. Nunes e indicam as potenciali-
dades do processo. Trabalhando no campo publici-
':' l1' tário, ele aliou a sensibilidade poética aos recursos
1 • que a experiência no setor lhe fornece. Se o M o-
1 dernismo investiu contra a forma-prisão da retórica,
o poeta de hoje radicaliza a subversão semiológica,
1t ' propondo uma literatura que escapa aos limites da
palavra. Por fim, ele atingiu a sua própria lingua~
' gc1n, liberta de qualquer código. Fora da sintaxe ló-
gico/ discursiva, captando a intencionalidade semân- •
tica dos elementos de sua época, Sebastião G. Nunes ·~
descobre, no processo gráfico/visual, uma linguagen1
•1 1
1
1
' original e inesgotÍlvel, que emite sua mensagem ade-
'
1 1 rindo-se ao mundo de signos. D ele é A Cidade de
Deus, livro que reúne poemas gráficos e foi publi-
cado etn 1970, em Belo Horizonte, pelo autor.
Na ficção, Sérgio Sant'Anna exprime todo aquele
1 sentido de renovação do conto, que nele pode sen-

i/ 1 l ti r-se do primeiro livro, Os Sobreviventes ( 1970), a


Notas de Manfredo R.angel, Repórter (A Respeito de
f(ramer), agora editado pela Civilização Brasileira.
O ineditismo/ inauditismo das situações de sua fic- r·.
ção, numa projeção de irnagens do círculo real, que 1
criticamente se .revela na 1naterialidade do texto, evi- '
dencia a reflexão profunda e únitigada do autor so-
'f bre o mundo contemporâneo. No exercício corajoso
da invenção, Sérgio Sant'Anna mostra, objetiva e di-
retamente, um entc11din1euto desn1istificador da vida
e dos problemas que traum atizam o homem saído
de uma década de perplexidade. Ele o instaura ao
propor e suspender o real, latente entre a fábula e

o scns1vel. •
ANDRADE, Mário de. Aspe~tos 4~ Literatura
Sno Paulo, Livraria. Martins Editora,. s. d. r
ald de. Meni·órias Se1111n1entals de IO!
ANDRADE, OsW d R' d J· neiro lu
Miramar/Serafim Ponte Gran e. 10 e ªe ;lcíÜ
tora Civilização Brasileira, 1971 .. "Obras omp ::.
Al~}õ, Laís Corrêa de. Muri/o Me11des. Petr~J}utt!'
Editora Vozes, 1972. Poetas Modernos do DraNU,.lt'
LH•fA, Alceu Amoroso. Modernismo: ~O .An<,>s ~e~
Entrevista à revista. Vozes, Fetr6pohs, iane1ro-!e ...
1 1 J'O 1972.
1,. Ml'LO NETO João Cabral de. " Da
Poesia" . 1'n: NUNES, Benedito. João Cabral de
Neto. Petró.Polis, Editora Voz.es,
nos do Brasil, 1.
218
Referências bibliográficas

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f fl "" 1'1 ~ 0

"''1111~~·· lr• tf ·u~x;


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11
1•11!111 h ,

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li hh 1

h 1111
1 " " 111
'' '

ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira.

.• ~ . São Paulo, Livraria M artins Editora, s. d .


ANDRADE, Oswald de. Menrórias Sentimentais de João
Mira1nar/ Serafini Po1ite Grande. Rio de Janei ro, Edi-
tora Civílização Brasileira, 1971. "Obras Completas"
- 2.
ARAÚJO, Laís Corrêa de. Murilo Mendes. Petropolis,
Editora Vozes, 1972. Poetas · Modernos do Brasil, 2 .
LIMA, Alceu Amoroso. Modernismo: 50 Anos Depois.
Entrevista à rev ista. Vozes, Petrópolis, janeiro-feverei-
ro 1972. ·
MELO NETO, João Cabral de. "Da Função Moderna da
Poesia" . ln: NUNES, Benedito. João Cal>ral de Melo
•'
N eto. Petrópolis, Editora. Vozes, 1971. Poetas Moder-
nos do Brasil, 1.
INVENÇÃO: OS NOVOS E A LIÇÃO .. . . 219
COLABORAM NESTE VOLUME


....
.·.
'

' •
'
AFFONSO AVILA - Poeta e ensaísta. D iretor
1 da revista Barroco, editada pela Universidade Fe-
deral de Minas Gerais, e coordenador da Coleção

