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COLUNISTA DA FOLHA
*O amigo adversário*
Sua morte é penosa para todos, da minha parte interrompe a última fase do
mesmo diálogo. No esforço de nos libertar das armadilhas de uma filosofia da
consciência, mergulhamos nos trabalhos de Wittgenstein, numa lógica da
linguagem que pode nos levar a entender melhor no que consiste o movimento
criador e pensante da ação humana.
Logo, porém, as dissensões se armaram. E sobre um conceito tão cabeludo
quanto indispensável que é o conceito de mundo, Bento continuou a pensar que
o mundo da vida é o terreno cujos elementos precisam ser empregados para que
se formem jogos de linguagem. No final das contas, para que o pedreiro e o
aprendiz se entendam na troca de serviços, ambos precisam estar no mundo
onde reconhecem desde logo tijolos, areia e outros materiais. Não nego esse
aspecto do conceito de mundo, mas não abro mão de situá-lo como um conceito
lógico, isto é, um conceito que serve para descrever o funcionamento de um
jogo de linguagem.
Se por certo a pedra está no mundo, seu nome se dá como uma figura ambígua
que, de um lado, fala de uma coisa, de outro, é um elemento necessário ao
exercício de um jogo de linguagem. Sob esse aspecto, "pedra" é um conceito
lógico, descreve o funcionamento dele. Sua morte interrompe esse diálogo e
me priva de um amigo adversário. Visto que em geral só penso na contramão,
uma parte de mim mesmo foi-se embora.
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*JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI* é professor emérito da USP e coordenador da área de
filosofia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção
"Autores".