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03/06/2016 A quem serve a classe média indignada? ­ 10/01/2016 ­ Ilustríssima ­ Folha de S.

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ilustríssima
A quem serve a classe média leia também

indignada? A reversão de equívocos históricos


para novos imaginários urbanos
MARCELO COELHO
ilustração SÉRGIO SISTER O Alcorão e o cheiro de maconha na
capital dos Estados Unidos
10/01/2016   02h04

Livro de Angela Alonso fortalece nova


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historiografia da Abolição

RESUMO Cientista político e presidente do Ipea PUBLICIDADE

rejeita, em novo livro, interpretações do Brasil como envie sua notícia


a de Sérgio Buarque de Holanda. Negando a ideia de
que jeitinho e corrupção sejam exclusividades Fotos   Vídeos   Relatos

nacionais herdadas da colonização, aponta o
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"racismo de classe" e o abandono dos excluídos como
raízes dos problemas do país.

Foto Marlene Bergamo/Folhapress
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03/06/2016 A quem serve a classe média indignada? ­ 10/01/2016 ­ Ilustríssima ­ Folha de S.Paulo

Para entender as teorias de Winnicott
1 não basta ir ao cinema

Leia trecho de manuscrito inédito de
2 Hannah Arendt sobre antissemitismo

Confusão entre o público e o privado, compadrio, herança católica Novo livro policial de J.K. Rowling sob
portuguesa, predomínio das relações pessoais e familiares sobre o sistema de 3 pseudônimo é apavorante

mérito, corrupção. Ao contrário do que em geral se pensa, nada disso é
característica exclusiva do Brasil. Do colo materno ao convívio social na
4 psicologia de Winnicott
 Para Jessé Souza, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada), vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e As venturas e desventuras de Gloria
doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha), criou­se 5 Vanderbilt
no Brasil, à esquerda e à direita, um legado de equívocos a partir do
pensamento de Sérgio Buarque de Holanda (1902­82), que merece ser
classificado como um verdadeiro "complexo de vira­lata".

Para o professor de ciência política na UFF (Universidade Federal
Fluminense), que acaba de lançar "A Tolice da Inteligência Brasileira" [Leya,
Diário de Larissa
272 págs., R$ 39,90, e­book, R$ 26,99], a intelectualidade do país tende a Manoela
idealizar as sociedades capitalistas avançadas, imaginando que em países
Larissa Manoela
como Estados Unidos ou França predomine a plena igualdade de
De: R$ 29,90
oportunidades e a completa separação entre o Estado e os interesses privados.
Mas o peso das origens familiares, do capital cultural acumulado ao longo de Por: R$ 25,90
gerações, das pressões empresariais sobre o poder público está presente, diz Comprar
ele, em qualquer país capitalista.

Autor de estudos sobre Max Weber (1864­1920) e Jürgen Habermas, Jessé
Souza desenvolve, em "A Tolice da Inteligência Brasileira", um sofisticado
argumento teórico para mostrar de que modo o conceito weberiano de
"patrimonialismo" –fundamento das críticas de Raymundo Faoro (1925­ A Clínica
2003) à imobilidade do sistema social brasileiro e ao fracasso do capitalismo e Vicente Vilardaga
Compare preços:
da democracia entre nós– não foi originalmente pensado para ter aplicação
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nas sociedades modernas.
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Ao interesse teórico que marcou o início de sua carreira, Jessé Souza tem Comprar

acrescentado, nos últimos anos, um intenso trabalho de investigação
empírica, do qual resultaram livros como "Os Batalhadores Brasileiros: Nova
Classe Média ou Nova Classe Trabalhadora?" (editora UFMG, 2010), e "A Namoro Blindado

Ralé Brasileira: Quem É e Como Vive" (ed. UFMG, 2009). Renato Cardoso e Cristiane