' Poetas Modernos do Brasil, da Editora Vozes. Au-
" tor, dentre outras obras, de O Poeta e a Consciência
Critica (Petrópolis, Editora Vozes, 1969, Coleção
Nosso Tempo, 7) , Código de Minas & Poesta An-
terior ( Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasilei-
.• ra, 1969) e O Lúdico e as Projeções do Mundo Bar-
roco (São Paulo, Editora Perspectiva, 1971 , Cole-
ção Debates, 35) .
.
AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - Pro-
fessor universitário, poeta e ensaísta. Coordenador
. do Mestrado de Literatura Brasileira e dos cursos de
graduação e pós-graduação em ·Literatura Brasileira
·•., da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Ja-
neiro. Autor, dentre outras obras, de Canto e Pala·
vra (Belo Horizonte, Movimento-Perspectiva, 1965)
e Dru1nrnond, o poeta. gauche (Rio de Janeiro, Edi-
tora L ia, 1972) .
ÂNGELO OS\VALDO DE ARAúJO SANTOS -
'1 Crítico e jornalista. Edi tor do Suplemento L iterário
do Minas Gerais.
••

ARACY AMARAL - Professora universitária, versidade Federal de Minas Gerais, .~tualmente di j. ~Ih 'Nosso T empo, 2), L ira e Antilira . (Rio de" n-.
crítico de artes plásticas e ensaísta. Professora de gindo o Departamento de Sociologia da Utliversida~e "' • Editora Civilização Brasileira, 1968 ) e O 'iii ...
História da Arte no Brasil na Escola de Comunica- de Brasília. Autor, dentre outras obras, de João AJ- 111/fura/l.1·1110 de Levi-Strauss (Petrópolis, Editora ..'tt-
ções e Artes da Universidade de São P.aulo e memQ.ro phonsus: Te1npo e Modo (Belo Horizonte, Centro d.e
' '' 1 1968. Coleção Nosso Tempo, 6). ··
do Conselho Editorial (artes visuais) da Editora P ers- Estudos Mineiros da UFMG, 1965) e O Movimen t~
pectiva. A utora, dentre outras obras, de A s Artes Modernista e1n Minas (Brasília, Ebrasa, 1971) . ~ 1 NBLLY NOVAES COELHO - J>rofessora u i-
P lásticas na Semana de 22 (São P aulo, Editora r ltdrla e ensaísta. Professora-assistente de Lite . 1
Perspectiva, 1970, Coleção Debates, 27) e Blaise Cen- FRANCISCO IGL~IAS - Professor universitá- 1 rll. Portuguesa na Universidade de Sãô Paulo e.' ~
. ;1 ,,
drars no Brasil e os Modernistas (São ·P aulo, Livra- rio, historiador e ensaísta. Titular da cadeira de H is :fülor de Teoria da Literatura da Faculdade de Pil -
ria Martins Editora, 1970). tória Econô1nica do Brasil da Faculdade de Ciênci flu, C iências e Letras de Marília. Autora, den
Econômicas da Universidade Federal de Minas Ge · Olltrus obras, de O Ensino da Literatura '(São P aul ·
BENEDITO NUNES - Professor universitário e rais. A utor, dentre outras o bras, de Política Econô~ Bdltora fTD, 1966) e Literatura e Linguagetri' - '
ensaísta. Realizou curso de especialização em Filo- 1nica do Governo Provincial Mineiro (Rio de Janeiro,
sofia pa Sorbonne, sendo professor da mesma ma- Ob1·a Literdria e a Expressão Lingüística (Ri·o de 1 .,
IJ ! Instituto Nacional do Jj vro, 1958) e História e Ideo·- nolro, Livraria José Olympio Editora: a sair). ,
téria e de Estética na Faculdade de Filosofia da Uni- /ogia (São Paulo, Editora Perspectiva, 1971 , Ooleção
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•1 •
versidade Federal do Pará. Autor, dentre outras
obras, de In trodução à Filosofia da Arte, (São Pau-
Debates, 28) . ' RUI MOU .RÃO - Professor universitário, ficoioF,f
nista e ensaísta. Ex-professor auxiliar do lnstitt1tll1;
' 1