Cardoso

O problema da economia e da democracia brasileiras, argumenta Souza, não De: R$ 34,90

nasce de supostas deficiências culturais que tenhamos frente aos países Por: R$ 29,90


desenvolvidos, mas da incapacidade do sistema para integrar um vasto Comprar
contingente de excluídos, a quem faltam não apenas recursos materiais, mas
equipamentos básicos de educação, autoestima e cidadania. Luiza Possi ‐ LP (CD)
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Luiza Possi
A lição de Florestan Fernandes, em especial de seu livro de 1964, "A
Integração do Negro na Sociedade de Classes" (ed. Globo), é das poucas que Por: R$ 19,90
saem preservadas do implacável julgamento crítico de "A Tolice da Comprar
Onix a partir de R$ 35.990,00!
Inteligência Brasileira", repleto de palavras duras contra Roberto DaMatta,
Fernando Henrique Cardoso e outros mestres do pensamento social entre
nós.
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03/06/2016 A quem serve a classe média indignada? ­ 10/01/2016 ­ Ilustríssima ­ Folha de S.Paulo

Folha ­ As ciências sociais brasileiras –com influência no discurso
da imprensa e das classes médias– têm insistido no conceito de

"patrimonialismo": a prática de tratar bens públicos como se
fossem propriedade de uns poucos personagens com acesso
permanente ao poder político. Você critica esse conceito,
chamando­o de "conto de fadas para adultos". Poderia explicar?

Jessé Souza ­ O conceito de patrimonialismo foi contrabandeado de Max
Weber sem a menor preocupação com a contextualização histórica que é
fundamental em Weber. Acho que isso está bem fundamentado no livro, mas
a "incorreção científica" não é a questão principal aqui.

O patrimonialismo só sobrevive como um conceito que quer dizer alguma
coisa em um contexto que pressupõe o complexo de vira­lata do brasileiro.
Essa é a questão principal. É só porque se imagina, candidamente, que
existam países onde não há a apropriação privada do Estado para fins
particulares –os EUA para os liberais brasileiros seriam esse paraíso– que se
pode falar de patrimonialismo como particularidade brasileira.

Imagine a meia dúzia de petroleiras americanas, que mandavam no governo
Bush filho, atacando o Iraque, com base em mentiras comprovadas, pela
posse do petróleo. E com isso matando milhões de pessoas e desestabilizando
a região até hoje com consequências funestas que todos vemos.

Quer melhor exemplo de apropriação privada do Estado para fins de lucro de
meia dúzia sem qualquer preocupação com as consequências? A verdadeira
questão é sempre em nome de que e de quem se apropria do Estado: para o
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questão é sempre em nome de que e de quem se apropria do Estado: para o
lucro de meia dúzia –como foi a regra no Brasil e que é a real motivação do
impeachment de hoje– ou para a maioria da sociedade.

Minha tese é a de que, no Brasil, o patrimonialismo serve para duas coisas
bem práticas:

1) A primeira é demonizar o Estado como ineficiente e corrupto e permitir a
privatização e a virtual mercantilização de todas as áreas da sociedade,
mesmo o acesso à educação e à saúde, que não deveria depender da sorte de
nascer em berço privilegiado;

 2) Serve como uma espécie de "senha" de ocasião para que o 1% que controla
o dinheiro, a política (via financiamento privado de eleições) e a mídia em
geral possa mandar no Estado mesmo sem voto. Não é coincidência que tenha
havido grossa corrupção em todos os governos, mas apenas com Getúlio,
Jango, Lula e Dilma, governos com alguma preocupação com a maioria da
população, é que a "senha" do patrimonialismo tenha sido acionada com
sucesso. Somos ou não feitos de tolos?

A corrupção no Brasil, segundo muitos analistas, teria causas
culturais, originadas na tradição ibérica e católica. Qual a sua
discordância com relação a essa tese?

Essa versão é falsa. Ela é "pré­científica", já que examina o fenômeno da
transmissão cultural nos termos do senso comum que pensa mais ou menos
assim: "Se meu avô é italiano, então também sou". Depende. A língua comum
facilita certas interações, mas o decisivo e o que efetivamente constrói os seres
humanos são as influências das instituições, como a família, a escola, a
economia e a política.

No Brasil, desde sempre, temos a escravidão como uma espécie de
"instituição total" que determinou um tipo muito peculiar de família, de
religião, de poder político, de exercício da justiça, de produção econômica,
tudo isso muito distinto de Portugal, que desconhecia a escravidão, a não ser
de modo muito tópico e localizado.