11 lo, DESA, 1966, Coleção Buriti, 7), O Dorso do GILBERTO MEND ES ·- Co1npositor e profes~ Central de Letras da Universidade de Brasília e p.rOit r-.
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·li Tigr,e (São Paulo, Editora Perspectiva, 1970, Cole- sor. Foi um dos signatárips do manifesto Música no• .· fessor-visitante nas Universidades de Tulane, Ho\1511 {
1) ção' Debates, 17) e João Cabral de Melo Neto (Pe- va, do grupo de compositores de vanguarda de São ton e Stanford, Estados Unidos. Autor, dentre outros '.
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;. 1 tr~polis, Editora Vozes, 1971, Coleção Poetas Mo- Paulo, divulgado na revista Invenção, 1963. Partici- obras, de Estruturas - Ensaio Sobre o Romance rJo
dernos do Brasil, l) . pante de festivais, concertos e cursos no Brasil e no . l Graci/iano (2. ed . Rio de Janeiro, Arquivo . Edito•
BERNARDO :tLIS - Professor universitário e exterior. Dirige o Festival de M11sica de Vanguarda, · , ra-INL, 1971) e C urral dos Crucificados (romanocJ
ficcionista. Professor de Literatura Brasileira nas Uni- de Santos. Autor, dentre outras peças, de "Bliriun1 .Belo J-lorizonte, Edições Tendência, 1971). .J
c-9", "Asthmatour", "Nascemor:re" e "Beba ·c oca- ••
versidades F ederal e Católica de Goiás. Autor, den- SJLVIANO SANTIAGO - Professor universl.- :
-Cola", as duas últimas baseadas em poemas con-
tre outras obras, de Errnos e G erais (Goiânia, Bolsa
cretos de H aroldo de Campos e Décio Pignatari.
tá rio, poeta e ficcionista. Doutq_rado em Letras Fr~ . ,:
de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, 1944) e ccsas pela Sorbonne, pertence ao Departamento do .!;
O Tronco do / p€ (2. ed. Rio de Janeiro, Livraria Jo- JOS~ TAVARES DE BARROS - Professor uni- i: rancês da State University of New York, Buffalo1
sé Olympio Editora, 1967). versitãrio e estudioso de cinema. T itular da discipli- Estados U nidos. Leciona, atualmente, no curso de
DtCIO DE ALMEIDA PRADO - Professor na de Cinema na Escola de Belas-Artes da Univer- , pós-graduação em Literatura Brasileira da Pontifícia ,
universitário, crítico de teatro e ensaísta. Ex-editor sidade F ederal de Minas G erais e no Curso de Universidade Católica do R io de Janeiro. Autor, f.
do Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo. Comunicação da Faculd~de de F ilosofia e Ciências dentre outras obras, de O Banquete (contos, Rio d.~
P rofessor de H istória do Teatro no Brasil na E scola H umanas d a mesma Universidade. Autor de vários Janeiro, Editora Saga, 1970 ), Salto (poesia, BêlO '
de Comunicações e Artes da Universidade de São trabalhos na especialidade. Horizonte, 1970) e Ruptura e Retórica (São Paulo,
Paulo. Autor, dentre outras obras, de Teatro eni Pro- Conselho Estadual de Cultura: a sair). '·
LA1S CORR t:.A DE ARAÚJO - Poeta, crítico
gresso (São Paulo, Livraria M ar tins Editora, 1964) e professora de Literatura en1 cursos de extensão.
e João Caetano (São Paulo, Editora Perspectiva, ,.\utora, dentre outras obras, de Cantochão (Belo Ho-
1972, Coleção Estudos, 11). 1
rizonte, Imprensa-Publicações, 1967) e Murilo Men-
ELIANE ZAGURY - Professora universitária d,es (Petrópolis, F.Aitora. Vozes, 1972, Coleção Poe- •'
e ensaísta. Ex-professora auxiliar da cadeira de Es- tas Modernos do Brasil, 2). Ex-membro da Comis-
tilística <la Língua Portuguesa da Faculdade de Le- são d.e Redação elo Suplemento l,iterário do Minas
• •1
..'· tras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Au- Gerais.

tora, dentre Ot1tras obras, de A Palavra e os Eco~·
LUIZ COSTA :L IMA - Profess.,,r universitário
(Petrópolis, Editora Vozes, 1971) e Cecília Meireles e ensaísta. Professor associado <lo Departamento de .
(Petrópolis, Editora Vozes: a sair, Coleção Poetas Sociologia da Pontifícia Universidade Católica do
,1,., Modernos do Brasil ). Rio de Janeiro e encarregado ·do curso de Teoria da .'
..
FERNANDO C ORREIA DIAS - Professor uni- Literatura do Mestrado de Letras da mesma Uni-
versitário e ensaísta. Professor de Sociologia da Fa- versidade. Autor, dentre outras obras, de. Por que
culd ade de Filosofia e . Ciências Hun1anas da Uni- Literatura (Petrópolis, Editora Vozes, 1966, Cole- • •
. .
222

versidade F ederal de Minas Gerais, .atualmente diri-


gindo o D ep artamento de Sociologia da Universidade ção Nosso Tempo, 2), Lira e Antilira . (Rio de 1a-
de Brasília. Autor, dentre outras obras, de João Al- nciro, Editora Civilização Brasileira, 1968 ) e O Es-
phonsus: Te1npo e Modo (Belo Horizonte, Centi:o de trr1tura/is1no de Lévi-Strauss (Petrópolis, Editora Vo-
Estudos Mineiros da UFMG, 1965) e O Movbnento zes, 1968, ·c oleção Nosso Tempo, 6) .
Modernista em. Minas (Brasília, Ebrasa, 1971). NELLY N OVAES COELHO - Professora uni-
versitária e ensaísta. Professora-assistente de Litera-
FRANCISCO IGLÉSIAS - Professor untversit.á- tura Portuguesa na Universidade de Sãó Paulo e. ti-
rio, historiador e ensaísta. Titular da cadeira de H is- tula·r de Teoria da Literatura da Faculdade de Filo-
tória Econô1nica do Brasil da Faculdade de Ciências sofia, Ciências e Letras de Marília. Autora, dentre
Econômicas da Universidade Federal de Minas Ge- outras obras, de O Ensino da Literatura '(São P aulo,
rais. Autor, dentre outras obras, de Política Econô- .Editora. FTD, 1966) e Literatura e Linguagem - A
1nica do Governo Provincial Mineiro (Rio de Janeiro, J,
ma· Obra Literária e a Expressão Lingüística (Rio de Ja-
Instituto Nacional do L ivro, 1958) e História e Ideo·- .•
Uol·
OUtl'flS
' logia (São P aulo, Editora Perspectiva, 1971, Coleção * neiro, Livraria José Olympio Editora : a sair) .
RUI MOURÃO - .P rofessor universitário, ficcio-
D ebates, 28) .
1lo Pou- nista e ensaísta. E1x-professor auxiliar do Instituto
GILBEI~TO MENDES - Compositor e profes- Central de Letras da Universidade de Brasília e pro-
sor. Foi um dos signatárips do ma·nifesto Música no- fessor-visitan te nas Universidades de Tulane, Hous-
va, do grupo de compositores de vanguarda de São ton e Stanford, Estados Unidos. Autor, dentre outras
Paul.o, divulgado na revista Inv enção, 1963. Partici- obras, de Estruturas - Ensaio Sobre o R.ornance de
pante de fes tivais, concertos e cursos no Brasil e no Graci /ian.o (2. ·ed. Rio de Janeiro, A rquivo . Edito-
exterior. Dirige o F estival de Música de V anguarda, ra-INL, 1971) e Curral aos Crucificados (romance,
de Santos. Autor, dentre outras peças, de "Bliritu11 Belo H.orizonte, Edições Tendência, 1971).
c-9", "Asthmatour", "Nascemorre" e "Beba ·coca-
-Cola", as duas últimas baseadas · em poemas con- SILVIANO SANT.IAGO - Professor universi-
cretos de Haroldo de Campos e D écio Pignatari. tá rio, poeta e ficcionista. Douto,rado em L etras Fran-
cesas pela Sorbonne, pertence ao Departamento de
JOst T AV ARES DE BARROS - Professor uni- Franc·ês da State University of New York, Buffalo,
'" versitário e estudioso de cinema. Titular da discipli- Estados Unidos. Leciona, .a,tualmente, no curso de
,.,,, t or na de C inema na E scola de Belas-Artes da Univer-
sidade Federal de Minas G erais e no Curso de
pós-graduação em Literatura Brasileira da Pontifícia
dilor Universidade Católica do R io de Janeiro. Autor,
• ,f 1 auto. Comunicação da Faculdade de Filosofia e Ciências dent re outras obras, de O Banquete (contos, Rio de
I H•ll U~ col11 Humanas da mesm a Universi.dade. Autor de vários Janeiro, Editora Saga, 1970), Salto (poesia, Belo
d1hn h trabalhos na especialidade. Horizonte, 1970) e Ruptura e R etórica (São Paulo.
1•• ,,,,. Conselho Estadual de Cultura: a sair).
LAtS CORR~A D E ARAúJO - Poeta, crítico
e professora de Literatura eÍ11 cursos de extensão.
Autora, dentre outras obras, de Cantochão (Belo Ho-
rizonte, Imprensa-Publicações, 1967) e Murilo Men-
" \'~
ti 11111 des (Petrópolis, Editora . Vozes, 1972, Coleção Poe-
l·t11 l11h li . tl1s Modernós do Brasil, 2). Ex-membro da Comis-
11ltl1111\· • são de Redação do Suplemento Literário do Minas
Gerais.,
''" ,. '
••• 11111
[.UIZ COSTA .LIMA - Profess~r üniversitário
' .
e ensaísta. P rofessor associado do Departamento de
11li-~ li•
Sociologia lia Pontifícia Universidade Católica do
l{i<~ de Janeiro e encarregado ·do curso de T eoria da
Literatura do Mestrado de Letras da mesma Uni-
versidade. Autor, dentre outras obras, de Por que
Literatura (Petrópolis, Editora Vozes, 1966, Cole-
COLABORAM NESTE VOLUME .f1S
rNOICE DE ASSUNTOS E REFERÊNCIAS