A Igreja Católica, por exemplo, tinha muito poder e continha o mandonismo
dos grandes senhores. Aqui o "senhor de terras e gente" mandava em tudo
sem peias. O Brasil desde o ano zero foi, portanto, uma sociedade singular,
apesar de colonizada por Portugal. Mas foi a partir desse engano que se criou
uma ciência culturalista frágil e superficial, baseada no senso comum que hoje
ganha a mente e os corações dos brasileiros de tão repetida por todos.

O mais importante é que essa falsa ciência que constrói o brasileiro como
inferior –posto que ligado ao "corpo" como emotividade e sexo, se opondo ao
europeu e americano que seriam o "espírito", intelecto e moralidade
distanciada– serve a interesses políticos. Esse racismo pela cultura só
substitui o "racismo racial" clássico, mantendo todas as suas funções de
legitimar privilégios.

Na dimensão internacional, a intelectualidade brasileira dominante,
colonizada até o osso, engole o racismo cultural e torna ontológica a suposta
inferioridade brasileira; na dimensão interna e nacional, serve para separar
"classes do espírito", como a classe média "coxinha", que seria "ética", posto
que escandalizada com o "patrimonialismo seletivo" criado pela mídia, e as
classes populares, tidas como "amorais", posto que guiadas pelo interesse
imediato.

Essa espécie de "racismo de classe", falso de fio a pavio, é o fio condutor do
empobrecido debate público brasileiro.

Você é muito crítico com relação a um dos formuladores desse
"culturalismo", Sérgio Buarque de Holanda. As teses de "Raízes do
Brasil" foram expostas em 1936. Será que ao menos naquela época
a crítica a um Estado sem meritocracia, baseado no favoritismo e
nas relações familiares, não era correta?

Eu gostaria antes de tudo de saber onde fica esse país maravilhoso, formado
apenas pelo mérito, que não favorece ninguém e onde relações familiares não
decidem carreiras. Quem conhecer, por favor, me avise. Eu passei boa parte
de minha vida adulta em países ditos "avançados" e nunca conheci um assim.
A própria crença de que exista algo assim prova como o racismo e a "vira­

latice" tomou conta de nossa alma.
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latice" tomou conta de nossa alma.

Sérgio Buarque de Holanda é o pai desse liberalismo amesquinhado e
colonizado brasileiro. É necessário sempre separar a "pessoa" da "obra" e de
seus efeitos sociais, que são o que importa. O liberalismo é fundamento
importante da democracia, mas existem várias maneiras de ser liberal, e a
nossa maneira é a pior possível.

Buarque criou a semântica do falso conflito que permite encobrir todos os
conflitos sociais verdadeiros entre nós e que nos faz de tolos até hoje. A
absurda separação entre um Estado demonizado como corrupto e ineficiente
e o mercado como reino de todas as virtudes, quando os dois no fundo são
 
indissociáveis, só serve como mote para a meia dúzia que manda no Brasil e
controla o dinheiro, a política e a informação via mídia virar o país de ponta­
cabeça só para ter mais dinheiro no bolso.

Como não se pode dizer que o que se quer é uma gorda taxa Selic e o acesso
"privado" às riquezas brasileiras, como petróleo e ferro, para essa meia dúzia,
então diz­se que é para acabar com o "mar de lama", sempre só no Estado, se
ocupado por partidos populares, e sempre seletivamente construído via mídia
conservadora em associação com as instituições que querem aumentar seu
poder relativo vendendo­se como "guardiãs da moralidade pública".

É esse discurso que transforma milhões de pessoas inteligentes em tolas. Essa
parcela da classe média conservadora é explorada por esse 1% que lhe vende
os milagres da privatização brasileira: a pior e mais cara telefonia do globo,
por exemplo, campeã de reclamações. De resto, todos os bens e serviços
produzidos aqui são piores e mais caros. Mas dessa espoliação da classe
média por um mercado superfaturado que vai para o bolso do 1% mais rico
ninguém fala.

O filho do "coxinha" quer ter acesso a uma boa universidade pública, e o avô
dele, quando está doente e o plano não paga, tem que ir ao SUS para doenças
graves e tratamentos caros. Um Estado fraco só serve ao 1% mais rico que
pode ficar ainda mais rico embolsando a Petrobras a preço de ocasião. O
"coxinha" só é feito de tolo.

A classe média "coxinha" que sai às ruas tirando onda de campeã da
moralidade, por sua vez, explora e rouba o tempo das classes excluídas a
baixo preço para poupar o tempo do trabalho doméstico e investir em mais
estudo e mais trabalho valorizado e rentável.