l
j
-~

:.

Abstracio11isn10, 132, 133.


A cademias no período colonial, 31.
Açúcar (economia do ), 33, 35, 78, 89.
Aliança Liberal, 21 , 23 .

Anarquismo, J9, 23.
, Anta (grupo da), 21, 23, 57.
Antropofagia ( revista de, movimento antropofágico).
2J' 22, 40, 53, 64, 108, 109, 110, 123, 124, 129,
167, 174, 183, 194 (ver tan1bém Manifesto An-
• trop6fago ). -.l
"
A propriação da linguage111, 30, 31, 32, 34.
Apropriação da realidade, 30, 31, 32, 34.
Arcadis1no, 30, 32 .
,
"
'
·~ Artes plásticas (função no modernismo), 16, 50,
·• 121-126. '
' -/
,,J~ Bandeira (1novimento) , 57 e n.
,
Barroco, 15, 16, 30-32, 34, 35, 73, 98, l 16, 127-129,
.189, 190, 217.
1 B el/e époque, 18.
Bossa-nova, 129.
1
.'
'r
Café (economia do) , 17-19 , 33, 35, 62, 78 , 215. Geração modernista (conceito de) , 20, 24, 25, 55; Neoclassicismo, 30, 32 . Roo~, ti
Cangaço - ver Regionalismo. 56. Nordeste (romance do) - ver Regionalismo. llon1Anll•nt
.' l Geração de 45, 67, 203, 204.
h.. Centramento (poética do) , 56, 59, 60, 66, 67, 116. Oficina (grupo) , 144. "''· "".Cat
Guerra de 1914, 18, 19, 21, 60, 123, 125, 167 . Oralidade, 60, 68, 92-94, 101. So11und1
C inema brasileiro, 145, 153-161 .
, Grupo modernista mineiro, 165-1 77. Palavra-fingida (palavra-invenção),. 207-21 O. Somnn• de
Cinema-novo - ver Cinema brasileiro. ,' 40, 411, 1
Circo, 142, 145, 150. Ideologia (consciência ideológica, centramento ideo- Paráfrase ~spaço da), 56, 57, 59, 61-67, 69, 70, 1C\4', 171
lógico), 16, 21, 23, 35, 53, 56-59, 61-65, 70, 79, 185, 190.
' Clarté (grupo), 21. 97, 110, 167, 183, 185, 195. . " Sorllo ( •••
Parnasianismo, 15, 16, 30, 34, 46, 57, 59, 107, 108,
. ' Classi·cismo, 15, 16, 51, 128, 131, 132 . Imigração, 16, 19, 62, 122:, 142, 174, 177 n . . ' Shnhollu111
•1
' 186, 193, 215 .
Coluna Prestes, 21, 57. ' 1 .~ 11. l flV
Imperialismo, 19, 20.
.1
:!•
Comediantes (gru.po) , 144. Império (estilo), 16.
P aródia (espaço parodístico); 35, 50, 56, 57, 59,
62-67' 69-72, 149. ] 89, 190.
'.. • '11t•1111
,,: 7U1 M ,
'I",
' Comunicação (cultura) de massa, 36, 48, 49, 128, Impressionismo, 42. Periodização do moden;lismo, 13, 14.
129, 132, 134, 135, 154, 173. Pesquisa (exp.eritncntação) estética, 16, 34, 35, 46 n.,
' 'bh•ol11 l 11
Independência (e centenário da), 20, 12S.
Comunismo -- ver Esquerdismo. 51, 103, 104, 122, 133-135, 148, 182, 185, 194, , '11rfo11ll1tU•
lndio (indianismo), 16, 33, 35, 60, 63, 93, 94, l 15, ,.
Concretismo - ver Poesia concreta. 123, 125, 182. 197, 199, 200, 215, 216 . .,i 17 ". 1""
. Poema-piada, 148, 185 (ver também Paródia) . . l'oi.1111 1h•
Crítica (consciência, metodologia), 103-11 O, 117, Industrialização, 17-19," 35, 48, 51, 52, 97, 124, 142," :
181, 186, 188, 190, 192. 145, 156, 177,. 182, 190, 215. Poema-processo, 68 . 111111 Ut •

Cubismo, 22, 35, 42, 43, 45 e n ., 49, 51, 53, 122, Integralisn10, 23, 57 (ver também Direitismo). Poesia concreta, 36, 56, 67, 110, 134, 150, 197, 215,
124, 125, J 53, 155. "
.1 i'
l 217. 1t1111l1111u1 1
Kitsch, 128, 131 , 135, 136.
Dadaísmo, 22, 42-45, 50-53, 56, 59, 153. Liberalismo, 15, 33, 203. Poesia de eX:portação, 50. 'f""'"\Iªº ,
Descentramento (poética do), 56, 59, 60, 63, 65-67, Língua brasileira, 50, 52, 97-100, 141, 182, 205. Poética do modernismo, 45-53. l 7 1, 'º '
10 1, 1 / I
116. Linguagem do modernismo, 16, 30, 34, 35, 42-53, População (crescimento demográfico à época do mo-
dernismo), 19. fl 1111h•1tl1•1t
Desvio de norma, 113-117. 55-68, 69-86, 97-100, 153, 182, 183, 185-192,
199, 200, 209. Positivismo, 15, 41. . 1r11,11•11 I•
Direitismo, 21-24, 57, 140, 146, 148, 184. · r,1. 111
Esquerdismo, 21, 23, 57, 140, 144-150, 203. Livraria Alves, 165. Pós-modernismo, 36 (ver também Geração de 45).
1 lt1, 14
Estado Novo, 57 n., 62, 131. Livraria Jacinto Silva, 14. Posse da linguagem, 30, 32, 33.
l'I tl•llll\111
Estruturalismo (método estrutural), 68, 71, 72, 75, Marxismo - ver .Esquerdismo. P osse da realidade, 30, 32, 33.
. }?IKllllll 1h
77-79, 81, 115, 116, 148, 204. Mimese (mimese, Espaço mimético), 46, 56-60, 62, Realismo, 15, 30, 34, 35, 70, 94, 95, 97, 144, 153 , IQ4
Evolucionismo, 15, 41. 65, 67, 69-71, 98, 190. ., 197, 204.
. h111t111 ih
Mitologia nacional, 33-35, 59-64, 70, 93, 148, 194. Realismo mágico, 200.
Expression'ismo, 14, 22, 42, 43 , 45, 46, 52, 123-t25,
144, 153, 155. Referencial {poesia, discurso, palavra), 67, 68, 190-
Modernismo - referências genéricas ao longo de to- '
1
-192, 205.
Fascismo - ver Direitismo. do o volume.
Reflexão sobre a linguagem, 30, 34, 35.
Folclore, 16, .22, 23, 50, 60; 61,, 65, 87-95, 97, 98, Música brasileira, 16, 36, 117, 122, J24, 127-138,
122, 128, 129, 131, 132, 134, 135, 143, 144, 146, 145. Reflexão sobre a realidade, 30, 34, 35.
'
Regionalismo (manifestações regionais), 21, 24, 53, '
148, 15.3, 161, i74, 190, 206, 207. Nacionalismo (elemento nacional), 50, 52, 53, 57,
' 55, 60, 70, 87-102, 132, 142, 144, 154, 173-175,
i\ Fontes e influências estrangeiras no modernismo - 59, 60, 62, 64, 87-100, 104, 109, 115, 122, 124,
I.'
' 130-133, 136, 1.40, 142, 143, 145, 153, 154, 158, , 177, 182, 193, 195, 198, 201, 203, 211 .
ver Futurismo, Expressionismo, Cubismo, etc., e,
de modo genérico, todo o capítulo Estética e Cor- 160, 173-176, 182, 183, 185-187, 190, 191, 197, Revolta de 1893 da Armada, 88.
,i 1r
rentes do Modernismo. · 215. '.
Revolta do Forte de Copacabana, 19, 21, 57.
j Forma-prisão, 115, 116, 219. Nativismo - ver Nacionalismo. Revolução Bolchevista, 21.
J
Formalismo russo, 113. Naturalisn10, 30, 52, 153, 193. Revolução de 1924-, 21, 23, 122, 124.
' .,.
'•
'J Futurismo, 14, 22, 40, 42, 43, 45 e n., 46, 49 , 51 , Negro (elemento, influência do), 16, 23, 60, 61, 74; .Revolução de 1930, 21, 23, 57, 122, 126, 173, 175,
l 53~ 56, 59, 62, 91, 95, 96, 109, 154, 182. 78, 81, 93, 94, 122, 12s, 161. 176. .•
·.
226