Luta de classes não é só cassetete na cabeça de trabalhador. É uma luta
silenciosa e invisível (para a maioria) que implica monopólio de recursos para
as classes privilegiadas e condenações à miséria eterna para a maioria dos
70% que não são da classe média ou do 1% mais rico. A fanfarra do
patrimonialismo e da corrupção só do Estado serve, antes de tudo, para
tornar essas lutas invisíveis.

Como você vê a obra de Roberto DaMatta nesse contexto?

A obra dele, que reflete fielmente as discussões de botequim de todo o Brasil,
foi uma tentativa de "modernizar" Buarque. O mais irritante é que esse
pessoal "tira onda" de crítico ao repetir as platitudes do Estado patrimonial e
do "jeitinho" como prova da queda ancestral do brasileiro médio para auferir
vantagens por relações de conhecimento com poderosos.

A tese central de DaMatta, que se tornou uma espécie de "segunda pele" do
brasileiro médio, é a de que a hierarquia social brasileira é fundada no capital
social de relações pessoais. Essa seria a peculiaridade brasileira que viria de
épocas ancestrais. Desde que a gente reflita duas vezes, essas teses caem como
castelo de cartas. Se não, vejamos.

O leitor que nos lê conhece alguém com acesso a relações pessoais com
pessoas poderosas sem, antes, ter capital econômico ou capital cultural? Se o
leitor conhecer, então DaMatta tem razão na sua tese do jeitinho.

Como desconfio de que o leitor não conhece ninguém assim, então o que
DaMatta faz é tornar invisível a distribuição injusta de capital econômico e
cultural e, com isso, sepultar qualquer reflexão sobre a origem social de toda
desigualdade.

Para completar supõe –no fundo a cândida e infantil crença nos Estados
Unidos como paraíso na terra– que existam países onde o capital em
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Unidos como paraíso na terra– que existam países onde o capital em
relacionamentos não decida previamente a vida da maior parte das pessoas.
Teoria mais frágil e colonizada impossível. Mas é ela que faz a cabeça do
brasileiro médio hoje.

Ao lado do "culturalismo conservador", você critica o
economicismo de raiz marxista. Quais as suas restrições a esse
modelo explicativo?

É que o capitalismo não é só troca de mercadorias e fluxo de capital. É
preciso, por isso, superar o economicismo, seja liberal, seja marxista. O
capitalismo é também um sistema social e moral que avalia todo mundo e que
 humilha e despreza uns e enobrece e legitima a felicidade de outros.

É essa hierarquia social "invisível" (mas cuja realidade o estudo empírico
pode mostrar) que diz o que é certo e errado, verdadeiro ou falso. O
capitalismo é, portanto, um sistema de classificação e desclassificação que
predetermina quem ganha e quem perde e legitima esses lugares.

No livro, que resume meus 35 anos de trabalho teórico e empírico sobre esses
temas, procurei mostrar que esses sistemas de classificação são os mesmos
para Brasil e Argentina, do mesmo modo como atuam na França ou na
Inglaterra.

A peculiaridade do Brasil é a tolerância com o abandono da classe dos
excluídos que chamo provocativamente de "ralé". Todos nossos problemas –
insegurança, baixa produtividade, serviços públicos de má qualidade– advêm
do esquecimento dessa classe.

A corrupção existe em todos os países, você diz. Mas certamente há
diferenças de grau entre a Dinamarca, digamos, e o Brasil.

A corrupção é endêmica ao capitalismo. Se corrupção for enganar o outro,
então o capitalismo é certamente mais engenhoso que qualquer outro sistema
social.

O que outros países como a Dinamarca ou Alemanha não têm é a corrupção
"pequena" –a única que o cidadão feito de tolo enxerga no cotidiano– do
agente público mal remunerado, como os policiais entre nós. Existem também
arranjos institucionais mais ou menos bem­sucedidos.

O Brasil ganharia com o financiamento público de eleições e com uma
reforma política que tornasse mais transparente a relação com a economia. É
nisso que falta avançar. Mas é preciso mesmo ser muito ingênuo para não
perceber que a "grossa corrupção", a que drena capitais e privilégios para uma
pequena minoria, é universal. Dilma tentou comprar essa briga no Brasil,
enfrentando o grande capital especulativo. Hoje fica claro que esse pessoal
não a perdoou pela ousadia.

Suponha­se que Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e
Roberto DaMatta estejam errados ao atribuir a uma
particularidade brasileira, a um vício cultural católico português a
inexistência de um sistema de mérito real, de uma real
impessoalidade do Estado e de uma legítima situação de igualdade
de oportunidades no Brasil. Mesmo que essa situação não
corresponda à realidade de um país como os Estados Unidos, que
esses autores idealizam, será que essa crítica não expressa um
desejo de transformação importante? Em vez de anular o valor
dessa crítica, poderíamos alargar sua dimensão estendendo­a a
outros países.

O único caminho seguro, na vida pessoal ou na coletiva, é a verdade. Não se
pode pensar uma sociedade e suas contradições alargando uma concepção
falsa desde os pressupostos. Nem há razão para isso.

O livro mostra, creio eu, que é possível um novo caminho para a percepção do
Brasil e de suas singularidades. Um caminho que não vise apenas preservar os
privilégios absurdos de uma pequena elite socialmente irresponsável,
legitimados por uma pseudociência, mas que possa, inclusive, recuperar a
inteligência viva dessa mesma classe média que é hoje manipulada a agir
contra seus interesses.

Você diz que as classes médias, predominantes nas manifestações

de junho de 2013, são feitas de tolas quando compram automóveis
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03/06/2016 A quem serve a classe média indignada? ­ 10/01/2016 ­ Ilustríssima ­ Folha de S.Paulo
de junho de 2013, são feitas de tolas quando compram automóveis
com o triplo da taxa de lucro dos países europeus, pagam taxas de
juros estratosféricas e usam serviços de celular entre os mais caros
e ineficientes do mundo. Mas não teriam razão, do ponto de vista
de seus interesses, ao reclamar de impostos que são uma parcela
enorme do preço de bens como veículos automotores e geladeiras?

A estrutura de impostos no Brasil tem de ser efetivamente revista no sentido
de evitar impostos indiretos em produtos e serviços e atingir mais a renda
diferencial, e, muito especialmente, o patrimônio. Desse ponto de vista, ela
pode ter um pouco de razão.
 
Mas o ponto mais importante para a tolice da classe média é que o Estado
funciona como arrecadador de impostos, antes de tudo, para bancar e garantir
a drenagem de recursos arrecadados da sociedade como um todo para a meia
dúzia de plutocratas que manda na economia, na política via financiamento
de eleições e na mídia. O pagamento de juros para essa meia dúzia e seus
colegas estrangeiros –o único aspecto que ninguém nem sequer pensa em
cortar em ocasiões de crise– compromete, por exemplo, o investimento em
educação e saúde de qualidade para todos.

O plutocrata vai aos EUA se operar se for preciso e manda o filho estudar em
Miami ou na Suíça, como acontece realmente hoje em dia. A classe média que
sai às ruas para apoiá­lo precisa do SUS quando a chapa esquenta e só conta
com a universidade pública aqui mesmo para o filho. Ao mesmo tempo, paga
os serviços e produtos mais caros e de menor qualidade relativa do globo no
nosso mercado superfaturado. Esse "extra" também é um imposto que sai da
classe média direto para o bolso da elite econômica. Mas dele nunca se fala.

Essa classe média, portanto, é espoliada pela elite por mecanismos tanto de
Estado quanto de mercado, e é ela que depois sai às ruas para defender os
interesses dessa mesma elite usando o espantalho seletivo da corrupção
apenas estatal.

Essa é a real história da tolice pré­fabricada entre nós.

O sentimento anti­Estado e pró­mercado tende a ser conservador e
perverso no Brasil. Mas não poderíamos acusar a esquerda, em
especial o PT, de um excessivo "estatismo", não no sentido
econômico, mas no de considerar que a transformação social
poderia vir de uma simples conquista do poder político pelo
partido de esquerda? Em vez de privilegiar formas de auto­
organização e de capilarização do partido nas periferias, o PT
procurou agir "a partir de cima", e não "a partir de baixo". Como
resultado, vemos nas periferias todo tipo de igrejas evangélicas,
mas nenhum núcleo ou sede distrital de partidos políticos. O preço
para assumir o poder sem essa organização foi a aliança com os
setores mais retrógrados da política brasileira, como Collor,
Maluf, os ruralistas e a bancada evangélica. O "estatismo" de
esquerda, nesse sentido, não seria uma repetição para pior do
populismo? O petismo não seria também um conto de fadas para
adultos?