.i
. • ~

Geração modernista (conceito de) ·20 24 25 55 Neoolassicismo, 30, 32. Rococó, 32, 128, 129·
56. ' ' ' ' ' Nordeste ( romance d o) - ver Regionalismo. Romantismo, 15, 30, 32-35, 46, 51 , 53, 70, 92, 94,
Geração de 45, 67, 203, 204. 95, 97, 107, 117, 128, 131-133, 142.
116. Oficina (gr up o), 144.
Guerra de 1914, 18, 19, 21, 60, 123, 125, 167. Segunda Grande Guerra, 2 1.
Oral id ade, 60, 68, 92-94, 101.
Grupo modernista mineiro, 165-177. Semana de Arte Moderna, 13-1 5, 17, 20, 24, 30, 36,
P alavr a-fingida (palavra-invenção)_, 207-21 O: 40, 46, 103, 108, 109, 121-123, 131, 139, 144, 150,
ldc?l<;>gia (consciência ideológica, centramento ideo- Paráfrase (espaço da), 56, 57, 59, 61-67, 69, 70, 169, 179, 180, 181 , 183, 185, 194, 215.
log1co), 16,. 21, 23, 35, 53, 56-59, 61 -65, 70, 79, 185, 190.
97, 110, 167, 183, 185, 195. . Sertão (sertaoismo) ~ ver Regionalismo.
Parnasianismo, 15, 16, 30, 34, 46, 57, 59, 107, 108,
I Imigração, 16, 19, 62, 122,, 142, 174, 177 n. Simbolismo, 15, 30, 34, 42, 53, 59, 88, L24, 144,
186, 193, 215.
Imperialismo, 19, ·20. 150, 169, 172, 193.
'•
'Paródia (espaço parodístico); 35, 50, 56, 57, 59,
• Império (estilo), 16 . 62-67, 69-72, 149, 189, 190. Social (problema, temática), 18, 19, 21, 23, 57, 78,
' 79, 81, 89, 109, l 10, 142, 145, 148, 149.
11, ·li ~· 1 128, Impressionismo, 42. Periodização do moden;iismo, 13, 14.
Subsolo (espaço do, na ficção), 69, 71.
Independência (e centenário da), 20, 12$. Pesquisa (experimentação) estética, 16, 34, 35, 46 n.,
' fndio (indianisn10), 16, 33, 35, 60, 63, 93, 94, J 15, " ll 51, 103, 104, 122, 133-135, 148, 182, 185, 194, Surrealismo, 22, 42, 44, 45, 53, 56, 66, 124, 143,
175, 189, 200.
123, 125, 182. ] 97, 199, 200, 215, 216. \
Teatro de Arena (grupo), 144.
o, 117,
'
Industrialização, 17-19: 35, 48, 51, 52, 97, 124, 142,
,.'
1 Poema-piada, l48, 185 (ver também Paródia).
Poe1na-processo, 68. Teatro Brasileiro de Comédia (grupo), 144.
145, 156, 177,, 182, 190, 215.
Integralismo, 23, 57 (ve~ também Direitismo). Poesia concreta, 36, 56, 67, 110, 134, 150, 197, 215, Tenentismo, 19-21., 23.
Kítsch, 128, 131, 135, 136. 217. Tomismo (neotomismo), 15, 41, 42.
Liberalismo, 15, 33, 203. Poesia de exportação, 50. Tradição (elementos de tradição no modernismo) ,
1' 23, 30-35, 50, 59, 60, 63, 64, 66, 67, 90, 93-98,
1 6· 7, Língua brasileira, 50, 52, 97-100, 141, 182, 205. Poética do modernismo, 45-53.
107, 171, 172, 175, 182, 195, 200, 215.
Linguagem do modernismo, 16, 30, 34, 35, 42-53, Pop'ulação (crescimento demográfico à época do mo-
dernismo), 19. Tropicalismo, 130, 149, 150.