O principal erro do PT para mim foi duplo e reflete sua dependência da
narrativa liberal tão importante nele quanto em um partido conservador da
elite como o PSDB. Esse foi um dos temas centrais do livro: mostrar que a
ideologia liberal amesquinhada dominou também a dita "esquerda",
colonizando a tradição social­democrata ou socialista democrática.

O PT teria que ter criado uma narrativa independente mostrando a
importância do passo a passo da ascensão social possível e mostrando as
dificuldades também –sem cair, por exemplo, na fantasia da nova classe
média, que gerou expectativas desmedidas.

Essa narrativa poderia ter sido uma versão politizada, mostrando a
importância da política inclusiva e da "vontade política" para a mobilidade
social, de modo a se contrapor à leitura individualista da ascensão social da
religião evangélica.

Mas, para isso, teria sido necessário tocar no nó górdio da dominação social
no Brasil, que é o papel de "partido político da elite" assumido pela imprensa
conservadora desde o golpe contra Getúlio. É ela, afinal, quem chama a classe
média moralista e feita de tola às ruas e é ela que manipula seletivamente e a
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média moralista e feita de tola às ruas e é ela que manipula seletivamente e a
seu bel­prazer o tema da corrupção como única moeda dos conservadores
para mascarar seus interesses mais mesquinhos em pseudointeresse geral. É
ela quem tira onda de "neutra", quando apenas obedece ao dinheiro.

O medo desse confronto foi a real causa do que agora acontece. Em uma
sociedade midiática, onde toda informação vem de cima para baixo, tem que
existir o contraditório, a opinião alternativa, senão o voto do eleitor não é
esclarecido nem autônomo, ou seja, rigorosamente, não tem democracia.
Nesse sentido estamos mais perto da Coreia do Norte do que da Inglaterra ou
da Alemanha. Confiar apenas nos "movimentos sociais" nesse contexto é
ingenuidade. Esses movimentos também estão sob a égide do discurso único
 
da mídia conservadora. Essa é para mim a real razão do fracasso relativo do
projeto petista.
MARCELO COELHO, 57, é colunista da Folha.

SÉRGIO SISTER, 67, é artista plástico. 

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comentários Ver todos os comentários (86)

Comente Termos e condições

Dewey (12143) 10/01/2016 08h17   11    0    Denunciar  COMPARTILHAR

O autor parece usar o argumento que os antigos chamavam de reductio ad absurdum. Fazer
uma suposição com vício de origem e depois demonstrar as consequências da sua aceitação
ou rejeição. Qualquer um que tenha pisado em solo americano ou europeu sabe que esses
lugares estão longe de serem perfeitos. Não existe maior crítico do governo americano do que o

povo americano. Entretanto apesar da falta de perfeição eles conseguiram construir países mais
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povo americano. Entretanto apesar da falta de perfeição eles conseguiram construir países mais
avançados do que o nosso. A questão é, por quê?
O comentário não representa a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem

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Andrômeda (720) 10/01/2016 12h26   10    1    Denunciar  COMPARTILHAR

A maior prova que ter um diploma não significa nada e que qualquer um pode publicar um livro,
principalmente tendo o Estado para ajudar financiá­lo. Nos países onde o capitalismo é mais
É nesse lugar Patrocínio:
que nós
consolidado a corrupção é mínima e onde é mais frágil e dependente do estado é máxima. O
queremos você
socialismo é a corrupção por natureza, institucionalizada, não por menos China, Rússia, Cuba e
Coréia do Norte são hoje os campeões da corrupção. O Brasil populista também.
  O comentário não representa a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem

 Responder

Gutenberg (470) 10/01/2016 11h06   10    1    Denunciar  COMPARTILHAR

1) A corrupção é endêmica ao ser humano e não ao capitalismo. A educação e o
desenvolvimento do indivíduo é que o torna apto à cidadania. 2) Hoje em dia para se ganhar
uma discussão política basta inserir a palavra 'racismo'.
O comentário não representa a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem

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