55-68, 69-86, 97-100, 153, 182, [ 83, 185-192,
199, 200, 209. Positivismo, 15, 41. Vanguarda, 24, 30, 36, 42, 44-47, 49, 51, 53, 56,
67, 111-117, 122, 123, 128, 129, 131, 133, 135,
Livraria Alves, 165. Pós-modernismo, 36 (ver também Ge ração de 45).
136, 148, 153-157, 159, 173, 186, 192, 215.
Livraria Jacinto Silva, 14. Posse da linguagem, 30, 32, 33.
Verdeamarelismo, 21-23, 40, 41, 53 e n., 64.
ntt, 7$, Marxismo - ver Esquerdismo. P osse da realidade, 30, 32, 33.
1 Viagem dos modernistas de SP a Minas, 16, 169,
Mimese (mimese, Espaço mimético) , 46, 56-60, 62, Realismo, 15, 30, 34, 35, 70, 94, 95, 97, 144, 153,
197, 204. . 1'94.
65, 67, 69-71, 98, 190. . Viagem dos modernistas de SP ao Norte. 16.
fl, , J' Mitologia nacional, 33-35, 59-64, 70, 93, 148, 194. Realismo mágico, 200.
Modernismo - referências genéricas ao longo de to- Referencial (poesia, discu rso, palavra), 67, 68, 190-
., do o volume . -192, 205.
Música brasileira, 16, 36, 117, 122, 124, 127-138, R.eflexão sobre a linguagem, 30, 34, 35.
145. Reflexão sobre a realidade, 30, 34, 35.
Nacionalismo (elemento nacional), 50, 52, 53, 57, Regionalismo (manifestações regionais), 21, 24, 53,
111111h•l11 59, 60, 62, 64, 87-100, 104, 109, 115, 122, 124, ' 55, 60, 70, 87-102, 132, 142, 144, 154, 173-175,
11l1l•1H11, 130-133, 136, 140, 142, 143, 145, 153, 154, 158, 177, 182, 193, 195, 198, 201, 203, 211.
,
ll•li\lh 11 ' 160, 173-176, 182, 183, 185-187, 190 191 197 Revolta de 1893 da Armada, 88.
215. ' ' ' Revolta do Forte de Copacabana, 19, 21, 57.
Nativismo - ver Nacionalismo. Revolução Bolchevista., 21.
Nnturalismo, 30, 52, 153, 193. Revolução de 1924, 21, 23, 122, 124.'
li • •lít, Negro (elemento, influência do), 16, 23, 60, 61, 74; Revolução de 1930, 21, 23, 57, 122, 126, 173, 175,
>I , lll J 78. 81, 93, 94, 122, 128, 167. 176.
INDICE DE ASSUNTOS E REFER!':NClf\
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Coleção Stylus

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~ 1. AI/ ocler11is1110 - Organização Affonso A vila
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3. Ro1nari1is1110 - Organização Jacó Guinsburg
4 . Gro tesco ·-· Wolfgang Kayser
5. Renascença e Bc1rroco - Heinrich Wolffli n .

6. Estudos sohre o Barroco - Hehnut H atzfeld ..

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AS ARTES PLÁSTICAS NA SEMANA DE 22


- Aracy Amaral (Col. Debates}
BARROCO MINEIRO - Lourival Gomes M a-
chado (Col. Debates)
MORFOLOGIA DO MACUNAIMA - Haro ldo
de Campos (Col. Estudos)

Brasil como : cor


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